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Aluna: Joyce Mantzos


Orientadora: Priscila Cardoso Vieira
Componente curricular: PCC
Data: 07/07/2022

TODOROV, T. As estruturas narrativas. Tradução de Leyla Perrone-Moisés. 3.ed.


São Paulo: Perspectivas, 2006.

● “(...) Num mundo que é bem o nosso, tal qual o conhecemos, sem diabos, sílfides nem
vampiros, produz-se um acontecimento que não pode ser explicado pelas leis deste
mundo familiar. Aquele que vive o acontecimento deve optar por uma das soluções
possíveis: ou se trata de uma ilusão dos sentidos, um produto da imaginação, e nesse
caso as leis do mundo continuam a ser o que são. Ou então esse acontecimento se
verificou realmente, é parte integrante da realidade; mas nesse caso ela é regida por leis
desconhecidas para nós. Ou o diabo é um ser imaginário, uma ilusão, ou então existe
realmente, como os outros seres vivos, só que o encontramos raramente. O fantástico
ocupa o tempo dessa incerteza; assim que escolhemos uma ou outra resposta, saímos
do fantástico para entrar num gênero vizinho, o estranho ou o maravilhoso. O fantástico
é a hesitação experimentada por um ser que não conhece as leis naturais, diante de um
acontecimento aparentemente sobrenatural.” (p. 146)
● “(...) ‘Quase cheguei a acreditar’: eis a fórmula que melhor resume o espírito do
fantástico. A fé absoluta, como a incredulidade total, nos levam para fora do fantástico;
é a hesitação que lhe dá vida.” (p. 148)
● “(...) O fantástico implica pois uma integração do leitor no mundo das (...) personagens;
define-se pela percepção ambígua que o leitor tem dos acontecimentos narrados; esse
leitor se identifica com a personagem. É importante precisar desde logo que, assim
falando, temos em vista não tal ou tal leitor particular e real, mas uma ‘função’ de leitor,
implícita no texto (da mesma forma que está implícita a de seu narrador). A percepção
desse leitor implícito está inscrita no texto com a mesma precisão que os movimentos
das personagens.” (p. 149)
● “(...) Para se manter, o fantástico implica pois não só a existência de um acontecimento
estranho, que provoca uma hesitação no leitor e no herói, mas também um certo modo
de ler, que se pode definir negativamente: ele não deve ser nem poético nem alegórico.”
(p. 149)
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● “Estamos agora em estado de precisar e de complementar nossa definição do fantástico.


