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f,

l RENÉ GIRARD
t
1 Tradução
LILIA LEDO N D A S ILVA

é
lmpre5so no Brnsil, outubro de 2009
Copyright© 2009 by Éditions Grasset & Fasqudle, 1961

Publicado originalmente na França, e m f 96 1, pela Éditions Crasset & fosquelle,


Paris, sob o título Mensonge romantíq11e !'t Vérité romanesc/11e.

O s direitos desta edição pertencem a


É Realizações Edit0ra, Livraria e Distribuidora Ltda.
Caixa Postal: 45321 · 040 l O 970 . São Paulo SP
Te!efax, (55 J 1) 5572 5363
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Editor
Edson Manoel de O liveira Filho

Rwis11.o
Jessé de Almeida Primo

Capa e projrto -~r,ifico


Maurício Nisi Conçalves í Estúdio É

Pré-impressão e impressáo
Prol Editora G ráfica 728196

- -~ \Ili\ 1Ili 1\11 \Ili


Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer
reprodução desta edição por qualquer meio ou forma, seja ela
eletrônica ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer outro
meio de reprodução, sem permissão expressa do editor.
Cet cnwrag,. p11b/i{ dcms /e cadre de l'A.mit"e de la Frema i,u Brisil et du
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bénificíe du soutien d.i lv1inistere frança is des Ajfaires Etranf}eres et Européem1es.

« França.Br 2009 » l'Année de la France au Brésil


( 21 avril - u novemhre) est organisie,

en France
parle Commissariat g61éral Jrançais, le Miuistere d,s Affaires Etrangeres et Européennes,
le Ministere de la Cuiture et de la Com1mmicatio1t et G1lturesfrnnce,

au Brisil
f>ar le Commissariat gén(ral hr(silien, !e Ministere de la Cufture et 1e
Mínisl~re des Relations Extéríeures.

Este livro, pub\kado no âmbito do Ano da França no Brasil e do


programa de auxílio à publicação Carlos Dmmmond de Andrade,
contou com o apoio do Ministério francês das Relações Exteriores e Européias.

« França.Br 2009 » Ano da França no Brasil


(2 J de abril a 15 de novembro)
é organizado,

na Franç;a
,r}o Comissariado geral francês, pelo Ministério das Relações Exteriores e Europeias,
pelo Ministério da Cultura e da Comunicação e por Culturesfrance;

nQ Bra~il
pelo Comissariado geral brasileiro, pelo Ministério da Cultura e
pelo Ministério das Relações Exteriores.

~iberli · Égalité • Fro.terrrUé


RÉPUBLIQ\JE FRANÇAJSE
A meus pais
O homem possui ou um Deus ou um ídolo
Max Scheler
SUMÁRIO

INTRODUÇ.ÃO
A primeira pedra de uma catedral
de João Cetar de Castro Rocha .......................................... .. .................. 13

CAPÍTUl.O 1
O desejo "triangular"............ .................. .............. ........................... 25

CAPÍTULO 2
Os homens serão deuses uns para os outros ................................... .77

CAPÍTULO;
As metamorfoses do desejo .......................................................... 109

(:APÍTUU) 4
O amo e o escravo .......................... ... ................................ ........ ... 123

CAPÍTULO 5
O vermellJo e o negro ................................................................................. 141
C:APÍTUI.C) 6
Problemas de técnica em Stendhal, Cervantes e Flaubert.. .......... 167

CAPÍTULO 7
A ascese do herói. ............................ .. ........................................... 181
CAPÍTULO 8
Masoquismo e sadismo ........... ................. .......... ................ ...... .....205
C:APfTULC ) 9
Os mundos proustianos .... ........................................................ ....223
CAPÍTULO to
Problemas de técnica em Proust e em Dostoievski.. ....... ... ........... 259
CAPÍTULO 11
O apocalipse dostoievskiano .......... ...................... ........ ........... ..... 287
CAPÍTU LO 12
A conclusão ...... ........ ................ .. ..................................................323

BIBI.I( >CRAHA DE REN( CIRARI >. ............... .......... ... .. ...............H9


REFERi:NUAS BIBLIOCRt\H( :AS .... ...... ... .......... ...........................35 1
ÍNJ )l( :E ANALÍTI( :O E ONOMASTIC() .............. ... ....... .. .... .. ......35<>
A PRI MEIRA PEDRA DE UM A CAT EDRAL
João Cezar de Castro Rocha 1

llm porco espinho emas com asas)


Roberto Calasso propôs uma célebre definição da obra de René
Gírard: o filósofo francês seria um dos últimos porcos-espinhos da h is-
tória do pensamento. O escritor italiano aludia à distinção estabelecida

' Professor titular de "Comparative T ransatlantic Studies" e Diretor do ;'Institute for


Transnational Studies in Languages, Lin!,ruistics and Culturcs'' da Universidade de Man-
chester. Professor licenciado de literatura comparada da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro. No outono de 2009, ocupa a "Hélio and Amélia Pedroso/Luso-American
Foundation Endowed Chair", no Departamento de Português da University of Mas-
sachusetts-Dartmouth. Entre outros, autor de Exerdcios crrticos - Leit1m1s do contemporâneo
(Argos, 2008); O exaio do homem cordial. Ensaios e revisões (Editora do Museu da República,
2004), Literatura e cordialidade. O fníbli,o e o privado na rnltttra hmsileira {EdUERJ, 1998), "Prê-
mio Mário de Andrade" (Biblioteca Nacional). Coautor de fpo!ution and Co1wersion (Con-
tinuum, 2008), com René Girard e Pierpaolo Antonello (edições em português, italiano,
espanhol, polonês e francês - "Prix .Aujourd'hui" 2004) Editor de mais de 20 livros, entre
os quais T'r.>e A11thor as Pla!Jiarist, The Case of A1acbaào de Assis. Portuguesc Literary & Cultural Stud-
ies, 13/14. Massachusetts, Center for Portuguese Studies and Culture, Dartmouth, 2006;
Nenhum Brasil existe - pequena enciclopidia. Rio de Janeiro, Topbooks Editora, 2003.
por Isaiah Berl in e ntre a raposa e o porco-espinho: enquanto aquela
sabe mu itas coisas, este conhece apenas uma, mas se trata de u m grande
achado. Na opinião de Calasso, Girard compreendeu como ninguém o
mecanismo do bode expiatório.2 Essa observação espirituosa, à primeira
vista correta, não resiste contudo a um exame atento da obra do autor
de Mentira rom&Htica, verdade romanesca - livro fundame ntal que o leitor tem
agora em mãos.

A segunda "grande coisa" descoberta por Girard pode ser ilustrada a


partir da definição de Calasso. A fim de sintetizar sua compreensão da
teoria mimética, o italiano recorreu ao filóso fo inglês lsaiah Bcrlín. Este,
por sua vez, tomou emprestada a distinção e ntre a foca e o porco -es-
pi nho do poe ta grego Arquíloco . Talvez o poeta tenha apropriado o
motivo de algum outro poeta ou mesmo da tradição oral. Em outras
palavras, há uma sutil corrente que atravessa os séculos, viajando do
séc ulo VJI a.C, época de Arquíloco de Paros, ao final do século XX (e
início do XXI). Essa corrente tem um nome próprio na obra de Girard
desejo mimético. Assim, se o filósofo francês é um porco-espinho, melhor
será imaginar um p orco-espinho com asas, pois o alcance do seu pen-
samento não depende de uma única ideia. Muito pelo contrário, sua
teoria articula-se através de uma complexa inter-relação entre diversos

1 conceitos; conceitos esses reun idos por uma intuição pioneira: a origem
mime'tíca do destjo humano.

Avancemos contudo passo a passo, a fim de melhor apreender a arqui-


tetura da catedral armada pelo pensame nto de René C irard. Na síntese
de um de seus mais importantes intérpretes: "'A catedral de Girard' é
uma pirâmide apoiada em seu vértice, isso é, a hipótese mimética". 1 E,
no fundo , tudo começou com a publicação de Mentira romântica, verdade

1 Robe rto Calasso. LA rovinn di Kash, Milan: Adelphi, 1983, p. 205.


3 Jean-PierreD upuy. "Mimésis et morphogénese". Michel Deguy &Jean- Pierre Dupuy
(orgs.j Re,1éGirard etlc problcme du Mal. Paris: Crasser, 1982, p. 225.

14

ME N TiRA RO MÂN TI CA E VERDADE ROMAN ESCA


romanesca . Por isso mesmo, tentemos compreender o significado dos dois
termos que compõem o título da obra.

Mentira romântica - Verdade romanesca


A intuição básica foi derivada da leitura de romances de séculos e con-
textos culturais diversos. E, no arco temporal compreendido entre
Cervantes e Proust, a recorrência de um mesmo dado representou o
elemento catalisador, cujo pleno desenvolvimento exigiu décadas de es-
forço continuado e levou à fonnulação da teoria mimética.

Qual o dado comum? A centralidade do desejo na reflexão acerca da con-


dição humana; reflexão essa presente nos romancistas os mais distintos e
distantes entre si. Ora, mas como considerar esse dado comum algo realmen-
te inovador? Alguém ignora ou nega sua centralidade? Eis o ponto-chave:
Gírard identificou uma constante que até então havia passado despercebi-
da: é como se os mais importmites escritores da tradiçiio ocidental - posteriormente, o
filósofo ampliou seu horizonte de referências, mas, nesse primeiro livro, li-
mitou sua abordagem aos clássicos da literatura ocidental - timssem refletido so-
bre u»u1 mesma distinção.fundmnental. Mais importante, portanto, do que a óbvia
diferença entre suas obras seria a semelhança no tocante à mesma questão.
De um lado, certos autores apresentam o desejo como sendo o elo, por
assim dizer, espontâneo entre dois sujeitos. Trata-se do famoso "amor
à primeira vista": João conhece Maria e os dois se apaixonam imediata-
mente. O outro somente existe como uma instância da sociedade que na
maior parte das vezes impõe obstáculos à plena realização desse amor:
rapidamente o desejo se metamorfoseia em amor e os sujeitos enamora -
dos vivem uma "robínsonada" com final feliz.

De outro lado, e aqui reside a força da intuição girardiana, determ inados


autores, na ótica do filósofo francês, os grandes autores, descortinam

15

I NTRODUÇÃO
uma inquietante noção: dois sujeitos somente passam a desejar-se atra-
vés da mediação de um terceiro termo. Vale dizer, toda relação amorosa
é sempre triangular, há sempre um outro que estimula o desejo de um dos
vértices do triângulo. Poucos exemplos possuem a eloquência de Dom
Casmurro. Como se anunciasse o fundamento da teoria mimética, Ben-
tinho denominou o capítulo em que descobriu "seu" amor por Capitu
com palavras girardianas, "A denúncia". Como o leitor brasileiro saberá
de co r, o agregado José Dias decidiu confessar à mãe de Bentinho sua
preocupação com a amizade "excessiva" de Bentin ho e Capitu . Escon-
dido no corredor da casa, o futuro narrador do romance tudo escuta.
Mais tarde, sozinho, começa a pesar as palavras do agregado: "Com que
então eu amava Capitu, e Capítu a mim? Realmente, andava cosido às
saias dela, mas não me ocorria nada entre nós que fosse deveras secreto.
( ... ) Tudo isto agora me era apresentado pela boca de José Dias, que
me denunciara a mim mesmo(.. )".'1 Esse é o procedimento trazido à
luz na prosa dos grandes autores, ou seja, o desejo € sempre mediado, de supõr
1-1tna complexa relação triangular, em vez de anunciar o contato direto entre
dois "corações sim.pies". Ao contrário do lugar-comum, tornado dogma
com a avalanche ideológica representada pelo Romantismo, em b riga de
mar ido e mulher desde sempre alguém meteu a colher. Por assim dizer,
todo casal tem o José Dias que merece ...

Ou a Leopoldina que lhe cabe, se pensarmos no outro grande romancis-


ta da língua portuguesa, Eça de Queiroz. Luísa, entregou-se à avenrura
com seu primo Basílio e assim considerou sua nova condição: "Foi-se ver

~ Machado de Assis. Dom Casmurro. Obra completa. Volume I. Afrânio Coutinho (org.).
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p. 82 I. A continuação imediata da passagem é
igualmente reveladora: "( .. .), e a quem eu perdoava tudo, o mal que dissera, o mal que
fizera , e o r:iue pudesse vir de um e de outro. Naquele insta.nte, a eterna Verdade não
valeria mais que ele, nem a eterna 8ondacle, nem as demais Virtudes eternas . Eu amava
C apitu! Capitu amava-me!". Bentinho, como se vê, é um dos personagens mais mimé-
ticos da literatura brasileira, pois depende totalm<!nte da presença de um mediador para
saber se ama e a quem 1imt1.

16

MENTI RA ROMÃN T JCA E VERDADE ROMA NES CA


z espelho; achou a pele mais clara, mais fresca 1 e um enternecimento
'llirl':::do no olhar; - seria verdade então o que dizia a Leopoldina, que 'não
h.aY:a como uma maldadezinha para fazer a gente bonita'? Tinha um
~ante 1 ela!" .5 A sagacidade da intuição girardiana permi te que se vis-
llu::;bre na referência em tese irrelevante à opinião da amiga a presença
d3 mediação interna. Afinal, por que teríamos casos se não pudéssemos
co:npartilhar os frutos da transgressão com uma tcrceíra pessoa ou com
.- :-oda de amigos? No fundo, como chegaríamos a ter casos se uma
'terceira pessoa não nos tivesse ao menos sugerido a possibilidade de
~3.zê-lo:> Eis a razão profunda pela qual amor e ciúme sempre formam um
;,ar indissolúvel: o ciúme assegura a promessa do outro, na presença real
·Ji.l imaginária do rival. Não importa: o ciúme assegura que o objeto do

:::eu desejo também é desejado por outros, e, no espelho dos seus olhos, meu
desejo não pode senão aumentar.

.~ teoria mimética ganhou corpo quando Girard enunciou a pergunta-


cnave: Como é possível que tal mecanismo esteja presente em obras
:ão diversas como Dom Quixote e Em busca do tempo fmdído? De nossa par-
-::e. acrescentamos O Primo Bas11io e Dom Casmurro - sem dúvida, o leitor
deste livro pensará em muitos outros exemplos. Retomemos à questão
girardiana: Como é possível que tal mecanismo tenha atravessado a
modernidade ocidental como uma sombra, sem a qual o contorno dos
grandes romances empalidece e deixa de revelar sua vocação propria-
mente antropológica?

