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Nº 20 – 2012
TRADICIONAL ORDEM MARTINISTA
Grande Heptada
Grande Loja da Jurisdição Caixa Postal 4450 – 82501-970
de Língua Portuguesa Fone: (41) 3351-3000
Rua Nicarágua, 2.620 – 82515-260 Fax: (41) 3351-3065 e 3351-3020
Bacacheri – Curitiba – Paraná – Brasil www.amorc.org.br
Índice
Editorial
Hélio de Moraes e Marques...............................................................................................2
A guerra santa, mobilização coletiva em detrimento da vida da alma humana
Didier Lafargue.................................................................................................................3
O homem triplo: corpo, alma, espírito
Jean-Claude Mondet.......................................................................................................10
Porque a alma é preciosa
Poema de Ephrem de Nisibe...........................................................................................19
Queda e redenção do homem na aritmosofia martinista
Claude Prépetit................................................................................................................20
O Shabbat Divino
Jean-Guy Riant................................................................................................................30
Carta de Augustin Chaboseau (1891)
Documentos extraído dos Arquivos da TOM................................................................42
Exceto em caso de menção especial, os artigos publicados nesta revista não representam o
pensamento oficial da T.O.M., apenas o de seus autores. Os manuscritos não incluídos não
são devolvidos.
O Pantáculo é editado e impresso na Grande Loja da Jurisdição de Língua Portuguesa – AMORC, Curitiba,
Paraná, e é distribuído anualmente a todos os martinistas da TOM – Tradicional Ordem Martinista, de Língua
Portuguesa. É traduzido do Pantacle, editado pela Grande Loja da Jurisdição de Língua Francesa. Todos os
direitos de reprodução, sob qualquer forma, são reservados à Antiga e Mística Ordem Rosae Crucis – AMORC.
Editorial
Estimados Irmãos e Irmãs,
Saudações diante das Luminárias da Tradicional Ordem Martinista!
É com muita alegria que lhes enviamos a edição anual da Revista “O Pantáculo”, 2012. Sempre
aguardada com muita expectativa por todos os estudantes Martinistas de Oratório, os mesmos
verificarão, na medida em que começarem a ler os artigos, o que sempre se constatou nas edições
anteriores: tratar-se de um precioso material de apoio ao estudo, pesquisa e prática no Oratório.
“A Guerra Santa”, artigo de Didier Lafargue, enfoca o percurso do homem ao tentar impor
a sua crença como a única que leva ao altar da Iluminação, quando a única guerra que pode ser
aceita é a guerra que se trava consigo mesmo. É no interior do “Ser” que é necessário transmutar
o grande inimigo que se opõe ao aperfeiçoamento espiritual. Ou seja, transformar os valores
inferiores, que muitas vezes são presentes no “Homem da Torrente” - como, por exemplo: a
vaidade, o ego, o orgulho e a sede de poder - em elevados valores que levam ao “Novo Homem”.
O segundo artigo, “O Homem Triplo: Corpo, Alma, Espírito”, de Jean-Claude Mondet, nos
inspira a ultrapassar nossos limites de busca e compreensão, em direção ao conhecimento que nos
é apresentado desde o início de nossa afiliação martinista. Muitos pensadores e filósofos citados
neste artigo ajudam nossa compreensão: Empédocles, Aristóteles, Fílon, Descartes, Plotino,
Louis-Claude de Saint-Martin e até Freud.
Dois outros artigos enriquecem nossos estudos e pesquisas: “Queda e Redenção do Homem
na Aritmosofia Martinista”, de Claude Prépetit, e “O Shabbat Divino”, de Jean-Guy Riant. Aliás, o
Shabbat, na prática exotérica, é o momento de regozijo. No esoterismo aplica-se ao Conhecimento
para a transformação da natureza do homem, edificando sua Catedral Interior sob sólidas
fundações Espirituais e Cósmicas.
E para encerrar esta edição, uma preciosidade: uma reprodução da carta de Augustin
Chaboseau a Charles Barlet, num contexto histórico valiosíssimo para todos os Martinistas.
Chaboseau, co-fundador da Ordem Martinista com Papus, exerceu a função de Grande Mestre da
Tradicional Ordem Martinista de 1931 a 1946, e exprime na carta seus sentimentos mais íntimos
de preocupação e cuidado face aos desafios inevitáveis que viriam.
Também é importante ressaltar que em 2013 registraremos três momentos importantes para
o Martinismo: 1) 18 de janeiro será o 270º ano de nascimento de nosso Venerado Mestre, Louis-
Claude de Saint-Martin; 2) 14 de outubro será o 210º ano de sua transição; 3) três Heptadas
estarão comemorando 20 anos de fundação, marco importante e especial para nossa Jurisdição,
com o início das atividades de Templo Martinista e a instalação do processo Iniciático regular,
ininterrupto, dentro das diretrizes da Suprema Grande Loja, através de nosso Soberano Grande
Mestre, Irmão Christian Bernard. São elas: a Heptada Martinista Curitiba TOM (12/04/1993);
a Heptada Martinista Brasília, TOM (30/06/1993); e a Heptada Martinista Niterói, TOM
(05/12/1993).
Amados Irmãos e Irmãs, não permitamos que o vigor, o entusiasmo e a determinação do
início de nossa caminhada se percam. Iniciamos como “Homens da Torrente” e buscamos a
redenção para nos tornarmos “Homens de Desejo”. Que possamos espelhar em nosso “Coração”
a imitação do “CRISTO CÓSMICO”, infinito em Amor, Bondade e Sabedoria, para que possamos
penetrar no Coração de DEUS e o D’ele em nós.
