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O PANTÁCULO

Publicação interna destinada aos Membros Ativos da Tradicional Ordem Martinista


Nº 29 – 2021
Tradicional
Ordem
Martinista
TRADICIONAL ORDEM MARTINISTA
GRANDE HEPTADA
Grande Loja da Jurisdição Caixa Postal 4450 – 82501-970
de Língua Portuguesa Fone: (41) 3351-3000
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Sumário
Alquimia
Rosabis.....................................................................................................................04
A idade de chumbo
Cultor Habilis...........................................................................................................16
Simbolismo do coração
Marie-Madeleine Eliot.............................................................................................26
Eternidade da natureza, brevidade do homem
Alphonse de Lamartine..............................................................................................36
O significado esotérico do número
Philippe Cuendet.......................................................................................................40
As múltiplas faces da meditação
Guy Eyherabide........................................................................................................48
Ler a Bíblia conforme o Zohar
O Zohar III, 152 A...................................................................................................56
Cadernos da Ordem Martinista
Documentos dos arquivos...........................................................................................59
Martinismo e Ecologia
Rick Cobban S.I........................................................................................................62

Capa: O Alquimista, pintura de Joseph Wright de Derby, 1770.


Exceto em caso de menção especial, os artigos publicados nesta revista não representam o pensamento oficial
da T.O.M., apenas o de seus autores. Os manuscritos não incluídos não são devolvidos. O Pantáculo é editado
e impresso na Grande Loja da Jurisdição de Língua Portuguesa – AMORC, Curitiba, Paraná, e é distribuído
anualmente a todos os martinistas da TOM – Tradicional Ordem Martinista, de Língua Portuguesa. É traduzido
do Pantacle, editado pela Grande Loja da Jurisdição de Língua Francesa. Todos os direitos de reprodução, sob
qualquer forma, são reservados à Antiga e Mística Ordem Rosae Crucis – AMORC.
Editorial
Espero encontra-los bem e com saúde.
É com muita alegria que envio aos Irmãos e Irmãs esta edição n°29
do Pantáculo com artigos profundamente esotéricos que merecem ser
estudados porque reforçam nossas pesquisas e práticas em Oratório.
Neste diapasão e visando resgatar a origem de determinados conceitos
que aprofundam o pensamento de cada Irmão e Irmã que contribuem
como autores destes artigos, convido-os a uma leitura detida e reflexiva de
toda a revista. Particularmente, algumas reflexões à luz dos ensinamentos
martinistas me tocaram de forma especial como: “A Eternidade da
natureza, brevidade do homem”; “O significado Esotérico do Número”;
“As múltiplas faces da Meditação”; “Ler a Bíblia conforme o Zohar”;
“Cadernos da Ordem Martinista”; “Martinismo e Ecologia”.
Em especial, selecionei alguns para meus comentários pessoais:
A Idade do Chumbo, de autoria de Cultor Habilis, define e faz um
paralelo do tempo humano como finito e o tempo divino como infinito.
O Simbolismo do Coração – O coração é um dos principais símbolos
da Senda Martinista. Vamos desenvolver algumas noções referentes a isso
e abordar o coração como símbolo do Templo da Inteligência.
“A única iniciação é aquela em que podemos entrar no coração de Deus
e fazer com que o coração de Deus entre em nós para que ali se consuma
um casamento indissolúvel”.
Para Louis-Claude de Saint-Martin
Extratifico para reflexão de todos um trecho do livro de “Jacob
Boehme, “Da Vida Trina do Homem, segundo o Mistério dos Princípios
da Manifestação Divina”que reflete parte de sua experiência de vida com
as perseguições a que esteve sujeito:
“De um pequeno ramo vem afinal uma árvore, se ele é plantado em campo
fértil. Diversos ventos frios e rudes vão se lançar impetuosamente contra
o ramo e até que ele cresça e se torne uma árvore, poderá (fraquejar*).

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Deves ser exposto à árvore da tentação e também ao desprezo no deserto
deste mundo; se não o suportas, nada consegues. Se arrancares o ramo,
farás como Adão e tornarás a coisa mais difícil que na primeira vez,
mas ele crescerá no jardim de rosas, a despeito do velho Adão. Pois  houve
um  tempo muito depois de Adão, até a humanidade do Cristo, em que a
árvore de pérolas se insinuou secretamente por baixo do véu de Moisés, e
no entanto ele(sendo testado!*) tornou-se uma árvore em seu tempo, com
belos frutos”. *Grifo meu.
Desejo de todo o coração que os nossos Irmãos e Irmãs apreciem o
profundo conteúdo dessa revista e incentivo a prática em oratório de
preces de Agradecimento, de Confissão e de Intercessão para cada um e
para todas as células que compõem o Corpo da Humanidade certos de
que o Grande Arquiteto do Universo deverá prover as necessidades de
todos.
Que a força do Amor, seja uma proteção constante em nossa caminhada.
Que a Eterna Luz da Sabedoria Cósmica nos Ilumine sempre!

Sincera e Fraternalmente
AMORC-GLP

Hélio de Moraes e Marques


GRANDE MESTRE

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Alquimia
Rosabis

“O objetivo da alquimia é espiritualizar a matéria


e, em particular para o Operário celeste, sublimar
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o corpo humano, procedendo a umOalinhamento
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interior.”
E m nossos dias, quando se trata de alquimia, a maioria das pessoas
pensa que se trata apenas de uma velha superstição que procurava
em vão transmutar chumbo em ouro na esperança de enriquecer.
Essa maneira caricatural de conceituar a alquimia mostra a que ponto
a mentalidade humana está distante das concepções tradicionais. Nosso
mundo está voltado principalmente para a possessão de riquezas materiais
– as únicas que, na sua ótica, valem a pena ser buscadas. Essa concepção
vulgar da alquimia é o reflexo exato e mesmo exemplar de nossa visão
moderna do mundo e mostra a que ponto nos tornamos ignorantes
quanto às realidades espirituais.
O objetivo da alquimia não é, portanto, fazer ouro metálico, uma vez
que para aquele que chegou ao fim do processo alquímico a possessão do
ouro material se torna algo completamente inútil. A fabricação do ouro a
partir de um metal vil representa apenas uma espécie de verificação (um
teste, diríamos nos dias de hoje) efetuada pelo alquimista para confirmar o
fato que a Pedra que ele realizou é de fato a Pedra Filosofal. Uma vez que o
alquimista tenha conseguido realizá-la, já não precisa fabricar ouro material,
pois este tem para si o mesmo valor de qualquer outro metal terrestre.
O propósito da alquimia é espiritualizar a matéria e, em particular para o
Operário celeste, sublimar o corpo humano, procedendo a um alinhamento
interior. Esse alinhamento permite que a Luz (original) penetre a matéria.
Assim, esta não oferece mais resistência à luz. A matéria é transmutada em
luz e o corpo é então libertado das limitações do espaço-tempo e se torna
um “corpo glorioso” – um “corpo de luz”. É preciso também considerar
que o Adepto que conseguiu realizar determinados estados espirituais
interiores pode, em virtude da lei de correspondência entre o “microcosmo”
e o “macrocosmo”, produzir exteriormente efeitos similares.
É desejável, ademais, explicar por que a química e a alquimia são
duas disciplinas diferentes. Há diversas razões para isso: o procedimento
inicial da alquimia é buscar a unidade na multiplicidade. O procedimento
químico consiste em explorar a diversidade múltipla do mundo e tecer
listas infinitamente. A alquimia é um processo ético que visa à melhoria
do mundo manifestado. A química se ocupa friamente de combinar corpos

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para obter outros a partir deles, com objetivos nem sempre muito honestos.
O alquimista se implica no processo que ele põe em operação. O químico
observa passivamente e à distância o resultado de seus trabalhos. O
alquimista é religioso (no sentido de uma relação vertical) e sua fé influencia
seus resultados. O químico não é necessariamente alguém que crê e, se o é,
isso não entra de forma alguma na elaboração de suas fórmulas. A alquimia
é uma ciência sacra milenar, ao passo que a química tem apenas três séculos
de existência. O químico estuda o pleno e o visível; o alquimista estuda o
vazio e o invisível. O primeiro mede os efeitos (o mundo fenomênico); o
segundo contata a Causa (o mundo numenal).
Correndo o risco da decepção, o alquimista procura Deus. Ele
percorre um caminho espiritual muito especial e trabalha para a sua
própria divinização. O alquimista procura, pois, penetrar o segredo da
natureza, da vida e da morte – essa força inaudita que mantém os átomos
entre si, ou os dispersa por toda parte no universo. A relação entre a luz
solar e a vida não precisa mais ser demonstrada. É por essa razão que os
alquimistas tentaram e conseguiram solidificar a luz, da mesma forma
como podemos congelar a água. Naturalmente, se o alquimista era capaz
de prolongar sabiamente a duração de sua estadia terrestre, em certas
condições, ele utilizava também esse elixir da longa vida para tratar os
enfermos que chegavam até si. Isso tornava sua situação inconfortável e o
obrigava, para sua própria segurança, a mudar frequentemente de região
ou mesmo de país.
Pela observação da natureza, o alquimista apercebeu-se de que um
princípio único rege o universo. Quando esse princípio está presente, a
vida se manifesta; quando está ausente, sobrevém a morte. O alquimista,
portanto, procurou capturar concretamente esse Princípio universal
de vida e encerrá-lo num receptáculo capaz de conservá-lo com vistas
a um uso posterior. O resultado desse trabalho permite a obtenção de
um produto bastante peculiar. Ele se manifesta sob uma forma por vezes
líquida – fala-se então de Elixir –, por vezes seca – chamada então de
Sal de Sapiência. Em ambos os casos, trata-se da Pedra Filosofal em
dois níveis de evolução diferentes. Nesse estado, porém, ela deve ser
especificada para um reino preciso. Se desejar trabalhar nos metais, será

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preciso convertê-la em pó de projeção. Se desejar dedicá-la ao reino
animal, convém orientá-la para a medicina universal.
O espírito universal de vida, presente em toda parte na natureza,
é suscetível de ser isolado e concentrado até o ponto de se tornar
palpável. O alquimista fabrica, portanto, um ímã que atrai esse espírito
e o aprisiona. O conjunto origina um produto de poder infinito, o qual
pode então ser utilizado com diversas finalidades. É a obra externa, ou
Parergon dos antigos Rose+Croix. A Grande Obra se destina também ao
aprimoramento de tudo aquilo que existe. Mais exatamente, ela acelera
o processo de evolução da natureza, incluindo o ser humano. É a obra
interna, ou Ergon dos Rose+Croix.
Os alquimistas sempre se serviram de manipulações químicas da
Grande Obra externa para descrever o processo concomitante da Grande
Obra interna.
Independentemente dos quatro elementos, a alquimia admite a
existência de um quinto, chamado quintessência. Esse elemento particular
é por vezes chamado éter e representa uma espécie de “meio” (como o ar
e a água também são meios) no qual todo o Cosmos estaria banhado.
No ser humano, esse quinto elemento é seu centro espiritual (o coração),
símbolo da Rosa no centro da Cruz. Existe na tradição indiana um quinto
elemento chamado Akasha, que significa “éter” ou “espírito” em sânscrito.
É no centro que a transmutação alquímica se dá, graças à Pedra Filosofal
que é esse próprio centro (o Graal). A Quintessência é um “ponto” único
no espaço do Ser, que é também a passagem que permite o acesso aos
estados de consciência superiores.
É nesse degrau da escada simbólica de Jacó que ocorrerá o casamento
alquímico, no segredo simbólico do atanor. O mercúrio (o Espírito
vivificador) e o enxofre (a Alma viva universal) unir-se-ão na intercessão
do Sal (o mistério de sua união constituindo o Grande Arcano do
Verbo). Nesse estágio, o Adepto só pode maravilhar-se com os progressos
naturais de sua matéria em evolução. A matéria vai percorrer as etapas
que ele aprendeu a reconhecer nos regimes da Obra. Segundo a filosofia
hermética, estes retraçam, nem mais nem menos, o nascimento do

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universo, seu desenvolvimento e seu objetivo final. E – coisa maravilhosa
– o alquimista tem o privilégio de assistir, em seu microcosmo, ao
espetáculo insondável de toda a história do universo – seu começo, seu
estado presente e o seu futuro. Ele obtém o conhecimento mais elevado
que um ser humano pode alcançar neste plano, qual seja, como Deus
criou o mundo e o que Ele pretende!

Nada – Unidade
Na origem, existe apenas o nada. Poder-se-ia dizer a “não-existência”
– não no sentido de negação daquilo que “é”, mas no sentido daquilo
que “ainda não foi especificado”, em vias de tornar-se! E, no entanto,
tudo aquilo que vai existir e tudo o que existe é apenas o resultado de um
incompreensível “desejo de ser” do nada. É por isso que podemos dizer que
somos todos “filhos do nada”. Esse ponto de origem é por vezes chamado
de “o Inefável” ou “o Incognoscível”, mas também “o Caos”, pois é portador
de todos os dados da Criação, como em uma gestação permanente.
De fato, tudo o que é e tudo o que será não têm outro objetivo senão
permitir que esse caos – esse nada – se torne consciente de si mesmo. O
único objetivo do universo é o desenvolvimento universal da consciência.
A consciência, porém, só pode se desenvolver pelo conhecimento que, por
sua vez, resulta da experiência. Ora, para ser possível, a experiência implica
a criação de um âmbito, que será o do tempo e do espaço. É apenas bem
mais tarde, “no fim dos tempos” (salvo ter-se realizado), que a consciência
deixará de precisar dos limites do espaço-tempo para “ser”. Nesse ponto
da evolução, a consciência terá então “despertado” suficientemente para
retornar sozinha à Unidade.
Dito de outra forma, o nada, para se tornar consciente e para poder
agir, é constrito a se limitar. Para tanto, ele vai extrair de si mesmo
uma esfera que o encerrará no tempo e no espaço. Nessa esfera será
paulatinamente construída, elemento por elemento, a consciência. O
conjunto dessa construção será feito, portanto, pelo “desejo de ser do
nada”, e o poder criador desse “desejo” é a força pela qual tudo é criado.

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Esse poder de criação existe em todas as coisas e no ser humano. Ele pode
ser inconsciente ou consciente e ser orientado para a matéria ou para o
espírito, seguindo o progresso da tomada de consciência.