Este exige que três condições sejam preenchidas. Primeiro, é preciso que o texto
obrigue o leitor a considerar o mundo das personagens como um mundo de pessoas
vivas e a hesitar entre uma explicação natural e uma explicação sobrenatural dos
acontecimentos evocados. Em seguida, essa hesitação deve ser igualmente sentida por
uma (...) personagem; desse modo, o papel do leitor é, por assim dizer, confiado a uma
personagem e ao mesmo tempo a hesitação se acha representada e se torna um dos
temas da obra; no caso de uma leitura ingênua, o leitor real se identifica com a
personagem. Enfim, é importante que o leitor adote uma certa atitude com relação ao
texto: ele recusará tanto a interpretação alegórica quanto a interpretação ‘poética’. O
gênero fantástico é pois definido essencialmente por categorias que dizem respeito às
visões na narrativa; e, em parte, por seus temas.” (p. 149-150)
● “(...) A ambigüidade depende também do emprego de dois processos verbais que
penetram o texto todo. Nerval os utiliza habitualmente juntos; são eles: o imperfeito e
a modalização.” (p. 151)
● “O fantástico, como vimos, dura apenas o tempo de uma hesitação: hesitação comum
ao leitor e à personagem, que devem decidir se aquilo que percebem se deve ou não à
‘realidade’, tal qual ela existe para a opinião comum. No fim da história, o leitor, senão
a personagem, toma entretanto uma decisão, opta por uma ou outra solução, e assim
fazendo sai do fantástico (...). Se ele decide que as leis da realidade permanecem intatas
e permitem explicar o fenômeno descrito, dizemos que a obra pertence ao gênero do
estranho. Se, ao contrário, ele decide que se deve admitir novas leis da natureza, pelas
quais o fenômeno pode ser explicado, entramos no gênero do maravilhoso.” (p. 154)
● “(...) Comecemos pelo fantástico-estranho. Os acontecimentos que parecem
sobrenaturais ao longo da história recebem por fim uma explicação racional. Se esses
acontecimentos conduzem a personagem e o leitor a acreditar na intervenção do
sobrenatural, é que têm um caráter insólito, estranho. A crítica descreveu (e
freqüentemente condenou) essa variedade sob o nome de ‘sobrenatural explicado’.” (p.
155)
● “(...) o estranho puro. Nas obras que pertencem a esse gênero, relatam-se
acontecimentos que podem perfeitamente ser explicados pelas leis da razão, mas que
são, de uma forma ou de outra, incríveis, extraordinários, chocantes, singulares,
inquietantes, insólitos.” (p. 156)
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● “A outra série de elementos que provocam a impressão de estranheza não está ligada
ao fantástico mas ao que se poderia chamar de ‘experiência dos limites’, e que
caracteriza o conjunto da obra de Poe.” (p. 157)
● “(...) fantástico puro, pois este, pelo próprio fato de não ter sido explicado,
racionalizado, nos sugere a existência do sobrenatural. O limite entre os dois será
portanto incerto; entretanto, a presença ou a ausência de certos pormenores nos
permitirá sempre decidir.” (p. 157)
● “Existe afinal um maravilhoso puro que, da mesma forma que o estranho, não tem
limites nítidos: obras extremamente diversas contêm elementos de maravilhoso. No
caso do maravilhoso, os elementos sobrenaturais não provocam qualquer reação
particular nem nas personagens nem no leitor implícito. Não é uma atitude para com os
acontecimentos contados que caracteriza o maravilhoso, mas a própria natureza desses
acontecimentos. Os contos de fadas, a ficção científica são algumas das variedades do
maravilhoso; mas eles já nos levam longe do fantástico.” (p. 159)
● “(...) A condenação de certos atos pela sociedade provoca uma condenação que ocorre
no próprio indivíduo, proibindo-o de abordar certos temas tabus. O fantástico é um meio
de combate contra uma e outra censura: os desencadeamentos sexuais serão mais bem
aceitos por qualquer espécie de censura se pudermos atribuí-los ao diabo.” (p. 159)
● “Podemos concluir que, desse ponto de vista, a introdução de elementos sobrenaturais
é um meio de evitar a condenação que a sociedade lança sobre a loucura. A função do
sobrenatural é subtrair o texto à ação da lei e, por esse meio, transgredi-la.” (p. 160)
● “(...) toda narrativa é movimento entre dois equilíbrios semelhantes mas não idênticos.
No começo da narrativa, haverá sempre uma situação estável, as personagens formam
uma configuração que pode ser móvel mas que conserva entretanto intatos certo número
de traços fundamentais.” (p. 160)
● “A narrativa elementar comporta pois dois tipos de episódio: os que descrevem um
estado de equilíbrio ou de desequilíbrio e os que descrevem a passagem de um a outro.”
(p. 161)
● “(...) A relação do sobrenatural com a narração torna-se então clara: todo texto
fantástico é uma narrativa, pois o elemento sobrenatural modifica o equilíbrio anterior,
ora, esta é a própria definição da narrativa; mas nem toda narrativa pertence ao
maravilhoso, se bem que exista entre eles uma afinidade, na medida em que o
maravilhoso realiza essa modificação de maneira mais rápida. Torna-se claro, afinal,
que a função social e a função literária do sobrenatural são uma única: trata-se da
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transgressão de uma lei. Seja no interior da vida social ou da narrativa, a intervenção


do elemento maravilhoso constitui sempre uma ruptura no sistema de regras
preestabelecidas, e acha nisso sua justificação.” (p. 162)

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