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f,
l RENÉ GIRARD
t
1 Tradução
LILIA LEDO N D A S ILVA
é
lmpre5so no Brnsil, outubro de 2009
Copyright© 2009 by Éditions Grasset & Fasqudle, 1961
Editor
Edson Manoel de O liveira Filho
Rwis11.o
Jessé de Almeida Primo
Pré-impressão e impressáo
Prol Editora G ráfica 728196
en France
parle Commissariat g61éral Jrançais, le Miuistere d,s Affaires Etrangeres et Européennes,
le Ministere de la Cuiture et de la Com1mmicatio1t et G1lturesfrnnce,
au Brisil
f>ar le Commissariat gén(ral hr(silien, !e Ministere de la Cufture et 1e
Mínisl~re des Relations Extéríeures.
na Franç;a
,r}o Comissariado geral francês, pelo Ministério das Relações Exteriores e Europeias,
pelo Ministério da Cultura e da Comunicação e por Culturesfrance;
nQ Bra~il
pelo Comissariado geral brasileiro, pelo Ministério da Cultura e
pelo Ministério das Relações Exteriores.
INTRODUÇ.ÃO
A primeira pedra de uma catedral
de João Cetar de Castro Rocha .......................................... .. .................. 13
CAPÍTUl.O 1
O desejo "triangular"............ .................. .............. ........................... 25
CAPÍTULO 2
Os homens serão deuses uns para os outros ................................... .77
CAPÍTULO;
As metamorfoses do desejo .......................................................... 109
(:APÍTUU) 4
O amo e o escravo .......................... ... ................................ ........ ... 123
CAPÍTULO 5
O vermellJo e o negro ................................................................................. 141
C:APÍTUI.C) 6
Problemas de técnica em Stendhal, Cervantes e Flaubert.. .......... 167
CAPÍTULO 7
A ascese do herói. ............................ .. ........................................... 181
CAPÍTULO 8
Masoquismo e sadismo ........... ................. .......... ................ ...... .....205
C:APfTULC ) 9
Os mundos proustianos .... ........................................................ ....223
CAPÍTULO to
Problemas de técnica em Proust e em Dostoievski.. ....... ... ........... 259
CAPÍTULO 11
O apocalipse dostoievskiano .......... ...................... ........ ........... ..... 287
CAPÍTU LO 12
A conclusão ...... ........ ................ .. ..................................................323
1 conceitos; conceitos esses reun idos por uma intuição pioneira: a origem
mime'tíca do destjo humano.
14
15
I NTRODUÇÃO
uma inquietante noção: dois sujeitos somente passam a desejar-se atra-
vés da mediação de um terceiro termo. Vale dizer, toda relação amorosa
é sempre triangular, há sempre um outro que estimula o desejo de um dos
vértices do triângulo. Poucos exemplos possuem a eloquência de Dom
Casmurro. Como se anunciasse o fundamento da teoria mimética, Ben-
tinho denominou o capítulo em que descobriu "seu" amor por Capitu
com palavras girardianas, "A denúncia". Como o leitor brasileiro saberá
de co r, o agregado José Dias decidiu confessar à mãe de Bentinho sua
preocupação com a amizade "excessiva" de Bentin ho e Capitu . Escon-
dido no corredor da casa, o futuro narrador do romance tudo escuta.
Mais tarde, sozinho, começa a pesar as palavras do agregado: "Com que
então eu amava Capitu, e Capítu a mim? Realmente, andava cosido às
saias dela, mas não me ocorria nada entre nós que fosse deveras secreto.
( ... ) Tudo isto agora me era apresentado pela boca de José Dias, que
me denunciara a mim mesmo(.. )".'1 Esse é o procedimento trazido à
luz na prosa dos grandes autores, ou seja, o desejo € sempre mediado, de supõr
1-1tna complexa relação triangular, em vez de anunciar o contato direto entre
dois "corações sim.pies". Ao contrário do lugar-comum, tornado dogma
com a avalanche ideológica representada pelo Romantismo, em b riga de
mar ido e mulher desde sempre alguém meteu a colher. Por assim dizer,
todo casal tem o José Dias que merece ...
~ Machado de Assis. Dom Casmurro. Obra completa. Volume I. Afrânio Coutinho (org.).
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p. 82 I. A continuação imediata da passagem é
igualmente reveladora: "( .. .), e a quem eu perdoava tudo, o mal que dissera, o mal que
fizera , e o r:iue pudesse vir de um e de outro. Naquele insta.nte, a eterna Verdade não
valeria mais que ele, nem a eterna 8ondacle, nem as demais Virtudes eternas . Eu amava
C apitu! Capitu amava-me!". Bentinho, como se vê, é um dos personagens mais mimé-
ticos da literatura brasileira, pois depende totalm<!nte da presença de um mediador para
saber se ama e a quem 1imt1.
16
:::eu desejo também é desejado por outros, e, no espelho dos seus olhos, meu
desejo não pode senão aumentar.
5
Eça de Queiroz. O Primo Basílio. Episódio doméstico. São Paulo: Ateliê, 2004, p. 226.
17
INTR ODUÇÃú
pelas redes tramadas pelas mediações nas quais nos envolvemos. Eis o
pecado original do mimetismo: como aprendo a comportar-me a partir
da reprodução de comportamentos já existentes, sou levado, consciente
ou inconscientemente, a adotar modelos e a segui-los corno se fossem
expressões do meu desejo 11ut6nomo. Não é verdade que, em geral, ao co-
meçarmos uma nova relação amorosa, buscamos ansiosos a opinião dos
amigos sobre a pessoa que "escolhemos''? Quantas relações adolescentes
não terão terminado antes do tempo porque as amigas desaprovaram
o novo namorado de uma delas? Como ocorreu com Bentinho, preci-
samos que alguém nos "denuncie" para que saibamos identificar nossos
próprios sentimentos.
18
MENTIRA R0~1ÂNT iCA F. V.ERüADE ROMANESCA
possui um lado potencialmente disnrptivo, intrinsecamente associado
ao caráter mimético . Vejamos: se adoto X como meu modelo, num
primeiro momento, ao imitá-lo, amplio meu repertório social. N esse
sentido, a imitação representa um ganho palpável: assim aprendemos a
usar a linguagem e, por exemplo , no campo das artes plásticas, é muito
comum que um artista principie reproduzindo o gesto de outro pintor
até encontrar seu próprio traço. Em todos esses casos, o impulso mimé-
tico é visto como agregador e fundamentalmente positivo.
19
INT RODUÇÃO
que quero escrever: cobiçamos: a teoria mimética convida-nos a compre-
ender o mimetismo em nossas ações cotidianas, em lugar de defini -lo
como uma abstração sem vínculos com o dia-a-dia. N essa circunstância,
o desejo mimético se converte rapidamente em rivalidade e essa pode
originar disputas irreconciliáveis - tema predileto de muitos roman-
cistas. Daí, Girard deriva o corolá1io: quattto mais ítttenia a mediação, mais
violrnto má o resultado da imitação. Na visão do autor, a análise minuciosa
da mediação interna e de seus inúmeros desdobramentos caracteriza o
romance moderno.
20
MENT I RA ROMÂN TICA E VERl> Al)f: ROMAN ESC A
processo civilizatório.6 Na verdade, esse processo depende da desco-
berta de um mecanismo que permita controlar a violência desencadeada
pelo desejo mimético. Num resumo muito esquemático,' recordemos
a derivação apropriativa do comportamento mimético: ao imitar meu
modelo, tenninarei por desejar os objetos que ele possui e farei o pos-
sível para deles me assenhorear. Imaginemos, agora, o alcance desse
tipo de rivalidade em grupos soci ais: o desejo mimético é contagioso e
pode agravar-se na exata proporção em que um número maior de agen-
tes encontrar-se envolvido no curto -circuito da rivalidade mimética. Se
nenhuma form a de controle da dimensão apropriativa da mimesis for
desenvolvida, a própria fonnação social pode vir a desintegrar-se em
meio a um conflito generalizado .
~ Publicado em português como A violb1cia e o sagrado. São Paulo: Paz e T erra, 2° Edição,
1990. O leitor tamb~ pode con5ultar, cm português, Um loago argumento lo priucfpio ao
fim. Diálogos com João Cezar de Castro Rocha e Pierpaclo Antondlo. Rio de Janeiro: T opbooks,
2000. Este livro tam bém apareceu: com .ilgumas modificações, em italiano, espanhol,
polonês, inglê~ e francês. Na França, em 2004, recebeu o "Prix Aujourd'hui".
7
Esca introdução não e: o local mais adequado para detalhar os desdobramentos do
conflito mimético, pois Mmso119c romantique !t viril( ro111anrsque lida sobretudo com o fe-
nômeno da mediação iutm111 1 característico da modern idade. Na introdução a A Thmtre of
Envy, William Shakespeare, que também será publicado por esta editora, tratarei com mais
minúcia o conAíto mimético nos prim6rdios do processo civilizatório.
21
! NTR<>DU ÇAO
figura da restauração da ordem social, já que o bode expiatório passa a
ser divinizado, pois seu sacrifício resolve o conflito.
Países shakesperianos?
Uma última palavra, até mesmo para anunciar o próximo livro de René
Girard a ser publicado por esta editora: A Theatre of Envy, um estudo ino -
vador da obra de William Shakespeare. Ora, uma parte considerável das
8Maria Stella Barberi (org.). La Spirnle mirn{tiq11e, dix-lnlit íeçons sur Reni Girard. Paris: Des-
dée de Brouwer, 2001.
9 Michel Serres. Atlas. Paris: Julliard, 1994, p. 2.19-2.0 .
22
MEN TIR A ROMÂNTICA E VERDADE ROMANESCA
ideias que fazemos de nós mesmos, e que acreditamos serem "genuína~/'
do Brasil bem brasileiro, na verdade foram propostas pelo olhar estran-
geiro, que assimilamos como se fosse nosso. Um exemplo? Dois ou três.
O mito da miscigenação como a verdadeira contribuição brasileira à
civilização moderna foi sistematizado por um alemão - Karl Friedrich
Philipp von Martius. O projeto de representação da natureza tropical
como a marca distintiva da literatura romântica tupin iquim foi ideado
por um francês - Ferdinand Denis. 10 A fundação da mais importante uni-
versidade brasileira, a Universidade de São Paulo , criada em 1934, teve
suas bases lançadas através de uma m ítica missão francesa - cuja maior
contribuição foi a de voltar os olhos dos alunos à realidade brasileira. 11
: · Ver, de Maria Helena Rouanet, Etrrnamer.te em Berço Esplêl!dido: a fundação de uma lite-
ratura nacional, São Paulo: Siciliano, 1991 .
:: Recorde-se, nesse sentido, a observação de Antonio Candido, recordando os anos
rniciais da Universidade de São Paulo e o saldo positivo da missão francesa: "( ...) para
os professores brasileiros, o chie e ra conhecer a Europa. Davam aulas falando sobre a
França, a Inglaterra, citando línguas estrangeiras; nos puxavam para fora. Os profes-
sores estrangeiros, falando francês, nos puxavam para dentro". Sônia Maria de Freitas.
Remilliscênci,is. São Paulo: Maltese, 1993, p. 40.
·: V.S. Naipaul. The Mimic A1en. New York, Vintage lnternational, 200 1, p. 23.
:; Idem, p. 25.
23
INTRODUÇÃO
Segundo a ótica da teoria mimética somos todos um tanto (ou mesmo
muito) acacianos, pois sempre necessitamos de uma autoridade externa
para sustentar nossas afirmações, inclusive as mais triviais - talvez, so-
bretudo, as mais banais. Em síntese, países shakesperianos necessitam
da mirada alheía, porque ela ajuda a definir a própria imagem . Portanto,
se não me equivoco, a obra de René Girard deve possibilitar uma com-
preensão renovada da cultura brasileira: eis a tarefa dos seus leitores nos
tristes trópicos.
24
MENTIRA ROMÂNTICA E VERDADE ROMANESCA
/
O DESEJO TRIANGULAR 11 11
Q uero, Sancho, que saibas que o famoso Amadis de Caula foi um dos
mais perfeitos cavaleiros andantes. Não disse bem "foi um"; foi o único,
o primeiro, o mais cabal, e o senhor de todos quantos em seu tempo no
mundo nunca houve. Quando qualquer pintor quer sair famoso em sua
arte, não procura imitar os originais dos melhores pinto res de que há
notícia;> Esta mesma regra se obse rva em todos os mais ofícios ou exer-
dcios de monta com que se adornam as repúblicas e assim há de fazer, e
faz, quem aspira a alcançar a nomeada de prudente e sofrido, imita ndo
a Ulisses, em cuja pessoa e trabalhos no5 pinta Homero um retrato vivo
de prudência e sofrimento, como também nos mostrou Virgflio na pes-
soa de Eneias o valor de tim filho piedoso e a sagacidade de um valente
e entendido, não pintando-os ou descrevendo-os como eles foram, mas
sim como deviam ser para deixar exemplos de suas virtudes aos homens
da posteridade. Deste modo, Amadis foi o norte, o luzeiro, e o sol dos
valentes e namo rados cavaleiros, a quem devemos imitar, todos os que
debaixo da b andeira do amor e da cavalaria militamos. Sendo pois isto
l
assim, como é, acho eu, Sancho amígo, que o cavaleiro andante que
melhor o imitar, mais perto e<;tará de alcançar a perfeição da cavalaria.1
A linha reta está presente no desejo de Dom Quixote, porém ela não é
o essencial. Acima desta linha, há o mediador que se irradia ao mesmo
tempo em direção ao sujeito e em direção ao objeto. A metáfora espa-
cial que expressa essa tripla relação é obviamente o triângulo O objeto
muda a cada aventura, mas o triângulo permanece. A bacia de barbe-
ar ou as marionetes de Mestre Pedro substituem os moinhos de vento;
Amadis, cm contrapartida, está sempre presente.
1
C:ERVANTF.S, M iguel de, Dom Quixote. São Paulo: Editora Nova Cultural, 2002. pp. 155,
156. (N.E.)
26
:-.tENTIRA ROMÂNTICA E V ERDAD !: RO,>.,t ANESCA
que desperta, por exemplo, a visão de um pedaço de queijo ou a de um
odre de vinho. Porém Sancho tem outras amb ições além da de encher
o estômago. D esde que passou a conviver com D o m Quixote de sonha
com uma "ilha" da qual será o governador, e quer um título de duquesa
para sua filha. Tais desejos não surgiram espon taneamente no homem
simples q ue é Sancho. Foi Dom Quixote que m os sugeriu.
D esta feita, a sugestão é oral e não mais literária. Mas a diferença não
tem a menor im portância. Esses novos desejos formam um novo triân-
gulo cuj as pontas estão o cupadas pel a ilha fabulosa, po r Dom Quixo-
te e por Sancho. D o m Quixote é o mediador de Sancho. Os efe itos
do desejo triangular são os mesmos nas duas personagens. Assim que
a influência d o mediador se manifesta, o sentido do real fica perdido, a
capacidade de julgamento, paralisada .
27
C A PÍ T U L O I O DE SF.1 0 "T RI A NGULAR"
todas as coisas com muita justeza. Seus escritores favoritos tampouco
são loucos: eles não levam sua ficçã o a sério. A ilusão é o fruto de um
singular casamento entre duas consciências lúcidas. A literatura cava-
lheiresca, em franca expansão desde a invenção da imprensa, multiplica
de maneira prodigiosa as chances de semelhantes uniões.
2
Edição brasileira: Gustave Flaubert, J\.1ada111e Bovary. São Paulo: Nova Cultural,
2002. (N.E.)
3 Ver Jules de Gaultier; ú bovarysme, la psychologie dans l'oerivrt de Fla11hert. Paris: Éd. du
Sandre, 2007. Obs. Algo parecido disse i\ 1achado de Assis da personagem Luísa, do
romance O primo Bas/'!io, de Eça de Queiroz, "A Eugênia [de Balzac], a provinciana
singela e boa, cujo corpo, aliás robusto, encerra uma alma apaixonada e sublime, nada
tem com a Luísa do Sr. Eça de Queirós. Na Eugênia, há uma personalidade acentuada,
uma figura moral, que por isso mesmo nos interessa e prende; a Luísa -força é dizê-lo -
a Luísa éttm caráltr negativo, e no meio da ação ideada pelo autor, é a11tes 1-nn t{ttre do que tima pmoa
moral.(. .. ) Luísa resvala no ledo, SetH vont.ide, sem repulsa, sem conscitncia; Basílio não fa:z mais
do que em puxá-la, como matéria inerte, que é. Uma oa rolada no erro. como r.ttthuma Jl.ama.
tspiritllllf a alenta, não ac/,a ali a saciedade das grandes paixões crimillosas: reholca-se simplc,mmrt."
"O p rimo Basílio de Eça de Q ueiroz" in O Cruzeiro , 16 de abril de 1878. (N.E.)
28
MEN T IRA ROMA N TICA E VERDADE ROMA NESCA
ser tudo o que é possível imitar, todo o exterior, toda a aparência, o
gesto, a intonação , o traje".
A história não passa aqui de uma forma de literatura; ela sugere a todas
essas personagens stendhalianas sentimentos e, sobretudo, desejos que
elas não experimentariam espontaneamente. Ao começar a trabalhar
para os Rênal, Julien empresta das Co1ifissões de Rousseau o desejo de
comer à mesa dos patrões antes que à dos criados. Stendhal designa
pelo nome de vaidade todas essas formas de "cópia", de "imitação". O vai-
doso não pode extrair seus desejos de seu próprio cabedal: ele os toma
emprestado de outrem. O vaidoso é, pois, irmão de Dom Quixote e de
Emma Bovary. E reencontramos em Stendhal o desejo triangular.
Nas primeiras páginas de O Vermelho e o Negro6, passeamos em Verrieres
com o prefeito da aldeia e sua mulher. O sr. de Rênal passa, majestoso
conquanto atormentado, entre seus muros de arrimo. EJe deseja fazer
de Ju1ien Sorel o preceptor de seus dois filhos. Mas não por solicitude
'Ver Emmanuel de Las Cases, fv1imorial de Sah1te-He1ene. Paris: Éd. du Seuil, 1999. (N.E.)
~Trata-se do exército de Napoleão. {N.E.)
~ Edição brasileira: Stendhal, O ve,melho e o ne,!/ro.São Paulo: Nova Cultural, 2002. (N.E.)
29
CAPÍTULO 1 - O DESEJO "TRIANGU LAR'
para com estes, nem por amor pelo saber. Seu desejo não é espontâneo.
A conversa entre os dois cônjuges logo nos revela qual seu mecanismo:
31
CAPÍTULO 1 • O D ES EJ O " TRIANCU LAR"
separa um Dom Quixote dos vaidosos mais inferiores dentre as perso-
nagens stendhalianas. A imagem do triângulo não pode nos reter de
modo duradouro a não ser que permita essa distinção, a não ser que nos
permita medir, num relance, essa distância. Para alcançar esse duplo ob-
jetivo, é suficiente que se faça variar, no triângulo, a distância que separa
o mediador do sujeito desejante.
Julien Sorel faz tudo o que Ernma não pode fazer. No começo de O
Vermelho e o Negro, a distância entre herói e mediador não é inferior à
de lv1adame Bovaty. Mas Julien vence essa distância; ele abandona sua
província e se torna o amante da orgulhosa Mathilde; sobe rapidamente
a uma posição brilhante. Essa proximidade do mediador se reproduz
nos demais heróis do romancista. É ela que diferencia essencialmente
o universo stendhaliano dos universos que já enfocamos. Entre Julien
e Mathilde, entre Rêna1 e Valenod9, entre Lucien Leuwen e os nobres
de Nancy1°, entre Sansfin e os fídalguetes da Normandia 11, a distância é
sempre pequena o suficiente para permitir a concorrência dos desejos.
9
Idem, ibdem. (N.E.)
'º De Luâen I.tuioo1 . Rio de Janeiro, F. Alves, 1983. (N.E.)
11
De Lcm1iel. Paris, Flammarion, 1993. (N.E.)
32
MENTIRA ROMÂNTICA E VERDAUE ROMANESCA
Sos romances de C ervantes e de F1aubert, o mediador ficava exterior ao
;.iniverso do herói; ele está agora no interior desse mesmo universo.
33
CAPÍT ULO 1 - O DESEJO "TRIAN G U LAR'
e Léon também confessam a verdade de seus desejos em suas confidên-
cias líricas . O paralelo entre Dom Quixote e Madame Bot>,1ry tornou-se
clássico. É sempre fácil perceber as analogias e ntre dois romances da
mediação externa.
Apenas o ser que nos impede de satisfazer um desejo que ele próprio
nos despertou é verdadeiramente objeto de ódio. Quem odeia, odeia
primeiramente a si mesmo e m razão da admiração secreta que seu ódio
encobre. A fim de esconder dos outros, e de esconder de si mesmo,
34
MENTI RA ROMÂNTICA E VF.RDADf. R0!-1ANESCA
essa admiração desvairada, ele não quer enxergar mais em seu mediador
senão um obstáculo. O papel secundário desse mediador passa desse
modo ao primeiro plano e dissimula o papel primordial de modelo reli-
giosamente imitado.
12
Max Scheler, L'IJOnimedu ressmtíment. Paris: Callimard, 1970. (N.E.)
35
(Af'ÍT'J LO 1 .• O DESl·J() "TRIAKCU L AR''
O ciúme e a inveja deixam supor uma tripla presença: presença do
objeto, presença do sujeito, presença daquele de quem se sente ciú-
me ou daquele de quem se tem inveja. Esses dois "defeitos" são, pois,
triangul ares: jamais, no entanto, apreendemos um modelo naquele de
quem sentim os ciúme porque enfocamos sempre o ciúme do ponto de
v ista do próprio ciumento . Como todas as vítimas da mediação inter-
na, este se convence facilm ente de que seu desejo é espontâneo, isto
é, que ele está enraizado no objeto e somente nele. Por conseguinte,
o ciumento alega sempre que seu desejo precedeu a intervenção do
mediador. Ele nos apresenta este como um intruso, um encrenqueiro,
um terzo incommodo que vem interromper um delicioso tête-,,-téte. O ci-
úme equivaleria assim à irritação que todos sentimos qua ndo um de
nossos desejos é acidentalme nte contrariado. O verdadeiro ciúme é
infin itamen te mais rico e mais complexo que isso. Ele comporta sem-
pre um elemento de fascínio para com o rival insolente. São sempre
os mesmos seres, aliás, que sofrem de ciúme. D evemos acreditar que
não passam todos de vítimas de um infe liz acaso? Será o destino que
suscita para eles t antos r ivais e que multiplica os obstáculos através de
seus desejos? Nós mesmos não o cremos já que, perante essas vítimas
crônicas do ciúme, ou d a inveja, fa lamos de "temperamen to ciumen-
to" ou de "natureza invejosa". Mas em que pode implicar, concreta-
m ente, um ta] "temperamento" ou uma tal "natureza" a não ser num a
irresístivel propensão em desejar o que desejam os Outros, ou seja, em
imitar seus desejos?
Max Scheler faz constar "a inveja, o ciúme e a rivalidade" entre as fontes
do ressentimento . Ele define a inveja como "o sentimento de impotência
que vem opor-se ao esforço que fazemos para adquirir tal coisa, pelo
fato de ela pertencer a outre m". Ele observa, por outro lado, que não
haveria inveja, no sentido estrito do termo, se a imaginação do invejo-
so não transformasse em oposição planejada o obstáculo passivo que o
possuidor do objeto lhe opõe, pelo fato da posse e m si.
36
MENTIRA ROMÂNTI CA E VERD AD E ROMANES CA
A simples circunstância de lamentar não po%uir o que um outro possui e
o que eu desejo, não basta, em si, para... fazer brotar (a inveja), pois essa
lamentação pode, como simples alternativa, me determinar a adquirir a
coisa desejada ou algo análogo ... A <.:obiça nasce somente se o esforço
requerido para colo<.:ar em operação esses meios de aquisição fracassar
dando lugar a um sentimento de impotência .
A análise está exata e completa; não omite nem a ilusão que o invejoso
cria para si acerca da causa de seu fracasso, nem a paralisia que acom-
panha a inveja. Mas esses elementos se mantêm isolados; a relação que
os une não está realmente apreendida. Pelo contrário, tudo se esclarece,
tudo se organiza numa estrutura coerente, ao se renunciar, para explicar
a inveja, a partir do objeto da rivalidade e ao se fazer do próprio riva1, ou
seja, do mediador, o ponto de partida da análise, assim como seu ponto
de chegada. O obstáculo passivo que constitui a posse não apareceria
como um gesto de desprezo calculado, esse obstáculo não provocaria
desespero se o rival não fosse secretamente venerado . O semideus pa-
rece responder às homenagens com urna maldição. Ele parece pagar o
bem com o mal. O sujeito gostaria de acreditar-se vítima de uma atroz
injustiça, mas ele se pergunta com angústia se a condenação que, segun-
do as aparências, pesa sobre ele não é justificada. Assim sendo a rivali-
dade não pode senão exasperar a mediação; ela aumenta o prestígio do
mediador e reforça o laço que une o objeto a esse mediador, forçando-o
a afirmar claramente seu direito, ou seu desejo, de possessão. O sujeito
torna-se então menos capaz do que nunca de se desviar do objeto ina-
cessível: é a esse objeto e tão somente a ele que o mediador transmite
seu prestígio, possuindo-o ou desejando possui-lo. Os demais objetos
não têm o menor valor aos olhos do invejoso, mesmo sendo análogos
ou até idênticos ao objeto "mediatizado".
37
CAPÍTULO l - O DESEJO "TRIANGU L AR "
quando constata, em O Homem do ressentimento , que "o fato de escolher um
modelo para si" está fundado numa certa disposição para comparar-se,
partilhada por todos os homens e, prossegue ele, "é uma comparação
desta ordem que está na base de toda inveja, de toda ambição, como
também na atitude que implica, por exemplo, a imitação de Jesus Cris-
to". Porém essa intuição permanece um fato isolado. Só os romancistas
devolvem ao mediador o lugar usurpado pelo objeto; só os romandstas
invertem a hierarquia do desejo habitualmente aceita.
13
STI:NDHAI., Méi11oires d'im to11riste. Coeuvres-et-Valsery: RessouvenanceÇ, 1999. (N.E.)
.:rn
M f: S T IRA R0:--1.S. NT ICA E VERDADF. R0.\1 A.M :SCA
ninguém. Ele se convence de ser infinitamente oriS}inal. Por toda parte,
no século XIX, a espontaneidade se torna dogma, destronando a imi-
tação. Não nos deixemos enganar, insiste Stendhal, os individualismos
professados com tanto alarde escondem uma nova forma de cópia. Os
en fadas românticos, o ódio à sociedade, a nostalgia pelo deserto, tanto
quanto o espírito gregário, não encobrem, na maioria das vezes, nada
mais que um interesse mórbido pelo Outro.
39
CAPÍTUL O t .. O DES l:' J() 'TRI ASCU!. AR"
visões d.o mundo próp1ias à mediação interna. São todos derivados, mais
ou menos diretamente, desta mentira que ~ o desejo espontâneo. São
todos defensores de uma mesma ilusão de autonomia a que o homem
moderno está apaixonadamente apegado.
40
41
CAPÍTULO 1 •. O DES EJO ·TRlANCULAR"
é porque os seres que o rodeiam, com exceção da sra. de Rênal, estão
ainda mais enfeitiçados que ele.
14
Edição brasileira: STENDHAL, Do amor. 2.ed São Paulo: Martins Fontes, 1999. (N .E.)
"Ver Stendhal, A ct1rl11x,i de Parma. Edição brasileira: São Paulo, Globo, 2004. (N.E.)
42
MEN TIRA ROM ÂST IC.A E VERDADE RO MAN ESCA
Entre o ensaio de 1822 e as ohras -primas romanescas, a diferença ~
radical mas nem sempre é fáci l de se perceber, pois a distinção entre
paixão e vaidade está presente nos dois casos. Em Do Amor, Stendhal
nos descreve os efeitos subjetivos do desejo triangular, mas os atri -
bui ao desejo espontâneo. O verdadeiro critério do desejo espontâneo
é a intensidade desse desejo. Os mais fortes desejos são os desejos
apaixonados. Os desejos de vaidade são os reflexos empalidecidos dos
desejos autênticos. Assim, são os desejos dos Ontros que estão rela-
cíonados a essa vaidade pois temos todos a impressão de desejar mais
intensamente que os Outros . A distinção paixão-vaidade serve para
proteger Stendhal - e seu leitor -- da acusação de vaidade. O media-
dor permanece escondido no ponto onde sua revelação tem a maior
importância, na existência do próprio autor; é preciso , pois, qualincar
como romântíco o modo de ver de 1822. A dialética paixão-vaidade se
mantém "individualista". Lembra um pouco a dialética gidcana do Eu
natural e do Eu social em O Iniornlista1<'.
'º Edição brasileira, André Cide, () imornlisl,1. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1983. (N.E.)
'~ Edição brasileira: Stendhal, Crônic11, it,1lim11i,. São Paulo: Edusp, 1997. (N.E.)
43
CAPÍTULO 1 -· O DE:SElO ' T RIAi-:C Ul. AR "
das grandes obras romanescas. Se se observa de perto a estrutura destas,
constata-se sem dificuldade que a vaidade se torna aí tanto o desejo
transfigurador quanto o desejo de grande intensidade.
Quanto à paixão, ela não começa mais, nos grandes romances, senão
com este silfocío tão bem comentado por Jean Prévost em sua Criação em
Stendha/2°. Essa paixão que se cala mal chega a ser desejo. Tão logo h aja
verdadeiramente desejo, mesmo nas personagens cheias de paixão, re-
encontramos o mediador. Assim, reencontramos o triângulo do desejo
18
Edição brasileira: Andrt: Gide, o~ su~ten-âneos do Vatirnno . São Paulo: Victor Civita.
1982. (N.E.)
19
STENDHAL, Do amor, 2. ed. São Paulo, Martins Fontes, 1999, p.4
4,1
45
CAPÍTULO 1 -- O DESEJO "TRI ANGULAR ..
própria liberação, que o romancista deve esses instantes de felicidade.
Recompensa suprema do romancista, a paixão mal continua pertencen-
do ao romance. Ganhando altura, ela escapa a um mundo romanesco
todo ele entregue à vaidade e ao desejo.
46
:-1EJ\TIRA R0:-1.~i'iTICA E VERL> •.>.DF. R0:<1A:--; f, S( A
frequentes e mais intensos ainda. Não é exagero dizer que, em todas
as personagens de Em busca do tempo perdído21 , o amor está estreitamente
subordinado ao ciúme, isto é, à presença do rival. O papel privilegiado
que desempenha o mediador, na gênese do desejo, fka pois mais evi-
dente do que nunca. A cada instante, o narrador proustiano define em
linguagem clara uma estrutura triangular que permanece com frequência
implícita em O Vermelho e o Negro:
' 1Marcel Proust, Em husc:,1 do tmipo perJiJo, obra composta dos volumes, No c:uminlio de
Su,ann (v.1 ); À sombra das rafwiqas em}or •.v.2\ () camin/Jo de Crtim11c1ntes {v.3); Sodom,i e Go-
morra (v.4}; A prisioneim (v.5); Af11!íitiPc1 '. v.6 ); O tempo mlcscoberto (v.7), cujas referências
bibliográficas se encontram no final deste livro. (N.E.)
11
P ROUST, O tempo redescoberto tv.7\ p. !80 (N.E.)
47
CAPIT ULO r - O DESf'JO 'TRI..\KCUL.~R"
chamar um desejo de esnobe para trazer à tona seu caráter imitativo.
O mediador não fica mais encoberto; o o bjeto se e ncontra relegado
ao segundo p lano pelo próprio fato de que o esnobismo, como o ciú-
me por exemplo, não inc ide sobre uma categoria particular de desejos.
Pode-se ser esnobe no prazer estético , na vida intelectual, no modo
de se vestir, na alimentação, etc. Ser esnobe no amor é entregar-se ao
ciúme. O amor proustiano coincide plenamente com o esnobismo e é
suficiente dar-se ao termo um pouco mais de amplidão do q ue se dá
comume nte para apreende r-se nele a unidade do desejo proustiano.
O mimetismo do desejo é tamanho, na obra Em busca do tempo perdido,
que as personagens serão consideradas ciumentas ou esnobes conforme
seu mediador seja apaixonado ou mundano. A concepção triangular
do desejo nos dá acesso ao lugar proustiano por excelência., isto é, ao
ponto de interseção entre o amor-ciúme e o esnobismo. Proust afirm a
conti nuamente a equivalênc ia desses dois "vícios". "O mundo, escreve
ele, não passa de um reflexo do que acontece no amor." T emos aí um
exemplo destas "leis psicológicas" às quais o rom ancista refere-se cons -
tantemente mas que ele nem sempre conseguiu formular com clareza
suficiente. A maioria dos criticos quase não presta atenção a essas leis.
Eles as incluem em meio a teorias psicológicas fo ra de moda que teriam
influenciado Marcel Proust. Pensam que a essência do gên io romanesco
é alheia às leís, pois t comprometida com a liberdade. Temos para nós que
os críticos se enganam. As leis proustianas se confundem com as leis do
desejo triangular. Elas definem um novo tipo de mediação interna que
aparece quando a distância e ntre mediador e sujeito desejante é ainda
inferi or à existente em Stendhal.
48
MF.NT lR A RO MANTICA F. VI:RDA OE RO lvtANfSC A
Diferenças de tonalidade romanesca escondem de nós com frequência o
estreito parentesco de estrutura entre a vaidade stendhaliana e o desejo
proustiano. Stendhal está quase sempre de fora do desejo que descreve;
ele lança uma luz irônica sobre os fenômenos que em Proust banham-
se numa luminosidade angustiada. Essa diferença de perspectiva não
é, diga-se de passagem, constante. O trágico proustiano não exclui o
humor, sobretudo ao se tratar de personagens secundárias. A comédia
stendhaliana, reciprocamente, frisa às vezes o drama. Julien sofreu mais,
afirma-nos o romancísta, no decorrer de sua efêmera e vaidosa paixão
por Mathilde do que durante as horas mais sombrias de sua infância.
49
CAPÍTU LO t - O DESE JO "TRIANGULAR'
obi-a que menos prestigie m, quiçá, o grande escritor;> Não se deve assim
proceder tanto mais impe riosamente que se dispõe de um outro Proust,
totalmente admiráve l, dessa feita, ''original" e tranq uilizante, o Proust da
"me mória afet iva" e das "intermitências do coração", um Proust tão na-
turalmente solitário e profundo , ao que parece, quanto o out ro é frívolo
e dispersivo?
50
~IF. N T IR.:.. ROM Ã~TICA F. V ERD ADE R0 1'1A N F.SC A
há pouco. Esse desejo não traz a menor ameaça à autonomia do indiví-
duo; de abre mão quase que totalmente de um objeto e, ohvia e conse-
quentemente, de um mediador. As descrições que dele se faz não são
originais, efas foram tomadas de certos teóri<.:os do simbol ismo.
51
21
Ver Proust, O ttmporedrscoberto (v.7). (N.E.)
52
\ \ ENTIRA ROMÂN T ICA E VERl)ADE IWMAJ-:F.SCA
verdadeiramente sacramental. A Imaginação fez seu trabalho . O ob-
jeto está tra.nsfigurado. Mas afinal onde está esse objeto? Qual foi o
grão de areia que violou a solidão da ostra-consciência? Não foi a
Berma já que o narrador nunca a viu . Não foi a lembrança de anti-
gas representações, o menino não tem nenhuma experiência em arte
dramática; ele chega ao ponto de ter da realidade física de um teatro
uma ideia fantástica . Não encontramos objeto por não o haver.
53
CAPÍTULO 1 - O DF.SEJO "T RI ANGU LAR"
O texto impresso possui uma virtude de sugestão mágica da qual o ro-
mancista não se farta de nos dar exemplos. Quando sua mãe o man-
da aos C ham ps-Elysées, o narrador primeiramente acha esses passeios
fast idiosos. N e nhum mediador lhe designo11 os C hamps-Elysics; "Se ao
menos Bergotte os tivesse descrito nalguns de seus livros, por certo cu
desejaria conhecê-los, c;omo todas as coisas cujo "duplo" tinham come-
ç ado por introduzir-me na imaginação."2~ No fim do romance, a lei tura
do Dicírio dos C o ncourt transfigura retrospect ivamcnte o salão Verdurin
que nunca havia gozado de prestígio, no espírito do narrador, porque
nenhum artista o havia descrito até então:
2
\ PkOU:.T, No m minho '1e Su,am1 {v . l ). p .379, op.cit. (N.E.'.l
26 () tempo m1escobrr!o (v.7). pp. 28 e 29, op.cit. (N.f:.)
54
.\ \ f. NTI RA RO .\ L~ :~ TH /11 F. VF.ROA l>F. R0~1A!'< E~ CA
pensamentos pareceriam puras inépcias àquele espírito perfeito, fizera
tábua rasa de todos eles, de modo que, se aca~u me sucedia encontrar
num livro seu alguma ideia que já me oc.:orrera, meu coração se dilatava,
como se um Deus na sua bondade ma houvesse devolvido, declarando-
ª legítima e bela ... Mesmo mais tarde, quando comecei a compor um
livro, certas frases cuja qualidade não me decidiu a continuar, vim a
encontrar-lhes o equi valente em Bergotte. Mas só então, quando eu as
lia em sua obra, é que eu podia saboreá-la,.17
55
CAPÍTULO t • • O DfSFlO ·TRlA!\CU l AR'
Outro e unicamen te o Outro pode desencadear o desejo, mas seu teste-
munho prevalece com facilidade diante da experiência prática quando
esta contradiz a primeira.
Por consegui nte o jardim interior tão celebrado pelos críticos não
é nunca um jardim solitário. À luz de todos esses desejos de infância
já "triangulares", o significado do ciúme e do esnobismo aparece mais
2gO trecho entre colchetes, ou por distração ou por opção da tradutora ou ainda por
omissão editorial, não consta na tradução de Lúcia Miguel Pereira, embora esteja pre-
sente no original(rt mo11 d{sirde me lt:s appropritr) (N.E.)
20 No cami11ho de Su>a1111 (v. l ), p . 77, op.cit. (N.E.)
56
M EN TIRA RO MÂNTICA E VERDADE ROMAt,: ESCA
gritante do que nunca. O desejo proustiano é sempre um desejo e mpresta-
do. Não há nada, em Em Busca do Tempo perdido, que corresponda à teoria
simbolista e solipsista que resumíamos há pouco. Oírão que essa teoria
é a do próprio M arcel Proust. É possível, mas Marcel Proust pode se
enganar também. A teoria é falsa e nós a rejeitamos.
57
CA PÍTUL O l - O DESE J O "T RIANGULAR"
Podemos ler Proust da forma como lemos o mundo a nossa volta desco-
brindo sempre a criança em nós mesmos e o esnobe em outrem. Mas não
veremos jamais se encontrarem o Caminho de Swann como Caminho
de Guermantes. Permaneceremos sempre alheios à verdade essencial de
Em B1iSCa do Tempo perdido.
58
MENTIRA ROMANTICA F. VER DAI>!: R0~1A N[ SCA
o mecanismo do desejo proustiano, tal qual acaba de nos ser revelado
no episódio da Berma:
Tem -se a im pressão de estar lendo aqui o comentário dos textos prous-
tianos que acabamos de reunir. Mas Gaultier escrevia antes de Proust
e é acerca de flaubert que ele acreditava falar. Confiante em sua intui-
ção fundamenta l e certo de estar posicionado no centro da inspiração
tlaubertiana, Gaultier irradia livremente a partir desse centro, aplicando
a ideia em áreas que Flaubcrt não havia abordado e chegando a con-
sequências que ele teria possivelmente renegado. Em Flaubert, é fato
comprovado, a sugestão assume um papel mais limitado do que Gaultier
gostaria, a sugestão não chega nunca até o ponto de triunfar de uma
experiência que ela contradiria expressamente; ela se limita a passar uma
imagem aumentada de uma experiência insuficiente para falsear seu sig-
nificado, ou, quando muito, a preencher o vazio provocado pela falta de
experiência. Os enfoques mais sugestivos do Boiiarismo são assim às vezes
os mais questionáveis de um ponto de vista estritamente flaubertiano.
59
C,\PÍTULO t .. CJ llF.S f' /0 "TR I AN(,ULAR"
Mas Gaultier nem por isso cai no imaginário puro. Basta-lhe entregar-se
à sua inspiração "bovarista" e levar às últimas consequências os prinCÍ·
pios que ele depreende das obras de Flaubert para esboçar as grandes
"leis" da psicologia proustiana. Poderia ser desta forma se as obras dos
dois romancistas não mergulhassem suas raízes num mesmo substrato
psicológico e metafísico:i
60
MEN T I RA ROMÂNTICA E VERDA DE ROMANF.SCA
é de O Tempo redescoberto que eclode o gênio romanesco. Proust afirmou
reiteradamente que a revolução estética de O Tempo redesoberto era antes
de tudo uma revolução espiritual e moral, agora, vemos claramente que
Proust estava com a razão. Redescobrir o tempo é redescobrir a impres-
são autêntica sob a opinião de outrem que a encobria; é por conseguinte
descobrir essa opinião de outrem enquanto opinião estrangeira; é com-
preender que o processo da mediação nos traz uma impressão muito
viva de autonomia e espontaneidade no momento exato em que cessa-
mos de ser autônomos e espontâneos. Redescobrir o tempo é acolher
uma verdade de que a maioria dos homens passa toda a sua vida fugindo,
é reconhecer que sempre se copiou os Outros a fim de parecer original
aos olhos deles e aos seus próprios. Redescobrir o tempo é abolir um
pouco de seu orgulho.
61
CAPÍTULO 1 - O DESEJO "TRIANGULAR."
A teoria "simbolista" do desejo é pois tão antirromanesca quanto a cris-
taliza\ã<> stcndhaliana sub sua forma de origem. Essas teorias nos des-
crevem um de sejo sem me diado r. T raduzcm o po nto de vista do suje ito
desejante reso lvido a esquecer o papel desm pen hado pe lo Outro em sua
visão do mundo.
62
!\I EN Tl'RA RO .\ \\NTI C...\. 1. V l:R{).-\l) F R O:-.l ASF. <;t A.
uma verdade de tirar o fôlego quando aplicada ao universo proustiano.
Assim que se saí da ínfância, toda transfiguração coincide com um so-
frimen to agudo. A interpenetração do sonl,o e da rivalidade é tão perfeita
que a verdade romanesca se deteriora como leite que coalha quando se
dissocia os elementos do desejo proustiano. Sobram duas pobres mcn·
tiras, o Proust "interior" e o Proust "psicólogo". E pergunta-se em vão
como essas duas abstrações contraditórias puderam dar à luz Em Busca do
Tempo perdido.
O ódio... escreve a cada dia para nús o mais falso romance da vida de
nossos inimigos. Ao invés de uma mediocre felicidade humana, repleta
de pesares comuns que viriam remexer em nós brandas símpatias, deixa
neles pressupor uma alegria insolente que se oferece irritante para nossa
.,
6 .)
CA.PfTUl.O 1 - () DES f: 10 "TRl Al',;CULAR"
raiva. T ranstigura tanto quanto o desejo e, como ele, nos induz à sede
de sangue humano. Por outrn lado, como niio pode saciar-se senão na
destruição dessa alegria, ele a supõe, ele a crê, ele a vê perperuamente
destruída. Não maís que o amor, ele não dá importância à razão e vive
com o o lhar cravado numa invencível esperança.
64
MEN T IRA ROMÂNT ICA E VERDADE ROMA NESCA
continua sendo o segredo da consciência nos romancistas anteriores.
Os sentimentos "contraditórios" são tão violentos que o herói não é
mais capaz de dominá-los.
65
CAPÍTULO 1 - O DESEJO ·TRIANGULAR"
Em termos de mediação, o universo dostoievskiano está "aquém" ou, se
preferirem, "além" de Proust, assim como Proust está aquém ou além de
Stendhal. Esse universo dostoievskiano difere dos anteriores do modc
como estes já diferiam entre si. Essa di.fcrença não é ausência de relaçõe~
e contatos. Se Dostoievski fosse tão autônomo quanto se afirma às veze~
nós não poderíamos penetrar e m sua obra. Nós a leríamos do mesmc
modo como soletramos as palavras de uma língua desconhecida.
ii f:ugt: ne-Melchior Vogüé ( 1848-1 9 10), autor do en'.>aio () romm,,e ru sso [ 1886}. qi;~
66
MFNTJR.~ ROMÂNT IC A f. VE RD ADF RO~I ANF. SCA
desse interlúdio. Eles ocupam as regiões superiores da mediação inter-
na. Dostoievski ocupa suas regiões mais baixas.
,! Edição brasileira: Fiódor Dostoievski, O udolesc:ente. São Paulo, G lobal, 1983. (N .E.)
67
CAP fTULO : ... o DESEJO "TRlANCU!.AR"
das obras dosto.ievskianas. É um meio-termo entre várias soluções pos-
síveis. O deslocamento do centro de gravidade romanesco fica ilustrado
de maneira mais feliz, e mais espetacular, em O Eterno AtlarídoH. Vel-
tchaninov, rico solteirão, é um Dom Juan de meia-idade que começa a
ser tomado de lassidão e tédio. Há alguns dias ele está obcecado pelas
aparições fugidias de um homem ao mesmo tem po misterioso e fam i-
liar, inquietante e apagado. A identidade da personagem é em breve
revelada. Trata-se de um certo Pavel Pavlovitch T russótski cuja mulher,
uma antiga amante de Veltchaninov, mal acabou de falecer. Pavel Pa-
vlovitch abandonou sua província para ir ter, em São Petersburgo, com
os amantes da falecida. Um deles morre por sua vez e Pavel Pavlovitch,
em luto fechado, segue o cortejo fúnebre . Sobra Veltchanínov, que ele
importuna com as mais grotescas atenções e atormenta com seu zelo. O
marido enganado discorre sobre o passado da maneira mais estranha.
Ele visi ta o rival no meio da noite, bebe à saúde deste, o beija na boca, o
tortura com requinte por meio de uma pobre meni ninha cujo pai jamais
se saberá quem é.. .
33
Edição brasileira: Fiódor Dostoievski, O etm10 marido. l.cd. São Paulo: Editora 34 ,
200 3. (N.E.)
68
MENTIRA ROMÂ NTICA E VERDAD E ROMAN ESCA
Os dois "amigos" são muito bem recebidos na residência da moça.
Veltchaninov se expressa bem, toca piano. Sua desenvoltura mundana
impressiona: toda a família o cerca de atenções, incluindo a moça que
Pavel Pavlovitch já considera sua noiva. O pretendente passado para
trás investe vãos esforços para se tornar sedutor. Ninguém o leva a sério.
Ele contempla esse novo desastre, tremendo de angústia e de desejo ...
Alguns anos mais tarde, Veltchaninov encontra-se novamente com Pa-
vel Pavlovitch numa estação de trem. O eterno marido não está sozi-
nho, uma mulher encantadora, sua esposa, o acompanha assim corno um
jovem e fogoso militar...
69
CAPITULO 1 - O DESEJO 'TRIANGULAR"
chamado de normal. Nada fica mais claramente visível nem compreen-
sível quando se reduz o desejo triangular à homossexualidade, que será
necessariamente obscura para um heterossexual Os resultados seriam
muito mais interessantes se se invertesse o sentido da explicação. É pre-
ciso tentar compreender certas formas de homossexualidade a partir do.
desejo triangular. A homosse>,,'Ualidade proustiana, por exemplo, pode
se definir como um redirecionamento para o mediador de um valor eró-
tico que ainda permanece ligado ao objeto no dom -juanismo "normal".
Esse redirecioname nto não é, a priori, impossível, ele é até verossímil nos
estágios agudos da mediação interna que se caracteriza por uma prepon -
de rância sempre ma is acentuada do mediador e uma extinção gradual do
objeto. Certos trechos de O Eterno i\1arído revelam claramente um início
de desvio erótico em direção ao rival fascinan te .
1
• PROll'>T, A Priçíoneira (v.5), p.383 (N .E.)
70
.\ IF. 'T IRA ROMf\KTI C A f. Vf.RDADE IW!\1.-\N t !>CA
Por baixo do tom desenvolto desponta a angústia proustiana fundamen-
tal que é também a angústia de Pavel Pavlovítch. O herói dostoievskia-
no também aplica "espontaneamente", se não serenamente, regras que
ele não "criou" propriamente mas que por isso mesmo governam com
força ainda maior sua miserável existência. O desejo triangular é uno.
Parte-se de Dom Quixote e chega-se a Pavel Pavlovit<.:h. Ou parte-se de
Tristiío e Isolda, como faz Denis de Rougemont em O Amor e o Ocidente 35 ,
e atinge-se bem depressa esta "psicologia do ciúme que invade nossas
análises". Ao definir essa psicologia como uma "profanação do mito" que
se encarna no poema de Tristão, Rougemont reconhece, explicitamen-
te, o laço que une as formas mais "nobres" da paixão ao ciúme mórbido,
tal como descrito por um Proust e um Dostoievski: "Ciúme desejado,
provocado, sorrateiramente favorecido", observa muito acertadamente
Rougemont: "Chega-se a desejar que o ser amado seja infiel, para que se
possa novamente persegui -lo e "sentir o amor em si".