Que a Eterna Luz da Sabedoria Cósmica nos Ilumine sempre! Amém!
Didier Lafargue
O Pantáculo – Nº 20 – 2012 – 3
O
homem sempre foi tentado pelo demônio da guerra santa. Sejam
elas religiosas ou não, as ideias que as sustêm sempre exprimem uma
renúncia à sua liberdade pessoal.
A essa expressão “guerra santa”, não se pode senão ficar chocado inicial-
mente pela antinomia aparente existente entre os dois termos, na medida em
que pode parecer inconcebível que uma guerra possa ser santa. Que caiba ao
homem a necessidade de às vezes fazer a guerra para se defender, não há dúvi-
das. Deificar a guerra, contudo, e colocá-la num pedestal afirmando fazê-lo em
nome de um princípio sagrado, é legitimá-la de maneira excessiva, tornando
dificil sua limitação. Todavia, em sua fraqueza, o homem cedeu a essa tentação,
independentemente da natureza de suas ideias.
De início, ignora-se que é uma inferioridade psicológica que motiva esse élan.
As guerras santas nascem geralmente de situações onde reina certa apatia moral,
que exige compensação pela afirmação de uma vontade coletiva sob o império de
uma aura divina. Foi esse o caso na península arábica povoada por tribos divididas
umas contra as outras, objeto de desdém por parte das civilizações circunvizinhas.
Um profeta de nome Maomé tentou unificá-las em nome do todo-poderoso Alá
e impulsioná-las à conquista do mundo. Essa jihad suscita naturalmente, por
reação, a existência de uma outra guerra santa a que chamamos “cruzada”. O
nascimento desta nos deixa perplexos: como uma religião de caridade e de amor
pode gerar um tal desejo de violência? As condições particulares que viram sua
emergência no mundo ocidental permitem responder a essa questão. O medo do
Islã, por muito tempo contido, havia provocado uma reação geral. As mazelas do
tempo, a penúria, as epidemias e as inundações precisavam ser esquecidas, então,
em uma violenta onda de expansão.
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Contudo, trabalhando para o triunfo da Cruz, o cruzado apenas obedecia a
um princípio deixado no exterior de si próprio, segregando-o do mundo sensível.
“Eu via Santo Agostinho transmitindo aos Anglo-Saxões, da ponta das lanças
romanas, o credo cristão e Carlos Magno impondo gloriosamente aos pagãos
conversões tristemente célebres. Em seguida as hordas saqueadoras e mortíferas
das armadas de cruzados e, dessa forma, como um golpe de misericórdia, a
empáfia do romantismo tradicional das cruzadas me saltou aos olhos”1, afirmava
o psicólogo Carl Gustav Jung. Entre essa luta comum empreendida em nome de
um ideal religioso afirmado e uma autêntica vida espiritual do indivíduo em
sua intimidade consigo, a relação permanece bastante frágil. Assim, vemos que
Deus é uma realidade muito difícil de se perceber. Além disso, por muito tempo
o homem hesitou em querer encontrá-Lo.
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Com efeito, revelando-se à sua criatura, o Todo-Poderoso a munia com
uma terrível responsabilidade da qual, todavia, nem sempre se mostrou digna.
Por isso o homem, durante milênios, preferiu dirigir sua adoração para uma
pluralidade de deuses com todo seu cortejo de ritos, os quais ofereciam menos
liberdade mas também mais segurança.
É conhecido o sentido revestido por esse termo depois que foi formado
o grupo de ideólogos, no final do século XVIII, sob a égide de Destutt de
Tracy. Contudo, desde sempre todas as comunidades humanas foram guiadas
por princípios reconhecidos por todos, dando a seus membros os meios de
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definir suas ações. Por muito tempo esse papel foi cumprido pela religião, seja
ela expressa sob a forma de ritos ou de dogmas. A ideologia que animava a
sociedade então era fonte de vida na medida em que assegurava a coesão social
e cada um podia dela extrair seus próprios valores.
O perigo começa quando, a pretexto do bem público, ela exige de todos uma
adesão sem falhas, subordinando toda moral à execução de seus objetivos. A
Igreja conheceu um tempo assim, os excessos da Inquisição testesmunham isso.
Se há muito tempo ela renunciou a tais pretensões é o Estado que, atualmente,
faz o cidadão correr esse risco.
“Nos primórdios da cristiandade, era a Igreja que reivindicava o poder total,
tanto temporal quanto espiritual! A Igreja não tem mais, em nossos dias,
essa pretensão, que foi assimilada pelos Estados totalitários que reclamam o
poder não apenas temporal, mas também espiritual.” 3
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“O absolutismo da “civitas Dei’”, da cidade de Deus, personificado pelos
homens, se assemelha excessivamente à “divinização” exaltada pelos
partidários do Estado, e as consequências morais que um Ignácio de Loyola
extrai da autoridade da Igreja – qual seja, os objetivos santificam os meios
– antecipam perigosamente o uso da mentira como instrumento de alta
política. De um lado como de outro uma submissão total à Fé é exigida.
A pessoa se encontra assim amputada de sua liberdade, de sua liberdade
perante Deus para uns, de sua liberdade perante o Estado para outros, o
que tanto num caso como no outro, é cavar sua tumba .”4
Agindo dessa forma, o homem trai seu orgulho. Não realmente consciente,
irresponsável, ele se deixa guiar por uma força poderosa saída de seu inconsciente
coletivo que, ao invés de ser canalizada, atrofia sua liberdade. Consagrado ao
ilimitado e a um idealismo insensato, frutos de sua “semelhança com Deus”, tenta
criar o paraíso na Terra. Para além dos princípios motores suscitanto a adesão das
multidões, apenas um deus se impõe em definitivo ao indivíduo, Moloch, o deus
devorador dos humanos. Outrora, os homens sacrificavam seus filhos ao antigo
deus de Canaan. Hoje em dia Moloch desapareceu. Tirano interior, ele renasce
sob a forma de ideias abstratas sem raízes verdadeiras, às quais os homens se
sacrificam, sacrificando também sua alma, sem nenhum discernimento.