Dualidade da energia
A energia unitária, oriunda do Absoluto, não obedece às mesmas regras
que as energias da dualidade – as únicas sobre as quais, na realidade, nós
podemos agir. A imagem mais corrente é a de que a dualidade é criada
por uma reflexão da Unidade sobre si mesma. Na origem, a Unidade “é”
– essa energia é apenas vibração, mas esse estado vibratório não pode ser
comparado àquilo que conhecemos. Na Unidade-Eternidade não existe
espaço, e portanto a vibração não tem comprimento de onda; tampouco
existe tempo, e assim a vibração não tem frequência. Essa energia sem
movimento – esse ponto focal de infinito e de eternidade – possui um
prodigioso poder de atração sobre tudo aquilo que está em harmonia
consigo, incluindo a si própria.
Assim, para ser possível, a dualidade necessita da neutralização
dessa gigantesca atração universal. Esta última permitirá o movimento
e a transferência de energia; dessa forma, permite a passagem para
a dualidade. Sem essa neutralização, tudo é apenas um ponto. Se essa
neutralização cessasse, mesmo que pode um curto e ínfimo instante, toda
a Criação seria instantaneamente reintegrada ao ponto original. Nesse
estado unitário, a consciência não pode se construir, pois ela precisa de
limites – de um âmbito em que possa experimentar. Apenas a emergência
da dualidade – do tempo e do espaço – permitirá essa construção.
Assim que deixamos a unidade, aparece então, oriundo dessa energia
vibratória, o espaço-tempo. Todas as coisas sendo apenas vibração, é
através de vibrações que se manifestam a frequência, por um lado, e por
outro o comprimento de onda. A lei entre as vibrações da energia (de
natureza corpuscular ou ondulatória) é a Harmonia. Como resultado,
tanto a ressonância quanto o amor são aspectos dessa energia. O mesmo
ocorrerá com os diferentes níveis de densidade da matéria, que não é

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outra coisa senão um concentrado de vibrações. “Tudo o que está em cima é
como o que está embaixo” – célebre adágio de Hermes Trismegisto gravado
na Tábua de Esmeralda, um dos textos lendários da literatura alquímica
e hermética.
Em cada nível, as leis fundamentais, das energias mais sutis às
mais densas, são análogas e irrestritas, equilibrando-se como vasos
comunicando-se entre si. Na natureza, qualquer desequilíbrio é apenas
provisório. Tudo pouco a pouco retorna ao equilíbrio.
Essas leis da natureza dificilmente são formuláveis. Nossa linguagem
humana não é adaptada de forma a poder exprimir as mais altas realidades
do universo. De fato, nossa capacidade de pensar é construída a partir
de um mundo que não é unitário, mas dual. Portanto, é preciso, num
primeiro momento, considerar essas leis como postulados. Apenas os
contatos de alto nível espiritual, em que a harmonização com o Cósmico
é cumprida, tornam esses contatos acessíveis para nós por ressonância
interior na forma de símbolo, número ou da mudança consciente do
nosso nível de percepção.
Diferenciação da Energia
PRIMA MATERIA
Hilo Caos
Energia Energia
da da
vida matéria
Nitro Sal

Fogo Ar Água Terra

Enxofre Mercúrio Sal


Emanação energética

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O esquema da página anterior tenta ilustrar os diferentes aspectos que
serão engendrados pela energia da unidade. No topo, a energia primordial,
infinita, simbolizada pelo círculo, contém os quatro elementos ainda não-
manifestados, eles próprios simbolizados pelos dois traços perpendiculares
(horizontal e vertical). O fato de esses traços, um horizontal e um vertical,
estarem no interior do círculo significa que as energias que representam
os quatro elementos ainda não estão manifestadas. Desde o surgimento
da dualidade a Energia assume dois aspectos representados da seguinte
forma: o traço vertical no círculo simbolizando a energia ativa denominada
Nitro, o Sutil, o Espírito, a energia espiritual etc., que é uma energia
animadora; e o traço horizontal no círculo simbolizando a energia passiva
denominada Sal, o Denso, a Matéria, a energia material etc., que é uma
energia estruturadora.
A energia, em seus aspectos passivo e ativo, vai novamente se dividir
em duas: o Nitro, energia de qualidade ativa dominante, engendra uma
energia ativa, o elemento fogo; e uma energia passiva, o elemento ar. Fogo
e ar formarão o princípio espiritual animador de todas as coisas. O Sal,
energia de qualidade passiva dominante, engendra uma energia ativa, o
elemento água; e uma energia passiva, o elemento terra. Água e terra
formarão o princípio material dos corpos – sua estrutura. Na Bíblia, os
quatro rios do Jardim do Éden correspondem às quatro energias ainda não-
manifestadas. A criação da dualidade, por sua vez, é descrita como sendo
a separação das águas. As águas de cima são as energias ativas do espírito
animador (Nitro) e as águas de baixo são as energias estruturantes da
matéria (Sal). Esses quatro aspectos da energia desde então manifestada,
chamados “quatro elementos”, são representados pelos quatro triângulos.
Se o círculo é um símbolo do infinito e do ilimitado, o triângulo por sua
vez é um símbolo do finito, do limitado e da forma (o Três manifesta o
Um pela mediação do Dois). É apenas no nível desses quatro elementos
manifestados que a dualidade pode funcionar, ou seja, assumir seu papel.
Os termos Nitro , Sal , Fogo , Ar , Água e Terra
não devem aqui ser confundidos com o sentido usual que lhes é
dado. Todavia, conservemos esses vocábulos a fim de recordar, a cada vez
que forem utilizados, as qualidades próprias à energia que eles veiculam.

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Já encontramos esses termos nos textos cosmogônicos dos antigos
Rose+Croix. É interessante especificar que esses quatro elementos vão
agora se combinar dois a dois para formar aquilo a que chamamos os três
Princípios, familiares ao trabalho do alquimista: o Enxofre, energia
composta da energia Fogo-Ativo e da energia Ar-Passivo ,é o
princípio animador dos corpos na dualidade manifestada. É essa energia
que corresponde àquilo que qualificamos de “a alma das coisas”. O Sal ,
energia composta da energia Água-Ativa e da energia Terra-Passiva
, é o princípio material sobre o qual se apoia a energia animadora
na dualidade manifestada. O Mercúrio , energia composta da energia
Ar-Passivo e da energia Água-Ativa , garante a junção entre o
mundo do espírito e o mundo da matéria. De fato, o Fogo-Ativo
anima o Ar-Passivo . O Ar-Passivo , pelo princípio do Mercúrio
, transmite a influência do Fogo-Ativo à Água-Ativa .A
Água-Ativa , por sua vez e por efeito de ricochete, anima a Terra-
Passiva . O Mercúrio , que garante essa transmissão entre espírito
e matéria, foi dessa forma chamado de “Mensageiro dos Deuses”.
Digamos novamente que os quatro elementos são apenas aspectos
manifestados a partir da Energia unitária. Contudo, cada um desses
aspectos da Energia pode ainda ser diferente em suas propriedades em
função do fato de pertencer a um ciclo involutivo ou evolutivo, conforme
o caso.
Em linguagem simbólica, o Fogo da Descida, o ciclo involutivo, não é
idêntico em suas propriedades ao Fogo da Subida, o ciclo evolutivo, e isso
é válido para os três outros elementos. Existe uma relação entre os quatro
elementos descritos anteriormente e as quatro forças fundamentais da
física moderna.
Pode parecer estranho que o princípio gerador da matéria finita seja
simbolizado por um círculo, símbolo do infinito, assim como o Sal oriundo
da Unidade. Pode-se ver nessa escolha o fato que os Antigos aplicaram
a divisa hermética “aquilo que está em cima é como aquilo que está embaixo”.
Nos textos antigos, o Sal Celeste foi diferenciado de seu homólogo

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pelo nome de Sal da Terra oriundo de e . O elemento mais
determinante na escolha desse símbolo, porém, é provavelmente a
ação purificadora do Sal na preparação de cada ser para seu retorno à
Eternidade – o Infinito.
É oportuno recordarmos que:
– A fonte de todas as energias da Natureza é única, infinita e eterna.
– Desde o começo da manifestação, a Energia unitária engendra: o
Tempo (ativo) e o Espaço (passivo); o Espírito (ativo) e a Matéria (passiva).
– Toda a matéria manifestada é construída apenas por uma
coagulação – uma densificação da Energia que se faz nível por nível.
– As propriedades da Energia são análogas a todos os níveis.
– Em cada nível de condensação, seja ele visível ou invisível, a
Energia assume quatro aspectos.
– Os quatro elementos a partir dos quais todas as coisas são
estruturadas com um corpo material e com um princípio animador
funcionam através de toda a criação, tanto visível quanto invisível.
– A separação da Energia unitária em quatro elementos só ocorre,
portanto, no espaço-tempo da dualidade.
– O desenvolvimento da Consciência só pode ser efetuado pela
experiência.

Involução – Evolução
Lembremo-nos também de que:
– No nada existe uma poderosa “pressão de ser”.
– Nesse nível unitário, a Energia primordial é inconsciente de si
mesma.

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 13 ]
– O inconsciente só pode se tornar consciente através da experiência.
– A experiência não é possível na Energia unitária.
– A Natureza cria a dualidade através da Energia e do espaço-
tempo.
– A semente humana original, inconsciente, deixa então a
Eternidade para se autocriar na dualidade, a fim de se tornar consciente
de si mesma.
Por conseguinte, a dualidade da Energia é necessária para a
manifestação. Essa regra é geral, tanto na matéria quanto no espírito.
Uma energia ativa se manifesta pelo encontro de um obstáculo – uma
energia passiva. À guisa de exemplo, no espaço intersideral o céu é escuro
e a luz, energia ativa, só se torna visível se um obstáculo se opuser a ela.
O obstáculo representado nesse caso pela atmosfera, energia passiva, faz
aparecer uma cor azul que até então estava invisível. Parece que as palavras
“matéria ou material” e “espírito ou espiritual” não se limitam em nosso
contexto ao sentido exclusivo que lhes damos habitualmente. A título de
lembrança, a cada vez que são utilizadas, é desejável não esquecer que as
primeiras designam o princípio estruturante das coisas, ao passo que as
segundas designam o princípio animador dessas coisas, e isso em todos
os níveis da Criação. Se esquecermos um pouco que seja essas noções,
arriscamo-nos a veicular valores errôneos.
Para que a estadia na dualidade seja possível, nossa partida para
o espaço-tempo se produz por uma espécie de iniciação que criou os
arquétipos próprios para esse novo estado. Após essa “Iniciação à
dualidade”, a semente humana forjou suas estruturas nos mundos cada
vez mais densos. Todo esse longo percurso é o da involução, ou descida,
fazendo referência à Queda simbólica. A razão principal do mergulho da
consciência na matéria é limitar as percepções da consciência. A percepção
da totalidade das vibrações do Caos ou da Eternidade não permitiria
nenhuma experiência. É na dualidade que a experiência é possível. Toda

[ 14 ] O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
matéria e todas as coisas nela são percebidas pelo canal das vibrações.
Temos assim dois tipos de percepção das coisas, seja pelo espaço ou pelo
tempo.
Esse longo percurso, Involução-Evolução, se estende por milhões
de anos pelo intermédio dos quatro reinos: mineral, vegetal, animal e
humano. Partimos da Unidade inconscientes e retornaremos à Unidade
em Consciência. Não podendo ser “despertada” simultaneamente em seus
quatro aspectos da Criação, a Energia inicial se produz sucessivamente, do
aspecto mais denso ao mais sutil, ou seja, na seguinte ordem: despertar da
energia da Terra, da Água, do Ar e do Fogo. O despertar da consciência,
por sua vez, se efetua pelo canal da Vida; ascensão do reino mineral ao
Homem coletivo, revestido pelo manto de Elias (Cristo Pantocrator), em
sua síntese divina antes da Reintegração final. n

Primitivamente, a cabeça devia ser regida pelo


cora­ção; ela só devia servir para engrandecê-lo.
Hoje, a cabeça do homem reina sobre o seu coração,
quando é ao coração que o cetro deveria pertencer;
vale dizer que o amor é superior à ciência, dado que
a ciência deve ser apenas o archote do amor e que
esse archote é inferior àquele que ele ilumina.
Louis-Claude de Saint-Martin

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 15 ]
A idade de chumbo
Cultor Habilis

“O princípio de involução espiritual – a Queda


à qual a humanidade está submetida segundo as
[ 16 ]
tradições – está perfeitamente traçado conforme a
O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
duração decrescente das quatro Idades.”
A ssim como o espaço, o tempo sempre esteve no coração das
preocupações do homem. Se por um lado é fato que essa noção
é essencial para a organização da vida terrestre, por outro ela se
reveste de uma conotação diferente no misticismo e no esoterismo. Por
definição, o tempo humano seria finito, ao contrário do tempo divino,
infinito por sua vez.
Na mitologia grega, o tempo é geralmente associado a Cronos (em grego
antigo Κρόνος), de quem se tornou a personificação. Segundo a tradição
que remonta a Hesíodo no século VIII a.C., Cronos, comparado a Saturo
na mitologia romana, filho de Urano, existia quando do surgimento dos
primeiros seres humanos. Estes viviam despreocupadamente, sem sequer
a necessidade de trabalhar: um verdadeiro paraíso na terra. Essa época
pré-histórica é mais conhecida pelo nome de “idade de ouro” ou Krita
Yuga entre os hindus.
De fato, a tradição hindu considera quatro grandes tempos ou ciclos
que cobrem um tempo cósmico de 64.800 anos solares ou Manvatara,
divididos em períodos ou idades: a idade de ouro, a idade de prata, a idade
de bronze e a idade de ferro.
Essas idades, de proporções decrescentes, são comparáveis a uma queda
progressiva do Divino na matéria, ou melhor, uma queda do Homem
primordial seguindo um ritmo que não deixa de lembrar a tetraktys
pitagórica: 1, 2, 3, 4 conduzindo ao número 10.
KRITA YUGA ou Idade de OURO = 25.920 anos, associada ao
número 4
TRETA YUGA ou Idade de PRATA = 19.440 anos, associada ao
número 3
DWAPARA YUGA ou Idade de BRONZE = 12.960 anos, associada
ao número 2
KALI YUGA ou Idade de FERRO = 6.480 anos, associada ao número 1
Tetraktys = 1 + 2 + 3 + 4 = 10

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 17 ]
O princípio de involução espiritual – a Queda à qual a humanidade
está submetida segundo as tradições – está perfeitamente traçado
conforme a duração decrescente das quatro Idades. De fato, cada Idade
perde, temporalmente, uma Idade de Ferro ou Kali Yuga:
25.920 anos – 6.480 anos = 19.440 anos
19.440 anos – 6.480 anos = 12.960 anos
12.960 anos – 6.480 anos = 6.480 anos
Nessa divisão quaternária dos mundos é introduzida outra realidade
que, por sua vez, define as eras; estas últimas delimitam a extensão de
tempo que divide cada idade em períodos de 2.160 anos. Essa subdivisão
não é simples fruto do acaso. Efetivamente, a Terra precisa de 25.920
revoluções ao redor do Sol para que seu eixo retorne ao ponto inicial: é o
fenômeno conhecido como precessão dos equinócios. A duração de 25.920
anos, ou Grande Ano de Platão, engloba 12 vezes a duração de uma era
(12 x 2.160 = 25.920).
O fim da Idade de Ferro marcaria, portanto, o fim de um ciclo ou de
uma época, e poderia ser comparado ao fim dos tempos ou do mundo, pois
o zero representa o nada – o abismo simbolizado pelas águas da Criação.
A terra era informe e vazia: havia trevas na superfície do abismo
e o espírito de Deus (Ouach Elohim) se movia acima das águas
(Gen 1,2).