5
' Edição brasileira, Denis de Rougemont, O amor e o ( )âdente. 2.ed. Rio de Janeiro:
Guanabara, 1988. CN.E.)
71
CAPITULO t - o DESE.10 "TR I A N CU LA R"
giristas exal.tados desse herói não podem deixar de julgar nosso paralelo
um sacrilégio. Eles acreditam que Dom Quixote não h abita senão nas
alturas. Como poderia o criador desse ser sublime ter pressentido o la-
maçal onde chafurda o Eterno Marido;,
72
73
CAPÍTULO l - O DESEJO ' T RIANGULAR"
janotas conversadores, convencidos e "prometeicos" que pululam em
nosso sécul o. É o orgulho que faz Don Juan e o orgulho faz de nós,
mais cedo ou mais tarde, um escravo de outrem . O verdadeiro Dom
Juan não é autônomo; pelo contrário ele é incapaz de abrir mão dos
Ot{tros. Essa verdade fi ca hoje e ncoberta. Mas é a verdade de certos
sedutores shakespearianos; é a verdade do Dom Juan de Moliêre:
37
Edição brasileira, Jean-Baptiste Poqudin de Molicre, Don Juan , o convidado dt prdra.
Porto Alegre: L&PM, 2002. p . 18 ( N.E)
ª Cf. nota
3
35 . (N.E.)
74
M ENTIRA ROMÂ N TICA E VERDADE ROM ANE SCA
É essa unidade que nossa viagem através da literatura romanesca reve-
la. Partindo de Cervantes, voltamos a Cervantes e constatamos que o
gênio do romancista engloba as formas extremas do desejo segundo o
Outro. Entre o Cervantes de Dom Quixote e o Cervantes de Anselmo, a
distância não é pequena já que nela se alojam todas as obras enfocadas
neste capít ulo, mas não é in transponível já que todos os romancistas
dão-se as mãos, já que Flaubert, Stendhal, Proust e Dostoievski formam
uma cadeia ininterrupta de um Cervantes a outro.
75
CAPÍTULO 1 - O DESEJO 'TRlANGLILAR"
2
de sedLitbr irresistfvel.
No amor e llG ódio.,. -e s·se inttfitõ n?O s·e alt~ra . Érnpurrado num salâo p.é'
bilhar por UJJ1 ottcial desconhecido, o herói d.e Memórias do Subso,lo (às ve-
zes í nfüulado lv1ern6ri4s ~scrítas 11v.m Sul,terrâneo)2 sente-s~ imediatamente
·atorm en tado por uma -sede :atroz de vingan.ça. Poderfamos Julgai· esst
ódio "legitimo" e até "racional" se sua signilkaça.p metafísica não nos
fosse r~:velàdà numa cart'a que o ;'hemrem de ~ubsolo1' rédige para µres-
sionar e seduzil· o ofensor:
1
Edição brasílrura: faMor Dostoitvski, ~1m1ôi:ia; Jo ,tthóolo, 3.ed.. São Paulo: 'Ecfi torá 34:;
:woo, lN.E.)
' ÔoSTOIEVSKt,.Mem6rias do~ibsolo, p. 63 (N .E.)
78
MENTIRA ROMÃNTlCA E V~DADE RO'MANESC"A
Ó herói dos'tofovskfai,G, ·aS:_sift!- ç_q~ó Q h~tó_i prá:U,Stja..p9, spnha em :ab-
s:of'Ífr,. eu;. ªssfmilar o 'ier do mediaaar.. Ele ima:g"i na ur:na ,liJnt~~e perfeita.
t".i}'tt~ .a for~à des~e ·01,edlçclor e sua própria '"irlteHgêrrcia"'. Ele q,u~r mi;~
narase o Outro sem dd~at de sér el'e piópf:iq. .M~ por que .esse desejo e-
pb.r a;ue ~ esse mediador em partie;_1:1l_at tle p.teferên_ciq •a tantos. oútro.-s? Por
qµ~ Q hetôi e~êõllw ·o rno·ddo ad@rado e execrado c.001 tat;l,ta urg~nc1a e
táo p.011co ·sensb erhico-;i
79
'CAPfTilh.U 2 - (JS HOMFNS Sl ll,,Ha) 'l'~ElISES UNS PARA OS ()µTR< fS:
Descóbria diante de si um cl!u ~P.lendoroso, a S"eus pés um la_g o, todo
em redor um horizó-n'te luminoso ·e- tão vã~o que parecta .sem limites.
Havia contemplado longamente aquelê- espetáculo , com o coração
apertado pela angústja. Lembrava. se agora ,de ter ec,tendidó os bra-
0
ços p·árã aquele oceano de luz e de azcrl e ·i:íe ter derramado lágrimas.
Ton;mava-o a ideia de ser estranho a ·t uô.óãquilo. Que b;rnquet\'; en~ão
~ra aquele, aquela. f~st-a sem fim para a: qual se sentia atraidc,i d'es~ê.
muito tempo, desde sempre, desde sua infância, sem Jama1s ter-podido
dele par.tidpar~-·- Ca.da ser :tem' -seu ·cami(lho e c,o.r:thec,M::>.i çhega e
tQrna a pan:ir:cantando: mas el~, só ele nada sabe, nada cõmpreende,
riem os homens; nem as- \107.CS cla nal;ul'ez.a, p0rque é ém toda•parte nm
e·stran.ho, um rebota lho.~
A maldição herój é tão terrível, tão total que ela se esténde aos serés e às
coisas que éS-t~o d.tretamente so,Ó seu controle. Tal qua:l 4IJ\ intoeá~~I da
Índia, o herói contamina os ser'ês é a$ cois-as de que ele pode fazer aso.
Quanto mais I?.róximas lhe ficàvam as- cbisas ma.is .se_1.r :p ensâmento $e
5
Edição brasileira: ti9dor DostoievskL.Q idiota. Rio de·Jattel rb, Editora Nova Aguilar,
1976. p.383 CN.E.)
• Flaubert, Madamtl3ôva.ry, p-7-3, op. dt. (N.E-.,l
~o
~1.EN "{ IRA R0f\1Âflo'Tl <., à E VERDADE R.OM,A.N ESC:.:\
·wes~m.9 e· ~~rrr $~ d~sprezat, em c:etto.s momentos:, ât~ .o ód.io~"' 'i\fas de
onde p0d.e ·v ir essa,exigênda que a subj.e-uivídade é lncapaz. de satisfaz:er?
Nã_o, pod½ ptõvir .dela mesma. Uma e-xig-ência proveniente da subjetiV-j-
datle e ~rfcid1ndá sobre e·sta._s;i.lbJetivi.ÇÍadé pâQ rn:s'Uhç1.rt_ª' nümá e~i~ência
imposs'ível. É pre:cisp· q~te a subjetivtda:de tfqiha 'PG>sto; fê naroa prome:ss.a
faTaz<V1nda de fora.
À medida que wão s_e, inflando .a:s voz~s çl:o o:t~o·, a G:miscí_êhêj~ de
existir,p~ssa. a s~ritir ma:i.s amargor :e sohdão. E'I:a é, QOnhldo; comum
ã todo.s .os ho~et1s.. Pot-q'li~ essa; ih1são âe ês:tqr s.-ó., q'~. ~ 1im redobracr
do padecimento? -Por qµe 'ó s hç;mei;LS não :gonségu~m m~is àfrviar :s~u.s
sofrirnentôs paF:tillaandu {11s? PoT que .a.verdade de:todes está tão~pi;okm;-
0
7
'tViemórias ão 'subsolo, p. S7, op, ciit. {N,I;.)
$1'
CAPÍYtflO, 2 - ü.5 H0\'1.ENS '.SER'Ã-.0 D E.USES UNS 'PAR'A 0$, QUTR.0 $
úrilça possesS"ão desta subiet'ividad~ que proclama em ãlto e b om som ser
codo-púderó-sà e alegremente dominante: ''.Não acr~djt,;(va q~e o mesmo
ácontece:sse a: ó1.Itrem - nota o h o mem d o sub._so lo - e, p or isso, mantive-
º em segredo a vida toda. 611
O bastarcio Dolgonoo exemplf!Íca cóm ek1quência essa d i'alétic,~ da pr0-
messa n'ão-cwupriça. Ele tem por snbre nom:~ o de uma família printipes-
Cà ~úilversalmeote coohed'da. Essa h omonímia provoca constamernent~
t
e·quívotQs h\lriü.lhantes. uma 's egunda bastardi-a qtie se açr~çenta ã pri-
meira. Que![ é o homem moderno que não ê D Q1goruky, o príncipe, para
ó? Oulros e Dolgorüky, o bastardo, pa-ra si p.róprió1. O herói de rom9 nce f!
sempre a ·criança esquecida pel_as huias-madrinhas ~furante o batizado-.
Cada· quc1l s<:: crê sozinho no· inferno e ·é 'isso o inferno. A ilusão é tanto
mãis .grosseira guanto m~ii's ~e:ral ela for. É o Iadô bufão, da vida no sub-
solo, que se destaca na exclamaçãb d,o nanti-heroi" dostpievskiano: ''Eu
sou sozinho-> e etes sã.o todos"' 9 , eles são todos:!" A ilusão é ·rào grote,c;çaque
não há praticamente nenhuma existência dostqievskiana .onde ~la não
apresente uma fissura. Nu~n ·breve: instante· d.e ltE o sujeito. vislumbra
a mentira universal e não pode mais atreditar em sua duração , ele tçm
a 1mpressão de qne os homens v.ão se be ij ar· aos prantos. Porém essa
esperanç:~ é vã e o p rópr_io sér qçre e la faz surgir Logo teme t_e r revelado
aos Outros s~u h orrível segredo. Ele· teme aínda mais tê-l o tév~lado a si
próprio A humildad~ ci~ um Muis.hkine parece pri meirame nte pérfurar
a àrm.adura -do o~gulho; Q interlocutor se entrçga., mas é logb,dominado
nov.a1;I1ente pefa vergonha. Ele proda rna e ntão com veemência não ·qae-
.l'er trocar d\:' ser e ·~ªsJar-sé ,a s:i próprio·.
8
Idem, p.. 19.
9 l<,lem, p, :5g_
82
.M l;NTIRA R-OM,\NTICA ~ Vl:RPAD.E R:OMA NP5<: A.
a,se:rvi.dâo. O or8ul:b<.')· não. pode snhrev.foer sena0 graça-s à 'll\eiltira. g é."-a
rnentJi:a. :o ·que. o destl'jo tr-fan~ruanmtretêm. O h~rói se yoJta apaixona-
dameóte pàta esté 'Ôufi·o '}àê pµféç~ usiJfruir,. ek s'im, da be-r.ança .dJvi"na,.
A tê do-disefp.ulo é :t~o gi;a11de qu~ ~k a:cr~çl\r~ ~s'j:ar -ser;r1gre a Qonto de
subtrair ao me:d1ador o ·segred0 rnara:vtlho.so. E·!e desfruta da. herança
.~e-~_qe JcÍ, :qntedpc:1,é:Ía,rheo.tç;, .co.rp.ô· nµIú u.~ufn:rto ·<::onv-ençionai 'h1te.r-.,,Jvos.
Ele se desimeressa d~ presente e vive [1útn fu.tl!r()', rapian_t~. N~da ç, s~-
para da .divíndad.e, nada 1 a :nã0 -ser o .Medlad.or em pessoa cuj~ desejo
c_ó nc.ôiT~nté se Cçintt ãpõ~ a -S~U pióp:nú des€j0 .
B3
o ! i>:f'n,1Lo ·1 - :OS H0,,1Et-1·S s:E ~à~J DEUS$ Lltll'ii 'PARA os OUTRO.S.
da diferença radkar '.érttte custiani_smq.e cies:eJo ~egundo o Ou.tro. Sobre
ess.a 1rerdade suprema' que todas as obras roma.nestas ~€nlãi$ r~tratam-,.
irnplícífa óti expUcJtamente, tomaremos. a fórmula abstq.ta em.presta<la
de Desesperos q.e Louis Fmet<J: ''A pa:ixlo é· ·9' :m-ud.tm.ga de endere~o de uma:
força ·que o uistianismo :. despertou e orÍéotbü é:tíl di.i;:eçã,t> a D~us/''P
A n;e~}r9ão. de- 0-eus, nãl:i ~Urtúna.·ç1 tnmscerrdênGia· mas faz com ((J.ll'e esta
se cles.v1@ do além pat a o a:quêm. A 1rni_tãçã9 de lesas Cristo se·tr.ansfo.f-
r.rta: em imit_açfo da próximo. O impulso dp .orgctlçô'~o se quebr..a Çónt:r'q
a h:ur\laruda<:ié' elo mii:diad@ri ,O .ódio é o resulrad0 çl:esse .c::qn_f:1it~. Poi:-
não. tet· apr:.een4i_çlõ a, nalt.rrezã ·imttativ_a d.o desejo, :Max .Sebeler nã-0
·conseguiu nunca di'ferétida:í o. ress~n;tJrnento d.o _s,en.tirr1):;ntõ cristão.. Ele
n~o q0$'0u 'f~z€f a. apr.oxi:mâçã:o entre .si d0s dois f~;r16menó's pàr.i p:qcf.ér
melhqr sep~Já-kis, l: elt'; ~e .q;ueda\l na ÇQnfusãb r:fret,zschiana que tenci0a
nava justamente df.s~i.par .
r. . . ,
e ná person.ag-i;;·m fund'ament'al de Stavroguine que ·se deve é-Stµ.dar Q
sentido dosto.ieys;k~anç, cfa medi~çâ0. i.rlt_éfoa. Stavr-0_g-uine é· o mediador
de todas as personagen~ çl~ Os l)e,nônipsü . N~o se d.ev(;l hesitar em re.c.o'-
nbe.c:e t neft; úina figura ele Anticristo.
': .Ecfiçao brasl1eira, fiódór Ôosttii~vski ,. Gs. déinpnios, ~i.q de Jan-e\ro, Ed,it0raJ0:sé Olynt-
plô, 1160. (N.E)
.84
MENTIRA: IWM.ÃNTl('; A E VE'R,DATIE ·f!:m.1At,r(SC1t
É a $ta.vrogui1_1ê q1,1e o~ P0sses$9s devem ·s.uãs·Jde-ias e seus desejas.; é a
St,avrog;uine que eles. !l)re;sr~.i;n Url). verdadeiro túttb. Tôdos e'?Çp{lrµneu 0
1
~ Os. den16nias , p Tií (tsr. E')
•:l·Ide;;m, p. ·ns- (N,EJ
85
·.CAPÍTU'l-.0 '2 - ·ô \ A'OMiã°NS :s,E~~Q ó'~U:SES UN S J>}\l~A (i S Ô.U,TR.OS
Siavrógum. você € tão. belo! exdamou. Fi6tr Stepán~vitçh cornu: em
ê~tase.,. E você é que é rneu (áolo1 Não ófend.e ninguém ê e_ritretánro
to1los o -odeiam;trata o.~ qutr.o~ como ~~_ug e e nn:etanto 0 temem ... VôGê
é o chef:e, vbcê é o sdl1 e eu não passo dê um ~rme. H
1
• fderri, p .~72. (N.E)
86
MENTIRA 'l.W.MÃNTIC.~ E \tRL1Al,'.:lJ; ROM ANESC A
os ho.m el;J? j.nv~stem em..arrancãr-se os ·obje'tos 1 ou em multiplicá-los ,
não é um triunfo da maté ria mas um t'riuafo do mediador, o deus com
aspecto humano. Nesse µ Diverso .de êspfrituàüdade ,démoníaca, só um
Muishkine tem o direito de s-e dizer "matcrt.aHst~". Os.hom.en~se gabam
de h_ã.ver rejettad.o .as antigas supersti~ões, mas estão u. se afun_dar no
sub~olo, nesse- súbterrâ.neo ·onde triunfam as ilusões cada ve:z. mai·s gto·s.-
seiras. À medida que o çéu se despovoa o sagrado re flui ,;obre a rcrra;
d e ·isola o indivíduo de· todps O$ bens têrresfr(;)S, cava, entre .si e o cá
ernb.aixci., um abismo mais profundo que o antigo ·a lém ~A superfície da
terra. o nde habitam os Ouiras se trar:isforma num "i.n acessNel parafso ..
O problema do divino não podê P1çtis sér col ocado nesse nível lnferior.
A necessidade .de rranstend_ê ncia se ·"satisfaz' na mediação . Os debates
1
87
CAP'trUL'O 12 - C\S H OMENS, ~ç'RÃO OEUSE'S UNS' PAR ,~ OS 'OUThOS
transce_rtdêncja_ Emma adolesc:ente passa po:r uma crise pseudomfstiça
-antes de resvalar ptara õ ç,ovafis.mo pr-ópr.iarnente ditó.
A anális~-bem conhecida que Jules de Gaul tiet fez dó. /jbovari.sr:no" cQln-
,dde, ali.çÍs, em muitos pontos, .eom o ·ésquema: dostol~vskiano qu~ aq. 0
88
M.éNTIRA RÔMÁNT!ÇA E V°ER DA.D.a· ROMAN.ESCA
Mas, <!_O. ~screv~r. ~Ênha n.0: ~spírft;a .ouzyo homem .. um ran~àshia'. .éOfü-
postq elas súás mais ã!"den~é~ l~!Dbrãnç'á~ da!.· sµas · lt:i:t1,1ras mais l:ielªs,.
das suas m,ns: forth .ansiedade~.; é afinal este s~ tqm'áva ~ão v~rdade:irq e
:ac.css,í vd, •que Ema palpitava. por de,, maravilhada,, Setri c0ntudo µócler
1rnqgil}á-[o d ~e-n}e,.t;mt0,,de.~e p~rdiª,:e;:omo uin I) eus,.ua,abundâo-
da .dõs atributó'i<. 1."
16
Madttme B·óvdry, p.34 4 , op,.cit.
g~··
C~P f:fULO :i:..- :0:5, HBMENS &ERÃ.0 BEUSES UNS i>ARA OS (;) UTR'OS
a liberdade da mesma fqfli1a que Stendhal. A promessa r;nodemà não
é intrü1seca.n1ente falsa ·e dia:bóliqt, corno em Dosto ievc;ki, mas ê jodis-
pensá.vel s_e r muito forte·_para as-sumi-la virllment~, A Jdeia -antiga segun-
·do a .qual é mais difícil Vlver como homeTl} livre. çlo qµe como escravo
permeia, rodo ó pensamerítd ?ocia1 e polfüco de Srertdhâl. Apena.s os
que <;ão ·c apazes c:l:e conqúis-tá--la são merecedores da .liberdade, escrev·e
Stençihal no. hm <le A1emórfos d.e um Tur,ist,i. Apenas o ser .tone pod~ v.iv.er
sem vaidade. Num universo de iguais os. fta:coS: s~o -a presa do desejo
metafísico e c h~g·ã-se ao :triünfo do~rsendmentos módemos: "a i_nveia, o
dúrne e o.ódio impotente".
Cx homens que não conseguem encarar a liberdade d.e frente ficam: ex-
post(;)S: à angústia. Eles procuram .um ponto de apoio onde pousar seu
o lhar. Não há J1)aís nem Deus,,:nem r:ei, nem senhor para assegurar sua
ligaçân com o universal É pata es~:apai:- do s.entirç.ento do particular que
<JS homens desejam Cúnfonne o ()4,trop .el.es ese:dlber.u peu.s es de 'féposí-
ção, pois não 1_füoen, ~emmci..ar ao innniio.
Po-rmaís interessante que seja·essa tentativa, ela ql:lase não tem repercus-
sões·sobre a atividade rm;nanésca. Não se encontra ne.rihum meto-termo,
nps rçmanaes , entre a vai.dade ·e a paixãp, entre a existência ime'd iata
que é ignorância, sã.perstlção, ação, felicicl.ad.e_, e a reflexão rn.ediata que
é medo da verdade., i.nde_ç.isào, fraqueza e vàtdade.
•9()'
Stendhal jamais eonseguiu ç;:rjar l:J'..rt:J herói apaixôn~dd que ri}lo fqs~e
cr.é,nte. Nã.o que· i1,ãó t~nl,a -t'eat:ad0 .. . Mas os resulta.dos· ~ãq..deceç-c_iõ-
nântê_s. Luci~n le_uwen titµbeü1, ~nb·e_v;j,iqáde·e .ingç.nurdade;, Lamiel vira
uma mari"G,nere e frte-ttc:ih.al .Q p·õe-dt fado p·áta çouc:en'tra..r-st n.ci ·v ªidQso
Sansfün . .Iufaen Sor.d também devi'a ser, num dç:t~trpjnad.o ·estágiQ d·d
pre;çc;:ss.0. C.ri'atJvo, 'éS-té heroj qp:aJtonad.'0 e descrente que Sterniha:l cm.,
girava-. Mas Julfen :nãq p.a·ssa cie ucp b:ipóêríta lig~.í.r.am,ept~ mais- luci.do
e enér.gic,o que os demais. S6 c0nhec:erá a pa:i,x.ão verdad~ira a9 ~$,tár
a:gonizant'e,. quaúdç, réouocia a ~ii me-sJi10, e, então já não se sabe muiw
b~ro se de cprrtip\ ra sénçlo c'étü;p.
A lmJ,>O.t~.ncia de Stendhal é reve ladora. C) ·ser .de· pa"i:x~:q <.f lllti si?r do
pas~a·q.o;:es·treft~ e sup~sticio54ment.e religioso.-. O se_r de vai.da.de é. o ser
.do, presente; ~·1ç ,(: cru;tãõ. ap..ena:s em tazâQ ,d e um ppôrtú'riimuo· dsj qual.
1
:q_-1
é'Afli:"tJtü 2.~ 11t~. H~>)_tb.~~ '~J'{l._.;;c(! beDS'F~ Ü$:~ PA~ .o!l o .u-r1n)s
ap-rofundar .es:te vazio de que fpla ó EcLct"sicistes que o vaidqso se-,refu~
gia .nos comp9rtamenros fr-ivoJos e ·na imitação~ ,É p:orqüe ele não ousa
encarar de frente seu nada qú~ ele se preeipit~ el}1 direção ao. Outro
poupptlo , -aparentemente, pela maldição.
~tr.e o·esnohe
Não se a.ceha sem um ~e.rt_Q mal-estar esta aproximação
e os demais heróis de rqmance. 1ern-se. JJma Gapaddad~ de indignação
iJlnnit;;i quando se trata de .esnobismo Esse êrin:ie. talvez seja 0 único q1._te
nos-sa litera:tu:ra dé vapguªrda, ·apesar de tão ~p·egàda. '_à justiça, nunca
sequer pensou em "reabilit.a.r''. Morctli.stg:s de v:an,guarda e d~ retãguar.da
prom_ovem um campeonato de cenh qs frãn'4'rdos contra. O Carr1inl,6 de
Guennarites. Cons.tdera•seum tanto embaraçoso q4é Stendhal e Proustte-
nham dedicado ao· esnobismo ~1ma boa parte de.·suas obras. Os exegetas
d-e boa voptâde se esforçam em ·rn\rrimizar o papel desses defeitos tã.o
feios de IJOSsds ma\s· iÍustres romancistas.
92
MEl:llT.lRA R..OMÀNTKA E VERDADE ~OMANESCA
da alçada .do. p.siqLLi.a tra ou do fü6sofo,. Não eernqs cq0r~g-em d~ c:.ondee-
tlq.:r um. poss.ess.o.
Mas haveria mesmc e11tte o e_sno-b~ proustla:,no e l'J ber~.i dó~toie\/sk:nrno
1..rmà tamanha diferen~? O Subsolo: resp.o nde que oãn. Q&sery.ern9s o
he·rói ~ubte'rr~neg_ .çom.s~ús, anti~os rnndiscfpulos. Ess.es seres i.nsfpidos
01·g:a:rilzam Uil;l banquete em hQnJenp:geqi ~ u~ tal de Zverko\1 ·.tj:ue esrava.
cle partida ç;c:>m. as trnpas para <,} Cáucaso. O homew ·@o s-obsofo as,s;jste
aos gnwa.r~tlvos da festa mas nir:i~étn ·s~quer se lembra. de convidá,,,lo.
fasa arfói')ta fI)esperadá, ou q't,:lem sabe·pq_r :demal$.esp~a·di;l, ~de!:ieric;a,.dijia
nele uma pai:.;ão mórqi9-a, ·1:1ng: ~e.s-ejo fre;rrérJco JJ-dê esm:1g;at,, ele de1Tç;tar,.
de enfeit,i9.1/' ~sses-ente5· dos ~uai:s ele não .t em a menor neces$ldç.{J.e .f ·
pel_os quais, p.of s1n·al , e:t~,s~r')te u:m..d~sp.tez.Q .rotaln1.e.rite sin.terb:.
17
V'er Prou.st, O .Ciifflmh0 ~t'Guehitânles (.v;~. (.N.E. )
2.3'
úA_'PfTt,JL.O ·~ - OS HOl"IBNS: S.ERÂ() DH°llSES UNS. P.ARA-OS ( lLl'TRQS
seres que ele de_sejava frequentar, c.omo Jean Santeuíl nó lic~u,, tra·m
aqueles que não 4ueria111 :fladá com ele.
O esnôb~ proustiano ,;e acha defrontado com a.s mesmas tentações que
o h0me.m do su.bs-olo, ã da carfa ao m~d.íadm, por exemp lo . Essa carta se
quérí'nsult-ante mas n.ã o passa-, no fundo , de urna apelo. angustiado. Cil-
be1:te SwcJ.nn, desespera.da por não ser convidada à Tés_idência dos Cuer-
mantes, e nviá à dügues,á uma carti:1 que não deixa de ter semelhah·ç as
com a que cogita .o hqm~ çlo su.b sofo no.episódio, do oficia-! insolente.
Em Jemi Sqriteuil, .o herói escreve a s:eus condisci'pulos p~trsegui_dores_âma
cana em qu_e ele implot:a sua a:mizade. As rncmsagens d~ aduJa~ão deli·-
rante que Nastada Philipovna manda a Aglaia. em O Idiota 18', se inscre-
vem no mesmo triângulo que as ca:r.ra.s pr.ot1stianç1s.
vino ao banquete da vida, vão zombar dde. São os mesmos senti mentos
u Ê~çãd hrasjlei'r9: fi!'ídor ()os:toi~vsh () idiota. Rio µe Ja.ne.i ro: Nova A:gui!ar,
L976. (N _E.)'
94
"-1:f'~ TIR·A R< 1.M.À.tiJTl l.,1, .f. Vr~D·At~F ROK.\'..\t<J f:S:t·.A
prest:nt.es na. ,o bra de Proust mas €:les si: expr~ssafi) cq1n l.ftl)a viol~ncià
itic0mpáfâ_vel. D·escobrirno,s ·em Prous.t , no capítulo .anterior, urna ca;ri-
.camra: da ~aidade.stendha:Hanã·. Déscobrimos ~g_ o'r<:1 ,êm Úost.oiev-ski uma
caricatura do esnobism01 pi91:151:fanp.
Nessa~ .condt'çqe:~-:. ppr ç:tU'@ então· o esnobe no,s. i.ns.pira :llm de_spr~o re s-
pecia,J.;; Respnnderemos, se pre...,s'iõ nad-tr&, que; ~ arbitr'a:ri,e.dade d.e sua
íroitã.çã-0 nos inita.. A imitação 1:nf.amil -n0s paree<!: p·erdb~vd tyncfo em:
l,'i'sta que- está e-rrtàiz~da rruma. ji;iteri0r.itl.ade real -A tnfância· n~q pe?sui
nem a f.orça 'físlea , :nem a exp€riêne'i?, nem os rêcürsQ$' .elo adult0. No .e.s,-
nohe., _pdo·contráriu 1 nãose·p.treebe q:ua'Lqner ii:ikrjoridad<:: .defuíívd. '0
esnobe_n5ip ç ·ha-i>.;.o; de· se=abaixa, Numa &Hci.edade- on:é).e 0'S· itrdfvíâuos
sao ' 'I fvres e igu_a\~ (_!rn direit<):S." n'ãP ifozerfo bjiv~r .e'snQbes. Maqmde haver
esnobes tão; so:meme rressa ~ocj'edacB.e. O ,esnob);s1n0, ,c.oin e.feito, f .:,::ige
ü'I:il.:a ig~1dad€: conor-tta·. QuandGM>-s in<livfduos sào realilJ.ctJJté infetiôí'.çs
c>u supel'iore:s mi:$ ;tqs pµtfoS; pode havey servilisr.irn tt- 'tirania, adulação
a arrogância, mas fa.n:i~{s t ·s·nob'ist1_10 [lo. sentido pr0p'r1Q· do t_ermo. O
csno.b:e çomE!t<;! tn.il bai:l~e.zas par-a 's er aceito. per pes~"0i1S que ele dçt;a :çle
um i;fi';'é~t(gio arbjtrári'P·. Próust ini;'i>te ime;nsamente 11esse a.s:p:ecto, Q s
esr.10b~s de Bn Bu-sü.t,do nm~ó pênlido $ão qUáse SC-IJ1pTê superior<ts a seus
mediador~ muA_dam.1~i ele.'\ O's superam pela foi-tuna., p·do ença,nfo ·e:
p<tlà tale1\tQ, .Por ( Onsegui.ntel a CSS@nda dcY Q-Snohismo é a abSüT'.dé'Z.,
Q5
Os heróis subtérrãneos deveriam nos j;nspírar wti oójo ainda maior que
.os ~snohe.s prou.s ti.anos. Mas não sentimos ess.é nojo, Con.denamos uns
e :p oupamos out_rô'S em nome da mesma moral. Nos.so esforço erci isolar
úma essê'ncia espedfit ~ e maléfica do esnobismo 'fracas.s ou completâ-
meotc. Alcançamos sempre a vaidadé·ste,ndhaliana de um Lado, o fren·es1
dostoié.vskiano do outro. O vai-e-vem entr~ o orgulho e a vergo nha está
por toda parte, o que varia é apenas .a amphtude das osdJações.
96
MENTIRA ROMÂNT IC A E VERD.A_DE ROM e,NcSGA
dirige uma careta fugidia :e lhes volta as costas bruscame-n.te. b incidente
torna a acontecer dois d 0 miAgos. seguidos. É o bastant e pt!.ra esdareéer
0$ p~ís. Legrandin é um esnobe.
97
.C1',1'Í1U LO ::i - OS HO MEN.S S ERÃO Df'llS ES IJ.NS -PM A 05 OUTf/,üS
Basta inverte r a estã.dâ do cbóhel:lnf~nto pat-a obter ·a escada da purecza;
moral_ -A indignação q.u~ I;'> esnobe-exci ta <tm: riÔ"S é, assim, p~rtngirt~nte-
ment'~ urnª medida -de nosso próprio esnobismo, O ptó.p-rtq. L~etandin
t:'làô, ~õ.ns:títtii uma .~xc~ção ;i ç:~s~ lei-,. .Ele tem seu lu~ar sobre ·as duas.
escaclas1, .o nJ~,is b,-aix_o. "ri~ d.a QUreza, ô màis eleva.do,. 'p;Or consegt.1.iríte,
na. do e,0.n hedmento . Legrandin é doh;)rosam~nte se-ns(vel à:s m:ínihlélS
matjtfest ª§ô~s de esno.b.ismo_,O õ.dio qu..c, Lhe i'as·p:lra o ,ILpmcado cGn't:rao
espfrito''· n.ãp. (:.' sirpula-do. Sa.o o:s esndbe.s qu~in -lhe feçham as·p.ortas dos
safões, onde .ele deseja-ser re€ebido. É ,preciso que, a própriá peS,!iO-ª S€ja:
eSTI.,obe- Piii"á, sofr:ér mm o esn0bisr.no dos Outros,.
NãGl t i.:tma triste'. cO{nçidênçia qu(: faz con:i qu½' o sujc;;.ito â~sej.G1ii f.e, para
manifestar sua· indigna~ã-a,_escolha, sempr@ et Q;tesmo r:na] que- -a çorr0i.
crff r'~ a. iriÚi g:-rtaÇ?Í,'Q·e a, ç;u1 pp e;~&te üméi 'relaçãó d@ necessidade. E a-.mais
~guda pei)etr::rção.estâ· a servi9'0 ~es.sa i!J'.dignas~Q. Só O. esnob~·éo.nheée
verdadeiramente o esnnb.e· Já que ele 'imíta s~u cft;s<fj.o, istô é, ·a próprict
essência. d~ Se:u ·ser. "E est-á fo:ra de q.uestâo, que :se p0ssa d:eparar-:se· aqui
c:om a· d'tfete'rtr;;a c:õstujlieJt-a entre tg_pia :e o..rigiua1 pelá s'1mples: r:a:cão. d~
que não há .original O medradú.r d0 esn9b ç é eJ~ prç3-prtd um ésnôhe,.
i'stQ f , µma prirúeiiiâ ,t.ópia..
98,
·ME?NT'i'R-'A R'OMÂ NI"ICA E \"ERo QA.O·- t R0,\\~N.f$'CA
rnoraHsfas, mas i;mpetfeítêJ" _pois o s~Jelto não reco:nhece no Ou,tr.o.
·o Vazi<:l que :c or-r ói..a el.e p:rópriç,-, Ele o traQstm.~ ~ [)_urna dívJ.ndade
cp.çnstrups;a. Todo co.nhecimento i_Q'dignad0 do- Oktro é µm conh_ê,.,
cip:itj'Jto ci,rcular :q qe sê vr,5J~ Pa.líil iro;- gp]p~r- o · sluj<tltu. sem gue de
se dê ·c onta disso . Es'Se cítcqlf'.). ps}cológ-icó s-e ·ínséreve no h:i'âtigulo
do ·d~:S~jo, A maioria de nossos julgament@s ét-ic.,os. se fundatnetJt.am
no .6dfõ dq n;ted_iado,r, is.to cé., d.ê um .rival com .ó quaJ passam0s a· t-19~
as.semelhar.
,9<)
( ;.AP rrTU L! J' :!, - f fS' H:OM.F±-:", $rn,H.Y ~>.t'. C!St:S IJ ~.<.; P.AR':\. ( \ <:; <i UTRn$
AHócha quem menos odeia 19• Reconhecem,se: sem ditic.uldadé as duas
l.Jeseadas" p roust1al)a5.
1
EdiQío brasileira, Fi6dor Dost.oievliki, Os rrmã'os Karamazou. São. Paulo, Ed. Círçolo
?
do Livro. (N.E.)
2
°Cap. ll, 1 (N:E.)
100
ME-NT IRk .lH')M:á.NT,tCA E VE..RD"ADE R0M:ANESG_A
o. Jjõm~tj:i :él0. stfusolo ,a adorar, a· abumina-r 1 a. des.mo.ronar em J;5fan·r,os
aos pés de. seu tnediâd.0r, a lhe enviar.rn.ensa,g;ens in.c oerentes Ghei.a:n ie
insaítqs e de a'fe.to Iílé'$dad~s:. Çornfjrêencle,mos perfeifaJ1iénte bem,,
~m co11.trapart:ida 1 a que 'tentaçãb Gilberte Swãnn s:ú.Çll;mbe quando
escreve à· duquesa cEe ÇúernJ'.~ ntes. Por iç.j,~stificacla, a n c)S·~Qs: Glh<Js·.
que seja .a ím.ifüçã:0 du esnnbe, el<JJo é ainda müi.co mais (!Q'e a lrt11t:ê,fçio
do hêrói êl0st9.ievsktaucL Os vaJor.e s :do ,esnobe taJvez. nâ<<> sejam os
no's5o~ m<1-:s e1es não nos-:.S-ãó 'estt-anhos ª pon'.ti;l de nos escapá.r oornple'--
ram.enre:. Pmva é qp.f.'. h;ôs -Z!2>'1i.gidera:qios ~tmpr~-p:erf~itam~te c,ãp:azes
de detectar um esnobe. Deymasçaranws·, ~ ·.afetação· de sua es_pontá,nei-
dade é de s'ua ori.ginaÍidade, Adivi-Bhitmo·s quai's fenômeuos dé ttin-
tág.Jo literárj'o e sociâJ agiram ·s.o bm dé. Bem sabemos que sup.or:tecS",
s~mpttt lnsufjti~nte:s, d.e pró1urà em pr9J .d~ si, pTóprio na hist6rfa, na
estética e na, p.o.esi-a;, t11:mea ·damo~ ouvi:d:0$ aós pi;e't~XtO,S. que ele alega ..
às simpatias· irresistíveis om,, peTo contdfio·, a-o ~i;r1vi.S1J1() CÍ!Ji~.b com
o. ·qcial ele· procura -reccobrrr a. essência inefável , 1rraci0naf e c01).tutl0
famil\ar .çlo .esnobisn:io.
Os :g tartd~.s ,rómançjstas n}io pmJlhaó.1,,..oo ro,ç ante ·_a suas c.riaçõ·~s-, nem
·nossa irnlignação) .í;lem n6s.so e·ntusÍ'a:smo .. ,É: no~sa
próptia pi1ixão .que
faz .com ·q ue-achemos.uns inqu]gente"s çlem<ilS, :out.tos por dénfais cfuéis.
C:erv~ntl!:s ·eoe:ara Oem Quixote eomo Proust encara 0 bar~b' de; C.hat-
1~. Se não not.,ún.o.s as anafog.ias, entre todos esses :heI'óics é p;arque sua
1QJ
C~J>f:ri.J LO i - QS HQM·ENS Stll,,ÀCJ D~lJS.ts 1,lNS PARA 0.$ óui-RQS.
proximidade ou seu afastamento nos torna semelhantes às ve,zes aos pais
severos de Mãrçe], bú:tras ve.ze-s à indulgent.e av.ó.
Cada ctíaturà que oós fuzsotre.r pode repre,sencar para nós uma divinda-
de da.qual~ a'J)cnas um reflexo frc1gmen táriõ e a demideira ma11ifestaçâ.o,
diviodade [ ldei~J gue, (;ôntemplada tão-somente como ideia, para lqgci
transntuda e m alegiia ii .dc)r qµe é.xp.erime.ntávi3mos, 21
10~
l\l f.N TlR,"- R!)/o.\Í\N 'TI< A f' VERDADF RU~IAN F.~Ctr
tatf$ic<1- 4e D.<;>stoíev~kr, Proust Jamafs ~Ptf!la a tfaqséendência de~viatla
ooi).1 a força .de· D0~l91~vs~J -oµ .rnesm-o .de Stendhal, p·ois de tl'ãú exa-
mina 0 · problema da liberdade c0m a. profundi&.d~ deste último. :Muito
segw'_idamente, CQÍJlO -vtmp} mais ác.i.;rria,, l\0.1;1.st '.a:dota, Qa pareC:e ,adotar,.
uma téorla salrp;sísta dp de::~ej'o qu~:tra:f' com:pleta:r nehte a·exp"<(ti~~ia de
suas perso11ag~ns.
103
( ..~P'f'F'l'lLO :i - O:'i "1'-l.fl:,:1:Ef,JS SER,~<9 'D E0:S-P.~ l11'<S P:4.ll.Ac OS' OtJTR;O.$.
vo~abulátío da tr_a nscendêocia é e_spantosamente rico nes-se romaneista
que não f.ala nuocar ou quase nunca·, de metafísiça e de réligião.
104
flita o sagrado fingido que ela 9 bteve d.o mediador: A\ ~age.'.ti;l: teerwi_a o
sa:grad@~omQ u·ru eto. reênvi a ~. som rumo .a ·seu Íu.ga,r· de origem. Ess.e
jog:O: Tl.ã°Ó é gr~tgltó. Ele ,!1~0 de~lTQ"i Q re-átistn,0 do d.eset,6, e!e•o. CThffipSe
e
i;,~rfefoamente. Qqm .~fetm, tudo falso np-,desejo\ tudo. é te'çitral e·a:rri--
'ficial exceto a fome ímensa de -sagrado, 6 ess-a fome (õfue metamorfoseia
o$ e1titie)itéis cl.e· umá p<Íbre ~ posiüv.a ex1~tê_rtçía a_ ssí_m que: a o ~iànça
çíe~cobre seu- Deu$, :assl!J1 ~ue ela. coj)sesgue Tál;lça.r sol;ir.e o Outro, 1s'Qbnt
seu mecliad.1:n:; a onipotência divina cujo fard0 a trsmaga.
l {p,
106
MEN'r lRA ROMÂNTl(:A E \.' ÉRÚA!) Ê IROM/\('Jl;S C~.
as met#°õrã.s teligios.à'S; ·é efa qq½ revel_q a ·fun:ção divina € .<lfmonfaca cfo
mediadoc Não.. ~re deve. 1.i:Qi:itar _seus dejtos à~ leml1,rat1ças mais ântig-as e
mais fefrz:és. A memória afotiv·aJ nunca é mais nt-cess-ária· ® que m.os pe~
nodq-s, de an~§tia, pois· é. da.-~e dissipa éa;s· 11évóas dú ó<Íio'. A memória
a:fe-tiva intei;v~ em tod,a á. sé_rie rtemporal_. era cb;1réia tant.C::J•Q infe:tn.Q de
Sodoma e Dornorr.a ({Ftanto o parafso.dg Combray.
·1 07
CAP"f'T\JbO ::i - 0.S 80&.\l:NS SERÃO' DEUSES IJNS l?ii.R'A OS -OW,TR'OS
J
O objeto está pâfa o me.d:iãdor torno. a relJqu_ia é_s d para o· santo. 0 '
tei;ço sde ,que ,último fez ;ttSo, a mupa qHe vestiu são mais. procurados que
.a me.dalhâ rneram.ent'c tocada ou abenço.~d-0 ..p·Qf ek. Ô :valor de, umq
~ehqu..ia d,ê.p{tti:â~ da 11â1S.tânçí'â11 ·que a separa do sa:tito. D t1_1esmo se dá
.çQt;n q c b_i.eto r1.o des~jo metafísico.
il'ü'
M.E_NTI RA ROMÂN.TI ~ . E VERDADE ROMANl::S C~
n'3., inúlher que .ela 'a.!m..ej.a ser, não es'tãc§ .na prdvín.c4a. Rodofphe e Léom
aindi ·nã:o pAs:s~m de :5piuç:ões· .iri-étaf(sl'ta'S qe i:dtim~ tçcurso .. Eles .são
pr.atlcamente irrt~rcamb.tív:t:is. N áQ recebem do r;oedi'ador s'e-11,â.9- uma
luz debiJitacl:a.
111
IÜ
Rà.ctlãti.n:.une-rite ó h'etó(
1°1'3
CAl'Ú: UL(J l - AS ;-.Jtf.A.MOiFüSQS ,D<)S LJÊ~H'),<;
Emma Bovary experimenta'ainda-,o ,gozo , pàis ~eu desejo não é muito.me-
e
tafísico. O praz~ 1.á b~ m enor nos vaiciosos de StendhaL Aproxima-
darnente zerado no o:rom€nto da cqnquista, .ele reaparece frequentern~te
quando a virtude metafí.siea se·evap~rou. Naobra de Proust o· prazer d~a-
paraceu qúãse que totalmente. Em Dosmievski é)~ yá rrem vern ao caso.
fl4
t-._\l; NTI RA lrÇ>MÁRT ICA F. V.E.R8 AD1: ROM..A..N J:SCA
ni.ngue.m o sepai:a desse Eu abje'to. e hnmílhç.q.o qu-e ,O desej0 reéobrla,.
pót as~:im dizer,, d~ um futuro pror:nissór. .Q herói µri:va.do .de rlese:)o
cerre o r~co ·de Gair n·q abi?mo do pres.êt'rte com.o um poceir;0 .cuja cor-
da se patürJ.a.. Com:o @ed~ ~le es~apar de .seu hotrir:,j:l,tnte d~~tinQ-?
Elé 1tãó pode ·negar 'Q rracâssó de •seu desejq, OlãS pode ltmitar-Th~ :as,
oonseqµêbda.s ao óbj,et9 àgôfq.. j)élSSUíê(çi e, talv~.? aO IÍl~dia,dor .q ue O '
d.e.signou . .A ·d_ecep.ção não pmva· a al:m1.rdidçde dê' todôs o~ deseros. trt:ê-
téfrysitQs, màs ~ p-bswdidâ:de·dess~·desej_o particular ,gue·ac·a0a· de d~c;ep-
e\ona:r. O ~eró1' çeconh~ce qu(t d~ sé ~ngano11. Ú objeto jamais teve o
valor "inLcíátíco que ele lhe i)'trib\}fp. Co-otu~o é'S_Se \la]ot,,~levai tfânsfori-
1.o para o~t.ro ltr~ar, para um se'g-ufldo -obj_'eto 1 par.a um novo, çl.esej.o. O
h~r.p'i vai atr13,\le_S~-ar- a ~istêm:í1! d~ d~ej0 em ê:l~sejo .c omo. se atrav€ssa
um riac;:ho saltando sobre pedra-s e~<:;o)Teg,a~jas .
!,
1
.Oi,ra~. póssibitidack:S· St' ápres~ntarii . O herói dé.éepdo:natlo pocfe .f azer
~um que um )JGvq objeto Jhe s~j? apõntad'o por seü antigo. m.e.diadot';
pod.e também tr@car de medi'ador. Adedsâp n.ãp diz r~~J?<::it0 ném ,à "ps"t-
C.Ql~g1a'', .rtefn ~ 1ib~dad.<l 'i da dependê, como .t antos outroS" .i~:P~ctbs
1
11'5
ÇAP.ÍTULO. a - AS 11,fÜA},jOR~QSES UC!JS DES;EJ(')!i
mediador com uma riqueza dê detalhes extraordinária. O evento é 'lllna
verdadeira revolução na existência d o sujé ito. Todos os e lementos dessa
existência estão torno que presos a um ímã q ue é o rnediadorr é -d ele que
depende a hiei"a-rquià éri;l qtre· ~~ loserem e até" m~sr:no-$Ua significação'.
É pois éompreensível quç:. p heróí faça o que· estb;,er em seu poder para
retar-dar üma éxpcriênc.i.a q ue é necessariamente m tJitc:> doh}:rosa.
11.6
que est_ão hiening:w z·a dos de modo p·e rmaneme, ou ten;rpotári_o\ 11-0s·
d'etrfais rà!tiant}stas ~s.t(io ç1,qlli ~ri:l éstado· caótic.o.. Frequentemente, :q
homem d.q ~t.thsolo ~tá a_t'é mi=?mo diJaçera.tlQ pm· var.las mediações
sim ui rânéa's. Elé é. um ser diferente a cada instante da .duração: e. para
cada :um de seus i1)terlott rtotes. Eis- aí o polimorfis1'tlo· do set dostô{évskia~
no q.u e t'Qdos 0s. «ríticos reg,straram_.
1
Jean-.Pau! (f-ri~drlch) Richter,.D"' !<onut oderNikolans Margyra]; Gõppingen: Kµmrperle,
1972. (N.É.)
1 l,8.
119'
As pess9as daquela ép0ca di,s tante (juro-lhe quç isto sern:pn:: me terru
q atenção) eram muitQ dilerenté ; da~ .da. nossa: eram cómo um.a outra
(aça ... Naqueles ,empos era::-se· dé certo m9do o hqmem cfuma ·só ideia;
nossos con~einporâneps sã:.o mais nervosôs, mai_s desenvolvidos, ma.is
sensíveis, capãzes de seguir duas o a três ideias ao mesmo tef!Ipo ... O
homem rnod~rno é m:ais âmp lo: Isto lmpeâe, gí3\:anto-lhe, gue se seja
do'ína <;ó pe~, como se eril nos stcu.Les passados.''
J2l)
Mf; NTTRA ROM ÂNTICA E \N!;ll,[)i\.DF- R.n 1\.1Al'1ESC"A
subsoto1, verdacl.eJr.G5 trapd humançi ·éntt~gjie ~ v,ç-r-gonI~a ·e .à :servidão,
catâ-vent0 íriisóri0 nnrado na-s ruínas do '"hµmai;iJsm.o 'óddent,çJ\
(ll
CAPfT11L'O 1. - AS !vtE'Ti\M0RF. b 6E} QOS p l:)sE_lqS,
4
O AMó· E .o ESCRAVO
Não s:e d~ve c onGluir, CoJ1} os r0."mâ·]Jtít.0S. e todó,s c}s ,defen_~ores dos
0:prirjüdos .literários, que Ce.:rvantes. fü1alm.ente se dec'i:diu ,a c-cmftmdir
os "Jr:iti:n.{gó:~ do ide.à.!"' e ti. vingai .a:s afrontas ç·orn que J~'le não µ_ara- de
com emplar Dom Quix.q.te. Um dos grãncl~$ çtf:$.1ffi<,:ntQs a favor da
r
irt'tetpretação romântica é a escassa Sl!I1patia que Cervantes visivel-
mente tem p.or aqueles que ~ê metem a querer curar seu heró.i. Já que
éle é çoritra. os. pregadorns qtre pers~guem Do.m Quixote, só pode ·estar
aJai,or, dess~ ultimo. É assim que fu:nciotia noss.a lógica româ ntka. Cer-
vantes é ao mesmo ternpo-muito mais simpfos·e muito mais sutil. Nada.
está mais, afastado deJe do que ~-çon.cepçâo hugúes11:a e jus.tice.ira do
romance. 'Ele quer pura e simplesmente nos mostrar que Dom Quix.o te
es·palha a seu retfor a doença ootológka. O contágio, patente no casQ
de S~mcho, se estertdé à todos os seres que .e·sse hé-tói frequenta e rnbre-
tudo àtfueles que sua loururli escanda-liza vi1. i;ui~gna.