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realmente é, ou seja, o maior dos flagelos humanos. A paz e o progresso geral
da humanidade não poderão nunca ser obtidos por meio de ordem coletiva,
ardores guerreiros dos quais só podem resultar miséria e devastação, mas
sim por meio de uma honesta reflexão do indivíduo sobre si mesmo. Cultura,
filosofia, educação lhe darão os valores apropriados que lhe permitirão o bom
uso de sua liberdade e recusar doutrinamentos artificiais.
Portanto, compreende-se que a única guerra santa que pode ser aceita é a
guerra que se trava consigo mesmo. Para isso, o Antigo Testamento oferece
imagens que podem ajudar nossa busca pessoal. Na verdade podemos ver nas
vitórias e nas derrotas impostas pelo Senhor ao povo hebreu uma correpondência
com os dilaceramentos vividos pela alma humana. Num plano unicamente
metafórico, as guerras empreendidas por Israel representam no interior do
indivíduo o confronto entre o bem e o mal e as únicas armas das quais pode
dispor, são apenas de ordem espiritual.
Notas
1 Jung, C. G., Ma vie [Minha vida], Paris, Gallimard, 1973, p.286.
2 Jung, C. G., L’âme et la vie [A alma e a vida], p.254.
3 Jung, C.G., C.G.Jung parte, p.103
4 Jung, C.G., Présent et avenir, p.65
Ilustrações:
p. 3 Pintura mural da antiga capela dos Templários de Cressac (Charente) séc.XII;
P. 7 Os Cruzados combatendo os turcos, miniatura;
P. 9 Extraído de Aurora consurgens, tratado de alquimia do séc.XV (Zurich Zentralbi 172).
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O homem triplo:
corpo, alma, espírito
Jean-Claude Mondet
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D
esde o início de sua afiliação, o martinista é colocado em presença
da divisão triádica do universo, cuja derivação no homem pode
ser o ternário corpo, alma, espírito. O objeto de seu trabalho estará
relacionado particularmente com a espiritualidade que, evidentemente, se liga
com o espírito. Mas o que podemos entender por esse termo? Intelecto, alma,
são outra coisa? As oposições habituais corpo e alma, matéria e espírito, são
equivalentes? O que elas encobrem? Para esclarecer essas noções, nem sempre
muito claras em nosso “espírito” mas que se relacionam à natureza do homem
e dessa forma interessante para os martinistas, vamos examinar a maneira pela
qual ela foi concebida através dos séculos.
Da Antiguidade Grega…
É aí que aparece a noção de logos, que continua a nos interessar em razão
principalmente do evangelho de João: “No começo, o logos…” Quinhentos anos
antes do “logos” do evangelista, Heráclito (540-480aC) o descrevia como um
princípio superior que a alma humana, a psychê , não pode perceber. Para ele era
o logos que religava o homem a Deus e que lhe permitia elevar-se até a realidade
divina, o que pode ser compreendido como a percepção do reflexo de Deus em
nossa alma.
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essencial não se situa mais entre o corpo e a alma, mas entre o conjunto corpo-
alma e o espírito.
Parece que o martinista deve ter uma visão que ultrapasse a das ciências
humanas, que só se interessam pelo homem enquanto animal pensante. A noção
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de espiritualidade é totalmente estranha à psicologia, ao passo que, em revanche,
o espiritual integra o psicológico. Vejamos então a concepção do homem triplo,
que nos interessa de perto, tal como é conhecida nas grandes tradições, como
é por nós compreendida desde a Renascença e seu redescobrimento por alguns
antropólogos e filósofos atuais (ver Fromaget, Michel: Corps, Âme et Esprit,
Albin Michel, 1991).
O corpo: é o corpus dos latinos, o soma dos gregos, o bassar dos hebreus. É
relativamente simples, trata-se de nossos ossos e carne aos quais tendemos a
nos identificar e nos quais vemos, normalmente, a totalidade de nossa pessoa.
Ele tem suas necessidades puramente fisiológicas, destinadas a assegurar sua
sobrevida e a da espécie, e que orientam muitos indivíduos para o prazer
advindo de sua satisfação: repouso, alimento, bebida, sexualidade.
A alma : essa palavra vem da anima latina , cujo sentido é “o que anima” . É
a psyché grega e o nefesch dos hebreus. Podemos descrevê-la como uma força
vital animando o corpo do qual ela faz parte, já que morre com ele. Ela inclui o
mental e os sentimentos, é um tipo de intermediária entre a matéria do corpo e
o espírito, que logo iremos ver. Ela pode se voltar em direção a um ou ao outro e
assim sendo, atrair a pessoa seja para aspirações espirituais, seja para o lado das
preocupações puramente materiais.
O Espírito que nos interessa aqui não é o intelecto, também escrito com
maiúscula. Os latinos o chamavam spiritus, os gregos pneuma (ou nous,
conforme as escolas), e os hebreus rouah’ (h’ representa h gutural). É igualmente
um intermediário, uma interface em linguagem moderna, mas desta vez entre
a alma e uma entidade exterior a ela, uma abertura para um outro mundo
que pode ser Deus para os crentes ou, para muitos, alguma coisa indefinível,
inacessível ao espírito humano.