Mais uma vez1 avancemos passo a passo.

A resposta de Rcné Girard abriu as portas para o futuro desenvolvi-


mento de sua teoria: o desejo humano { fruto da presença de um mediador, vale
dizer, o desejo é sempre mimético. Não desejamos direta, mas indiretamente,
e o alvo do nosso desejo é determinado menos por nós mesmos do que

5
Eça de Queiroz. O Primo Basílio. Episódio doméstico. São Paulo: Ateliê, 2004, p. 226.

17
INTR ODUÇÃú
pelas redes tramadas pelas mediações nas quais nos envolvemos. Eis o
pecado original do mimetismo: como aprendo a comportar-me a partir
da reprodução de comportamentos já existentes, sou levado, consciente
ou inconscientemente, a adotar modelos e a segui-los corno se fossem
expressões do meu desejo 11ut6nomo. Não é verdade que, em geral, ao co-
meçarmos uma nova relação amorosa, buscamos ansiosos a opinião dos
amigos sobre a pessoa que "escolhemos''? Quantas relações adolescentes
não terão terminado antes do tempo porque as amigas desaprovaram
o novo namorado de uma delas? Como ocorreu com Bentinho, preci-
samos que alguém nos "denuncie" para que saibamos identificar nossos
próprios sentimentos.

Os romancistas que ocultam, consciente ou inconscientemente, a pre-


sença fundamental do mediador colaboram para a mentira româ11tica, se-
gundo a qual os sujeitos se relacionam espontânea e diretamente. Por seu
turno, os escritores que tematizam a necessária prmnça do mediador permi-
tem que se vislumbre a verdade romanesca, segundo a qual os sujeitos dese-
jam através da imitc1ção de modelos, embora muitas vezes, ou mesmo quase
sempre, ignorem o mecanismo que ainda assim guia seus passos.

Portanto, mentira romântica e verdade romanesca designam fom1as diametral-


mente opostas de lidar com a natureza mimética do desejo: enquanto
aquela oculta o mimetismo mediante a supressão do mediador, esta re-
flete sobre o desejo mimético através do protagonismo concedido ao
mediador ou às consequências da mediação.

Formas demediação - Conversão


Nesse momento, chegamos a um dos pilares da teoria mimética: as con-
sequências da mediação, ou seja, do caráter mimético da condição hu-
mana. Ora , se, em alguma medida, o processo de aprendizagem supõe
a reprodução de modelos prévios, então, o comportamento humano

18
MENTIRA R0~1ÂNT iCA F. V.ERüADE ROMANESCA
possui um lado potencialmente disnrptivo, intrinsecamente associado
ao caráter mimético . Vejamos: se adoto X como meu modelo, num
primeiro momento, ao imitá-lo, amplio meu repertório social. N esse
sentido, a imitação representa um ganho palpável: assim aprendemos a
usar a linguagem e, por exemplo , no campo das artes plásticas, é muito
comum que um artista principie reproduzindo o gesto de outro pintor
até encontrar seu próprio traço. Em todos esses casos, o impulso mimé-
tico é visto como agregador e fundamentalmente positivo.

Contudo, através da leitura dos romances estudados neste livro, G irard


identificou uma zona sombria no processo mimético. Ora., voltemos à
situação anterior: se adoto X como meu modelo, então, também passarei
a des~jar os objetos por ele desejados. Os autores dedicados à análise da verda-
de rommtesca exploram essa dimensão sobretudo no campo das relações
amorosas: aqui , o triângulo m imético assume a máscara bem conhecida
do triângulo amoroso. O conflito parece inevitável, pois, se desejo a
mesma pessoa que meu modelo, a riva1idade somente tende a crescer
e paulatinamente substituirá o caráter "neutro" atribuído à imitação. O
desejo mimético, pelo contrário, esclarece que buscarei apropriar-me
do objeto desejado por meu modelo. Desse modo, a mediação pode
transfo1mar-se em confronto aberto. Porém, Girard diferenciou dois ti-
;::ios de mediação.

~a mediação e;drrna, o modelo está tão distante do sujeito mimético que


o risco de confronto desaparece: Dom Quixote adota Amadis de Gaula
como modelo supremo, mas, salvo engano, jamais poderá encontrar-se
pessoalmente com o lendário cavaleiro. Por isso mesmo, o confronto
aberto não terá vez. Daí, Girard deriva o corolário: qiumto mais externa a
-:diação, mais pacífico será o resultado da imitação.

Pelo contrário, na mediação intema o modelo se encontra perigosamente


próximo do sujeito mimético: é seu professor,- seu amigo bem-sucedido;
5eu vi zi nho, cuja mulher cobiçamos - sim, caro leitor, é isso mesmo o

19

INT RODUÇÃO
que quero escrever: cobiçamos: a teoria mimética convida-nos a compre-
ender o mimetismo em nossas ações cotidianas, em lugar de defini -lo
como uma abstração sem vínculos com o dia-a-dia. N essa circunstância,
o desejo mimético se converte rapidamente em rivalidade e essa pode
originar disputas irreconciliáveis - tema predileto de muitos roman-
cistas. Daí, Girard deriva o corolá1io: quattto mais ítttenia a mediação, mais
violrnto má o resultado da imitação. Na visão do autor, a análise minuciosa
da mediação interna e de seus inúmeros desdobramentos caracteriza o
romance moderno.

Um esclarecimento importank refere-se ao conceito de conversão . No


âmbito deste livro, tal conceito possui uma acepção própria e não se
confunde necessariamente com o gesto religioso. Ou seja, no momen-
to em que me torno consciente da natureza mimética do meu próprio
desejo, e não apenas do desejo numa formulação puramente teórica, re-
conheço que a mentira romântica deve ser substituída pela verdade romanesca -
eis o sentido do cobiçamos do parágrafo anterior. Esse reconhecimento
epistemológico import a uma atitude ética: na medida do possível, bus-
carei evitar as rival idades decorren tes do desejo mimético. Pelo menos,
tentarei driblar suas consequências mais sombrias: o acirramento das
tensões e o confronto direto com meu antigo mode lo.

O sistema mimético - O bode expiatório


Os dois corolários, relativos às duas formas de mediação, estimularam o
ple no dese nvolvimento da teoria mimética, através do reconhecimento
de sua vocação antropológica.

Mensonge romantique et vérité romanesque, publicado em 196 1, revelou o me-


canismo do desejo mimético na literatura moderna . Já em La \!iolence et
le Sacré, saído em 1972, Girard estudou sua gênese nos primórdi os da
organização social, buscando identificar os mecanismos subjacentes ao

20
MENT I RA ROMÂN TICA E VERl> Al)f: ROMAN ESC A
processo civilizatório.6 Na verdade, esse processo depende da desco-
berta de um mecanismo que permita controlar a violência desencadeada
pelo desejo mimético. Num resumo muito esquemático,' recordemos
a derivação apropriativa do comportamento mimético: ao imitar meu
modelo, tenninarei por desejar os objetos que ele possui e farei o pos-
sível para deles me assenhorear. Imaginemos, agora, o alcance desse
tipo de rivalidade em grupos soci ais: o desejo mimético é contagioso e
pode agravar-se na exata proporção em que um número maior de agen-
tes encontrar-se envolvido no curto -circuito da rivalidade mimética. Se
nenhuma form a de controle da dimensão apropriativa da mimesis for
desenvolvida, a própria fonnação social pode vir a desintegrar-se em
meio a um conflito generalizado .

Nesse instante, o mecanismo do bode expiatório, tal como descrito


por René Cirard, oferece uma alternativa ímpar. No auge da violência
endógena, um fen ômeno ocorre e, devido ao êxito com que permite
controlar os efeitos disruptivos da mimesis, tende a repetir-se: a vio-
lência indiscriminada, de todos contra todos, torna-se dirigida contra
um único membro do grupo. Todos voltam-se contra esse membro,
canalizando a violência que, de gera l e inespecíflca, portanto anárquica
e desagregadora, se converte em violência dirigida e, por isso mesmo,
ordenadora do próprio grupo. O bode expiatório é sacrificado e a or-
dem retorna: a violência , de origem mimética, engendra o sagrado, na

~ Publicado em português como A violb1cia e o sagrado. São Paulo: Paz e T erra, 2° Edição,
1990. O leitor tamb~ pode con5ultar, cm português, Um loago argumento lo priucfpio ao
fim. Diálogos com João Cezar de Castro Rocha e Pierpaclo Antondlo. Rio de Janeiro: T opbooks,
2000. Este livro tam bém apareceu: com .ilgumas modificações, em italiano, espanhol,
polonês, inglê~ e francês. Na França, em 2004, recebeu o "Prix Aujourd'hui".
7
Esca introdução não e: o local mais adequado para detalhar os desdobramentos do
conflito mimético, pois Mmso119c romantique !t viril( ro111anrsque lida sobretudo com o fe-
nômeno da mediação iutm111 1 característico da modern idade. Na introdução a A Thmtre of
Envy, William Shakespeare, que também será publicado por esta editora, tratarei com mais
minúcia o conAíto mimético nos prim6rdios do processo civilizatório.

21
! NTR<>DU ÇAO
figura da restauração da ordem social, já que o bode expiatório passa a
ser divinizado, pois seu sacrifício resolve o conflito.

Contudo, para fazer justiça à complexidade do sistema mimético é neces-


sário reconhecer que Girard não vislumbra a história como um processo
linear e teleo1ógico, mas como uma espiral, dominada por elementos
comuns, cujos desdobramentos porém não podem ser determinados
a priori.8 Tal distinção é fundamental, embora seja negligenciada com
frequência pelos seus críticos mais afoitos. G irard nunca afirmou que o
mecanismo do bode expiatório sempre terá lugar na resolução dos confli-
tos miméticos e que tal resolução sempre assumirá as mesmas Jormas. Podem-se
muito bem imaginar inúmeros casos em que grupos sociais desintegra-
ram-se precisamente porque não desenvolveram um mecanismo de con-
trole da violência endógena ocasionada pelo desejo mimético . Girard,
porém, defende que os grupos sociais que organizaram associações cada
vez mais complexas descobriram o mecanismo do bode expiatório, cada
um a set1 modo e sem necessariamente trilhar um caminho único. Posteriormente,
esse mecanismo foi aperfeiçoado mediante a criação de ritos e institui-
ções. Por isso, Michel Serres considerou Girard um autêntico "Darwin
das Ciências Humanas", 9 pois sua teoria pretende oferecer uma chave
interpretativa da origem da organização social, com base na resolução
do conflito mimético.

Países shakesperianos?
Uma última palavra, até mesmo para anunciar o próximo livro de René
Girard a ser publicado por esta editora: A Theatre of Envy, um estudo ino -
vador da obra de William Shakespeare. Ora, uma parte considerável das

8Maria Stella Barberi (org.). La Spirnle mirn{tiq11e, dix-lnlit íeçons sur Reni Girard. Paris: Des-
dée de Brouwer, 2001.
9 Michel Serres. Atlas. Paris: Julliard, 1994, p. 2.19-2.0 .

22
MEN TIR A ROMÂNTICA E VERDADE ROMANESCA
ideias que fazemos de nós mesmos, e que acreditamos serem "genuína~/'
do Brasil bem brasileiro, na verdade foram propostas pelo olhar estran-
geiro, que assimilamos como se fosse nosso. Um exemplo? Dois ou três.
O mito da miscigenação como a verdadeira contribuição brasileira à
civilização moderna foi sistematizado por um alemão - Karl Friedrich
Philipp von Martius. O projeto de representação da natureza tropical
como a marca distintiva da literatura romântica tupin iquim foi ideado
por um francês - Ferdinand Denis. 10 A fundação da mais importante uni-
versidade brasileira, a Universidade de São Paulo , criada em 1934, teve
suas bases lançadas através de uma m ítica missão francesa - cuja maior
contribuição foi a de voltar os olhos dos alunos à realidade brasileira. 11

Para seguir na trilha da teoria mimética, poder-se-ia supor que o Brasil


e tantas outras nações de passado colonial recente são "Shakespearean
countries", ou seja, como ocorre com frequência com os personagens do
autor inglês, amam através dos olhos de outro, apaixonam-se, por assim
dizer, pelos ouvidos e não pelos olhos. Na caracterização mordaz de um
personagem do romance The A1in-iíc Men : "Ele era como eu: necessitava
da orientação dos olhos de outro homem". ti Logo a seguir, o escritor
apresentou o corolário dessa atitude: "Tornamo-nos o que vemos de nós
mesmos nos olhos dos outros". 13 Não seria então o caso, já que mencio-
namos O Primo Basílio, de resgatar pelo avesso o Conselheiro Acácio?

: · Ver, de Maria Helena Rouanet, Etrrnamer.te em Berço Esplêl!dido: a fundação de uma lite-
ratura nacional, São Paulo: Siciliano, 1991 .
:: Recorde-se, nesse sentido, a observação de Antonio Candido, recordando os anos
rniciais da Universidade de São Paulo e o saldo positivo da missão francesa: "( ...) para
os professores brasileiros, o chie e ra conhecer a Europa. Davam aulas falando sobre a
França, a Inglaterra, citando línguas estrangeiras; nos puxavam para fora. Os profes-
sores estrangeiros, falando francês, nos puxavam para dentro". Sônia Maria de Freitas.
Remilliscênci,is. São Paulo: Maltese, 1993, p. 40.
·: V.S. Naipaul. The Mimic A1en. New York, Vintage lnternational, 200 1, p. 23.
:; Idem, p. 25.

23
INTRODUÇÃO
Segundo a ótica da teoria mimética somos todos um tanto (ou mesmo
muito) acacianos, pois sempre necessitamos de uma autoridade externa
para sustentar nossas afirmações, inclusive as mais triviais - talvez, so-
bretudo, as mais banais. Em síntese, países shakesperianos necessitam
da mirada alheía, porque ela ajuda a definir a própria imagem . Portanto,
se não me equivoco, a obra de René Girard deve possibilitar uma com-
preensão renovada da cultura brasileira: eis a tarefa dos seus leitores nos
tristes trópicos.