1
Dom· Qijixote p. 404. op,cit. (N :E:)
124
2
f:de.m . p..6.2~- (N.E.)
ns
ÇA.P(T'U !,.Ó 4 ~ Ç) AMÔ E Çj É~{:RAV.~
É essa .mesma :vertigem que leva V~'lfchanfuo.v à casa da noiva de Pavel
Pavlov~tch. Espera:-se , também ness.e caso, Lmia recusa mais vigorosa.
Mas Veltchaninov aceita õ convite; como Lotário, ele entra ó.q jogo d€
seu parceiro ·e m mediação ; Dostóiévski 'n<is diz que ele é vfrima q.e "um
bi.z arro arrebatamentd'. Nâ@ se esgotaria nuncà a lista das semelhanças
entre O Etei:n.o M,,irido e O Carioso..impertinmte!
1115
Mf: NT IR.4 Ro;,.,iÀt,;Tl'C A E VC:RL)At) E R!1!\\;\NF,!>CA
Lemo.s ·a,,gfüa urn sujdt0.,n,ec;l,iado'!' ~ ,Ü llJ tt\edia·clor-is!ttjeito.. um modelQ_º
tli5.çfo.uI0 e UDl di:s.c;ípulo'-modelo. Cada qual hnka o otttro más afimla.
-ao meswq 't<?_rrtpo, ·a prlorict.~de- ,e a ~nterio.r1clade de s.eu pr6pr'iq ~esejó.
Cada qual vê· no c,utto. rnti pêl_'pê·g.lJi_çlor atro:mnenJt crud. T 0.d'.0s os· m-
lacior,Jam.e ntos são simétrieos,, os, dc.:iis parneit.os acrédi:t-am-s~ se·p;rrád.os
pbtorn à_bTsúlç ins<i ndávél., mas nada se pode dizer de um que nã9 $f#ia
·igua1rn:eme válido para 9 oµtn) . Ê.a ·o posi.Ç'âP efst~til dos eontrârios,, cada
vez rnai.s a:tr02:. e cada..ve-z m~i's-vã·a m.edída qaé ô'$: ê:l:qis sujititos·se: apro-
.is:.iJnam Ún:i elo QU!.f.0 e CJ.U~ :SCU desejo se int~nsi h.Géi,
Quanto p:ia..i_s inte:ttso .9 õ.dio, ó.\à.s el~ !1.QS: .apj-6:xlma do. ti:val ex.ecrad:o.
t udo ·O· que ,ele sugere .a ~...êle o. s9getg, 't"dtpp:c:hn: a:o ~\l,tJ.10;, í11clutnd0
p &~sejp d·~ ~~ diitinJltdr a qualquer pr~~o. Desse modo 1 ps trmão~ i1Jim·i 0
gos sernp_i:e optam_pêÍO$ 1Tl€STPO~ caminhos par-a sua maior r.aiva. Ele·s
lembram os. dois alrnotace)s de Dp:111 Qtti>.;bte que pêtcorrem ·ç1 montanha
ztitrand~t êm bústêl de um burro perdido. A ,:rnuaçlio' :é tão, tnar-avtlhósà
41.J..ê a·s dõj~ comJ:lanh~ijro_s: s-ão a ca.dá lns.tar,ite revados um para Jumn do
outro , pensa11d0 t~e_:rü eócoi:itta,do o ,mirnà-L ·Mas· o .à,rtlm.al n'ão existe
mais, bs lobos o devoraram.
Todas ·aq,uel!)f; çn-at.!.ffi!5:,. ftngi'nço n.ã'O vn pax:a r'm,inUar ~ue· não. lhes·
'importavart\, má~ o'ilnndp t:!isfarçadttmeote, pal'<l evi~!' ~cQr:ir!f>p.s, as,
ptssoas· que~anciavam a seu lad'o ou-vint1'am êm S'ehtidó (nvéfs0, não QQSª
117
:CAP'ITIJL(l) 4 - O A},1O, E e,) 'E$-€ -R'.kV1)
tanre se dio:cavam com elas~ enre~avjUll~se nelat pórque tii:iham sid.9.
reciprQcamenre, da sua parte, obj.eto da mesrna ·a tenção secreta oçulr.a
sob o mesmo apare nt.e desdéml.
U.m póuco mais tarde,. em:retanto, vé'mQs. Valenod propor .a JuHen que
este v enha 'trâbalbar para de. Estaria Stendhal confundindo o Valenqá
imaginado pe lo sr . d.e Rêf!al com o Valenod real que ném sequer pensa
,em JuHe.111-Stendhai não está coafü:ndid'o nada; Exatamente com_o Cer-
vantes, ele tem a 'intenção de re-x,-elar a·na:tuteza contagiante do desejo
metafísico. R:ênal acr~dttava ítnitar o desejo de Valenod, :e agora é Vale-
noçl quem ünita o desej0. de Rfnat.
12_8
Ml;i--lirRA R9MADlT1 CA E VR:R-DAD_[ . R(i,M AN ESCA
int:en:nétlro de um _pr0cedimeoto análpgo q,(Je povo,s e polfücos Jogat[J_
~ns nas costàs, dos :out_r_es:,. em sã c0nsciência,, ,a- 'respcmsabil-id11de pdb'S
.~Q:nJJit9s q~t'. os qpÕ'e,rrL
Julien ~ik q;1Ja11to cvale, mas- esse valor não ~em nacfa a ver ,c om :seus
pritnefro~ ~ucessos, Os arte~ã9.5: de su_a .Cª-JTê.iJ;'9- nã.o têm por ele f!en.hurn
io teresse verdad~i-r.o,, .'i'len:~ ~ .afeiç~o: síntera_. Ees são .i_oça_p,A;?;és d~
µ,Rrec'i.àr os pr.ésfü:nos que julierr pDde 1-bes oferecer_ Ê. sua riVêtl'idade
qú~ a$s~@lra_a Ju.lien aumentos de·salãrio e persp:ec:::.tiva:s. pata o futuro.;
é essa rivalidade que lhé ábt:é 'a,s, vortas_·<l4 resi'dê.ritta do_s-·de Ia Molé.
Entre o vertlacleim Juft-en e o Julien pelo qual 1:,ii;ga_rn qs ·dois di~ítátj'és
de Verrtêres à di~t~nq_a é tão .g rande .GJ\(ant0 ,a :que há en.tre a bacia de
barbe.ar e o :elmo 4~ Martrbrinq" m~ ê.S-$<\;di$t.ânc::ip. ~ de o.atr:a natureza.
A :ilusã.0 o-âe é diverti"da:1 com.9 a d~· Dom Qaixo.t~,, _rn~s- por estrªnho
que par~_ça -é por(flJé d~rxou de sê-10., que se 1he eiá eredito,. O ver~dei-
ro l?urgués iicted.ità exchJ~lv-anreo:t~ eni banq.1idades desagra-dáv@:is, Ele
1
\t9'
CA·P ITULO J ~ 0 AMü E O :E5 GRA.VO
Quixoté, tinge estar morta, depois ressuscitar, daí déséreve açs pre·sen-
tes sua estada na~ sombras:
1"30
ME~ T I RA ROMÃN'TI CA E V ERDADE ROMANESCA
os jogad~res. A nan:ativa de Al:tfúcj.o-ra e µtna .âl.e.goüa bastante çLãra.
q_u.e_fêní por .alvo Do:m Quixote,. p,ois é a Dom Quüto.t e que P: Q]lo·ça ,se
dírige. Estarnos, c!l'iâ~, di~.nte dó QtJ~ .d<l ao: trecli.o· seu tom eni,gmát:i-
c0: essa· história, não n;i'.ãJ,s .qne a: n'Ovd,a d~ rro
(úrlbso: imp(':rtjh~ate'11 ,
r;)~ú 'F).arete e'f;far em seu dev.ido· lugar ·n@romai:rc~ de Dom -Qtrix'_ó te.
Nãp se Pet:teb€ qu13:{ ~ r~lãção ·qué· l'ig:a a sublime ioucura czaval.he:i.rescà
à sórd-ida paixã~. dos jqgr.rc;i'qr~s Infernais.. 'É est.ã rda9ão· quez a teo -
.ria. metafJsiça tfo desejo e a ;passag.en:r ;·n.~vjtá.v~l d.a mediê!~O ~>Çte'.i"n.~
.-ã rn:eclfação íntetna vêm esclareeer. ·É ia .uni.d.ade do c±e~ej.o tr~angulat
que Cervantes, afltmâ lnYnic;pntnte ness~ ÇJIJ'íQSiI r.):a.r.ra-trva:, Teclo d:e -
sejo seia.ndu o Ou.tro., p<Jr nohr.e .e inofen_siyó que nQ1 pg"r:e,ça ciu s.eüs.
primõrdiOo5~. 9-0'a-Stâ puuc:o a. p,o uco -sua -v{t.ima às regiõts 1rtf~<ats. À
·m~di<.fção so)jtá_ria: e lóú[:;inqti?.·d:e Dom QuiJf0Je s~iue-se a medi.açã.o:
dupla. Os cQntendo-res. do j'qgo.de péla n·ãq -s ãó j;ãmals inJerio-r_e~ a:doi~
m;,,s 5-fú. núm~ro pode cres.c er i'9clefirüdam.ente. Ahj.s-íd:ota declàra v~-
g,amé't'tte ·g4e' eh vn,1.°é(trca de urnã ·dúzia'' dé .füâbos. De dap1a que e-ra,.
a rnediaç-ãl.o redpr©'"ea p'CYd~ tornar~se triplà, qciâ.drupJa,, rnúlJj pla. °El.a.
p.b.d~ acabç1,t- af.etãndo .a ce.Ae-rividade como· um md'c;,'. E o jQgó r~p'ido
çlc1s ''pâ_s de f9gç/' sirq_nóJiz,a a açe-letação prodigiosa do proces_s9 p)é-
tafís:i:cn ,q uando :-.e-.çhe-ga. às 1"pott~_s"· tió-infernô, i..c,to é). aos derradeiro&
estágio:s da mediação..
têsten1J.;1nho a ?eu f?vó't, As consequências ·que ela acarreta !ião taÇ) es.-
pet'acula:res que çeu ge)me q,.,rii;rtérJco D.Cê! ént~rr~do· pa.ra s.eri1p,re" Todos
0s v-i1lor~s -~o arra-s tados neGs-e 111rbi.lhão:. Mpde;Iós e- e6p\-ás se rc::IiO.Vé:!_én
c;;ada Vç:z mais d .½prç.<s~ ao iredo.r do.burguês G;l1e n@m .,por is50 deixa tfe-
viver no etern:o,, eternamen~e extáfitO. dianYe d.-:i óltima niódá·1 do último
ido.L~.; do último sfog'mL As ,ddas :e t'tS hnt:nen.s, o~ S'istemas: e 2,1_s fóuíiülâ~
se: grçédém :numa. ro:d.a c;á.dâ vé.z mais .e!>téiiL Eis o -vemfl ~ a borra cru.e-
(~1
.t',t\·t'ffl.JI.;~).: A ,\J'. A',10 E·<> P..SC1U\'<i
os jogadores demoníacos de Alti.S,idora rebatem entre si. Como sempre
ell) Cérvantes,, 0s aspectos lire.ráric:;,s da sugestão são partkularm,énte re-
alçados. A cada golp.e de pâ:1 "gastava.m livros novos e velhos1, que era
mesmo uma marav!Jh<,i.11 Passa-se pouço a pó~cQ .dos romances de .cava-
lar ia aos .romances-folhetins e às formas moden}~S da sugestão t::oletiva,
·sé1Upre mais abundante, sempre i:nais obcecante ... É assim .gue a pub{i,.
'tidade 01-ªiS hábil não procura nos convencer que- um dadn ptoduto é
excelente e sim que ele é desejado pelos Outros. A estrutura ttiangulàr
penetra l)bs mínimos detalhes da ·vida ·cotidianà. À medtda que se desce
para dentro do inferno da mediação rec(próca o processo descrito por
Cer:viantes s.e t oro.a mais. e m;3.is universal , mais e mais irrisqrio-, máís, ·e
mai$ catâ'strófico.
132
M'RNT!RA ROMÂNTICA !: V:ÉRDADE RO.MANES:CA
pda cJ,rhi:\dq e .pelP. Gor:p.o dessa ,amada, .O ·cles:e jo sexual.;. GO!l\.C> todos
o_s desejçr~ tt_ia1tgul~re1,, ê tetnpJ;e cónta~ióS'Q. Q~~m diz cbntá~io cli;a,
obrig-a~orfameme.; ·seg'.lfrrclo: de,stjo inç:1_dj'ndo sol5t~ o m.i:$11Jô ooj.~Jó q~e
0 nrimei.ro· desejo .. lnütar o desejo de •seu arname é d~sejar-se' a.si. prd~rio
133'
CAP-(Tl,JLÓ 4 - Q ·AMÓ. ~ 0 'f.SÇRA,VO
oposição linha p o r linha ·e po t:1to por p.o nto entre duas Bgu.ra_s .s imétricas:
e d~ sentido ·inverso.
5
j\lcesre,.per$onag~m do i\li,antro-po , de Molfor<t ( 1õ~6). Edlç:ão brasileira, ()' lcirti{Ío1 <J
11u,mntropo_: 2,ed. S.ão Pauló, l\.fa1"üfl!> Fanfes, 1005. iN.E.1
1" O ·e::oqué.fümp t: pçir $inal uma med1a~âo m·úitô' in!'itáv<!I: à tlor i:la pele , e que exige
ser con~ an temençe r-enovado ,P<·>r novos de•fejo~. l;:k perJ;enc~·às reg:iõt:.s sup:enofc~ da
:mediação im em a. Q uan.do:o mediador se apmxi ma do suJeito deséjan te, o coqúétil'.1p o·
,des:aparece: A mulher amada nã:Q sucumbe ao <.:orttági'o d<t seu aníorifo . O ·desprezo
sea~to que e la v~,.a a ~i m !:'.,'ima ~ intenso demaí._. p.ar~ que. p· desejo do ama nt e possa
strvir-lh~ dé c:on tra_pe!íO. Esse desejo nãô ,cl~va â rnu lh_er a seus p.rÓf)rios <>lhos, ma:s
d e rebaix;i o a:mante. Est e último ijta .=ts.soci:ad<> ap reino· do banal, do insípido, e do·
sótd1du onde' hahífam t), tibjetos q:ir 5e.JeixmH poss11id N. A. /
1ii!
~ Mane-)eanne Durry,,. tli:(uberl et ses ·projets ,neà:ls [FÍaube'rt' é ~fos 'pi;:o'jetos· ínêdi'tó.:;J°,
p ,,25 cr--r._A)
ns
CA1'Í1'ULO 4 - Q AM,o ; F {) ESCRA:V(,)'
um s6 :tempo. sutil e grosseira da linguagem. São como o dia e a noite o
c1mor cfe Mathild.@e·o da sra. deRênal,, ma,s emprega--se a ,mesma palavra
paTa ambos os séntln;lentos .
O que tka tmpfkito nos amantes de. Thomas e .d~ Béroul está ,perfeh'a-
mente explíçi to no romance stendhaliano. Tal como doi$ .dançar1.nos,
que obedecem à batuta de. ill11 maestro invisíve! 1 ambos ds parçe°rros
:observam uma simetria perfeita: o mecanismo de seu desejo é idêrtti-
co. Ao ·fingir indifetc;nça, Julien dá corda, em Math:flde., a .uma Tiióla
se:melhante .a de $~U próprio mtc·anismo,, i:uja chave está em poder d~
móç·a. A tn_ediação dupla transform_a as relações ámorosas em uma luta
que se desenvolve conforme· regras imutáveis. A vitória pert~nGe àquele
dos dois amantt.:s que melhor ::-u>tentar -sua mentira. Rev~lar seu desejo
é (!ma falta tanto menos .perdoável qu~ não se estará mais centadq a
cometê-ta tão logo o parceiro a tiver ele _prop_río comeüdo·.
138
:nssá cliáléticâ d-o ''. amo e do: escrr-avo'' apresenta f,urinsas-ana1ogia~, e tam-
bém ~and~s ~hferenç~~. çom a.d.i~létiça.h.eg€Li~na. A dialética he-gellana
se sfrua :num· pa~sa.do de Viplê'nda:. '.EJá e:sg·Gta seu~ óhimqs efe'it0~ ~E:lm
o ad,vento de Napnleão. jâ! a di.alétie:a r::oman:esca a:pare0e ·no :tJn iV\;fSb
p~}-Da]?Qkônit.ô. Taií.to t?,ara, Stendhal éo.füo para t-l'egd,,,0 Feinado da
VJolên<da t~d.i,vid.ual está entertãdQ; ~e ,:-dnà~ô deve dar Juga.r !l Qµfrq
coisa. Hegel c.orrfia n a lógic;;a e 11a r,eAexâo h\st(Yr_iqi: (Jara .detetminar
e~a Qútra CQ)~a, ·Qúaridp a Vio:iêf)€Ía ·e Q ar0it,r,a:rio, de-íx-am de reiflar n0S-
te).aç_içri;J.êl.fjJ:é)ltOS htrrnànô$, a Befriedigtm,9,,. ~ reéôncí li~çãQ., deve: st.Jç~dê-
1.os_necessari,amente. Ó -reina.de do. Espírito ttm que .cpmeç:ar. Os heg~~
lia.Qos cop_teJDp.or:ãn~os:, \é em partieul.ar os marKista:&,, .não, renmrciaram
a essp. .e~-p'e;ran.ça. Eles ~irnple?rneote ptot½hiram o ·acívepto elo Espfrito,
H egel, dizem eles, se ~f\gqnou µ'Ql pm.1co:na·.d;,.ta, Ele não .soube tr:idepr,
em seus·cáltnd05, O,S fatores econâmícos" .
J.3?
CAP'IT'l:!U.J. 4 - ·O AMO ~ n E~CM.V,()
r.ecotrcil}ação. A vaidade stendh_a1i.ãna, o esnobismo p:roustial'lo ·e o sub-
solo dosr9ievsklan9_s.ão a nova forma qúe assume a luta .das co·n sdênda.s
num universo de não-violência fistca e 1 caso netes.sárro, de n.ão-vio l~nda
.econômica" A. força não past;a dà àrma mais grosseira para as cons.ciên-
cias pnedispo·stas umas contra•as outras e con0ídas por sua própria nuli-
dade. 'Prive-as dessa anna, nos di.z Stendbal, e elaS. fabricarão npvas, gue
os sêculos passados não s0uberãtn prever. Esçolher:ãô novo,s terrenos de
combat~, corno ~ses jogado:res jp,.pénítentes que uma legi~láçã.o pater-
t19clista nâG sabería proteger ·d@ si próp;ri_0s, pois eles inventam, a cada
proiblção, aovas termas de perdtr seu dinheiro . Sej~ qual foT ,o ·sisten~a
político· e social çiue se consiga lhes impor, os homens não ~lcançarão
nem a f.elicidade nem a paz com que sonham..os revolucionários; nem e\
harmonia dos balidos com qu~ s~ assustam os.:rea~ionários. Eles &empl'e
se entendecão o. bastante para nunca 5~ entenderem. Eles se adaptarão às
circuntâncias q,ue paré.c em a_s menos propf.c ias à discórdia e invent<lião
s.em. descanso novas formas de conflito.
&38
MliNTl,RA R.C1MÀNT IC.A E V~R.DAD'E ~ () MAN.ESC A
'"'élm~nte. [la. m~dida e-iata em qhe e:k r.éc.cinhet:::e SJ.f<i própria servidão,,
t~,teia .o ·ca:i;i;!Jnh~ 'huno ~ç, c9ntretó, l!Yto E-,. ti.mi'o ~ ê,sté djá1~~ó=h9sttl
en'.tre o Eu e o Outro que par0dia a .luta hegeliana pelo rncorlhecLweé)W.
'139
O VER.A1E'LHO· E O NEG.R·O
Sonha-se COJÍL urna chave ~C!Offi)e liJ\.l,e abriria todas as por-tas da obra.
~ é um ntólho l,nt.~iro de çh,áves. qué :se· tf~. ÇJ.tràndo se volta :s-ijo.é saJ-
V(:l :das pueri's· (ària:s a:J?auLinee cfo Di'ári'o e cl~ Filõso}rà nova:·:· Todo -
2
1
l,
1 esse
1
Stêf}dhàl l,.elf!'es n,Paulille, P'1lrÍ~: s~ui1, 1'994. (t.J.E,)
1
1,c;l.~rn . )Q!l,(H{i/ ~e'1J.OJ'(J__/J.f-:-'de l3o;rd~u...: ,in PQtlf Lt-\1 ·oard. Piiris: te Oivan, ,1937;, e·Ur;r(j.gr:ie
ES:: Pimi:entos, ::zb·o t .tN.f.) -
' Jdeh\ P'ens.fü, füosd~ nov.a.. Parls-: J_é D ivá.n, J9.3 1 (t,./.E,)
ferró-Y~lho faz muito barulho mas .as pórtas, se mantêm fodi~das. Ja-
mais-se expli"cará urna página seq11.er de O Ver.mdh9 e Q Negro com a ajuda
de Cabánis ou de Destutt de Tracy. Com exceçâó de um punhado de
empréstimos sem futuro algum ·ao si~t~ma dos temperarn~ntôs n~o se
enctmtra li1afs qü:alqüer ves-tfgio da.s ~otiàs·ditj,U,ve:ntude nos rotminces
d.a maturidade. Stendlial é um dos raros· pe;n.sado;res de seu tempo a,
tet conquistado sua :independência com relação aos g~antes da épp.<:;a
_precedepte; É Justamente. por isso q_1.1e ele pode p_restar .a os deuses de.
sua juventude uma b:qmenagem de 'igual para igual'. A maioria de seus-
contemporâneos rnmântkos ·são ipcap,azes de Fa2ter o mesmo . GúiI.lde
·é sua co.nd~se::endência pata c9ro o. panteão nacionalista, tr\a.s se por
capricho eles se põem a raciocinar, tem -se ·a i_mpréssão de estar de vol-
ta ao século das Luzes. As opiniões são diferent~; e a_té áQtitéticas; os
aüibientes i:me lectuais nã'd mudar.arn.
142
MHfl'J.RA R.G,\1A:NT ICÁ E V1: kDA C
H: &OM"I\ N ES"CA
adrntrávels d0 séoulo XVUL- Por que, pergunta ó pretenso· discípu·
lo, esses observadores perspicazes. que são os Aló:!iofos se e:ng~âram
tão ra,dical rt)ente em suas vísões. do futuro? No 'fim de
Memóritis de uni
Turisfa. esse .tema .do éfró fí19sôfíçQ é r~tomado e a,prnfunda:do-. 5ten~
dhal não encontra nada, em Montesquieu, que permita con.denar nm
Lu(s-FeÜpe. O rei-burguês traz aos frances~s uma ljberdáde e uma
prosperidade superj.o res a tudo o que se·viu antes dei.e. O or!)g;resso é
real, mas não acarreta no~ a-d.ministrados a intens:ificaçãO' da felicici~de
pFevista pelos teóricbs.
143
CAPÍTULO 5 - O VERAiHLH O E D NEGR.O
Essa pergunta não é· original. Todo mundo. ou quase, a colocava n.á
époça d~ Stendhãl. Mas raros são os que-a faz~rn dê boa ~fé e n,ão resol-
veram a questão a priori pedu:ido uma revolução. a 111ais ôll uma· revolução
cl menos. Em seus escritos _ oão-roma_nesccis Stenclhal parece pedir fre-
quentemente: -essas duas coisas a0 me~mo tempo. Nã.o se deve no entan-
to atribuir muita importân<::ia a· esses textos s~c4ndários. A V~r.dadeira
res.posta de ~tendhal s_e. confunde éQlJl a obra romanesca; ela está es-
párs-a r,iess.a obra; é difusa; está repleta de hesíta:ções ·e d~ r.etomadas e se
mostra tão prudente q;rraoto S.tendhal pade se m.o strar' taxativo quando
expressa, freçte a outras opiniões, sua -opinião "pessoal'' ..
Pôr que os h-Qmens não sãp. felizes no rn.un.do moderno? A resposta çle.
Stendhal não pode ser formulada na linguagem dos part idos políticos ou.
das diversas "dêhcías s·oci"qis''. Ela é nonsrnse para o bom senso burguês· ou
para o "idealismo" roníàntiq). Não -s:0mo~ felizes,, diz Stendhal, porque
sof!tos vaidosos.
144
MENTIR-A RO:M ÂNTICA .É V~RDAD E IWMANES'CA
teu:ria. °É essa .co-i ncidênci a, qae fi.~a ilustrada em As Crô:n.ica.s.irakianas 5 , Na.
ltãha dos s~ktilo.s-! IV çz_ XV, âs maJor.es páJxJ5es 11ás.ten1 e se .de.senvol"'
vem na .e1i"te da socje·dack.
Íiss:a com;ordâ-nda rdauiva e1itr.e a: organiza:ç,ão social e a hierarquia na.-
turã) dCls hP.tneps. nãp· pode dârar. Par'<'l. qU€ efa tomec..e a se desfazer.
basta,, at~ t:eytd pon'to, qtíê G nobfe-tome ~onseí'ênda: cie:l,à .. Predsa.sse ter
uma cemparação _p ara se descobrir E\Ufl se é ·superior aos odttos homens.:
quem diz ,c õmpata~ã_o diz a,pníxi.rnaç·ã o·, .cdomiç.ão num m.esmo plano <t,
en:i c.~tta medi.da, ide.ntidctd~ de mtilmento ~nere :ãs,to.isas co.tnpJi.rq.d"a·s.
Nã:~ s~ po:cle: negarµ: igualçj.atfe el)tre os hcrn1et)s se:m anres irísti1:4f-Ja1,
mesmo ·que mui to fugazmente. Ü · vaf~e~vem entre o orgulho e a v.er 0
g·onha, ess~ V-éli-e-vert:i qú~ defi:oe o desejo me.t~ffsKi:Ã j.á, ês't á pr<$_ênt~
rressa pri'm½i-ra çpn;ipar~~~ó. O :i1obre qut c:dmpara j~ é UJTI pqUC:Q. mais
'.nnbre, em senticl.o social, mas o é um _pouco meno.s em sentrdo espirt-
:t.uâL Um t'r.ahalho· d~ iifl<'ix:ãb, é ,desencadeado, glit p,0uto a pouc'0 vai
·sep·arai; ·o nqbte-dê sua pt6p,tia nobreza· e: tram;fomnar esta últfm.~ núrr!a
-s imples po.sse 1 me,dia-d a pdo.oLhar não-nobre. O nobre-·fpois ·o ;ser app.t-
xonadó ,p or ~:xddê:i,i.c:ia,, enquanto indiv.í-duo, mas, a .r10bre.za, eRq_uantcr
dâsse, e$tâ {(ldad~ à va:r<li!_d~ . .Quant_o máis ·ª nb.breza. :se tra)i.sfo'rrtI_ã -~-11!
qr.sra,- mais ela se 'torna heredi;tfiria, !l]ç;is ela: fecha suas 1:pdas ·-a_o _se·r a:_pa_r,..
xunadb que -µo.de-ria vir da' -plebe e mais se agrava' G mal onto lógico_.
:O~.tav.i.rite., a nobre~a o~ó pãni,rá mais dé güi'ar (µD dir.eção. à vaidade as
demais ,~lasses vptadas a i.m.itá-la e de pteced.ê.-la.$ né) carpil)hg fa_t~I dó
desejo metafí'sico;
145
.CAPfTU LG \' - '{ ) ·VJ:R,\tBié!O E<-~ N.liGR:0
j'acbbinos àbonJ_Ínam. É ãm pólítico há:bil que çiesoontia .dos grandes
senhores e que faz da vaidade destes um mefo-de governar, acelerando
assim a dfüerior.ização da ah:nà nobre. A aristocracia se .deixa arrastar
pelo monarca. em rivalidades estéreiS cuja arbitragem é ele quem à?·
sume. O duque de Saint-Simon, lúcido cànqi:.ianto fascinado-peio rei ,
observa qum estado de cólera permanente essa emascu1a~ão d~ nobre-
za. Histo-ria'dot·do ,iódlo impqte11t~1', Saint-Simon é u.rn do~ grande~
profess0res de SteIJdhaf e de Proust.
14.6
MENT IR A ROl>I.Ã.Nil,CA E ~ RÜADE ROMAN.ESC.<\.
hõ.mán.os,, frti:i pouco. menos: humano que eles.. e, conseq1,1,~11t:err_1ente,,
todo il\rmiriado p~fos r.ãio:s div.inos. f:It::·sempre sabe com foda .a exati-
dão à çf~e· Ô}t/e .t o que nijo deve ·Sêr dito. o qµe :dêv.e e .o q!.fe nào deve
ser fettq. D~sse modo., ·~J~ nãq :téçé°i;~ ô ridicuJõ pafã, ~t m~mo.1 aJàs l'í de
bomgrad0 do.ridículo n9~ 0:1.,1.trds. É rid,kulo. ço seu-.e·n t.êncl~r tu.do o qu~
se .afasta,. por p.oucw que ,seja', da últfrna nrnrda da cnne. O -ridíçulo .está
p.o:r ro.da parte qu½ o.â.ó :S.ejarn Versalhes :é Paris. É impossf:v.cl .imagi·nar=
s~ lugar ma_ís ·_f.a-vor<5.veL~~ecJ.os'ªo .d€ .LllÍl ê~a.tro çornic'o quç Jtss~ uni·ven;o
d~ c0rtesâ9~. Ne.r;n -uma (mjca .çtlusáo 'fiça percl.ida corri, um p(fütlçô. ·tãó-
maravi1h0sameme un.0. Diçie.rqt se t~.pp:ntatta bast,qnte· çre, s_aber que :não
se·d mais. n0 .teât r.<0 :q uando nà'a se tem mais um .tiran61' 1'
11
Este ükfrno fat:o. i'l.QS .d~ a -çhavt da situ:ação. A .rr:iedrã.~-~o .e)):terná. ·do
cGn:t@sáo. foi substituída po.I' rnn sistema de mediaç~a i)1tetna 11.0 qual
o· 'próprio: ps'e úd.omonarca t0ma parte. Os, rey0l.Llci.0mirios aere·dffa:varu,
d~~tniít ç:oda ã \rq.ída,rle ao dest.n:tir Q priv:ífigio nobté . .Mas cum a vai da,
de a.Cõtitece o . 1_11t'.~"qio que c:àm esse~ tl,lm9.té~ gtte. não sào ·possíve-is d.e
0perar e se propagam .Po.t ~9do .ó orgãiJ.lsmo.sbb µm:'çt forro.a rhais·gi;~ve
q_uarrdo se acre:dit:a que estejam. e>,.,"tirpad0s, Quem afil;l.J:1l i;.t;rtitàr :quando
11
11 ª0: se úi)it,:i mi!"i'.s o 't'.i;ranc/';, p·assam.-se a pa-r.tir daf a imitar-se uns a.qs
duttos. A. íclõlatriá de 1,1_r:o s6 é su.bsti.tuícla p.elo ódio d_e, cem mil rjvais.;
14½
6
· H6 noté',dé Balz·ac, fo empfoyés. 'Paris, Gallimard, t99ó. (N .E.}
14.8,
MENTI RA llOM Á1lTlCA E. VERD.AD.E ROMANJ!SCA
wol(tloa ·de_t!rn povo, po:demo.s," .dat po:r certG g.Liê Gáda um d'e seu~ êié:J._a.-
dãos•s.ern pre v.e.rç~berá.p~ctp.'de sr 'vlário.s ponws·qt,1.e e dominam e pode,
se ptevp- .q ue dé vqltará Qbs"tinadam~nte seiL olhar sg pára esse 1ª$'10:1
,i.•
1
1
Ale;,ds de TocqueviO(s', À demoüt:aCia na A-mér:ka . 1 a-.rtL ·Sao Paah Mart1 n~ Fõntes1 2005..
I, 7.
1·4-'9
C:AYft \ ílo ~ ~ () \fEJ[J,J.EDifp ~ 'O N~~R,@·
A pc1ssagem da mediação extérna à :mediação interna constitui a fose ~-
prt'ma nà decadência da nobreza. A revolução e a emigração deram fitr.
ao trabalh·o da reflexã:oi o- nobre, ffsicamentt separad.o d.e seus privilé-
gios, fica compélido, desde entã.011 a a.preendê-los em sua verdad~, tju.er
cijz~r em seu caráter ,arbitrário . St~ndhà.1 compreendeu perfeitamente que
a revolúção não p0dia destruir a n0breza arra:ocando-lhe os privilégios.
Mas a. nobreza podrá se de-stn.iJr .a s_l .próprr-a· desejando a.quilo -de que a
burguesia a estava privando e se entre_gando aos sentim~tos ignóbeis
da m~iação interna_ Per-ceber que ·o priVll'égio :~ arbitrário e o desejar
enquanto, tal é, ~vi.deot.e mente., o cúmufo da Vaidade. O nobre' ·pe-nsa·
estar dekndendo sua. nobréza ao hrig.ar por seus privilégios contra as
demais clê_1sses da nação mas e.le a está levs1ndo à soa ruína final. Ele dese-
}a "reaver" seu bem cpmo uni burguês p:oderta fazê-lo e a tnveia bürguesa
atiça seu desejo, at~iquindo um v"alür imenso às ninharia:$ honoríficas.
mais .vazias. Mecliadas uma pda otrt.ra,, as duas classes desejam, a partir
de e-ntãd, as me.smas c0isas d.a :mesma maneira. O duque ·da Rtstauração
.q_ue recupera séliS" títuk>s e sua fortuna graças ao. bilhão do·s emigrados
_não pi3ssa de um burguê~ ''que ganhou na loteria". O ·nobre se· apr:oidma
ince;santeme11te do burguês no próprjo ódió qqe sente por ele. Eles
são-todos ·ignobéis, ~_screv½ vigo.ro~amente 'Si:endhal em carta a BalzaG,
porqiie.eles prezam a nobreza.
150
1$1
A mediação dupla rriun.fa por toda parte; todas as figuras do balé só~
dal '.stendhaJiano são, poi.s, çha~sés::-croisés-. Tuclo ficu invertido em refação
à situação anterior. O humor de Ste-mihal no$ diverte m,;;1s, nos parece
geométrico d½maJs para ser verdaçlei:ro. Assim, faz-se necessário mea-
·c;iionar que en.rnntra-se .e m T ocqueville, esse o bs,ervado:r desprovi.do de
.s enso de htrmor, constátações paralelas-às de Stendhal. Enco'ntra-s.e. por
~xemplo, em O A11'tigo Re'gime e a l(wolutão 'º, o paradoxo.de uma aristócra-
cia qtte s.e abãr.guesa contra·a bw-guesia é que adota todas as vtrru:des das
quajs a classe rnêdía está se desfazendG: "São as classes ma:is antidemo-
cráticas da nação, observá o ~oció'logo,. que fazem melhor ver à espécie
de c:noralidaclct que é ·razoável esperar-sé da democra-cia. n
É onde a nobreza par.ec~ estar ma.is viva que ela está, o·o fundo·. rn.ais mor~
ta. l\Juma primeira redação de Lamiel, Nenvinde se chamava cf:Aubigné;
o dândi imitador pertencia não à hu:rgue.~ a Ptt.rvcnue ma.s à mais autêntica
aristocradá: ele er;i descer,dente da sra. de Majntenon. $lia conduta. era
9
ST6NDHAl, l..amí~I. Pari~: ElcJm!n.arioo~1993. 1.N.E)
111
Edição brasikira: Ateias de Toc-queVille, Ô Alitigo Re_q1:me e a, Revoluç,ão. 4.ed. Brast1ia,
llnlt 1997.. (N.E.)
151
MENTIRA rw.M.ê..NT ICA E VERDADE R.0 .MANESCA
aliás ·~xat<11'Q.ente a me:®a qú~ n.a ve~â:ó ulterior. S:e St~ndhá] acabou
optando· pelo :bw,gu<ês.,p,mie:nu, s~ .eJe f~z ·o;rn p]eb'eq r@tésen@r :a çQmé--
di:a.d~ o.q}jrezâ, é·.sem dúvida por'julgar que essa soluçã:o ~ çle µi;Q efeJto.
aômico ma-t_s 'fác;il e mais t:ert:J'::ii;o, (llás a pfirü_e'ira versã.o mão ·cons~itufa
.um eno; ela ilustta:~ra l]nJ aspecto. ~s$~ncjal da·verdªde s-fe:hdhaliana. Era
a .nQWe7:ª :de san~e.,, de.ssa foita ; Etl!le represent a\!a "cr ~o.t;iYédia da oàbre-
za. Spq Luts~Félipe, çqpi ou se_m c;0stad.os.1 nã-o s:é po.de mais.. "desejar" a
nnbreza senão cprtr© a des~j'áv.a o sr. Jourd.aüJ. Só (iêst~ fazer uma rním>LC:a
dela, tã0 apaíxonadame!'l'i!e pol'ém menos ·1r1g~m.t~_n1en:re (it.t_l'.;: ô herór gê
Mohhç. É' ~ss-á rní:mica e mâ:itâs outras :do mesmo gênero.que Stertdhal
go_star}a de r1_o_s r€'velat. A c0rnpf€x:tdad~ dá t,ar~fa .e:a .fragme1i'li:ação do
púbiito- que, sem s0mbra ,de .dtivttla,, nãp· passiltn,.q.:e UJil' úntço e mes)uõ.
fonôp:ienq - tomam o. teatró· impr6prib. pâra· a .execuçã0 desta função
lit~r-ári:a.: O te·atr9.c;'ômiC9 m~rreu <:(i).in a mgnarqµla:e a 1\raidade:âlegre11 •
Faz-se nec:essári.0 um gênero w:ais m_aleâvel para descrêve_r .a}; rtietam.o:r-
tos,~s iofiní.tas ,d a "vaidade triste" re para demundar a, nulida!J.e ·da-s 0.po.-
si(;ô~S. ·gu~ ·ela fom-entj. E~sê gêQer:o é o ro.mánce. Stendhai ,a cahou por
enterrdê:,.J, o; a:pás longos a.n os ,d~ esfotç,!:5 ~ _fr.1t:=a·$sà 'quê transformc1,(am
su~ ã.lm'\, ele re11üi:lclou ao: teatro. [\fas ele mu1ca ren1.mçifoµ a'. tõtnar-$~
um gratidé ~utór cômiêo, T o:das ás õ.br:as. r.om.a.nescas t.ef.1<:iem ao riso ·e
a de Ste'n dhal ·rrão, € li!)'la' exceção. Fl~"t:t~ett sé ·$.up.era ~_rp Bónvard eP(c~ -
cbet1'1; Prnust se realiza no IJarão de Charlas1, St~údhaI ~e sintêtiz4 e ~e
completa nas .gran.de:s ·cenas cômicas de Lamief
.LH
CAPfTUl.O ·5 - O '1'E'Ril.1ELHO E. O NE<;R.0
vida política. Os, favores que ela conaede ao partido ultra tomam patente
o aburg\1esament0 da ·nobreza. Esse partjdo se dediea exclµsivámen'te à
defesa do. privilégio, seu desacord9 com Ç> rei Luís -.XVlll revelou cfara-
mente que a Ji)onarq.uia r:ião· é mais a. estrela; polar d.a nobreza, mas um
e
instrumento polítiq) n-a;; mãos dQ partido nobr~. N~o e!D diI'.eção au
rei, mas em clireç,ão à burgues ia rival_ que esse i,>arti.do nobre está Qíien.-
tado . A 1deología ulfra, não passa, ·por sinal, do. reverso puro e simple~
da ideoló~ia revolucionáriá. Tudo nela .é reação e r evela i:\ escravidão
negativa da mediação imema. D reinado ·dos panidas é" a expres.são.
políti_c:a naturçi.l dessa mediaç,ão. Não são os programas que clã-o origem
à oposição-,. é a .opósí~ão qu~ dâ oPigem aos p·rogràmas.
154
MENTf RA R_OMANTI CA E VE.EPAU.E ROMANESCA
O r·açiooiilismo do sécul.o XVJil é' nobre .até em suas prôprcas rlnsões.; ele
n;o.nfia na "natureta h..tr.r1lç1pi1i'. N~o ítv:a ~.m conta. o irraci<mal nas rela·-
.çó.es ~mre; os hon;i;cms. Nã.d "perçeb ~ a irtllta~ão metaf{slca qu½ va,j l'ev,àr
os·-cáloulos da re-flexão ·sadia ao frat asso. MontesquJ~u reria sic.fo mcn-os
~rtiâvel. se tjV~-5'$~ ,previsto c1. ;,,vaj$de tr.ist.ê' do se::culo. X°ÍX.
Houve p,ri'rnêiro e! n.o:breza; ~m. Sç:g_uida .á cla.s,s..e nobre; n.o final nã0 há
llJcçi'.s qll~ tlfJI parti.cl.c:i. Dep.qis- ,de t{;rem co(nçl'tli.cfo., nobr.ez:il ~spirit:w!.l
e nobreza sncs.ial tendem a st:' excluir mutt.tarnente, Entt~ <;>. pri'V~lé.gib.. e
a .~ aP..d~:za de almat a .in.compa:tibilfal:ade .é .a partir daf tão rndie::,al que
·el.a. ~xpJo~e: nú. préprlo ,esforçU gu~ ,se fc~z para ociJ.Í.t~~!a.. Vam_c>s Q:ô:vi.r,.
por·exempl0 o imeleçtu~l ra:z.-tttd(;) 4a nob-teza de NatJcy; n clout9tl\1
1
15,5
Ou Périer gostari~ primejro de nos conv.~ ncer de que o nobre do séc::ulo
XIX ainda pensa estar na época ditosa, em que, n.ão tendo o olhar do
Oi1;tro µ{n,di,l levado a cab.o sua :obra, podia,se u.sµ{nür do p.riviltgio sem
reticência. A mentira, no entanto, é tão flagrante qu_e Du Périét não usa
1.ilma form.ula~ão âireta,;- técprré a um13 p erífrase neg.ativ.a que sugere ,_se·(ll
afirmar! "Não é a eJe que ·cabe exarnin_ar etc .. .'1 A despeito d.essa: prec_a u-
ção oratória., o olhar do Outro e::onti_riua de-masiadament.e obcecante e
Dú Pêrier é -obrigado a relatá-ia na frase seg1.{inte. Mas ele então imagina.
,um ponto de ho.nr$1 cíniço ao qual esse olhar subtneteriá o aristoçrata. Se
o pnvHegiado nao se agarra a s·e u privilégio, "a.opJ_nião.o des_preza corno
sendo um covarde ou um tolo". D11 Périer mente, pela segunda v.e"j..
Os aristocratas não são nem foticen_t,é s n~m cfnict>,s: são simplesmente
vaid.Ç>sos; desejam o pTivilégi.o como merôs parvenqs. l;:ssa t a horrível
verdade qúé é precis..o esconder a qualquer preço, Sãó i~,nc~beis ·porque
prezam a -nobreza.
156
M&NTI RA R'OM,Â:N TtCA E VEW,A:_ó.E -R(,JM.o.N ç:S~J\
àinda, a:pesat çl.e ·sua: de\t"osão, fo.brfcio T\âô hesitará" em se ptestat ãs
·maquinaçô:es. simoníaca:s, que o ;transformarão num arcebi$pO. de 'P4_r131a.
fabrfoío não,é um hí,pr5cfüa7 tampouco lhe falta í.nt-digê-nci~; ficam fal-
tando unjti_amenté as hase:s bi'stórieàs tie uri:ia c..erta refle.xãb.. As.âssóc;:íá-
çõ~s i:p.re um j<Néft-1 pr1vtlegiiid_o· francês· seria, neçessca.11-füm.entê leva.do-a
fazer seqtL<:l'r lhe vêll.l :à m:ente.
mánUé!L~ d:e li.t er~tma d~$çre..vew nãó existe, ·Se S.t.~dh~[ escteve-sse
pàra todos os. burgueses· qúe um r~gté-s.so déJ:.c,hama abs9h.rtista é f~u:dal
afas-ta PJ.d(n:e-ntq.ne·an:ien,te ·ca.rteitâ_s Ju-crp"tivas, su9 .ohta seria ulj.1 tanto
GILiat1to desastrada, As .e-xege-ses ·tradidonais. não lev;am. em c:onsü:lera,
.çãó o.s âã.dQ.S mais elementares d.o romance.e., em partirula~, a carreira·
hi!mín;Jn~« d~ J.n.lien. Es~a càrieltí:!,. di(Iiº, fica qtr,eb~ç1.d.ç1 pda. Cong:r;<t-
gaç~o . 1Sem dúVida~ rnç1s poüép d'~poi.S é?sa mesma Co.n·gt~gaç'ão s~
esfor<;.a :eOJ salvar 0. p·rotegido- do. ma;r.quês de la Mole. Jü{ien r:1ão i '
tant-o- a vítima elos ultra quanto dos burgl!leses no'lOS'-'rico.s e €iument:os
·que vão tr-iu'nfat- ~m j.Ldlio .. , Não se deve aliás procurar uma liçã'o de
5tC.t~ri$Ill() ria~ ó.br:a-:Sr}J_r'iroas de S,teiidhaL Para ·compr.,eénd'et .esse IP-
mà:ncj:Stêi'. qUe fala .se_m ·pât:at cÂ.erpplftiéa é f)rec::_iso p.rit'(lej(q e'$011'páJ' ·dàs
moq.as polít+eas de p~a{-
Ju'llen te1:n uma carreira brilhante e é ao sr. de la· Moie. .que elf! a· deve ..
Em seu artigo sóbr:e O Vernielbó e·Q.,Ne,grn:, ·S.tên·dhal déscreve- á,ssTm esta
persvOJ1ê(g~rtt "S-~u c::~fcíter de grartdê S:ê!).hQr· rfªo forã fot1üado pela re-
v0Juçã:o .de 1794.:" O sr. çl.e la Mole~ ·½m outras .Pál~vra-sl con~erva um
15·7
CAehuta 5 - Q' ViiR,Xl:fil.:ff() E :0 NliGRO
rêsto de ·a,lJtêntica nobreza; el.e- não se abur&Uesóu por ódio ao-burguês.
:Sua Jfüerdade .de esp(rito não o toma um d:emoé:tatà,, rnas o :inipede de
ser um reacion_árlo DQ 9iDr sentido da ·palavra. O s.r. d~ la !:vfole não $e
a,µmenta ~xclus.i vamente ·d e excomunhões, de rregaçõ.es e ele recusas.
O «1tracismo e a .reação nobi[iária não f ufoc_àram {lele to<l0s os demais
semimem<:>s. En~uanto sva mu:lber e seus amigQS "s ó j1.idgam O!? hQi;tJt2ns
por sua ascendênda, fortuna e .ortodoxia política, como um Valer,od
fatia, se estivesse no lugar deles, o sr. de. la:Mofo, de sua parte, continua
t:apaz ,d.e fav;otec~r ª-as.c:ensão.·<le um plebeo de talenró_ Ek o c·ompr@va
com.Jul ien Sorel. _Stendbal $Ô aé~~ ~ua p,ersonagem ·"vulgiéirº uma úníça
v.ez, qUiindo ela 5e <mfurece ao pen:sar que a Alha: casando-se comJulienJ
jama:ls c h~gará ·.a duquesa:.
Jul'íen -devt:: ,seu sucesso -ao gUé ~ubsiste d½ mais autent ica-mente "antigo
regime'' sob· .o regime nov.o. Es'tranh_a maneira. par~ Ste.ndhal de fazer
eampaoh<!- contra uma volta <\O passado. Mesmo que Q rqmanc:ista nos
tivesse mostrado· o. fracasso de um des~es ~nCtm<:':ros jovens qlle não ti-
vessem tiêio .à sorte de eneontrar seu marquês de. la Mole, seu romance
ainda assl.fn n~o teria provado nada conttc1 "o antígQ regüne", É. com
efcic.o, a. Revolução que multrpliéou as ambições plebeias e é a Revolu-
çàó que c1uJltjp-Jk:ou as -o bstáculos, j'â que é à Revolução que a ma iol'la
das pessoas b~m posicionadas devem "seu 0aráter de gra]ld@' -s-e.nhor,",
isto é seu ultracismo implacável
É verdade; a çstultície dos ultra toma aliás sua queda ilievitável. Mas
S.tendhal vê (Jla_is· longe. A d inünaçâo pnlítk:a do partido nobre n~o
15&
15'.9
:C:t,P.í"n,11.p '5 - 0 Vfi.ri,MEL.f!(Yt o i'ffi(fR-'O
em ~eral ião perspicaz , sucumbe, ness_e p,articular, ao mito p.~toicioso dã
Gbe.rdade romanesca .