Essas águas simbolizam a matéria informe ou massa indiferenciada


da qual deveria surgir a toda a Criação. É a materia prima ou o noun que
deverá ser sutilizado para que o sol, gerador de vida, possa aparecer.
A água, oposta ao fogo, corresponde ao Norte, ao frio e à cor preta.
No simbolismo alquímico, o preto é associado ao chumbo, que deve ser
purificado pelo fogo. Metal pesado, ele é tradicionalmente atribuído
ao deus separador Saturno, ou esfera da delimitação. É a partir desse
estado de consciência que os alquimistas buscavam se desprender das
delimitações individuais para alcançar os valores coletivos e universais.

[ 18 ] O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
Papel de Saturno
Através desse processo, Saturno estaria dessa forma encarregado de nos
libertar dos grilhões de nossa vida instintiva e de nossa animalidade – ou,
melhor ainda, renunciar ao nosso ego para evoluir rumo ao conhecimento
de nosso eu interior. Nele se encontraria, portanto, a pedra oculta dos
alquimistas – aquela que permite perpetuar os ciclos e partir do nada para
a Unidade, o que levou Paracelso a dizer: “Se os alquimistas conhecessem
aquilo que Saturno contém, eles abandonariam toda a matéria restante para
trabalhar unicamente com ele”.
É a chave do V.I.T.R.I.O.L., a célebre fórmula dos alquimistas que
condensava sua doutrina: Visita Interiora Terrae Rectificando Invenies
Occultum Lapidem”, cuja tradução mais conhecida é: “Explora o interior da
terra e, retificando-te, encontrarás a pedra oculta”. Essas iniciais exprimem
assim a lei de um processo alquímico de transformação profunda do ser
no mais íntimo de si mesmo a fim de construir uma nova personalidade
– um novo homem.
Esse nascimento do novo homem se assemelha à imortalidade tanto
procurada pelos seres humanos. De fato, Saturno também simboliza os
obstáculos de toda espécie, o infortúnio, as carências e a impotência; ele
é geralmente representado por um esqueleto segurando uma foice para
manifestar as provações da vida e o combate que seria preciso operar para
renunciar à sua vida pregressa a fim de ter acesso à Luz. Esse ideograma
é o do 13º arcano maior do tarô: o arcano sem nome. O esqueleto de pé
parece imortal. Segurando sua foice com lâmina, ele semeia seu próximo
porvir sem se preocupar com a dificuldade. Ele revolve a terra negra,
retificando-a para que faça germinar melhores frutos na próxima estação.
O arcano sem nome nos lembra a esperança no futuro, pois a vida é apenas
um eterno recomeço.
O número 13 é o número da purificação, da iluminação e da revelação.
De fato, a comunidade judia tradicional celebra o ritual do Bar Mitzvah –
ou ritual do “filho do mandamento” – em que um jovem rapaz na idade de
13 anos é admitido a ler pela primeira vez a Torá. Essa cerimônia marca sua
passagem à idade adulta e necessita uma purificação de seu ser: a circuncisão.

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 19 ]
A Brit Milah (em hebraico hlYm . {Yrb. ou “aliança da circuncisão”)
é uma cerimônia que. se passa em três tempos. Num primeiro . tempo,
chamado Orlah hlrve,. . . o prepúcio é cortado. Ora, Aor rve . é a “túnica
de pele”. O que é essa túnica de pele? É aquela com que Deus recobre
Adão. “O Eterno fez para Adão e sua mulher túnicas de pele e revestiu-os com
elas” (Gen 3, 21).. O Aor – a túnica de pele – não é outra coisa senão a
palavra veRa erv
. – não-luz, cujas letras foram permutadas. Num segundo
tempo, chamado Priah hYrf, as carnes são separadas para descobrir a
“carne original” que é princípio de vida. A palavra Priah é composta pela
raiz rf Par, símbolo de fecundidade, e pelas duas letras sagradas Yah
hY, que principiam o Nome do divino tetragrama. A exposição da carne
original é, portanto, a procriação ou nascimento de Yah, para o qual a queda
de Adão seria apenas uma preparação. Num terceiro tempo, Mtsitsah
heYem,
. . . que quer dizer “sucção”, o “circuncisor” aspira o sangue, Dam
Md, a fim de descobrir a Nepesh associada à letra a. De fato, a alma (a)
– o sopro divino – é associado ao sangue (Md), pois Adão Md a é feito
à semelhança (Damoth, ou xmd) . de seu criador.

A circuncisão representa simbolicamente a purificação da carne e o


despojamento da espurcícia do corpo para poder contemplar Deus; é o
sinal da Aliança.
…Circuncidareis a carne de vossa excrescência e esse será o sinal
da aliança entre mim e vós… E o macho incircuncidado que não
remover a carne de sua excrescência terá sua alma extirpada do seio
de seu povo; terá violado minha aliança… Ora, Abraão tinha 99
anos de idade quando foi-lhe extirpada a carne de sua excrescência;
e Ismael, seu filho, tinha 13. Naquele mesmo dia foi circuncidado
Abraão e seu filho Ismael… (Gen 17)

No decurso do tempo, essas provações perderam seu sentido simbólico


e foi preciso recorrer a outras metáforas, as quais são resumidas nos
versículos do Deuteronômio e do Livro de Jeremias.
Circuncidareis, pois, o prepúcio de vosso coração e não mais
enrijecereis a cerviz. (Deut 10, 16)

[ 20 ] O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
Arai e não lançai vossas sementes por entre os espinhos.
Circunscrevei-vos em honra do Eterno e removei as excrescências
de vosso coração… ( Jer 4, 3-4)

Circunscrever o eu, o ego, é começar a lavrar a terra interior. É o que


diz o Cristo quando afirma: “Àquele será retirado inclusive aquilo que não
tem” (Luc 19, 26).
A circuncisão é chamada de aliança dos “treze”. A palavra “aliança”,
que é citada 13 vezes no livro do Gênesis, revela a ideia de projeção no
além – de uma vida futura após a morte.

O simbolismo do número 13
Porém, para se purificar e atingir a iluminação, o Homem deve fazer
com que o fogo divino penetre em seu coração. Na tradição cabalística,
o número 13 é símbolo de iluminação. De fato, a matriz universal do
Verbo
. que se faz carne – o nome inefável
. de Deus ou Javé – escreve-se
hvhY, cujo valor é 26 (Y = 10; h = 5; v = 6; h = 5). Procedendo à redução
teosófica de 26, obtemos 8 – número associado ao Cristo ou segundo
Adão, aquele que, nas palavras de Louis-Claude de Saint-Martin, é “o
único apoio, a única força e a única esperança do Homem”, o redentor e
reconciliador Ieschouah. Essa seria uma das chaves para perceber o elo
existente entre Ieschouah e o Cristo, pois operando a divisão do número
26 por 2 chegamos uma vez mais a 13. Esse número, que é associado a
Jesus e seus doze apóstolos, pode por analogia representar na tradição
egípcia o 13º membro de Osíris reconstituído após seu desmembramento
por seu irmão Seth, ou a rosa aberta no meio da cruz – a Iluminação
– no Rosacrucianismo. Em astrologia, corresponde à constelação do
Serpentário ou Ophiucus, ou aos treze pontos dos lados do hexágono no
Pantáculo martinista.
Na ciência dos números, o número 13 pode também ter duas
interpretações. Primeiramente, a redução teosófica de 13 = 1+3 = 4. O
número 4 é a manifestação visível dos princípios do ternário divino que,
por essência, permanece invisível, pois marca o começo de um novo

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 21 ]
ternário. Ele é a declinação do número 1, do qual prefigura um novo
gérmen – o da consciência. O número 4 marca também a entrada da
personalidade-alma na experiência de seu livre-arbítrio – liberdade
que deverá assumir fazendo escolhas em cada encruzilhada. O número
4 simboliza a cruz, os quatro elementos, as quatro estações, os quatro
reinos da natureza, os quatro pontos cardeais. É o ponto de junção que
forma o cruzamento do tempo e do espaço, do visível e do invisível, da
matéria e do espírito, do alto e do baixo, da fé e da razão, da evolução e
da involução. Enfim, é a porta da ascensão celeste simbolizada pela letra
hebraica Daleth (d) – a porta – cujo valor numérico é 4. Associando
o número 4 à década, chegamos ao número 40, que é o da provação e
do isolamento. Reencontramos essa realidade em diversos fenômenos
e alegorias de textos antigos: é o número de semanas de gestação da
criança no ventre de sua mãe, dos dias do dilúvio na alegoria de Noé, dos
quarenta dias e quarenta noites de isolamento de Moisés no aguardo
da palavra divina. Na Tradição Martinista, o número 400 associado
à letra Tav (x) também é o número do isolamento e da purificação
necessária para receber a Luz. É o que fez Teder dizer que Tav é o
“sinal cabalístico da verdade, da luz, do sol e do ser humano em seu
estado de perfeição”.
Em segundo lugar, a adição teosófica de 13 = 4 = 1+2+3+4 = 10. O
número 10 marca o retorno à unidade. Esse número está simbolicamente
associado ao Homem no plano terrestre, ou aretz em hebraico, e marca o
ponto de partida da reintegração dele após sua queda. De fato, o Homem,
querendo operar como seu criador, rompeu a aliança do princípio com
Deus e caiu. Essa queda, simbolizada fisicamente pelo nascimento da
criança com a cabeça para baixo, o precipitou na matéria separando-o
da celestial Sophia, o que o fez partir de 4 a 9, ou seja, partir do paraíso
terrestre em que podia contemplar a coroa, seu quinhão, para a formação
de seu novo reino, sua sina.
O eterno Deus fez brotar do solo árvores de todo tipo, agradáveis
de se ver e boas para comer, e a árvore da vida e a árvore do
conhecimento do bem e do mal (Gen 2, 9).

[ 22 ] O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
A tradição esotérica judia, a Cabala, explica simbolicamente os laços
entre Deus, o Homem e a Criação através da Árvore da Vida ou Árvore
Sefirótica.
Essa árvore representa o grande universo ou macrocosmo, do qual
cada uma das emanações ou sephiroth explica o derramamento da energia
cósmica ou sua involução na matéria. É também o esquema arquetípico
do Homem ou microcosmo.
A Árvore Sefirótica compreende 10 sephiroth agrupadas também em
4 mundos:
– Atziluth, ou mundo dos arquétipos: Kether, Chokmah e Binah
– Briah, ou mundo da criação: Hesed, Geburah e Tipheret
– Yetzirah, ou da formação: Netzah, Hod e Yesod
– Assiah, ou da ação: Malkuth
Segundo a lei da analogia, a cada um desses mundos poderia
corresponder uma idade ou uma fase da Queda cuja etapa final
transcorreria em Malkuth, ou Reino do “Rei exilado”.
A Tradição Martinista propõe outra representação da Árvore Sefirótica
no célebre Quadro Universal de Martinès de Pasqually, retomado por
Louis-Claude de Saint-Martin. Nesse Quadro Universal, a esfera de
Malkuth é simbolizada por um triângulo. Este, junto com o círculo da
imensidade celeste, forma o eixo fogo central incriado.
Tudo o que está embaixo sendo como o que está em cima, e
inversamente, segue-se que a esfera terrestre poderia ser comparada ao
círculo de Saturno que, segundo os antigos, é considerado como a esfera
da “espera” antes da reintegração da alma humana na Imensidade Divina.
Contudo, a esfera de Saturno é separada pelas outras esferas na Árvore
Sefirótica pelos “abismos”. Estes são preenchidos pela sephira invisível
.
Da’ath (dex). O nome dado pelos cabalistas à porta do abismo é Da’ath,
que sugere imediatamente o nome de outra porta que se abre para o vazio

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 23 ]
da extinção pessoal, a morte. É lá que se encontra indubitavelmente a
chave da porta da eternidade.
A porta do oriente, “Da’ath”, é a passagem1 do Rei supremo, que desce de
sua coroa “Kether” para vir operar a comunhão com o Rei exilado do reino
“Malkuth”, que se eleva para ele passando pela porta do ocidente “Yesod”.
Segundo Gareth Knight, “os Abismos são o vazio entre a força e a forma;
e o lugar em que a transmutação advém é a Sephira oculta Da’ath – que
significa Conhecimento. Os Mistérios de Da’ath são profundos… e o significado
contido no conhecimento vai mais longe do que aquilo que se percebe. Assim,
a palavra em seu uso bíblico significa uma relação sexual e descreve então
precisamente o gênero de união divina em que diferentes planos de existência
se encontram e provocam uma mudança de estado que conduz ao nascimento –
uma transformação ou transmutação de poder”.
“Vede, em Saturno o ouro está oculto (…) Da mesma forma, o
Homem, após a Queda, se oculta numa efígie de si próprio,
grosseira, informe, bestial, como se estivesse morta (…) Ele é
comparável a uma pedra bruta em Saturno.” ( Jacob Boehme, De
signatura Rerum, 1622)

Em conclusão, a idade de chumbo é a representação simbólica do


mundo atual na Era de Aquário, do qual Saturno, em conjunto com Urano,
é o mestre tradicional. De fato, a despeito de todas as proezas científicas
e tecnológicas, a consciência humana mergulha progressivamente no
materialismo: um universo abissal e tenebroso. Mui certamente essa
falta atual de humanismo foi o que levou Rabelais a dizer: “O homem
possui três centros: o cérebro, o coração e o ventre; e agora ele privilegia esse
último, que o conduz à sua ruína. Pois se o ventre é, por um lado, a sede da
maternidade, por outro o intestino é o verme que nos rói e nos leva para a
tumba”. Entretanto, o homem pode lançar três olhares distintos para o
universo: um olhar corporal, um olhar racional e um olhar espiritual. Ora,
nos diz Ângelo Silésio: “A alma tem dois olhos: um olha o tempo (nosso ‘aqui
1 No original francês, o autor do artigo escreve « passÂge » (com o segundo A
maiúsculo), de forma a evidenciar o fato que a palavra « Âge » (“Idade”) está
contida na “passagem”. (N. do T.)

[ 24 ] O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
e agora’ de humano encarnado) e o outro a eternidade”. Saturno é a fronteira
entre o visível e o invisível, pois baliza e limita o espírito do Homem
encerrando-o nos limites do tempo e da matéria. Enquanto mestre do
carma, é o astro que mergulha o psiquismo do Homem no esquecimento
de suas origens. É sem dúvida por causa disso que ele se apresenta na
forma de uma lua crescente que se enterra na matéria. No entanto, um
trabalho de “autoconhecimento” nos levaria a tocar com a ponta dos dedos
aquilo que somos no mais profundo de nós, a retificar nossos defeitos
para transmutá-los em qualidades e a trespassar o véu de Saturno – em
outras palavras, a transformar novamente o Chumbo em Ouro. n

Bibliografia
DE SOUZENELLE ANNICK, Le symbolisme du corps humain – De l’arbre
de vie au schéma corporel, éditions Dangles, coll. «Horizons ésotériques  »,
2009.
SOUED ALBERT, Les symboles dans la Bible, Jacques Grancher, 1993.
CHEVALIER JEAN et GHEEBRANT ALAIN, Le dictionnaire des
symboles, Robert Laffont, 1982.
H. SILVESTRE COLETTE, ABC des tarots, Jacques Grancher, 1990.

