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Filo. ingist port, n. 4, p. 221-290, 2001. REFLEXOES SOBRE A AREA DE FILOLOGIA € UNGUA PORTUGUESA Frolbo T. de Castiho * RESUMO: O trabalho apresenta um breve histério da Area de lologa e Lingua Portuguesa do Departamento de Letras Classcase Vernécula da Universidade de Sao Paulo. So enume- radas a8 atvidades de graduacio, pés-graduacio e extensio e relacionada 2 producio cien- tffica dos professores. Na conclusio, s80 oferecidas ao debate algumas indicagBes sobre of esdobramentos fururos da Area. Palavras-chave: Historiografa lingilistica, Filologia e Lingilistica Portuguesa no Brasil, Pers- pectivas das pesquisas sobre a Lingua Portuguesa. APRESENTAGAO Portugués atualmente a quinta lingua mais falada no mundo, com seus 166 milhdes de usuarios, espalhados pelo continente europeu, americano e afticano, além de pequenas comunidades asiaticas. A Universidade de Sao Paulo é a maior universidade brasileira, além de ser a segunda mais antiga, estando localizada na maior cidade de lingua portuguesa do mundo. Desde sua fundagao, uma cadeira foi consagrada & pesquisa e ao ensino do Portugués, A Lingiifstica do Portugués vem conhecendo nas iltimas décadas um desenvolvimento sem igual, em correspondéncia 4 importancia da lingua portuguesa no mundo contemporaneo, Tornou-se patente em varios centros universitérios do Brasil, de Portugal e mesmo de alguns paises estrangeiros, a urgente necessidade de documentar, descrever e * Universidade de Sao Paulo, CNPq. CASTILHO, Ataliba T. de, Reflexdes sobre a Area de Filologia ¢ Lingua Portuguesa. historiar as diferentes manifestacdes do Portugués, tanto quanto de debater os problemas de sua expansao e ensino como lingua materna e lingua estrangeira. Presentemente, a Area de Filologia e Lingua Portuguesa da USP cumpre as seguintes tarefas, que importa consolidar e expandir: (1) AArea é responsavel pelo Bacharelado em Lingua Portuguesa, que é ahabilitacao central em Letras. Isso significa que anualmente ela opera sobre um universo de 1.800 alunos, matriculados em suas disci- plinas, que s4o ministradas em 7 dos 8 semestres de residéncia regular dos alunos no curso de graduacao em Letras. (2) Suas atividades de pesquisa e de docéncia sio bem caracteri- zadas, cobrindo oito dréas de especializagiio, Acrescente-se a isso 0 desenvolvimento constante de projetos coletivos de pesquisa, por ini- ciativa de seu corpo docente, envolvendo varias instituicdes universi- tarias do pafs e do exterior. (3) A titulacio de seu corpo docente tem um perfil bastante favo- ravel, no quadro das universidades brasileiras. Dado 0 fortalecimento da Area de Letras no pafs (que se consuilte o Quem é quem em Letras e Lingtifstica preparado em 1998 por Luiz Anténio Marcuschi), um plano de melhoria do perfil de seus docentes tem sido considerado pelos professores, (4) As atividades de extensao vém sendo praticadas com regula- ridade, prevendo-se sua intensificaco, mediante a implantagéo de Cursos de Especializaco para professores de Portugués como lingua materna e como lingua estrangeira. 1. BREVE HISTORICO DA AREA DE FILOLOGIA € UNGUA PORTUGUESA Criada em 1934 a Faculdade de Filosofia, Ciéncias e Letras, seut Diretor solicitou ao Prof. Dr. Rebelo Goncalves, que respondia entéo pela Catedra de Filologia Portuguesa, “um parecer sincero, ndo s6 sobre as deficiencias encontradas na organizagio da Faculdade e no preparo dos ali- nos, conto também sobre os rumos a dar ao erisino ministrado”. 222 Filol lingiist port, 1.4, p. 221-290, 2001. Aresposta de Goncalves foi ao mesmo tempo um diagnéstico da situacao do ensino da lingua portuguesa (e, de certa forma, também das humanidades) na ocasio, em Sao Paulo, e uma proposta de acaio sobre ele, como eixo de uma orientagao geral e, conseqiientemente, de um programa de estudos que fosse atingir o ensino em outros ni- veis, igualmente necessitados de uma reforma (Amudrio, 1934-1935, p. 191-7). Concordando implicitamente com a opiniio de seu colega de Filologia e Literatura Grega e Latina, Prof. Michel Berveiller, que por sua vez acusava a heterogeneidade de preparo dos alunos, Rebelo Goncal- ves faz uma anélise critica do ensino da lingua portuguesa nos varios graus, identificando as razées dos problemas detectados (i) na persis- téncia da tradi de estudos retéricos e da memorizacao, (ii) na opo- sigdo entre gramatica expositiva, pouco cientifica, e gramatica histéri- ca, (iii) na falta de um bom ensino de Latim, para o necessdrio confron- to entre as duas linguas, (iv) na ma qualidade de orientagio e de orga- nizagao das antologias escolares. Daf ele fez decorrer a necessidade de nova base escolar. Ele concebeu o projeto de preparacdio de uma gramatica luso- brasileira, j4 aprovada, alids, pelo Centro de Estudos Filolégicos de Lis- boa (atualmente, Centro de Lingiifstica da Universidade de Lisboa), defendendo “o predominio, como padrdo, da variante européia da lingua portuguesa e a atribuigo do papel central aos estudos filolégicos, isto é de uma abordagem predominantemente hist6rica do estuco da lingua” (Dias de “Moraes, 1994, p. 416). E cutioso observar que nos anos 30, dez anos depois clo Movimento Modenista, se pudesse sustentar publicamente © predomiinio da variante européia sobre a brasileira! Em 1937, 0 Prof. Rebelo Goncalves assumiu a Cadeira de Lingua ¢ Literatura Grega e Latina. Com isto, assume a Cadeira de Filologia e Lingua Portuguesa o Prof. Othoniel Mota, que teve uma atuacdo muito répida a frente da Cadeira. Em 1939, Francisco da Silveira Bueno vence concurso para a Ca- deira, que regeria até 1969. Em sua aula inaugural, ele prope a con- cepgao de Filologia que orientaria seus cursos: “o conhecimento comple- 293 CASTILHO, Ataliba T, de, Reflexdes sobre a Area de Filologia ¢ Lingua Portuguesa. t0.