Julien so_rri ao ficar sabendo da reviravolta política_de seu ántigo p_atrão.
Ele wrnpreende 'd.e pt ontó que nada mudou. Uma ·ve-z mars, trat?---se de
pr~ga:r urna pe~a em Valenod. E_sre µ!ti.mo caiu_ n.as graças da Congrega-
ção. Eie será, pois, o candidato ·dos ultra. S9 restà ao sr. de Rênal volt.ar-
se _para estes liberats .q ue {bê p;irecia,m tão temíveis ·alguns anos· atrás.
Revé:mos o pref~ito de Verrie:i;es nas últünas páginas do romance. ELe
se apresenhj. pomposamente €orno um '"libera:! da defücção:1 mas, já na
segunda frase, tudo o qµe dtz gír.a em torn0 de·Valen0d. A $trbmi.ssã0 ao
Outr.o oão ~ menos ~strira quando as$ume forma5 negativas. A mari onete
não é menos maiionete quando os co·rd·éi:s estão· cruzados. No tocante
às virtudes da oposição,. Steodhal não comparr_ i_lha d0 otii:ntsmo d~ um.
Hegel ou cle·nossos ~_lósofos existencialrstas.
160
cey.p d.o pç.ko e, sobem de v:oita em outro tr,ij_~. Attás desse ',spetáculo
sempre igua:1 e sempre- dúerent.é,, a. mesma oposi~ão subsiste., caçia vez
mais va:z:ia ,e cada vez mai~; féto~. E ã· (necHaçã.o int,~rna. prnsse.g.ue seu
t.rahalho sãbteri.â:ne:o.
161
C;AElfT:Ul..<.) s-: ~- O V,ERM~f..H() ~ O NtCR(l
do úJt.irno Stendha"\, j.sto-é., do ,Stendhal qu~ tem.
Litcien Leuwen e a posi.çã0
o m_aior peso,.aparece sem amb1gtrid~de.
É·em.m·eiq aos republlcan0s austeros que s~ deve proé rtrat o que sobra de
nobr~za na arena pQLUica. Tão somente esses republi cauos conseniàén a
espera nça de des_truir todas á_S formas dã vaidade, Bes conservam, pois,
as ilusões do século XVIII acerca da e'lGc~lêtjcia, da natureza .h umana .
Nãô entenderam nada da revolução.e da ''vaidade ttiste". Não veem ·que
os mais bdos fr:u'tos _dçi reflexão ideologi'ca1serão.sempre estragados pelo
vem1e do irracional. E esses hom~n.s fntegros não têm., como os filósQ,-
fm.1 a desculpa de·vivet .111:tés da Reyõ]ução. Eles são, assim, bem ll}enQ.!-i
intehgentes que .tvlonresquieu; são. ):ambéi:n berri menos divertidos, Se
tivessem as mãos livri:s, criariam um reg'.(rne tôtalmeote semelhan·t e ao
que o purrtanisqm rep_ubllcano e protestante leva ao triunfo ob Est.a_d o
de Nova Jorque. Os <ltréitos individuais seriam respeitados; a _prospêrí-
dade estar\a garantida mas ôs úlfimos .refi.namentos da e:>.istência aristo-
érática desapareceriam; a vaidade ascsumiria uma for'm a mais .b aixa ainda
f que n,çi época da monarquta consritucion_al. É menus: peno~o, ccmclui
li
Stendhal, adular UI11 í alleyrand, ou até um ministro dê Luís-Felipe, quf
1
fazer a corte "a seu sapateiró' •
161
Ml;NT I Rtl. R0 ,\ 1ÂN J"KA E YER!)ÂD~ ~{9M;-\N E:S"CA
"·dupla herª-nça, mis1o~ráticâ e po:p,u lar" :que ~di.lacer:ari'a ó. coitado do
·escrhc:rrt Deixem.qs par~ Métimée a imãgetn d.e 1tm 5Jéndha.1 d.o·rninadq
pç l0 espÍril;o de c0nrracli·ç~Q e então :çmenciercmçx~ talvez que ·é a n6s.,
e :a nos-sa épaca, 1 ·que Stendbal acusa ·de entl'ar ~m c.ontraIÍlção.
14 ç_diçã,_e bFasil~ifa; Gu~tFV.e f]au:bert, Edut-a~ã.o s(l1,iimmtqL,T I:íl,d. Joâp :13.arreira. Sã:o Ra;u-
1.e, M. :Oaret, 20().7, (N.E. l
1ô3
e :u,'I TLJt:O ~ -· ri ',TI.\1fLHt) fi '/ F/iJtç:l{o .
O número. :dos que ~:ã o éortvpcadps aumenta incessantemente sem quê
aumento paralelamente o r;iú:rnerp dos éleitos. Nunca. o ambicioso tlao-
bertiano akança o objeto de seus desejos. Ele nâô cónhl'ce nem <! verda-
cléira miséria nem Q verdadeiro desesp.ero 1 aqueles que trazem a posse é
a desilusão. Nune::a seu b cfüzonte ~~ amph?L. Ele ~stá fadado ·ao amargor,
ao I';,incor. às :rivalidades mesqainhas. O romance fl.aubertla.no verifica as.
sambiias pJ'evísõe.s· stendhalianas "'0bre o Iutum b1:1Tguês.
164
MENTrRA R.O_MÃNTIC.:A. E. Vt _lfD AQI; RúM ANESC A
tõnte de sobime:ntos ~<;pitituâ:is ainda rn.ais c.o:nS:id:eráyds, pois nada,
(?otle a_glah,á-la. A i.gu:aldad·~ ·@e alivia a ]Tiiscrra é bõ.a -~ sj 11Jãs ciâo:
pode .satisfazer aq~@ .!es mesm9s qt:l'e a ·ex igem tt;taj.s dura.trH:'nte, da $6
çonse_gú,~ ex~sperar o ·desej0 deles·. Ao ressaltar u círnul0 v-idoso 0nde
se encerra e.ss,â: pai:xâo p ela iguildadtt,, TóCqt.léViHe desvénda um a.s.-
pecto essenGia1 do desej@. t)iáriguJar . O ·n,;aJ onttil_õgkó como é sa •
bido ~rta.st;i semp.té suas vftüna-s para as "soluç.ões" mais favq-râvei%.a·
:;~tI a;gtavamen_to , A ·paixão. p<Üà. i-g;t.1aldad.e ~ uma loacur:a que nada
conseguida ukra·perssar a· ·não se:r a J'laixâo CQ1Jh:árra ~ ~)r1:1ét'.tica peJa
desi;g\.ta[d.ade- 1 sendo esta mais arbitrária a:inda ·da .q ur aque;la e rri,êl~
ip_1ecti?-fanieo.te .Qepcmde-tit~ de~te rnfortúnio que a [i'berdade- ·suscita
em todos. os· ser~~ incal)dze'S de a:S$.l.J'.t11i_--la vfrii_rttent:e. As, icl~fogi?s
rlVáis não, fa~tru senã0 reverberar tanto es&e 1.nforr:únl9 ÇJ~tahtô :es$a
iiu:;apa.tl4àc:lê. As ideql'o~-ias rivah Ôi.z.e:m r,~sp,e itó, consequentemente,
à: Q1c01,a.çâ,o i.r1'terná; t:l.a~ ~vem seu p<;>d,et U(.> s"ed-uçaQ i.ipena,s ao a:poio
secreto erue s'e d ão os co11rr'âr10S'. F.ru.t.os da c:jsà(J' ontol6grcà da qttal
,;;ua ·d~1,.alidàde rdlete a d.é'>Umana gé.dm:e tria 1 ·das servem., em. compe.n,
sação, c4i'' afütréntü à c.Qncorr~néia devô.rador.o.
165,
CAPiTú'L(,) $ ~ éi :VER:~l,ELHO t q' NifCR.lJ
Um Balz.ac leva sempre muito a sério as·. oposições que eJe descobre a
sua volta; um Stendhal e lIDl Flaubert, ~rt} contrnp_artidà , nos mostram
sempre sua inanidade. Nesses dois romancistas., ~ estm~ura dupla se en-
carna _n o llamor !Dental'\ n?s lufas -políticas, nas riva[idades mç-squjnha~
de. homens de n·e_gócios. ou de dignatários provincianos. A ·partir desses
tampos-es·pecífkos 1 é a tendênGi'a propTiamet1te cismá.tf'ca d$l .~õ.cie~fode
rnrnântica e móderna que é, a ca_da véz, revdada. Mas Stendhà l e· Flau.
b._ert não previ ram, e sem dúv1da 11ão Jjqdiam ter previsto, até aonde essa
.t endênçia conduziria·a hun1anidade. A·mediação duplt. invç1diud.b ár~as
s~ pre mais a!J]plas clã e)(istênci.a coletiva e insinuando-se· ~t;íl proÍpJi-
dezas sempr~ li).ái s íntí ina~ da alma individual: .acab.a por transbordar
do quadrt>. na~ional e anexar. pátrias, raças é continentes. em mei<'> .a
um uni'vétso -ondt o progr~s.o técnico faz desaparecer, uma a uma, a5
difere nças -entre os homens. -Sterídhal e tlaube.1t subestimaram. as possi.
bilidades de extensão do desej0 trianguJar, talvéz por ter,em v indo c.e-do
demais,, talvez por não pereeberem senão muito co nfusame nte' sua na 0
rureza metafísitá. Seja. e.orno .for, eles não presse nt1ram os ·cqnfliros an
mesm0 tempo cataclfstrucos e it1sig.n'i.fka:ntes do sé.culo. XX. Eles captam
ó grotesco da era .que se anuncia, e não suspeitàm de ~eu 1ado· trágico.
166
O ser de paixão atravéssa sem ver essas mu_ta\has de ilusão er_guidas P,ela
vaidade dQ mundo, NiP dá importância ao· ~~tltido literal e vai direto
·ao e·spí.iito. Ele se dirige ao Qbjeto de seu d esejo sem se preocupa(Com
os Outros . É.o úniço realista num universo, de mentir.a. Eis porque pa_rece
sempr~ um p.0ue.o maluco. Escolhe a sra. de Rênal e :renuncia a Mathil-
de, escofüe a prisão e, renuncia a, Pa:risl a Pai;ma óu a Verdeyes. ·$ e ele
se chamá st. de la Mok ele ·prefere Julien a seu p_i;óprio filho Norbert,
herdeiro- do nomç ,; do brasão, O s·er de paixão desnorteia e 'de~orietita o
vaidoso por.que vai d ireto à verdade. l:Je é a invo luntária negação dessa
negação que é·a vaidade steh·1i:lhalial)a.
168
MENTIRA ROMÂNTICA .E VER,D>\DE ROMAN ES:é: A
eontraste emre a ·norma .ç:' a ~ceç.â o qµe repousa a rev daç~o do ,êh::se:j~
meta:ffsico .em Stenclhal.
Aliás n~o :se d e.v~ à;t;ribwr ,,a ess~s prbcedJm:~nto~ um valb.r ab,soJuto,
O çdntra·s-te emre ·a tr<:irma e a exe:e~ãq não. cava un_1 ab.ismo en,tre ,às
µe.rson:élgens de Dom Qu:ixme, Limitemo-nos a.. dizer que na @bra de
Ceniçlnt~'s o, de_sejo trürngufar sempre .aP:,are.c.e so.bn:: UfÊ'L fundo de .saCrde
ontQ.lQ·gita, mas ~s.se fuCJdo t1unoa é trmit o distinto e sua tom1?.Q~i5~9
p.ode cvariar, -Ó.om Qur,::<ote·'é gera·trnente :a exceçã:0 que ·i;:e destaca sobre
UllJ. p,â]]O éle: fu.od:ó de ~ertsatez; por(Sm esse- .herói pode perteit..ame:n-
te. $e to_rfla_r t!f? próp'J"iO espê_ctaôat durante (;is 1nt.~l0$ [úcidos·. entre
doi:s aeé:essos d.'.e' 10ucuta q\raJbeires~a. Ele ~-a$sa et;rtião ~ fa,zer p:á rte ,cf9
c.enárLo radon:ai do q,ua! Cervantes não pode- abrir mão, mas ,cuja com :-,
pQ$1ÇâO pr'atic:am~nte não Íhe !.n;ípprta.. Jmp,óft.à. ~p.e'n:ãs ·i\. fe-velc,1.ç;â.O do
desej'0 metafísico ,
Q_úa_nd~ t ;;.tá cQ:rri Ôo.m •Q.uL't0le,. S.an.c ho por si •só:çompõ.e ess~ lndisc
pén~fvd tenátio. tacjónal - é O qúe Ó, torn~ t~p dc:$:pr~ztv~r aos oJ.nos
dos. rnmântico,s - 11ía~1 :a:~sim que ~le passa par,a ~ pr,i_t)feiro p'la1J0, b
es_c:ud.eircr se tr.ansh:mna na exceção .que se destaca m.ais, uma v.ez. ~o~
b1:e·o hóm senso to letivo. É então o, desejo metafísicp de $JiJJç]19, q!iê
co;nst-itui Q objeto da rev:~fação. O rOmctilcis-na ~e asse.r_rntlha liTi;'l pout0
ao dWet.or de ucna trup:e c;i:u-eA,dispondo de pa-rcos rerursos, 1 transfom1a
lq9'
Ci\PITU LO /, .-e- PR.O S:L.EMA5 [)'.-E TECNI( A EM STENH'HAL. 1Cil\,'ANTES & Fl.AUB·E-:Rl'
seus- a:tores em fi,gu.rante·s. n os intervalos entre os grãndes papéis. Ele
quer nos mostrar sob retqdo que o sksej.b metafísi'co i Jnfinitam ente
sc.iti(: "nmguém está protegido de sua·s investidas~ mas 'tambfm ninguém
.~$ta defio'itrvar1.1 ente coridenado .
A crítica romântica isola: u m e.ontrasc~ t pa_ssà. -a, en~ergar s.ó á ele, Ela
exige uma opo·siçã9 mec.ârJlc·a que torna O· .h erói alvo de um:à a ~ ·
ção o u de u rna ojeriza sem lim_ites. Lran-s.forma Dom Q uix'Ote e Ju:lJen
170
A obta To,r;nâ_ntlê<!. ·~ urna: arina ·çontra 0s Óutr.o~. Sii0 semf!n: os· Outro·s
ÇJl,iel)Í a:ssum·em ô papel d9~ ingl.esé_ S-,. d~ RJçhelíeú, d(5)S jaÍZê:$ ç d,q{ oqr;,
0
171
r72
ME'Ni1 RA RCH-iÀNTl l .A F. VE1WADE RC'JMAl\:D'>C..A
No <faso dé Stend.naL o ~o nt.ras.setisõ; ropíântiço -~ rtrê~Q.0$ çSpetatular
c:o..nqu.?-nt,õ nãp mênos ~ra,ve. Es~e·col)tra.sse.r1:_s0 ê taMo t11pis :d}.f'{cü de s~
evitar q.Lf~, enJ S.t endh.a'( ~ nos rmriâ:ntic:os., a excreção tl mais ad'mi.r.áve'I
que a FJorma .. Mas el-a o é de um mo.do difetent~. ao ·m enos nas -~n~
dt;:~ obra~ rofn"an.es_ça§, Ne:ssils obrª'5_;,, h,ã9 há içl'etftifk:·açã:o ~r)tre à h,efói
chejo. de paix_ão, b . (ria:dqf to; kJ.1:çr.. Stendhal não pode .ser fabrício,
pois ele .c;ompr.eeende Fab,rfde melhor qüe FabrCció cottipreende- ·â si
pr€ÍprJo. Se n ·1ei.t0r ·comµree'f!..de Ste;;ôtlbá'l ele [tão pód.e.,. tà111potrto,. se·
id<;,ntific:ar tom Fabrfc:io.
173.
contr-ç15tes; ,çomo o escultor, .eJ~ c_hega aô relevo n1ultip.lkando as super-
ffcies em planos diferentes. O romântico, pri.sionelro d.a op.os-ição· mani -
queísta ent:re· o Eu é os Outrns, opera sempre no m~ rno plano. Ao·.herói
va.zio e -sem face que dtz 1'Eµ. 1' o pôc-se a máscara comorc_jda do Outro .
À lr.iteriortdad~ pura se c-0n.trapõe a extérjoridade ~bsoluta.
O rbmântic-0, c-01110 o pint0r moderno,. pinta em duas diruens<S'eS. Ele
não pode conguistar a prQfundidade romanésc'a., pois não pode unir-
se ao Outro. O romancista ultrapassa a justíJkação :rórnântica. Ma.is ou
menos subrepticia°'i'ente, m ais ou menos ahertap.1en.ter êle transpõe a
barreira entre o Eu·e o Outro, É es_s-a transposição memotáve.1, como ve-
remos em ·nosso ú1timo capftu lo. que está registrada no rnmance em ·St.
.sob a forma de uma ;recônciliaçãô e.ntre ,o herói e o mondo no rnomen fo
dç1 morte. É na conclusãp e tão som:ente na qondusão que o herôl ral~
em ·n ome do romancista. E esse herói moribun do renega sempre sua
exis-iê ncia passàda .
174
.M~ NTIR A R()'MÂNTKA E VF. R.D ADE ROMANE SCA
çie. P?.?lí,gn~~- A hi~argtlia socl~d não c~t~ pol't-ªntQ çksprc.ividã .de -signilí-
cacl0 n0 un1v.erso ro.m'ªnes~ó . Em v.ez.~~ refle.ti.r q.ir~·t~m€rit~ as vittúde,s
stenclba.iianas de energia e de csponta:neicl.aàe., ela as reflete mdireta -
rnentei tal' c:ôm.p tnu -~1?(,!U10 diii.ból.ic::0 ~J.t nps· d~ urna irn?gem inV.ert:i-da
µelas,
17§
f.76
ME-NTlRA ROMANTrt.A !; VERDADE R0'MANES,(,'A
.sobre o palánque. :Oo mesmo mõdà, o grande médico faz sobrnssair-
:se nulidade de Charles e de _H omais, mas sua pres-en.ça .é por demais
;i
177
:-:;- • 2:...:'. \ IAS D!? 'T"ÊCNl CA EM STE-NDHAL, ( ERV-A('l"l'(S E. Fl.All8.l' RT
A bJ~Vldáde' d.e Ste,nd,haf e sua i.rpjúa folgutante,se,ássentam 5.obre a re·de
de e:x:ce.ç.õ.es q:ue a~r~ve·ssa pb.J' inteir ç ~ substânçià, rt>'i:nav1ésc.a. Uma: vez.
·que © leitor tomou conl1eci(J1eóto da se.greçJp das, 0posj9.0es,,. ,Ó me-nol'
mal-e-nt.endtdo entre .d uas personagens faz 1mrgfi;-o esquema pa,ü (ão-.vai-
dpdti·é r~élá .É? desejo mt't'afi{ics,, Tudo se fundamen't.a wbte o c:;b.n.ttaste;
entr.e a tn:>rm:a e a ~x ceça.9. A pa~s;ig.~ - do- p9sitiv:o ai:): ne,:g,ativ0 é ta·o:
rápida quauto ·a passagem da h.rz à: ésçurídãó ·qmiJ'ldó 5e.r.nanej,a um·i.hter~
mpto.r elétrico. De uma pon,t a ~ outrit dó· r.dtpi!tiç_e stertcfha.JJãno Q.S ralos
da p,ã_bí:ãô iluminam .as trevas da: 'laidade.
FfapnéJ:t nã9 di:spõ~ JJ)a_iS: ela lüz $"t<;;ndha:lia,na,- os,eletr.odos se a{a:stariit'Q:
e a eam~cyte rufo passa maís. Ati àpos.iç~qes:flal!bé.r.t_ianas pertencem quase
t@da.s ao tip-.o.Rê.aal-VaJ~nod ntrriia k.rm;t aínda .m~ü~ vazia e aindq .mais
0
i78
A opo$:i:$ãi::i $"e ãltrnen'ta de- urna: oulidade ·dupJa, de uma indig~cià esp.i.,
ti tua1 f"gu:µ[ e.JJ) ·arnbas ·a$ pçtrfés. H~
omçti,S·~ ]b;u.mi·sien simho.lizam a.s-duas
meta:des opostas e ~o1 id(ri.a'S d.a Fran·$.ª ~equen$.~but ~µ~·sa. Os pares Hau-
h~ttianos não "-pensam:" senão em ~~u grqtesco .at:;asá,larur;nta., tàl çonJ.o
dois bêbaçlOs que nã0 comervam seu e,qurlíbri.9 SeQ.âó p'ór'qué a:mbos
P.TOCutâni f~~rt::.~m que o-oâtro O pcér-éâ. Homaís e .B0u-rnTsier;1 ~e fecgh-
cfam mtr-q;i.an:iente é-acabam .a.donnec~ndo. lâdo clj ado-, ·com sua meia~xf,
cara na mão, diante ~o cadáv~r de Einrna ·_Bóy:ary. À tnedrda ,.que o ~ênio
flaub.e-rtiano amadurece, as, opos,içôes s~ to:r_n_an;1 ·cada vçz ~ç{i$ va?ias.-; .a
iden tida d~ clo.s çan frá:rios se afirma com força::0ada:vez _r_n_aJ0.r. .A ev9Jução
119
Ç,APl:fUL()' ~ - PR(J:Bt.:~1~S Df TE( ;Nl (;..A EM STEN0r:IAL CERVANTES: t: rLAUlli?RT
·a~;iba Jév,an.do a B.0u.va-rd e Péeud1@t ,qµe se- t;)pôém e. ~e c;ouwle.tam tão
ptf.Íejtacnente quanto dots bibdôs sQbre uma [arei:r:a bU:rguesa.
)- 80
t.1E~TIRA R(J_MÂ ri h c i>: É Y,Í:R,DA[{ E RO:M-A NESU
A ASCESE 00 HERÓ1
! ·u.rrr .mes"trro -d~s~Jo que os àé;> i~ pàrc.e-irós .ern .m~dia~ã0 copiam; sendo
ass.im, esse desejo não p·ode sugerir nada a ·I.Jm ~em l?Ugéru- igué.lme-nt.e
ao oi,i:t.ro. /\. dissimulação tem de ser -perfeita, ~ois ç e'Lat_i'li\'ciênçí~ âp
•M edladot.é" él-bsóluta. O hioó.trita -deve reprimir t0das as tentaçôes, :uma
vez <que t-t,das. ,el~ estâ0 pre~ent~s n4 .meo(e ·ele seü deus, O modelo-
disd1Dufo> .ad~vinha os ma;is fru;lpms e~trtr;rretimt:nfos d_ e seu dis.c;.fpuJo-
mõ.ddo . O mediador, com@ o deus cla bíblia, "'s qnda 0s coraçõé~ e os
rins.". A htpdG:fJ;S:iá para ô. desejo n;íQ ,extge mer1os dete:r minação .que o
ascetismo religioso, J:Jli .amJ:,ós 9r,. ças'ós <::àç, ~ m_esma,s fo11ç·as que s.e
frâta d.~ ba.rrar.
'"tt~ô de·carâter". Ele~ não: entendem qàe o univers,0· &0 .Negra-es1:á pre-
sente ,po.r 'Intetro ·nesse .gi:sto [n'fc,\nti 1. O brã.ç~'J na: tJ~oia 6 a ·ex.~iaç.ão ·âe
um, .,insfaote de franqueza·, istG. é, ,de ·.urn instant~ çie f'r'aqµeta . N,à .0utrc1
e'5<tt~miêlade do romance a Lndiforenç,a heroh:a· para ·com Ma.th'ilde e a
expiação cle 1:1n1 se_,gu.n:do frlàrnentd de frànquê~a, Julien manifes'tóLL a
·Mathilde Jj desejo· qu@ tem por,ela. A Falta é; an_$L<Ygà, a autópuniçâo: :só.
182
MENTI RA ROM.Â.NT l'C:A e VER-'[1J-XJ)E R,r~}'-tANC $ ( '.A.
pqde sêJo t'amhém. Toga infração do, tód'tgo. çt~ l;l'ilé)o~n'sia 5:ç siik;la_por
um r-~d0bTan1.ento de dissimulação ascética.
1,8_3
CA:PÍTl:JLD 7. - C'l ASCliSE J')'() R'E-RvU
No context.o trian~lar, a ascese para o desej'o ~ t~ô le&ítima e ~cun.da
quànto a as,çese '" vertical no· âmbito da visão religiosa . A canaJogiê1,.entr~
a transcehd'ênâa d€'.sviada e a transcendência vertical é mais com_pkta
ainda d.G que supú'nbanl'OS.
E.s ta-mos btm peI:.to <lo bra~. na tipoia· de Julien. E ÇJJ,fa1idd o érránte
tvlakar natra: ~ vida: de privações que Jevarri o~ santos eremitas no ,de!>et-
to, Dolgomky, esse mesm_o Dõlgoruky que jogçt su~s sopas pela-janela·,
condena em alto e boro som um modo :de vida '"i'hútil par.a a sociedade''',
Incapaz de captar a inquietante analogia ·entre a a-s éese religiosa e seu
pr6·"1'.5ri'o tômporta.nie.nto, ele s~ pr,onuncia perernptoria;menté sobre a
questão da vida. monástic~. e:nquânto homem modem.o e lúcido, enquan'to.
homem que sabe .que "dois e dois %ó qüatro". O raci.00aLsta não qu.e r
notar a estru.tura metafísica do desejo; ele se contenta c·om explicações
irri-~á.nat feêorre .ao "bom senso'' e à· "psicqlogia/1_ Sua segurança não·
fi.ç-a hem um pouço diminuída pelo fato de de próP,rio pratica·r, mais ou
menos COI;1_scientéme~1te, a ~:;cê.si'; kara o desejo. Jncapaz de se analisa;t
e arrastado por sea ·0rgal}10, ele àplica instintiv;i.merite os preceitos da
rrtís'tíca sübterrânea, sempr.e anál9gos e jnverso.s: àos princípios da m.ís-·
tita cristã: "Não peçais e vos será dado; não procureis e encootrare.is;
1!~4
~\E$ lTIRA. R,O MÁ NT l C A E. VE RUAD. E RO MA NES C.~
não batais e vos ser.á, aberto:111 À medida que o .homem se afast-i;1 d ~ Deus,
diz~J'):os Dostoievskf, de s~ ç1h.1ri:dâ no rrradonal, p:rimeiro em nome da
razão e depois em seu próprio no~e .
A ambigwdade d!2> padre, em Stendbal, -esta ligada às duas direções que
pode tomar a renúncia. A mais profunda .hipocrisia só se distingue da
virtúde por seus· frutos ernrenenadbs. O tontrãste ~ntre um hom e LLm
màú padre é toti).! .p orém sutil.Julien confundirá por muito.tempo o aba-
de P'írard colJl_· os rr'íalandros que .o oercarn.
· cf..MT,VD:7
185
CAP(nn.O 7 - q AS.CESE D Ó HERÓI
·mas ele nunca ê!)nÍUn_di'a vetd~a:deir~nJên,te :a Jgr~j.a1 ne-m o 'Cristianismo,.
com as ·cari.c,:aturas de qtJ½ .se valJam os IJ:!éÍb_s reàciQnários ·dã Restaõ:rá--
.Çãb. É irrrpô.r:faFJtt não e-s.q uecer que na..sedecfad~ .de 5te}}dhal, a lgreJa
,está: "na r.rrodª\ nt1, ·ele bosroiev-ski, d~ ·d~ixou de estar.
No unive·r so doswrev:sk19 no ,. ~ tfansee1;1éiência de~viada n~o se es.conde
rtl~is .attás d;;.i'eligião. t .o ntudo ,. oã~· vamos achar que .as· (lefs·6nag.en$,
de Os E>emôliiós n'!JS n'iostriím ~u_a verdadei.r,a cara ao se tornarem ate'ias~
Os Poss:es-sos não são ma(s atens do qu_e os dévtltQ.s stendha.Li'ati_os s.ão
çre:ntes. É·sempnntm função do ádio que as víti.Il).ã_S.q.9 desej.9 rri~tatísí(;9
adotam ·suas ideias pol(ticas, fHosófi.cas :e reli~osas. O pe1'lsamen1,o nãp
passa. de· mna .anna p~:i;:a as çôosct~htia:~ áfro.ntacfos. Ao .q ue parece, eII$
j;rmais teve, hnta importância:. Na realidade., si·1t1pfestnê!).té já ·não tm-
porta m~~.l;\tá t.õtalmenfo submeti.do à cpnc:01;-rênda, meraffsica.
à aseese para, o ..desejo- é' uma co_n seql(,~ciâ \né.vitây<::l de deséjo trlan·
~ lar. Ela re·a,pa;rece-~ pois., em todos os ron1,a:ndstas des'S~ cfr;.s(tj9.. Já.êstâ
pre,s_etite em ·Ciztv;mtes,, Úóm Qui.;;(;.Ot~ Jaz ~ua penitência ·amor:osa,, a
e~em,plo de Amadk A.pesar d.e· nã,ô tet' móti?:O:s patf;l :r~pii@-er.1der Úúkl-
néi~L se· des.p.oja das veste5 e se precipita s0.bre QS rochedos póntiagudo.~
da ,setr<1. Cp):'í]ó=sem_pre, a.:far5a carregada esconde ·uma; ideia pr:ofuncl~
Ô narrador J)fOlJStiano tarnbé,rti prátk.a á a_steSe p4,r:a 'O, de_sejQ em suas
rda.çües com Gilbe<Tte. Resiste à Hmtação 4~ ~~~rever, fa.z de tudsJ pçini
çfomimir sµa, p:ç.j,.,~ã,o,
18'6
MENTI 11.,A Rb &iÃ'. Níl C Ã E VE1H)A}1E 'Ql)_Ml.\l\/ $SC.1'
imoJer-áireL A nec-e:ssfdad_e de.- transçenJ:lên_dà: proQitá satisfaigr-se nó
aquém e arrasta o herói em tode tip.o de Jovcu.ras,. $t~dhàl t Prçu~t,. por
dés~r<mtes, ~fUG sej,am.1 se ·separam nesse- ponto dc> Heg!;'l ·e Sartre pàr'à
s<;- Unirem a. Cêrvan~s: e Oostbievski. Ô filósofo prnmetei.co não v~ ·na
religiâ9: tristã 5i=l)ão um huma.r.llsmo· c1,_in.d ª ·n11.iít.0 tfrnido paras.e afirmar
plenan:i.ente. () :rolJ.lai}t_i~tª, se)a ·êh~ ,<:,i~t?o q,u ·n~o·, vê tió · pretenso· hu-
manismo rnodern-o urna m-et-afrs(ca sl.fbtezyán·ea 1 incap·à z dê r~·c an.net:er
~ua. pr_ópt'ia natureza.
A e.'<:.i%_
ê-ncia :de .d issimulação pr-óp:ria da, me.cli:ação ,nt~n;i-a t~m
ç;ôt'JJectufr.Jci.as paiticularm.ente deploráveis 1io campo sexual. É sobre
·o. cbJpo dó., mediador QU<:,' it,cl.de o des.eJ.o. do sújéftd. A:ssim:, o m.~dia-
,.d@r iê @.dono' ab_splt:J.'to. d~sse objetd , ~b qual_; pt:Jde petm,itlr c.iti. 'têCt.is?tJ
:a p·o sse ao· salaar de seu ca·pr-ichb p·es.sna l. O ~e.nt)d~ des~e c_ a-prkho
não é' .dtfútil ·de prevér se tampouco esse media.a .ar é capaz 4~ .çles·e jar
espo~_tç1ne.ç1mente. Ba.s:ta. qú.e·o süjeit:o ·d_e ixt tra.nspare~er seu desej.o a~
possessão p.q.;ra qi_~~ 0 Illêthado.t setrn perdç1. de; t@.mp.Qçppit esse,des.eJo. ..
Ele des«jará ·l;-eM ~prq:Pri0. corp9; E.tn .t.)utrns 'jJ.álavtas, rf,e c.onteiifá .um
tal. ·v,alor que deS_aµrnpriar-se- d:eJe lhe' parecrrá esc"a,ncla.Jt5$Q. 1'.{esrno
'q ttc o: mediª.doí não· c:opcíe o d'e seJo do suj.e i to:1 de nãt:,, respo:r_iderf
-a es~e: de-sejo.
Com dei.t o·, a viítima, do mal 01'ito1ó~Jk:o se- despreza-
.ci'~mai;s par~ não· desprez:at .0 ser qqe .â deseja.No êc;!mp.ô sexual rant.o;
quanto em rodos O$ c).emais ·çai;np<:>s 1 a med.{a~ü" dupJ.;t exétu_i q,µalquer
·redprQcidade .e ntre 0 •F1f e 0 Üirfro.
[8.7
Assim, a sexualidade tà111bérn t~TJl sua ascese ,par.a o· .deseJp. Mas .i, in-
tervenção ·da vontade na ativrd:ade erótica nunca esrá isenta de per.igos.
Em Julien Sórel, a ascese· par.a o· d es~jo é frato de uma livre espoJha. A
medida que· o medraçlp r ~e a.p rnx!ma, essa situaç,ã.o ,rai se modi{kanc.:l.9.
O controle da Gonsciênda pérde su:a efiéácia. A resistência ao de-scjo se
rorna. cada vez mais dol0rosa, mas. ela nãG dépénde mais da vQAtade.
Dilacerado entre dUçís for.ç~s- de st::ntido contrário , o suje.ito e5tâ ~ rnerçê
do fusdnin. Primeiro, por uma préôcupaçao tática, ele .ti nha recusad,o a
se éntre,mir ao desej,o 1 e agora, ·se· descobre íricâpaz ·de urna tal entrega.
O maravilhoso àutôcontrole do qual se orgulha o DonJuan mç,deroo
leva. direto ao fiasco st~1)dhaltanó. No.ssa literatura comemporâneé! é
toda ela um testemunho, mais ou menos conscienti;, da a·n.g ustiante pro -
x in;tJdade das dqis t~mas. Os conquistadores de André M alrarn<.1 .:.ão to-
do ~.assam prados pel.;t inipotê ni:iõ sexual. A ob ra d e Ernest H emingway
~rta mai-S: verfdica s:e o. Jake de O Sol tii1t_thénr se b,1anta3,, e m·vez de ser um
wutiladó d·e guerra,, c.onsttttússe simpl'esme nte a outra fcii.t des.s es sere'i
rnaraví lh.n~amente 8eumátit.os· ~ esplendidamente viris que a.drniran10s
nos outros romances.
1 Ver André Malr-a ux, Os couqilis!ad,ms.. Trad. Armindo Rodríg~e<;, L'!Sboa: Ediç'ãú !:i-
v.ros do lk asil. [ l 95°7}. c~.E.J .
1
Ver Erne~t F-lemi'ngwày, O So1 f,1mhé1p. se let(imta. T rod. Beí·eniée Xavier Rio de.JaneÜ"o-
Be"rtrand Bzasi l, 20.ú'l (N,E.)
• StendhaJ, Amtance ©U Al_qúmas ceiias de um sãl,10 pa·ri,ie1w· em 1~27•. São Paulo: Estação
Lib~dade., 1003 , (N.E)
18.8
MENT I RA ROMÂNT I CA E V!?RúAD E RO MA.NES'CA
man:éir.a,. o amamk [i)ão predsa mais reéear oferecer ao -ser amado: o es-
.p~táculô h4rrtilhanté d~ ~tu p_rá,'prio desejo. Júüen go~r:ía ·de -~ní"ciuilar
a .cqn~e,iêri~ia dé Mathlld~ qua·ndo esta :cai ÔriéJÚtfeht~ em. s(;~' bra~q~:
''.Se eu. pu.d%se cobrir de b-eijo:s estaS' faces. tão pálida,s e .qC:te eu nãq-o
6
sentlsse_st Eo.ç(;'lntram-se ras~os amllog:os nos r'ománcistas p.os-teriiores.
Q f\artador prqustia11_0,~pmen_te·e;çpedtnehta t.l!Tl 'i nstante dé prazérjtJ.htQ
de .Albertine -ado.-rmec-ida·. Entre os amantes dostoievsk-iano~) o ~ssassfníq
q'.u 0 .sup.funt o. G'ihaT da cmdhir .àmada ;~ a ·entfega, 1i riós1 não exatamente·
'Sên:l dete-sa; e sim S~hl ton.s~iên(ii'l., ~ uma p,érpél_ua tent:ação .O -suf~j.t_c)
ç.iesejante, mediante ur;n.q cQnti;adição rev.éladara, acab~ âestrumdô.<i:_sse
espírito ·que·tl~ n,ãb pode assiroila:r.
Uma b9a P,at~e do$ traço~ disti11úv,r)s éfo :~;;~tisi;nô dito }~qtforno. se en-
Gaürn s·em pro.blema:s 1 uma vez .que tivermos limpado, sua camada de
m·aWJ.' .iª~~ ro.mâ.nli~i:L, na .e!)1:n.itúr"a ttian.guhir do. des~jo. Er-otis-ruu es-
~enti'à.lrnell.te h)etap$:icO e CQ.í:ltempla:tiv.o, êJe fri:unfo tlô S~•çufp, XViJJ
na Urerarura lícç-nciosa e nos dTo~ clç ho,le no :drrnma. Ml).lrjpli;_ta inces-
S,dnte·TtJJ~nte·s~ús meios de sugesti0-.nament.o e vaJ se afundando inauoo
~ pquto 'ríô iI)iágirtár üJ purç;.. bG:pQis-d~ se t~r deti.iü,do c,;5mo qma exa}
taçãH da \(oma-d e, td~ ~{ no' ·onani_sm.o, ·Esta cl.en:adei.ra tendê·Qcia ~e
an,r ma ,cada \<ez mai"s abertamente em cer,tas obras do neorromantismo.
ccmreinpbrânêõ.
A sexua:Hdade e·a espelho q.9 ~x1stênda por intelr0,- e a: fasd n:aqão. está
em t.oda ~irr{e mas, nunE:a se fs:onfes·sa; ter1ta se :fà.z;er ·passar ura· por: um
''i:l'e~p_ren.âh:nentd', .ena ·pot\.!m é;nga;jamentó1'·. 0 ptlralfttco ?Us~,entii qi,11;
11
sua imal,Uidade é mua ,op~ifo. _s-½.na pr~ciso.· est0da'1. ; '<4'- obse~sões S:éXlli!i_s
de n0ss-a literat.ur:a ·o cmkmporâne-a,. Encontral'-se-ia· certamerate a· dupla
_(n~apad.dc1-.cl.e pç1,t.~ .a co,rnUJ,1h~~ ~ ptrP a .roJ.i:d.ão qµe caraçtêriz'à. t0.dà:s
~s ~tjv,il:j_ades çl.o· ·sujelttr dé_seJa.nte· no ~t~gi;O PW"0lfstitó .da· h1,eCÜa<;ã-o.
interna. Paralisado p.ei:o olha-r do :mediador:, 0 herói ,quer se esquiv:ar
5
Ü1iet1rreJ/;Q' ê:O rregro, p,191, OJ:>.Cit, ,{N:E;
1·89'
Ç.APlttjLC). t - O AS(E5~ DQ HÉ.R;ÓI
d.esse e_sse olhar. T oda sua ambição se limita, á partir de e-otão, a v-er sem
~er Yi'stO; temos aí o t.~ma dó ~oymr já: tão importante eni Proust e em
Dostoievski' e mais importante ainda n~ fkçã·o contemporânea chamada
,, ,,
nouveau roman .
190
M~ NTlRA ROMÂNTICA F.. VP.RDADT:. Rü t-.fl\N!!.S CA
fh~ -pe.'rgúnta ~u~n1 é St'avi:qguine., V:erkhoyenskj lhe rnsp.o nde: "É um.a
·e,sµêêie .d:e DonjUqn. 11 S.tavr.ógu:ine é a ma.is m0nstruosat a mais:-satànka
encartH1Çâ:o do- çl:a:odismo tomçine'$'çô"' Dâ11d1 ~upr~J;l:lo e sú.prein.amen-
tç, feliz, pai:a sua grande infelicicfaq,e, Stav-rqgµj_n:e está pará alé-m d't;
qua!cruer deseJo. Não: s-e sabe !se ele deixou de des~jar porqu.e ·ós: O_uttoS
-o d.estjan'l ou: seos Outros, o desejam porq,ue ele deixou. de deseJa'r, Ha
.aí t.4-n cdrculo viéiçrs:o do ·qual 5tavrógpJne oão pode m.ahi :escapar;, Não
tendo.'n\é!(S, ttle:próp'riQ,. um m ~di'ador ,. rorna.,s.e o pQlo rna.~né'tito do
ch:sejo e d:o 6d19:.: Todas ás pers-o.i:i:age'Q.S çl_e- ()s,flern6tii'o s. -sã:9 ·?eJts ©$ct.a-
vos; gravitam im:ansav":elrnenre a sua volta; existem µnJéai;i:rente: para
ele<t:: p.e-nsam ~óiL~ame.nte por. ele,
,M.as é 'St'êfytoguine,, ~eu nome Já Q d·i·z ~qµem çàrr~ga ;i .c:r'u;z mais. pc-
sad.a. Dosm,ev-ski qu-er n:os l'líé>$tta'f em que pode: ~ó.os't's tir q "~tJêes.scl
du empre.e:mdimento meEafísico , Stavrogu1ne êjoverJJ:, belo, rico, forte,
~nteligen{é e-nobre. Nã0 é ·porque Dnstoi'evski tem por s11a· p-ersona-
.g~fr,J. i.:una s1ropatia ~;eç-r:era, ·como o snge-rem tantos críücw-s ".ao. p:ar de-
tudo'', que t'J'e t> dota d~ dons tão q.ívcrm·s..S'tavroguln~ i i.us(ra um ·cã:s_o
fo6rko-, He tem ,qtt~ <Zôncentrar ~ohrc stpa pes,so·á tàtlã;; as c;on.di·çõ~s
do suçesse metafísir,;0 para que a "1ut a do .a m9 e ;do ~ cravo" tér_m ine
-s..empre ·em seu favor, Stav.roguine nà'o pre.cis,a estender <1: ma.o pai;a
cecebe,r. É ate P.o r niliwa. izst~n.cler a rn.ê,.o que to.dos o_s homens; todas
a%muJ.heres 1 ca:êni a séus pfs ·e se (;'.Il:tregllm a eJe. Víiima. ,dá .acéd.iti,,
Stavroguinr em: pou~o t~Qlpô tka: ro:j~itõ aos mais hórrfveü, cápr:ichos
e at:.aha the~du ao-suiddio.
m.é'ctt~ ac'irrüi das demais p{ffso nagens de O: Idioti:i. Ele é 0 homem .e0m o
deseJó, Qlctis lbng.ín-q_uo nõ. unNeyso cio .d~s-~jQ mais. próximoº p-onfo ·oo
19 1
Mishkin .mão Elâ aberr).Ira nem ao orgulhq .nem ~ :vergonha; sua ind1fe-
renç_a sublíme s.ó pode irritar os desejo.s. vaidosos que se en.t reçmzarr.
à :sua ·v:bl\ã. Sua ren(mcia verídka 'tem as mesmas c;onsequêncías que
a renúncia fals_a do d.ândi. Cor:p.p S.tavroguini::, Mishkin magnetiza os
desejo,s desocupados, Ele fasc irta todas as personagens d e O ldiofa , Os
jóvens ''normaJs," hesitam diante -dele entre .dois juíz.o.s contradltór.ios,
Eles se pergui:it.arn se o-prínéipe é .um imbecil 0u um tático c0osu_rnado
um dândi de uma espécie súperlót,
192
~EN TIRA ROMÂNTICA J VE'RD,A..DE ROMANfüí C A
O s.ujeiro: desejante abra~,a -t:ãó_sqm~nfc:; o: V.élZÍQ q_
mmdo se ar,>odera do
objeto. 'No fim das contas, o: amp ·permarr~t é t~o afastado d.e ~ua mera
quanto 'º escravo. Ao simular e a.o dissimufa-r O' 'des~q, e.le: C9n~é"g1,1~
tlíti_ilr ~ vonfadli: -o·d.esejo ,do Outr.o. Ek pe:Jssui o objeto, fl:).a~-(';~se 'opJe.-
tO p.erq.e tp-do o valqr ~e:ÍO-pr:óprio rato d!;! -se deixar pos suir. Math{ld~
conquistada J.qgo: :de'ixà de ·totéré$'~ at à Jufa.e;n. O narr:ador pmushano
qu:er se desfazer de Albei;tim:- -a:ssim -que ã imagl1Ja· netLizaveta: 'Ni.-
c0Ja.~vna $Ó p-r:ecisa: se en.treg13r .a Stavrog:u.w e para:. ·q u_e ~st~ lhe d.é- i-\S
çÇJs;ta~. Ú ,esçr,avo é imediatamente -anexadO' -ao: TCÍt),O do banaj ét..t/~õ
ãpio é, o C~r\trQ. C~da ve--z: qu~ o amo rec01n.:eça a desejar e se ·p0e a
can,i:nho fl.lJI\O ao obj~to., d-~<lcr~dtt~ ~s-tar clti>eando essa prisão mas ,.a
está levando c0nsigo., coroo: um sat1to sua: a:uréok Assiro, o amo pros,-
s~gt1ê ín.d eh.nid-amente ma.. 'íombria exp[01'cl~ãq .da ie:alida:de, tal cp[Jl.Q
g:qi cJenti's~~: ~0si.tJvist'a_que espera,afoarrçar 0 oonhed.QJ€lítO ~qpre_rno
esgotando Q d_etalhe.
O .am.o está: Fadc1do à des_ilttsã.o.é :a0 tédio . Ao ouvi-Jo, podêr-st:-ia ac;r,e"
di~r: qué dé re<c:onhe:c~ o ahsu:rdo do .desejo .Q1~tafísiczo._Ponfrn dê 1,tãQ
renuncioµ a todpS: .o-s desej,os,,-Só rent1nci·0.u aos aesej9s :a -respeito dós
qüais a:exp·e nê:rte::í:a ·prov,a que e!~ ,dec~peionam sua expectativa. Renµn;-
qiou aos,.des~fos-fácêJs e: âb'.s ~~e.s qu_,_e: $é entregam sém se defender~ Do-
ravante, somente ·.a arxieaça, o~r milhar, c1- promess,a de lima resistêoêia
viJorios:a ·o a,fa:ál. Üenis de Rm~gemon t_, ~m 'O Ambr e. o Odqente ,. pera;beu
e:s~a fat~li.cli?.de da paixã0 r:.omântica:: '·t preciso recrr.a:t o_bst&culo.,s J'.>âr'a
pq4er d~:$éjar hóvarqeJ1tt e pará:€naltec.er esse desejo até' as proporções
de uma pai.~~o.cçrnS'cí~nt~. intensa, lninúilê!mtp.te 'i'ntert ss-ante:n
O amo riãu se curou, -e sim se tornpu b/as{ Seu cinlwió é o c:onti:-á.rio dã.
s~bedoria V::t rda_de;ir:a. Ele tem que passar cada vez mai? pertq dà ésçrayf-
d~o ·para livtat-sê d.~ se,(i, tédio:- El~ Sf::·parece tom o c0.rr-ed0r que açd~
un, poue;o QJai.s sua cttáqtíinii :~ cãcfo v.olta d<l p_is-ta. e '.que certamente vai
aeahar cap.o.tando,
(.-93,
19.4;
NIENl:IR.~ R0.'-1 À11'!<·rn: A Ê ·v~iJiD.E ROMAfÇES C A,
O desejo pe;-dé seu óbjetQ _nq mesmo momento em que ele pensa tê-lo
a_garrade>, p0is 1 a-0 se tor11ar visívél, gera ~s· desej'os :rivais que constitui -
rão. obstáculos. São os Outros que 'fr:eiam a atividade do indivíduo. e esse
fr~'i(i ·$era tan.to mais eficaz quanto·a ativ\dade for fà<1-ls espetaculãr. Ora.
é s~pre .e.i;n direç~o. ao espetáculo supremo da potência ab~oluta que o
amo,, d~ desejo em desejo, é in.exoravelme-Rte ,atraído. Assim,, ele ruma
&empre para sua própria destmiçã9.
195
CAPIT U LO 7' - ( ) >\~CF-~ DO H !:'.R(j1
I1ep.Qis de· h:ave_F tomado de assalto us objetos, de ·S"eü c).eJfj9. es_sa$ pet-
s()ng.geh~â'.é inst~il-a111 num. real e dura;d.o,lir.o ·-,gozo. Rastigna0 está peJfà-
taJ;nente· f~liz em ~etl .QJl'larç:>te p_'()s l'talieris'\ O õlh:ar. q·ue 1he lànçarn
os espectadores da pJatefa ç o olhal" que l:;l~ lança a sí próprio tiâô se
dLc;:tinguern. Ess.a teUc;idade é aquela com que, sonha o ·dândi ou o 'ho-
tne;m de negados burgu~s. No urüvc;.rsõ '11~ mçtlja910 iotim:i.a -cada qual
sonha, acionando simul fanearnent<: o.l:?9.m be,.c1,g;1.e:IJt9~do ~'e's~Jo, côi;n sua
:aP.osetftadm.iá n'ão fora do .mundo e, sim num mundo. defin:itiVaII1ente
t"ô'D,qJ.tJstado, çm'l murrdo ~oss.uído ·e ai.JJd~ de$êj,ável. O des-tin:o· de Ras:...
ti g_n ac nâo· ,ev.½laL'e,1~ r-efl.eté o êl~sejo. h1'eta-fí_si'c:õ.