Não fales jamais da prece senão àqueles que estão preparados para
ela; do contrário, não serás compreendido.
Lavra teu campo sem cessar do oriente ao ocidente e de norte a sul;
é o verdadeiro modo de torná-lo fértil.
Há homens suficientemente generosos a ponto de não poderem se
extraviar mesmo o desejando. Agradeço-te, mas é preciso pôr-se
absolutamente em guarda para não se envaidecer por isso.
Não me deixes fazer o mal que eu desejo, e faz-me fazer o bem que
eu não desejo.
Louis-Claude de Saint-Martin

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 25 ]
O simbolismo do coração
Marie-Madeleine Eliot

“Para o Homem, o coração-centro é a própria alegoria do


Amor que vai se exprimir através das mais altas e mais nobres
virtudes, que são a benevolência, a bondade, a tolerância,
o desapego, o serviço, a lealdade, o perdão, a gratidão, a
resiliência, a amizade e a fraternidade, que são raios que o
expressam…”
[ 26 ] O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
O coração é fecundo em abordagens simbólicas, as quais
abordaremos em diversos planos:

– O órgão coração
– O “coração-centro” de algumas tradições
– O coração na tradição cristã e no Martinismo

O simbolismo do órgão coração


O coração é um órgão essencial, uma vez que é ele que propulsa o
sangue em todo o nosso corpo, trazendo vida, oxigênio e a essência
cósmica a cada um de nossos órgãos e a cada uma de nossas células.
Porém, é ele também que recolhe o sangue viciado de cada órgão antes de
ejetá-lo na direção dos pulmões, onde é regenerado.
Se esquematizarmos um coração visto de frente e seccionado, ficaremos
assombrados por seu aspecto de triângulo com a ponta voltada para baixo
e por sua divisão em quatro cavidades ou câmaras, sendo que o conjunto
evoca uma cruz no meio de um triângulo. Esse triângulo invertido é
também o símbolo do cálice e do feminino, sendo que a forma do coração,
ademais, não deixa de evocar a do útero da mulher.
Situado no centro do peito, ele se encontra na união do eixo horizontal
do homem de braços abertos e de seu eixo vertical da cabeça aos pés
unidos. Ele está no centro de uma cruz formada pelo corpo do homem,
esteja ele posicionado em um quadrado ou em um círculo, como no caso
do Homem Vitruviano de Leonardo da Vinci.
Em uma igreja em forma de cruz, a qual pode ser identificada, entre
outros, com o corpo do Cristo, o lugar do coração é ocupado pelo altar-
mor. Na tradição judia, o Santo dos Santos é tido como o coração do

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 27 ]
Templo de Salomão, ele próprio chamado de Coração de Sião – que é,
para os judeus, o coração do mundo.
O coração é marcado pela polaridade: ele tem um lado luminoso
preenchido por sangue vermelho carregado de energias positivas e um
lado escuro preenchido por sangue azul carregado de energias negativas.
Ele é rítmico, cíclico e alterna contração e relaxamento, chamados “sístole”
e “diástole”. Ele é ativo na sístole, propulsando o sangue ao contrair-se, e
passivo na diástole, acolhendo o sangue ao dilatar-se. Reencontramos aí a
dinâmica Yang-Yin do Taoísmo.
Segundo Annick de Souzenelle, o coração-órgão cruciforme é a
alegoria do Filho, o Cristo, a ser posto em relação com o simbolismo
da cruz e com os símbolos de morte e ressurreição que veiculam o lado
escuro e o lado luminoso.
Na noite da Santa Ceia, quando o Cristo designa aquele que o
entregará, o apóstolo João pousa sua cabeça sobre o peito – sobre o coração
– daquele que vai morrer. Judas e João são a sombra e a luz – os dois lados
do coração. Eles executam as ordens do Pai. O Pai seria representado pelo
coração – não mais órgão, mas “centro” invisível e não-encarnado.
Para Souzenelle, o Filho – o gérmen (simbolizado pela letra hebraica
Yod) – é libertado pela retirada – pelo apagar – do coração-centro, o
Pai. Para essa autora, existe a mesma relação entre o coração-órgão e o
coração-centro e entre o glóbulo vermelho e seu núcleo.
Sabe-se que o glóbulo vermelho, no decurso da formação na medula
óssea, perde seu núcleo antes de viver sua vida de 120 dias e morrer no
baço. Essa história do glóbulo vermelho cujo núcleo (simbolizado pela
letra Aleph) desaparece evoca para a autora a retirada de Elohim de sua
criação no 6º dia, a fim de que a criação viva em Adão. As energias do Yod
são liberadas. Esse movimento duplo, retirada de Aleph e pulsão de Yod,
constitui a bomba arquetípica que determina a do coração. É no mistério
do sangue que Deus o enceta: o amor consiste em se retirar para que o
ser amado exista.

[ 28 ] O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
Essa retirada de Elohim do glóbulo vermelho para que Yod se cumpra
– essa retirada do Pai coração-centro invisível para que viva o Filho – não
deixa de evocar, na Cabala, o Tzimtzum – retirada e autolimitação do
Divino para que a Criação seja cumprida.

O coração enquanto centroem algumas tradições


A semelhança entre coração e centro é encontrada em toda parte, tanto
na natureza quanto no ser humano – até nas expressões cotidianas, como
por exemplo “no coração do debate”, “no coração da noite”, “no coração
da natureza”, “no coração de sua família” etc.
Em muitas tradições, o coração é um centro psíquico fundamental.
Na Tradição Rosacruz, ele faz parte dos sete centros psíquicos
maiores. Ele é de fato o símbolo da Rosa no centro da Cruz, evocando o
desabrochar da alma no meio do crisol da encarnação, na união das forças
horizontal da matéria e vertical da espiritualidade. Vemos então que a
alma e o coração enquanto centro têm um parentesco indiscutível, com a
alma se desabrochando gradualmente no centro do ser.
Para os egípcios, o coração desempenha um papel fundamental: ele é
em cada ser humano o centro da vida, da vontade e da inteligência. Na
psicostasia, ou pesagem das almas após a morte, é o coração do finado que,
em uma urna que não deixa de lembrar um cálice ou graal, é depositado
sobre um dos pratos da balança, no outro ficando a pena de avestruz da
deusa Maat.
Na tradição hindu, a subida da Kundalini, força da serpente ou força
espiritual que dorme enrolada na base da coluna vertebral, abrirá o chakra
umbilical e depois o do coração. Este é descrito como uma flor de lótus
vermelho-escarlate aberta em doze pétalas. Esse dodecanário está ligado
ao Ser. No centro do lótus está o cálice, décimo-terceiro elemento para o
qual os doze outros convergem.

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 29 ]
É para o coração que convergem as doze pétalas, as doze etapas
do caminho, os doze raios da roda. O centro é o meio da roda. Ele é
a imobilidade no movimento, o invariável no coração do variável, o
princípio na Gênese.
No Islamismo, o coração é o centro da contemplação e da vida
espiritual, o ponto de inserção do espírito na matéria, o lugar oculto e
secreto da consciência, o sirr. Ele é representado como sendo constituído
por invólucros sucessivos em número de sete. No interior da nafs, ou alma
carnal, o sirr constitui “a personalidade latente, consciência implícita,
subconsciente profundo, célula secreta murada para toda criatura, virgem
inviolada” (Louis Massignon, A paixão de Al-Halladj).
Esse órgão espiritual que os sufis chamam de Qalb é descrito pelo
místico Jili como “a luz eterna e a consciência sublime revelada na quintessência
dos seres criados a fim de que Deus possa contemplar o Homem por esse meio. É
o trono de Deus e seu Templo no homem…”.
No Qalb, o coração, encontra-se a raiz QLB, que significa “receber, ser
receptivo”, e com isso não deixaremos de comparar com as letras hebraicas
da palavra “Cabala” ou “Kabbalah”, que significa “recepção”.
O coração tem uma grande importância na Cabala. Certo número
de indícios são evocados por Ouram Egiturre na revista Pantáculo de
2001: a primeira letra da Torá é Beth (“Bereshit”). Essa letra corresponde
à preposição “em”, que significa “no interior”. Pode-se pensar, portanto,
que o começo da Torá está “em Deus”, evocando o estado glorioso do
Homem em sua origem. Da mesma forma, a última letra da Torá é Lamed
(última palavra: Israel). Essa letra corresponde à preposição “para”, ou
seja, uma direção. Daí conclui-se que o final da Torá está voltado para
Deus, sugerindo então a Reintegração. A Torá é, pois, um fluxo que vai de
Beth para Lamed, o que forma a palavra BaL, a qual possui dois sentidos:
abundância-fertilidade ou interdição-rigor da Lei.
O que é perturbador é o fato de o sentido inverso Lamed-Beth, que
sugere o retorno ou fluxo oposto, formar a palavra “coração”: LeB. O
coração seria assim, na Torá, o caminho da Reintegração. Dessa forma,

[ 30 ] O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
retornaremos à Unidade pelo coração. O autor daquele artigo nos faz
observar assim que a guematria da palavra “coração” nos dá 32 (30 para
Lamed + 2 para Beth), o que evoca os 32 caminhos da sabedoria. E o autor
se reporta então a uma citação extraída do Tratado Berakhot: “Pouco
importa que aquilo que se faz seja grande ou pequeno, desde que o coração esteja
voltado para o céu”.
Esse lugar particular do coração-centro brilhante evoca primeiramente,
na Árvore Sefirótica, a sephira Tipheret, colocada no eixo central e religada
às sephirot das duas colunas da direita e da esquerda, evocando um sol. No
eixo central, Tipheret é religada a Kether, a mais alta das sephirot, da qual é
dito ser o filho; e a Malkuth, a mais baixa, o reino que é preciso conquistar
pelo Amor e da qual se diz ser o pai.
Sol, beleza, fogo, amor, perfeição: tais são os qualificativos de Tipheret.
No esquema divino, ela é a plenitude da harmonia divina. Ela reúne
todos os sons, os perfumes e os ritmos e os exalta na unidade perfeita de
sua reunião. Ela é a medida e a beleza. Ela é sol divino – suprema roda
cujos raios todos unem luz e trevas e cujo turbilhão faz brilhar todas as
possibilidades do Amor Divino.
Para o Homem, o coração-centro é a própria alegoria do Amor que
vai se exprimir através das mais altas e mais nobres virtudes, que são a
benevolência, a bondade, a tolerância, o desapego, o serviço, a lealdade, o
perdão, a gratidão, a resiliência, a amizade e a fraternidade, que são raios
que o expressam…

O coração na tradição cristã


No Cristianismo, o Cristo ou Logos é frequentemente simbolizado
por um coração. Vimos que, em uma igreja representando o corpo do
Cristo em cruz, o lugar do coração seria o altar-mor, ponto focal em que
o Divino, na forma do Filho, se encarna no pão e no vinho no momento
do ritual da missa.

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 31 ]
O simbolismo do Cristo em cruz não deve ser visto sob o aspecto
conhecido do objeto de tortura e morte de Jesus, mas sim sob o aspecto
do símbolo universal da cruz e de seus dois eixos, simbolizando o
aspecto humano do Cristo encarnado e seu aspecto divino. O Cristo
é o coração da assembleia – a eclésia ou igreja, comunidade e esposa
que se une com ele, o esposo. O coração do Cristo é ele próprio um
símbolo que o representa integralmente: presente em muitos vitrais e
pinturas, ele é frequentemente representado pelo cálice contendo seu
sangue.
O Cristo que é também sol de justiça, rodeado pelos doze apóstolos,
terá o mesmo valor simbólico que o cálice sagrado e seu próprio coração
no seio do qual a alquimia espiritual do Amor fará sua obra. Está
exatamente aí a mensagem crística essencial – a do amor que se eleva
diante do poder. Por intermédio do coração do Cristo, o homem pode
ter acesso ao Amor Divino. O coração do Cristo é uma porta aberta para
a intimidade divina.
Um dos grandes mitos do Ocidente cristão – o qual, sob o impulso dos
monges cistercienses e por intermédio de Chrétien de Troyes, incorporou
as lendas célticas – é o tema de Artur, da Távola Redonda e do Santo
Graal. A Távola Redonda, cuja forma evoca a flor de lótus com doze
pétalas, presidida pelo rei Artur rodeado pelos doze cavaleiros, vê surgir
em seu centro o precioso cálice, o Graal.
Sua busca simboliza a aventura espiritual, com a espada e a lança na
mão, em busca do cálice, representação do sagrado feminino e do Amor.
As virtudes simbolizadas por esse cálice, que pretensamente confere a
imortalidade caso se beba dele, são as do aspecto feminino do Divino que
cada ser humano deve encontrar e desposar se desejar alcançar a plenitude
e a realização. Mais uma vez aí encontramos a mensagem essencial do
Cristianismo: o amor de Deus pelo Homem e do Homem por Deus,
contrabalançando a conquista, o poder e o medo.

[ 32 ] O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
O coração na Tradição Martinista
O coração é um símbolo maior da Senda Martinista. Vamos desenvolver
algumas noções referentes a isso e abordar o coração como símbolo do
Templo da Inteligência.
O coração pode ser visto como um símbolo da inteligência, no sentido
em que esta é aquilo que nos permite compreender, ou seja, “tomar
conosco”. Diversas vezes Louis-Claude de Saint-Martin nos engaja
a pensar com o coração e não com a cabeça. Efetivamente, depois do
movimento involutivo chamado de “Queda”, o ser humano rompeu o
contato com o fluxo divino que o penetrava naturalmente e seu espírito
fechou-se para as verdades naturais.
A inteligência humana, por força de se fixar apenas nas coisas de
ordem externa, as quais não consegue sequer perceber de forma
satisfatória, bem mais ainda se fecha para a natureza de seu ser
do que para a dos objetos visíveis que a cercam; no entanto, tão
logo o homem cessa por um instante de projetar seu olhar sobre
o verdadeiro caráter de sua essência íntima, ele logo se torna
totalmente cego quanto à eterna fonte divina da qual descende. (O
Ministério do Homem-Espírito). É assim que de “pensador” ele se
tornou “pensativo”.

Para Louis-Claude de Saint-Martin, ”a única iniciação é aquela em


que podemos entrar no coração de Deus e fazer com que o coração de Deus
entre em nós para que ali consume um casamento indissolúvel”. Aí também
encontramos a ideia do coração como um centro, um santuário interior,
em que o Homem penetra cada vez mais as profundezas de seu ser.
Lá encontrará aquilo que Saint-Martin chama de “raiz vivificadora”
e desposará literalmente o divino que há nele. Nesse sentido, toda
abordagem intelectual da Verdade não faz mais do que agitar a superfície
das águas e corta o Homem de sua raiz profunda. A abordagem pelo
coração – não no sentido de sentimentos emotivos, mas no sentido da
profundidade e do encontro sagrado com Deus – permite que o Homem
penetre os mistérios. Por esse encontro ele tem acesso ao esplendor e à
perfeita compreensão – à Iluminação.