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O Homem Triplo e a Iniciação Martinista
O Martinismo nos ajuda a tomar consciência das diferentes partes que
constituem nosso indivíduo e depois a unificá-las. Uma vez isso feito, não nos
tornamos puros espíritos, mas deixamos de ficar sujeitos às vontades e desejos
de nosso corpo. Não os negamos, mas não lhe obedecemos, somos nós também
Um, somos humanos. Esta é uma das mensagens mais profundas que nos
transmite a tradição.
É evidente que neste domínio toda divisão é artificial e que há tantos tipos
de homens e de mulheres quanto de humanos. Mas este método está de acordo
com o método martinista, que nos faz identificar nossas dualidades e nossos
antagonismos para equilibrá-los por um terceiro termo, que se pode aplicar ao
homem triplo de Plotino.
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tendências: as necessidades de seu corpo provenientes de sua parte animal e à
frente de tudo, a necessidade de perpetuar a espécie; os desejos de sua alma,
incluindo o amor aos outros, e as necessidades de melhorias da condição
humana graças a seus sentimentos, os de moral, de justiça, as noções de dever
e de responsabilidade. Tudo isso conduz, logicamente, ainda que todos estejam
longe de passar por isso, a uma necessidade de transcendência, de encontrar seu
lugar na imensidão do universo, diante do qual o homem espiritual se sente ao
mesmo tempo pequeno e parte integrante.
Além do mais, como não ver essas três fases representadas nos três grandes
pilares cabalísticos aos quais o candidato se dirige: a Força, a do corpo bem
entendido, a Beleza – dos sentimentos –, e a Sabedoria, aquela que alcança o
Iniciado pelo viés do espirito?
Encontramos essas três fases nos três graus com esta originalidade que o
rito parece inverter na ordem das coisas e incitar a penetrar em si mesmo em
busca da alma ali escondida. Sua Beleza animará então a Força do Iniciado e a
Sabedoria do Superior Incógnito.
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homem começa por ser um “homem da torrente ”, na qual ele é levado como
graveto, sem nada controlar de seu destino. Torna-se então um “homem de
desejo”. O desejo, sendo a vontade de alguma coisa que não se tem, no espírito
de Saint-Martin trata-se claramente do desejo de Deus. O terceiro estágio é o do
“novo homem”, ou homem-espírito.
Percebe-se que esta passagem do homem através esses três estados bem
parecidos àqueles que descrevemos, estava bem de acordo com o espírito
do século XVIII. Penso na influência iluminista, obviamente, que vinha em
complemento, às vezes em oposição, à influência racionalista ilustrada pelos
enciclopedistas. O “espírito” das Luzes se situa na verdade, para nós, ao nível do
desejo de compreender , logo ao nível do intelecto. Em nossa terminologia, ao
nível da alma e não do “Espírito”.
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No entanto, deve permanecer claro para todos que a tripartição do homem
é apenas uma maneira de apresentar as coisas para explicar o funcionamento
do espírito (com minúscula…) humano. Ela é uma ajuda, decompondo em
etapas o processo de espiritualização daquele que é apenas, em seu início, um
ser muito carnal. Cada passo, feito de determinadas dualidades, apóia-se sobre
os precedentes e leva ao início do seguinte. O homem constrói dessa forma sua
unidade corpo, alma, espírito porque é UM.
Conclusão
Vemos que esse assunto é extremamente vasto e longe de estar esgotado.
Tentamos mesmo assim concluir dizendo que o homem é limitado e que
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só pode perceber o que lhe está relacionado. Tem, no entanto, a intuição do
absoluto, sem limites, que poderíamos chamar Princípio primeiro ou criador,
e que se situa em uma dimensão que lhe escapa completamente. Seu espírito
situa-se na quintessência da alma, a força que o anima e governa intelecto e
sentimentos. Ele aspira ultrapassar seus próprios limites e se aproximar desse
absoluto. É a isso que chamaremos espiritualidade, que visa nos fazer escapar de
nosso contexto puramente biológico.
Este processo exige muita humildade, porque reconhece que algo se sobrepõe
a nós, nos ultrapassa. Mas ele nos dá ao mesmo tempo muita coragem, “força
de alma”, pois nos conduz a uma progressão individual, fora dos caminhos
balizados pelas religiões e que são apenas vias particulares de espiritualidade,
distantes do universalismo que propiciam a iniciação e a via martinista.
Ilustrações:
p. 10 e 17: pranchas extraídas de : De Supernaturali, ROBERT FLUDD (1919);
p. 18, desenho extraído dos Symboles Secrets des Rosicruciens des XVIème et XVIIème
siècles (Altona,1788) p.50
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“Porque a alma é ainda mais preciosa
do que o corpo,
E precioso é o espírito, mais ainda do que a alma,
E a divindade mais oculta do que o espírito.
Da beleza da alma, se revestirá o corpo
quando vier o final,
A alma revestirá a beleza do espírito,
O espírito terá em sua aparência
a mesma Majestade.
O corpo se verá elevado à categoria da alma,
A alma, à categoria do espírito,
O espírito à altura onde está a Majestade,
Enquanto dela se aproxima com
apreensão e amor.”
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Queda e Redenção
do Homem na
Aritmosofia Martinista
Claude Prépetit
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N
o livro “O Livro da Sabedoria”, o rei Salomão estabeleceu a relação
entre o número e a Criação, afirmando que “Deus regulou tudo com
medidas, números e pesos”, e Martinès de Pasqually, em seu “Tratado
da reintegração dos seres”, escreveu que “todo número é coeterno com o Criador,
e foi pelos diferentes números que o Criador formou tudo, todas as convenções
de criação e todas as convenções com sua criatura”.