24
MENTIRA ROMÂNTICA E VERDADE ROMANESCA
/

O DESEJO TRIANGULAR 11 11

Q uero, Sancho, que saibas que o famoso Amadis de Caula foi um dos
mais perfeitos cavaleiros andantes. Não disse bem "foi um"; foi o único,
o primeiro, o mais cabal, e o senhor de todos quantos em seu tempo no
mundo nunca houve. Quando qualquer pintor quer sair famoso em sua
arte, não procura imitar os originais dos melhores pinto res de que há
notícia;> Esta mesma regra se obse rva em todos os mais ofícios ou exer-
dcios de monta com que se adornam as repúblicas e assim há de fazer, e
faz, quem aspira a alcançar a nomeada de prudente e sofrido, imita ndo
a Ulisses, em cuja pessoa e trabalhos no5 pinta Homero um retrato vivo
de prudência e sofrimento, como também nos mostrou Virgflio na pes-
soa de Eneias o valor de tim filho piedoso e a sagacidade de um valente
e entendido, não pintando-os ou descrevendo-os como eles foram, mas
sim como deviam ser para deixar exemplos de suas virtudes aos homens
da posteridade. Deste modo, Amadis foi o norte, o luzeiro, e o sol dos
valentes e namo rados cavaleiros, a quem devemos imitar, todos os que
debaixo da b andeira do amor e da cavalaria militamos. Sendo pois isto

l
assim, como é, acho eu, Sancho amígo, que o cavaleiro andante que
melhor o imitar, mais perto e<;tará de alcançar a perfeição da cavalaria.1

Dom Quixote renunciou em favor de Amadis à prerrogativa fundamen -


tal do indivíduo: ele não escolhe mais os objetos de seu desejo, é Amadis
quem deve escolher por ele. O discípulo se lança em direção aos objetos
que o modelo de toda cavalaria lhe indica, ou parece lhe indicar. Cha-
maremos esse modelo de mediador do desejo. A existência cavalheiresca
é a imitação de Amadis no sentido em que a existência do cristão é a
imitação de Jesus Cr1sto.

Na maioría das obras de ficção as personagens desejam mais simples-


mente que Dom Quixote. Não há mediador, há apenas o sujeito e o
objeto. Quando a "natureza" do objeto apaixonante não é suficiente
para justificar o desejo, a atenção se volta para o sujeito apaixonado.
Constrói-se sua "psicologia" ou invoca-se sua "liberdade". Mas o desejo
é sem pre espontâneo Sempre se pode representá-lo por uma simples
linha reta ligando o sujeito e o objeto.

A linha reta está presente no desejo de Dom Quixote, porém ela não é
o essencial. Acima desta linha, há o mediador que se irradia ao mesmo
tempo em direção ao sujeito e em direção ao objeto. A metáfora espa-
cial que expressa essa tripla relação é obviamente o triângulo O objeto
muda a cada aventura, mas o triângulo permanece. A bacia de barbe-
ar ou as marionetes de Mestre Pedro substituem os moinhos de vento;
Amadis, cm contrapartida, está sempre presente.

No romance de Cervantes, Dom Quixote é a vítima exemplar do desejo


triangular, mas está longe de ser a única. O mais atingido depois dele é
o escudeiro Sancho Pança. Certos desejos de Pança não são imitados; os

1
C:ERVANTF.S, M iguel de, Dom Quixote. São Paulo: Editora Nova Cultural, 2002. pp. 155,
156. (N.E.)

26
:-.tENTIRA ROMÂNTICA E V ERDAD !: RO,>.,t ANESCA
que desperta, por exemplo, a visão de um pedaço de queijo ou a de um
odre de vinho. Porém Sancho tem outras amb ições além da de encher
o estômago. D esde que passou a conviver com D o m Quixote de sonha
com uma "ilha" da qual será o governador, e quer um título de duquesa
para sua filha. Tais desejos não surgiram espon taneamente no homem
simples q ue é Sancho. Foi Dom Quixote que m os sugeriu.

D esta feita, a sugestão é oral e não mais literária. Mas a diferença não
tem a menor im portância. Esses novos desejos formam um novo triân-
gulo cuj as pontas estão o cupadas pel a ilha fabulosa, po r Dom Quixo-
te e por Sancho. D o m Quixote é o mediador de Sancho. Os efe itos
do desejo triangular são os mesmos nas duas personagens. Assim que
a influência d o mediador se manifesta, o sentido do real fica perdido, a
capacidade de julgamento, paralisada .

Sendo essa iníluênci a d o mediador mais profunda e mais constante


no caso de Dom Q uixote que no de Sancho, os leito res românticos
ativeram -se tão somente à oposição entre D om Q uixote , o idealista,
e o realista Sancho. Essa é uma oposição real, porém secundária,- e la
não deve nos fazer esquecer as analogias e ntre as duas pe rsonagens.
A paixão cavalheiresca estipula um desejo segundo o o~tro que se o põe
ao desej o segu11do Si próprio, de que a maioria de nós se vanglor ia d e usu -
fruir. D o m Q uixote e San cho emprestam ao Outro seus desejos com tal
intensidade e tal originalidade, que o confundem perfeitamente com a
vo ntade de ser Si pr6prio.
Amadis, dírão, é uma personagem fahulosa. Sem dúvida, mas a fábu la
não tem Dom Quixote por autor. O mediador é imaginário, a mediação
não o é. Por trás dos desejos do herói, está claramente sugerida a presen-
ça de um terceiro, o inventor de Amadis, o autor dos romances de cava-
laria . A obra de Cervantes é uma longa meditação acerca da influência
ne fasta que podem exercer, uns sobre os outros, os espíritos mais sãos.
Dom Quixote , salvo no que diz respeito à sua cavalaria, raciocina sobre

27
C A PÍ T U L O I O DE SF.1 0 "T RI A NGULAR"
todas as coisas com muita justeza. Seus escritores favoritos tampouco
são loucos: eles não levam sua ficçã o a sério. A ilusão é o fruto de um
singular casamento entre duas consciências lúcidas. A literatura cava-
lheiresca, em franca expansão desde a invenção da imprensa, multiplica
de maneira prodigiosa as chances de semelhantes uniões.

O desejo segundo o Outro e a fu nção "seminal" da literatuTa também


estão presentes nos romances de Flaubert. Emma B0vary2 deseja através
das heroínas r omânticas das quais sua imaginação está repleta. As obras
medíocres que devorou na adolescência destruíram nela toda esponta-
neidade. É Jules de Gaultier quem melhor define esse b ovarismo que
ele descobre em quase todas as personagens de Flaubert: "A mesma
ignorância, a mesma inconsistência, a mesma ausência de reação indi-
v idual parecem desti ná-las a obedecer à sugestão do mei o exterior na
fal ta de uma autossugestão provinda de seu interior."3 Gaultier obsetva
ainda, e m seu fa moso ensaio, que, para atingirem seu objetivo que é o
de "se conceberem outros di feren tes do que são", os heróis flaubertia-
nos elegem um "modelo" e "imitam da personagem que eles decidiram

2
Edição brasileira: Gustave Flaubert, J\.1ada111e Bovary. São Paulo: Nova Cultural,
2002. (N.E.)
3 Ver Jules de Gaultier; ú bovarysme, la psychologie dans l'oerivrt de Fla11hert. Paris: Éd. du

Sandre, 2007. Obs. Algo parecido disse i\ 1achado de Assis da personagem Luísa, do
romance O primo Bas/'!io, de Eça de Queiroz, "A Eugênia [de Balzac], a provinciana
singela e boa, cujo corpo, aliás robusto, encerra uma alma apaixonada e sublime, nada
tem com a Luísa do Sr. Eça de Queirós. Na Eugênia, há uma personalidade acentuada,
uma figura moral, que por isso mesmo nos interessa e prende; a Luísa -força é dizê-lo -
a Luísa éttm caráltr negativo, e no meio da ação ideada pelo autor, é a11tes 1-nn t{ttre do que tima pmoa
moral.(. .. ) Luísa resvala no ledo, SetH vont.ide, sem repulsa, sem conscitncia; Basílio não fa:z mais
do que em puxá-la, como matéria inerte, que é. Uma oa rolada no erro. como r.ttthuma Jl.ama.
tspiritllllf a alenta, não ac/,a ali a saciedade das grandes paixões crimillosas: reholca-se simplc,mmrt."
"O p rimo Basílio de Eça de Q ueiroz" in O Cruzeiro , 16 de abril de 1878. (N.E.)

28
MEN T IRA ROMA N TICA E VERDADE ROMA NESCA
ser tudo o que é possível imitar, todo o exterior, toda a aparência, o
gesto, a intonação , o traje".

Os aspectos exteriores da imitação são os mais marcantes, mas levemos


em consideração sobretudo que as personagens de Cervantes e de Flau-
bert imitam, ou pensam imitar, os desejos dos modelos pelos quais opta-
ram livremente. Um terceiro romancista, Stendhal, insiste da mesma
forma no papel da sugestão e da imitação na personalidade de seus he-
róis. Mathilde de la Mole toma seus modelos na história de sua família.
Julien Sorel imita Napoleão. O Memorial de Santa-Helena4 e os Boletins do
Grande Exército5 substituem os romances de cavalaria e as extravagân-
cias românticas. O Príncipe de Parma imita Luís XIV. O jovem bispo de
Agde ensaia o ato de benzer diante do espelho, numa mímica dos velhos
prelados veneráveis com quem ele receia não se parecer o suficiente.

A história não passa aqui de uma forma de literatura; ela sugere a todas
essas personagens stendhalianas sentimentos e, sobretudo, desejos que
elas não experimentariam espontaneamente. Ao começar a trabalhar
para os Rênal, Julien empresta das Co1ifissões de Rousseau o desejo de
comer à mesa dos patrões antes que à dos criados. Stendhal designa
pelo nome de vaidade todas essas formas de "cópia", de "imitação". O vai-
doso não pode extrair seus desejos de seu próprio cabedal: ele os toma
emprestado de outrem. O vaidoso é, pois, irmão de Dom Quixote e de
Emma Bovary. E reencontramos em Stendhal o desejo triangular.
Nas primeiras páginas de O Vermelho e o Negro6, passeamos em Verrieres
com o prefeito da aldeia e sua mulher. O sr. de Rênal passa, majestoso
conquanto atormentado, entre seus muros de arrimo. EJe deseja fazer
de Ju1ien Sorel o preceptor de seus dois filhos. Mas não por solicitude

'Ver Emmanuel de Las Cases, fv1imorial de Sah1te-He1ene. Paris: Éd. du Seuil, 1999. (N.E.)
~Trata-se do exército de Napoleão. {N.E.)
~ Edição brasileira: Stendhal, O ve,melho e o ne,!/ro.São Paulo: Nova Cultural, 2002. (N.E.)

29
CAPÍTULO 1 - O DESEJO "TRIANGU LAR'
para com estes, nem por amor pelo saber. Seu desejo não é espontâneo.
A conversa entre os dois cônjuges logo nos revela qual seu mecanismo:

- O Valenod não tem preceptor para seus filhos.

- Ele bem podia tirar-nos este. 7

Valenod é o homem mais rico e mais influente de Verrieres, depois do


próprio sr. de Rênal. O prefeito de Verrieres tem sempre a imagem de
seu rival d iante de si durante as negociações com o velho Sarei. Ele faz
a este último propostas muito favoráveis mas o camponês astuto inventa
uma resposta genial: ''Recebemos melhor proposta. 8" Dessa vez, o sr. de
Rênal está inteiramente convencido de que Valenod deseja contratar
Julien e seu próprio desejo redobra .O preço cada vez mais aho que o
comprador está disposto a pagar se pauta no desejo imaginário que ele
atribui ao rival. Há, pois, comprovadamente uma imitação desse desejo
imaginário, e até mesmo uma imitação bastante escrupulosa já que tudo,
no desejo copiado, inclusive seu grau de fervor, depende do desejo que
lhe serve de modelo.

No fim do romance, Julien procura reconquistar Mathilde de la Mole e,


a conselho do dandy Korasof, recorre ao mesmo tipo de astúcia que seu
pai. Ele corteja a marcchala de Fervacques; quer despertar o desejo dessa
mulher e dá-la em espetáculo a Mathilde, para sugerir-lhe que a imite.
Um pouco de água basta para fazer funcionar uma bomba; um pouco de
desejo basta para o ser cuja essência é a vaidade

Julien põe seu plano cm execução e tudo acontece conforme previra. O


interesse que por ele manifesta a rnarechala desperta o desejo d.e Mathíl-
de. E o triângulo reaparece ... Mathilde, a sra. de Fervacques, Julien... ;
o sr. de Rênal, Valenod, Julien .. O triângulo reaparece toda vez que

'Idem. p.16 (N.E.)


~ fdem. p . 22 (N.E.)

MENT IRA ROM.Õ.NTICA E VERDA!ll' RO!'.\AN E'SCA


5:endhal fala em vaidade, quer se trate de ambição, de comércio ou de
.;:nor. Causa espanto que os críticos marxistas, para quem as estruturas
econômicas fornecem o arqut:tipo de todas as relações humanas, não
:enham ainda notado a analogia entre o ardil do velho Sarei e os cstra-
:agemas amorosos do filh o.

P1ra que um vaidoso deseje um objeto, hasta convencê-lo de que esse


ohjeto já é desejado por um terceiro a quem se agrega um certo pres-
::'gío. O mediador é nesse caso um rival suscitado primeiramente pela
-.?idade, que, por assim dizer, ela chamou à sua existência de rival, antes
.:e impingir-lhe derrota. Essa rivalidade entre mediador e sujeito dese-
·::.:1te constitui uma diferença essencial com o desejo de Dom Q uixote
·:;'J de Emma Bovary. Amadis não pode disputar com D o m Quixote a
:-.:tela das orfãs desamparadas, ele não pode fender os gigantes e m seu
::..:gar. Valenod, em contrapartida, pode tomar para si o preceptor do sr.
::.e Rênal; a marechala de Fervacques pode tirar Julicn da Mathilde de la
~.. tole. Na maioria dos desejos stendhalianos, o próprio mediador deseja
·J objeto , ou poderia desejá-lo: é esse mesmo desejo, real ou presumí-
,·el, que torna esse objeto infinitamente desejável aos olhos do sujeito.
A mediação gera um segundo desejo inteiramente idêntico ao do media-
.:o r. Vale dizer que nos deparamos sempre com dois desejos concorren-
::L O mediador não pode mais desempenhar seu papel de modelo sem
::1terpretar também, ou parecer interpretar, o papel de obstáculo. T ai
TJal a sentinela implacável do apólogo kafkiano, o modelo mostra a seu
.:,scípulo a porta do paraíso e proíbe-lhe o acesso num único e mesmo
gesto. Não nos espantemos se o sr. de Rênal lança sobre Vaknod olha-
res bem diferentes dos que Dom Quixote ergue para Arnadis.