B,a lz:aç ê Q poeta.épiêo ·tlo deseJ0, burguês e sua o.bra permanece ímpregr
Jiada de :desejõ. Os. vítQp~rtõs·oa1z,aquianp:s cdnt'tá a soê.leda:dt:moderna
têm a· am:bi.guidade de certa%çle1:rtín.t ja}·ço.nt:e:QJ.pótân~à~, à d0. pr'íni~rrd
Dos Pas-sos, p0r exemp:Ío, filas estãu semµre- entremeadas .q.e verti.g.eli':L
A inçlignJçã,õ. ~.u.as·e ·niio. s.e difofencJa da cdmplªtênüa.
Há,. ütn Balzac, m:uiitas Í-I'ltuiçpe·s paràlelas :às. do.s :rnmarréista$ :q ue estu-
é(arnQs. ~ste livro. Contudo,-a.s lei's do. dese]o trian:gular nã'.o estã.0 todas 1
;r. Ver HanórE de ·Bàlzac. O PãFÇáría"t. Sã'ó Pãuio, Marrtl n ·d.tt~t. :ZÇIQ4-., (NJ:.)
t96 ,
'l9,7
Ern :O Ve;;,me}hc;i e o Negro·é ·q_uase sempre o ·olhar de Utl;) ·a.roo qqé t:oli'térh~
pia o. linivêrsô romane'sêb.. Pen:etraràQs na ·coflSciêmcia de u_ma: ~th:i:{-
de llvte, un.difererrfct e -altiva. Quªnd:P h1~thilde se torna escraY:a, não a
vem@s ma:is- s-enã@de fora, ?tr&Yés. dqs olltd$ do- flmQ que d 0Tava.nte t%
Julien. A luz-ror-uranesoa sç aJoja de ,preferência ·t1um,a consci~ncía. :donü-
na.dõra,; q'úando·essa coas.ciência perde 0 dom'fnto·,, a luz se de:5vta <tléla.~
,P·a'.$_S~ a S:êU 1/en.cedo.i;,Jrn Proust é ·0 ·opo.~t~: a tons:ciência qut filtra a 'lt.r2
.do romanc.:e .e lh~ da sua quilidadq fspeci..fü;:ameote proustiana é quas.e ·
s.empre :t.1rna c.;;onsd~dà escta'.Yà.
198;
1\1 ENTI!(.\ Tl.() 1'11,1,NT IC A E V(R.,PAÜE R:fJ. '.'\V,NESCA
Sé' e~wlnarmos as. obri,ts ~,t<;ndhatra'Qa5 isol~_d.aro~ntt,t, enc:ontraremos a
tdação do am,o-e do cscr;:ivo· ha, <Jp:0.siçao e:n1fr_ e a$ :pfi'merrá$: e a$ últin:ni.s
obr:as. Em .lil tncmcr a oscra·v idãs proprfamente dita ainda t'l~:o ap·ârece _sób
fõmia ·aj@tna,;. á io'í'elie1dade conserva ümà· ·essêrn:::·ia romântica e flâo
ameaça a -adten0nüa -das pér.~~nà;gttn~·- Em ,O Vi,n_ii~_ll,9 e. o_f:lejlra a ese;raVi·"
dão :está pres-e-nte, mas s-e maon?m :quase s-emp:re ~.'(C~nt,riea. Sua imp0r-
.r ~nêíã ctest;il €m Luci~i1Lei,wen com 0 ·d-0ü.1ior Ou P.&riera S'ID )\ C.1rtu-x& ele
P,trt1rw' o p:rojet0r Mmai:,.ç_sc:0 se; d:~ qra., semp(e· mai~ praze-i;ós·ameH-te1
ml.;,re personagens .e siwaç_õ·e s s:e-tvis, o :cj'ÊJn:l_e de Mo~éà e tia S.~rJ$'Y~ ri'-
Iia,, o lç.rror: do pr:ínc,J'p e de Parma! a halxeza do fiscal Rassi. Finaln,.ei;,1tre,
em La11iiel,, St~dhál ttia pela piini.tj'r:à v~'z l)Jn. berói -{êscravo oá ~essoa de
Sandi-n, precursor p.e qu~n9\ htr_tgt!.ê~ d~), he;:-ó.r subterrâneo,
-199
.C.s\_/'ITL.J_l.0 1 , t i, r\_S:(É~'E; D( ) [é,1 !_:RÚ !,
é ainda_ farte o suficienlse para escapar à escravidão.. Em contrapartida, é
rota:lmef}te ~1.,tbjugªdo por essa escravidão em A Prisioneirtf e A Fugffina. O
ponto mais baixo dessa "descida <\OS infernos'' se situa, como em Stendhal,
oa parte da obra que anteceq.e rmedl.atá'mente a coric;lusão salva:d0ra.
m. Ed.içâo Órasile-ira: André Cede, Osmoedciro·,Jalsos. P<io d.eJan~iro: f. Alves, L-983. (N.E.)
2'oQ
M.E!'ITÍRA ROMÁN1:!CA E VE.R.DA{)E ,R:OMAr-l!:S'C:A_
EsbPçâmQs o, desenvolvimento teóiito·da,·du,pJa mediação.. V'in:w.s o de~
sej:o çtes~~r .e -se ~gr:~wr :s.em_qtie iti.t~ttênha: nenliü!I!. el~meEito éxterior
a@·s .d.ois.triàngulo~ ~-µp.ei;posros. A dup1a ;n:iecfia9ão .é úma tjgµra fethada
sobre si m.esma,, o des~jo-drnu!a:.af-se-nutrindo de ,sua:--pr:ó p1ia.~u_bstfã_t;tcj"a.
1
11
• Edi9ª(}. br-ifsik ir.a: Jean Ra"Gjne, A11drónu1pq,_ Ilr.itíp1.ji:o . SãQ -P.aulo: Martfos Fe.mes,
2005. (N.EJ
20,r
1
~ E:diçãó hrasileirà: _t,..tademt; ·de La· Fay~e. A pdnce~a de Clro.es. São Paulo, Clube ô.o
ljvrp, 1q~s. (N.E.)
l' .Madame de La Fayette, A princesa de dwes, p. 102
202
11._l [; CSIT.ll{A )H.JMAtitTI CA E V,E"RDADF ROM.ANESC.À
do-l0rns0 d@ mal-.e.n.t.e,ndi-do pa§s1.0 11a:J.. A s-ra. de Çleve~.acaba de COi'J-
1
• ' 'free;bp,emr.e c9Tcl1t.'te~ nâ:0 c0_0sta n-a traduçió utfüzada.
11
·Madan1e.de là Fa)&itte; ~ princes,;: dr!.·<.1tvi:s, 1?- 136; crp.cit. c__N.E )
].Ó~
Um homem pane .à prc;rcur.a çi~ 1:1.m tesouro. que acredita .e~@ne!füe. spb
uma pêdra,. Ek e:rgúe um ~ande nútnt ro. d:é p~dr:a-s;· uma após- a outra,
mãs não en.c o.t itra nàâa. ·Can$a-se ties.sI~ "ª
.opêr'_ã çáo más, nãq q,uer '(e-
nunciar a ela 1 pois 0 tes.01:ir0 é por demais v:aHoso. O homem v.fii- entãq
se pfü .em busca a.e wna pedra ~e.sada,.demaJs para ~er l,ev1.mttJda,. é nessa pedra
que V.aí i;nv:ês.tir·totl.ii ·<,i Sli.á ((sperª-n~.a, é jµnto dei.a g,ue vaj despei'dJça.r .as
Íç):tças qu.e Ihe- r.~tan;t.
O masoqu_ista - J;5oi,s .é .ele que a~abamo_s de definir- - nãG passa num ~ri·
t
~dtJ::5 morrre-nto. de um ·~mo b[nst. t..fm ho.wem ruJq :strc.e~s·0 p-erpêtu(),
em outras. palavr.as, uma pe.rpétua decepçã0 1 leva, a dese1:at o prç>pri:q
f;raéasSO; e $0!1)el1te esse fracasso pode lhe revd,ar m;na divindade au-
tênttca·, mtl niediador invulrierávci a' seus prÔptjos empreendimentos.
Sabemos que o desejo me ti.ffsic.o leva: sempre ;i. .e.sçravidão, ~ Q ftâs~o
e à ver~gonha. Se essas çonsequênêlas se d,emorarem çlema:is, õ p róprio
suJejtc), obedecendo a sua estranh_a lógica, se e n<.:arregará de acelerar à
<::h e:ga,da del~s. :Q: rn;asoquista precipi.ta· o cu~so de s.eu destino e concen -
tra num só mo m.éo t_o .as foses a.té então separadas dü prQCJ;5SO. :met.a:físi.;
'CD . No desejo ''tornum",:ern a !m itâção que -gerava o obstácu1c;,i 6 agora
nâb deve5S·e. ,vo.ltar.--se c0ntra si ;mesmo > potém, entre suas infelicida-
des e seu qeseJo, o: ignorante não v.ia neoburna re!.u;âo. O masoq.11is:t a
percebe a refaçãQ ·'tltcessqria .e.ntre a inteliddade e o· desejo rri.etafísico,
mas nem ror isso !;'.)é renu nciá -a esse desejo. Pnr um: contrassenso ai n -
da mais notável que c:is con tr.assens-cfs i!O.ter,iores, v.a'i optar, )lgórar pór
ver na v~gonha . no· fraisasso e na escravidão não as consequências
·inevitáveis de urnâ fé sem objeto e de um comportamento· absurdo,
m.as os sinais da divindade e a condição prévia de quçilquer suc;esso
206
!..\E NT J_R·A RO."-l l'\NTl½A E VER D AD:f RO !\IA NES CA
me-t;a-f1sico ~Des.de ~rrtãó 1 € s·o·bre a falê:f'lóa en1 s'i gue o süj~Ho as$.cnta
s~u píopósit~ 1iara a autonomia.; é' s0bre· a abismo que cde: fo1_:n±a s:e-u
R-toj~tô qe· ser De_li§.
Ém O Awar e o, 0-dd~nte, De;1;1is de R0ug~ônt dç:LJ,se p.lenarneoté conta
de- qv~ todª- pgJ,gão se alimenta d0s obstáculos. quG lhe, sã-o l.mpos_tós
1
207-
C A.PfT ULO; à /l 1A-S0 Qtrn;.,1.0 F. S,,\T)'JS~.,o
Já v,i_mos" no ca;)i(tt:rlo tI, .e'xemplos de masoq_ujsmo emque a humilhação,
'a ·impotênçfa e ,a ,,el'go·oh.a, t~tô é, o 6b~táétrlo, d~termrn.ãvam .a .e.sco!ha
do merliador,. É 0 :noÍi, me taff{Jert 1 dcJs Gu~~(lte_s '.qge deseoca.deja em,
.M arcel üm_ des.eJó·vio.fento· d~ "'fazer.:s.e c0nvida-r". O process_o .n~o l: óu-
tro oo caS.o.do. homem do subs.o1o e do. b~p.do d.e Zverknv. No eJDisód.io
do oficial. há até um obstáct1lo no, sef).t[do mai.~ 'literal dó termo j-á que
~!f$~ insol'e,nte fur~a .0 homem do subsolG a cles:c~r .çla êa1çi1-!'.fo.. °PQr t'9cfa:1,
parte; np~ rômarl'tj~~.s: .ela me&aegà.o· rmtérna, venificarnqs a 'é~i:f.t idão ~s
obser:v:-açõ·es· forq1Tilêi:da,s· pôt Denis de- Rç:ip.g~n10ntl: "O 0bs~culo mais
gr:a:\./,é ... éca. aquele. que é p1;e_fejido aGj:m~ de tudo. É ó IJlillS a,própriad.a
a a\l_m~nlçii q_ paix:ã_0_." A des.crl~'ào 6 exata .mas; deverj.q. ser -acr.estenta·dd
que o OpSt_áculo mai-5 •gt·ªve S.0 téí:Q ·esse valo.r pm,que efe .denota a pr.e,
sença do.media.d or mais djv,ipo PO$~ív:eJ. M.a;I'td imita a Íi.ngu'ag.ern e' OS
módo~ ele Albe'r't;ine; de adota, a-té seus gostos, O homem =Ôô. súbs(:)·10 ~e
esfprça ·gtotescatnént~ ern copiaf <l fanfamcé d~ seu insultado.r. !solda
seria rn@Ans- amávd se ela nâ:tJ fo~se a mulher des.ti.nada ao, rei; .e T ri.st<ã0
.ispira., no fumdo, à r.ealeza·, no sentido mau; absolnto: ~ô teçno. ,ÇJ me•
q_i(/;clor pentli,i.r)e'Ce dissirnülado, pOis '.0 n:üto de Tris.tão é um priméi'.ro
poema rnmãntict}: Os tomandstás .a.e g~11Ü) $ao 0..s.únic0s a iluminaf a:s
p,ro.fun.deza~.d.a alma ocidental r:evdand~-r,QS' a e-xisttncia inJeil'~.rneQte
irnJtativã.· tio :$<::r ;ap;ç1.ixJrnado.
O masoquista· é mais, l_iicido.e , aÇ5 'rn~!i!rlb tetnp,9., maü; .c égó ·q_ue as-de"
tua~ MítímaS: .do: d:êsejo metafisico. Ele 'é mais lúç:itj.o, tom esta Iucfdez
cada v.ez tna'is 'j)f9pagad~ nos dí'êi.s de hoje 1 pór!i{'Cle só' de, enrr~ tqd0s
els. sujeitos-desejantes, perc:el:>e a Iig:ação en~rê a fIJ.@diação lntema e 0
o,bs:tãmio; de. é mais ceg:o porque, :em :vez de leva_t e::;ssa tQmada d.e cons.-
éiên~CÍã' atê c1s ço_ndusõ.es.-p.ara as quais e.la ap.onta., em ve..z ,de, -em outros
termos:1 hrgir.da tr.a.Q~'ceodên'tta cfe,s'{iada, e:le S€ ~sforç-a paradoxal-mente
' Êffl J11tim. 1 ''Não tg çiues ·e!ll mim" Pal_avra5 ô~ Cnsro1 a Man'a,Maelaje.bà após-a re~sà_r-
r~iç.ão Uo:XX'.:,.t '7) {N.Eí
imr-
M,E.NtiRA R.Orvl..,'\J'\l'r'rc:A- I 1/"El~ÚA,DE R.OMANESl2A
em s(Jti_s,f~ey s~u d~s.e jo p:r:ecipitando~se sobre o '0_bs'táculo,, entregarrq.O'-
Sê à ihfel~cidade, e ao frac~s·s.<;J.
Na pr.itica :é ~$ \fez,ê~
dtfío! distin~r do mas.oq,uTsmo prnpFiamente
dito o masoquismp ÜKon.scienJe- ~ çlHuso .q~rt- imptegnç todas: ·a.s for·
.mas ,do desejo me-ta:físic0. De fato, Dom Quix-0re e SPtJ.cho nãô ·pa:rarn_
qlü~W~ é.ritj:ufiflto h,i:!Q' fóre,riJ esp·aoca:.do,s pâra v-alér. .Os !ettoTes "idealis~
ta{' t~Spçmi;ahll iz_ava:;m Ce07ç1.rjte-s p-d~s p_ródimó~as: pautadas de _que 'S éU
]~e.rói padeee; nossos lei.tores modernos; ma-is "lúti.c).os"; tIJftis J/t~àlistã·s':
CiLtfe,q,_s grimtjn:;>.s r'owânt1i;l'o5, tratam ,c óm muita oatur-afl.dade Úom Qni-
Xdt~ cj.~ nzasogt.i6.ta-_Qs dai~ pareceres opõs.t .õsi$ãQdu_as· totmas contrái:iás
;ltJ9
ê,<1.Pftu L(i 8·~ rv!A&OQ.Ui $'f\lÓ .E ~AÕ,Í°:,NtQ
e gêmeas do eno r.9rnânti_cà. Dom Quixote não·-é mais. masoquista, no
sentido estrito d.0 termo, do qu·e Cervai;it es é sádico. Dom Quixote
imita seu mediador, àmadis de Gau1a. Já o caso de Julien Sord é mais
duvitlo~o. O arlplescente poderia viver na abastança jlfl1to d<! seu amigo
Fo.a quet e ele vem mend~gar, na residênci-a de la Mole. os desprezos de
a,ristocratas ~ue v~lem rneaos quede. P0r outro la:do, quál o. sl.gnitiç9do
dessa paixã9 fw"ldsa que não deriva senão do desdém de Mathi]de ·e não
Jhe -sobrevive!
110
211
CAp;[TU i.ú· 8 ~ /.1A<;'O..Q1:.IISM(1) f '. 'iAD'FS J\~i 1
.esse rtâ0 se deve a üm· infeli:z: acaso ou a uma falta de ?rétauçõés "cien.-
t'íficas':' na observáç~9. O observ.tdor nâ.0. qim' desaer, na v~dade dd de-
sejo, até o p~i;lto em que es$a verd~de lhe diria re,sp.e:ito tanto qua.rtto ao
sujeito de suas observações. Ao encerrar ·as co'ns~qt.rêndas depl'oráveis
do desejo metafí(1co num objeto qúe (Mha~oquista, f? somente ele, deses
Jaria, faz do cojtaclo um ser à parte, um monstro cujos sentimentos não,
têm nada a v-er cóm os dás p<;:ssoas ºnormais", qLrer di2 ~r, côm nosso~
P,róprios sentimentos. O masoquista dt;'!sejar_ia o co11trâriô· do. q·ue todos
nós desejamos. A cpnttad~ção q_u e deveria ser apreendida·como inter.íor
a noss0 próprio desejo fica des'l0.cada para O. éxtertor; ela serve de b.a:r-
reira eritre o· observador e esse masoquista que seriã perigoso entender
inteit'án;1ente, Vale: notar-·qüe é sempre sob·.fo.rma dç \:i.iferen~s'i entre o
Outro,e o Eu gue se apresentam co.rtti:adiçües que são na reaLdade o pró-
prio fundamento .d r nossá vida psfquka. Os: relacionamentos estabele-
cidos pela mediação ime;na viciam un;ta boa guant_ida.de ·de observações
que·· quer,erj] se fazer pa_ssar por "científicas''.
111
M_ltt{ r' IR:J\ ROM ÂNTI CA 6 'ViJ: Jl.D ,M)'.E R() MAl>ff.S:<iA
Ao~lado: da, ;masottúí.smó 'ê~is:te1}cj,_a{ qt;ie acaba_ro.os d.e descre'ler1_ e:H :-;
co.ntra:-.se também !l'Ql masnquisn)O e um, s~dism.o 1iurame1üe· sexuái9
que desempenham um papel c;ooQiderável ·nas õbf'á~ tle P'r o.u_sit e d~
DMtoievskL
2.1:.3:·
GAf!iTlJL<} ii - ~IA~OQ_tltSM{l E .S:AD 1~1'1.(l
-assume O" papel do medi'ªdor-. Essa ·mudança de comédui não nos toma
de surpresa. Nós oão ignõramos, de fato , qu~ todas as vítimas do desejo
metafísico procuram se áptoprlat' do ser do .!Jle·d iador imitand0-o. O
s'.ádicc;,·se. esforça em imitar o deus em sua funç~o b~sica que é, doravan-
te-, a de T)er!téguidor. E de faz -c om que seu parcei_ro assuma. o pap~l d€
·perseguido.. Q s·ád-ico quer se dar.a ilusão de já rer atingido S'éu QbjetivQ;
ele se esforça em romat o lugar d.o nietllad.o r e de ver o mund.0 através
dos olhos deste, com a e~perança çle que à c:9médfa., paulatinamente, 5-e
tornará realidade. A vio.lê·nda cio sádico constítui \jm novo esforço para
atingjr a divindade.
O sádico não pod.e çrrar para si _a i Iusão de ser o mediador s-em transformar
sua vítima em um olftto si mesçm. N'o éxato mornentJ) em que redobra
sua b.rut-alida<l~ não pode detxar de se reconhecer nó Outro sofrédor. T ai
é o sig,ndkado profundo dessa,estranha'"comunhão'' tão fi-equentemen{t'â
observac:L3 entre a vitima e o carrasco.
2 1-'4
MENTIRA Ré:lMÂNT!CA E Vf~[)Ad_E Rt/1\J..ANl.:5.'t.A
1)icnauu,:;nte reai' -a pebre prqstit'(Jta. qu~ lhe e.ai na_g _mã_os. Ele h:i;litã a
~ooduta qu~·fi.e ns·a ter tido com: cle o bando de Zverkov·;. ele ·aspira à
dívinrla:di: êórp a. q\!al .•;,lia àngus'tlà revesti u ess_es medíocres ·comparsa~
o.o d~cm,~er das c~nas anter,ic1rr;.;~.
l\ ·o Tdenação sef{ue ndal dos: episód.fos, 'ej;li O ~uhsófo·, riâ g é inclifote_nt~,
Ô b ãnquete vem pr imeiro, as cena.s com a prnst1tuta v.ê m depois. Os-
aspecçtq~ t~.s tençi:ais eia esJrutura masoqu,ista-sádica p:recedem s~us a~ .
pettos sexv-ai·5-. Lócrge .de prjv.::i.l~gi~r ·estes. u.ltimt;)s,. como fazem tantos
rné-P,i½O.S e· psi(IUj<!,tr,i'S, ó ÇQcnaiicist:a açen.w,a; O P't:-Qjê't.Q .itJcliv.i-d_ual .b ási~
co . Os Jffo.blemas qu.e @ masbgt:ri smo e ·o sa·dlsmo S'eXqais clpres.e:rrfàtt).
·só fi.cam es'éÍar.é_éidos se forem vi,s rns como 1:1n1 reflexo ·da existê n'é:ía.
e·m s~ tQdQ. TQdo refleso é evide.nttme.nte p0sterior à ·c.oisa ,que ~le
~ê.fl~te. ~ O ffiçJ:$0.t]UfSIBéi $,eXµ:éJ,f ·q_ttt ~ O ie_spelho do. 1iia%.quism0 exis 0
tencjal .e nâo (.) ~ilve-rsó. Ççimp pô~emo.s tàilstat"i{t' mais' uma ve-z:. a_ s
iiiterpretaç&es que es-rãq IJ'.il m9da sempre i 1wettem. õ. sentrd.o v:erctã-
tle-tro e a hierarquia <\fQs fenômenos-.. Da m@sma ·forma qu-~ se' p.q~kJ.q"'
n.à o _s~adi~ril.() el)J. _prirn~im plano, .â ntes do rnaso:qui'srno,. e Q1Ue se fala
,etfl sadortrasoql1i S,1)'lQ qvªnltc::1 s~ devêfj·à .fal:ar d,r:: masoq)Jisrnó sadism0·,.
0
li f 5·
Q ,ipff l.JL.u .a: - MA·SO'<. ,;[Ul ~M·q E SA.D I.S-MO
Uma sádica corn·o. ela é:urry artistâ do maL.colsi,i ·qu~ uma criatUra ,tntei-
ra111.eF1te má· não pode1ia ser, poi~ ô mal não séria extc:.riQr a cla,. antes
lhe p~rccci'ia ruuifo nat[J.raJ, nao che~ndo mesmo à dis,tingµfr- s:c da .,"Uâ.
pffssoa ....é na pele- doli m;,u~ qçce (.esses artistas]. .. procuram entrar_._ a
fi m. de que p.ossam te'r po'r um insta nt~ a iJu.sJ o cl,e se hàverenJ evadido.de
sua -alma. escrupul.o sa e terna para o muodO' inumano <lo P,ra.7-er~
O sádico, no próprio ex::e rçíçio do. mal, não deixa cfe se identificar com
a. vítima, isto é, com a inocência pefsé-g ui~ . Ele encarna D Bem e seu
media·dor o Ma1. A ·divisão romântica e ''rn~rniqueíst~" ~tre o Et1 e os
Outros está sempre presente; ela até âesernpenha um paQel essencial nQ
sadomasoquismo.
2 16
MF.NJ lRA RO.M~NT IC:.A; F, VÉRDAD'E ROMAN ESCA
to.deís· Oi; húmi\ha_dos ·e -o_f.eHÚt<dos'.'',
Ô Çi~Só.@ fSt,a Se i.d'ériti'fk;a CQffi
11
2'17
<SAP.ÍílJL(} 8 - MA~Q~U ISMO .E ~i\bl.SMO
Bem para melhor odiar o Mal. Só se detende os .oprimidos para ll)elhor
inve5tir co!)tra os opr~ssores-.
É nessa '>úperação da ideologia eslavófila que s_½ ~irua· pára nós o pontt.>
mai_s alto aó gênio dostoievskiano.
' Edição prasilc:;ir-a: Fió,d_or, Destoievski,, Di1frio !k um esGtitór (seleçã'oJ. Ri0 Ôê Jnneiro,
v.dlouro, [1993]: '(N...E. )·
·118
M'Ê'.NTIRA RO.MÃNT!CA F. 1/ERl>.ADE RO~lANFS ( A
ateus,1os frçfessp)·es-do rnáJ,. os rµa_-t'ériabístds; ,rn~smo Qs rf1a.tis.de,:ilre eb .
1\lãta o.dieis os
po'is.muitos·s.ão bon5, sobretudo.em -nessa qmca5:.,
lon,gp de, sua· ob~, sucuQJ.pem 'às vezés ~ uma tên}~5;~9: tiT! .c omum: ~les
dotam ,c tTtas personagens de ma'ldade .em ?i.. de ,UII)a cnreldade ql,ie é
p:ri'I;neir.~m€nfe a re:s·p,ost.a a uma emfra crueldade, ou a uma ilusão d:c
cruéld.àcte. Es~e~ tteth:os rd1'etem <1c. ~$tnl'.ttn-a sadomaso:qu.JsJª ·da e.~peri,-
ência;. eles não a: revelam.
'.219
<,AP IT,Ul.U s·.,.. M..,X50QU15:MO E: SA.t) !,SJ\.tf');
[A ~rta. Vime.ui]] n'<Ío teria acaso pensado que ·o mal fosse um estado
tão. raro, fão extra.ordrnário, tão 'jc;Q!ante, e pàra onde erª tão gram
etni~rar, se sóubess:e di~<;mi-r em s.\ mesma, como em ·t9âo~ outros,
essa indiJereoça pelos sófr1me:ntos qµe .nós mi;;smos causamos e que,
por mais díverso.s nomes que lhe deem , é a fo rni'a temvel ~ permanen,
.té :da cmeldã.de.~
,
•'•
L
quências da r_nediaçâo n;i.o fossém tão 't emíveis .
220
MENTJRA ROMÂNTI CA E YE R~AbE ROM ANESCA
·e o subUm.ê' dú p)'fmeir.ó mmantisr:110.. D.enis de. Ruugemont denunciou
etse stttpre~J).deote pte.cor)çêito etc:1 ,Q·A»(or e ·o ,Qtid.wtfe:: ·110 mai.s .baix.0
r:i.0s-13arece o ,mais v~rdadeiro. ·Ê,a sup·e.r~ti~ãq. da épó~a.'! Nú hrn4o, s_et
rttilist~ nãó é mai-s do··que fazer a balan~a do provável pesar·para p p)or.
M.ãs ô tel:!Üst.a ·s~ ~ilgtin.a maJs reclónctament~ ajnd-a .que o idealista. Nãcr
ê· a v~dadei ~ ~i meJ;it~ra. que progtid~ à medtdã· que os.• 11p<i-Iãcios: óe i:tds.-
taJ1'· S€: transformam em visão :in'fern-al.
() içroO rbrnahé~CQ .5-~ clev,p. e,Çi.pia di!S Op.QSiÇÕ.es ge:r_adas l!)eJo desejfJ
m:eit-a'ft~.yo. El~ ·p1;0cw,a nos m_o·stta:t seu ca:rát·er ih:tsór(9. Ultn:rpassc1. as
caricaturas rivais d0 Bem e do Mal que ·n.os propõem as fat:çãe·s. Afirr;na
a idenJíd.a.de dõs .contrfülos no. ·ãnibitó· dé! mtdlaçã:o interna.. Mas nãG
theg.q; ,aq relativisrt\b moraL .Q c:nal e~iste·. As tóttctt~s qµe o homem do
subsolo 'inflige ~r jovem pmsiitu.ta não sâo irnaginár\as, Os ~qfri.ttie.n tos,
<le Vinteutl são, da mesma formai. r:eais atê- .démáis. O Mal e::&iste e é u
prôptío. de-Sejô met~fís'itq., é: çl tran[ç.endênõa d'~wia.dâ. gue teçe õ.s ho 0
Jtlens ao revés, sepa.rando o q.ue alega unfr, u-nin.(j,o· o ,que .alega s€parar.
O' Mâl .é .o pact0 ne.gati-v;·ó do,ódió a.ó ·qual tantós homens acleTem firme-
m.ente para $iJa t_nútüa destrui·ç~C;J~
::u·J
tApfTULt) .s. - ~1ASúQiJ JSM0 E ·s ADJSJ\.1Q
y
OS MUNDOS PR O·USTIANOS
Comb_tãy é µtu u.ni\lér'?.Q ptot.egi cfo. :Lá, :a ctía_nçJ:i vive ,à s:omhr.a dos,pi.tis
e dos fdo.los- famiHareS' na -me~~</. bern-aventu:ràda ffnimida,d e ·que a, al-
deia mediev·a.1 à, sommrâ d~ ").CU carnpa-nário-. A Lmrdade de Cornbray :é
ê5p_ititua l a_t')'tçs d'é ,~r;.r ~eqgráBca. Combnry,~\lma.\;i·são ;e;o_mum a•to dos
os membros. da fom'ília. Urtt~ deterutj.nada, ordêtn é in1PQ,sta ~ rç:alH::lad~
e- aqLre fa nâ,o mais -s e ·disi:ingue .desia. O :p-rrimeirn símboló..d.~ Cernhray·é
a Lantfm~ mágiça, d1j?S· jma.geús. tóma.n.tlo o feitlú dos objetos sobre os
quais- slfo projetadas., n,d!> são re-tTetidâ.~ in.di~ét.e.nternente p~Ja.s pa_re_des
do quart0 1 o. ah'ajur :<: Hl as. ma:-Çianetas de porta.
11
bar,ls uma. dffe:rença es.pet:ífk.~ cuja r~vélaçâa constitctr :a tarê:hl básJ€a,.
1
224
M.EITT,l~A ROM ÂNil CA E V_ll:RD'A.DE ROMANES.CA
de-ntre todos., ô único ~àpaz. de transpor o a:bismo entre,: as Qerc~pções
diver.gentes de un;i meS"mo obje'to. Co.rn.bray ê incapaz, por exemplo, de
eo.fender que, ao lado do Sw.a.nn líurguês é doméstico a quem se está
h,abituàdó, existe um o_u tro Sw:anrr, aristocrático e eleg-si.nte, percebido
exclusivamente pelas pess9a:s da alta sociedade ..
Q romandsta tenta nos fazer ver, tocar, sentir o que os hqmenS., por
definJção , não veem, não tocam e não sentém nú_!1ca: duas evidências
perceptivas tão lmperi0sa-s quanto contTaditórias ~ntre: Combrãy e o
.mundo exterior não resta m~Ss senão uma aparência de comuríicação. O
·qu"iproquó é total mas su>crs conseqüêndás sã~ mais <Zômkas do -que ttá-
,~icas'. Temos um outro exemplo de mal-enre_rtdidô. cômico nos, ag:rade-
'Cimenrns imperc~tívéls ,que·as tias Céline e Flora dirigem a Swann por
:um present~ que e:le lhes rnand.ou. As alU&ões s:_ão t'ão. vagas e longínquas
·q ue ningaé,m as nota. Todavia as duas soltei_ronas p,~ó poderiam jarnais ·
supor.que correm o risco :de não serem compreendidas.
3 Ide m. p: 24 (N.E.)
125
C,A.PfTlJLO '\/ - ns ~1UND0:S PROUSTIAJ')JO'S
do s.o mancistâ pare11:em confirmar essa híp.6te$½· Ê. a i'tj1101:ânçf4 dos pa1~
qüé dá existênt:ta. ap Sw,á,nn de Combr'ay. O narrado] vê nesse $w.a:I)_n
famJhar um .çÍos .êrtqs eht.an:tadorb ç'é sua.)w-entude.
As_s~n sq1d,o, o ~mi oro-.U-s-t,ián.o n_ão pode: redu:z:ir-se a suas causa.s. in'te-.
~ecruals. É. ptet:iso totnàr ,ct.tid,;11fo pçira nâo fulg-ar l?rous.t a partir dé um
termo isolado, e :sobretudo ·no se-n1:ido par.titul<!'t' à'ó :quif ~l $U. qµ~l .:fl--
1
)qsõfo li.n:uta.d es·s.~ termo. Torna--se nece6-sári:o ir alem da~ pa.lavras pa;t~
chega_r à S1J~1sta(lcià rqn:ianê$éá. Á verdadê de Sw4cnri Bão penetra em
C0mbray, porque contradiz as c-ren:~a~ socja,ts q.a fam(lia e seµ sé.tis.Qdas
·lúêr.ar<;(tíJa,s bttrguesas_.Os fatos 1 OQS di-z greust 1 não penetram oo r1~ur,dci
pnde rtin:arrt no~:sas c:renç~S.- N:â0 são ·e1es quê as geraram/ não, são eles
que ~odemdestmi ~las. Os .olho~ e 9s ôuvi9-0's se: fet:'h<im qu-ar'l<;ió a sáú'de
~a 'integr'tdade d0· universo ·pessoa.! estão· em J0go. A mãe ollí.a ~9 pai,
m,a:s não ni1.iltb -a-t_entàment.e. _pam 11ão p~etrãr )1ose~eda de suas supe,,
r.ioridades". As tia:s, Gél(Qe e Flpta possuem hUrr;i grau ~upérior ª p..re.cJôsa
'll6
ME/\iTlRA Ró1'i1ÀNTI ÇA ~ VER QA.Q.E R0 M.AN1:S C::A
faculdade ·de não p<trceber;- elas param de ouvir assjm qu~ ~e conversa
érh :S!,ta pr~çnça de_<::oisas que não lhes interessam.
Co_rnbray se afasta das verdades perigosas, como o orgarilsmo s_a dio qae
recusa assimilar o que pode ser pt~jud(cíal .a su.ê! sáúde. C0mbray é um
olho que rejeita as poeira.s irrhames. Logo, ca.d a. ·q ual, em Combray, é
séu próprio cen.sor. Mas ·e ssa autoe:ensur.a, longe de ser penosa:, s.é coá-
·fontle com a paz de Cornbtay. E se fund~ inteiramente, em sua essência
originária, c<:>m a pia vigilância de que se cercã à t-ia Léotüe. Ca:da qual
227
CA?ÍT ULQ 7 - (% f).1UN1)05 PROU-ST I A.NOS
se ~sforç_q em mantê-la: longe de tudo aqüílo que poderia perturbar sua
quietude. Ma..rcel é repr.eendido quando afin;na d~ maneira iuefletida
terem enconuad.o, durante rn:n pas_seio, ' . alguém que não ·conheciam".
128,
l\!,ENTIR.A ROMÂNTICA E YERDAD.E ROMA N ~Sê.~
o. salã0 v.aj rêjéítartudç, o :qtt~ ap,eaça su.a unidade ,espüitual Ele possu1
uma "fonçã:o eJimt:natlofd''· ap.âl_pgél' à d:e-Coipbray.
A unidadé espifüua.i do salão. tem .algo de ten~q ~ ~é. t{g-,ido gi.fe Com-
bra.'y oâg tmha. fa§çl clitete.nçâ aparece é©Il1 ·e spedal nitidez nas 'i.!Jl.a.
gei;ls'tel.i-gios.a$ que e>qJ'tes~am esS"a un1c:fode. As ímag~nS. qüe de,scr.evem
Comhray ·s ão•:geralmente t0_madas das teii_gi,ôes p.rimitjV,f$,. do Aiiti.go
Te·sta:m~_ntt;:> e do .cristía.ni'!;mo. medieval. A a,tmesfera é a da:s- s9c"teçlatle:s
j_ovei;ts pas ·q-µ:_ ai's flprescê a )jt~ratt;itá áptca,, á té' r>élit{iosa é' ·vigo.r:osa e
irrgênua, e os estranhos são Sê'..J:rlj:fre b'árbar.os mc1S. htrnca odiado:s,.
'129
C::Mf'7'1uL0 1L- O'.S _.MUNDOS P-R_OUSTtANQS
~:xtirpa ó espírito. de :seitá ,e de he~esia· que compro.mete à, ôrtod9J1iia do
'(pequeno clã".
230
ilil~NTI l~A R_()'M-Áll<T l t;A E V:ERÓAbt RO M AN ESCA
pinco1·es,. :os músk0s- ,e o:s poetas que fr~quentam o salã·.o~ encait1â,Ç.Õ~
waJs ou rn~QQ§ ;êÍ.êméras ·da divindade suprema, ·e sta ARTE cujas mai~
ínfimas êrhfçfhàç0es 'bastam pa:ta pFedp.ítar a sr~, Ve.rdurin em corivuÍsees
de :ê~t-a~~- O' cttlto oncfa1 _não, corte o ris~ó d(;! pç..s~ar d.eS'_ptrtebi:do. É;er:n
seu nome que se e-x.comu n.gam os "bcóci os"' e ·0.sc "ma:ç8 ntfsi", O -~aé'ril.6~lo
é mais sev~raniérite punido ,do :que em Combny; urn l\cJ.da ptov.õca ô
e;;çânciat'o. frça. :s½ te·ritado; a.ssirn, a concluir que a fé: é' mais imensa. r;iq
meto Vêtdur\n- tlô gue- ~rn Combray,
A d,tl\trença emre o~ dois 11mu:ndp_s prore:gidos", o. P-e.t_h'àmento rti.ai~ r:fg~-
do.do salãu 1 parece a·ssim se ex.p1ica:r po.r um .refor-'io qa ;ruediá~ão.e_x:t.erna.
Tal é, pdo rne.n·os1, ª ·c:oncfu.sãe qu~-nos sugerem as. apar:énci.rs. Mas as
aJ~arêncjas_enganam e o ro'tniincista rej.e fta ,és,sa condusã0. Po" trás clo·s.
deuse~ da me:dJ_ç.çâ.à .e)ct'.ernà (Ne., no's- Verçlurtn, não têm ri}á.is nenhunt
J?Oder -real~há os. de.ase~ ver.9-'ade{rl)s e pc:ul to~ da rti~diação .Mt~jlta, os
deuses do ódio .e não mais do amor .A 'expukâ.o de Swa ru). s-e '.d~ em noll)e
do.s ·àeus_és_ofkíaJs màs. se deve ver mela, na re-a'Lidade, uma medi.da de
reJ?résálía .çt>.ntra 9 medi<J.d_pJ impfacãvel, to~tra, 0s Guermantes ·d~sde-
nlmsos que fed)a~ sUá. po_rt~ ã sra. Verdutin e a-9 mund9 a q·.ue Swc1..nn
revela;, um .b.elo dia, perlene:ei;-. É .Qb salãp, G-u~ante_s. ~ü~: est~o secfra-
dos os ve~dadéiros· deus:es da .Patrna. Mas ela prefertri'a- .a OJ-brte a Jhes
~testar ,aoeffàmen.te, '01;[ a<té subreptLciameate,, O: Gldto ·que des exigem.
Eis PGrnlfe- d~ C\l"nxpfe, os: rif:.üájs d.t1 s:lia fa.l~~--religião .é stttka ~-0m uma·
r:>a ~ão. mo frenética quanto' 1tiént'irc5s_a.
2.n
.um li3.do ~-do .oatro 1 s.ão h.ierarquizêido~ diferentemente, Em Combray ,a
negação dos párbaros está sempre subordmada à afirmação dos Deu~es-
Com os: Ver.durh1, é" o inverso, Os rLtua'is de união são rimais de sepa-
ração camuflados:. Não se observam mais esses rituajs para comungar
Com' àqueles çfue os observam de modo. idêntico, m:as· pata se disti.ngttlr
daqueles q\Xe não ás observam. O ódio do mediador on.i-pote·nte t~m à
vitoria s0bFe o amGT dos fi..é'i.s. O lugar des·p t0porcionál ·ciue oc.uparn as
manifestçlçõe~ d.esse ó.dio na existência dq salão .constitu,i o ú:nic:o n:i.a:i~
irrecusável ir}dícíó da verdade metafísica: os estra:ngetrns abotntnados
são os verdadeiros deúses.
A di_stância entre Combray e a vida de-salão não ê-a di-~fâ.cncia qué separa
11
os "verda'd eitbs,,. d~l[ses dos 11 falsos deuses. Não é tampouco a çlistân-éia
2 32
MENTIRA R0MAN1' 1CA E VE RDADE R.e> MANESCA
que s~pa_ra. uma- rn:énti~a, pi~d.osa .e .útll d~ vtrda.d.e nua e crua.Tampou--
0
Eís -a. :razão pela qual basJa .(!m. só: Co.mbnry mas são· ne.cessâdos vário~
saJ0es rivais. V~ti:;1 p.ritnttro q ~alão· Vêrdwiú ê ·o salão Cuemiantes. Os
saJõeys existem unicamente :u:ns efl) fúJ19ãq gp,s' ó.utrps_. Re.erkóotramos,
~ntré a.s éo1efivícfades a um sã tempo ·s-eparaclas e p.IJjdas pela rriéd.i.a.çã,Q
dqpla, urna dhilt{ic·ª <lo·am.o e do escravo símila:r à que rege .os reiado·~
:narp.eJJtos ttntre 9s foclivídüos. O salã.o Verdurii:i e o. salão Gue-r.rna:nte~
lu,tarn-sul.netran.ç-an;i'eI1te pelo d'9_pj.f1iiQ rrtutJ.d;mo. É a ,duquesa de Guer-
ma,nte:s-, durante a ma10r p:;:irte do ~dmartçe, c;xi.Jé c:on~etva Q· dom(ni.o.
Altlvp,., indjle,rente e z.0mbeteira, a dug~esa, com p~fü :de ãVé .de- CéíJ?}na
exétcé- um.a. domhia..Ção \ão c:ompfota g_ue. ela. aparece qua.se co~o ~ tr\ê-
d;iadora UJ;!jv-ersaI :dos s.ãlões,. M_
ªs ess.e ·aÓJJlfni-o ,. como quaO!qaer odtro1
se r.eve!'a vazio e ab,sttatci. A ,sfa. de Guenna.ntes. paturalme:nté não vê
:lilô
{ ~AP1TUt.o '9' - ôS r-.f1-Jc.NQOs l'ROUSílANô'i
seu s-al·ão os mesmos olhos daqueles qúé desêjani lá entrar. s·e a
(!:Oni
burgµesa s-ra. Verdµ.rio ,. oficialmente apaixonada por arte, não sonha, n9
fundo, s~não com a a.rlstócracii'.l, çi aristo.c rática sra. de Gaerrnantes não
sori,ha senão com gló.rias lrterári.as e artísticas.
A sra. V.erdurüi fica por muito tempo em· des.vantag.~m 11~ .lutê;! t~\f·a -
da contra o -salão Guermantes. Ela se ·recusa, contudo, a se humHhar
ê. d.iss.i mula ·s.eu desejo eom obsrtoação. A m.entlra ''heroica", nesse
ca~o especffi.co como ocorre de um modo geral, ac_a:ba dando fru -
tos. O jogo da mediação üiternª e~rige que a: sr.a. Verd~rin acabe
n;i. residênc-ia do, príndpe d ~ Gú·e rmarites. Qua-nto à duquesa·,. p.atroa:
por demais blasée, ela abusa de 5eu poder e despefdi<;~ seu ·p:restí&io.
Acaba por ptrder sua posição mundana. As ·Jds rnma.ne-sca:s exigem
essa dupla Lnterversão.
234
MENTIRA RÚ MÂ ('JTl (A E VER11ADH ROMANESCA
Ape~ar de sua .~tr~tqa pn.í'd&n!,':ia, o,s C.c;5rnentárl'o$ de Pro~st sobre a
Grande Guerra .traem um desgo~b. pr.ofond0. O <iha:.u,víni:s_mo, de .Cór'
azul aoiÍ8 de:"ri:Va. ·d@ ur.na rnedia.ç ão semelhante ·à do .e snobismo, O
ch'auvrn~ta .de·r~ta a Altmao.ha po.t~nt.e., &uerteii:3 e diséi@Iinad~ por-
qrre '.ele pnSprio snn-ha ex.ci,usivamerite com guerra.,_JJ.ôdêr ,é disciphna.
O nacional'i'.:;ta rev·anchísta busca! seu alimento em Bc1rres ç: eultua hê!-
ér;rª, .e os cuortd.s- nã·o eon.tam para· ele.,
ter~ ·e ,ç;e~tós rnô.rt:Qsil, m.a!i .ã t_ 1
2~5
CAPTn,iro [) - o s MUNDHS- PROUSTIAl\l,0-&
esse equivalente~ ~xclusiva.me.n te por terminar-se cedó dern~üs·. Se.rão
necessários mai s v·i nte an·os e ·uma segµnda guerra rc;rundía1 para qu~
çe, produza o evento -q ue teria permitido êJ Proust completar sua metá-
to'ta_.En,, L940, um certo chauvintsmo ab_stratô abraça á causa da Ale:-
ma·nha triunfante depois de haver fulminado . daránte três. quártos de
s'.éculo aqueles que! sugerlan.~ nmi.dª'm~nte um m'O dus vivendi com uma
ini_miga hereditária ainda fechác;ia d·e atro de suas própriaJi fr9.nteiras.
Da mesma forma, a sra. Verdurin f~ ó terror reinar em seu "pequeno
clã" e exéómtmga os "fiéis:" a:o m~not sioál d.e fra,queza para com .os
"maçan tes",, até' o dia em que ela desposa o príntjpe d~ Guermantes,
{echa aos '" fiéts'' as portas de s~u salão e as abre de pàr·a par aos pior-es
esnobes do Faubourg. Saint-Germ;iin.
"• .eles, a sra. Verdurin ·é capaz de jogai; fora seus princípios; logo, essa
per.mnagem ct perfu,itam.ente digna·de figurar mrm wJTiaóc.e .é xistencial e
Proust, por sua vez, é também um romancista da liberdadet
236
MENTIR;A RO'tv!ÁN:TI CA E VÊRDAÍ)E ll.ON\ANESCA
o,enhctm..a. novidade. Nenhuma lí'.berda.ei~ está aq_lJ.i aArma:nd'e seu poder
áqsol\lto por Indo âe: utnª r;ü_ptürii genuína eorti ~ sttwtçã:o ç1nteu1or·.. O,
qmvenido nem seql:l~r-~cxou. d_e m.e diad9r.. Nó~ te1]JO$ _ a ílus.ãô d:r1 m'\J-
·dan.ç-a µorqúe f.l.âo .L1avíamos [econhe<õido uma med'ia('an urj.ps µi;iJcQs
Frutos erarp_ 11?- inveja,,, .o ·c;iúme .e o· ód·l ó tmp6-.tJ!:nk'1. O amar_g or desseS:
(rut9s ~?,sir:nuJ.ov a préSE:IJÇ:à do dé.tK
vl'síveis é mais d(:jl:Or9s?s q.1Je .em Um. ámQr de Stin:1J1fl.,, pois -o · m<tdiador se
apr0xim9tr p:asta-Qte.
2~.'7
Q bárâo de O,ar lus. Se se d.ev-e procu.ràr a essência individual nutna ·i'cli-
ferença" ii:r~dcípve1, a frase nã0 pode revelar à es.sência :d.a sra. Verdurin
sem t'rair a es-s·ên.da do barão de Charfus. Ela não pode cpnter·essa$ dnas
essências mutuamente inco.mpatívtfis.
E, no emaoto., i ess.e milâgre· que ela rea.liza . Aó a~rrnar, que, por dois
ano5 , Cbarlus não parou dé espionar em seu salão , a sra. Verdurio retrata
a si p~ópri-a mas retrata .também o par~o. Ch?rlus, por cerw, na'o é um
espião. A Patroa exagera loucament-e mas ela sape p,ui to bem o q!-le está
fazend0; a Hecha -atin:gé Chadus. oa paite mais vulnéráve[ d½ seu ser ..
C:harh.rs· é ten-ivelmente derrótí_sta. Não lhe basta desprezar em ~lêncio
·a "manip ufa:'çâ:o ideqlógica'', Ele desfaz-se etn ditos subversivos até na via
pliblica, Seu gernl i:!OiS'(nó Q sufoc·a.