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 33 ]
Nessa união ou comunhão em que o Homem se deixa habitar por
Deus, sua inteligência está impregnada e receptiva. O Homem aceita
“servir a Deus”, como diz Saint-Martin. O coração é a sede desse sagrado
encontro – o lugar em que a inteligência cerebral se cala para que a
inteligência do coração murmure sem palavras, no silêncio, no lugar em
que sabemos.
Outro exemplo da inteligência do coração pode ser descoberto no
Martinismo, pois é em seu próprio seio que o Homem deve poder dar
provas de discernimento. Com efeito, o coração do Homem tem um lugar
determinante: ele é o “lugar” alegórico de abertura às influência celestes
ou tenebrosas, o crisol da transformação alquímica, o lugar da ação ou
operação.
Em sua obra O homem de desejo, Louis-Claude de Saint-Martin revela
um segredo: existe no fundo do coração do Homem uma porta dita
“inferior” pela qual o demônio quer passar sua cabeça a fim de gozar um
pouco da luz que ele perdeu. Essa porta se abre quando nos abandonamos
a pensamentos, palavras e ações baixos, tais como a maldade, a inveja, o
egoísmo, a vaidade, o orgulho etc. Nos protegemos disso pela guarda do
coração, que nos permite dominar progressivamente essas tendências.
Em sua obra O Novo Homem, porém, ele revela outro segredo não
menos importante: a existência de outra porta, dita “superior”, que é a
da Luz Divina e pela qual Deus não cessa de querer passar. É também a
porta pela qual o Homem pode oferecer ao amigo fiel que o acompanha o
acesso à Luz Divina que só lhe pode ser comunicada por esse meio. Mas
quem é esse amigo fiel?
Para Saint-Martin, é o anjo que acompanha o Homem exilado em
sua encarnação. A queda do Homem no mundo da matéria constrangeu
o anjo a essa função e ele está como que aprisionado com o Homem
neste mundo temporal onde não pode usufruir da luz divina. Esse anjo é
nosso protetor pessoal. Ele protege nosso invólucro corporal e nos guia,
se o soubermos escutar. Poderíamos compará-lo ao Mestre Interior dos
rosacruzes.

[ 34 ] O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
Para Martinès de Pasqually ele se chama “Espírito bom companheiro”.
É frequentemente pelo sonho que ele fala ao Homem e é por essa razão
que, à noite, cada discípulo de Martinès tinha o cuidado de pedir a Deus
que lhe enviasse sonhos salutares. Na prece da manhã, o discípulo pedia
ao anjo que o conduzisse na jornada rumo ao caminho da salvação e o
animasse com o Amor Divino de forma a guiar seus passos para a Verdade.
Para Martinès, a relação com os seres angélicos passa essencialmente
pela teurgia, ou seja, por invocações segundo um complexo ritual.
Contrariamente, toda a beleza e toda a simplicidade do caminho de
Saint-Martin residem no fato que essa relação entre o anjo e o Homem,
assim como entre Deus e o Homem, pode desabrochar naturalmente por
um processo interiorizado – a via cardíaca.
Segundo Saint-Martin, é apenas na medida em que o Homem deixa
entrar em si os eflúvios da Luz Divina que o anjo pode se valer da Vida
Divina. O anjo, diz Saint-Martin, só conhece o Pai pelo Filho, e é apenas
pelo coração do Homem que o anjo pode encontrá-lo. O coração do
Homem é o órgão, o canal dessa luz, ao passo que o anjo é o seu recipiente.
O meio mais simples e mais puro de que o Homem é capaz para tanto é
a prece. Louis-Claude de Saint-Martin chama essa prece de “admiração”.
É a prece de contemplação, que se assemelha a essa comunhão silenciosa
– não em um templo exterior, mas precisamente no santuário ideal que é
representado pelo Templo do Coração.
Em conclusão, citemos Louis-Claude de Saint-Martin no Tratado
sobre a admiração:
A prece é a principal religião do homem, pois é ela que religa nosso
coração ao nosso espírito; e é apenas porque nosso coração e nosso
espírito não estão ligados que cometemos tantas imprudências e
que vivemos em meio a tantas trevas e tantas ilusões. Quando, ao
contrário, nosso espírito e nosso coração estão ligados, Deus se une
naturalmente a nós, pois Ele nos disse que quando estivéssemos
dois reunidos em Seu nome Ele estaria entre nós, e então podemos
dizer, assim como o Reparador: meu Deus, eu sei que Tu sempre
me ouves. n

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 35 ]
Eternidade na natureza,
brevidade do homem
Lamartine escrevia: “É uma das poesias da minha juventude que me recorda
mais a mim mesmo o ‘modelo ideal de lirismo’ que eu gostaria de abordar”.
O “cântico” a seguir ilustra efetivamente todo um aspecto do lirismo
metafísico nas Harmonias. Essa antologia de 48 poemas é considerada
uma obra-prima lírica de Lamartine pela magnificência do sentimento
da natureza, pela espontaneidade da emoção religiosa, pela riqueza das
imagens e pela variedade dos ritmos.

O autor nele parafraseia os Salmos de David como tantos poetas desde


o século XVI, mas com grande exaltação interior que anima toda a ode
com poderoso ardor. Os céus contam a glória de Deus; esse tema do salmista
aqui conduz a poderosas evocações dos espaços infinitos e da eternidade
da natureza. Essa meditação filosófica culmina numa espécie de desafio
à afirmação da dignidade do homem e de sua imortalidade. Nessa ode,
nos encontramos diante de uma concepção original e completa das
relações que existem entre Deus, o homem e a natureza – tema maior que
encontramos nos textos fundamentais do Martinismo.

Rolai em vossas sendas de fogo


Astro, reis da imensidade!
Insultai, aniquilai minha alma
Por vossa quase eternidade!
E vós, cometas errabundos,
Do divino oceano dos mundos
Transbordamento prodigioso,
Deixai vossos limites traçados
Para outros pensamentos revelados
Daquele que pensou os céus!
Triunfo, natureza imortal,
A quem a mão de dias a transbordar
Empresta forças sem igual,
Dos tempos sempre a reencarnar!
A morte revigora a tua potência:
Dá, toma, confere existência
A tudo o que busca em ti;
Inseto eclodido do teu sorriso,
Nasço, olho e expiro:
Caminha, e não pensa mais em mim.

Velho Oceano, em tuas margens


Flutua como um céu de espuma
Mais tormentoso que a bruma,
Mais luminoso que um firmamento!
Enquanto os impérios nascem,
Crescem, caem, desaparecem
Com suas gerações,
Levanta tua crista virulenta,
Golpeia a tua costa e diz à tormenta:
“Onde estão os ninhos das nações?”

Tu que não te cansas de despontar


Desde o nascimento dos dias,
Levanta-te, brilhante aurora,
Põe-te, levanta-te sem cessar!
Refleti seus fogos sublimes,
Neves brilhantes dos cumes
Onde o dia desce como um rei!
Brilhai, brilhai para me confundir!
Vós, que um raio do dia pode extinguir,
Subsistireis mais do que eu resistirei.

E tu, que te deitas e te ergues


Como a poeira dos caminhos,
Como as ondas sobre a praia,
Raça incontável de seres,
Sobrevive ao tempo que me consome,
Engole-me na tua espuma:
Sinto eu mesmo o meu nada.
Em teu seio, o que é uma vida?
Não é mais que uma gota de chuva
Nos leitos do Oceano.
Morreis para outra vez renascer,
Sois abundantes em vossos caminhos,
Um sopro da noite ao amanhecer
Renova vossos torvelinhos;
Uma existência consumida
Não faz com que baixe, de uma vida,
O fluxo do ser sempre cheio;
Não vos falta, quando eu expiro,
Nem tampouco ao homem que respira
Falta um sopro de seu seio.

Minhas cinzas ireis apagar:


O homem, ou o inseto, dela renascerá!
Meu nome ardoroso de se espalhar
No nome comum se perderá:
Ele foi! Eis tudo. Ainda cedo
O esquecimento cobre essa palavra suprema,
Um século ou dois o terão vencido!
Mas vós não podeis, ó Natureza,
Apagar uma criatura.
Eu morro. Que importa? Terei vivido!

Deus me viu! O olhar da vida


Abaixou-se sobre o meu nada;
Sua existência rejuvenescida
Tem séculos: eu tive meu instante!
Mas no minuto que vai com o vento
O infinito de espaço e tempo
Em meu olhar se repetiu,
E eu vi nesse ponto do ser
A mesma imagem me aparecer
Como em sua imensidade me viu!
Distâncias incomensuráveis,
Abismos dos montes e dos céus,
Vossos mistérios inesgotáveis
Revelaram-se aos olhos meus:
Rolei em meus votos altivos
Mais ondas que teus abismos
– Ó mar encrespado! – jamais rolaram.
E vós, sóis com olhos cintilantes,
Da minha alma os olhos flamejantes
Mais alto que vós se elevaram!

Do Ser universal, único,


O esplendor em minha sombra a ele
Eu murmurei meu cântico
De alegria e de amor diante dele;
E seu pensamento brilhante
Se desdobrou sobre o meu,
E sua palavra me conheceu,
E eu subi, sua face diante,
E a Natureza me disse: “Passa;
Tua sorte é sublime: ele te viu!”

Vossos dias sem medida vivei, então.


Terra e céu, celestial chama,
Montanhas, mares! E tu, Natureza,
Sorri por muito tempo sobre o meu caixão!
Apagado do livro da vida,
Que o próprio nada me olvide!
Admiro e não sou atroz.
Meu pensamento viveu adiantado,
E morre com uma esperança
Mais imperecível do que vós!

Alphonse de Lamartine
(1790 – 1869)
O significado esotérico do número 7

Philippe Cuendet

“Os números são apenas a tradução abreviada – ou


a língua concisa – das verdades e das leis cujos texto
e ideias estão em Deus, no homem e na natureza.”
[ 40 ] O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
P ara Louis-Claude de Saint-Martin, «os números são apenas
a tradução abreviada – ou a língua concisa – das verdades e das leis
cujos texto e ideias estão em Deus, no homem e na natureza”1. “A
Ciência divina e a dos números estão intimamente ligadas uma à outra, sendo
que uma prepara a inteligência para a outra”2.
O estudo do significado esotérico dos números é, portanto, um caminho
fundamental para compreender as leis divinas. O Filósofo Desconhecido,
aliás, consagrou a esse estudo uma obra à parte (1). Por outro lado,
encontramos indicações muito interessantes sobre a aritmosofia nas Lições
de Lyon aos Élus Coëns (2), das quais muitas são dedicadas ao significado
esotérico dos números. É através das operações aritmosóficas que os
números revelam as leis universais que encerram. Essas lições ilustram,
através de exemplos, as diferentes operações artimosóficas clássicas, que
são a adição, a adição teosófica, a multiplicação e a redução teosófica, a
qual permite reconduzir ao denário o resultado de qualquer operação.
Elas vão até mesmo mais longe, fornecendo outros critérios de análise
complementares, tais como a posição do número no denário, a figura
geométrica que o representa e o seu simbolismo.
É absolutamente instrutivo aplicar essas operações e critérios de análise
ao estudo de um determinado número. Como veremos, esse procedimento
nos leva a uma compreensão aprofundada dos diversos significados
esotéricos desse número. Tomemos o 7, que é um número altamente
simbólico, e vamos descobrir o que nos revela cada uma dessas operações.

A adição
A adição em aritmosofia não é diferente da adição ensinada na
aritmética.
7 resulta, portanto, da adição de 3 + 4. Ora, 3 é o número do mundo
temporal. É o número da criação, que corresponde ao terceiro mundo da
Árvore Sefirótica, Briah.
1 LOUIS-CLAUDE DE SAINT-MARTIN, Les Nombres, p. 13.
2 WILLERMOZ, Cahiers: citado por Rudolph Berrouët em Le Martinisme
expliqué par les nombres, p. 70.

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 41 ]
O número ternário ensinará a conhecer a unidade ternária das
essências espirituosas das quais o Criador se serviu para a criação
das diferentes formas materiais aparentes, e o número quaternário
nos ensina a conhecer o número espiritual divino do qual o Criador
se serviu para a emanação espiritual de todos os seres espirituais de
vida, que são os espíritos maiores3.
Aplicado ao homem, o quaternário representa os quatro poderes
originais que o fazem semelhante a Deus e à imagem da Divindade no
nível de suas quatro faculdades (pensamento, verbo ou vontade, ação e
operação). É o número do ser espiritual do menor4. É também o número
da emanação, quarto mundo da Árvore Sefirótica chamada Atziluth.
Por conseguinte, 7 é o resultado da criação no mundo temporal E
TAMBÉM da essência divina. No homem, ele exprime ao mesmo
tempo a criatura material E TAMBÉM o espírito emanado de Deus.
7 é igualmente o número do círculo dos espíritos maiores e, portanto,
número da reconciliação, uma vez que a ação dos espíritos maiores se
exerce na forma – 3 – e na alma – 4 – do menor5. Essa operação nos revela
o número do poder divino que opera no corpo e no espírito.
O espírito setenário “age, pelo poder ternário de que está revestido, sobre as
três essências espirituais que compõem nossa forma, e por seu poder quaternário
ele age sobre o quaternário espiritual menor”.

A adição teosófica
Por essa operação , 7 => 1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 + 7 = 28 => 10 (por
6

redução teosófica).
Isso demonstra como 7 – o segundo poder divino – deriva do primeiro,
10. Compreende-se também por que 7 é o número mais que perfeito que
o Criador empregou para a emancipação de todo espírito fora de sua
Imensidade Divina.

3 Traité sur la Réintegration [Tratado da Reintegração dos Seres], p. 139.


4 Le Martinisme explique par les nombres, p. 181.
5 Les Leçons de Lyon, p. 309.
6 O sinal = indica o resultado de uma operação aritmética e o sinal => o
resultado de uma operação aritmosófica.

[ 42 ] O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
A multiplicação
Em aritmosofia, inclui-se também na multiplicação as potências
dos números, que são apenas a multiplicação de um número por ele
próprio.
Sendo 7 um número primo, ele não possui outro divisor senão 1 e
ele mesmo. Segundo as regras da matemática, ele não pode, pois, ser um
produto, ou seja, o resultado de uma multiplicação que não seja 1 x 7.
Contudo, em aritmosofia, 7 resulta do quadrado de 4, uma vez que 4
x 4 = 16 => 7.
Para Saint-Martin, 7 exprime o poder setenário da alma. Seu quadrado,
7 x 7 = 40 + 9 => 13 => 4. Originalmente, o Homem – 4 – era superior
ao setenário, pois 4 remonta diretamente a 10 por sua adição teosófica,
ao passo que 7 só chega a ele em dois tempos (1º: 7 => 28 ; 2º: 28 => 10).
De fato, 10 é o primeiro poder divino do qual provém todo ser espiritual
maior, inferior e menor, bem como toda lei de ação. Através desse número
a imaginação pensante divina concebeu toda a Criação.
Ora, por sua prevaricação, o Homem se incorporou materialmente
e carregou o número 40 em vez do número 4. Desde então, o setenário
se encontra mais próximo da raiz essencial, 10, do que o Homem7.
Efetivamente, “em vez de se manter no centro de seu posto eminente, o homem
ou quaternário se distanciou da unidade e se aproximou da circunferência
figurada pelo zero, a ponto de se confundir com ela e nela se encerrar; desde
então, ele se tornou material e tenebroso como ela“8.
Sempre de acordo com o Filósofo Desconhecido: “Para conhecer as
verdadeiras propriedades de um ser, é preciso sempre considerar o cubo de seu
poder. É apenas ali que se desenvolve o quadro de suas faculdades9” e o cubo é
o termo perfeito de todo número10.