Em Ce rvantes, o mediador reina num céu inacessível e transmite ao fiel


um pouco de sua serenidade. Em Stendhal, esse mesmo mediador bai -
:-i:OU a terra. D istinguir claramente esses dois ti pos de relacionamento
entre mediador e sujeito é reconhecer a imensa distância espititual que

31
CAPÍTULO 1 • O D ES EJ O " TRIANCU LAR"
separa um Dom Quixote dos vaidosos mais inferiores dentre as perso-
nagens stendhalianas. A imagem do triângulo não pode nos reter de
modo duradouro a não ser que permita essa distinção, a não ser que nos
permita medir, num relance, essa distância. Para alcançar esse duplo ob-
jetivo, é suficiente que se faça variar, no triângulo, a distância que separa
o mediador do sujeito desejante.

É em Cervantes, obviamente, que essa distância é a maior. Nenhum


contato é possível entre Dom Quixote e seu Amadis lendário. Já Emma
Bovary está menos distante de seu mediador parisiense. Os relatos dos
viajantes, os livros e a imprensa propagam até Yonville as últimas mo-
das lançadas na capital. Emma se aproxima ainda mais do mediador por
ocasião do baile em casa dos Vaubyessard; ela penetra no santuário e
contempla o ídolo frente a frente. Mas essa aproximação pemianecerá
fugaz. Jamais Emma conseguirá desejar o que desejam as encarnações
de seu "ideal"; jamais ela conseguirá competir com estasi jamais ela par-
tirá para Paris.

Julien Sorel faz tudo o que Ernma não pode fazer. No começo de O
Vermelho e o Negro, a distância entre herói e mediador não é inferior à
de lv1adame Bovaty. Mas Julien vence essa distância; ele abandona sua
província e se torna o amante da orgulhosa Mathilde; sobe rapidamente
a uma posição brilhante. Essa proximidade do mediador se reproduz
nos demais heróis do romancista. É ela que diferencia essencialmente
o universo stendhaliano dos universos que já enfocamos. Entre Julien
e Mathilde, entre Rêna1 e Valenod9, entre Lucien Leuwen e os nobres
de Nancy1°, entre Sansfin e os fídalguetes da Normandia 11, a distância é
sempre pequena o suficiente para permitir a concorrência dos desejos.

9
Idem, ibdem. (N.E.)
'º De Luâen I.tuioo1 . Rio de Janeiro, F. Alves, 1983. (N.E.)
11
De Lcm1iel. Paris, Flammarion, 1993. (N.E.)

32
MENTIRA ROMÂNTICA E VERDAUE ROMANESCA
Sos romances de C ervantes e de F1aubert, o mediador ficava exterior ao
;.iniverso do herói; ele está agora no interior desse mesmo universo.

As obras romanescas se agrupam, pois, em d uas categories fundamen-


tais - em cujo interior se podem multiplicar infinitamente as distinções
secundárias. Falaremos de mediação externa quando a distância é suficiente
para que as duas esferas de possíveis, cujo centro está ocupado cada qual
pelo mediador e pelo sujeito, não estejam em contato . Falaremos de me-
Jia ção interna quando essa mesma distância está suíkientemente reduzida
para que as duas esferas penetrem com maior ou menor profund idade
;.ima na outra.

Obviamente, não é o espaço físico que mede a distância entre o media-


dor e o sujeito desejante. C o nq uanto o afastamento geográfico possa
constituir-se num de seus fatores, a distância entre o mediador e o sujeito
é primeiramente espiritual. Dom Quixote e Sancho estão sempre fisica-
mente próximos um do outro, mas a distância social e intelectual que os
separa permanece intransponível. Nunca o criado deseja o que deseja o
amo. Sancho cobiça os víveres abandonados pelos monges, a bolsa de
ouro encontrada no caminho e outros objetos mais que Dom Quixote
lhe cede sem qualquer pesar. Quanto à ilha fa bulosa, é do próprio Dom
Quixote que Sancho calcula recebê-la, na qualidade de fiel vassalo que
tudo possui em nome de seu senhor. A mediação de Sancho é assim uma
mediação externa. N enhuma rivalidade com o mediador é viável. A har-
monia nunca fica seriamente afetada entre os dois companheiros.

O herói da mediação externa proclama em alto e bom tom a verdadeira


na tureza de seu desejo. Ele venera abertamente seu modelo e declara -
se seu discípulo. Vimos o próprio D om Quixote explicar a Sancho o
papel privilegiado que Amadi s desempe nha em sua vida . A sra. Bovary

33
CAPÍT ULO 1 - O DESEJO "TRIAN G U LAR'
e Léon também confessam a verdade de seus desejos em suas confidên-
cias líricas . O paralelo entre Dom Quixote e Madame Bot>,1ry tornou-se
clássico. É sempre fácil perceber as analogias e ntre dois romances da
mediação externa.

Em Stendhal, a imitação não parece tão diretamente ridícula por não


haver mais, entre o universo do discípulo e o do modelo, a defasagem
que tornava grotescos um Dom Quixote ou uma Emma Bovary. A imi-
tação contudo não é menos estrita e literal na mediação interna do que
na mediação externa. Se essa verdade nos parece surpreendente não é só
porque a imitação se baseia num modelo "aproximado", é também por-
que o herói da mediação interna, longe de se vangloriar de seu projeto
de imitação, desta feita, dissimula-o cuidadosamente.

O impulso em direção ao objeto é no fundo impulso na direção do


mediadori na mediação interna, esse impulso é quebrado pelo próprio
mediador já que este mediador deseja, ou talvez possua, esse objeto.
O discípulo, fascinado por seu modelo, vê forçosamente, no obstáculo
mecânico que este último lhe opõe, a prova de uma vontade perversa
para com ele. Longe de se declarar vassalo fiel, esse discípulo não pensa
senão em repudiar os laços da mediação. Esses laços, no entanto, estão
mais sólidos do que nunca pois a hostilidade aparente do mediador,
longe de lhe diminuir o prestígio, não faz senão aumentá-lo. O sujeito
está persuadido de que seu modelo se julga demasiadamente superior a
ele para aceitá-lo como discípulo. Então, o sujeito experimenta por esse
modelo um sentimento dilacerante formado pela união destes dois con-
trários que são a mais submissa veneração e o mais intenso rancor. Eis aí
o sentimento que chamamos de ódio .

Apenas o ser que nos impede de satisfazer um desejo que ele próprio
nos despertou é verdadeiramente objeto de ódio. Quem odeia, odeia
primeiramente a si mesmo e m razão da admiração secreta que seu ódio
encobre. A fim de esconder dos outros, e de esconder de si mesmo,

34
MENTI RA ROMÂNTICA E VF.RDADf. R0!-1ANESCA
essa admiração desvairada, ele não quer enxergar mais em seu mediador
senão um obstáculo. O papel secundário desse mediador passa desse
modo ao primeiro plano e dissimula o papel primordial de modelo reli-
giosamente imitado.

Na disputa que o opõe a seu rival, o sujeito inverte a ordem lógica e


cronológica dos desejos com o fim de dissimilar sua imitação. Ele afirma
que seu próprio desejo é anterior ao de seu rival, logo , se lhe dermos
ouvidos, ele nunca é o responsável pela rivalidade: é o med1ador. Tudo
o que provém desse mediador é sistematicame nte denigrido apesar de
ainda secretamente desejado. O mediador é agora um inimigo sutil e
diabólico; procura despojar o sujeito de suas mais caras posses; contra-
põe-se obstinadamente a suas mais legítimas ambições.

Em nossa opinião, todos os fenômenos que Max Scheler estuda em O


Homem do ressentimento12 dizem respeito à mediação interna. A palavra res-
sentimento enfatiza, aliás, o caráter de reação, de contrachoque que ca-
racteriza a experiência do sujeito nesse tipo de mediação . A admiração
apaixonada e a vontade de emulação esbarram no obstáculo, em apa-
rência, injusto que o modelo opõe a seu discípulo e recaem sobre este
último sob a for ma de ódio impotente, provocando assim a espécie de
autoenvenenamento psicológico que Max Scheíer tão bem descreve.

Como indica Scheler, o ressentimento pode impor seu ponto de vista


mesmo àqueles que ele não domina . É o ressentimento que nos impede e
que impede às vezes o próprio Scheler de perceber o papel que a imita-
ção desempenha na gênese do desejo. Não desconfiamos, por exemplo,
de que o ciúme e a inveja, tal como o ôdio, não passam dos nomes tra-
dicionais dados à mediação interna, nomes que escondem de nós, quase
sempre, sua verdadeira natureza.

12
Max Scheler, L'IJOnimedu ressmtíment. Paris: Callimard, 1970. (N.E.)

35
(Af'ÍT'J LO 1 .• O DESl·J() "TRIAKCU L AR''
O ciúme e a inveja deixam supor uma tripla presença: presença do
objeto, presença do sujeito, presença daquele de quem se sente ciú-
me ou daquele de quem se tem inveja. Esses dois "defeitos" são, pois,
triangul ares: jamais, no entanto, apreendemos um modelo naquele de
quem sentim os ciúme porque enfocamos sempre o ciúme do ponto de
v ista do próprio ciumento . Como todas as vítimas da mediação inter-
na, este se convence facilm ente de que seu desejo é espontâneo, isto
é, que ele está enraizado no objeto e somente nele. Por conseguinte,
o ciumento alega sempre que seu desejo precedeu a intervenção do
mediador. Ele nos apresenta este como um intruso, um encrenqueiro,
um terzo incommodo que vem interromper um delicioso tête-,,-téte. O ci-
úme equivaleria assim à irritação que todos sentimos qua ndo um de
nossos desejos é acidentalme nte contrariado. O verdadeiro ciúme é
infin itamen te mais rico e mais complexo que isso. Ele comporta sem-
pre um elemento de fascínio para com o rival insolente. São sempre
os mesmos seres, aliás, que sofrem de ciúme. D evemos acreditar que
não passam todos de vítimas de um infe liz acaso? Será o destino que
suscita para eles t antos r ivais e que multiplica os obstáculos através de
seus desejos? Nós mesmos não o cremos já que, perante essas vítimas
crônicas do ciúme, ou d a inveja, fa lamos de "temperamen to ciumen-
to" ou de "natureza invejosa". Mas em que pode implicar, concreta-
m ente, um ta] "temperamento" ou uma tal "natureza" a não ser num a
irresístivel propensão em desejar o que desejam os Outros, ou seja, em
imitar seus desejos?

Max Scheler faz constar "a inveja, o ciúme e a rivalidade" entre as fontes
do ressentimento . Ele define a inveja como "o sentimento de impotência
que vem opor-se ao esforço que fazemos para adquirir tal coisa, pelo
fato de ela pertencer a outre m". Ele observa, por outro lado, que não
haveria inveja, no sentido estrito do termo, se a imaginação do invejo-
so não transformasse em oposição planejada o obstáculo passivo que o
possuidor do objeto lhe opõe, pelo fato da posse e m si.

36
MENTIRA ROMÂNTI CA E VERD AD E ROMANES CA
A simples circunstância de lamentar não po%uir o que um outro possui e
o que eu desejo, não basta, em si, para... fazer brotar (a inveja), pois essa
lamentação pode, como simples alternativa, me determinar a adquirir a
coisa desejada ou algo análogo ... A <.:obiça nasce somente se o esforço
requerido para colo<.:ar em operação esses meios de aquisição fracassar
dando lugar a um sentimento de impotência .

A análise está exata e completa; não omite nem a ilusão que o invejoso
cria para si acerca da causa de seu fracasso, nem a paralisia que acom-
panha a inveja. Mas esses elementos se mantêm isolados; a relação que
os une não está realmente apreendida. Pelo contrário, tudo se esclarece,
tudo se organiza numa estrutura coerente, ao se renunciar, para explicar
a inveja, a partir do objeto da rivalidade e ao se fazer do próprio riva1, ou
seja, do mediador, o ponto de partida da análise, assim como seu ponto
de chegada. O obstáculo passivo que constitui a posse não apareceria
como um gesto de desprezo calculado, esse obstáculo não provocaria
desespero se o rival não fosse secretamente venerado . O semideus pa-
rece responder às homenagens com urna maldição. Ele parece pagar o
bem com o mal. O sujeito gostaria de acreditar-se vítima de uma atroz
injustiça, mas ele se pergunta com angústia se a condenação que, segun-
do as aparências, pesa sobre ele não é justificada. Assim sendo a rivali-
dade não pode senão exasperar a mediação; ela aumenta o prestígio do
mediador e reforça o laço que une o objeto a esse mediador, forçando-o
a afirmar claramente seu direito, ou seu desejo, de possessão. O sujeito
torna-se então menos capaz do que nunca de se desviar do objeto ina-
cessível: é a esse objeto e tão somente a ele que o mediador transmite
seu prestígio, possuindo-o ou desejando possui-lo. Os demais objetos
não têm o menor valor aos olhos do invejoso, mesmo sendo análogos
ou até idênticos ao objeto "mediatizado".

Todas as sombras se dissipam quando se reconhece um mediador no


rival abominado. O próprio Max Scheler não está longe da verdade

37
CAPÍTULO l - O DESEJO "TRIANGU L AR "
quando constata, em O Homem do ressentimento , que "o fato de escolher um
modelo para si" está fundado numa certa disposição para comparar-se,
partilhada por todos os homens e, prossegue ele, "é uma comparação
desta ordem que está na base de toda inveja, de toda ambição, como
também na atitude que implica, por exemplo, a imitação de Jesus Cris-
to". Porém essa intuição permanece um fato isolado. Só os romancistas
devolvem ao mediador o lugar usurpado pelo objeto; só os romandstas
invertem a hierarquia do desejo habitualmente aceita.

Em As J\.fonórias de um tHrista 1>, Stendhal alerta seus leitores contra o que


ele chama de sentimentos modernos, frutos da vaidade un iversal: "a in-
veja, o ciúme e o ódio impotente." A fórmula stendhaliana reúne os
três sentimentos triangulares; ela os examina de fora de qualquer ob-
jeto particular; associa-os a essa imperiosa necessidade de im itação da
qual o século XIX, no dizer do romancista, está inteiramente possuído.
Scheler, por seu lado, afirma, depois de Nietzsche - que reconhecia
uma grande dívida para com Stendhal - , que o estado de espíri to ro-
mântico está impregnado de "ressentimento". Stendhal não diz outra
coisa, mas ele procura a fon te desse veneno espiritual na imitação apai-
xonada de indivíduos que são no fundo nossos semelhantes e que do-
tamos de um prestígio arbitrário. Se os sentimentos modernos fl orescem,
não é porque as "naturezas invejosas" e os "temperamentos ciumentos"
se multiplicaram desagradavel e misteriosamente, é porque a mediação
interna triunfa num universo onde vão se apagando, pouco a pouco, as
di ferenças entre os homens.