~38
ME.Nil'R;A RfY r--)ÂNJ IU'. E. VER9AD E ROM.ÃN'l';S'CA
A .ünirl<!dé da :ê,'Ç.i.Sf@ncia ch:arlusiana: líc;a mais flVid'ente aínda se, ef)tt'e a:
vida seti::tal e ~~ Opini,é!e:. tlerro:ti-stas tio barão1, for .e.x;p.Jornda: uma zo-na
ínterrnediária, a: da vida rnuoda.h~.
ChaFlus é um Óuermarn:~s. É':o· objetb de um_t4ltô. i!:.lõ1atra. rip 'salão; da:
·cunhada, ª dflGiu.es:a: de Guermames. Prodêl.ma:, e.ada ve_z qµe apateçe·
um~ 9pórtgni.d.;1dé, sobr.etudo na frente de s<füs ami,gos plebeus, a su-
pctfiori'.d.a-cfe d.e: seu meio .de origem, p0'rérh o f:aub0.·u rgSaint,.Germa1n
e'!itá '1çJnge d~ :ex:ert:er sobre ek êl mesma fasciüaç~Q q'ue s·obre os.esno·-.
bes h>U-rgue.se.s. Ó desejq. metaftsJ.co não. inç,íde OtJnêà, por .dettniçà.o.,.
sobre o :ohJ,eto acessível. N.âc:1 é; pois, ~ - direção ~nuefa _ n_obte á'rea,
quê s-.e rnclínam, ôj, desejos do barão e ,s ün ~ara· o lado da ba.i~ "".ça_na-
lha". É esse ~$:110his.m o 11B.e.s-ceude:nt~11 q\.1e explic;a a paixâ'o i;,oF Moref,
p.erso na,gem :um tãn;ta tripula, A m:á re:p.at:aç·ã-o .com. a qual Charlus
aureola o músiGQ r.epercµtte por (n tejto n0 -s~lãç Verd_µrin. ô grande
senhor mal c0nseg,ue fa:zer a tli'st\n.çã-o et<ltte essas tintas btrrguesãs ·e
c:1s c'Qf~. ·mais vi~t,o.s·as que inteiram a dec0ração c.0sturnein1 .q.~ :Sêl1$
prazeres dttn:d~stlrt~Y~,,
O salão Verdurin,. ehauvjnlst-a., i_mwal e bµtgu~s é utn fos<tinante lü~ar
de báíxeza ·é u m~i0 ,a es,te lu-gar q.e ba.i:xezoa @ats va'Sto .q ue é a Fr,ç1nça,
ii ualmt nte chauvinista, Lmora] e .burguesa. O s,al:ã0 Verçlµi1h abriga o
sectt.Jtôr More!; a Fra.uça en1 .guçrra está repleta de so.berb.Q.s. o·tidai's. O
b.at.ão nã'o ~~ sent e r'rlais "~rn ta~â' no. salão. Ve,:rclur1n do que se sente
"em casa" na. França chaU-xr{Q.ista_. É !)a França .qT,.Ie ele vfve, é ao §ai.ão
Ver.durin qúe seu. desejo a atrar. ·O ?alão Guert.IJ:ahtes, arj,stocté!_tic.o e
ins·ipi.dàro~rite_ vrr-tuo,sq, desempenha, n:@ sistema munqaon .~fo bêírão,
um p~pél paràlde> .a'q .d::i Alernânha_qué-fidá más distao.tce em seu sktema
pol_ftico-. O amor. a v_i ~ rmmd.an~ e a g\l.frfa são··os três. círculos dessa
existência perfeitament~ u.i}ii ou, mdb:ar 'dj_zendb, pe"rfe it_1,1meot~ du.vila
eni sua ,c_ootradiçã.o . T0.cfo.s o:s, planos se corr~.spp:Qdert) e C61}ti.rma:iI1 a
h5gicél ob.~essiva .ci0·.barão.
~39
C:A PiTULÔ 9' - OS 1'.füNOOS PBOU!ITLANO.S.
ÁS-sim sendo., à· obsessã_o· '!chàuvinisra'' da s.ra:a. Verdurin se ópõe a ob-
ses~àQ "antf<::hauvinista" de C harlus,. Essas daas obsessões n·ão is'bf_am os
dois obc~cad.os .comó pediria o bom senso. Não os ·enceyram em dois
il.1undos 1n coménsuráve'is; os aproximam para uma comunhão do ódio ,
É essa simetria que permtte à sra. Verduiiu expressar sua verdade e a ver~
d a-de do barã~), ,sob :uma forma grot~sca rnas iffi:pactanre, nUillfl mesma
e única frase. Acusar Cba:rlus d e ser um ~spi~Q é, para a sra. Verdarin,
protestar secretamente contra o desprezü dos Gcrermante-s. O bom sen-
so r:ião in1agit1a ·que interesse poderiam ter , aos olhos do Est-?dQ-n:Jãior
alemão, "relatórios clrcuristan.._ciados sobre a 0rg anj_zação do pequeno
clã". O :bom senso vê, portàn.to , a lç:,ucura da sra. Verduán mas quanto
mais de. olha para: essa lo~e::ura:, mai.s ele incorre n0 risco de perder de
vjsta a loucura paralela d e C harlus. A sra. V erdurin se aproxima do.b.a-
rã9 na. ptóp.ri'a mçdidá em que ela se distancia 'de $'él.\ pêrfei.to juízo. A
demência de ·um voa p,ar.a _a, .d ~ência do. outro sem a mtl)or cb.risid~ra-
ção pelas barreiras que· ô bom séns_p ergµeria entre a v ida mundana e a
guerra. Se o .ahauvi.nismo da sr~. Verdurín está ·a,poAtado cont ra o salão
Gverroantes, ·o, derrotismo de Charlns está apontado cootra o salão Ver-
dunn. L9go, cadá qual só tém que abrir caminho pata: sua loucura a Âm
de conh½cer o O~tro CQ.111 utn conhecim~n to ao mesmp te.IT_l:po ag1.rdo
e limitado ... Agudo, pois a patxãó triunfa do -fetichismo do objero que
pi;lralisa o bom senso1 lim itado,. p ôis a paixãõ riào apreeade o- triât:igulo
MO
M ENT I RA R0 ....1.~N'TICA f: VE Rf;)ADÉ R0~1ANE·SC:,.\
der de~ejó;=efa nãQ r:ecofi.b.eGé a aflição per d.~ hjs .d.o ór:gulh.o do ô~t_tr:o e
-se:u dtünfoio aµarente 0
~ssa frase revela que a:,s té(á_ç.ões" no ât'l;lbilo dos salões ·e c{a tnêdíáção
interna,. s,ão muito di:ferentes. das. que ,s.e estabelecem, ou rrrdhor; não
podem se tstabelece'r nó ~~tág10 ·da . r.u€d.iáç~o· exfêl'na. Corm.b:ray., wmo
vimó-ss,. é o i:einà çlp qµrpróquó, S·tndb a ~u.tonomfa real, ·a~ telaçóés
corn o· mundo e~terier·S'â.o forçosamente superficiais. Nenhuma :intriiga
du.tad.oura p.ode .se:r ;e ntabu lada .. As o~ma~innas dé·Cóm.br:ay, til-c.ómo a~
iWê.nttiras de D0~ ·Quixôt'é., $:âQ ind~pêr'rdent~s_ i1n;làs .d.a:$ 9tftras. $llil 91'-
cl.em·seque.neial é praticamente indJer.eme1 pois .e ada aven'tli.ra çan~t-ttu1
umâ totaiidâde significante c:;uja essênciâ :6 .o ·qúipró.q uó.
·1+.1
C A·J'ITClLCl '9· e.. c:JS·t<H:iNUOS PRD!JS'I1,XNOS
doença outolúgica não faz dõ·tn:divíduo uma engrenagem falha qu~ não
s·e ajltstaria mais na eAgrenagem oposta. O cb~uv:tnismo da sra. Verdutin
e o al}títháuvin.i~o de 01arlus se encaixa.1)1 perfeitamente um no outro,.
p.ois um é oco 9nqe o outro é saÜente. As dqerwçus ,cie qu~ o romantismo
.se gaba são a pane thanf:rarui. da.engrénagem,, são elas e exclus,vamenfe
elas :tjue fazem com que ·a máquina fu:ncj.cm,e, são ~las q(Je engendram
tim mundo t.omanesco até então i.nex_l.Stente.
-:242
MEN TIR.A ROMANT IÇA E \ 'ERD AD f. RbM /~NFS<..A
mõnadas que formam tlm vast0 mundo fechad0. A.unidacl-e à.@sse mun-
dp, tã;0 r-igoFQsa q·qaritcr a d.e C.ombray, ~:Stá hinci;ada e;m um prindpi.ó
inversp., É 9 -a_i:npt, e_m Combrày, que perrt\anec~ .Q majs for.te.-<;" ó ódio
.que .tn:gem~ra o IJ1.úrt<fo dQs·salõe$ 0
$âo essas .le'is. da mediação i~t~rna que dão· ao ·murnfo fompI)es~b BlJp
coesão. Só conÍYeGimento de-s-sas leis permite responder à, pergunta
0.
24.~
9
No ca11únho dr Stoann ('l, l'). pA9, op.c-it. (N.6.)
·2.44
ME.NTIR-A liO M,~ NT ICi\ E VER_J)AÓE ROMANES,.A
cida:d:e c::omq :o. quarto çl_e Uonic está p.$ra .a casa dçi_ f~Il).:Ui~- ü c·ar.npaná·-
rlo.dá "a·-t0das· as oeopaçõ~, a tó'das M "b.o;rá'.s,_p: to·dós 0.s· pót1ló's de mítã
cl'a md-a:de., o, seu aspec,;:t0;· 0 seu- remat e, aJ sua ·cons.a,gração"-1c1: To.dos os
ét<$u~e$ d~ C:ombri~Y éstí.ã,_o. reunidos ~o pé eles.se ·c;q.rnpanâr.ü~t
& uernpre a ele élue él!mpi'iâ voltàr, á ele ({ue d6rrlpj_avà tüpo, a.dmJJ~~-
t.ando ,as, Qa5ç.S q:e ,um J!1lprevis.to pfà.c.a:ro; érWJ,id.(!J di'ttóte·de mlrh teimo
b ~ed_o d~ Pe:u~, aij~ ÇOrQQ'<:;s·tiv<:_sjje qçµl'~º f]am.ulti:dao dos'humanQíi,
,;êm que eu: pàr 'isso q confuncli.ss~ cbm ela'' .
O campanário, fica vrg,ível em to.d·a pa·r.te ma.s a ·igi:eja e-5t:á 5em,pre va_-
:t.i:~ - Os dect.s:i!s li.uJD~°'º~ e t~Jtesfr.és. da mediação externa já são ídolos.;
eles n:ão ~e ·a.l.frtban:i _nà Yertiéâl dó C.àJ1íp_a n~io. Permanecem, e11ti~N;;iw
to 1 próximos dele 0 suHdente p-ata que um mçsmn o:lbar poss:a abr~\af
Comb:ray .e SU<l 'igreja. À medida que :0 mediador 'ie aprox.ima, d.o sujeito
désêja(lte a tl'an~cen_cfêftçiaJ;e distancia de~sa ,v~'i;fla__al E' Q tnmscend.êneia
:desviada realizando sua 9bça. EJa vú artasrat o Q:.au<~d'.ot e .se:u tmivç:t'So
ron:ia;itêsco para mais.e mais loos.-e do carnvanáP.i.o,, .numa! série .de. círcu-
los t~Yncê·nttícds_que sê íntltufa_rn À Srmibrcr·dad~,_,{p.qrig_as t»~J1ot~O tt1mJtrho
de Guermimtes, Sadoma e Gomorru, A. Prfsi6ntrm e APugttícng.·, Quanto roái$ s:e.
;ficar distante do é~ntr.0 rnístiGo, mai-s a .ag,itação se tornará dol9rnsa ,. E_r.e-
n~ti_ça e_vã, a,té O Tem_M ri?de._sçobertêJ q_ue revérterá ess.e rnovimentaº É esse-
duplo n:1avime-nto çte (uga é de volta q~ie· P't~figur~m os cof'{o·s dé $gitft'Q·
Hilâ:r.io em suá-s p.erse.gutções vesperais·:
D-~ Id~_s] janelas de ma torr.et, ... o ~âmpà.11.~rio sq!tava, _deixava t0mbar-,
a lhtervàlós regula_re·s; tevi:rai::las de corvos: .quê, durante ~~ri;! mom~n-
tP , voejavam grasnan-<lo·1 eonm. s@ as- vdhas pedr.1s qué o.~ deiimvam· ,à
v~n:rade séri1 cfar l;IlQJtras de vê·lo:;,. ,t omj.lT)d9-se ti~ súbko. r'm~blrá:ve&
24-5
e· descattemind0 tim ekment0 de çlg:i't:açã.o· infintta, os Úve-ssem batido
t: escomiçado, Afinal, depõis; de havere~ ri~cado em t'Qdos os se·nndos
o y~ludo-'violáce_o -do c~u ctepttscufar, logo se ac:abnavam e voltav;:im a
a.bsorvér-se na forre , qu.e pa~SiiVa d~ n.efasJa à propkia. 1-1
146
MENTIRÁ _tb') M f\l\iTI C.'1 E VER Ó ADE Tw ., tANES (:A
a}t0 algumas c;onv~ts·q;~ énj voJta dt 'Llillil x{c_ara dé :ohá. E :com:o s~ nâõ
bastasse., ele não a.s. relata nunc:a .J:>·elas conversas em· si mas ·s-empre a:
pr.o·põsito .de :al~_Cfm;3 outra .coisa. Nãd há .bacia. âi qu~ ríle1:é.ça a den.oroi-
tl'a~.àq p:d~7posa de inilésfͧltitifo.. Prmls,t n.ão PtQtttra $'éql.lêr s:ugetir, por
!:.Lffi :tom decidido 0u uma enumeração de objet.os here:ró.~litps1 que eh~
fl
esgp.t.ou a ·d.Qcumenta~ao
- - - . li
14:7
.CAJ'fTULO 9~ OS i\!WNIJ l!; PRO U;S:JlA-t,J O S
sua iodívid_ualrdade e se funde, numa névo·a indi'stínta, aos ambient.e:s
Já conhecidos.
Não se pode definir -o Faubou:rg pela tradi ção, já .que. ê~_sa tradição
não 'é mais cômpreendi.da nem por uma pers onagem tã.o cons:iderável
e tão vulgar quanto o duq\.te de Guermaotes. Não se pode deH.riir
o Fãubourg pela bereditariedãtle, j~ que- uma burguesa como a sr.a .
i.eroi desfruta ali de uma posição mund'ana mais b ri lhante que a de
uma sra. de ViilepariSi$. Desde o fim do século XIX, o Faubourg n~9
éonst'itui m ais um verdadeito ceotro·de poder polítié9 oµ finan..ceiro
~inq.a que a nesst lugar abunde a riqueza, e os home~ in'fluéntes· por
lá circulem em bom número. O Faub0uJ'g tampouco s-e distinguf p·or
uma ni.entalidade especifica. u·,
é-se reacionârjo em po]ít ica, retró-
grad'O em arre,, limitado em li_terattira. Não há nada que possa dift -
:renciar o tnei9 G[,l.ermantes dos derIJais me:íQS ricos e ociosos .nesse
início do -sécul.o XX.
):48
MÉ.NT !R.11 ROMÂ.:NTt<..A E VERBAÚE R(JMANESC A
ç(?:m a dúv'i:da, não' -a~eitf}~se. c,Qntiàr ·oe:,> le.ste11111n·h o cio es·n.obê,Ó· Faü-
b~urg só existe: pkt=1arneme p-ar;:i p. esnobe ..
Repr::etn.de--s.e :Prt;)µ~f PQf s.e confi11a.r num ni.clo por de.mais ,exíguo, mas
'(liqgu,ém: co:n.hecêu e dênurad9u melhor quê P:roµ~t e~sá. 6.:Jgúíd~d~
.Proust nos con.t a -a insignifiêancicr .da "alta snciedade:" i;i~o 'Se)ffi'er,-te d,d
ponto de. vlsfa., in.telectuaL e humano. como do ponto de vista social: '"Enga-
·n-am-se o$ m_un:dapõ,s scibte :a immHtã.nç.ia so~i_al d,~ se1,1 nome.'1•1§' P-ro.u-st
leV,a muifo além do que seu~ ce~sQte{i .dem~Yei"~ti cos a il'desrhi~tifi.q.çãQ"
·do. Fauboürg-5a.ir-tt-Germain, Éstes acreditam, de ·fato, na existência. ob--
jetJva d0 9bjtt9 mágico. Prous.t no.he~et~ co.n..stç1_[1tél)Jént~ q\.f.t>O 0.bjet0
não e.x)st~- ''Asocied'ade 1:i;runcfa11a .[ (!.] o.retno ck,.na:da, iw E?sé! .a:1ím1a~àó
deve ser tomada ad pé' da letrca'. O roma.0 cista ressalta incessant~enre
b oo.ntras,te ·entre Q va:ziQ objétive dh Paubom,:g e·a f<i:alitla<le prodfgiosa'
.que' ele adqp:iye ~o.s olhos dp.esnobe.
15 PROl'.l$T, S0doi11_
q e Comor,ifa, {'<.4) p._2,9.(f e,19:t ,Obs: hre<e lÍ'l!lÍS u111 t~e<;.h.o cftacl0 de
mem6.ria., uQ;1a .vi:g que 11a citacção de C.ti-an:1.lemes, ''.Les g~ns du m0nde s.e Jont.i1/us.io_n
sur l'{~pt!rttMCt SQCiíii de !tiir·nomd", ql:l.e:pro.va..velrrrerire é uma. cbn'densãçãó6õLL a'.l.nµ.1 unia
outra jrasé a ~ãftir')' c1~''1ks ger(-s du IÍIDnde ~e trov;p'eMt en se ti~1ra11t qiir :tciµt !e monde
p_p.?,Seg~ sur /'í1npoita:nce ·s[1ciale Jc, !e:tAr ;rnm les mê'me!! nqti_<!lns ,qi;i'eLLx-mêmts d .Les 'J).er"
S<i>nB~S d~ leur m..\lie;µ." Na uaduç,ão de Mário Qui.man.a:, «.Enganam,se- os mundân:ô s
ima-gina ndo-que toda rtn1o<lõ pô's~ui,so·btea importância socia:1.dd seu nôfné as·p ies.ã)°as
np~ç~ qu~ p~s~u~·ni ~lês p'róprl.os ~ as pe$~qas do i;ea rneíô''. (N.É)
,u, A pds_foneirf! '(v.5] ,, p.265, QQ.dt. {N.E.)
2:49
CAP1T.ULO '.9 - 'OS M.(J~O'<·}S· PR.OVS:TIANOS
O soclólago e ·o romancista naturalista .qµer~rn a.p~nas uma urüca- ver.,
dade. Eles rmpõern essa verd.ade a todos os sajejtos no exercício de sua
capacidade petçeptiva. O qu;e eles ·çhamam de·, ohjefo t um ~êlo -teimo
entre as percepçães incônciliâvei.s do des_ajo e do nãô-desejo . A eredi-
bilid.ade desse obj.eto prové.rn..~e·suà: pú·s lção mediana que debi1ifa codas
·a5. contradiç.ões.. Em vez de -e mb.o tar as pontas desS:ªs contradições, O·
roooartcist« géni}u ãs afia o ·quanto .pode-. Ele- enfutjza .a m~p:p:iórfose
oper.ida pelo deséjo. O nç1túralista, não percebe essa metamorfose, p.oi.s
el~ não é capaz·de cdtícar ~eu próprip desejo. d romancista que revela
o des(:jo triangi:Úa:r oão pode s-er és1tbbe mas é n,e,cessá'lfo que ele o ,tenha
siclo. t. necessário que de renha desejado e que não deseje rr.tpis.
1
jós ''concre'tos' riqueza, befI!-e"Stát, po<le.t, p~tr.óleo, etc. O romancista
:
O esnobe não está em busca de nenhuma vantagem c_o ncreta; suas frui-
çõ~ e ~obretud-o séus, sofrimentos são ·puram~~te rnetafísiços·. Nem o
realista, nç,m o_ide_a li~a, nem o marxista podem .respo_od~r à :indaga~~º
do rom ancista. O esn-ol:>i~o é o ~o de- areia que se in troduz .rlás en-
gren<\g:ens da .crência e :danjfi_ca a: 111áquina.
250
MENTIRA R,ÇJMAJÚI ÇA,. E \TE'R l)A DE IWMAI\JES,CA
cfa !?PCJ~d}1qe, a cqnc9rr,é..hêi;1 abstr~.ta ·a.p~rfjce, w_as· .é c0n.furid,içla. pQr
rnuit.o tempo çprn. ,!!1$ ctonflttos anterro:tés,cujêl.apàrêriçia ela_adcHã. Não ~e
dé;Ve confuAdir a .angú~t:ia .aj:,~trani do esno:be ·cqm -a opressã:q 4e classe
O esnobismo não pertence a.o passado hierar.quizado-1 rn.mo se acredit a
habin.ta(rnente,, .e·siru -à.o p.resent:e ,e, mais a inda, ao, futur-o dem.oc:rático .
O Fâ..!ibtn.u:g'Saint.:Gérri1.ªfr1,
. l
na époç_~ d.e·tvi'?-r.<d Prciu,s-t, fstá a fre-n'.te ·de
qma ·êYol:i:tçâõ .q:u~ rn{·tamorfo$,da m~üs, óJ.I TIJ.Ç:'.'ftós (apidam~nre., tpç{ª5-
0
45'1.
152'
~i E~T IR..' \ ROM>\ITT ICA E VERDAD E ROMA..NES C.A
n0v.a Ú.IJsão. O marxista imqgiha que vai aboUr to-da alietf?-~ó a0 áb-9]jr
ã so.ci.~dªdé b~esa. Êle não !eva em conta-as forma:s m-ais agudas ,tlç,:
di::s<;Jd .metafí:;iéo, as que Prou.51 e OQst<),içvski desc..rev:ern. Q .màrx:ismo.
se deixa logFar pelt? dbje--to; -seq. qiatér.ialísm:0 .não f>â~S~ de ·um p,ro-grêssQ
relati,y;o em relaçã-0 ao idea:lismo burguês,
é-tria:ngu]'ar. Eia desfere lim ;golp.e fatal .nas Eeo'ita~ f@t~rfalistas. O valót.
do obj'et.p conswnido não ·depend~ mais senão do olha:r de Ouh:o,. Só
o d.eseiQ5 d.ô ·O/ftfQ podé cri"ar o désej'õ ,. Màí!r pe.rt0 q~ nós, üm Óavid
Riesman e um V:anee PaC:ka:td--rnostram :qu~ a ·frnerysa 'cJq:sse rnédfa .a)'ne~
rlcanc!, tão, Lrb.erâ:_da ·das n.ecessida&~s .e ma:is uui'f.orme a.Lnd.B ao que 0s
meioird~scrlt0s por·Mar\:el .Pro.:.ust, t~:mb~m se. .diviél~-em tompartitm~n-
"Ens abstrat-os. Ba multip~ta os çabµs -~· as .~xt:or:nonhões eritré unidades:·
per'.t:eitrar,nênk semelhantes·e ·op,ostas umas,às outras. Distfoções insfgr;,·i-
ttçant"€5 paretetn monstru_osás e prod1,rt~It! d~üos lncakulávei's. O Ou.tro
.amda domina .a ~.xlstêl\t:~a -clp i:ndívíduo (h~·~sse Outr(j r,ão é rrraís, como
na, a.li.eu.ação marxlsta, um @.~resso·r ·de dasse, sen'â:o ,o -v1únh9 do 'laq0:,
·Ó. c~ie.g-á dâ es(ola, .umr ival pr.ofíss.ional. Ü·Óu"ff.o tica sempre mais fasct,
rtal),te 'à medl~ que' s~ ~pto)d'.mà do B1:1.
17Ver Thorstein Vêblen., r.luory qf' th.i' Leisure Cla.s," An E'.cõnomic $tudy in the Evoh(tiqn
of I'nstiti:ttíons, New Yor;k:,Dover :Publicàti_oris, ~J 994_ (N. E,)
153
C:APii.UI. O '9 - C)$. MUNDOS PIÍ.OUS'fl,WôS
se flâo se c.ibservas!.em Een'ôrnénos :análogos na sodedacfe soviética. Os,
sodólogos burgueses não, fa,zem mais q-çre embaralhar as canas quan-
do atif1I!am. diante desses fen ômenos, .que ''as clas·ses s.e refonnam na
URSS." As· classes: p~o se· reformam: são as novas aJienaçõés- que ap_are-
cem onde as antigas desàpatecem.
J.5:4
MEN Tl &_A RO-M;<\NTIÇ'A E VERD AD,1' RU~lANE.SGA-
tri:rrnfa. A estrutura é a ·mesma, ~ó. Q p_rê.t~xtô ajuda. N. J;I1et~fornt; pt'.o.us:-
.tiana:5 nos âes,v iam do objeto e nos <::oncentram ~9bre o i;nedia-dp_t; d~
'uós f.azern _pass.ar dJ? desejo· lraear ao dheJo t·riangular.
255
CAé(11LJl,(~. 9 - QS M U-N BDS PR'.0 USTIAN-05'
1
·é o naciqnalismo da internacional se .cruzam e se entrecru:tam numa
lnextricávd confusão,
Em ·Seu romance {9B4', à rom_a rit~ta inglês George Orweli ilustrbu dire~
tamente certos aspe<::tos dessa -estyutura históri.ca. Orwdl penzebe mui:
to bem que a estrutura totalitária .é 1empre dupia. M~s de 'não revela a:
ligaç~o entre o cfes~jó individual e a e~tmtura· coletiva Em ~as õbras,
ten1~se com frequência: a impressão dé qu~ o "s.istemaf' é imposto de Jorn
_às multiq.ões inocentes. Denis de Rougemont var ma.is longe;-em O Amor
e·o Ocidmte, e de s~ apt(:)xima bem mais da visao romaneséa quando faz
jorrar- as v:ontad.es .coletivas de p·odêr e ·as· estruturas 'totalitárias desse
orgolho in.divi.dual qu.e ,primeiro gerou os místicos da paücão. "Está darn
~e as vontades· de poder afrontadas .__ já existem tíârios Estudos totali-
tários - não pedem de fato senão choéar-se com paixão, Elas s~ tornam
uma parPc a oufra o obstáculo. O fim real, tácit9 1 fatal,, ,dessas exa'lraçõ·es
.toral_itárias é, por conseguinte, a ~rra, que sí_gn)fi.ca a morte."
;\S6
M çt-.lT!I\A, Rü MÂJ'ITICA E VERDADE. ROMAN,E5C..A:
certamente nãõ é' aplkávd ao romance. O romance n,ão trãz noVQ!i valo-
re$; ele reconquistá ~ duras penas os valores dos r omances ânte1iôres.
Em Busca d.o Tempo perdido pàróu de páret(tr i,ttna ob1·a obscura mas não é
certo C}]Je stja ·mais bem compreendida. A a~ão espifituaJ das wandes
qbras ·romàn~cas é .muito tênue., e nós sabemos qu<.:; essa ~ç~o não stt
ex:5::rce 'qµase nuncà no ~t:ntjdo, que o e:scritor previa. O leitor projeta
sohr.e a· obra..as ;significações que ele Já projeta sobre o mundo. f::ssà
f)rojeçã.0 se toma rnais f;kd à rtredida qµe o tem pó· passa, poi-s a. obra
está "a frente" de- uma sociedade que vai alcançando-a pouco a pouco. O
sewedo· dessa posição adiantada n:ad.a tem d~ JJ:iist~rioso. -o r!;)'rtJ.ançista
é, primeiramente, o ser com o desejo mais intenso. Seu desejo o arrast,1
para as ,regiões mais· abstratas e o~ objeios m.ais nulos. Logo, seu desejo
o arrasta, quase que automaticamente, para o topo do edifício so-cial. t
lá'- Já o,comentamos a propósito de Pl.a,ubert ~ que a. do~nça ·ontólógica
Bta sémp:re mais aguda. O,s sintemas que o romancista observa vão se·
ptôpqgar prôg'rtssivamenft até as camadas inferiores dessa soci_edade~
As situações metafísicas que estão r.ep:r~s·entadas na obra vã0 se tornan~
do familiares .para um grande nú~ero de leitores; as oposições romanes-
ças terão $Uas réplicas exata-s na-.exí5tência cotidian~.
O roma.ncista,que revela 6 desejo da elite s0cial é quase sempré P.rofétíc.o.,
Ele descreve·-est:rututas inter~bje.tivas· que v-ão. se banalizar _gradualrnen"
te. O que é verdadeir.o sobre Proust é égualmente v~rdadeir0 sobre· ou,
tros romancistas. C...!"uase todas as grandes obras ror)1.an~sc_~s sucumbem
à atrac;ªo dos meios aristocráticos. Em toclos os wrnal)çe-~ de Sten.dhal
~ncontra-se ürp. duplo tnóvime.nto da província à <::apitai e da vida bur-
gt1esa à. vida ele.gaQtts:. As ~venrui:as, de D01.n Quix-ote,can.egam pouco a
pouco ,esse herói para os meios àristócráticós. S'tavroguine, o mediador
~niverSé\l de 0$Deroqnio.s, é um aristocrata. O Idi'qta, O s- Demônios., Ô Ado.-
lescente e O s fonãos. .Raram<cflQ.v sâ0 romances "aristocráticos". Dostoievski
expli cou inúmeras v-ezés ~ôbre o papd que desempenha a artstocràcia
257
<.:API T UI Ó 9 - OS .M UND.QS' Pil,.t;í t,!ST.lAN:0S
TIAS~~ erti .su~ dbra. Sua degenerescência e sua, com1pç-~o [lJotal fazêm
deJa 1.1J1J es:pelh_o defprrna.d0r .dµ: vtd_ç1 w~sá,, à e~ceçã'O da vi:da campo·-
nesa. Levando:..:se em ~nta as d;ikr~·11;ças d~ Jjnguagect). e de p.~rsptctíva
êti.c a, ê e.s~é, nmito preGisarn.ente, o papel dese·mpenbado.pela ariStoa·a-
mances â~ .c~rvantes,, c!e Stendha1 -é de Proust.
ct,i_a !1(),:S ró_
25'8
McN'r lRA. R©l,l.ÂN'l'1CA E VER.J?A()J;_~Q M·AN.1;'.QCÁ
/#
Combray não é um .objeto mas a lciz na ·qual se b_anham_ todos o-s obje-
tos. Essa l_ll2 é tão invisível "de fora" quanto ''de dentro''". O romflríCista
nã-o pode tfos fazer banhar nela. Aliás,, mesmo que ·o pudesse, nós de
qualquer modo nti'o verfarnos Combray, farfamO,s parte de lá. O ro-
·mancísta não po.de, pois, proceder se.não lançando l)'lão de urna série
d~ CO!)trastes suges;tivos éntre a percepÇ,ão de Combray e a petcepçã.o
dos ·,'.bárbaros".
Até-ô atô tãô simple~ a qu(l chamamoç "~er um·a:. Resso<1 conhecida" é em
parte-um ato i.ntelêctuàl. Enchemos iJ. aparênci.a física d_õ. ser gueestamos
ven do CQ111 todas .a!> noções que cem~ a seu re.s:Q.e.itô; ~. para: ó aspe.cJo·
total que dele. nos representamos, certamente con~rib,uern, essas noçõe_s
com a maior partç. AcabqrrJ elas pof arredondar tão p~rf~ita:menre as
taces, com seg-uír coni tãq perfeita pderênda a linha do~iz,, yêm,de tal
modo nuançar a sonorida'de da v0z1 como se esta nâo f:osse mais qu<; um
transparente invQJucro , que, d.e cada vez que ouvimos aquela vo:z;; são
rs.sas ºº'i.õ es.o que ólhamos ~ esçutamos''..
São briga:s em cima d e palavra,-s que s~ armam hoje em dia contra Mar-
cel Proust. N9ta se em seu texto a presença de vm termo EJUe se ,acaba,
0
260
MENT IRA ~OMÂN_TI CA E VfRDA.Dl: RôM,A.N"E SCA
de outrora. A "F~nom~nólogi,:( prQustiàna hão; faz se.não e:}{pHt,ita,r e
de-s envoiver cerras intuiçà'es comuos a todos os grandes romancistas.
MâS! essas· intuições não '5e romarn· o_bjew de ~tesenvo.fvim~.nt0s didá-
tico,$ nos romancistas -anteriores. fias se. encarnam em sitúa&ões roma-
nescas c,uja essência se trã:.duz: sempre r,.ielo qu'iproq'u6. Diferentemente
d0 quiproquó de vauçlevile que é acidental. o quipraquó rnmanesço é
essencial. Ele revefa; ao opô-las Lima a õutra:, a quálíd_ade espeGffica de
duás perc€pçôe-s. Define do1S' mundps iQdividuais ou çpletivo,s .incom-
patíveis, cfois imperialismos da percepção tão absolutps que ele$ não
têm a meno'r consci~õcta do abismo que os separa·.
261
CAP!Tl,JL.0. IP - PRO&L.EMAS DE TÉCNICA EM PR'O.UST'I, EM D ÇJ'S TQIEV;1<1
qüe separa duas personagens. O tomancísta não µo.de construir seu qui-
proquó sénão porgne d~ perc_e he 0 , abismo e porque ele t~m os pé_
s. urn
de "Cada lado de suas beiras.
As duas, vítimas do quiproqué são a tese e a antíte$e; o ponto de vista
do romancista é a síntes~. Esse_s três momentos .represen_tam patam~res
suc_e ssivos na evoluqãq ~spirftüal do rom·a ncjsta. Cerv,ames não podéria
e~érever Dom Qulxdte se o mesmo objeto T)âo fivessfa sido sucess:iva-
m.~.nte, p.atá ele, um .elmo encantado e uma simples bacia de barbear. O
ro.mancista -é um !\ornem quevenêeu o desejo .e que, ao lembrp:1;-se dele,
éompara. "É esse proe.ess-o de c:omparaçâo que Q narrador define no início
de No Caminho cle-$wann:
i fde~. ibdem.
262
MEN'TIRA _RüM,õ.NTICA E VER.DADE R(>>MANE'SCA,
O Tempo r.ee,1e:011trado, bem <:'.Offi'9 sé ~ura iJ,a mort'I',!. Má'.s· ressusçíta cb_m o,
rnmancista. Ressurge em pessoa no .corpo, d.e seu ro.rrrance-,
Ji?3
Cl:\PfTÜLQ., o - PE OBLE~AS flÊ T.ÊCl'f.lCA '~M P,RQ'UST .E EM.DÓST.01:EV.SKI
arquitetar seus qüíproquós essenciais. Sua obra estaria tão vazia. dé hµ-
mor- mmanesco quahtO" à. de ÊmíJe Z0La ou de Alain Robbe-Crillet.
P0r consegaiçte, não basta mais usar a forçij p._ara penetrar na e::onsci-
~ri:ciá das pers0t)agens. Todas ás técnicas dos toniantisfas anteriores
tor,pâm-se impotentes dtante dessá duplicida<le súbrétrânea. Julien
264
'l\.tEN T1 RA ROMÂNT I CA E VERDADE ROMAN ESÇA
Sorel di.ssimufav_a seu desejo a Mathíl-de mas não o dissirmtlava a 5_i
próprio, Stenqh13J só precjsava, assim, violar a intimida-de de seus
heróis para nos revelar a verdade de seus desejos. Es.s<t retufso é do-
ravante insuficiente,- .a ·descrtç.ã0 objetiva não -se coaduna mais côm
·o real mesmo qµando ela abole as fr0ritetfras entre a interioridade e
a exterioridade., mesm0 quando o romancista passa üvremente de
consciência em conscjê-ncia.
26.<
C:AP[TUI.O 10 - PROBLE MAS Df> T.ÊC:NJCA F.M PROUST E 1':,".:-\ PO;,TOI.EVSK l
Stendha.1 e thrubert·,mnca haviam tido (e~lmente n.ece.ssidade d9 futuro
ou do pas:sado, pofs suas personagens ainda não eram nem divididas
·contra si próprias n~m fragmentadas em vários Eu sut~sivo$.. Homais
permaQ~ce Homais -e Boumisie n., Boutní.sien. Basta colocar esses ãors·
fantqches. em presen'?1 um d0 outro para acertar as contas com eles de
uma vez por tO'das._Ei -los condenado.s e.m pé de igualdade ga:ra toda uma
etérnid.a de de tolice. Eles estão parãlisad'o s pára sempre·oa pose e111 que
foram surpree:êP.d.idos pelo romancista.. A mesma cena se repete, com
variações mínimas, de urna pontá à 'Outra d0 romance,
266·
lvl F
_.NlTRA !W\\IÂNTl'C A ·F 1/EROA.L.) I: ROMÁ.Nc5C A
de prote99 que fundon;;i.tn às rtúl p,aravllhas. Assim. .é que a si"a. Ver-
du:rm jamais saberá gue traJu :os 'pqbtes fi.éis, _E os .ãriti~os (íp~~it.Qr~s; d~
Drny.fus1 que -passaram a adepto·s d0 "lutar até a,:s· u'1t.i::rn45 conseqµênt\·é!§''
d.ur:an h:UJ guên:a.,.jamais saberão que estão se c0ntradizendo. sem 0 me nç,r
puddt, El~s êtitjcam ,sQl~érne.1)te os tiliármrros .gem1âni.cos'.' pur clefeit0s
que, at!jcia o;ntétn, lhes.p"ç._rêêia_m q1.ra1id'ades, o espífitt! ~ue;rreirQ; 'º fana-
t'ism.0 ,das- tra&çôe5,, o desptéZl!J pe,la ''cultura. ~ÍenJi·n?d,(. A.inda n'éi \ i~-
F'era,. acusavam os traiclores. partidários de· Dreyfus çie qqer~rerq esvaziar
a fr.,i__nça d~ .smis virtirdes vids. S·e, chamarem .a ,atenção d.os ,nteyessadns
sobre. essas têv01't,1_ço~ de doutrlm1;;", .eles fhe>~ Tesp.onderão com .muita
g.ravidatie qtJ~ "'n4o-t ã·me~ma coisa'".
Ó.e fató, .ounca .é a mesma coisa. O herói MarGel é urn.-ppuco mais._lúci_do.
qUce ;_a's pu_trá.s pêr,s.onag€0S, ele pFevê· € ' receia ,a mor.te de stfü Eu afoal,
mas nem põ.flsso deixa :de .és_qu:ecer éQftl,Pktaintnte ess.e fo1:c Nã0 demo-
ra ;m.u}t.o .a duv,i,d at que ele ~equer tenha éXÍ!?tido
2~7
U.PCÍTULO 1'0 - ilRUBJ.EMAS I}li T ÊC:N l'CA' EM PROUST~ :EM I10S'TOIEVSK'I
partiu. Quando a sra. Verdurin entra t;l'O Faübciurg Saint-Gern;iain tudo
parece mudado mas _na reahdade ,iada mudõu. As. ideiãS: da: Patroa esta-
vam subordinadas a seu esrto'blsmó, e ·continuam estando. 0- vento faz
girar 0 cata-vento mas o cata.:venm não se transforma; el~ se traóSfor-
maria se derxas_s~ de gl.rár'. As personagens prou:stianas giram conforme
sopra o vento de seus desejos. Nã·o tomemos tais vo·lteios por a~t'ênticas
conversõ~s. Ele) não se devem senão aos dadós cambiantes de uma m_es-
rna .mediação ou, quando mµito , a. uma mucla.nçé! de mediador.
Pará além da divers1dad~ e çl.a int~rrnitência d~pree.nd e.-se, pois, .uma
nova forma d~ permanência. Cada hor,nern tem ape nas uma maneir-a d ~
desejar as mulheres, de procurar o amor ·ou o sucesso , quer dizer, adi-
vi11dade. Contudo essa permar?êhcia .não é mais a permanência no ser de
que se vangl0ri.a ç1 consciência burguesa: ~ t,JJUa p.ermanêrtcía no nada, .O
desejo 1 de fato , n~o ak?-Oça nunca .seu verdàdeíro objeto: ele condpz: ao
esquedmento, ao declínio e morte. a
Nos rotnâ.n cistas· ante-rior-es·_passava-se setn t'ransrção da ilusâo subjetiva
à verdade objetiva, dil permanência ilnsó.ria no ser à 'permanência de-
li.V~ no nada. Na mai0r parte- q.e _Em B,iiSGa do· Ten,po perdido, a revelação
proustjanã com porta LCm momentp int€rtned.iári0, o da dNersid'ade e da
intermitência, dµ be;tero.gene-idade e d.o .cao'i. A presença desse mom:e n-
to supleme ntar revela o.agr,ãvamen.to da doença ol}tológiq1. Trata-se de
um rnomén.to mo.dt:nw porexcel.ênc_ia; pode-se também chamá-lo d·e m.0°
rnento existencialista em taz~o da importâ.r;icia exclusiva que lhe confere a
escalá literária de m.esrno n;oni~.
268
t'-fEt-,; T rRA R..( lM_ÂNTI C A ~ \IER.DAD!:: ROMÂNES:LA
oonseqt rências· da do.{mqa ontolégica· se :torn.am,. a .ess;à altu.rà:, tãó
~a.d'kct1_s qu:e .a_s· t~nd-içõ~s da r:~vdaçã-Q romanes:ca· passam novamente
·por .uma grande {)'ertutb~ǧib.
·'T69
270
Ml::NT!~~ R'(lMÂNl"IC. A :F. VERDADE lf OMANESC'.A
ma.ravm1:o-sas: Es~e éonbtc.iment.o {a~c'íi1aclõ do OuJfo;é ipe.ne.t rante,.p:ois,
s.e funda· no eo:nhedmenxo .de si p1;6püm. EJe é' Ul'1fà e:at}catura. ç5tgtilho~
$.a da ve.rda,d~ita sabedoria. A superação p:ara baixo. se dá à );tn~g1::;m da
super~<;ão p--~na o ãko ~A. ánaJQgía eiytr~ a trans,é~ndên.cja cl_esv,i<1cla e a
fr:anscend:ênda venic-al Ja:,:nais (lca,.p.e~inentida.
Gharlus é lurnirJbsb: ·e ~pal'r'iltrJà- ·luz a seu redor. Ess'.ª h.rz,, por cert0.,
está mesdacd.a com ·es.eur1dão 1 é <l· daridiclad~ ful_ig_inosa de: UTllà lâm.p,ãda
hlme.g·ant.~- n1ç.S. Ptw oor isso .déixam.os: de· lica.r, fulgurantemente "iiurni,
nados. Assim ~en_cfo, .o n.arracfor d~ixq~ d~· s~ lndi~p~sáV.el ,à revelâção
r0manesca, Quanclô Charlus .c1_ssu1ne o ·primeiro plat)o no .P ~k.9, Mãrçd
sç.retatn.ente d~·cena.Já na .Pri-rrudra· aparição doba.rãa:, em À Somha
Sii!.i' &_
J.at ~pir.rig,as.mi J1Dr, ~-ª
téqüça de ,Óê.$<:;ü~b pt.fra,, uma té'cnica objetiva
·e -quase behaviorista· se sub;titui· ~ técr:lica: ptoustiahà hábitual. Charh.~~
.é .a "únj_ca p~r~onágem ·qu~ o narrador deixa discorrer sem ir:iterr9mpê·-
la_ Os lo.ri'gqs rqànôlq_gq.s cfo batãQ são úniq>s:. no romanee Em Bt.JSCU do
Tem,P.o ,ptJrdida:. Eles b.a~t:~m a :si mesmp$. ·Ce-ttas. f:>'à l~vras da s.t~. V~réfurw,
,de Leg:randin .o u de ·B.foch neaessitariam volumes imefros de e}r~gese1 nb.
271
CAP'f"í\ ll;o I Ü - P.R<lBL eM'.-\5 D E T l?il Kit.A P.N!' P'!W>LlST' E EM 0"0 <,,Tô).EVS~·r
caso de CharlllS um hnpercept.(vel arremate é o· quanto ba~ta, t,1111 meio-
soiriso,. uma simples pisca4ela.
in
!\IENTIRA ROMÂNTJ ( A. r VERQA.DE R,q/',\.\NE'>CA
'Os "pnoçímic;5~" q5;nser:vam croª efic~çl.a, a~ apatê'nçla_~ S?9 t(l_i;lntid'a$.
A ,ordem. burgües~ sug~i~e. .À. époéa de Alberüne, a dtsagre~~ão da
·VQn;J:a:d~ está' çompkra. Q Qai~radoi;- 11ãq é mais capaz.do qu"t Charlus ,d e
sustentar-sua p·e rsona:gem perante ci mediador: Sua. conduta desmente ,o
tempo todo ,a s·suas pálavras ~ a mentira~ tar,ito· mais hiperbóliça q.Jie est;,.
rn~i'S tr;artspár~nte, pêrd~ t.odâ a ~ti,êá(iª. N.êm PO! utn, i_nst'ant'~ Miircer
c:C}n'S~@J~ enganar Albe~m~; de se tomá seu·e$tra-vo a,s:sim t;ôtttq:Cha~.:,
[us se vorQa o ~cravo de Motel.
... mt.nhas pi,ii'1.\'lêlS, oap rellet1,a m, p.ots.-·de mo~fo algum.os lTIS:U$ StnH-
i273
CAPÍilJ:LO< TO. -- Pl<c'(.)8.t:_EM;A~ DE Tt<'NICA f:.11;1 P.Rti>U5T E EM l:) OSTG IEVS IQI
que lhe repito· as minhas p alavi·as Mas se éu lhe ·esçon<lesse aqueles e
eTe cQnhec_esse ap_e nas ·e_stas, os meus ato-s; tão pouço em rel~ção com
elas-, lhe da'riim:i a rn.iudo·a ím pressão de uma tão estranha versatilidade
que· de certo· e.te me juJgaria um dôid'p. Procedü:n e,ntp que nã0 seria,
.d ç re,tQ, muito mais falso ele qu.e o que· àdotei, .p9is as imagens qµ.e
me fa.ziam agirr tão opQs.t as às guç s.e pintavam oas m1nnás- pal.avr11s,
'e ram naqllele rnomentõ multo ôbscuic1s; eu nã9 co_nhec1a senão tm-
perl-~itam.eme [a natureza se~11do a qual eu agiát hoje conh eço-lhe
darame~_te a verdade ~abje'tivaF.
1
A prisíoneira (v 5). p .325, op:cit, (N,E.r()bs. Q :tred:io entre cókhetess não cé>nst.:i na
tri'iêlução de Manuel Bandefrêl e Lourdes Soaza de A le ncar:
274
MEi,,TIRA ROM.3.N TfLA i-'. Vl;RDAO!: ROM,-?.NE~t,A
natt:tJ.d ot ~~ torna, pelo menos ·conç'ebrvel. Po:de-se imag:l o..ar· ürna arte
rorn:ane~ça b'ã~eap_à na mera 4presertta~?o cro,nõlóg.rn::.a ilª-s ~titudes. ·~
das p;iJ;.r,,ta:s cp,;itra:d'it6tia.s.
sobre cas e-x-ígêricias. de sua -obra que· conduza Marcd Pr0ust à têc-nk::a:
dQs(o)e:v.skiàna. no po.nto·e~a:to ém q.µ~ aka..n.9a a frontei'rtt e.n tre seu pró~
priô 0amp0 e 0 campó .cié· ~-~lJ í1suce~sor" . .A c9rr~,spopdênêia rtãn potl~
5.·er fortµi-t:a; ~la :oo·nfu;:Q:i_a essa unJcfacle· do g<hri-p. romaneseq qur s'é]i:lp.re:
afirmamos. Lonie ,de abrir um ahism.o entre os grandes T0mands.tas, o
e:studo das tck :nicas revela um m€smo· gê11íó de·adaptação .a possihiiJi<la~
de~ r0mfl..nes.c.s1s ú:rfmitªrnehtc ·v,a/tad~s.