7 LOUIS-CLAUDE DE SAINT-MARTIN, Les nombres, p. 100.


8 Ibid. p. 41.
9 Ibid. p. 149.
10 Ibid. p. 65

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 43 ]
Assim, 73 = 343. “É nos elementos desse cubo que se vê claramente o
destino desse homem primitivo, uma vez que ele está posicionado entre o
triângulo superior, do qual dependia, e o triângulo inferior, sobre o qual
dominava”11.
3: triângulo superior: kether – hochmah – binah
4: círculo dos espíritos menores (o Homem)
3: triângulo inferior: netzah – hod – yesod
Ademais, 73 = 343 => 10, o que atesta que ao cabo de sua evolução a
alma se une novamente ao Poder Divino.
O cubo do Homem – 4 – por sua vez é 64. “Tendo chegado a esse termo,
ele se torna novamente comparável ao denário; e o número 4 se vê destacado
do senário temporal, ao qual havia estado subordinado durante seu curso
de expiação, e que então se destaca dele para deixá-lo livre e entrar em seu
princípio de ação material”12.
Os números 7 e 4 estão estreitamente ligados, como mostra a
comparação de suas potências:
4 => 10 42 = 16 => 7 43 = 64 => 10
7 => 28 => 10 72 = 49 => 4 73 = 343 => 10
Ambos reconduzem invariavelmente ao primeiro poder divino, 10, o
que se explica pelo fato que 4 é o número perfeito e incorruptível da
Essência Divina, que é quádrupla (pensamento, vontade ou verbo, ação,
operação), ilustrada pelo tetragrama (hvhy), e que 7, segundo poder
divino, é o número do Espírito Santo.
Saint-Martin dá a seguinte imagem para ilustrar a relação entre os
diferentes poderes de um número, os quais representam cada qual uma
região:

11 Ibid. p. 149.
12 Ibid. p. 161.

[ 44 ] O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
O um porta sua vida e seu espírito nas três regiões, que podemos
considerar como uma grande arvore cuja raiz permanece sempre
oculta na região divina como em sua terra materna, cujo tronco
ou o corpo se manifesta na região espiritual pelo quadrado e cujos
ramos, flores e frutos se manifestam na região natural pela operação
do cubo13.

A posição no denário
O quaternário é o meio entre o setenário e a unidade, e o setenário
está distante do quaternário tantos degraus quanto o próprio quaternário
o está da unidade14.
O 7, portanto, está situado no meio entre 4 e 10.
Lembremo-nos de que 4 é o número perfeito da Essência Divina; é
de fato o número da divina tetraktys, que liga o quaternário ao denário.
O 10, por sua vez, representa o número pelo qual a imaginação
pensante divina concebeu toda a Criação.
A posição do 7 no denário, mediana entre o pensamento divino – 10 –
e a emanação de todas as coisas temporais – 4 – evoca o Verbo do prólogo
de São João: “No princípio era o Verbo. E o Verbo estava voltado para Deus...
Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito”15.
Essa interpretação confirma o que nos mostrou a adição: 7 é o agente
que religa a criatura material e o espírito emanado de Deus.

A figura geométrica
Cada número do denário pode ser representado por uma figura
geométrica. Assim, 1 corresponde ao ponto, 2 à linha e 3 ao triângulo. 4 é as­
sociado à primeira figura geométrica tridimensional, ou seja, o volume mais

13 Ibid. p. 67
14 Les Leçons de Lyon, p. 341.
15 João 1, 1-3 (TEB).

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 45 ]
simples, tal como descrito nas Lições de Lyon: “Três lados compõem uma
pirâmide elevada sobre uma base triangular, que dá 3; o cimo, 1, que a remata
vem completá-la e formar o quaternário”16. O número corresponde, pois, ao
número de ângulos da figura.
Aplicando esse procedimento a cada número de 1 a 10, podemos
construir as figuras geométricas correspondentes a cada um desses
números, o que abre um novo campo de reflexão.
Em particular, no que diz respeito ao número 7, a figura geométrica
que o representa é uma pirâmide dupla com base triangular oposta pelo
cimo. Essa figura ilustra o adágio hermético: “O que está embaixo é como
o que está em cima”. O Homem criado à imagem de Deus é um exemplo
perfeito desse princípio.
Além disso, essa figura mostra também que o Espírito Santo – 7 – age
ao mesmo tempo sobre a alma – 4 –, que vem de cima, e sobre o corpo – 3
–, que vem de baixo, e que formam uma única “figura”.

O simbolismo do número 7
O número 7 é rico em simbolismo. Podemos citar notadamente os 7
dias da semana, os 7 planetas, as 7 letras duplas do alfabeto hebraico e as
7 direções na Cabala (cima, baixo, leste, oeste, norte, sul, centro). Saint-
Martin menciona em primeiro lugar o símbolo do arco-íris17.
No Gênesis, o arco-íris representa a aliança entre Deus e o Homem.
De fato, “Deus disse: eis o sinal da aliança que ponho entre mim, vós e todos
os seres vivos convosco, para todas as gerações futuras. Pus meu arco na nuvem
para que se torne um sinal da aliança entre mim e a terra”18. Esse símbolo
sintetiza perfeitamente o que nos revelaram as diferentes operações
aplicadas ao estudo do número 7 – em particular o elo que esse número
estabelece entre o mundo material e o mundo espiritual.

16 Les Leçons de Lyon, p. 341.


17 LOUIS-CLAUDE DE SAINT-MARTIN, Les nombres, p. 34.
18 Gênesis 9, 12-13 (TEB).

[ 46 ] O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
Conclusão
As operações pelas quais combinamos os números nos mostram
que eles estão submetidos a leis imutáveis. [...] A ideia que
apresenta esses mesmos números como a expressão mais simples e
mais clara das leis do universo e das substâncias intelectuais abre
para o espírito assombrado um filão muito mais satisfatório19.
Essas diversas operações, aqui aplicadas ao número 7, revelam seus
numerosos significados ao mesmo tempo concordantes e complementares.
Deixemos, porém, as palavras finais para Saint-Martin:
A sabedoria dos números – compêndio do saber universal, extraído
da teosofia – é ela própria simbolizada por um livro de dez folhas.
O homem, em seu estado primitivo, possuía dele a propriedade e
a inteligência, às quais inexprimíveis vantagens estavam atreladas.
Essas dez folhas continham todas as luzes e todas as ciências de
tudo o que foi, é e será20. n

Bibliografia
(1) LOUIS-CLAUDE DE SAINT-MARTIN, Le Philosophe Inconnu,
Les nombres. Primeira edição autêntica do manuscrito autógrafo fornecido
com uma introdução e notas por ROBERT AMADOU, Documents
martinistes, Cariscript, Paris, 1983.
(2) ROBERT AMADOU, Les leçons de Lyon aux Élus Coëns, un cours
de Martnisme au XVIIIe siècle par Louis-Claude de Saint-Martin,
JEAN-JACQUES DU ROY D’HAUTERIVE, JEAN-BAPTISTE
WILLERMOZ, Éditions Dervy, Paris, 2011.
(3) MARTINÈS DE PASQUALLY, Traité sur la réintégration des êtres
dans leur première propriété, vertu et puissance spirituelle divine, Diffusion
Rosicrucienne, Le Tremblay, 2007.
(4) LOUIS-CLAUDE DE SAINT-MARTIN, Des erreurs et de la vérité ou
les hommes rappelés au principe universel de la science, Éditions Maçonniques,
SARL CASTELLI, Montélimar, 2010.
(5) RUDOLPH BERROUËT, Le Martinisme expliqué par les nombres ou les
dix pages du Livre de l’Homme, Diffusion Rosicrucienne, Le Tremblay, 2018.

19 Les Leçons de Lyon, p. 342.


20 LOUIS-CLAUDE DE SAINT-MARTIN, Des erreurs et de la Vérité [Dos
erros e da verdade], p. 195.

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 47 ]
As múltiplas faces da meditação
Guy Eyherabide

“A Alma do mundo é um aglutinante universal que


faz da natureza um organismo vivo que manifesta
a presença divina no mundo material e que rege as
[ 48 ] leis de analogia e de correspondência.”
O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
“T
odo o esforço dos românticos consiste em chegar, para além das
aparências efêmeras, à única Unidade real”, escreveu Albert
Béguin em um belo livro intitulado A alma romântica e o sonho.
O mesmo poderia ser dito quanto aos místicos em geral. O autor vai
mais além na mesma obra: “O porvir humano é um estado intermediário
entre a Unidade perdida e a Unidade reencontrada”. Esse intermediário
é ao mesmo tempo, no espaço, o ponto mediano entre cima e baixo e,
no tempo, o presente entre o alfa e o ômega – entre a emanação e a
reintegração. E na intersecção do horizontal e do vertical vive-se o tempo
da alma e o seu destino.
Toda busca é memória da própria origem, se essa tiver sido esquecida.
Enquanto seres encarnados, possuímos uma dupla origem – celeste e
terrestre. Conhecer é, nos diz Platão, para o eu terrestre, lembrar-se de sua
origem celeste. Somos seres paradoxais, atravessados por forças contrárias
que devemos harmonizar. É o que a alquimia chama de “conjunção dos
contrários”. Essa conjunção se efetua em um mundo mediano entre o
Espírito e a matéria, o qual permite a circulação das energias de cima para
baixo e de baixo para cima.
Esse movimento duplo de descida e subida, de expiração e inspiração,
é universal e é identificado no corpo humano, no passar dos dias e
também no tempo da alma. A filosofia neoplatônica, que tão fortemente
influenciou o misticismo na cristandade e no islã, realçou, desde os
princípios do Cristianismo, esse dinamismo das energias do Um para
o múltiplo, que chamou de “Processão”, e do múltiplo para o Um, que
chamou “Conversão”. Esse dinamismo, no entanto, para Plotino é apenas
“o rastro do Um”, pois o Um está além do Ser, indizível – é o Deus oculto
com relação ao Deus revelado. E não temos acesso ao Deus oculto senão
através do Deus revelado – acesso ao Um senão pelo Intelecto Divino. Daí
a necessidade de uma mediação para o peregrino em busca da Unidade
original – do Oriente místico. Louis-Claude de Saint-Martin escreve no
Quadro Natural:

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 49 ]
Antes que as coisas temporais pudessem ter tido a existência que as
torna sensíveis [para nós], foram necessários elementos primitivos
e intermediários entre elas e as faculdades criadoras de que
descendem, pois essas coisas temporais e as faculdades das quais
descendem são de natureza demasiado diferente para poderem
coexistir sem intermediário; fato que nos é repetido pelo enxofre
e pelo ouro, pelo mercúrio e pela terra, que só podem se unir pela
mesma lei de uma substância intermediária.
Vamos tentar explorar diversas das figuras desse mundo da mediação.
Algumas delas são universais, como os símbolos; outras são encontradas
nas religiões do Livro como a Alma do mundo, o Anjo e o mundo
imaginal; e outra ainda mais especificamente cristã – a do Cristo.
Porém, antes, a primeira figura da mediação que encontramos é a do
Homem, ponte entre terra e céu, ser em formação entre o alfa e o ômega.
O Homem na visão tradicional tem uma origem divina, pois criado à
imagem de Deus, e um destino igualmente divino, o qual o Martinismo
chama de “Reintegração”. Sabendo de onde vem e para onde vai, sua vida
está orientada. Ele também tem um centro – uma alma que o religa ao
Centro invisível de Luz e de Vida. Ele também sabe que a vida terrestre é
uma passagem e que ele pertence a um mundo espiritual que o suplanta e o
qual ele está devotado a procurar. Síntese de material e espiritual, de finito
e infinito, seu objetivo é precisamente essa conjunção dos contrários que os
alquimistas perseguiam, manifestada por esse corpo glorioso simbolizado
pela reconstrução do Templo e que o Homem perdeu desde a Queda.

O símbolo
A primeira figura da mediação que se impõe é o símbolo que, de fato,
é uma linguagem universal utilizada por todas as tradições espirituais.
O símbolo é a linguagem da alma, ponte entre o visível e o invisível.
Mensageiro do invisível, existe nele um mistério que reporta a um alhures
ligado ao mundo dos arquétipos. Ele desconcerta a razão e exige de nossa
parte uma exegese espiritual, de onde a sua polissemia.

[ 50 ] O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
O símbolo, originalmente, é um objeto fragmentado em dois. Uma
parte está presente; a outra, ausente. A parte presente reporta a uma
totalidade perdida. Ela é o vestígio de alguma coisa que existiu e já não
existe mais. Ela é ao mesmo tempo reminiscência daquilo que foi e desejo
de reencontrar esse estado inicial. O símbolo é inacabado e convida a
reconstituir o objeto partido em dois. Ele é também um pacto entre duas
pessoas que conheceram o objeto intacto e que o quebra para selar esse
pacto. É um sinal de reconhecimento. Assim, o símbolo tem uma função
paradoxal, pois separa e reúne ao mesmo tempo. É preciso acrescentar
que as duas partes separadas do símbolo não pertencem ao mesmo nível
de realidade, ainda que originalmente esses planos não sejam distintos.
Ele reporta, pois, ao conhecimento adâmico em que Deus e o Homem
haviam selado uma aliança. Quando essa aliança foi quebrada após a
Queda, o pacto foi rompido e a separação consumada, mas a comunicação
permanece possível, mesmo que imponha ao Homem uma busca. É isso
o que representa o símbolo.
Em suma, o símbolo é memória do que foi, testemunho de uma
fragmentação atual e chamamento a um futuro reparador daquela
fragmentação. Nesse sentido, ele é uma imagem da condição humana
que, saída da Unidade, deve experimentar a provação da dualidade para
reencontrar essa Unidade original.

A Alma do mundo
Dissemos que o símbolo é a linguagem da alma, o que conduz a outra
imagem importante da mediação: a Alma do mundo. Esta é encontrada em
todas as religiões do Livro. Ela se inscreve em uma concepção do mundo
de origem neoplatônica da qual já falamos segundo três modalidades: o
Um, o Intelecto e a Alma do mundo. Esta última é mediadora entre o
Intelecto e o mundo sensível que ela governa e lugar de passagem das
energias que sobem e descem.