Somente os romancistas revelam a natureza imitativa do desejo. Essa


natureza é difícil de se perceber em nossos dias pois a mais fervorosa
im itação é a mais vigorosamente negada. Dom Quixote se proclamava
discípulo de Amadis e os escritores de sua época se proclamavam discí-
pulos dos Antigos. O vaidoso romântico não se quer mais discípulo de

13
STI:NDHAI., Méi11oires d'im to11riste. Coeuvres-et-Valsery: RessouvenanceÇ, 1999. (N.E.)

.:rn
M f: S T IRA R0:--1.S. NT ICA E VERDADF. R0.\1 A.M :SCA
ninguém. Ele se convence de ser infinitamente oriS}inal. Por toda parte,
no século XIX, a espontaneidade se torna dogma, destronando a imi-
tação. Não nos deixemos enganar, insiste Stendhal, os individualismos
professados com tanto alarde escondem uma nova forma de cópia. Os
en fadas românticos, o ódio à sociedade, a nostalgia pelo deserto, tanto
quanto o espírito gregário, não encobrem, na maioria das vezes, nada
mais que um interesse mórbido pelo Outro.

Para disfarçar o papel essencial desempenhado pelo Outro em seus de-


sejos, o vaidoso stendhaliano recorre frequentemente aos estereótipos
da ideologia reinante. Por trás da devoção, do altrnísmo meloso, do
wqajimiento hipócrita das grandes damas de 1830, Stendhal não encontra
o impulso generoso de um ser realmente pronto a se doar, mas o recurso
angustiado de uma vaidade à espreita, o movimento centrífugo de um
Eu impotente em desejar por si próprio. O romancista deixa falar e agir
suas personagens para em seguida, numa piscadela, nos revelar o media-
dor. Ele restabelece por baixo do pano a veràadeira hierarquia do dese-
jo, ao mesmo tempo que simula dar crédito às pretensas razões que sua
personagem apresenta para conferir credibilidade à hierarquia contrária.
Eis aí um dos procedimentos constantes da ironia stendhaliana.

O vaidoso romântico quer sempre se convencer de que seu desejo está


inscrito na ordem natural das coisas ou, o que vem a dar na mesma,
que ele é a emanação de uma subjetividade serena, a criação ex nihilo
de um Eu quase divi no. Desejar a partir do objeto equivale a desejar a
partir de si mesmo: não é nunca, com efeito, desejar a partir do Outro.
O preconceito objetivo se junta ao preconceito subjetivo e esse duplo
preconceito está enraizado na imagem que todos temos de nossos pró-
prios desejos. Subjetivismos e objetivismos, romantismos e realismos,
individualismos e dentificismos, idealismos e positivismos se opõem em
aparência, mas estão secretamente coligados para ocultar a presença do
mediador. Todos esses dogmas são a tradução estética ou fi losófica de

39
CAPÍTUL O t .. O DES l:' J() 'TRI ASCU!. AR"
visões d.o mundo próp1ias à mediação interna. São todos derivados, mais
ou menos diretamente, desta mentira que ~ o desejo espontâneo. São
todos defensores de uma mesma ilusão de autonomia a que o homem
moderno está apaixonadamente apegado.

É essa mesma ilusão que o romance genial não consegue enfraquecer,


apesar de denunciá-la incansavelmente. Diferentemente dos escritores
românticos ou neorromânt icos, um Cervantes, um Flaubert e um Sten-
dhal desvendam a verdade dos desejos em suas grandes obras romanes-
cas. Porém essa verdade permanece escondida no próprio âmago de seu
desvendamcnto. O leitor, geralmente persuadido de sua espontaneida-
de pessoal, projeta sobre a obra significados que ele já costuma projetar
sobre o mundo. O século XIX, que não entendeu nada de Cervantes,
não cessava de elogiar a "originalidade" de seu herói. O leitor românti-
co, por um maravilhoso contrassenso que não passa, no fundo, de uma
verdade superior, se identifica com Dom Quixote, o imitador por exce-
lência, o qual ele torna o indivíduo-modelo. Assim sendo, não ~ de se
espantar se o termo romanesco espelha sempre, por sua ambiguidade, a ig-
norância em que nos encontramos acerca de toda e qualquer mediação.
Esse termo designa os romances de cavalaria e designa Dom Quixote; ele
pode ser sinônimo de romântico e pode significar a ruína das pretensões
românticas. Reservaremos doravante o termo romântico para as obras que
reAetem a presença do mediador sem jamais revelá-la e o termo romanesco
para as obras que revelam essa mesma presença. É a estas últimas que se
dedica essencialmente o presente escrito.

O prestígio do mediador se comunica ao objeto desejado e confere


a este último um valor ilusório. O desejo triangular é o desejo que
transfigura seu objeto. A literatura romântica não desconhece essa

40

Ml:NTIRA ROMÀNl"ICA E VERDADE ROMAN ES<.: A


metamorfose; muito pelo contrário, e la a torna prove itosa e graças a
ela se engrandece, mas sem jamais revelar seu verdadeiro mecanismo .
A ilusão é um ser vivo cuja concepção exige um elemento macho e
um elemento fêmea. É a imaginação do poeta a mulher, e essa imagi-
nação fica estéril enquanto não for fecundada pelo mediador. Tão só
o romancista descreve essa gênese verdadeira da ilusão cuja respon -
sabilidade é sempre atribuída pelo romantism o a um sujeito solitário.
O romantismo defende uma "partenogênese" da imaginação. Amante
inveterado da autonomia, ele recusa inclinar-se diante de seus próprios
deuses. As poéticas solipsi stas que se sucedem há u m século e meio são
um modo de expressar essa recusa.

O s críticos românticos parabenizam Dom Quixote por ver numa sim-


ples bacia de barbear o elmo de Mambrino, mas é preci so acrescentar
que não haveria ilusão se Dom Quixote não estivesse imitando Amadis.
Emma Bovary nã.o tomaria Rodolfo por um príncipe encantado se da
não estivesse imitando as heroínas românticas. O mundo parisiense da
"inveja", do ;/ciúme" e do "ódio impotente" não é menos ilusório e não
é menos desejado que o elmo de Mambrino. Nele, todos os desejos
investem-se em abstrações; são, nos diz Stendhal , "desejos mentais". As
alegrias, e sobretudo os sofrimentos, não se enraízam nas coisas; eles são
"espirituais", mas num sentido baixo que convém elucidar. Do mediador,
verdadeiro sol factício, desce um raio misterioso que faz o objeto brilhar
com um fulg or enganoso. Toda a arte stendhaliana visa a nos convencer
q ue os valores de vaidade, nobreza, dinheiro, poder, reputação, só são
concretos e m aparência ...

É esse caráter abstrato que permite fazer a aproximação entre o desejo


de vaidade e o desejo de Dom Quixote. A ilusão não é a mesma, con-
tudo sempre há ilusão. O desejo projeta ao redor do herói um universo
de sonho. Nos dois casos, o herói escapa de suas quimeras apenas no
momento da agonia . Se Julien nos parece mais lúcido que Dom Quixote

41
CAPÍTULO 1 •. O DES EJO ·TRlANCULAR"
é porque os seres que o rodeiam, com exceção da sra. de Rênal, estão
ainda mais enfeitiçados que ele.

A metamorfose do objeto desejado impressionou Stendhal muito antes


do período romanesco. A descrição que faz dela. em D.1 Amor'4, é famosa
e baseada na imagem da cristalização. Os desdobramentos romanescos
posteriores aparentam ser bem fieis à ideologia de 1822. Dela se d is-
tanciam, no entanto1 num pont o fundamental. Segundo as análises que
precedem, a cristalizacão deveria ser um fruto da \·aidade. Mas não é
sob o signo da vaidade que Stendhal, em Do Am,'r. nos apresenta esse
fenômeno, e sim sob o signo da paixtío.

A paixão, em Stendhal, é o contrário da vaidade. Fahrício Dei Dongo 1'


é o ser apaixonado por excelêncía; de se distingue por sua autonomia
sentimental, pela espontaneidade de seus desejos . por sua indiferença
absoluta à opinião dos Outros. O ser de paixão extrai dele mesmo e não
de outrem a força de seu desejo.

Teríamos nos enganado e seria a paixão autêntica, no,; romances, que


se acompanha de cristalização? Todos os grandes casais de amantes
stendhalianos contradizem esse ponto de vic;ta. O amor verdadeiro, o
de Fabrício por Clélia, aquele que Julien acaba conhecendo com a sra.
de Rênal, não transfigura. As qualidades que esse amor descobre em
seu objeto, a ventura que dele espera, não são ilusórias. O amor-paixão
acompanha-se sempre de estima1 no senti do corneliano do termo. Ele
se fundamenta numa perfeita concordâncía entre a razão, a vontade e
a sensibilidade. A verdadeira sra. de Rênal é aquela que Julien deseja.
A verdadeira Mathilde é aquela que ele não deseja. No prime iro caso
trata-se de paixão, no segundo de vaidade. Consequentemente é de fato
a vaidade que metamorfoseia seu objeto.

14
Edição brasileira: STENDHAL, Do amor. 2.ed São Paulo: Martins Fontes, 1999. (N .E.)
"Ver Stendhal, A ct1rl11x,i de Parma. Edição brasileira: São Paulo, Globo, 2004. (N.E.)

42
MEN TIRA ROM ÂST IC.A E VERDADE RO MAN ESCA
Entre o ensaio de 1822 e as ohras -primas romanescas, a diferença ~
radical mas nem sempre é fáci l de se perceber, pois a distinção entre
paixão e vaidade está presente nos dois casos. Em Do Amor, Stendhal
nos descreve os efeitos subjetivos do desejo triangular, mas os atri -
bui ao desejo espontâneo. O verdadeiro critério do desejo espontâneo
é a intensidade desse desejo. Os mais fortes desejos são os desejos
apaixonados. Os desejos de vaidade são os reflexos empalidecidos dos
desejos autênticos. Assim, são os desejos dos Ontros que estão rela-
cíonados a essa vaidade pois temos todos a impressão de desejar mais
intensamente que os Outros . A distinção paixão-vaidade serve para
proteger Stendhal - e seu leitor -- da acusação de vaidade. O media-
dor permanece escondido no ponto onde sua revelação tem a maior
importância, na existência do próprio autor; é preciso , pois, qualincar
como romântíco o modo de ver de 1822. A dialética paixão-vaidade se
mantém "individualista". Lembra um pouco a dialética gidcana do Eu
natural e do Eu social em O Iniornlista1<'.

O Stendhal de quem falam os críticos, e em particular Paul Valély em


seu prefácio a Luden Leuwen, é quase sempre esse Stendhal "gideano" da
juventude. É fácil entender que este tenha estado na moda à época em
que proliferavam as morais do desejo do qual foí precursor. Este prímei-
ro Stendhal que t riunfou no fim do século XIX e no iníc io do século XX
nos oferece um contraste entre o ser espontâneo que deseja intensamen-
te, e o sub-homem que deseja frouxamente copiando os Outros .

Pode-se sustentar, apoiando-se sobre As Crônicas italicmas t' e sobre al-


gumas frases tiradas das obras íntimas, que a oposição vaidade-paixão
conseivou esse seu sentido de origem no Stendhal da maturidade. Mas
nem As Crônicas italfrmm nem os escritos íntimos pertencem ao sistema

'º Edição brasileira, André Cide, () imornlisl,1. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1983. (N.E.)

'~ Edição brasileira: Stendhal, Crônic11, it,1lim11i,. São Paulo: Edusp, 1997. (N.E.)

43
CAPÍTULO 1 -· O DE:SElO ' T RIAi-:C Ul. AR "
das grandes obras romanescas. Se se observa de perto a estrutura destas,
constata-se sem dificuldade que a vaidade se torna aí tanto o desejo
transfigurador quanto o desejo de grande intensidade.

Mesmo nos textos de juventude a oposição vaidade-paixão jamais coin-


cidiu com a oposição gideana do Eu social e do Eu natural tal como
é ilustrada, por exemplo, pelo contraste Fleuri sso ire-Lafcadio em Os
Subterrâneos do Vaticano 18 • Stendhal afirma já em Do Amor que "a vaidade
faz nascerem an-ebatamentos"19 . l ogo, ele não oculta completamente
de si próprio a força prodigiosa do desejo imitado. E ele mal está no
começo de uma evolução que desemboca na inversão pura e si mples da
h ierarquia inicial. Quanto mais nos adiantamos na obra, mais a força do
desejo se desloca e m direção à vaidade. É a vaidade que faz Julien sofre r
quando Mathilde se esquiva e esse sofrimento é o mais violento que esse
herói jamais tenha experime ntado . T odas os desejos intensos de Julien
são desejos segundo o Outro . Sua ambição é um sentimento triangular
que se alimenta de ódio aos poderosos. É aos maridos, aos pais e aos
noivos, isto é, aos rivais, que se dirigem os últimos pensamentos desse
amante ao colocar o pé nas escadas; nunca à mulher que o espera no
balcão. A evolução que faz da vaidade o mais intenso dos desejos se
encerra com o prodigioso Sansfin de Ia.miei, em quem a vaidade é um
verdadeiro frenesi.

Quanto à paixão, ela não começa mais, nos grandes romances, senão
com este silfocío tão bem comentado por Jean Prévost em sua Criação em
Stendha/2°. Essa paixão que se cala mal chega a ser desejo. Tão logo h aja
verdadeiramente desejo, mesmo nas personagens cheias de paixão, re-
encontramos o mediador. Assim, reencontramos o triângulo do desejo

18
Edição brasileira: Andrt: Gide, o~ su~ten-âneos do Vatirnno . São Paulo: Victor Civita.
1982. (N.E.)
19
STENDHAL, Do amor, 2. ed. São Paulo, Martins Fontes, 1999, p.4

20 Jean Prévost, La crlation chez Stendbal. Paris: Gallimard, 1996. (N.E.)

4,1

ME NTIRA ROMÂNTICA F. V'r.RDAD E ROMA NESC A


mesmo nos heró is menos impuros e menos complexos que Julien. Em
Lucíen Leuwen, o pensamento do mítico coronel Busant da Sicília faz
recair sobre a sra. de Chasteller um desejo vago, um vago desejo de
desejar que teria podido fixar-se indiferentemente em qualquer outra
jovem mulher da aristocracia de Nancy. A própria sra. de Rênal tem
ciúme de Elisa, tem ciúme tam bém do desconhecido cujo retrato Ju-
lien esconde, pensa ela, em seu catre. O terceiro está sempre presente
no nasci mento do desejo.