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A prevaricação de certos espíritos setenários e ternários, isto é, a utilização
de seu livre-arbítrio em oposição às leis divinas para tentar criar assim como
Deus, será para Deus a oportunidade de criar um universo temporal para contê-
los, limitar suas ações desordenadas e servir de cenário para reconciliação com
Ele.
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o 10 (1+2+3+4 = 10), e também da associação 7+3 dos espíritos setenários e
inferiores ternários, que compõem 10 quando reunidos. Os mundos celeste e
terrestre quando associados fazem 7+3=10 (as 7 esferas unidas às três essências
espirituais) No Quadro Universal, tudo é um reflexo do denário que manifesta
suas potencialidades. Sempre neste Quadro, o universal temporal é constituído
de três mundos: divino, espiritual e material, o primeiro estando associado ao
número 4, o segundo ao número 7 e o último ao número 3.
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dizer, o produto da explosão do quaternário, 4x4 = 16 = 7, sendo o próprio 4 o
corpo ou invólucro de 1 (1+2+3+4 = 10 = 1+0 = 1).
A Queda de Adão
Infelizmente, Adão por sua vez incorre também em erro depois que o
príncipe dos espíritos decaídos lhe sugeriu engendrar sozinho uma outra
criatura, que dependeria dele como ele próprio dependia de Deus. Atribuindo-
se o princípio do Ser Divino, Adão dividiu e subdividiu a quádrupla essência
divina, acrescentando 1 ao 4. A segunda prevaricação está associada ao
quinário (5 = 4+1). Assim que Adão consumou sua vontade delituosa, o
Criador, por sua onipotência, transmutou seu corpo glorioso em um corpo de
matéria semelhante àquele resultante de seu terrível procedimento. Ele perdeu
o lugar que ocupava no centro da Imensidade celeste e foi exilado no mundo
da matéria.
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O Reconciliador e o Reparador
Após a primeira prevaricação, a Divindade agiu por poderes emanados
(10,7,4,3 ) para realizar sua justiça e molestar os seres perversos. O homem estava
encarregado do papel de reparador. Ao longo da segunda prevaricação, isto é,
na prevaricação do homem, a Divindade agiu por ela mesma. Em sua bondade
sempre infinita, Deus envia um segundo Adão, o Filho ou Reconciliador,
portador do espírito de Cristo, duas vezes forte, já que em sua essência integra
o quaternário duplamente e é chamado por Martinès de “Espírito Octonário”
(4+4=8). A missão de Cristo tinha um duplo aspecto, o de “Reconciliador”
e o de “Reparador”. Ele devia, de início, trabalhar pela reconciliação dos
menores levando-os a fazer a experiência interior do Cristo, esse intermediário
indispensável à reconciliação.
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O Caminho da Redenção
Apesar da desobediência do homem, lhe foi atribuído numerosos recursos
devendo servir à sua redenção. É a mão de um Pai que o castigou mas é também
o coração de um Pai que vela por ele, mesmo quando a justiça condena a criatura
decaída a ser banida da presença de seu Criador. Porque o lugar de onde vem o
homem é ordenado com tal sabedoria que, voltando atrás e seguindo em sentido
inverso os mesmos caminhos por onde se perdeu, lhe está assegurado retomar a
mesma posição primitiva, ser investido novamente de tudo aquilo do qual havia
sido despojado e encontrar-se naquele ponto central onde - e somente ali- ele é
capaz de possuir algum poder de gozar algum repouso. A vontade é o ponto de
convergência da salvação do homem.
Dessa forma, ele não é responsável por este mau pensamento. É a vontade
que submete o ser, seja ao mau pensamento demoníaco, seja ao bom pensamento
das criaturas angelicais. Ora, se o homem se encontra hoje exilado no mundo
material, é em consequência de uma má utilização de sua vontade. Na verdade,
se a Vontade divina não tivesse sido transgredida, o homem não estaria aqui.
Já que a Vontade divina foi violada, é esta Vontade divina que deverá ser
restaurada, e o homem só poderá voltar às suas origens através de um bom uso
de sua vontade. Para efetuar sua redenção, é necessário também que a vontade
livre e o consentimento do homem se unam aos desígnios da Providência. “A
revivificação da vontade”, nos diz o Filósofo Desconhecido, “é a tarefa principal
de todos os seres culpados.”
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preciso três fases da ação para completar o círculo: o Princípio, o Progresso ou
Desenvolvimento e o Termo ou Complemento, correpondendo aos três tempos
do processo: Produção ou Emanação, Conservação e Reintegração. O Princípio
corresponde à raiz do ser que manifesta vida ou existência. O Desenvolvimento
ou Progresso corresponde à força ou à faculdade do ser: ele se expressa no
quadrado. O Termo ou Complemento corresponde também à força e à faculdade
do ser, mas se expressa pelo cubo, que é a ultima potência a qual pode se elevar
um ser para conhecer suas verdadeiras propriedades ou faculdades, ou ainda
seu destino.
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da provação e 49 = 40+ 9 torna-se a potência do espírito, ou do Divino,
e do temporal no homem, aprisionado na matéria e no temporal. A
elevação de 7 ao cubo dá 7 x 7 x 7 = 49 x 7 = 343 (343 = 3+4+3 = 10).
A Reintegração
Neste estágio, nem tudo terminou para o homem quaternário. Tomando o
caminho inverso de seu desdobramento:
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• O senário reintegrará o setenário que ele manifesta no plano material
(1+2+3+4+5+6) = 21 = 3 x 7 ou “ação ternária dos sete seres espirituais
ligados à direção das coisas temporais”;
O ser perverso, tendo ampliado seus crimes pela queda do homem, atraiu
sobre si as forças e poderes de dois agentes. Assim estes dois agentes, que são
o homem e o Cristo, serão os depositários da espada vingadora dos crimes.