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 51 ]
A Alma do mundo é um aglutinante universal que faz da natureza
um organismo vivo que manifesta a presença divina no mundo material
e que rege as leis de analogia e de correspondência. Ao mesmo tempo
material e espiritual, é o mundo das almas, dos anjos e dos corpos sutis –
o Unus Mundus de Jung, o lugar das transmutações alquímicas. Ela tem
uma polaridade dupla, comunicando por “cima” com o Intelecto Divino e
por “baixo” com o mundo sensível.
Pode-se dizer a mesma coisa da alma humana, pois ela é uma emanação
da Alma do mundo. Mediadora entre o corpo e o Espírito, ela é ao mesmo
tempo transcendente e empírica. Por sua consciência, que é um espelho, o
Homem tem a possibilidade de voltar seu olhar para cima ou para baixo.
É essa liberdade que forjará seu destino.
A Alma do mundo e a alma humana estão intimamente ligadas. A
primeira é no interior de nossa alma a camada mais profunda que liga
o nosso ser ao universo. Notemos, por fim, que a Alma do mundo e sua
expressão singularizada, a Sophia, representam a dimensão feminina do
mundo, muitas vezes ausente ou distante no monoteísmo e que aqui
adquire uma função eminente na dupla polaridade masculino-feminino.

O Anjo
O Anjo é a criatura mediadora por excelência, uma vez que é o
mensageiro entre o mundo espiritual e o mundo dos homens. Existe toda
uma hierarquia de anjos que vai da terra até o céu com funções específicas.
Os mais próximos do Divino estão encarregados de inspirar os profetas
para lhes trazer a revelação divina.
Mais próximo a nós, o Anjo tem para o Homem uma função essencial.
Sendo o Homem ao mesmo tempo um anjo caído e um anjo em formação,
o Anjo é ao mesmo tempo o arquétipo de nosso ser e nossa essência
cumprida. Como disse o místico persa Sorhavardi, ele é “a raiz e o ramo”
de nosso ser. Segundo a tradição gnóstica, o Homem, em sua encarnação,

[ 52 ] O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
se duplica. Uma parte permanece ligada ao Plano Divino e a outra
desce para o corpo físico, distanciando-se assim da fonte e esquecendo,
ao menos parcialmente, sua ascendência divina. Durante sua passagem
terrestre, o eu divino permanece em contato com o eu terrestre e o guia ao
longo de seu caminho, desde que ele aceite escutá-lo, pois jamais impõe
sua vontade. É esse guia interior que chamamos de Anjo, embora outros
nomes lhe possam ser atribuídos: o Mestre Interior, o Eu, a Natureza
Perfeita para os hermetistas. O Anjo é perfeito em sua essência; ele é o
núcleo ontológico de nosso ser. Essa perfeição, entretanto, é apenas virtual.
Para que se manifeste no plano terrestre, é preciso que o eu terrestre aceite
ser seu servidor. Essa função de guia espiritual é também para o Anjo o
único meio de contatar o mundo terrestre e ajudar o Homem a combater
as forças perversas encerradas na criação material.
Sorhavardi, que citamos anteriormente, imaginou um símbolo
poderoso para representar a condição angélica do Homem: o do Arcanjo
púrpura, arquétipo da humanidade de que somos cada qual uma imagem.
Esse Arcanjo tem duas asas – a direita toda de luz e a esquerda vermelho-
púrpura como o crepúsculo, escurecida depois de sua descida na matéria.
Para o Homem, trata-se, logo, de devolver à asa ensombrecida o brilho
de sua luz original a fim de que ela seja o reflexo perfeito de sua asa
gêmea. Assim, as duas asas, ainda que permanecendo distintas, são o
espelho uma da outra, reconstituindo assim a “dualitude” original do ser.
Permaneceremos nesse símbolo de grande vigor e poderemos, se assim o
quisermos, meditar sobre seu significado profundo.

O mundo imaginal
Neste estágio de nossa investigação, daremos um passo para o lado, sem
nos distanciarmos de fato de nosso tema, evocando o mundo imaginal. A
palavra “imaginal” foi criada pelo filósofo e pensador do Islamismo xiita
Henri Corbin. Ele escolheu essa palavra para diferenciá-la da palavra
“imaginário”, reservada para as criações fantasmáticas, fantásticas e irreais

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 53 ]
da mente humana. O mundo imaginal é um mundo bem real, ainda que
situado além do mundo sensível e percebido unicamente por aquilo que
alguns chamam de “os olhos de fogo”. É um mundo intermediário entre o
nosso mundo empírico e o mundo inteligível – o mundo dos arquétipos.
É o mundo da alma, dos símbolos e dos corpos sutis em que o Espírito
se torna corpo e o corpo se espiritualiza. Terra celeste em que ocorrem
as visões, as liturgias e as verdadeiras iniciações e que apenas o novo
nascimento permite alcançar.
No simbolismo da Luz, o mundo sensível é o mundo ocidental, o do
sol poente, o mundo do exílio. O mundo imaginal é o Oriente intermédio,
passagem obrigatória para o Oriente maior, o mundo dos inteligíveis além
do qual brilha a Luz das luzes, fonte de todas as coisas. No percurso das
almas da escuridão da matéria para a Luz do Espírito, o mundo imaginal
é a primeira porta a ser aberta para quem quer nascer de novo.

O Cristo
Última ocorrência da mediação que abordaremos um pouco sumariamente,
haja vista ser vasta: o Cristo, figura tutelar do mundo ocidental. Ele é “a
figura visível do Pai invisível”, disse um Pai da Igreja. Para um cristão,
é necessário passar pelo Cristo para chegar ao Pai. Ele é ao mesmo tempo o
reparador e o reconciliador que permite que o homem de desejo se reintegre à
Unidade Divina. Por sua vida e sua paixão, ele encarna a condição humana
que deve passar pelo caminho da cruz, que é nossa passagem no labirinto
deste mundo, para lograr a crucificação do ego – sacrifício necessário para
se chegar à transfiguração e à imortalidade. O Cristo é propriamente o
ícone de nosso ser – janela para o invisível encarnando o que fomos, o que
somos e o que devemos nos tornar. O Cristo é ao mesmo tempo a origem
e o destino de cada um de nós. Encerraremos esta brevíssima evocação
da figura do Cristo com uma frase frequentemente repetida e meditada
pelos Pais da Igreja e pela tradição ocidental: “Deus se fez homem para que
o homem se torne Deus”.

[ 54 ] O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
Conclusão
Em conclusão, associaremos a essa noção essencial de mediação outra
noção igualmente eminente: a imaginação. Pode parecer estranho associar
esses dois campos. Todavia, é exatamente pela faculdade imaginativa
que podemos sair de nosso encarceramento e de nossa servidão para
nos projetarmos a um ideal de liberdade e harmonia. É ela que vai gerar
o desejo mobilizador de nossas energias, que serão a fonte de nossa
transformação e de nossa metamorfose e, além, da transmutação do
homem da torrente em Homem-Espírito.
Diremos, numa última palavra, que a mediação é a própria essência
da condição humana. Somos pontes entre a Terra e o Céu. Nossa tarefa
neste mundo é precisamente harmonizar e reconciliar as forças contrárias
que nos habitam a fim de reencontrar esse estado de Paz, de Unidade e
de Harmonia que conhecíamos antes da Queda e do qual conservamos
uma nostalgia indefinível. n

Aqueles que só procuram as verdadeiras ciências


por curiosidade e que não se preparam para as
virtudes divinas e evangélicas, não se apercebem de
que colocam o novo homem no lugar do velho sem
terem destruído este último. Os galhos desse velho
homem se erguem e a tal ponto fazem sombra no
novo homem que ele não chega ao seu objetivo. O
Evangelho nos pintou essa verdade ao afirmar que não
se deve pôr vinho novo em odre velho, nem remendo
novo em veste velha.
Louis-Claude de Saint-Martin

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 55 ]
Ler a Bíblia conforme o Zohar

O texto a seguir foi extraído do


Zohar (1293-1305). Ele se refere
ao método de interpretação dos
cabalistas, que ocorre em quatro níveis:
a vestimenta (o relato), o corpo (as leis e
preceitos) a alma (o sentido e a implicação)
e “a alma da alma” (o segredo final). O
ensinamento do Zohar não é direto: seu
principal autor, Moisés de Leão, refugiou-
se por trás de um personagem fictício,
Simeon bar Yohai, eminente rabino do
século II. O texto foi, ademais, escrito
originalmente em aramaico. Nesse texto,
fundamental, o mestre insiste inicialmente sobre a especificidade da Torá
– a Lei do povo hebreu –, que agrupa os cinco primeiros livros da Bíblia,
do Gênesis ao Deuteronômio. Suas palavras, efetivamente, são “sublimes
segredos”, de onde a obrigação de lê-lo em diferentes níveis.

“Todas as palavras da Torá são palavras supremas”


1. Rabino Simeon disse: infortúnio ao homem que diz que a Torá
é um simples apanhado de história e casos cotidianos. Se assim
fosse, poderíamos redigir hoje uma Torá com o auxílio de palavras
correntes e de melhor feitura. Se se tratasse apenas de palavras
correntes, mesmo os príncipes deste mundo possuem livros de
maior valor e poderíamos segui-los e redigir uma Torá semelhante.
Porém, todas as palavras da Torá são palavras supremas e sublimes
segredos.
2. Vem ver: o mundo de cima e o mundo de baixo mantêm entre si um
perfeito equilíbrio: Israel embaixo, os anjos em cima. Dos anjos de

[ 56 ] O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
cima, diz o versículo: “Tu fazes dos ventos teus mensageiros” (Salmos
104, 4). Quando eles descem à terra, se revestem de vestimentas
terrestres. Se não o fizessem, não poderiam ficar neste mundo e
este não os poderia suportar. Se isso ocorre com os anjos que a Torá
criou com todos os mundos que subsistem só por ela, mais ainda, se
ao descer para este mundo ela não se revestisse com as roupas deste
mundo, ele tampouco a poderia suportar.
3. É por essa razão que o relato da Torá é apenas sua vestimenta. Que
expire o espírito daquele que considera que essa vestimenta é a
própria Torá e não outra coisa! Que ele não participe do mundo que
virá. É por isso que Davi disse: “Abre meus olhos para que eu contemple
as maravilhas na tua Torá” (Salmos 119, 18), ou seja, aquilo que está
sob a vestimenta da Torá.
4. Vem ver: existe a vestimenta que se mostra a todos e existem
os tolos que, vendo um homem revestido com seu hábito, que é
sua parte mais visível, nele não veem mais do que aquele hábito.
Com efeito, o valor da vestimenta é o corpo, e o valor do corpo
é a alma.
5. O mesmo ocorre com a Torá. Ela possui um corpo: esse corpo é
formado pelos preceitos da Torá chamados Goufey Torah (os corpos
da Torá). Esse corpo é revestido de hábitos, que são os relatos que
se reportam a este mundo.
– Os tolos deste mundo veem apenas a vestimenta que é o relato;
eles não sabem mais do que isso e não meditam quanto àquilo
que se encontra embaixo dessa vestimenta.
– Aqueles que possuem mais conhecimento não se detêm na
vestimenta, mas veem também o corpo que há por debaixo dela.
– Os sábios, servidores do Rei Altíssimo – aqueles que ficavam ao
pé da montanha do Sinai – meditam apenas sobre a alma que é
o essencial de tudo isso – a verdadeira Torá. No tempo que virá,
eles estarão preparados para penetrar até a alma da alma da Torá.

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 57 ]
– Felizes os justos que meditam sobre a Torá como se deve. O
vinho só pode ser conservado em uma ânfora. Da mesma forma,
a Torá só se conserva sob uma vestimenta. É por isso que só é
preciso meditar sobre aquilo que se encontra sob a vestimenta.
Todas as palavras e todos os relatos são apenas vestimentas. n

O Zohar III, 152 A


Traduzido do aramaico para o francês por Armand Abécassis

A única Iniciação que prego e que busco com


todo ardor da minha alma é aquela pela
qual podemos entrar no Coração de Deus e fazer
entrar o Coração de Deus em nós…

Não existe outro mistério para chegar a esta Santa


Iniciação, do que mergulharmos cada vez mais nas
profundezas do nosso ser…

Louis-Claude de Saint-Martin

Mais Luz!

[ 58 ] O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
Cadernos da Ordem Martinista
Extraído dos arquivos pessoais de Charles Barlet
(1838 – 1921) pelo Serviço dos Arquivos da
Tradicional Ordem Martinista

C harles Barlet, cujo verdadeiro nome era Albert Faucheux, é uma


personalidade certamente discreta mas muito importante no mundo
do ocultismo do século XIX. Erudito e apreciado, é procurado por
seus conselhos pertinentes, pelo apoio fraterno ou, mais simplesmente, por
uma nobre amizade. Em uma carta conservada nos arquivos da AMORC, o
alquimista e rosacruz François Jollivet-Castelot (1874 – 1937) lhe agradece
por ter intervindo junto a Stanislas de Guaita (1861 – 1897) e Papus (1865
– 1916) a fim de apoiar a criação da Sociedade Alquímica da França.
Trinta anos mais velho que Papus, os dois se apreciam e se respeitam
mutuamente. Em 1890, eles deixam a Sociedade Teosófica à qual pertencem
para se voltarem resolutamente para os tesouros do esoterismo ocidental
cuja ressurreição eles desejavam, tanto filosófica quanto espiritual. Com
a ajuda de outros Companheiros da Hierofania1, eles se consagrarão ainda
mais à Ordem Martinista.
A Tradicional Ordem Martinista possui um fundo que pertenceu a
Charles Barlet. Naturalmente, nele encontram-se documentos ligados
à Ordem Martinista, dentre os quais esses Cadernos da Ordem que
escolhemos para lhes apresentar.
Trata-se de um livreto mimeografado de 16 páginas dedicado, como
seu nome indica, aos Iniciadores da Ordem Martinista. Esse livreto
apresenta um duplo interesse: em primeiro lugar, ele contém os rituais e
o ensinamento fornecido no Martinismo original; em segundo lugar, ele
comporta muitas anotações manuscritas de Charles Barlet, traduzindo
sua concepção do Martinismo.
1 Título de um livro de Victor-Émile Michelet publicado em 1937 e
consagrado à renovação do ocultismo na Belle Époque; Charles Barlet, grande
amigo de Michelet, é evocado nessa obra.

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 59 ]
A leitura desse livreto de instruções martinistas mostra que a Ordem
já era bastante aferrada à liberdade de consciência. Pode-se ler, de fato,
desde a introdução, que o Martinismo “não tem por vocação formar Mestres
dogmatizando, mas sim humildes Estudantes devotados ao culto da Eterna
Verdade”. Charles Barlet preza manifestadamente essa ausência de
dogmatismo: ele de fato aumenta o texto com uma longa nota manuscrita
indicando a necessidade, para os Iniciadores, “de deixar para o discípulo o
cuidado de desenvolver os princípios ensinados” e que um martinista “deve
acima de tudo aprender a meditar por si mesmo sobre os elementos fornecidos
no ensinamento”.
Constata-se também que a Ordem já está estruturada em primeiro,
segundo e terceiro graus. Ora, Charles Barlet, em uma página inteira
manuscrita intitulada “Organização geral [da Ordem Martinista],
especifica: “o 1º grau [é] o de Associado”, o “2º grau é o de Iniciado”, o “3º
grau o do Iniciador” (sinônimo de “Superior Incógnito”, como evocado nos
Cadernos em questão). De conformidade com as origens, esses diferentes
graus continuam a ser os graus constitutivos da Tradicional Ordem
Martinista ainda hoje.
Outra nota interessante permite abordar o debate da autoiniciação,
ou seja, a possibilidade de iniciar a si mesmo observando-se um ritual
individual. Essa questão, que suscitou vivas controvérsias no meio das
organizações esotéricas, encontra uma resposta aqui, em uma nota de
Charles Barlet. Segundo ele, não existe manifestadamente nenhuma
contradição – nem ritual, nem tradicional –, uma vez que ele propõe
acrescentar aos Cadernos a seguinte nota: “Nota: Se a iniciação for recebida
apenas por correspondência, o Postulante deverá representar para si a cerimônia
descrita no ritual a fim de reter bem o simbolismo e responder explicitamente ao
seu iniciador – às questões que lhe serão feitas”.
Para concluir, gostaríamos de citar um excerto do livreto, o qual resume
bem, em nossa opinião, a tolerância e a vocação de reconciliação espiritual
do Martinismo: “Tendo se tornado ‘Filósofo da Unidade’, ele pode, como os
antigos iniciados, comungar espiritualmente com os Sacerdotes de todos os cultos e
com os adeptos de todas as filosofias: ele sempre terá em mente o fecundo símbolo das
luminárias que ensinam como a diversidade sempre é reconduzida à unidade” n.