¢ perfeito da civilizacao de wm povo () através de suas obras de razéo, de sentimento e de fantasia” (Bueno, 1939-1949, p, 83). O efeito desse pen- samento, como reconhece Dias de Moraes (1994, p. 417), foi a aliena- do da realidade lingiiistica do Brasil, Tal como aconselhado por Rebelo ongalves, ¢ com o que se fazia em seu tempo, ele imprimiu aos cursos de graduacao uma orientaco maiormente historicista, inovando ao incluir no curriculo as disciplinas de Estilistica e de Seméntica. 0 Prof. Silveira Bueno considerava encerrado o ciclo dos estudos gramaticais, de cardter descritivo, quando da entrada dos alunos na Universidade, Em 1953 ele fundou o Jornal de Filologia, que foi publicado durante dez anos. Sua produgao cientffica retrata bem suas preocupacées, umas de carter didético (manuais escolares, gramatica e diciondrio escolar, manuais de pratica da linguagem), outras de cardter histérico (diciond- rio etimol6gico, hist6ria da lingua portuguesa, a edigao filolégica), pas+ sando pela Retérica: VER SILVEIRA BUENO. O Prof. Segismundo Spina assumiua Cadeira, entao redenominada “Area”, como seu Professor Titular em 1969, no momento mesmo da Reforma Universitéria. Anteriormente, ele trabalhara na Cadeira de Li- teratura Portuguesa, em que era responsavel pelo ensino e pesquisa da literatura medieval. Desde 1962, instalara-se no pafs como estudo obri- gatério a disciplina de Lingtifstica. O novo Titular encaminhou as coi- sas para 0 estudo da lingua portuguesa “sobre fimdamento lingiifstico", como reconhece Dias de Moraes (1994, p, 419), sem deixar de lado a pesquisa filolégica. Ele ampliou e renovow 0 corpo docente, instalou em 1972 0 Curso de Pés-Graduacao em Filologia e Lingua Portuguesa, @ conseguitt que fossem concursados mais trés Titulares: os Profs. Ro- lando Morel Pinto, Dino Preti e Edith Pimentel Pinto, Seus trabalhos tratam da poética medieval e barroca, da edicao filoldgica, da historia da lingua e da literatura: VER SPINA. A principal atuagao do Prof. Rolando Morel Pinto centrow-se na Estilistica literdria: VER MOREL PINTO. O Prof. Dino Preti instalou na Area os estudos de Sociolingiifstica da lingua portuguesa, e impulsio- nou fortemente as indagagées sobre a pragmética do portugués fala- do, como um dos coordenadores da equipe paulista do Projeto da Norma 994 Filo, lings. port. n. 4, p. 221-290, 2001, Lingiifstica Urbana Culta. Pela primeira vez a Area participava de um projeto internacional, com fortes ramificagdes nas Universidades Fede- rais de Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul: VER PRETI. A Profa. Edith Pimentel Pinto impulsionou os estudos sobre 0 Portugués do Brasil, particularmente em sua variedade popular, exami- nando os argumentos constantes da bibliografia sobre a matéria, em seus variados aspectos, e, ainda, editando um texto do Pe. Anchieta: VER PINTO. , Nao deixa de ser interessante comparar as atividades da Area de Filologia e Lingua Portuguesa com o que se passava em outros ramos dos Estudos Lingiiisticos no interior da propria Universidade de Sao Paulo. Em 1934, o Prof, Theodoro Henrique Maurer Jr tinha criado a Cadeira de Lingiifstica Indo-Européia, que regeu juntamente com a de Filologia Romanica, ampliando nosso conhecimento do Latim Vulgar através de uma bem sucedida aplicagio do método histérico-compara- tivo, 20 mesmo tempo em que apresentava explicagdes originais sobre complicados problemas da sintaxe do portugués (Castilho, 1988). Em 1961, a Lingiifstica passa a curso auténomo na FFLCH, instalando-se no ano seguinte, nos cursos de graduacio, a disciplina “Introdugio aos Estudos Linglifsticos”. Em 1963, o Prof. Theodoro Henrique Maurer Jr. ctia 0 Curso de Pés-Graduacao em Lingiiistica, reformulado em 1971, para adequar-se ao regime novo. Em 1972, cria-se o Bacharelado em Lingitistica, e pouco depois o Departamento de Lingiifstica (Santos, 1994), 2. SITURGAO ATUAL DA AREA DE FILOLOGIA € LINGUA PORTUGUESA 2.1 Conjunture tvol dos estucios flolbgicos e lingUisticos A Area de Filologia e Lingua Portuguesa abriga duas grandes di- regSes nos estudos sobre a linguagem: os estudos filoldgicos e os Estu- dos Lingiiisticos. Assim, antes de retratar sua situagdo atual, sera con veniente refletir ainda que brevemente sobre essas suas duas grandes vertentes de atuacao cientifica, na conjuntura contemporanea. 225

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