Quando o invólucro universal das trevas for dissolvido, quando o fogo do
espírito tiver consumido todos os defeitos dos homens e ele tiver purificado sua
essência, então todos os seres temporais formarão em torno do ser perverso uma
barreira luminosa e transparente que ele nunca poderá ultrapassar. É neste lugar
de aflição que estarão, para os seres perversos e os menores não reconciliados,
os choros e o ranger dos dentes do qual fala a Escritura.
Ilustração:
p.20, “A Rosa Cósmica” extraida do L”Amphitheatrum sapientae aeternae “(1595) de Heinrich
Khunrath.
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O Shabbat Divino
Jean-Guy Riant
“Louis-Claude de Saint-Martin
nos fala de um mundo pútrido,
lamentando-se em seu leito de
dores, esperando a libertação pela
ação espiritual do homem de desejo,
do homem-espírito. E como não ser
arrebatado pelo questionamento
sobre o repouso do Criador,
aquele que a Bíblia dá
o nome de Eterno?”
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A
literatura sagrada é um vasto terreno de pesquisa, no qual os indícios
são salpicados aqui e ali, a fim de guiar o pesquisador em direção às
verdades sublimes. Estas “maravilhas eternas semeadas em nosso mundo
perecível” inundam tanto o coração quanto o espírito de luzes implementadas
pelo seu autor, o Grande Arquiteto do Universo. Às vezes, estes indícios são
tão assinalados que um leitura literal é suficiente para revelá-los. Quem, ateu
ou crente, místico ou materialista, nunca foi questionado, ao menos uma vez,
em suas leituras de um livro santo por um texto parecendo claramente ilógico?
Vocês o teriam compreendido. Sendo místicos podemos perceber esses indícios
deixados pelos iniciados de nossa Tradição. Consagrando este momento à busca
espiritual, tentemos desvendar uma dessas famosas chaves de leitura e, quem
sabe, aí encontrar uma porta.
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de dores, esperando sua lilbertação pela ação espiritual do homem de desejo,
do homem-espírito. E como não ser arrebatado pelo questionamento sobre
o repouso do Criador, aquele que a Bíblia dá o nome de Eterno, que em sua
força celeste emana os seres e os mundos, do qual Isaias nos diz que: “ele não
se esgota nem se cansa”? Uma tal antinomia é dificl de conceber, ao menos no
plano puramente humano. Eis uma das maravilhas eternas que se manifesta.
Cabe-nos tentar desvendá-la…
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No primeiro dia, o ponto de partida é uma uniformidade, uma natureza
homogênea e indiferenciada, que se decompõe sob o efeito da divina operação.
Essa homogeneidade não é outra coisa que a luz ela mesma!
1. Para sermos poéticos, digamos que na manhã do primeiro dia tudo era
luz… Depois Deus separou as trevas dessa luz original.
6. Por fim no sexto dia, aparecem os animais bem como o homem, a quem
se pede dominar a Terra e seus habitantes.
No primeiro período, ou seja, nos três primeiros dias, o Divino cria o que
é permanente, essencialmente estável e perene: o céu, a terra, a luz, as trevas,
as águas terrestres e celestes, todos saídos de uma matriz luminosa original.
Na terra aparecem os vegetais, que dão ervas e sementes, árvores e frutos,
segundo sua espécie. Que estabilidade, que perenidade são simbolizadas pelos
vegetais? Para compreender por que este reino é citado, é preciso assimilar as
cosmogonias da época. O vegetal, no espírito de nossos antigos, era a imagem
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da força adormecida, a gestação “do milagre das possibilidades”. O vegetal
simboliza aqui a potência de um princípio-força, que ainda não se consagrou à
ação. É a potência de um princípio matricial que coroa a terra.
Para sintetizar esses três dias, eles aparecem como uma referência eterna,
que avaliza a expressão martinezista “antes dos tempos”. É , no final das contas,
o tempo sagrado que é descrito aqui nesta primeira parte do Gênesis, o tempo
das leis eternas. Acrescentemos que tudo nos leva a pensar que o Criador não
cria, mas faz emanar essa luz eterna.
Esta breve análise e o simbolismo dela emanado, demostram que estes seis
dias corporificam admiravelmente, mas de maneira velada, as forças do símbolo
martinista, a união divina dos contrários, na imbricação destes dois triângulos
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formando os seis dias do começo do mundo. Estes seis dias terminaram? Falta
Adão, falta a humanidade.
Adão, que aparece no sexto dia, recebe uma missão bem particular, traduzida
no Gênesis por “dominar a terra inteira”. Ele deve, dessa maneira, ter na Criação
uma ação voluntária, não somente consciente, mas disciplinada. A consciência
do homem deve, tal como a flecha de sagitário, estar direcionada a um objetivo
divino.
Dito de outra forma, adotando o ponto de vista espiritual, ele deve agir sobre
o plano terrestre se nutrindo regularmente das luzes do mundo celeste, a fim
de ali revelar os princípios do poder divino. Ele mostrará depois os caminhos
aos seus irmãos e irmãs humanos, condição sine qua non de sua reintegração
e da reintegração da Natureza. Neste caso, teria Deus podido parar na manhã
do sétimo dia, considerando que sua obra terminara? Parece que não. Não
obstante, o capítulo 2, versículo 2, refere que “Elohim acaba no sétimo dia a
obra que havia feito”.