27/5
( :AP°Í1T1LO i,ô, - r>R.(,)(l',l..L'vlÃS b ,E TI( NI CA El\1 PROU S' f E :E!',,f D O STC,:l l,EVSKI
Ó procedíment0 dostoiévskiano básiéo consJs.te em propk iar. confron,
tos qu~ esgot em rodas as relaçõ es po~síveis e ntr~ ~s diversas per.sona.-=
gens d·o roma.n te. A ohr~ se div ide numa·série de tenas entre: as qúais o
escri tor nãGJ se pteoclipa mufro em <1:riar triinS'ições. Em cada.uma deS-sa~
cenas, as persongens nos desvelam um.a , ou Vária~ facetas de seu calei-
dostôpi.o ·tmerl'or. N enhuma cena pode .nos revelar a verdade inteira de
üma personagem . O lettot njc) pode atingir essa v-erdade s~°'âo ao· cabó
dç apro~imações e -comparações que o romancista deixa totalmente a
seus cuidad·qs-,
276
.Mf,NTI R:/, RC~MÂNTr<'.:\ E VERO Al3.f ROMANÉ~·CA
de A Pf:í?ióneírt;1 qtte tft'ávmnb.s ·um pouco mais acima. Se el~ escomd'es\H:~,
nos .diz ele, seus .s_ ent'íQl<:!ntQs :a$ mêsmo te_mp0! .que revelasse ao leitor
:sua:s palavras e .seus aros, se aorepít<),rja "qtJe d~ foss.e tllf-l,i? @u ineftos '. /Qfdpo. É
,e'.fotivameot~ ess.a impressão de lp11Gura q"tle as ·persn.n;age_:rts d(,;'. 0d~·toie-
vskl ·dayq.f.n·aos primeir.os kitores ccidentais. Hoje, p>or um ç:o~t:tàSsen?.ó
tãlvez q:ind'a rrtôfis ~~ve,. u0s ot>s ifoi.çoam0.s às "es.trnnhas creviravolra~"
e ·cele}:;iramps :em Obst-Oiévski o C:r.íàQ.O't d.e _per,soriâ~ns nniis hv.m - que as
dos demai·s r.omam:istas. 011omds D0sto1'éy§1ci aos- r_õ'fu?nçíst.íl's "psH:oló-
g·itos" que aprision:am suas personagens num Jgb(rlnt<l de leK
A oposíçã°i::) :é fãfsa "t>orq_
u·~, e-rf.l Dostoi,evski, ~as leis não -desaparecera:m;
sãb das ql;l~ ga.vernam S€!éJdqme·nt~ Q caos.; sã-o o.s progressecS: da clo:-
en~a ont0ló'gioa, que cles;ti:O'em as âlt'i tn·a ~ apat.ê"nçia:s de estibihdade e
de tontínuidade .. O m0mem0 :da f)erm.a;11"ê;1c'ia, reà.T ou ihr~Ófia, d~ quê
p.artiaW todos• ds outro:s tornan.cis:tas, está agora eliminado,. Não re~tarn
·$ehâb. o ~egundo ·e.·o t<:tr,ç:ei.ro mo.men-to ·da revda~â0 prousttana . ·Com:q
a ;rev;efaçã~ }te:çidh:áHarya ôl! fütubêrtJªsrà, a revêl~~~o dos'ro iévskiana fi·c-a
Terluzida a dois momemç,s . M.a,s ó pfimeirô 11).'Õmen,to nãQ ~ ô m,esmq;
rião é ·Q m.o mento da estabilidade mas o da: interm}tê,rrda é do é_;;i.os; é ô
$~gµndo ro.ome·n.tó proustianQ. Passa~.se sem· t-ransi-çã0 desse mo(n~nto
"existençial11 à. pe.r man~cia no. nacl.a.
277
C?Af!JTUL D 10 - .l'ROllLE-MAS _I\FT'ÉOsi tÇA FJ-,,i P&{1U S:'t'." E E:M I) QST:Q IEVS K1
O neorromantismo julga sempre os ·romancist9-S de acordo com o lugar
que d momento '"e.xi:stendal": ocupa em suas obra~. Esse lugar é obvia-
mente mai s ·considerável e m Proµs-t ·dp que nos romancistas ;l-nteriores.
e mais considerável ainda em D ostoíevskL. De fato, e em Proust {!Ue
surge o mornent.o ex:i'stenci:aL, mas· de modo escondi.c;lq e n;iediato. Em
D0 srni evski', a maíori~ d'as personagens alcançou o estágio pa_roxísmíco
do desej o metafisico e o i)ldrnen.t o ex'i$tençtal passa: a imediatoº Caso se
negligepde sjstematicamente .o tercei-ro mome nto - que aos traz, aliás,
.a conclusão e-a lição d~ moral e metafísica das existênc͵S rornç1)1eséa'S.-,
p0de-se. ver em Proust lltn precursor ai nda 1.1m 'tanto tímJdo da lrte.ra-
tufa ·dita "e.Ristendal"' e em Dostoievski seu verda,deiTo fundador. t o
que fazem, hoje ôa:l dta . .os cóticos neorromânticos_ As únicas perso-
nagens prmrstianas que eles tonstderan1 .inleiramente satisfatórias são
evide ntemente aquelas que se apro:i<imam dp estágio dostoievskiano,
pa,·tiçtdatmente Charlus. Q uant0 a Dostoievski, considera-se que ·ele
é inigualáv.~I, não pór.ser ge nial, mas em ra-'-zão cla miséria acrescída éfe
suas personagens. Ele é' glmi ficado pelo ·g ue, a,inda ontem, o tornava
$l!Speito. O êrro, em süma, não mudou de natUre;za. Nunca ~e perc~be
que o "exis_tencialismo" elas personagens' subte rrâneas depende não d,o
romancista em si mas d p d~~eQvolvrrnento da doença 0ntológica 1 da
apro:dm~ç,ão e da multiplicaç.~o dos mediadqres.
178
M'tNT!RA RôM.Ar.JT!f'A !;; VE. IWADE RO!\l.,\f.;ES( A.
artJúgat)J.enté h.m'dava· nà ''fi<;lelid~çl_e ·a<;>s, prh)çÍpíõs\ O 'incli-v:íçlu9=or:;J"den-
tal não re nunciou a cç,nqµiistaf a auto1JOQ1Ja e o c_lQn;i{nlo l;q'dia.n.te; .el~ flaQ
renunciúu a seu o.rguih0. Lon-ge de compartilhar s-ua·fé 1 0 - romancista ge"
e;nha .em.rtos de-smasMrar a vaidatl<'! de,sta .. O n.e orrnmânfioo
nial s.e, emp_
cqnt.~fu~_oi~néo atte:cí.Ua ~stqt r1Ifüêrtadç/ pçrqu~ perceb,e al.ª1'ame.nte o·
fra~asso ~ .C.ótJ'Jé.dia butguesà. Mãs -de nij9 pres:~ent~ o .tt~cas~~l qL!.e e~."
pera a de p-róp1io, mais ~\ibi;tq.e: ~l5.çie~a~tr0sp ai:nc!,a: que o d:o bu~guês.
A ce:~e..ir~, eomo :sempre, cresce cam -a· ''lucidez:".. As· vítimas. d@ deseje
metatisi:wfitan1 p_resa.s flUil\l liurbi'füão càda Vft:Z: cnais râpldo <:·Clrj·O'S d rcu-
Jos v~o se çipertanêl.o. É ess<:; tfoirQ de tuJbj1hijo que- ptoçúra Dosfoie-v~ki
em ca:qa lJlTla'. ·de suas obras e, etn pàrti'cctla):", etQ: ()_~ De.rrrôt<i~s.
2,79
CA f!(TDL.( l 1'0 - 'PRO !l.LEMáS DE.TE:CC: NI CA EKI JIR OUS·T [ E'M bm SFl lE!V'SK!
heroico., Var:vara PetrQvna alimenta seTJ ódio amoroso ., ontra Stiepan Trn-
fimovitch. Stiepah também lev~ urna vida. de "p;ratesto ttr.cit0''i no seu
entender, as "verdade.s e~rnas" do "hberaÜsmo russo'' e·. ék sâó L(ma i::ois.a
s6. Perante o. caleidosc<;)pio da vida_polfti<=ca ·petersburgue.~a e ernbo.ra.
efe passe a mafor parte do tempo lendo Paut de Kock e jogando cartas,
5tlepan Trofimovitçb faz.se de "reprovação e_ncaniâ.da". T udo iss0 n~o
passa, obviamente, de comédia, mas uma comédia inteiram.ente sincera
torno a devoção da sra. Verduriri aQs Mis, à ane- e à p·ãtria. Em Stiepan
Trofimovttch e em Varvara Petrcrvna, coJrio,nos burguese~ próastian9s,
o ser já: .est-á profundamente dividido e desagregado por um orgttlhó
11
e_stérfl ,. mas p mal connm@ escondido. Uma f\tlelidãde ao.s princípios"
jnquebrantável d.issitpul~ o tra,ballw de decomposição. t indispensável
,~a crise grave· para qu~ a verdade ap:areça em plena luz do di:Q.
A geração dos pais ainda mantém as aparências. Assim, ela .c0l0ca D~s-
toievski frente à pr0blemas de revelação l'ómane-sca comparáveis aos
de Marcel Prnust n·as partes centrais de sua obra. Não é de se espantar
qµe Q r0.mancista russo, para. resólver esses proble_m as, retorra a .um:à
sol_tr~ão pçtra]eJa à solução pr~mstiana. Dosto,evski adota um nartactb.r.
Esse Qattador remonta ao passado, <Zomo o nawdor proustiano, e se
reaproxima dos fatos, muito distantes uns d~s- _outros, a fim de revelar
as çóntradiç'à.eS', fn:rro dõ desejQ metafísico. Dostoi~vski te·nde para uma
t€é.nicçl narrativa, explicativa e h_íst6ric'<J., t>óis, nesse poí)to,.ele não pode
abrir mão da narragào, da expücaçào é dª h.istória. Quando os fi.lhôs
estâ'o .em cena , o mediador está mais ptóximo, o ritmo das re.viravoltãs
se acelera ,e 09stoievskí re;torna à apresentaçãô direta, ele esquece seu
11arrador, cujo papel é puramente utilitârio. Ao que ·.patece, ele n.em nota·
os p(pblemas de "verossttnil}:)aoç-a" ql.le coloca 0 desaparetimento desse
·ioter:t11ediáriQ oficial entre o leitor f:' o: tiniv~xso íQ·r aanesco.
280
,'v\ENTl'RA R()~~AN T!('.A I; VE RO. AO E ROMANF. S'CA
consciência testemunhal. Seu te.s temunho é ne.ctssáriO p;rra arruinar as
wetensqes obstinádas desses "pais" e revelar o desejo metafísico ..Mujtos
críticos cootempotâneo:s, dando ·continuidade à posi,ção de Jea:n-Pauf
11
Sartre, veem um obstáculo" à "liberdade'' das pérson~gens· na presença
do próprio r.omaocista du de um narrador onisciente, de-u.trp do ,tornan-
ce. Esses crftkos .celebram em Dostoievski o liberador- da person.a gem
de romance, isto é,; o çriador· da personagem subttrrâC'Jea,- s(f eles fossem
fieis ·a, seus p.tindpios,. esses críticos deveriam repreender 9 romancista
rus:so pela crtaçâo de Stiepan T mtimo;vitch. Essa. person·agem, ernborá
tão resplandecem~ d~ verôade, &:veria parecer-lhes deficiente do p:onto
de vi,sta da '1iberdade" visto q11e clâ se e,ncontra oontlrn.i.amente obser-
\1àda é a1ialrsada por wn narrador exterior ã a:ção roman·~sca. Em tudo
quanto .toca a Stiepan T rofunovjt ch, a té.c njca de Dostoievski fica- muito
próxima dá técnica. prousttana.
~8 1
( :APÍTUL.0 10. - PROB LEMAS UE ITCN !CA EM PRO U ST e EM D0STOIEVSKJ
A inexperiênci-a e a miopia. reLarJva do· n_arrad.or garantem a únidade de
tôtn com .~ .técnica da revda:çã0 direta.. A a~osfera de .enigma que Dos-
toievsld afeiçoa fi_ca mant ida.
Essa atmosfera de .e[Jigrna não témr por sina1, a importância que lh:e é
a.tribuida em nossos dias. Ela certamente não provém de uma "mar~e-m
de libercfacle" e de incognoscível deixada à petsónagem. A liberdade
êstá. aí, ~em dúvida, porém não s:ob a forma como a Imaginam os críticoi;
e:xísteneiaJJstás,. A liberçmde ri.ã(;) pode se aflnnar a não ser sob a for-
ma de uma conversão aucêntíeà, ã que sofre Stiepao T rofimovirch, por
fxem;pb, na c@nclusão do romance_O w.ie é rncognpsd~el, é o. grau de
çµlpabilidaCÍe ou de ino~ência de uma perst>nag.em. Nunca é f\ad~ alfm
disso. Acred itar que Dnstoievski deixa o campo livre para a imágln~ção
do leitor, acreditar que exis,te, e.ll1 sua ohra, uma zona de liberdade, 'l.lll1a
esµécie de va:.z_ia que poderíamos preencher como quiséssemos., é des-
~conheter- profundamente o sentido de ·seu gênio. O romancista pméma
piínJ~i.ro revelar a verdade; a zona de sifêncio, ·e m sua obra, é a:gçrela das
evi·dência:s fundàmentai~:. ê. a z..dna dos princípios pr\roeiroSc que não se
formula, pois o. romance êm si deve sugeri-los ao [eite>L
Os campos r01lµU1escos estãp '!soldad·o s" uns .nos outrns: <:ada um deles
,é ama po.rção mais ou meno,5 exten.sa dà estnmffa U:ital'; .e é definido
por dt1<,J.s .d istâncias extremas entre mediador e sujeit:o desejante. Logo
há uma duraçã.o romanesca total cu,jas obras qmstitu'em os frãgmentos .
.Não é· de rrtod9 algwn o .acaso que coloca as persona:gens e os desejos
l)ré-dostoievski_a nas nd fim de Em Busca do Tempo perdido. Não é de modo
algum ·o acaso que coleca as personagens e os desejos "p'roµstianos'' no
iliícío desta suma dost0ievskiana que se intitula: Os Demô?'JioS. A á\len_tura
,do h ~ró'i· ~ ró_J_hance "tem sempre o mesmo sentido: ela nós faz pa~sãr
2.81
·MENTIRÁ RQMÂNTICA E VERDAt>.E ROMANESCA
das: :reg1õ~s su:11erí:ores ·a:.~r:eg:rões.inf~íotes d'e um_c·a;mpo rnm·anesco,. A.
carreira hemi<ea é .uma ~eseida· a.O"s t_nfemos qtre, qt.ras(>·'S.emp;re, lind.á por
um. retorno ;à luz por uma G01we-rsâo metaffsica i.t;1ten;ipnral. As dutáçôes
rê>,m.itn.esqts se ·encava.lam, mas hà semp.r.e uma -descida. aos i n f~rnos-que
começa no :Pôrtt_õ em ·que .~ pre_ç eden¼ se i.nte,rr-ompeu. Há cem heróts
e n.âo ha ~e:n~o um_riêtój cuj'a a.V:ehtQ_r'a s.t; de,$dQb!'a d.e árh;a ·ex:tr:~midade
:à-,outra da literatura: roma:n~sca.
umas das outras e a.fé eomraditp·ria,s~ma$ seu çlesenrolat _fottt)'a uma his-
tória imp.lac:áveL Éa aproximação ,do mediador que enger)dr~ ~ dµ,ra:çã.o
mmanescg € lhê dá s_
enn.d0..
Cada gera~p e-QCcatn,a :t!'._rtia etaQa da ciõtoça úót,q}óg'jéa. A verdade dos
pais. permat1ece eseondi da-p9f longo: tempo·n:ias ~J?Jcle çó1fl umª fo.tçª
incom páráveJ ºª agitação rebrill na desordem e na devassidão. elos filhos ..
Os pais s.e es:p.a,,ntam p,or: terem produzido..monstros; eles-veem nos tilh0s.
a arltítese d.aqgtl0 que: -e:Tes Próprios ·5ã_Q. N'ã.o S:e dã·o conta da li~aç:ão
~~tente e-ntr.e,.a ântore•~ o fn.Itó. Os filhos, êm co;n:i"pensa~,fü\, veem da 0
i83
CAPf';:nJLU m ·- PROBLEMAS f) .E l'fcCN-l (: A, l:'lvl P,R('.):8S1' E E_M DG>5t0 tfvs_Kt
É pelos fn1tos, que· cdnheceremo5. a árvore.. Dostoievski .insiste enor~
mertl'ent;e n.a ligação entre as gerações e na respon~abilídade d0s pais.
Sti"epan Trófimovitçh é.o pài de todos os Posses'Sos. Elé é ô pai .àe: Piotr
Verkhovenski ;. é o pai espiritµal de Shato:v, de Darja Pavlovna,, çle ~iza-
veta N;tola~vna e sobretudo de Stavrqguin·e, pois serviü a t 0dos corn0
preceptor. É o P5lí de f.edkai ·o ássassino, já que. Fedka era seu servo.
Stiepan Trofimovitch a_bantlonou P.íotr, seu filho pelo sangu~, ~ Fe-dk.a.,
seu filho pela sociedade. Sua retórica generosa e SUcJ estética romântica
não impedem Stiepan cl~-trair todas as sua.s. resp.o nsabllidades .c oncretas.
Ô" liberalismo romântico é o p,,ai do niilismo des.tn.1ldor.
284
MENTIRA R-OMÁNTIGA .E YERDAD'E ROfy\ANESCA
Stiepan; T rofimuvttch ~ Q P.a'i,, Sta:vro_gUifle Q ,filho; e ·O c:or15pira.d0r ttac
p.1lh ~c.> Piotr Ver:_khdvel}ski, n.ã:9 é outto se.n:ão o fap írltb irrisóri.o de
1
·285
·nos to.dos 0.s tlias ,que o. r@mane:ista .@ão a~iBge. a genialidade senão "1~~-
p.~ft:açd0:r a lil:1erda-de d.e su.as i;,~rsooagçf}s. Ni;1n<:'..í nõs citzen1., ififeh:z-
rni:nte., em qu;e c:011sis.liria,. õlfinal., esse rnsp.erto:. A rióção d<! liberdade f
neeessariamente. ambígua q.uanq.d a;p.Jica~a <JD·rolJ;),ltrce.. Se o tQnià~iti~ta
é l.ivre, ~rh .cg_m çY~~iS?Çâà, flc.ª dtfíç_i'I én,t:endéi:- c-0coo sti:as @ersonagens
p.oderiam sê-lo. A libtt.dadtnrão se partilha, mesme> .se tr.a-rando d.~ t;tia ~
mr.a e eria.dGT. Eis ar up:1 do·gn,a1 fond.a.I11-ent:al e o sr. Jean-P'aul iattre ~e
gap4 de provar,, ,graçç.$· ô! ~le:,. a im.possibilld~de de hav,er wn Deus cria-
dor. O que é impossível a Deus não poderia· s.er po.sslvd ao t.Orhâ'n€í~ta.
Ou o rQ'rha'tH::l_st:a,é]ivte· é suas pef5oríagen.s nãQ Q sªº· oµ a,s pers-cma~ens
·são ÜVr(!s :e .0 .roman.dsl;a,, tal -c-0mo, Deus, não, existe,.
Éss.as contradições de .lógica, ao ,que parece, não embaraçam :o~ teón-
cos ç[a ficçãt,i to·n t~rn~.Qrâne:.&. ·Siúa "Üb~r-da.d:e" é Jro.t-0, dé u.ma confusão
exfrem:a entre certof ~pr.êgc;;s fiJ.O§qij'cos: d.o têttí)ô ê ~eus enit_:rcé'.gos.
cotidianos. Para a rnaiorf.a dos Críticos, liberdade é sinônimo d.e espon°
tanei-dade. O romaHc,ista: não deve s~ incomodar com .a psicolog{aJ ele
deve criar, ein o~tn_1.s palavras, personagens, Oijas à~õeS' não são jamais
prwisíPeis. É a Dostoievski, por fücrívef que i;>'areça, qu~ .~e atribµi a pa-
ternidade da per_ sortagern ~spônt.ãn~a. O Subsolo é cDntempladp com c.o-
mentÚios particularmente elogiosos. Por pouco não o transformam no
breviário da nova escola.
28.8
MFl-{tl RA ROMÂ.NTICA E VERDAÕ~ ROMAN ESCA
assernelh<J..bastante ao tipo d.e herói que a ficção contem.porânca repro-
dtiz incansavelmente. Nem .o Roquentin de A N,fo:se,.t'., 1Ye.t n o MetJr'sá'alt
de O Estra11geiroi, nem o? vagab1,IOdQ$ .de 'Samuel lkckett1 desejam meta -
Íisicamente. Essas personagens ~ ã o atormentada~ pelps mais cLferentes.
m~Jes, porém eli1s são 1j-oupadas do mais perigoso de todos, o déstjo me--
tatísico. Nossos heróis Gônte111pDrâneos nunca imitam ninguém.Todos
elés. são pérfeitamente'ãU:tônomos e êles podenarn repétir em coro, com
o ·Teste d e Vâléiy~: "Nós, parecemos seres q,uaisqv.er mas r'rós. todos nós,
dev.em os ·o que sómQs, pór inteiro , a n ó5 mesmos."
1 E.rução brasileiradean-Paul Sartré, A1Ufüsea Rio ·& Janeiro: Nova Frqnteira, 2_0Q5. (N.E)
2
Edi~ão brasíleira: Albén G:ctius, O estrm_1geiro. 19,ed. Rio de Janeiro, Record, 19.9.9. (N.EJ
i Edição btasiletra: Sarm:rel Beckett, .Esperando Gqdot. l .ed.. Sã0" Pàulo: Cos:ãc Naify,
40Q5 . (N.I;.)
• Edição bras-ileira: Paul Valéry, :I\1ousieur Teste. l .ed. São Paulo, Ati:ça:, 1997. (~.E.),
289,º
U ,?ÍTI)LQ. 1.1 - U AP0 C..:A l..lPSE DOSTGIEYS KIANO
lemos Dostoievski·; admiramo_s o romancista russo sem compreender a
natµre;za de ~'l.t.a arte.
S~ Dostólevski' for verídico, nossos heróis sãp falsos. Eles são fa lsQs p.o r-
que adulam: nossa ilusão de atJ'tonomia. Noss.o s herói.s s:âo novas menti-
ras .românticas destinadas a prôlótigµr os s.onho-s prometeicos a-os quais
o mundo moderno se ag:arra desespéradãmente... D ostoievski ·r evela t:Jm
des~jo que nos.sa ncção e nossa crítica n~o fazem sen.ão espelhar. Nossa
ficção.é:seond~ d~ .nós o·m ediador na existência coti_diàna. Noss;a cr:ít.ica
esconde de nós es~e mesmo q1ediador na ohra escrita expré.ssamente
para r.evdar .sua presençà. Ao se valer cfe Dostoievski>essa crítka intro-
du,z:1 sem se dar coma 1, um lqb.o voraz nó redil ~istencialista.
]90
29 1
29J.
M.1:NT! ~A ROMÂ NTI CA E \fFRDAD E R:OMAN'l:SCA
nõ.s- garantem ql.le re-m.o1e:iarnm .a esse Joga i:rautil. Contudo etes 't)_ã ô re-
.IJ\l:bci.a-rartt p.o· tan_el. Eles ac.haro admi:r:ávd que .esteja vazio ..
29-,3
'<.:.A.Ptr'ULO 1 1 .:. ÇJ APO(:Atfp;SE D.d STOIE'V'S!<.J.ANO
rnediado_r. O lietôi se volta ?ara seu 11perseguidor ad0rável como o fiel
11
Ê$sa çlj-;tl ~t1_ca do apelo .que se nega enquanto apel o tbrna<'i ·aparecer na
literatura contemporânea. Escrever, e sobretudo pubüca r uma abra, é
apelar-para o .pú1.,lico, é romper, p·ór um ges.to un ilat€raf, .a relação· cle
fndiferença e ntre Si próprio e os Outros.. Nada pod'e fu.ú11iÍhar t anto o
.orgulho subterrâneo quanto essa iniciat iva. O ari~tocrata de tempos
passados já press~ntia na carreira: das· f~tras algo de plebeu e .de ·baixo
que seu orgulho aceitava muito mal. A srp. .. d~ J..,a Fayette. fazia sua obra
s~r publicada por Sebrr:ais. O duque de La Recnefoncauld talvez man~
d.asse urn de seu~ lacaios roubar a suâ. A glória um tanto burguesa do
artista vi:nf1a até ess~s nob!7es escritl,)te'S sem que e:les· nada houvessem
feüc;> para s·olkitá-la.
,294
ª
.E_k não e:stá dizenéfo :tétd~c;!e. O es~titór fal~ parn_uó'$.sirduzir, c.o:mo
·n(J) passado: 111e fica ai:nda·:á espreita da a:dmirn:çã0 em ·nosso .o lhar que
.seu t-ale-n:to nos. inspira. F.·a.z d~ tudo, nos dit'ão,. para 'fazer---5e detestar.
S.~rn 4úvtda, rua:s·.é ~:orqµe .ele h~ó pó9e mais nQ.~ cortejãr ~l;>ertame·n-
te. -Predsa p.r imeiro sç ,coo_vet)~er de que ·não está te;otanq:o, n_q.s :agras
·dar. Efe ne.s far:á, p.ois, uma ·c.or.te ,ti:egatív<J .à ma.neirfa do,s seres-de JJ.aixã0
d,q st.6i evs;lçi&n QS.
29,5
éA.PíTl,l.LÔ. 1 1 - Õ A,:PÔ.C,Ái_.]P-SE D,Ç1$TQ JEVS.K,l'Al'il.Ú
:Eu sorria com àesdém .e fiquei aruia'ndp· do outro lado cfa sa[ai ao longo
da parede, b~m ern frente aô divã, fa.zendt!l o percu_rso da mesa â: la:reira
:e Yicê-versa. 'Qu~ria rn9_strar, -çom· rQdas as, nunha-s forç,a~, que podla
passar sem eles; no entanto, ~atia de propósito, com as 'bótas 11ô,cnão,
;ipoi;mdo-me nos sal to'> Maç tudo_ertl vàô, Eles n_ão m~ dispensavam ah-
solutai;ne.n'tê qltal.cwer a.ti,nçãJJ.. Tive a pachorra de fica ,' andanó.o a:s'>irn ,
bem díante d'eles,. dar. oito 'à~ on~. s-empre no mesmo lug,ir, da mesa à
lç.reiI11 e da.lareira de volta à mesa.~
296
MENT IRA "ROM÷NTl<:'A F. VERDAQE ROMANESCA
,Cilimem2. É P dese,jo que retém o l:iorn.em d0 .subso.l0 na· sala do b,1n~
qUeyte. É o d_e stjo qü,ê pó~ nq:,: bqcas· romântic~ts a.s fra.sts di.'r vinganç.a e
as lmprecaçõ.es contra DeLtS.é ,o s ho[J)ens.. O Misant-ropo e à Cõquete, o.
heró i scubtetrâneo, e seu perseguidor a,do.râ:vel são sempre 0s. d:ois Jaq.o.s,
de LíP1 :met,li.19 ,d'e {ejQ rne.:taJf~Lêo. Ó gêni,a. airtênfi:co uhrap.assa: as ·oposi ~
ções enganosas e n'Os. faz·tir .tatit,o de urt·s qtJant9 d.e outros,
Ã97
(:A~ÍTULf) 11 - O i f5CJ.CAI:IPSE DOS7C:, JJ;VS I~JAN.0
de çgmé~i.à. O h-ome'm dq snbso.lo·p~rtence a esse est-ágio; eis porqrr~
não há <le J:ertô' 'nenhum at1tuçlts ténnlnfjc,ªs .qut: rião ·encontrem um
@ca :em sua breve confissã.o .
U vimos o homem d.o sub,t~rrâ.neó n .a '"s:ólid.ãa" :e no "deseng.ajamento 1
'
198.
MENTl_~.A. lWMÂNTICA r ·VÉ_RDJW·J: :~0:M.A,N'f'SC."i
A áltím.a obseTV?lçã'° ·é particularmente sab:o.rosat o h0met;n do:'SU.bsofo
s-e ée.t;isui:-ã pôr s-C'. mõstrcir dewasiilclame-nt~ .duro pêu:á com seus: próprios
'"erros''; Doswievsk.1 9.ãp podê l'e\r~la( q çi:Ltm:í dé Seu herpj pem lançar:
ama [uz; implac.a-vd conquanto saJutartambém sohr:e rpd_as,as destiilpa-~
g,ue nos; ~jud~m a.. viver. Há urn :I:io.cado ·cl.e '1e~istenc-i.alismd; n0 subso-
lo;, há surrealis:rnq ob ptjméJro $.tavrqguirl~, aq1.tel½- q.ue be~ja· na boca
.as mulheare-s ·de· funcionárias T10S' b.aile;;. ~e s'(:J'.bpr,ef~itura5. O tQmMcFst-çi
riã9 t~qu_ec~ nem. aq:udes ;que santifieaoro terwr, nem aqueles qu~ san-
tfftçarn a <ii~vassi'dJ(o, ~(;ni PS. disd'P4Lõs de Sai·pt-J.ust1 nem 0s alunos·&r
man~uês de Sacie_
Só .um contI;3S_Sel18b racli'cal sobre a tnensag:e m de sµa obTa nos p.e rmité
ane:xaT Dostoie-vski a nossas ,pr0'prras m~ntfra? .e çenovar o paradoxo ~a
cútic~ rom~:otita. anexa.ndo~se 8' Dom· :Quixote ou a Ô Vermelho e o Negra.
º Edição bras.iieíro, ''Píôdbr :Oost'ói~v5~i, 'Noitf,_S, brfa11cq,s. Lêd., ~ãç Pa!!lo:-Edft9rn 34,
2oqs·..(:N '. E.:.)
I{) Ecliç~o em potwguês" Hódqr.Qo.swiev.ski,, Gen1e710.bi:e. l',ed. mircarena/l?ortugat E:di-
tbri-al fa.esenç'a, ::t:006. ,(N.E),
199
Ç;~r'flll)..O 11 ,_. () r',P.ô ,1:ut>;,.;:i~ o·O'STÔ tEV.·~Ú( íAl'fO
A analogia· erttTé todos es.ses mal-entendidos nãô deve nos srn-pree nder:
uma mesma necessidade gera, à c~da vez, uma mesma t()lifusã'.o entre a
obra r_o niane,s,ca e a obra romântica. É o prqprio de.sejo metaffsico que
sugere às interpr_etações aberrantes· de todos os romancist.as. Constata-
mes, mais uma vez,. a qlié ponto o mal onto l6gico _possui ·a habilidade de
tránsformar .o s obstáculos em rectrfSós e. ós ·adversários em atíados.
1.1Edi·ções brasile/r.:a,s: André Gide, O n~oral/sta·. 2.ed. Ri9 de Janeiro, N9~ froi:ne,ira,
1983_; e Osfmtos da trmi. São Paulo, Círculo do Livró, 19~9. (N. E)
~ºº
!-.IENTI RA R/ )M ÂNT I C A !; VF.RDADE RQMANÊSCÁ
o herói é® ser do clesajo mais imçJl.S0. Esse des~.jo im~nsq .ê 'G:tÍJ1foo· de-
sejo espontâneo. Ele se opüe an tl-esej0 <los Outr-0.s que são ·sempre mais 0
'Í:rnco.s porq_U:ey s:ão ·c9piqJos. O rnrr:1ântii:;o· não· pode, mais esconder .de si
mesmo o pápél qué clesernp~Õ:é!:a ílJlJt'.9,~9 nà gê'11es:e do .eks~Ja mas. tia,
:sqa file'J\t½, ess·e p.ap.el p~nn:art~cê lig;adç, a urí_l enfraqueci'meoto -~R des~-
jo de oíigem. A cópia do .desej:o eQ~racla como.u.m ~~c-q]que u.rn ~nto
~
.gro.sseiroí 0s desejos copiados são sempre nmjs a.pagados que :os desejos·
:Qrí~lnpis. hso $ignJ6tt!, e.m ·outros termas:,..que esses;desejos ounca são
s d~ejos ~qu~ks gü_e .nos parecem.
ô~ no~sos: de fum, s:ão :$Ç'.mt;,Je nqs_so_
os ma_ís intensos .de todos, O româ_1)üçô pétísa. r<::_Sgi:rà_rdar a ·atlténtje)clã-
de tle·seu des€jo ao reivindicar papa ti 0 :des~j:o rna:i-s violc;mç>.
avent!:lftlit q1,.re se apresenta .spb e). foti;rt_q; 'de uma· viag~f!\ ~ Patis. E)e .sâ_hé
pei;feitamente ·q ue é o desej0 metafí8ko que transfu._g ura· os longes.
30·1
C.A.PJT'ur,o r: - o A'POCAt.ll'Sf D,c,.g-f{·))l'VSK!ANO
A vi_olên<:;ía do· desej_o não é ·mais um crite;rfo de espQI:!t<;1.neida.de. A luc,/:..
dez de nossa é poca ~b~ n~conhecer a presençª dp S.agrado nos desej'os
que pareçam os maí.s· naturais. A refl ex-ãó contemporânea descobce "mi-
tos" e "mitologia" e.QJ c.a,da UTI) de '.n o~sos desejos. ó século XV'Ul d~s-
mistificava a ·r eligião, o século XIX desmistificava a história e a filologia,
nosI,a· ép-oca desm istitka· a vida, cotidfana. Ném um úni_co desejo escapa
aG desmistificador paci.e"ntemente empenhado· em construir s:o br~ todos
esses cada.veres ele mitos ó maior :m ito de ,tod©S, o de Sêl!, próprio des-
preridime11to. Só ele, ao gue pàreç;:"é, n.tm..ca deseja. T rara·~se sempre, em
resumo; de convencer os 'Üutr.os e sobretudo de convencer a si mesmo
qlfé se ê perfeita e div.inamente autônomo.
:-ip2
M ENl'l!lA RO M .fi.r-l T l t.A E V F.1(D.AD E RO /I.IAN1:SC,t,.
É. es_sá vetda.dt elo neortQríl.i:lt1t.isn-io ·oor.vte:mporãnf0 ·que :l\loert Camus.
r.evela,, sob o xrê:o: d '.é U:Ql..q; /lL'e~t>ría tta1}'~p'.afenté, na obrã admir'~veJ ;tt libê-
rad.o~ que,é A Qúeda ,:,., Superando o .romantismo inicial, ,q. roma_rttj'smo·
de :O fatt,HJíli.i'f:b e d<;: A Pestéü., o: esc':fitcn ·denun.cia ná literatura engajada·
·e na Ii:terafura: ies~i;lgajad:a tentà;t'jVr.1s. gêmeas de jBstHiéaçã.b. .Como Q
Subsolo.,. de Dustoievski1 es-sa obra fica aquém .d.e gµa·lrn,lerrecon:ti1Í},ç~9;
como. O Sü/Jsqló, eÜ1já ultrapassa o romantismo, Albent C:amus faleç~v o'ó
mo.~ @to en;t q~e., sem d.dvida,, uni.a cçirtç ir:a novà.~:~ a.briá diante dele.
,:i E.dJ_ç ãq brasiJ.eirà: !tl~e rt(:ppiµs, Ai'/tt,cdn, 12,td. RiA de,Jan~ir,o; Record, :2uoi. (N.E.J
1
:~ Ed_
íção bH~~Leira; Alb'~rt Camu~, l4 peste,, 9,ed, Ri.ô ddant)ÍEO: Recotd1~ t9.9ei. (N.E.;
fü3 :
304
ME NTIRÁ ROt...lÂN T l(:A I: Vt'.RÔAOE R'OMAN E.SCA
~slie "vazj'o ·q,{;le se leva c;l~tro ele si é- t:rãfüfotmar a imp.otêricia. em pode""
ãbs9.luto, ,ê p.Ij;JplJar a i}}:la deséJtç. do l<'.dbii:rs0n ·írt;t~riôt ãté. á~ ptppQtçõ~s
d o infinito,.
RetiraJ· todas -as ·c9.i:S:~~ p.áfâ C!lW ~ll 'Ze,ja 14 \ .(xd~u:ná a sr. Tes1;{:: em.seu
11
.
A meditacã-o rüetzschea-na está tocalizada- numa- m@sma. d1me11sâo·. de
to._div!d!i_ali~mõ qú~ o ~ropr.e.ern:lirnentc do-s.r. Te-ste. A sup-e.F,hurnanida--
de· S'~ a.s s~ta)'á ~obr~ uma dupl~ ·rçn.tíntia ·~ transçen<i?J'leja ifertrç~l e ~
transcendência.desviada. Zaratustr,a se- esforça em p.enetTar no S~f\ttlári o
de sua pr6p:ricl. exisJêoç;ia ao- cah0: de un:ia ase.e.se purificadora anáfoga· à
~:scesé re1igiosã ma:s em sentido lnv~i;s.o, E~sá an:a.l~gia é pçtp.ej;liarne.n'f.e
-enfatizada pelo ·e-s füo -e ,as·i_m..~g.en_s,bfu!ica~. A~nn Jalatfa.Zcrri:itus'tra'',é um
novo eva_ngelho que· µõ.e fim .à ~rit'cPi-s.tã·.
O qrgulho. Q~o ·€ ma.J,s a· m:t'ftna~ãq _natural ·do. hom_ em ~ sim e! mais de-
·vada, a mais austera de todas as ·v ocações-. O 0rgu.lh0 naá se mpst;ra
mais senão· rode.a.do dt·sua-s \'1Jrtudes. te-ologais. ·EJ éonf€s:s,gr, da sra'. Teste
recbnh_~ce _n_~s.se cortejo toclt$ à~ vi.rtu&~s cris:tã-s à ~.xç€ção úf!icam~te
ia: G'.aridade. O pensador nqs pTop'à.e u m ideal de <qHci.~e ·santidacl.e l"ieh):
próprio a ·sedü;dr o~ mais n0b"Fes-e .m..ais fortes esp'Ítitos.
i. M11iisreu1Teste, P- -ST..
'~ EdJçâQ b~~Ü(;ira, f_itedric;J-i l'>hetz.scJ\e. Ass.im jala,,za, Z.11-rnh~tr~. ·2.~d P'erróp,oHsZRJ:
Vozes1 2008, (N.E)
306
Mapal empr.~~ntl\me·n:to, .n.o c,~.'s_ q cldé, nã_o tiGi- no ês.tadQ de n.o~ão. K:_i-
rilov. flâb qu.tI'F e.-se:::rev-er. um -livro. espantoso, .çl<:: q-µ~r encarnar o é.spítitó
tn,'1rn -gest() -det.:ísJvo . .Des€,jat se.u nada é desejar-se ,n o p_onto mats fraco
cf~ sl'.l'.a huma.n.itjap·e, ~ desejar-se motfª-r, é d;esej_ar-se rn0.nto.,
Kirilov ·es:Ji)tn.a, ,ao .se ma.tar1 ligaJ'cse a si: mesmo. numa -p,osse-Scsãnver~·tgi'-
nosá. .Por·q9ê ék :situ_a ,es_sa·conquista na morte? A morte ,. dizem 'a:lgans,
oão ckve nos p.ermtqar, já que não pa_ssâ d.e pmç1 idéia, J~ qu'e se .encdn-
tra senrpre de fora de ·Aos-sa .experiênda in.di-,.\dttaL
Kirilov· <::stá .d e ae:ordo; a ct~rnidacle .mora ;n aturalmente etn nó-s,i j:\ ,i-dtia
t©da está a(, mas nã9 bast_a ~f!un_çiar essa i_ç{e.iil, ê a'indçr ptecítp .Pr<ivá.-1~,
É pi-ê~i$õ prõVá-la. ~Q bo~ro coo:oinpid0 por do.is m-tl .an:as de eristia-
ni-smo. As .co.r=iversas füusútieas nunca ·impediram. n_r_n,gu.êo:i, riétn tn~.rti'.ô
os·füósofos, -de tern:ey à mçirte.
At,é. K.irilov· a~ p~ssoç:s: st m_at'a,va'J.I! - pi;:>i ést.ranho· '.q ue p-aYeça - por
temor à- morre. As p~ssnas se- _matavam nto Qàta rem.1T}ciar ªº ihfil)ltQ,
mas por temor ·_á es.ta Hnitude à ,qual pensavam estar conde:rxada~ pe-1()
fracasso 9,0 desê;éh Qnartt'o' à K.irilo.Y,. ele ~à.i se matar sem outro desej,o:
çlo que o ele eç'ti;ir mon-0 e de ·sc_-r ele prôpti_o. n.f morte.
101
U,l"ITULO 1·1 """ O. ABO'CALI.PSE DüS1'·0 1EV.SKI--A NO
pãra que o.s homens -ren\rricienf à 'in).ortalJdade não mais num n(v~I su-
perfkiaJ, .i;n~s no nível essendal d:ç de.s ejó.
Mas Kiri1ov frcrcassà. Em véz da apoteose serena ~ue ele cogita, ·sua
rp9rte desencadeia um horror indiz;ív.el 5ob o olhar do ser mát,s ignóbil:
V erkhovenskf, o Meflstófeles dos Pq~sessos. A cLvindade que Kirilov
<:obiça se apM'.Xima ç10 mesmp tempo que ,se ap;roxinia a morte . Porém
~o se aproximar ela se torna ínaéessível. Pode.-se suicidarssé para ser
Deus., roas não se pode tornar-se Deus sém renunciar ao sukídiQ. O
poder absoluto almejado ·se confunde, perante a morte, com urna im-
potência radical. E Kirilov cks~óbre, junto· dele, seu dei:nôni.ô de cara,
c.o ntorcida, V erki10vertski.
3.0 8
MEN.TI'R A ROM.A.NT tCA E VERDADE; ROMANESCA
K.iri:lqv i.rnita: ~ Cristp através· de; St<!vrogi:üfl~; essá encarnação do Esp'í-
rito modem.o. É de .Srav.rogtr_in(f :que KitHov fec~bev ,a idei~t qué o· ,éle-
vort!. A ~d.eia f,, poi5, .rnaldmsa mas .o homem ·é Q,90) e ·puro. _l<,iri1tJv. oàõ
pO'dtfia eqcarna~ a dttnertS.ão supre-i:üa êtt i1,No.lf~ m~tafíslea se estives,s~
·pri~a:do de toda grande·za:. Ek es.tá à·:;i,ltuJa da itlei·a <tu:e Do.sto-ievski t(fil.).
a.cerca ;do mai.
r~giâo suprema d.o gê.nio i;am,a_11es:c0. Cmn á, aj_udà çla histó.ri_a:, t.0.ma-s~;
309
CAl'Ín.tr.o I l - () .AllhC:átJP,SE _óQ'S~f(}JJ.V'$ ~1AiNCJ
p-atrlat(Qawerrti hâbitc;1 de ne-gàr as ev}.dênciás- mais gritat1tes e anola-
ô
se Dostoievski: e1Jtre o~ ha:stiõe~ da '"rnõdeniídade'1.
.:ll:(j
'Ô C05f:'IXO da m~diasa0 _ineer;n.:i está aln& ilítcJ,ct(;) e01 Proust, MeSlÍ\.o e-m
Ô , f.empo ;redes.c.o&ertol a ameãça que pesa, 5ohre a ra:ris t)QtLii11ã e Írêttétiêa
d~ ,gi.t~tra 21,inda ~sfâ n1uitn long{nq:ua. ~m Dostoievski.,. pele conrráijo; ·'a$
gran·des :çe'nas t:aQJica·!, ci4s ó:b1';i~-Jfrirn.as sào ttfQ.a vérd~deita ·disj\lnção do
o
mundo do .ódio,, ~qutl;fu.r,id ~ntte:às ro~a.s· de· atra{ ão. (! dé fêpuls.ão está
rompido~·os.âtomos sociais param.d@ gravitar uns:em torno do.s .pµtfôs
~11
ü ~l'ÍT\JL (); 1·1 ce- (} AP:OCA l.lPSE.. luO:S;r(~'IEV\iKIANO
Filip·o vna .e_a ·bofetàda ·n o prfnc.ipe Muyshkine ... E"sen\pr<:.: O mesmo es-
petáculo q_ue a..<,sombt_a Do-stoievski, porém, me_srno qµango ele alca.o-
ça o -ápice! de seu g~nio, o. romancistª- par..ece incapaz de represeatá-lõ
.em tpdo o. seu horror. Não é sua ~ginaç.âo, ~ o gê.nero. llter.árj o que
nã·o está à aflura da tarefa. Dostoi.evski ·não- pode trànspor os lil)lites da
credibilidade. As een-ª~ qué acaba:m.os de mencionar parecem retraídas
pertQ .d o pesadelo que assombra Ra~kolni.lov ~-d oentado, É no pont0:
-ma.is baixo de ~q descida ao inferno, imed·i atamente antes da cooclu5ão
Liber.a:dora ,._ que o herói ~ ví$üadQ. É nece-ssário confrontar essa visão de
pp.vor com as. grande-s cenas rmpanésc.as paTa v·islumbrar o abismo pelo
qual @ un iv~rso dostoievs'k iano ameaça sempre ser tragado<
] 12
31 3
CAPFTULO 1 1 - o A.'RóCALIPSJ [)O STQIEVSKLAN ()
''.ap,ifi~on.ado(/ ..A l.uta; elo amo e do eseraVG e"*r:ge 'frieyã' e: fleuma anglQ 0
%4
MWTl'RA RCH,tÂNTICA É V$.DADE ROMANESCA'.
muito reais, não çcCinseguem ·seduz:ir. Ele fica-, assim ,, f:adadt'} ã rt;rct-d'.t-oc:_ri_~
tlade em :Sua. vtiÍ<! am9rnisc1.
Os g0stos do n-anad0r·nã.o s~:o .diferentes A saúçJ.e rohus~ e a quç1lida.-
de pesadã ·d@' AJôe.rt:ine. inflamam seu dese}o, mas não se deye; j_rna.girtar
a.t afgt:qua sen.suãltdade ã RábJ?fais_ Cafuó, sem pre,, na medla:ção dupla,
o m1ne1ial isn-r.o a·pa.n:;nt~ esconde um es:p_irittJq!J.Sm0· ~v~_rt,ido·. Ma:tc.el
nota que· ·é sem pre se.J:uzido pe]ci): que lhe pc1r:eç.~ uo n tais_ ópós.t o ,q
Lstu) extesw de ~en~i'.biliclade· doforo,sa é3 de in.telectua.Í:idade'". Albet "
tin!? ~h!.t~fra :.clarame1;1t~ es-~a Jei. Sua-pàs$h1i~de anima.], ~ua igno-r andà
burguesa em hier-arquia.s mundan as1, -sua- falta ele iJ;iStfllçâó., suá i_n.c_ap·g.-
c;'ídade ~m rttrtiJha:r os v'a}ores ,de .t\11'a,rcel fazem dela -o ser inacessível,
1nvuJ_ne·1Jv~l e ctrµet 'que p odGc, corn exdg:s,iytd~q~, éle<s per.ta.r o desejo.
É 0µ0rtu110 relembrar, a·.esse re:sp.efr.q1:o ?'AO,t1~(a tâü protqndc;, de Alain :
'~O ,e.mim.orado: quer a a.Íma, é :a mzãcr p.eÍ'a ,quai a t0 Hce da çbque.te
pássa por ~$1Útia,, ."
Tal.vez: aqu.elas .rapan·gas féújã· aNtude basral;',a :t5áfá lhes rev.elar a natü-
rezà Qµsa,çlª., frívçlª e c!1.1.r;Ü, extr.e.m_amente sens-{'-le'i.s a qualque.ni'dfeulo
<f! a qualq_uedeij.]dadé, inqipaze;; cli;; se deix-arem !i:ç d~fr por um aa:a11i;vo
de- ordem intekctual óú ru~l, bouv.ess@ ·oan_
iral:mênté :seutLçlo igãal
,r epuisJJ ii:t_od<)~ .as Qama"adas :«ajos pendores co.rrtemi,fativos óu Se:fisfv.ei.s.
,s·e 't;raíàl_Tl ,P.1ft ti_01fdez, constr-ªngin,ent.9:, Falt,ii d;;, -Je-ito .. , ~ :as~im a~ ha-
viam rnanti'dn afastadas.'~
J'l ?
<-' }WfTI,J,LQ'. 11 - ç, io:p(i(·;..í..t.P5E DvSTO,I&VS1üANQ
O mediador s6 é ássim porqúe parece '1ncapaz cfe se d~ixç1.r s~uzir por
.um atrativo de orderp_ intelectual o.u moral'', é a uma b.aiX;eza- ptes,,.inüda
que as. moças devem rodo o seu Rrestfgío. Ô pequeno bando dá a im-
.ptçssão de experimentar ''.repulsa''. por tuclo quanto der provas de "di.s -
poslç_ões p'e~a.tivas ou sens.íveis"; o nar:rador se se.nte indubitavelmente
visado; ac;ha que quçilqu_er relackmamen.t o com essas. adole~centes lhe
está vedado para sempre. É õ bastante para fin car seu. desejo. O amor à
primeira vista de Marce'l .s e resu(jí.t no pressupGsto· de que Alberttnc é
insensível .e brutal. Baudelairç já af;irm·áva qQ..e ã '"burrke'º é um .ornamen-
to índispén sâvel da beleza moâerna. É preciso i'r m~is longe; 6 preciso si-
tuar a própri.a essência dei sexualmente desejável. na limitação· espiri tuaf
·e moral , em to.dos 05 vícios qúe tornariam qualquet r~'tatfonarn~to çom
o ser desejado insnstentável tora desse desejo..