[ 60 ] O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 61 ]
Martinismo e Ecologia
Pantáculo - Grande Loja da Auatrália – Nº 60 – dezembro de 2015
Por Rick Cobban S.I.

L ouis-Claude de Saint-Martin escreveu sobre a relação entre


a humanidade e a natureza dois séculos antes da nossa atual
preocupação com a ecologia. Ele elaborou sobre isso no Livro
do Homem e no Livro da Natureza em seus escritos místicos. De fato,
por todos os seus escritos e escritos de martinistas mais atuais, há tanto
referências sutis quanto evidentes à ecologia no sentido da natureza como
ser espiritual e material. Ecology (ecologia) é definida pelo Dicionário de
Inglês da Oxford como um ramo da biologia que lida com as relações de
organismos entre si e com seus arredores físicos. Ele menciona ainda um
significado secundário no uso da palavra ecologia como um movimento
político preocupado com a proteção do meio ambiente. Os martinistas
podem abordar a ecologia de uma perspectiva bem mais holística e
espiritual de regeneração, reintegração e reconciliação da Natureza, da
Humanidade e do Onipresente.
Em 1770, Paul-Henri D’Holbach, um filósofo iluminista do
século XVIII descreveu a visão materialista em seu livro A Ciência da
Natureza: “O homem é uma obra da natureza: existe na natureza: está
submetido às suas leis: não pode se livrar delas: é inútil pensar que
sua mente se desprenderia para além dos laços do mundo visível – ele
necessita sempre retornar à natureza”1. Essa abordagem da natureza
tem sido um paradigma dominante até tempos recentes. Saint-Martin
concordava com essa afirmação e foi ainda mais longe em relação à
visão da natureza.

1 Paul D’Holback. The Science of Nature. 1770. Em: Écrasez l’infâme!: The
Triumph of Science e the Heavenly City of the 18th Century Philosophe p.
9 http://www.historyguide.org/intellect/lecture9a.html

[ 62 ] O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
Com sua sabedoria, ele percebeu que a natureza deveria ser abordada
exotérica e esotericamente para integrar percepções das ciências materiais
ao conhecimento tradicional das tradições cabalística, judaico-cristã e
hermética. A humanidade e a natureza possuem um destino maior.
A Ordem Martinista oferece aos seus estudantes o conhecimento e
a compreensão dessas tradições e do destino humano. Ela concede aos
martinistas um paradigma maior da natureza. Por exemplo, Papus (Gerard
Encausse) propôs o conceito de “Gaia” da Terra sendo um organismo
vivo em 1913, bem antes de se tornar uma ideologia ecológica popular
durante os anos 60. Neste conceito, ele expõe a teoria esotérica de que a
Terra é um organismo vivo análogo ao ser humano.2
Saint-Martin destacou no Le Ministère de l’Homme-Espirit (O
Ministério do Homem- Espírito) que a humanidade no seu estado original
(e mais importante, como nós aspiramos o retorno a este estado) tinha
como uma qualidade gratificante da alma e do ser o título de “Melhorador
Universal” como uma qualidade e um dever confiado pelo Onipresente3.
Arthur Edward Waite resume isso em “tendo Deus destinado o homem
a ser o melhorador da natureza, não lhe teria dado esse destino sem lhe
ter dado a ordem de cumpri-lo; não lhe teria dado a ordem de cumpri-lo
sem lhe ter dado os meios…”4 Além disso, Waite afirma que “O grande
privilégio de penetrar nas profundezas da natureza e se tornar, por assim
dizer, seu possuidor, tem sido parcialmente restaurado para nós desde a nossa
degradação; pode até mesmo ser considerada como uma herança inerente
ao homem, constituindo sua verdadeira riqueza e sua posse original.” 5

2 Gerard Encausse. The Earth is a Living Being. Pantacle nº7. Publicado


originalmente na Mysteria Magazine nº 11 em 1913.
3 Louis-Claude de Saint-Martin. Le Ministère de l’Homme-Espirit (O
Ministério do Homem Espírito) p. 38-41
4 A.E. Waite. The Life of Louis-Claude de Saint-Martin, the Unknown
Philosopher. p. 299
5 A.E. Waite. The Life of Louis-Claude de Saint-Martin, the Unknown
Philosopher. p. 297

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 63 ]
Contudo, Saint-Martin nos alerta que “A tônica da Natureza é a
relutância. Sua invariável ocupação parece ser a retirada de suas produções.
Ela as retira até mesmo com violência para nos ensinar que a violência
lhes originou.”6 Saint-Martin afirma mais adiante:
“Sim, nossas próprias indústrias são uma prova dos males que fizemos
ao mundo, dado que esses males e nossas buscas provêm da mesma fonte
e eis assim como a natureza é universalmente nossa vítima.”7
Podemos ver hoje que a humanidade deve trabalhar com as leis da
natureza e não as perverter para benefícios de curto prazo. A Terra e
sua ecologia são um sistema de recursos quase finitos que devem ser
utilizados de forma sustentável através das gerações. Na sua visão em
túnel antropocêntrica, a humanidade se “exilou” efetivamente do seu lugar
verdadeiro como parte da natureza e como “guardião” e “melhorador” dela,
do nosso papel original dentro da ordem cósmica. Ao longo dos últimos
dois séculos, a humanidade se tornou uma parte importante dessas causas
com os efeitos da natureza que afetam a humanidade por todo o mundo.
A humanidade está diante da responsabilidade pelos resultados de todas
as aplicações de nossas ciências da agricultura à exobiologia.
Quantos martinistas se envolvem na regeneração material e espiritual
da natureza e se reconciliam com o grande plano e obra do Onipresente?
Exotericamente, podemos aplicar a simples abordagem da disciplina
espiritual ao vivermos em percepção consciente, utilizando a inteligência
e os meios competentes na nossa vida diária. O meio termo de equilíbrio,
harmonia com as leis do Onipresente, combinados com a criatividade
humana, será a solução para as questões ecológicas que a humanidade
enfrenta hoje. Não podemos esperar uma ação para reparar e salvaguardar
o nosso meio ambiente local, nacional e globalmente sem um nível de
prosperidade seguro.

6 Louis-Claude de Saint-Martin. Oeuvres Posthumes Volume One. P. 224


7 Louis-Claude de Saint-Martin. Le Ministère de l’Homme-Espirit (O
Ministério do Homem Espírito). P. 44

[ 64 ] O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
Os desesperadamente pobres e famintos não podem e não irão se
importar com a regeneração de seu meio ambiente e ecologia quando
sua percepção consciente está preocupada com a sobrevivência. A
humanidade possui a inteligência, a ciência e a indústria para criar e
estender formas sustentáveis e viáveis, industriais e de serviços, baseadas
na atividade econômica para criar a prosperidade necessária a nível local
e internacional.
Precisa-se de sabedoria e vontade para fazer as escolhas necessárias
em muitos níveis nas comunidades local, nacional e internacionalmente.
Contudo, isso sempre se iniciará com indivíduos fazendo escolhas sábias.
A vastidão de escolhas que fazemos todo dia determina o nosso impacto
na natureza. Que produto escolhemos – a opção em embalagem reciclável
ou a outra? Nós caminhamos ou usamos o transporte público quando
possível? Talvez a atividade mais importante e de profundo impacto na
qual a humanidade deve embarcar seja o plantio de árvores. Florestas irão
regenerar todos os aspectos da nossa ecologia global. Isso proporcionará
nichos habitacionais para todas as espécies terrestres e aéreas. De fato,
diz-se que o plantio e cultivo de sete árvores irá neutralizar as emissões
anuais de um carro particular. Esse é apenas um dos benefícios do
reflorestamento. Há uma infinidade de informações disponíveis impressas
e on-line informando indivíduos da ação que devem tomar para participar
positivamente da regeneração da ecologia local.
Precisamos nos reconectar com os ciclos e padrões da ecologia, a
atualidade da natureza, no nosso meio ambiente local. Nos mundos pós-
moderno, pós-industrial e industrializado, a humanidade está cada vez
mais alienada e desconectada dos ciclos anuais da natureza e até mesmo
da própria presença da natureza. Muitas crianças não sabem que o leite é
obtido das vacas. Elas nunca têm a oportunidade de apreciar uma visita
à intocada e preservada região selvagem. Elas não têm a oportunidade de
cultivar um jardim ou observar como os vegetais crescem. Devemos nos
reconectar com as leis e com a inteligência da natureza.

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 65 ]
Deepak Chopra nos aconselha a “estarmos conscientes e intimamente
conectados com a inteligência da natureza em todo momento – nas folhas
e flores, árvores e animais – em cada entidade senciente. Isso não quer
dizer que você tenha que entender a biologia dessas entidades, apenas que
aprecie a expressão perfeita das leis da natureza e a inteligência em tudo
que existe ao seu redor. A natureza exibe as leis e a inteligência em ação.
Passeie no parque. Vá a uma região de natureza selvagem. É a sua fonte.
Não analise, avalie, rotule, julgue ou descreva. Apenas observe e esteja
presente. A inteligência da natureza irá fluir pelo seu ser.” 8
Esotericamente, como Saint-Martin destaca, devemos interiorizar:
“como essa natureza se lamentaria, se pudesse se expressar, do pouco bem
que lhe proporcionam as vãs ciências dos homens e de toda a parafernália
dos penosos trabalhos que eles fazem para medi-la, descrevê-la e analisá-
la, quando teriam em si mesmos os meios de curá-la e consolá-la!.”9 Temos
os meios dentro de nós! No entanto, da perspectiva do misticismo prático,
o cultivo de ideias na mente e alma individual e coletiva da humanidade
será mais benéfica com o tempo para a nossa regeneração, reintegração
e reconciliação com o plano evolutivo do Onipresente para a ecologia
na Terra. Estamos cientes de que os nossos pensamentos, emoções e
impulsos psíquicos criam o nosso mundo. Criam o nosso meio ambiente
e a ecologia diariamente. A maioria das pessoas ainda está inconsciente
dessa Lei do Onipresente.
Podemos acrescentar à crescente onda de esclarecimentos, um
conhecimento de que toda a atividade e criatividade humana ocorre duas
vezes, primeiro nos aspectos mental, emocional e psíquico de nossas
mentes e então no mundo físico. Assim como as ideias de Saint-Martin e
de outros autores martinistas nos inspiraram, devemos por sua vez inspirar
outros pela nossa escrita, discurso e ação espiritualmente iluminados para a
regeneração ambiental.
8 Deepak Chopra. The Seven Spiritual Laws of Superheroes. P. 153
9 Louis-Claude de Saint-Martin. Le Ministère de l’Homme-Espirit (O
Ministério do Homem Espírito). P. 44

[ 66 ] O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021
Desta forma, podemos ajudar a cumprir o nosso papel de guardiões da
natureza no planeta Terra.
Como rosacruzes, comprometemo-nos a estudar e aplicar as Filosofias
Sagradas e Científicas e, como martinistas, aplicamos o conhecimento
esotérico tradicional confiado a nós no nosso estudo no Oratório do lar
e nos estudos de Heptada e Atrium. Devemos sempre apreciar a beleza
transcendente e sublime e as leis divinas das quais todos os seres são parte
integral. Devemos ainda viver em harmonia com essas leis e regenerar o
dano causado à natureza no passado. Este seria o retorno à verdadeira
realização do papel divino da humanidade como o grande reconciliador
e melhorador da natureza e do universo, como explicado nos escritos de
Pasqually e Saint-Martin. A regeneração, reintegração e reconciliação
da humanidade com a ecologia global da Terra seria um primeiro passo
oportuno na maior jornada espiritual de iluminação evolutiva em seu
retorno ao Onipresente.
Devemos deixar os padrões condicionados terrenos e astrais do passado
que nos mantiveram em “exílio” e nos tornarmos, nas palavras de Saint-
Martin: “homens e mulheres de desejo.” Saint-Martin explica: “Mesmo
se nosso destino temporal estiver conectado com o astral, ele desaparece
diante do divino, pois esta é a eterna unidade à qual o homem, acima de
todos os seres, tem o poder de se religar”.10
Temos a capacidade de combinar a racionalidade da ciência e as
percepções de intuição para alcançar a muito necessária reconciliação
das necessidades competitivas do homem e da natureza para regenerar a
ecologia global da Terra. Então, devemos usar devidamente os presentes
da natureza de uma maneira equilibrada e respeitosa. Isso é possível de
acordo com Saint-Martin pois “Todos os homens que são instruídos nas
verdades fundamentais falam a mesma língua, pois são habitantes do

10 Louis-Claude de Saint-Martin. De L’esprit de Choses. (O Espírito das


Coisas. Vol. 1). P. 197.

O PANTÁCULO – Nº 29 – 2021 [ 67 ]
mesmo país”.11 Esta é uma grande esperança, pois quando a massa crítica
de pessoas obter consciência e percepção das “verdades fundamentais”
das questões ecológicas que enfrentamos, soluções serão encontradas e
aplicadas para assegurar a regeneração da natureza.
No assunto da humanidade, da natureza e da ordem cósmica,
principalmente relacionado à ecologia, deixo-os com essa oportuna
citação, escrita há mais de duzentos anos por Louis-Claude de Saint-
Martin: “Vemos que a Terra, as estrelas e todas as maravilhas da natureza
operam com exatidão e seguindo uma ordem divina: ainda assim somos
maiores que elas. Oh, homem! Respeita a ti mesmo, mas tema ser
insensato!”.12 n

Nossa profissão de fé não está em asserções e


palavras, e sim na conduta e no desprendimento
total de nós mesmos. O homem simples, ingênuo,
e mesmo ignorante, que caminha confiando no
nome do Senhor e que se humilha aos seus próprios
olhos, prova melhor a fé do que pela eloquência e as
exclamações.
Louis-Claude de Saint-Martin

11 Louis-Claude de Saint-Martin. Oeuvres Posthumes Volume One. P. 224


12 Louis-Claude de Saint-Martin.

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