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Se o grande iniciado Moisés nos confiou o texto do Gênesis e a Cabala, é
talvez no coração das práticas religiosas mosaicas que poderemos encontrar o fio
de Ariadne. Não podemos evocar o sétimo dia da Criação sem imediatamente
pensar em uma prática milenária: o Shabbat. Na religião judáica, o sétimo
dia, repouso do Criador, é respeitado sob a forma de um período particular
durante o qual numerosas ações cotidianas são regidas estritamente e algumas
até mesmo proibidas. Se na prática exotérica o shabbat é o momento de regozijo,
ele é, no esoterismo, de importância capital para a transformação da natureza
interior do homem, assim como para a edificação de sua catedral interior sob
sólidas fundações espirituais e cósmicas.
Os planos originais estão nesse “tempo sagrado”. Voltar a ele regularmente pela
oração, pela meditação, pela disciplina de sua consciência, permite incessamente
o poder de reajustar o objetivo. De outro modo, sucede como depois da Queda:
o homem sente mas esquece e, em sua mais negra inconsciência, se desvia de
sua missão primeira e do seu glorioso destino. Seu poder não está mais a serviço
do Criador. Além disso, a etimologia da palavra “shabbat” significa “guardar” ou
“se lembrar”. E o homem, por sua natureza quaternária, é o guardião dos planos
do Grande Arquiteto. O shabbat divino serviria ao homem para rememorar sua
missão celeste e, na afirmativa, com que objetivo?
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Como vimos, os animais rendiam ao Criador um “culto”, isto é, o cumprimento
das leis decretadas, sem margem de libertade. Mesmo Saint-Martin dizia a esse
respeito, no “Ministério do homem-espírito”, que o animal, por sua sabedoria
inata, rendia melhor seu culto ao Divino que a própria humanidade. Seu amor
profundo pelos humanos não o fazia desacreditar seu próximo em favor do
animal, mas lamentava – e nós o compreendemos enquanto discípulos de seus
ensinamentos –, que o homem não fosse mais espiritual e que não se esforçasse
em seu serviço pelo ministério. Voltando rapidamente aos sacrifícios, matar
o animal era fazer morrer a parte inconsciente, instintiva ou automática, para
fazer entrar na parte consagrada do Templo a natureza humana em sua mais
pura origem, com o manto do Divino e a máscara de sua igualdade original
entre irmãos e irmãs de uma mesma família.
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Infelizmente, porém, muito raramente foram mãos dotadas de uma consciência
plena que manejaram essas armas, transcendendo os automatismos do aspecto
mais sombrio da natureza humana… Eis aí um trabalho para servir à causa da
reintegração. No plano espiritual zayin simboliza a ideia de penetração incisiva
de uma força, de uma vontade. Neste caso ela pode ser lida zeyin, que significa
“armar”. Armar a mão? Claro que não: armar a consciência do homem para seu
combate espiritual contra as forças sombrias que estão nele.
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me dirão vocês! Sim, porque a pronúncia de zayin simboliza o terceiro aspecto,
aquele que corresponde ao tórax.
Pronunciar zayin exige um certo treino, até mesmo uma certa educação
da boca. Segundo certos cabalistas, uma pronúncia certa obriga a colocar a
extremidade da língua entre os dentes de uma maneira tão hábil que é preciso
repetir inúmeras vêzes. Representações na mística cristã ilustram isso de
maneira notável, mostrando o aspecto universal da Tradição. Elas incluem na
boca de um santo, por exemplo, a presença de uma espada. Ora, como acabamos
de ver, zayin tem a forma de uma arma cortante… É o que encontramos, aliás,
no Apocalipse de São João, capítulo1, versículo 13: “Em meio a candeeiros, um
semelhante a Filho de homem” e o versículo 16 precisa “ de sua boca sai uma
espada de dois fios, seu rosto brilha como o sol resplandece sua força”. Esta letra
zayin, que representa o shabbat divino, o sétimo dia, só pode ser pronunciada de
maneira perfeitamente correta se nos aplicarmos com afinco à sua pronúncia.
Não está aí, num certo sentido, a busca de uma palavra perdida? Como não
fazer uma ligação imediata com o Logos, o Verbo?
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Zayin em seu valor pleno representa 67
3 + 1 nos dando 4
Dessa forma, a letra nos remete à Imensidade Supraceleste por seu valor
quaternário. Qual é, segundo os ensinamentos martinistas, a única criatura no
plano terrestre que tem a natureza quaternária e que pertence à família dos seres
espirituais emanados?
Para concluir esse breve estudo do Gênesis e de sua relação com o shabbat,
ele pode nos permitir compreender a que ponto nós carregamos uma
responsabilidade mística, tanto em relação à grande família humana quanto em
relação a Deus ele próprio. Podemos compreender aqui que se finalmente ele se
retirou, foi porque por sua grande benevolência ele deixou ao homem de desejo
a possibilidade de se expressar, para se reabilitar livre e voluntariamente em sua
verdadeira natureza espiritual. É um imenso ato de amor da parte do Eterno em
nossa intenção.
Ilustrações:
p.30 Menorah de uma Bíblia Sefardita do séc.XIII (British Library);
p. 37 “A criação dos animais” MINDEM VON BERTRAM (1345-1415)
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Carta de
Augustin Chaboseau
à Charles Barlet
O
documento que reproduzimos a seguir foi extraido dos arquivos da
Tradicional Ordem Martinista. Trata-se de uma carta-resposta enviada
por Augustin Chaboseau (1868-1946) a um destinatário que não é
designado. Esta carta, proveniente da venda de um lote de arquivos de Charles
Barlet (1838-1921), é provável que lhe tenha sido endereçada. O documento
não está datado, no entanto o texto de Augustin Chaboseau, fazendo referência
ao Ensaio sobre a Filosofia Budista (Essai sur la philosophie boudhique), obra
que ele havia publicado em 1891, torna possível situar esta carta num período
ligeiramente posterior a essa publicação.