É preciso admitir-se o óbvio. No último Stendhal não há mais desejo


espontâneo. Toda análise "psicológica" é análise da vaidade, isto é, re-
velação do desejo triangular. A paixão verdadeira sucede a essa loucura
nos melhores heróis stendhalianos. Ela se confunde com a serenidade
dos cumes que alcançam esses heróis nos momentos supremos. A paz
da agonia, em O Vermelho e o Negro, se contrapõe à agitação mórbida do
período a nterior. Fabrício e Clélía experimentam um bem-aventurado
descanso na Torre Farnese, acima dos desejos e ela vaidade que os ame-
açam em permanência sem nunca os ferir.

Por que Stendhal continua falando em paíxão quando o desejo já desapa-


receu? Talvez porque esses instantes de êxtase são sempre fruto de uma
mediação feminina. A mulher, em Stendhal, pode vir a ser mediadora
de paz e de serenidade após ter sido mediadora do desejo, da angústia e
da vaidade. Como em Nerval, não se trata tanto de uma oposição entre
dois tipos de mulheres, mas de duas funções antinômicas com que arca
o elemento feminino na existência e na criação do romancista.

Nas grandes obras a passagem da vaidade à paixão é inseparável da fe-


licidade estética. É a volúpia criadora saindo vencedora contra o desejo
e a angústia. Essa superação realiza-se sempre sob o signo da falecida
Mathilde e como que por efeito de sua intercessão. Não se pode com-
preender a paixão stendhaliana sem fazer intervir os problemas da cria-
ção estética. É à plena e total revelação do desejo t riangular, isto é, a sua

45
CAPÍTULO 1 -- O DESEJO "TRI ANGULAR ..
própria liberação, que o romancista deve esses instantes de felicidade.
Recompensa suprema do romancista, a paixão mal continua pertencen-
do ao romance. Ganhando altura, ela escapa a um mundo romanesco
todo ele entregue à vaidade e ao desejo.

É a transfiguração do objeto desejado que define a unidade da media-


ção externa e da mediação interna. A imaginação do heroi é a mãe da
ilusão, mas essa criança precisa ainda de um pai e esse pai é o mediador.
A obra de Proust também nor; torna testemunhas desse casamento e
desse trabalho de parto. A fórmula triangular vai nos permitir resgatar
a unidade do gênio romanesco que J\·1arcel Proust, precisamente, não
receara afirmar. A ideia da mediação instiga às aproximaçües num nível
que não é mais o da crítica "de gênero". Ela elucida as obras umas pelas
outras; ela as compreende sem destrui-las, ela as une sem desconsiderar
sua irredutível singularidade.

As analogias entre a vaidade stendhaliana e o desejo proustiano impres-


sionam o leitor mais desavisado. Mas impressionam tão somente a ele
pois a reflexão crítica não se exerce nunca, ao que parece, a partir destas
intuições elementares. Para certos intfrprctes afeiçoados ao "realismo" a
semelhança t! óbvia: o romance é a fotografia de uma realidade exterior
ao romancista; a observação alcança um fundo de verdade psicológica
que está fora do tempo e do espaço. Para a crítica de tendência "exis-
tencialista", pelo contrário, a "autonomia" do mundo romanesco é um
dogma intangível; é indecoroso sugerir o menor ponto de contato entre
seu próprio romancista e o do vizinho.

Está claro, no entanto, que os traços da vaidade stcndhaliana reapare-


cem, realçados e reforçados, no desejo proustiano. A metamorfose do
objeto desejado é mais radical aqui do que lá, o ciúme e a inveja são mais

46
:-1EJ\TIRA R0:-1.~i'iTICA E VERL> •.>.DF. R0:<1A:--; f, S( A
frequentes e mais intensos ainda. Não é exagero dizer que, em todas
as personagens de Em busca do tempo perdído21 , o amor está estreitamente
subordinado ao ciúme, isto é, à presença do rival. O papel privilegiado
que desempenha o mediador, na gênese do desejo, fka pois mais evi-
dente do que nunca. A cada instante, o narrador proustiano define em
linguagem clara uma estrutura triangular que permanece com frequência
implícita em O Vermelho e o Negro:

Em amor, o rival feliz, ou, por outra, o inimigo, é o nosso benfeitor. A


um ser que não nos provo<.:ava senão um breve desejo físico , acrescenta
imediatamente um valor imen<;o, mas que <.:om ele confundimos. Se não
tivéssemos rivais, ~e não os julgássemo~ te r. .. Pois não é necessário que
exi!>tam de fam~1 .

A estrutura triangular não t menos aparente no esnobismo mundano


do que no amor-ciúme. O esnobe também é um imitador. Ele copia
servilmente o ser de quem ele inveja a origem, a fortuna ou o estilo
cbc. O esnobismo proustiano poderia se detinir como uma caricatu-
ra da vaidade stendhaliana; ele poderia também se definir como uma
exageração do bovarismo flaubertíano. Jules de Gaultkr qualifica este
defeito de "bovarismo triunfante" e é com razão que ele lhe dedica um
trecho de seu livro. O esnobe não ousa confiar em seu juízo pessoal,
ele só deseja os objetos desejados por outrem. Eis o motivo pelo qual
ek é o escravo da moda.

Pela primeira vez, aliás, nos deparamos com um termo da linguagem


comum: esnobismo, que não trai a verdade do desejo triangular. Basta

' 1Marcel Proust, Em husc:,1 do tmipo perJiJo, obra composta dos volumes, No c:uminlio de
Su,ann (v.1 ); À sombra das rafwiqas em}or •.v.2\ () camin/Jo de Crtim11c1ntes {v.3); Sodom,i e Go-
morra (v.4}; A prisioneim (v.5); Af11!íitiPc1 '. v.6 ); O tempo mlcscoberto (v.7), cujas referências
bibliográficas se encontram no final deste livro. (N.E.)
11
P ROUST, O tempo redescoberto tv.7\ p. !80 (N.E.)

47
CAPIT ULO r - O DESf'JO 'TRI..\KCUL.~R"
chamar um desejo de esnobe para trazer à tona seu caráter imitativo.
O mediador não fica mais encoberto; o o bjeto se e ncontra relegado
ao segundo p lano pelo próprio fato de que o esnobismo, como o ciú-
me por exemplo, não inc ide sobre uma categoria particular de desejos.
Pode-se ser esnobe no prazer estético , na vida intelectual, no modo
de se vestir, na alimentação, etc. Ser esnobe no amor é entregar-se ao
ciúme. O amor proustiano coincide plenamente com o esnobismo e é
suficiente dar-se ao termo um pouco mais de amplidão do q ue se dá
comume nte para apreende r-se nele a unidade do desejo proustiano.
O mimetismo do desejo é tamanho, na obra Em busca do tempo perdido,
que as personagens serão consideradas ciumentas ou esnobes conforme
seu mediador seja apaixonado ou mundano. A concepção triangular
do desejo nos dá acesso ao lugar proustiano por excelência., isto é, ao
ponto de interseção entre o amor-ciúme e o esnobismo. Proust afirm a
conti nuamente a equivalênc ia desses dois "vícios". "O mundo, escreve
ele, não passa de um reflexo do que acontece no amor." T emos aí um
exemplo destas "leis psicológicas" às quais o rom ancista refere-se cons -
tantemente mas que ele nem sempre conseguiu formular com clareza
suficiente. A maioria dos criticos quase não presta atenção a essas leis.
Eles as incluem em meio a teorias psicológicas fo ra de moda que teriam
influenciado Marcel Proust. Pensam que a essência do gên io romanesco
é alheia às leís, pois t comprometida com a liberdade. Temos para nós que
os críticos se enganam. As leis proustianas se confundem com as leis do
desejo triangular. Elas definem um novo tipo de mediação interna que
aparece quando a distância e ntre mediador e sujeito desejante é ainda
inferi or à existente em Stendhal.

O bjetar-se-á que Stendhal celebra a paixão, enquanto Proust a denuncia.


É verdade. Mas a oposicão é puramente verbal. O que Proust denuncia
sob o nome de paixão, Stendhal o denuncia sob o nome de vaidade. E o
q ue Proust celebra sob o nome de Tempo redescoberto não é sempre muito di-
ferente do que festejam os herois stendhalianos na solidão dos cárceres.

48
MF.NT lR A RO MANTICA F. VI:RDA OE RO lvtANfSC A
Diferenças de tonalidade romanesca escondem de nós com frequência o
estreito parentesco de estrutura entre a vaidade stendhaliana e o desejo
proustiano. Stendhal está quase sempre de fora do desejo que descreve;
ele lança uma luz irônica sobre os fenômenos que em Proust banham-
se numa luminosidade angustiada. Essa diferença de perspectiva não
é, diga-se de passagem, constante. O trágico proustiano não exclui o
humor, sobretudo ao se tratar de personagens secundárias. A comédia
stendhaliana, reciprocamente, frisa às vezes o drama. Julien sofreu mais,
afirma-nos o romancísta, no decorrer de sua efêmera e vaidosa paixão
por Mathilde do que durante as horas mais sombrias de sua infância.

É no entanto necessário reconhecer que os conflitos psicológicos são


mais agudos na obra de Proust que na de Stendhal. As diferenças de
perspectiva espelham oposições essenciais. Não queremos minimizar
estas últimas com o fim de garantir a unidade mecânica da literatura
romanesca. Queremos, pelo contrário, enfatizar os contrastes que trarão
novamente à tona nosso dado básico: essa distância entre mediador e
sujeito cujas variações lançam luz sobre os mais diversos aspectos das
obras romanescas.

Quanto mais o mediador se aproximar do sujeíto desejante, mais as pos-


sibilidades dos dois rivais tendem a se confundir e mais o obstáculo que
eles opõem um ao outro se torna intransponível. Não deve pois causar
espanto que a existência proustiana seja mais "negativa" ainda e mais
dolorosa que a existência do vaidoso stendhaliano.

Perguntar-se-á: mas que importância teriam os pontos comuns ao Sten-


dhal da vaidade e ao Proust do esnobismo? Não se deve desviar o olhar
das regiões inferiores e dirigi-lo sem demora para os cumes luminosos
das obras-primas romanescas'.) Não se deve passar por cima das partes da

49
CAPÍTU LO t - O DESE JO "TRIANGULAR'
obi-a que menos prestigie m, quiçá, o grande escritor;> Não se deve assim
proceder tanto mais impe riosamente que se dispõe de um outro Proust,
totalmente admiráve l, dessa feita, ''original" e tranq uilizante, o Proust da
"me mória afet iva" e das "intermitências do coração", um Proust tão na-
turalmente solitário e profundo , ao que parece, quanto o out ro é frívolo
e dispersivo?

C ertamente, é grande a tentação de se parar o trigo do joio e de co nsa -


grar ao segundo Proust a atenção que o primeiro nem sempre faz por
m erecer. Deve-se contudo examinar as implicações de uma tal te nta -
ção. Vai-se transportar ao plano da própria obra a disti nção feita por
Proust e ntre os dois indivíduos que ele foi rncessit1an1rnfe: primeiro o es -
nobe, depois o grande escritor. Vai-se d ividir o romancista em dois
escritores simultâneos e contraditórios; um esno be c.:ujo interesse se ria
o esno bismo e um "grande escritor" a q uem se reservará os assuntos
q ue lhe fariam jus. N ada é mais contrário à ideia q ue o próprio M arcel
Proust tinha de sua obra. Proust afirmava a unidade de EmBusca do T ffllPo
pudido. Mas <: possível que Pw ust tenha se enganado . É preciso pois
averiguar seus d itos.

Já que os desejos do narrador, o u melh or,


ac; lembranças desses desejos,
constituem praticamente toda a matéria do romance, o problema da
unidade desse romance se confu nde com o problema da unidade do de-
sejo proustiano. H averá dois Proust simultâneos se houver dois desejos
perfei tamente distintos e até opostos . Ao lado do desejo impuro e roma-
nesco cuja h istória estamos construindo, ao lado desse desejo triangular
que e ngendra ciúme e esnobismo, deve ex istir um desejo linear, poéti-
co e espontâneo. Para se parar definitivamente o bom Proust do ruim,
o Proust solitário e poeta do Proust gregário e romanc ista, dever-se-ia
pode r provar que existe um desejo sem mediador.

Essa demonstração, afirmar-se-á , já está feita. Ouve-se fa lar muito de um


desejo proustiano que não tem nada a ver com aquele de que fa lávamos

50
~IF. N T IR.:.. ROM Ã~TICA F. V ERD ADE R0 1'1A N F.SC A
há pouco. Esse desejo não traz a menor ameaça à autonomia do indiví-
duo; de abre mão quase que totalmente de um objeto e, ohvia e conse-
quentemente, de um mediador. As descrições que dele se faz não são
originais, efas foram tomadas de certos teóri<.:os do simbol ismo.

A orgulhosa subjetividade simholista passa distraidamente a vista sobre


o mundo. Nunca descobre nele nada tão precioso quanto si própria.
Assim, sua preferência recai sohre si mesma e ela dá as costas ao mundo.
Mas nunca se volta tão rapidamente que não tenha antes vislum brado
algum objeto . Esse objeto se introduz na consciência como um grão de
areia na concha da ostra. Urna pérola de imaginação vai arredondar-se
em volta desse mínimo de real idade. É do Eu e unicamente do Eu que a
imaginação ti ra sua força. É: para o Eu que ela constrôi seus esplêndidos
palácios . E o Eu aí se entrega a indescritíveis folguedos até o dia c m que
o pérfido Feiticeiro realidade vem roçar as fráge is construçôes do sonho
e as reduz a pó.

Essa descrição seria verdadeiramente proustiana~ Vários textos pare-


cem confirmá- la incontestavelmente . Promt afirma que tudo está no
sujeito e que nada está no objeto. Ele nos fala da ''porta de ouro da
imaginação'' e da '·porta baixa da expe riê ncia" como se se tratasse aí de
dados subjetivos absolutos, independentes de toda e qualquer d ialéti -
c a entre o Eu e o Outro. A tradição do desejo "simbolista" apoia -se pois
em argumentos sólidos.