316
MENTIR.A 'ROMÂ NTI CA ~ VPWAÓ j; R·O'.M AN ESC A
0rg:ãni.c0 puro, Seria interessaAte estudar, por ~x:emp1o..- o papd d·as pna-
~.i$ n.?~ çen:as de ~dva enJ ó 1;,mninha tezd., romance de André Ma1raux1<1,
Arar1has e répteis assombta'.fí).:os s'q ~b0s dé· ~ Svjdr\gaihw., de LiITJ lpolit
e, de. um S'tavro,guine, Um Dostoievski apreende a essência rna:Jéfka .das
fascinaçpés que gbvê:onams~us herol-s.Nossifs es0Jt0.i:es .con tem_p-m:âne--
o,s, êt)) comJ)et1saçã0, :se·.entt~garn. a e-Ja c;;óq1· tà·nto mai.ot c:omplacê.nciá
quanto mai-s.,,impregnados estiverem de rreo:rromam-isroo. Ero Mí.m6riíls do
Subsolç o medi~dm Jeva 1ml. nó111e cmin'€titemenee simbólko: Zverk0v,
.qut ~ignJflca ·"a_h'ima:l", Í''hesta:11 , o~ d~~ejú~ pfôtl$'1;i~nós Já €.S.tàv~m. tod.ôs
marcacl0s pefo si,g no de-s:sa besta. Os ·atrat'.i~os da ~a .. de Guem:ra11tes
s:ã o as da ·"~v~ d@ i1lpin,a". Ern À Sombra dás RnprJ.ri;ga~ w Jl.0r o romancista 1
'io l:.di<,;ào ·brasileira, André l\sfalraux, '() ca1n/~1ho .teaL R:ib de Janêírb, NtM1 Frçirít~ií'a,
1,988. {N.E.)
l! l?'T'9 vavdmeri~, 0. au,t,or ·ditoy ele mtmóT:ia, ,m_t~ E11;1;~md_o g1ma ·paráfriiSe ~µe uma·
~ta~!O mesi:_no. ~arece rde~r a eS'fes do1S .treé~OS:· <, '~eUJ, jei'e=~1· ~jm·pt:emcmt de~~t
!e Ci-and.:-Ho.teJ n attendre le·mor;ne.nt ~aUe,r r~trOlIY~r ma gra_nô tlJ~te, quand, we-sgue
enê,:_oré à l'e~ré~ftê élt lá di.inte oü ~ll~s·fáisaient .m.9w:çi.r lJlle façh~ sing.ull:~,re:c, j{ vi_s
_ç-;aqanç~: cimf O!!: six fiHi:tte~. Ftl,,si dif,férentr~. Jiar l'.J1.~flee;t 4,)>4.,, lt, f'a_çqi1s, d'e f~ut~ tas Jiersoim:ts.
º"
a.u~qtiell~ on {tat'P /;Jt;C.o«tuml à. Balbec:. qltmirait Pll ntre,. ,u'bt1,rqHêe 't.ie' Síllt J!m'i, un'é bande ·de;
m·ai1etfês quiitx-á;u.te,~·.ptts c.oniP.Us í,u ffo :pli:;ge; ~ .les rdardátaire1 ràttrapdnt le_:; autre;, e~ vdl~tai1.f - un_e'
.ptominàde 4oni le l:iúfoem_blé flUq{ii pb~t1rr-,tn~ kaig11ea_rs f.lil:e1tes ..nrPar-ai.~s1mfpas v.o.ir, que .dairement
derermin{Po~r'le,uresprit çJ'o.i,seau.x, ~, Na ttadução de Má.no Quinrana, "S.ozinhn, fiquei slm-
pl'ésmente d:i:ante ·d o :Grande Hotél, àgua:rdantfr~ .b momento de· lfter cóm.m_inha i,lVó_,
~µando quáse •ainda na -~c::mi.dade do digüe, oi:i~~ ~Ú<!J:11 móve-r-se cima estrarma-
mancha, oi ({11cse afirmçimava-m.<'mc.o ou ~ei. moânlia~. tâ9 ·J.l!ferepte~,. no,.a~/>e-Qto,(•ma n_ei,:a~, de todas
0
.as ,pessQtJs com· quem esJá;t1am,05 ·aaóst1mfad0:s em Batbec, tomo' a, serra. dggado 'ftíi.o se -sabe tft .Oll'dt,
H11Í ba-i1',fo:de gLJfüotas 4ue- 'C<t.Cl1ta tl'a prnfa a J>assos inêdrêl-0-s ~M retarda't'á1:i'as a/-êáaçancÍo i:IS óutras
;iuw Pôd ...., tt~ passeio cu}a ptialí4ad~ se al'i_fol)ia Jifo óbs°C({rn aos ba11hisfas, a q11em tl'a, 11âQ parmm
!l~r, c/w'fo c;l-atmneti'ti defrrmin~d9 'f>'or s,(I! esp(rito de.Pfi~s_g,ro~.,ué[): ~pmbm qqs rap'l:lr-i_t1cas t.m flor, ·pp.
181 <:. 183. "t.:.J Jes .fillft-tes .q11eJava:is àperçuts,. eivec la n1aftiise ik_gestes .i(Ue dof1-ne .tfn ' ~ãrfâit:,H-
souptíssé!tié1H·dfso11 prôP.re corfis et uç i:õ.épi:it ;s.irtcer.~ clu ~ _st~ d<:: I'hum.aruié, \:1el')'afen'f droit
jl7
CAPÍ'{lJLO 11 ...: b AP.OQHP5E. 0-C)STOl'E°VS:t.LAN:Q
e
Esse universo incompreensível novam~nte o do me.dia.dor; o CÀctro é
tanto mais s~dut,o r qu·anto rneraos acessível eh< for; e éle ~ tanto me nos
acessível quanto mai~ de!,iespiritúalizado lór, que render ma:is ao autó-
matisnió do: instinto. E é, de fatQ; ao automâtico·e até ao mecânico que
d:1ega, para qlém da vida anima°], o .empreendimentó a,b?Urdo d~ auto'-
<leificação. O indivíduo , sempre mais' e mai-s perdido, mais e mais des,e -
guilibrado -por um de~tjQ ·q ue n.ap~ p0:de &àtisfazér, acaba ü1.do procurar
a essên<.:.iêl divi'na naquilo q:ue ·nega radicalmente 5µa JJTÓpna existência.,
isto ~. no i.nanimadQ.
dévan~ ~lles, sam bf.sitqlion ni' raida,r, cxéQutmrt cx11cteme11t les mou;,en11m~ ((11 'elb vo1tlaimt. dmi$
une ~~me indipend_ançe dt cba.cu11 de lmrt memhres par rnP,pár:t mt-X- ç1~fres, la blus gr~nde partie ,·k inir
_cc~ps,g1Jr.d·aKt c'étré iiili11ohiliti ;.i r1:m,ir4iwble chez le~ bt1nnes valseuses. Elles- n'étaie.nt plus toin .de
rooi.. Quoique chaq.me füt un cype ahsolument difffrent â.es aucres, elles_ avái'ént tQU.·
tes de la beauté: mal!. à vrai cifre, je les voyais depuís 's:i peu d'instants et çans oser Tes
regardcr fo:ement que je u'ãvtlis encare i»dividw:il~st audmr d'dlt-s. ,, Trad: "(. ..) as 11lfflinas quê
eu. vim: cdm esse dvmlnia de mdvJmllfrfos qi.ie ·provém da· Per[i/ffi flexibilidâdé do to-rp:o e d.e um d~-
erezõ sincero pefo resto da hawanidad~, ca1111nhat1en11.lirerro par-a aJrr11te, mn b.tsifaçiío 1'!cm
·rigidez, exr~:uta:nd<r exatamenre os movi!tfei11·os q.1u dtsejava111, numa ]ilena inpep1:11dê11cfo de caJh um d-os
membros tm relação ads outros, ::omervando a viaior panf do c;orP.a ma impb.ilrdade tão 1iol.ável entrr
eis bôas .valsi,tâs.. Já rj.ã.0 es.tâvam Iongé de mirn, Em b.ora cada um fosse üm tipo, intcí_ra-
mente diverso do~ outros, tOdé!s.possµfam beleza; mas a falar v~rd-ade, fazia tão· pouços
instan~s q_u\;? as via .e sem ousar olhá.'-las fixamente, que a'inda nJo tinh(I i·ndíiJJdu:aliz.allo
t1enhu1íJa Jel~s."ldem, 'ih.,r>p.283 e 284 (N.E.)
3 18
!l.tFNJrn~ RO.r-t ÁNTI CA E VER.DAD1: ROMANESCA
ainda que :t odos o~ :CQnttassen·so·s anre-ri(;Jr.c_s,, ·o herô'Í décid~ qu.e. à
mort.e '.é o·s}intitlo da vida, O m~diador se confunde-, a prnrtit de ent$o,
çôm a imagem da morte s.efüpre próxima e sempre re.cw;ada, É essa
:imagem .q ue fasdt:)a .çY her:ót_. A morte p:a_tec;e U,Iii d~tr'âdeiro 1 \ êr .de
fuga·" e uma derradeira miragem
ne. Porém 'S tavrogwne se enganai é Ba:c.ha quem fala: a v:çrdade q~ndo
-~l~ resi;).a.ncle: "Aqµi h.avt:;r$1 um fim."
Ü mundo niineral e O mui)do ·desse nm., ré e§ b;);UJ1d0: .d~ ttma. morte
que ,a aus.ên§:ia ·de to.do mov.i1n:ento, de t-ado frêmito ,. torna e11ffo1·
completa ê. êl<;:pp.iti'va. o têITIJ.ô da horrível f.asctna:çã,o,é a densidade·
do· ,ch1.:1mho a imobiJ.i'cl.ad'e lf11í'iéttretrável d.o gr~ntt~. Eaí que éfevia
1,
ri~.
C.:.11.P(JU W .1 r ~ b APkJ.C:A-b.J.P·SE D OST0lE.V-SK:tANO.
gnJdado. O Nã-o que, tantos füósdos modernos assimilàm à l.iberdatle e ·à
vída É, na réalidade,.o arauto da serv.id~Q e da morte ..
320'
MENTIR.A ROM .i \.NTICA L VE RDADE E() M-AN ESCA
loievskian.q; romance e mefufísi'ca- não po.d.efl) .r;nais se: di~tinguir: To.-
·çiós qs _ no~ que havíãmo~atadoJ todos o.s sU:kos que havíam!S)s traqadq
eo.nvergem, pot.s, rumo.a:o apoc,:~llpse d0s1oi:evskiã.n0,. Toda a literafill:a.
:ro..rnar:ie-sea é' <Jrrasta.da pela·mesma e-nxurta(;i;a,, todos "Çis hêrójs <J.bed'ece"m
a um me.stno chijmadQ ern direçãu a0 nada e à mente. A trans<:endênçi-à
de~viada é qrn~ de-sçida verngtnosã,. (lm. merguln0 oegp· nas, trevas. Ela
tem por p0nto-d'e·chega.da -a t;nOtrstrups_ida& dtt .Stàvtõgµine, 0: or$:,u1ho
i_nfern_al de tô.do~ bs Possessos-1
311
CÃ11ÍT!Jt.é) 1.-1 - ó ;H'OCAL;[PS·E CHJ.$,HHEVSK.IAJ'ifü
/2
A CONCLUSÃO
Mas talvez séja melhor não levar mais adiante esta anáü~e. M.úitos crí-
ticos recusam deter~se nas co:ndusões religios.as de Dostoievski. l:Té;S·as
Jirfgam artificiais, predpltadas, sobrepostâs à obra romanesca. O rnman-
cista as te.tia escrito depois gue a inspiração romane!ica ti_v.e,s5.e estanca-
do, para :dar uma: la'mbuzada de ortodoxia religiosa na obra.
2
ldem, p. 620. (N.E.)
324
MENTIR.A. lWMÃN.T lCA E Y,ERD,ADE ROMA_N',F,S Ç.~
Vamos então parar por aqui com Dostoieyski e p.assar a outras conchr-
sões romanescas,. À de Üom Quixote., p.or exemplo. A agonjg. do h.erói s_e
a.ss€me.lha; bastai)te à de Stiepan T rofimovitd1. A p~o cavalhéíresca
nos é apresentaçfa corno UITJa ai1.têntica po$sessão, da qual o .mo.ribund0
se-vê felizmente, conquanto tardiamente, libertádo. Sua lucidez reconc
quis.tadá: pennjJe a .Dom QuixGt-e, como a Stie-pan Tr9fimovitch, rc;pq--
di.ar sua existência pregressa.
325
CAPITULO 12 - ,6. CONCLUSÃO
Van10s então parar por aqui com C~tvàntes, j~ tjue assim tem que ser, e
passar a l,1J11 terteírn romancista. Stendhal não era ~slavófüo e não-tinha·
por qoe temer o Santo Ofício., pe'l o·menos na época· em qlte e?crevéu O
Vermelho e, o Neg'ro. Assim mesIJlq ·a c·ç,ndµsão desse romance é uma ter-
c6ra c01i11rrsão ria morte. Julien também pronu;rtcia palavras que contradizem
niUdámente suas antÍgqs ideias. Renega sua vru,tade de poder, se 'dC,".s·pr~nde
do mundo qµe o fas,clnava·;. sua ,paixãQ p.ô r Mathilde· o ·ab'andçma; voa
para a Sr9-. d~ Rênal e desiste de defender sua cabeça.
Todas essas analogias são notáveis. Môs somos instados, mais uma véz, a
não dar importáncia· a es.sa cotnier~ãô ·na moTte. O próprio au:wr, enver-
gonhado, apar,entemente, de seu próprio llrismo,.~e- aJ.ia.aos crftJc.;os para
denigrir seu texto. Não·sê de.ve lcv.ar a sério, nos diz ~Je, as medítasões
de )tllienf .pois '1a faha de- c-x{ttcíció começ;:iv:a a alterar sua saúde e a: lhe
d-ar o caráter exaltado e Fracn de wnjovem estudante alemão"\
Vamos permitir gue $tc:;ndl1aT fole-. Não podem mais nos enganar. Se
ficássemos <::egos d.i'ante cfa unidàdé das conclusões romancsca-s, a nos-
tjlidad~ únâ'ninie dos críticos, rnmântico_s .em s1 já seria o· suficie.-nte- para
abrir-nos os olhos,
Não são as ·c.mnclcrsôes qt1e são itisignificqntecs e artificiais, são as hi pó·
teses dos críticos'. Tem que se des_pr.ezar· un::) bocado Úostoi~vsk.i para
ver nele ·o censOT de. seus próprios romances. Tem que. se des_J)fezar um
bocado Cervantes para atteditá.-ló tap!fZ de trair seu mo.do de pensar._
A hip6t~se d~ autocensura não merece ser disci.Itid:a, Dois- a beleza dos:
textos etn si j::í constitui um desmentido. É a nós, !eitore_s, tanto quanto,
aos anügos e·aos parentes re:tmidõs ~ .s~ü redor que é d1Pigido o so-léne
esqmj.uro .d e .Dom Quixote agonl2ante: "J:m transes como este. não há
de um. homem hrlocar com "1.ra alma."5
32.6
A hostiUdad~ tfos crfr;tó~ réjmânticós <:É d.e tod·o êc;impre~F1Sfv@l. Todos,
-os hen5is 'p.ronunciam, na c0r;idusàc\ i::talav.ra:s q.ü_~'Cdtitradítg/1 nitída.mfyiti
siut~,t1.ntig0;s: i·deias. e. ess..a.s icl:ela.s- contimram sendo as do.s crffrc:q:s românti-
.cos. Dltlm Quixot~ re.rHJnc;la aseus ta:valtir0s,Juli'en 5ore1 :àsua .revolta·e
Raskolnikov a seu supe;-: hoçtern_ O ·h etôi ren~g.a, é!.. ç~da vez., .a qui.rõ~a
qué S~ll, o;rgulbo·lhe :supraV:a.-É a-inda e sempre essa· quiweta qrr~·à joter;,
ptt'ftaç€i0 fomâtitica exalta. O.s crfücos n~o q.úetero· admitir (lUC se e-n_ga-
naram7 fieam, p01~ 1 9b0g,a dos a man.t ér ~mi pôsiçàb .êf(;' que. ã, co.1idüsâo.
6 :intlignà dà 0bra que ela vem coroar,
É<). r~n_út:rcJ_a:. ?f<) dt·S. €\jó meta'ÍísíéO ,qpe faz ã ttrtidadt das conclusões ro 0
manescas. O herói -ag-ani zan-re yeueg~ sé~ ;med.i.àffot: 'Já sou inimi.g.0, de
An.1adis de t{'}da ç-aterVra de sua linhagem( .. .)' Já ppr miSf:rf-
Caula e de
córdia cre Deüs, e ·bém eséatr:oé-0ti,df).,, as[i- <::!. as histórias da tavalari.a
,m d ante]_,' a b ommQ.
. . '" ·ó
r, lde.m,, ib'dem.
7
Ovirmelbo é.-o,;i:e_qrr , R, ª28, :Op,,ç it. (N.E. )
32,
,C:Af'iTLIJ.;O 1'2 - ~ Cfifü lLIS,fo
·à lembrança; a· agitação ao repouso;. o ódi.o ao amo~; a J,i.µpilhaçã0 à
hlll)1Jldade; o desejo segundo o, Outro ao desejo segundo Si pr6prio,. e a
transcendência desviada à transcendência vertical.
N~o se. trata mais, dessa feira,- de uma fals_a mas de uma verdadeira c;on-
vei;são. O h.érói triunfa no fracasso.; de triunfq. porque esg.o tou seus re-
cursos;. é"'l he precisô pela primeira vez 0lhar· de tre1ife sé:u d~sesp.ero e
se'Q nada. Mas esse olhar tãd. terrrido,. esse olhar q_ue é a mo'rt~ do orgü·
lhq. é um olhar salvador. Todas as con_dusões r.0manescas Jembram .e
conto o.riental cujo herói S€ agarFa pelos deq_os à: beira de Uql -penhasco;.
exaustó 1 esse herói acaba 'deixar;ido-se despencar no ab.ismo. El~ tem.
certeza de que v.ài se esmagar no s<5lo mas os: ares o sustentam; a gra~i-
dade, está aholrda.
318
MEN'll'R.A Rô~b.\N'fl<".A E VER.D'ADE Ró MAN'l:SCA
olitrem e uma nova, r.e'lação consigo mesmo. É o espírito român;tico .que
sugere à$ ó~osiçoes m.eç;ânTt'êls entn s0li.dão e e.spíiito gr:egârio, entre
-e-n,gajament-O e desp:v.endirttentô ..
3J_g
(ABfTUL.0 11 - A CQNÇ!,..l)SÀ()
deles,,. s~ châ)::rta -bãnaliclad~ e a baBaltdade 6 a maldição sopl'e;rncJ.. .Se os
ctítk:ó_S nãJ) rejtitam co.mpletamtnt~ .a ·condusào, s:e esforçam contudo
em ·pnov,1r que elã: .~ orfgi~1dt 'isto ê., que tóptr.aôiz,â.s .dernáis conclusões
rnmanescas.:Sempr~ tra:Z:!;?U\ de voJ~ o ro.rrt_ant{sta ~suas.origens român•
as. Acredi tB.m estar prestando se-rV>iço ã ·su_a, obra. E, sefi;i dlivida:, lh~
'tic_
pre~.t;:µn s~rviç,o -Clô: 1_tonto de vista do gusto rnmâmk;o .que é o gosto do
púbH<Ec>" (Zultô. Num t)fv~I rn.ai$ pfofundQ des lhe·p,restam um desservi:ç0.
Eles p rom.0vem ·~?' qttt oda. resj ~te ~ verdad;e romanesta.
330
,,1 r=:Nt1i~,A lfQH'Â!'l1IÇA E \ô'I~R,U.·' ülf- R0,1\1,AN.ESt.!\.
[magü,a:, que fa'la o to~qçistá, é de 'O Vermelho ea Nt4r"o. A rti>{firt.!.ção é
stmpr..e memória, e a mem<árfa, snrge .da condusã0. T odaQ ,a,S.cündt.tsõ~~
~Qm'atjest as ·$ãô iní.ç:i.Qs·.
Mãrcel Pro.u~'t Pàô faz sénão ·cks-v.endar, em sua· prcápria conclusât\ Ltm
Sêt)tidb. q!ie ficara diS_5'.l'jji.ulado,.até e!e,5.ób UJ1)._ V:~ alg"Q transpârente. de
ficção_. O n-auador. de Em-Ba,sca Jp· TtmJfo ~erd:ií:lq sé díttge- pàtâ o rqma;néc;
atr.av.é:s_dQ romance. Mas. é :o que fazem1, :~gualment-e, todos os her91~
dó~· r:àm~ne~s antéti'õfes. Sti.ep.ap t rofünovitçh -~e dtri~ paf'.<t·o- ep'isó.dro
evangéfü:0 que restnn'e 0 .s{fnti_dp qe Os D?»i8nios-. .A f:,ra. (ié Cl~v~s se
diri~e par'a ,as itvista.s mais largas e mais, 100.g,ínquas'' 1 ist0 ~. pEJra a visão
rómarie~ç:,a, Dorn Q.vi~ofe, Julle.n Sor«l ·e ·Rçiskolnikov passam. p.ela mes"'
.w.a e.J5'. p.~ ríêrlda es:pi_ritual que Màtcd em O Tro.ipo rédé~cpbei'l'ó., A es~'tica
pTaustLana nã<9 cons'i&te num de1:e1:n:únado número de re-eeitas :ou·de pre-
c.eft.os, d.a Se -Copfo:ndê com a libertação do âes.ejo rn-et-a:K<rrc..o, Nós nos
depat,a_111os 1 e1I_I O Tempõ r,edescq:héí't_ô, com todos o,s traço~,. j_á t'flúm·€I'aQ.o$.
da e.0nelus'ã.o i:orn,mesca.imas des·n.os s-ão apresenraclo~, d~s_ta vez,, cõmo.
,e~ig..ê iici?s.d'~ criação. Éda rl(ptura ,c óm tY rned:iiadur qcre brota a inspira·-
.çãq rón1a.nesça. É a ausêllçia de d'~s~io pre'stiit~ qµt 'p<;tmJtt .ressuscitar
os desfl-jo.s.·pas-sa-do5,
JJi
C\i(T.ut.O 1:! IA· t'ONC Ll:lS:Ã.O
confere, qmconjitarítemente, ·o conhecimento do Outro. Numa çerta
profundidad~, o.segredo do Outro não d,ifere de nosso pró'prio' segredo.
Ttrdo .é dado ao romancista quando ele ch~ga a -esse:fii mai-s verdadel'ro
do c;n.te aquele que cada üm viv~ exi bindo .. É esse Eu que vive de imita-
ção., ajoelhado diãnté do Mediador.
331'
MENTI RA RóMÃt-lTI CA' E VERDADE ROMANESCA
t0d0s os rnmancistas. de gênio. É o _p r&prio -roman0ist:a que~-~ recoQfre-
e.e, -pela vo::z; ·de s,eú n.~-rói,, .semelhante ao· OuJro q~t.e fascina ,. É a -sra_ de
(..a'Fa:yette qqe se ree:oohec;e semeJhan.te às mti.lhét~s tj_u;@s,e pérd.em por
·am_or'.. É Ste,m:lh~l Q 11-ü'mJgb dti:s 'h ipótdta_s, ,qµe. .~e trata ~ s1 próprje
çte hipócrita. r-ia c~ndusão de O Vertntln,f e· o ~e_grp· ;É: Dqstê;)1_evs.ki que-
renuncta a tomar,.,se erapo.r Ltro sup.er~homem', or.rpor um s14b-b"o01em,
na êo,fldusão ·d.e Crim·e.e Cªsfrgo, O rnmancista·s.e reconhece cu]p.adn pelo
pê~?do do qµal ele acusa sêõ_me_diadJ).t. A maJdl-Çãô q~í:e Êdipó lançou
e:;bntra qs-C)utro·s r~qi sóbre :s;ua c;;tb~çã,
Ê essa maldição que exµressa 0 famos0 gri.to d:e Flaube,n: ºMadaJne Bo-
vary sou êü!'' A sva. Bo~acy fot inicialmente, co.nGebúda ·c omo esse Outra
de_s~rezível ç9111 .O ~uàL Haãhert tinha jurado qu~ ia aeert'.ar ás :éontas.
A sra_13,ovafy é ih'içíalment.e a _
inirn.tà'a de 'Fla,ubi:;tj éOni.o Jujjen Sotel é
o 'i nim_i:go ~e Stendbat. tomo 'Rà:skolnik~v é q lhi_tni;go dê Dó~oievski.
Mas o heró-i de romance, se,m"n un·ca .deixar de ser o Outr.ó11 se une po{Jco
.a p.0uco a.o. romancista no ,c urso da criação. 1Quando Flaubert exdama:
''Mf!d?.m.e: l3ovary sóü {.1:l', -ele tiã'o quer ,-d.:i:4'.er qu~ a sra:. Hovary pàss.ôu a
sêt a -p·artJt daí nmêr e:spééi~ de, se,g'Uhdo ect lisoô.Jeiro d'e· ctue os (;Sçrjj:otes
ro~Qticç,~ 'a.·do-r,ai:n, se cefcar. Ele qtt~r .q.J;zM q~ ·q E~ e o Outro· s·ão ÜV'Jcl
coisa, só dentro d.o mila,gre mmane:sco..
33·~
ÇAPÍÚJL,Q 1;!- A_ Ç()r{Ç_l.U,SÃO:
Es:sa vit6ri.a ~obre o de.s~io é infinJtamente penosa. É preciso re-núncta:r,
nos diz Proust, à convers.? ção àpaixoriada que~cada um de nós pross~gue
1
na superfície de si mesmo- É preciso ·Tévogar suas mais caras ilusões".
A .a rte dó· romancista é uma epokhê, uma red.uçãQ fenomenol'óg1ca. Mas
a ún1ca epokhi ê,ütêntica -é aquela da qual t>s Hlósofos modernos não aos·
f-alar.n nunc~; ela constihJ,i_·s·e sempre numa vitória sobre o de.c;e-jo,.é sem-
pre.uma vitóda stíbre o ótgtdho promete1có.
... mlve.z aquele que sounesse vêi'' isso, na '>nomento tardio d{ .luciâir 1fu e.,1s v'idas
mais ,mf{itiçadas 'l>or q1(1m_ert1S podem mr a ter, j!i 4u.c a dr Dom d111''Xtlte me~,na te,;,e o.
mJ, taJvez aquele- s~r., c_omo Henri Va.n BJarenberghe· quando já pusera
flm à vída da mãç a pwn1~ladas; -recua!.se, diante da horror de sua vida e
se jogasse sobre um Íuzlf para morrer ilaqpeJe.instanxe.
·334
MENTIRA ROMÂN TICA E VF.-Rf}AD~ Rl1M'ANF.:S CA
b parr:idda recobra .sua luc~Jde:2 e>t,pt.ar seu aritrr~, e)tpra s.ê1,htrltriç _a()
~Q
r€c.Qbtát :~ua, ltic:;ídtz. A visão horrorosa do passad@ é a vis'ão da verda-
de; ~J.,_ se o:páe ra:dícc!'.1meii.te à vi.eia "e·nteit_içJida por (;ruim.era/. O d tma
"ed(piand' dessas.Hn:has·é ,.<iffgno de nota. Esta.mps .em l 907. Pro.uft fi'.n}h:i
acab.adQ de perde.r-a mãe e estava torta:rado: por remoTS9$- Entrevemos,
nes:s.e b:reve pàr~àtQ , ó próc~sso. que permite a um St:en<lh.a:l, a um Hau ·
bert,. um Tolstô.i, 01I\ Dpstõiévski q1~ãrn.tr süa expettên.é;fa en.quant0
hurf1em e e-scrit0r· numa o.codência :c riminal .€Jualguar.
33.S
.c':"AffTÓ.L() 12' .. A Ci:;{).{'ÍOU:ts.~o
J3eiitJe 8 , e p,u m contexto desta fei:ta puratflJ:!íte literário , Nessas mesma.s
notas, m:ujtas das obse n rações acer.ça d~ Stendhç1t Flaubert., Tolstói,
Georgé Eliot e Uos"toievsk.i revelam .a consciê;ncia qu·e Proust tiAhâ
da unidade. do gênio rorn.a nesco. To.das a_s obras d e Dostoievski e
de Flaubert./ assinala Proust,, pod~tiam intituJ_ar-si Crime e Cast(40. O
pri.ncípiq ·da unidade das o bras.-primas fica claramente aôrm.a.do no
€apjtulo que trata .de 8.âlzac: 'Tod os ·os grandes· se µi)em etti certos
pontos, e são como os difçrentes mome.ntos, co.ntrad.Ltórios às vezes,
de um. tínico homem do,tado de ,gê nio.9 "
a. Edjção, brasileira, MaFcél Proust, Ccmtre· Sa.inte-Btuve. 1.ed. s·ã<i Paulo: Iluminuras,
1988. (N.E.)
!I PROill>"f, éuntú Sainfe-Beuvc, p.. i LO.
3:36.
MENTI RA ROMÂN TI CA E VtlID:AD E RÔMANESÇA
universalmente a:cejta:s. Atreditamos qµç- o destjo de evi'tar ·esses dois
p'1:ri$OS contraditórios trouxe a Març:el PrótJSt a s\1gestãq .de :um.a solução
dê mei'o,termõ que ele ac;abou adotando. T em<mdo ser acusado de des-:.
prezar, as vias, reais da. literatura. témendo, p ,OJ· o.utro lado,, S<'tr a_cusadç:Y
de piagiar as ·grandes obras romanescas, Proust esçolh('su p.ara si alguns
ancestrais {ite:rários, mas pôs cuidadosamente de l.adq os roman(istas·.
Corno é sab\do, Marcel Proust .não vivia mais.se-não para sua obra. Léon-
Pierre· Qaiot mostrou qual~ o~ recursos de que ele s.01.1.be tirar proveito
n·a ar'te da e.s tr.a tégia literária. Essa última idol'a.trfa. não des.mantha a per-
fei·ção de O Tenípo redesi:óbcrto, conquant.o limite, em certa medida, seu
alcance. (),autor rk Em Búsca du Temjlo pérdiJo não faz questão de destacar
os parentescos de estrut ura entre as obras_..primas romanesc<;1s. Ele rec~ig
estar d..ando a seus críticos uma pista demasiadamente féniL Conhe<:.:f o
v,a1or que sua época attibui à origiiialídqde e rece1~ qµ~ se tome dele uma
pçirte da gl,6Tia. lit_erária· que lhe: e-abe. Pa§sa para ,o· prlm.dró p'lí;lnO e ·dâ
habilmente especial clest:âque aos elementos mais "originais" de sua reve-
lação romanesca, em part_ia.i.lar àrmemóría -~fetiva ~obre a qual um exame
msl_ís atento dos textos anter1ore:s de G Tempo· reâescobeíto dernoostra qui!z
ela não oC,trppva il posi.ção absolutamente-centrá! que lhe é conferida n·a
ree.ação definitiva 10•
IQ Long_e de n6s, aliâ.s, a ideia Je ver ness~ posiçã9 central um ''er,rd' do romancista oti
Uma lraiçãp da experi~ncia de origem·. Essa posi~ão se justifica por razões de :econo~!ª
romanesqi. que nós nos esfor~aremos em ex-plicitar num se·gund'o, yolume. Queremo~
apenas ebmentarqoe Prousr.saube combin~rcom,extr!mla bªpilidade .as eiüiênciassup_e-
riores da revelação ~ornaoesepc9rn asexigcm:ias pr-á'tkas.cl.a.,.estratégia literária". (NA)
337
CAPITULO 12 - A C9"NCLUSÃO
da intriga_" Com.o não ficar impressiona.do com o fato de que Marcel,
Proust é o ún'ico a perceber o pâpd. da .m emóri.a· na agotiia dç Julie~
e que _percebe essç papel no perfodo rnesmo em que -se- prepara para
es.cJ:e:ver O Tempo,redescoberta?
' Edi~ão ~m portu.,~s:. Marcd Proust, A raça maldit.i. Lisboa: Hleliã; 1989. Tíw J·o ~ri·
1
338
MENTIRA R,ÓMÂ N TICA E VERDAD I;'. 'RO.MANESCA
romanescas: o de Balzaç.. Não. [rrc,Jufma~ e~:;'é ff)h1a11.êist,i erri nosso-.grupo,,
nià\> ~a.ex_períência•criiativa, nã0 deixa de ,e.sta:rmwtó pró~im,à, {ob de(er. 0
'~E<l.'i-ção:braslle:tra, lrfo:nor-é & Balzat;, Ó priiti(l,Po»s Ri.o d:.eJa!l~fro, Ediow~. 19~7, pp.
269, 27 0, (N '.E.)
)3:9
(;APfTULO · 1.2 ac- A.€ {:JNClUS-Âf:.)
se.rn pecados, 11enetróu tardiamente cta.s bolsas de f~I que form,ayam. ô
340
MENTIRA R.OMÃNTIÇA E' VER.0AD1; RO~A(si!:SC:A
da renunc::iaçâo·-c:riad.t;>ra. Ê'!Jm~ Vit:Qtiq. $Obre o de{é;iQ rõ-e.têi.físiçp :que:faz
.de um-escfrtor nJmântko am verda:de\ro rnmanci$t~.
N~o fa_ziamos senãô pre·s.septi.t ~S:~.a v..exclqd~ n1as éis que a akanç!3-mos,
a t ocamos, a p0ssuírnqs .finairQênte \làS ú{timas p'çÍ~}n~- do nJtri~né;e., Só-
r:i,os faltava a .àprov.ação· 0.ficial do prõpr-.io mmanêista, d _a nos foi agora
ó~t~r~~Ôà: '1~ .s.0u lniii:J.igo :d~ Amadis d~ Gaula t1' da infinira. ca,rerva de
sua linhagem ... " $ão ç,s pt'çtp(tQS tt:imáneis~~s,. pd<l boçã, -<le. seus: h_eró.is,
~u~ c.oAfirroam, enfim, .o que ·nãçy par.a:m~s d~ aflrma.r ao Tôt'.J,g.ó déste e~-
CíHO.: é no otglJ,lho. <!;l!Jf· esv.1.o mal, ·<}b, unive-rso romanesco é um univer-
so de p:Qsse.ssos .. A·cof).d4são é p eixo. iínóvél dessa roda :conslfü):ída pelo
romance. É dela que depençt~· o'. çáleidpscópip das a;par?m:::ras. A cqntlu-
são: <i1,Q$ rQITI.an_ç~S: é também a co-ndusão ,de no5s-as prôprias b1::1sca~.
3'4·i
CAl?hULO 12 - A C0'NCLUS.À0.
conversâp r001àne~cç1 nos lembra .. O roman'Cista se une ncctsse último_
rnoniento a todos os c(.rme-s da litératma ocidental,. ele _seun'ê-a tod-~ as:
grandes rp,orai_s reli:giosas e <JO~ humanismos S.tJPe.riores, os que elegem
a parte menos atessívd do homrn1.
342
3-44
MENT IRA R.ÚMÂtfr! C~ E VERDADE ROMANESCA-
n.ova luz cujo fulgor Q.à'o cf~vemgs pertnitit que ~ jf0lira do rórfiil)lci ~ta
vrriha .à .s::ncldbrir.
Se o g1·ão dê r,riJJo. .ct.indQ 11fl. fert{l nãQ morri'.r. _ffe,a, e:k s.ó, mas se mP.trer, .diá muito
Jrute./ 6 A fras.e de· Sâq João reaparec.::e em mttltos ep.i~ó4iô:s cruciais de
bs fol:l:tiQs, Ka.mmatb.v. Ela expressa: as relacões misterifü;as entre af . duas
mort~.s i'onianes~~: ª- ligaçã1:>·éntre .a prisão ·~ a.çura esp:Lritua1 ·de Oi,mi.
rrl, a: ligaçãn entre a çloe_n~a 1;no_rt~l e â c0.r1B,ssão.téde·ntpta do "v~srtarHe
desconh.eddo", a Jjga:ção entre a morte. de Uiu.cha e "êl dl?ra dé ·cafidad.e'
deA1l"i:lCCT~-
É à m<csma frase de São.Jóão q_tt,é !;JróUS:t recorte .quando .qti'©' no:s eX'pll-
C'áf. o papel que. desempenha ,a d0enç_a 1 a Lrmã· caçula da morre,, em su;:i:
próptiç1 cri~çã\:,, "A e_nfuri:n.i:dâde que .. t~ t.J.'.m sev,e ro .diret0r de ~onsci-
ênçfa, mit ohrigava a tnprret 'pat·a -0: mttl)dd., 1n~ fora Cftil (pois $.é 9.. ,gr~o
de centeio não. morrer depois de semea:cfa,. p.erman-e<!erá útric:oi ·to.as, se-
rnptter, ftu.tihéaráY,.i'7
ii;·s. Jo~oJ(Jt:24 Obs. Essa 'é a Jrase. c;0m que·Cfüto expli11:a a:impoftârtt-iil .da ~ua rtmr-
te, a qual Ele c.ons:idéí'a X:> mómento-de·.gl·orlfiêação tV. G. Joã,q Xll ,23) .. (N.'E.)"
17
Ôtwpu r~tia~'eitp, p: 190, gp,.çit_(~ ,E)
~'4$
CA-P. ÍTUl.O ' f2 - -A CONCl,LlScÀO
o prolongamento de sua mõlésti-a se l:he- tornou um hãó~tó ... As ,pai-
·gões e os ê'o(j1p1_:omissos sociais pare,:ciam-lhe fazer parte .de um mundp
·completamente áf.asta.do do seu (ta,is, como ·parecem à$ pessoas· que têm
vistas ruais amplas c ·mais fongínquas,J"~ Essas vis.tas mals am.pias e,mdJs lon-
gíuqua~ pertencem a.o novo ser que nasce, hteralniente, da morte.-
Í:ntetrararn -no, mas durante toda a noite fúnebre., nâs vit,rjnas iluminadas,
,0s selíiS Hvt0s, élij)qstosnê~ a três; velavam como anjos ele asas ei palm~das e·
pareciam., para a.quele qu~já não e~istia, o iiúnbolo da sua ressutreiçã~.i!>
18
A prínt.csa de OevtS, P., J-41,, op.cit.. Obs. Na rradução qµe util\'z~mos para esta ediçàô.
não consta o t!recho entre colchetes,
19
A prisioneira (v .5) p. 174;, ô p,,clt. (N.EJ
346
.M ENTIRA ll.OMÂNTI.CA E Vlill.D_ALÜ: R0M /\ NE:SC.o\
lforgot.t.e ·é t&:mosu :G P·must obviamente- pensa em sua g)6rja p·óstutn~,
1 11
h·.é$sa ' q1!)st5Jadora horrontsam~.nte lâurea.da.' :com a q,ual Va1éry-se 1r-
rit,i Ma$ o cliché ton;iâritico 6 ç1qui a.penas um j:>J~téxto;. ele dá margem
à· pres.ença da. .palavra: ressurréi~ãó. N~o .é' i)'ela "t>os,te,ricla:d;g q.ue Pro:i.is.t s·~
i.n-teressa 1 ,i por essa pa:lavra ressurrii&â'ó gu:ç:,, .grç.ç_a:s ap chavão, ele co"ns.e-
gue wtroilu:z;1r cl.iscr.e tamente em seu texto sem ,t01hê-1p d:e ,sµa. prcfena-
ção exte.rior,. pQ~ittva e "r·eahsta". A mo.r:te é· a r,~surreiçã(i de Rergone
pr.e~gutaríJ, t1- iJlOft~ ê' à :tes_~eiÇã'P. d,ç;.1 própri.o ri'.i)mauc.ista,1 o segundo
nascimento <le qne ~4rg:e Em Busctl do.Te»JP.'6 perdido. f a ~~pera ·de;sa rce s-
surreiçã0 que dá à, frase · €{ue a6abartms de çhat sua verdâdéilç, resso-
n~riçra,.. Ao lado- .das ·imagens ·da trans:cendênda desviada vemos, pnis.,
tsbo1,;3.r-se lJl11. :fünbolr~m.Qda t:ransc~ndêncla vetticaLA0.s íd:olos demo-
o.íacos qq~ ~astavatn ó. r1.arrad.or _para dentro. .do, a,_bismo contrapõemc
se os anjos d@: as-as .ap~~s ... É:~ la:z. de o 'Ternpo :fédesod,erto. que .~e, a~v..~
rriterp.r e~r éssé sl.mbolismo,: "A ,grandeza .d.e Prpµst - bb~etv,â ac,erta-
d~II)ên~ Andri Malraux:- tomou-s~ evident~ quamlo a publ.ieaçáo· de
O Tein/10 te~e,st db~rto. deu sel'lti·do .a r~<-:u.rsos tjue; atéceúfa.0, nã:0. pareutam
~ .perar .qs d~ Ditk.ét1s_Y
Ê Ô Tf-n.1po .redem~.heito. com toda a cern~2:a-1 mas 5:ão taptb.~m il.S deftl'âjs
1
s47'
3-48
ME·NT IR.ól. ROMÂNTJ'CÁ e VE~üÀQ E P,OMAN.ES.CA
BIBLlOGRAFlA :o f RENÉ 'C IRARD
Vià~t Ongins, W~lt~r B..u:rkert Rme [rimrd, mid Jova:than.Z, Smíth on Rit1Jal K.ifün.9. and
Cultu:raiJFbm1a!io1f. Rnbett Hame.rton7K~Tly {org,. )·. Palo Alto, Caf_iforni_
á:
Stanford University Pr-ess; (988.
(eluí par !{"li le scandalé arr.ive:.Entretiens .av~c Maria Stella,Barheri. 'Paris: Desdée de
Brol,l)ve.r, ·:wo L
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Anore:xie et désiJ:-1n1mit'ique. Parisi L'l-:lerne, 2008.
Mimes.is and Theory, .Essays on Líterature and Critiéism, f ~S.3-2005" Robert Dõra:n
(0rg.). 'Stanford: Sranford Un.iversity Press, 200:S.
La (onversion de l'art. P·a:ris.: Carnetj Nçrd, 2008. JEste livro é ac.9.n,panhado por
um DVD,:Le St:ns de l'l1istoíre, que reproduz um diálogo com. Beno'it Chantre).
350
~ É.!~HIRA ROMÂNTICA E VERDADE ROM:A.NESCA
REJ ERÊ N·ClA S J31 BLJ o·c~ RÁ~ J.C.ASI
13-ibliogmfia .títaqa
$Al2ÀC., Hon.qré çl.e. O .prcímp Põns. Tra,d. "Fer_naoclo py, Rio âe Janei.rq:
Edi0uro_, 1-99'7.
ÇÉ.RVANTE,;·, Mi~el de. O e11gffelboso :Cl!Ptil.eiro J;)Qm Üuixote de ·&i A1a11cha •. Trad.
.de Sérgio Molin~. 5'ão. Paulo: E.dit@;ra 34, 2002 ,(v. O e 1007 (v,.1}
MOLIERE, Jean-Baptiste Potju~lin d.~ ·Don Jua.n: o.coMidado,Je pedra . Trad. e adapt.
0
___ _ . Â sombra·das rapangc,s t!ltt jlor. Tra_d. Mario Quintatià. Sãó Paulo: Abril
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10.ed.. rev.'S?o 'Paulo: Globo, 1990. (.Em.busca dp tempo perdi·do, 3). Título:
o:rigiriál, L.e cote ~e Guernumtes,
_ ___. Sodoma e G.omorra Trad. Maria Quinta na. Rev. Ol_gária Mató$; 1O.ed.
r~ . S_ão Pau.lo: Glcibo, 1990.. (Em busca do tempo. perdido, 4). Título
OFiginal : Sodenre et Gonwrrbe.
1s1
M J:: r,,ITIR!\ RO.M Â-NTI E: A E VFRl)ADF. R_Q.MANES.C'.A
$TI:"1ClHAt, (fl~n'fi Beyle clel, Lw;im 1-.eµwen .. Trad, Marcos :s.arnamtea. Rio de
Janeiro, F. À!v<;$; f983.
----,-· Da à'tilóf_ ·rrad. ffobç::rto l,.;éàl F-éneil"a. 1.ecI Sã.o· -Paulo-: MarH.ns
Fe,nte_s, t 999,. T(tt.rlo 9,rjgiwd~ Dt i1amoi,r ( l82.2}
_ _ __ _ O verrne/110. e -0 n~ro, T ratl. Matià C:!'iStina F:, ~ Si1vc1 .. Sio Faulof
Nova Çt:iltural, '2002.
35~
RJ:.rEg,);N.CJ A'$ BJB't.,ióÇB.Ã-FICA<s
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_ __ _ . Noi_tts bmnca.s. Trad. Nivaldo dos Santos l .ed. Sã.o Paulo,. EditQ@
34, 200~.
GLDE,André, Q.s rn'bJem~neo)· de Vati.ctino .. T rads. Mitoe.J' Silv eirá e Isa .Silveira
Leàl. São Paulo: V ictor Civita, l 982. Título -origina1: u s-cave5 du Vat kqn,
_ _ _ _ . O imoratista. T rad.. Thêodornirb Tos.t e!?. 2.ed . .Rio cfe Janeiro, Nava:
Prontei ra, 1983. T itulo o:dg'inal i ·immoraliste_
354
MEN.T,lRA R(1MÃfl.1 1' 1·GA E VERDA!YE RO!vfAN',EtCA
r HF.9EI,, Ccorg WHJtelm Féi~Glri,ç h,. Afé11ome11Qloji~ d~·es·pírifp_ Tra<l."P.a:ul0 Meneses;
c·ofa_l:i. dê Kúl -H~'inz Efk:m1 ·~Já~ Nog-Q,~t-ça Ma(rhado. 5, .ctt_d.. Pefr6poHs/~:
Voze_s, Brcigartça .Pãul'i~ta/SP~Eâ.. Un iveJ·S}tciria Sã.0 Francis.eo,. '.2.0.ôlL
HEMíNCWAY,, :E1mest:., Q ; -Yol ta1nbl»1 sr. letiinita T raJ:L e·e-r~niçe )fa1/ie1·. RiP- de
Janei:ro, Rertta:nd Brasi.1, 1ó0.1.
LA-s'ÇASES, Enn1Fwne,l .d<'.'. Mémo1i1Jl:d~ $"ait,te-Hi!l?ne,.lh·êsentat-(@ et n·otes de-Joel'
$~h111ld1; pré.E, ·de, Jean 'Tolard. Park Êd, du :Seuil, 199.9. 2v.
MALRAUX, André. ·O.s- é-ónqü~~fãdor.(~. r rc1,d. .Armindo gôcl:1igues. Lisboa-: Edjçã~
Li\a'o'S do~Bra~_il, [ J95-:?].
_ ___. Ó: .ca.mit.iho re.aL Trad. Ana Maria Fák;â'Cl: Ri.ó 9~ Ja:n·éitô: Nova·
Frqo.te-i-ra, l98.8 .
:PR@UST, Marcet A rltfa »tr.ilâ~tn- Trad . .AníhaJ f~rnandes:. LisboJi: Hiena, 1989,
()\i1ernótia ci-o àh(smo, QJ,. T ítuló brigj.nal: .19.urti~s âe Lecture: La ract
rn.au4-ite, St11tih1ent5 fi~i,1üx d.'«11 parnciae,
_____ ;Jean SaftteniL P.réf. de Andrê Mauroi·s. Paris: Galh.ma~d. 1,'91 . 3·,v~
RACINE~ Jêãr;1. ,!t1rclt~mata ~ Brifâ'iiíeq. Trad. Je,ri1fy K.l~bin· Secfia!L. Sãa Pa.ule~
Martins °fqnte.s, '1005..
3:55.
REFERÊNC!P.5· B_lB'l-_;l ÚCR. Áf"lé,A':>~
Rü.UCEMONT, Denis dé. O amor 'e ii Gd dente. Ttad. Paulo Brandl e Ethel Brandi
Cachapuz. 2,ed. R.10 de Jaaeirõ: Guanabarp., 1988.. Título original: L'amov..f et
l'Occilfe11t.
SARTRE, Jean-Paul. A i'láusea'. T rad. ·Rita Braga. R,io de Janeiro: Nova Fronteir~,
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:SCHELER, Max. L'. homnte du nssentiment. Paris: Gallimard, L970. Título original:
Vo,m,Ressenti,me-n.t lm A.ufb,1u der Mnrcile.11.
356
ME:NT! RA ltOM:kNTI CA E V,ERPADE l\OMAITTSCA
_ ___.. A cartwxa de Fatm'a: Tr-ad. Vidal de Olivtit'a; posf. Ren;jto Janim\:
Ri.beirp-. São Paulo, Globo, 2004. Título órigi:i:1-al: La s;/Jartreu$c de, Parme
(183.9}.
TocQUEVllli, Altxis de. O Antigo Regíme e.a Rev.oli,~ão. T rad. Yvonne Jean. 4.ed.
Brasílla, UnB, I 997.
T óLSTOI, Leon. Gnerra e paz. Trad. João Gaspar Simões. t .ed. Portç, Alegre:
L~ Prn Editores; '.2007. 4v·.
357
lH, FER.ÊN CI-AS BlffllOGRÁ FI C,\5
fND fCE AN AL (TJ CQ E ON.O MÁST.JCO
350
MEf\ffJRA RO MAfJTlCÁ E VERD.AD E R.OMANF.SCA
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