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Esta carta se situa então em uma época em que o Martinismo começa
a se organizar graças aos esforços conjugados de Papus e de Augustin
Chaboseau. Assim como os dois, Charles Barlet (François Charles-Albert
Faucheux) é um dos membros do Supremo Conselho da Ordem Martinista.
Erudito e mais velho que a maior parte dos outros membros – ele tem
cinquenta e três anos enquanto Papus só tem vinte e sete e Chaboseau
vinte e três – Barlet às vezes faz figura de mestre ao lado de seus jovens
amigos. Ainda que seu papel se conserve discreto na Ordem Martinista, ele
permanece sendo um dos personagens mais influentes dos meios ocultistas
do fim do século XIX e do início do XX.
A redação
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Caro Mestre,
Acabo de receber seu cartão. Estou comovido que o senhor não me tenha esquecido
e não guarde rancor pelo meu silêncio, e ao mesmo tempo envergonhado por ter
permanecido tanto, tanto tempo sem lhe dar sinal de vida. Acredito compensar
alguns destes dias por uma carta que será uma verdadeira brochura sem dúvida,
porque tenho uma infinidade de coisas a lhe dizer, e uma multidão de conselhos a
solicitar de sua indulgente benevolência . Enquanto isso, mando-lhe esta.
O que me impediu de lhe escrever foi um encadeamento ininterrupto de
vicissitudes materiais, acidentes de saúde, trabalhos insanos para viver – ah!
bem bem sei eu! – e do qual saio somente a esta hora! Devo dizer que o apoio
moral e muitas vezes material destes admiráveis amigos que são Papus e Lejay,
contribuíram em muito para me impedir de naufragar.
Além do trabalho que me impõe uma modesta situação na “Petite République”
(Goblet – Lockray – Milbrand – Malon) e os compromissos com folhetins, traduções,
livros de (palavra ilegível) para crianças, tudo coisas mal pagas, mas enfim pagas,
e muito distantes da arte e da filosofia, o que faz com que não se possa assiná-las
com seu nome. Eu pude dar à Alcan, que me havia encomendado para a Biblioteca
de Filosofia Contemporânea (Bibliothèque de philosophie contemporaine), um
livro intitulado “O Misticismo Contemporâneo” (Le mysticisme contemporain).
Será publicado em uma semana e assim que sair o senhor receberá, e será obrigado
a me dar sua opinião claramente, como o senhor teve a bondade de fazer com o
miserável “Buddhisme”.
Eis os capítulos:
1. Os Martinistas 2. Os Espíritas e Modernos Espiritualistas 3. Os
Swedenborguianos 4. Os Teosofistas (o senhor, St. Yves) 5. Os neo-budistas 6. Os
neo-cabalistas 7. Os Martinistas 8.Os Adivinhadores 9. Os Neo-gnósticos e os
Alquimistas (Doinel, Poisson, Tiffereau) 10. Os neo-cristãos (Péladan,Jhourney)
11. Os “Salutistas” 12. Os socialistas sentimentais (os últimos Fourieristas, St
Simonistas , Maçons místicos, etc).
Acredito que será publicado um volume de novelas que acabei de escrever;
estou em conversação com Perrin sobre o livro, do qual não sei ainda o título e que
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estudará: 1. Paracelso; 2. Boehme; 3. Swedenborg; 4.Saint-Martin; 5. Saint-Simon;
6. Fourrier (sic) e 7. Wronski. Os números 2, 3, 4 e 6 estão prontos. Suplico-lhe não
falar nada sobre isto a quem quer que seja, nem mesmo a Papus. Eu lhe direi o
porquê em minha próxima (carta).
Igualmente em conversação:
1º com Rainwald, seja para um “Tratado de Fakirismo” (Traité de Fakirisme),
segundo os originais (a primeira palavra ainda nem está no papel), seja para um
livro sobre Lemúria e Atlântida (a documentação está toda terminada).
2º com Alcan, para 1894, na “Biblioteca de Filosofia Contemporânea”
(Bibliothèque de philosophie contemporaine), uma “Filosofia do Paganismo”
(Philosophie du Paganisme); 1º Orfeu, Pitágoras e os Mistérios; 2º Sócrates,
Platão e Aristóteles; 3º Plotino, Porfírio e Jâmblico. A terceira parte está pronta há
um ano. É simplesmente uma reformulação das três introduções que Guimet me
pediu para as três obras que sairão nos “Anais” de seu Museu, tradução das obras
completas (o que ainda não foi feito em nenhum idioma), de Jâmblico, Porfírio e
Plotino. Dois terços de Jâmblico já estão prontos.
Como o senhor pode ver, não estou brincando em serviço. Talvez assim desculpe
meu silêncio que, aliás, conto romper a partir de agora a ponto de temer que logo
logo seja o senhor a se queixar do excesso contrário.
Creia-me, querido Mestre,
do todo seu em emoção e razão,
Augustin Chaboseau
Vanves,10 Rue Raspail
(Seine)
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Gérard Anaclet Vincent
Encausse (Corunha, Espanha,
13 de julho de 1865 — Paris,
França, 25 de outubro de
1916), mais conhecido pelo
pseudônimo de Papus, foi um
médico, escritor, ocultista,
rosacrucianista, cabalista e
maçom. Fundou com Augustin
Chaboseau o Martinismo
moderno.
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