Felizmente resta-nos o próprio romance. Ninguém pensa cm interrogá-


lo. Os críticos legam religiosamen te uns aos outros o dogma subjeti-
vista sem pô-lo à prova É verdade que contam com o aval do próprio
romancista. Esse aval que el es nem levam em consideração quando se
tratam das leis "psicológicas" lhes parece:: agora digno de confiança. Res-
peitam-se as opiniões de Proust na medida em que elas podem ter cone-
xão com um dos individuali smos modernos: romantismo, simbolismo,
nietzschianismo, valerianismo, etc. Nós adotamos um crité rio oposto .

51

CAPITULO 1 .• O DFSF.J O "TRIANCUU.R "


Acreditamos que o gênio romanesco se conquista com muito esforço so-
bre estas atitudes que denominaremos, em seu todo, de româttticas, pois
nos parecem todas destinadas a manter a ilusão do desej o espontâneo
e de uma subjetividade quase divina em sua autonomia. O romancista
não pode superar senão lenta e duramente o romântico que ele foi a
princípio e que se recusa a morrer. Essa superação se cumpre na obra
romanesca e tão somente nessa obra. Assim sendo não deixa de ser pos-
sível que o vocabulário abstrato do romancista, e até suas "ideias", não a
reflitam de maneira exata.

Já vimos Stendhal semear em seus romances as palavras-chave que neles


desencadearão muitos desdobramentos: vaidade, cópia, imitação ... Al-
gumas dessas chaves, contudo, não se encontram na fechadura correta;
torna-se necessário operar algumas substi tuições. No caso de Proust que
toma emprestado seu vocabulário teórico aos meios literários da época-
talvez por não frequentá-los - é possível tamb ém ocorrerem erros.

É preciso confrontar, uma segunda vez, a teoria e a prática romanescas.


Constatamos que a vaidade - triangular - permite penetrar profunda-
mente na substância de O Ver111elho e o Negro. Veremos que, cm Proust, o
desejo "simbolista" - linear - limita-se a resvalar sobre essa mesma subs-
tância. Para que a demonstração seja probatória, ela tem que se basear
num desejo tão diferente quanto possível desses desejos mundanos ou
amorosos que já constatamos serem triangulares. Quais são os desejos
proustianos que parecem oferecer as melhores garantias de espontanei-
dade? A resposta provável seria sem dúvida os desejos da criança e os
desejos do artista. T omemos então um desejo que seja ao mesmo tempo
desejo de arte e desejo infantil.

O narrador sente um desejo intenso de ver a Berma atuar23 • Os be-


nefícios espirituais que ele conta tirar do espetáculo são de ordem

21
Ver Proust, O ttmporedrscoberto (v.7). (N.E.)

52
\ \ ENTIRA ROMÂN T ICA E VERl)ADE IWMAJ-:F.SCA
verdadeiramente sacramental. A Imaginação fez seu trabalho . O ob-
jeto está tra.nsfigurado. Mas afinal onde está esse objeto? Qual foi o
grão de areia que violou a solidão da ostra-consciência? Não foi a
Berma já que o narrador nunca a viu . Não foi a lembrança de anti-
gas representações, o menino não tem nenhuma experiência em arte
dramática; ele chega ao ponto de ter da realidade física de um teatro
uma ideia fantástica . Não encontramos objeto por não o haver.

Seriam ainda os simbolistas excessivamente tímidos~ Teremos que ne-


gar por completo o papel do objeto e proclamar a autonomia absoluta
do desejo? Tal conclusão agradaria aos críticos solipsistas. Infelizmente
o narrador não inventou a Berma. A atriz é efetivamente real; ela existe
fora do Eu que a deseja. Não se pode pois abrir mão de um ponto de
contato com o mundo exterior. Porém não é um objeto e sim uma outra
consciência que garante esse contato. É um terceiro que indica ao nar-
rador o objeto que ela vai pôr-se a desejar com paixão. Marcel sabe que
Bergotte admira a grande atriz. Bergotte goza, junto a ele, de um imenso
prestígio. A menor palavra do mestre adquire a seus olhos um peso de
lei. O s Swann são os sacerdotes de uma religião cujo deus é Bergotte.
Eles recebem Bergotte em sua residência e é por intermédio deles que o
Verbo é revelado ao narrador.

Vemos repetir-se no romance proustiano o processo estranho descrito


pelos romancistas precedentes. Assistimos às núpcias espirituais sem as
quais a virgem imaginação não conseguiria parir quimeras. Como em
Cervantes, a sugestão oral se associa a urna sugestão escrita. Gílberte
Swann faz M.arcel ler uma plaqueta de Bergotte sobre a Fedra de Raci-
ne, um dos grandes papéis da Berma: "Nobreza plástica, cilício c ristão,
palor jansenista, Princesa de Trezene e de Cleves ...";24 essas palavras
misteriosas, poéticas e incompreensíveis agem potentemente sobre o
espírito de Marcel.

24 PROUST, À sombra das raparigas em flor (v.2). p. l O (N.E.)

53
CAPÍTULO 1 - O DF.SEJO "T RI ANGU LAR"
O texto impresso possui uma virtude de sugestão mágica da qual o ro-
mancista não se farta de nos dar exemplos. Quando sua mãe o man-
da aos C ham ps-Elysées, o narrador primeiramente acha esses passeios
fast idiosos. N e nhum mediador lhe designo11 os C hamps-Elysics; "Se ao
menos Bergotte os tivesse descrito nalguns de seus livros, por certo cu
desejaria conhecê-los, c;omo todas as coisas cujo "duplo" tinham come-
ç ado por introduzir-me na imaginação."2~ No fim do romance, a lei tura
do Dicírio dos C o ncourt transfigura retrospect ivamcnte o salão Verdurin
que nunca havia gozado de prestígio, no espírito do narrador, porque
nenhum artista o havia descrito até então:

Era incapaz de ver senão aquil.o do qual a leirura me dt:~f)crtara a cobi -


ça... iv1uitac; vez es, já o ; abia ante'> de me a\~inalar e~ta página dm Con-
court, dei xei de notar c01 ~a; ou pessoas que, depoi~. ao me ~er 'iUJ ;,ua
ímagem apresentada na ~olídão por um arfüta, cu teria andado lc:gtia>,
afro ntado a morte para a ver.=•·

Deve -se também incluir no cômputo da sugestão l iterária esses car-


tazes de teatro que o narrador lê avidamente dura nte seus passeios
aos Champs-Elysées. As fo rmas mais altas da suges tão não estão se-
pa radas das mais haixas . Entre Dom Quixote e o hurgucsinho vítima
da publicidade , a distância não é tão grande quanto o romantismo
gostaria de taze r c rer.

A atitude do narrador para com seu me diador Bergotte lembrn a de Dom


Quixote com Amadis:

Sobre qua~e tod.:is a~ co isas, eu ignorava a ~ua opinião . Não duvidava


que fosse da inteiramente di versa das minhas, pois haixava de um mun·
do desconhecido ao qual procurava elevar-me, persuadido de que meus

2
\ PkOU:.T, No m minho '1e Su,am1 {v . l ). p .379, op.cit. (N.E.'.l
26 () tempo m1escobrr!o (v.7). pp. 28 e 29, op.cit. (N.f:.)

54
.\ \ f. NTI RA RO .\ L~ :~ TH /11 F. VF.ROA l>F. R0~1A!'< E~ CA
pensamentos pareceriam puras inépcias àquele espírito perfeito, fizera
tábua rasa de todos eles, de modo que, se aca~u me sucedia encontrar
num livro seu alguma ideia que já me oc.:orrera, meu coração se dilatava,
como se um Deus na sua bondade ma houvesse devolvido, declarando-
ª legítima e bela ... Mesmo mais tarde, quando comecei a compor um
livro, certas frases cuja qualidade não me decidiu a continuar, vim a
encontrar-lhes o equi valente em Bergotte. Mas só então, quando eu as
lia em sua obra, é que eu podia saboreá-la,.17

Se Dom Quixote se faz cavaleiro andante para imitar A.madis, é conce-


bível que Marcel queira se fazer escritor para imitar Bergotte. A imita-
ção do herói contemporâneo é mais humilde, mais espremida e como
que paralisada por um terror religioso. A potência do Outro sobre o Eu
é maior do que nunca e nós veremos que ela não fica limitada a um me-
diador único como nos heróis anteriores.

O narrador acabou indo a uma apresentação da Berma. De volta ao


apartamento familial, ele trava conhecimento com o sr. de Norpois,
convidado àquela noite para o jantar. Pressionado a revelar suas im-
pressões de teatro, /'v1arcel, ingenuamente, confessa sua decepção. Seu
pai se mostra bastante embaraçado e o sr. de Norpois se sente na obri-
gação de prestar à grande atriz uma homenagem fazendo uso de alguns
pomposos lugares-comuns. As consequências dessa conversa banal são
típica e essencialmente proustíanas. As palavras do velho diplomata pre-
enchem o vazio aberto pelo espetáculo no espírito e na sensibilidade de
J\farcel. A fé na Berma renasce. No dia seguinte, uma resenha medíocre
num jornal mundano remata a obra do sr. de N orpois. Como nos ro-
m ancistas anteriores, a sugestão oral e a sugestão literária dão-se apoio
mutuamente. Marcel, desde então, não duvida mais nem da beleza do
espetáculo nem da intensidade de seu próprio prazer. Não somente o

17 No caminho de S1(1mm ( v .1 J. p.87 , op.cit. '. N.E.)

55
CAPÍTULO t • • O DfSFlO ·TRlA!\CU l AR'
Outro e unicamen te o Outro pode desencadear o desejo, mas seu teste-
munho prevalece com facilidade diante da experiência prática quando
esta contradiz a primeira.

Podem-se escolher outros exemplos, o resultado será sempre o mesmo.


O desejo proustiano é, a cada vez, um triunfo da sugestão sobre a im-
pressão . Em seu nascimento, ou seja, na própria fonte da subjetividade,
de para-se sempre com o Oi~tro, vitoriosamente assentado. A fonte da
"transfiguração" situa-se d.e fato em nós, mas a água viva não brota senão
quando o mediador bate na rocha com sua vara. O narrador não sente
jamais a simples vontade de jogar, ler um escrito, contemplar uma obra
de arte; é sempre o prazer que ele vê no rosto dos jogadores, é urna
conversa, é uma primeira leitura que desencadeiam o trabalho da imagi-
nação e provocam o desejo:

... o que havia de principal, de mais íntimo em mim, o leme em inces-


sante movimento que governava o resto, era a minha crença na riqueza
filosófica, na beleza do livro que estava lendo, [e meu desejo de me
apropriar deJas] 1B, qualquer que fosse esse livro. Pois, ainda que o hou-
vesse comprado em Combray... r.: porque me lembrara de o ter ouvido
citar como uma obra notável pelo professor ou camarada q ue me parecia
possui r naquda época o segredo da verdade e da beleza meio pressenti-
das, meio incompreensíveis, e cuja posse era a finalidade vaga mas per-
manente de meu pensamento.19

Por consegui nte o jardim interior tão celebrado pelos críticos não
é nunca um jardim solitário. À luz de todos esses desejos de infância
já "triangulares", o significado do ciúme e do esnobismo aparece mais

2gO trecho entre colchetes, ou por distração ou por opção da tradutora ou ainda por
omissão editorial, não consta na tradução de Lúcia Miguel Pereira, embora esteja pre-
sente no original(rt mo11 d{sirde me lt:s appropritr) (N.E.)
20 No cami11ho de Su>a1111 (v. l ), p . 77, op.cit. (N.E.)

56
M EN TIRA RO MÂNTICA E VERDADE ROMAt,: ESCA
gritante do que nunca. O desejo proustiano é sempre um desejo e mpresta-
do. Não há nada, em Em Busca do Tempo perdido, que corresponda à teoria
simbolista e solipsista que resumíamos há pouco. Oírão que essa teoria
é a do próprio M arcel Proust. É possível, mas Marcel Proust pode se
enganar também. A teoria é falsa e nós a rejeitamos.

As exceções à regra do desejo não passam de aparências. Não há me-


diador no caso dos campanários de Martinville, mas não é um desejo de
posse que esses campanários despertam, é um desejo de expressão . A
emoção estética não é desejo e sim cessamento de todo desejo, retorno
à calma e à alegria. Como a "paixão" ste ndhaliana, esses instantes privi-
legiados situam-se já fora do mundo romanesco. Eles preparam O Tern~o
redescoberto do qual eles constituem, de certo modo, a anundaçt1o.

O desejo é uno: não há solução de c ontinuidade entre a criança e o esno -


be, entre Combray e Sodoma e Gomorra. Nós repetidas vezes nos questiona-
mos, e não sem um certo constrangimento, acerca da idade do narrador,
pois a infância, em Proust, não existe. A infância autônoma, indiferen te
ao mundo dos adultos 1 é um mito para pessoas maduras. A arte român-
tica de reconstruir uma infância para si não deve ser levada mais a sério
do que a arte de ser avô. Os que se paramentam de "espo ntaneidade"
infantil querem antes de tudo se distinguir dos Outros, os adultos, seus
semelhantes, e nada é menos infantil que isso. A in fância verdadeira não
deseja de maneira mais espontânea que o esnobe; o esnobe não deseja
de mane ira menos intensa que a criança. É preciso remeter aqueles que
veem um abismo entre o esnobe e a criança ao episódio da Berma. Será
no esnobe ou na criança que os escritos de um Bergotte e as palavras
de um Norpo is despertam uma emoção sempre a lheia à obra de arte
que lhe serve de pretexto? O gênio proustiano apaga fronteiras que nos
pareciam cravadas na natureza humana. Nada nos impede de restabele-
c ê-las: podemos desenhar uma linha arbitrária no universo romanesco;
podemos abençoar Combray e amaldiçoar o Faubourg Saint-Germain .

57
CA PÍTUL O l - O DESE J O "T RIANGULAR"
Podemos ler Proust da forma como lemos o mundo a nossa volta desco-
brindo sempre a criança em nós mesmos e o esnobe em outrem. Mas não
veremos jamais se encontrarem o Caminho de Swann como Caminho
de Guermantes. Permaneceremos sempre alheios à verdade essencial de
Em B1iSCa do Tempo perdido.

O desejo é triangular na criança tal como o é no esnobe. Isso não quer


dizer QLie toda distinção seja impossível entre a felicidade de um e os
sofrimentos do outro. Mas essa distinção verdadeira não tem mais sua
origem na excomunhão do esnobe. Ela não diz respeito à essência do de-
sejo e sim à dístância entre mediador e sujeito desejante. Os mediadores
da infância proustiana são os pais e o grande escritor Bcrgotte, isto é,
seres que Marcel admira e imita abertamente sem nunca recear da parte
deles uma qualquer rivali dade. A mediação infantil constitui assim um
novo ripo de mediação externa.

A c riança goza, e m seu universo , da fe licidade e da paz. Porém esse uni-


verso já está ameaçado. Quando a mãe se recusa a dar um heijo no filho
ela já está fazendo o jogo duplo, característico da mediação interna, de
instigadora do desejo e de sentinela implacável. A d ivindade fami liai
muda brutalm ente de aspecto. As angústias noturnas de Combray pre-
nunciam as angústias do esnobe e do amante.

Proust não é o único a perceber essa proxi111idade, para nós paradoxal,


entre o esnobe e a criança. Ao lado deste "bovar ismo triunfante" em
que consiste o esnobismo, Jules de Gaultier descobre um "bovarismo
pueril" e descreve ambos os bovarismos de maneira muito semelh ante.
O esnobismo é "o conjunto dos meios empregados por um ser para
opor-se ao aparecimento, no campo de sua consciência, de seu verda -
deiro ser, para aí apresentar como substituto permanente uma perso-
nagem mais bela na qual ele se reconhece". Quanto à criança, "ao se
conceber diferente do que é, (ela) se atribui qual idades e aptidões do
modelo que a fascinou". O bovarismo pueril reprod uz com exatidão

58
MENTIRA ROMANTICA F. VER DAI>!: R0~1A N[ SCA
o mecanismo do desejo proustiano, tal qual acaba de nos ser revelado
no episódio da Berma:

...a iniância é o estado natural onde a faculdade de se wnceher 011lro


se manifesta com maior e\'idência ... a criança dá mostras de uma ex-
traordi nária sensibi lidade para com todas as impul,ões proveniente;;
de fora, e ao me~mo tempo de uma avidez !>urpreendente para com
todos os conhecimentos adquiridos pelo saber humano e encerrados
em noções que os tornam transmissíveis ... Invocando sua<; lembranças
pessoais cada qual pode avaliar o quanto é fraco nessa idade o poder
sobre o espírito da realidade, o quanto é grande , pelo contrário, o
poder de deformac,;ão do espírito no tocante ao real... {A) avidez (da
criança} tem ... corno cont rapartida uma fé irrestrita no teor do que é
en'>inado. A noção imprcs<;a lhe confere certezas mais fortes que .:tt(!

mesmo a coisa vista. D uran te um longo período, a noção, por seu


caráter de universalidade, tem a primazia em autoridade sobre suas
experiências individuais.

Tem -se a im pressão de estar lendo aqui o comentário dos textos prous-
tianos que acabamos de reunir. Mas Gaultier escrevia antes de Proust
e é acerca de flaubert que ele acreditava falar. Confiante em sua intui-
ção fundamenta l e certo de estar posicionado no centro da inspiração
tlaubertiana, Gaultier irradia livremente a partir desse centro, aplicando
a ideia em áreas que Flaubcrt não havia abordado e chegando a con-
sequências que ele teria possivelmente renegado. Em Flaubert, é fato
comprovado, a sugestão assume um papel mais limitado do que Gaultier
gostaria, a sugestão não chega nunca até o ponto de triunfar de uma
experiência que ela contradiria expressamente; ela se limita a passar uma
imagem aumentada de uma experiência insuficiente para falsear seu sig-
nificado, ou, quando muito, a preencher o vazio provocado pela falta de
experiência. Os enfoques mais sugestivos do Boiiarismo são assim às vezes
os mais questionáveis de um ponto de vista estritamente flaubertiano.

59
C,\PÍTULO t .. CJ llF.S f' /0 "TR I AN(,ULAR"
Mas Gaultier nem por isso cai no imaginário puro. Basta-lhe entregar-se
à sua inspiração "bovarista" e levar às últimas consequências os prinCÍ·
pios que ele depreende das obras de Flaubert para esboçar as grandes
"leis" da psicologia proustiana. Poderia ser desta forma se as obras dos
dois romancistas não mergulhassem suas raízes num mesmo substrato
psicológico e metafísico:i

Vinte e quatro horas após a representação, Marcel está convencido de


que a Berma lhe proporcionou todo o prazer que dela esperava. O con-
fli to angu stiante entre a experiência pessoal e o testemunho de terceiros
fic a resolvido a favo r dos terceiros. Mas escolher o Outro, em tais situa·
ções, não passa de uma maneira particular de se escolher a si próprio. É
escolher de novo o velho si próprio de quem nem a competência nem
o gosto serão postos em questão graças ao sr. de Norpois e ao jornalista
do Figaro . É acreditar em si próprio graças ao Outro. A operação não seria
possível sem um esquecimento quase instantâneo da impressão autêntica.
Esse esquecimen to interesseiro subsiste até O Tempo redescoberto, verda-
deiro afluxo de lembrança viva, verdadeira ressureição da verdade graças à
qual se tomará possível escrever o episódio da Berma.

Antes dessa redescob erta do T cmpo, o episódio da Berma ter-se·ia limi·


tado, se Proust o h ouvesse redigido, à opinião do sr. de Norpois e à do
Figaro. Marcel Proust nos teria apresentado essa opinião como auten-
ticamente sua e nós nos teríamos extasiado diante da precocidade do
jovem artista e da fineza de seu parecer. Jean Santeui/ 30 abunda em cenas
desse t ipo. O herói desse primeiro romance nos aparece sempre sob um
aspecto romântico e avantajado. Jean Santeuil é uma obra desprovida de
genialidade. Jean Santeuil precede a experiência de O Tempo redescoberto e

30 Marcel Proust, lc,m Santt11il. Paris: Gallimard, 1991 . {N.E.)

60
MEN T I RA ROMÂNTICA E VERDA DE ROMANF.SCA
é de O Tempo redescoberto que eclode o gênio romanesco. Proust afirmou
reiteradamente que a revolução estética de O Tempo redesoberto era antes
de tudo uma revolução espiritual e moral, agora, vemos claramente que
Proust estava com a razão. Redescobrir o tempo é redescobrir a impres-
são autêntica sob a opinião de outrem que a encobria; é por conseguinte
descobrir essa opinião de outrem enquanto opinião estrangeira; é com-
preender que o processo da mediação nos traz uma impressão muito
viva de autonomia e espontaneidade no momento exato em que cessa-
mos de ser autônomos e espontâneos. Redescobrir o tempo é acolher
uma verdade de que a maioria dos homens passa toda a sua vida fugindo,
é reconhecer que sempre se copiou os Outros a fim de parecer original
aos olhos deles e aos seus próprios. Redescobrir o tempo é abolir um
pouco de seu orgulho.

O gênio romanesco começa com o desmoronamento das mentiras ego-


tistas. Bergotte, Norpois, o artigo do Fígaro: eis o que o romancista me-
díocre nos dada como provindo dele, eis o que o romancista genial nos
apresenta como advindo do Outro, e eis o que faz a hitimidade verdadeira
da consciência.

Tudo isso é, sem dúvida, bastante banal, bastante comum, é a verdade


de todos os homens. Sem dúvida, mas não e::. jamais nossa verdade. O or-
gulho romântico denuncia de bom grado a presença do mediador nos
Outros a fim de assentar sua autonomia sobre as ruínas das pretensões
rivais. O gênio romanesco se faz presente quando a verdade dos Outros
se torna a verdade do herói, isto é, a verdade do próprio romancista.
Depois de jogar a ma1dição sobre os Outros, o Édipo-romancista se dá
conta de que ele pr6prio é culpado. Porém nunca o orgulho chega até
seu próprio mediador e a experiência de O Tempo redescoberto é uma morte
do orgulho, isto é, um nascimento para a humildade, que é também um
nascimento para a verdade. Quando Dostoievski celebra .a Jorça terrível da
humildade, é da criação romanesca que ele está nos falando.

61
CAPÍTULO 1 - O DESEJO "TRIANGULAR."
A teoria "simbolista" do desejo é pois tão antirromanesca quanto a cris-
taliza\ã<> stcndhaliana sub sua forma de origem. Essas teorias nos des-
crevem um de sejo sem me diado r. T raduzcm o po nto de vista do suje ito
desejante reso lvido a esquecer o papel desm pen hado pe lo Outro em sua
visão do mundo.

Se Proust faz uso do vocabulário simbolista, é que a omi ssão do media -


dor não lhe vem em mente tão logo já não se trate ma is de: descrição
romanesca co ncreta. Ele não vê. o que a te oria suprime mas o que ela ex-
pressa: a vaidade do desejo, a insignificância do o bjeto, a transfiguração
subje tiva e esta decepção a que se dá o nome de gozo ... T udo é verdadei-
ro nessa descrição . Ela não é me ntirosa senão na medida em que se alega
ser e la completa. Proust escreve mi lhares de páginas para completá-la.
O s críticos nada escreve m. Eles isolam alg umas frase s bastante banais
na imensa Em Busc11 do temf10 t1erdido e dize m: "Eis o desejo proustiano ."
Essas frases lhes parecem prec iosas, pois favorecem, involuntariame nte ,
a própria ilusão sobre a qual o romance triunta, esta ilusão de autonomia
que o ho mem moderno tanto mais afe içoa quanto mais mentirosa ela vai
se tornando. Os críticos faze m cm pedaços a túnica sem costuras que o
romancista se empe nhou em tecer a duras penas. Eles descem de volta
ao níve l da experiência comum. Eles mutilam a obra de arte <.:orno Proust
mutilou num primeiro momento sua própria ex periência esquecendo Ber-
gotte e Norpois no episódio da Berma. O s críticos "simbolistas" ficam
assim para aq uém de O Tempo redescoberto. Eles fa zem retroceder a obra
romanesca rumo à o bra romântica.

Românticos e simbolistas q uerem um desejo tra nsfigurador mas o que-


rem perfei tamente espo ntâneo . Eles não querem ouvir fa lar do Outro.
Dão as costas à fac e escura do desejo, alegando que ela é estranha a seu
belo sonho poético e negando que ela seja o preço a pagar. O romancis-
ta nos mostra, apôs o sonho, o sinistro cortejo da mediação inte rna: "A
inveja, o ciúme e o ódio impote nte." A fórmula de Stendhal permanece

62
!\I EN Tl'RA RO .\ \\NTI C...\. 1. V l:R{).-\l) F R O:-.l ASF. <;t A.
uma verdade de tirar o fôlego quando aplicada ao universo proustiano.
Assim que se saí da ínfância, toda transfiguração coincide com um so-
frimen to agudo. A interpenetração do sonl,o e da rivalidade é tão perfeita
que a verdade romanesca se deteriora como leite que coalha quando se
dissocia os elementos do desejo proustiano. Sobram duas pobres mcn·
tiras, o Proust "interior" e o Proust "psicólogo". E pergunta-se em vão
como essas duas abstrações contraditórias puderam dar à luz Em Busca do
Tempo perdido.

Sabemos que a proximidade do mediador tende a fazer com que coin -


cidam as duas esferas de possíveis cujos dois rivais ocupam cada qual o
centro. O ressentimento que esses últimos sentem um pelo outro, assim,
não para de crescer. Em Proust, o nascimento da paixão se confunde com
o nascimento do ódio. Essa "ambivalência" do desejo já é bem nítida no
caso de Gilberte. Quando o narrador vê a adolescen te pela primeira vez
seu desejo se traduz por caretas horrorosas . Exteriormente ao círculo
familiai mais restrito, não há doravante lugar senão para uma única emo·
ção, aquela que provoca o mediador quando recusa, determinantemen-
te, a entrada no "reino superior" de cuja chave ele é o guardião.

Proust fala ainda de desejo e de ódio, de amor e de ciúme, mas afim1a


constantemente a equivalência de todos esses sentimentos. Já em Jean
Santeuil, ele dá uma admirável definição t riangular do ód io que é também
uma definição do desejo:

O ódio... escreve a cada dia para nús o mais falso romance da vida de
nossos inimigos. Ao invés de uma mediocre felicidade humana, repleta
de pesares comuns que viriam remexer em nós brandas símpatias, deixa
neles pressupor uma alegria insolente que se oferece irritante para nossa

.,
6 .)
CA.PfTUl.O 1 - () DES f: 10 "TRl Al',;CULAR"
raiva. T ranstigura tanto quanto o desejo e, como ele, nos induz à sede
de sangue humano. Por outrn lado, como niio pode saciar-se senão na
destruição dessa alegria, ele a supõe, ele a crê, ele a vê perperuamente
destruída. Não maís que o amor, ele não dá importância à razão e vive
com o o lhar cravado numa invencível esperança.

Em Do Amor, Stendha[ já comentava que existe uma cristalização do ódio.


Mais um passo à frente e as duas cristalizações se co nfundem numa só.
Proust nos mostra incessantemente o ódio no desejo, o desejo no ódio.
Mas permanece fiel à língua tradicional; não eliminará jama is os "como"
e os "tanto quanto" que recheiam a citação preceden te. N ão alcançará o
estágio supremo da mediação interna. Essa última etapa estava reservada
para outro romancista, para o russo Dostoievski que antecede Proust na
cronologia mas que o sucede na história do desejo triangula r.

Com exceção das raras personagens que escapam inteiramente ao dese-


jo segundo o Outro, e m Dostoievski não há mais amor sem ciúme, ami-
zade sem inveja, atração sem repulsão. Insulta-se um ao outro , cospe-se
na cara um do o utro e, instantes mais tarde, está-se aos pés do inimigo,
beija-lhe as mãos. Em princípio, esse fascíni o repleto de ódio não difere
do esnobismo proustiano e da vaidade stendhaliana. O desejo copiado
de um outro desejo tem por consequências inevitáveis "a inveja, o ciúme
e o ódio impotente". À medida que o mediador se aproxima e que se
passa de Stendhal a Proust e de Proust a D ostoievski, os frutos do desejo
triangular vão ficando mais amargos.

Em Dostoievski o ódio, por demais intenso, acaba por "explodir", re -


velando sua dupla natureza, ou melhor, o duplo papel de modelo e
de obstáculo desempenhado pelo mediador. Esse ódio que adora, essa
veneração que joga na lama e até mesmo no sangue, é a forma paroxís-
mica do conflito engendrado pela mediação interna. O herói dostoie-
vskiano revela a todo momento, por gestos e palavras, uma verdade que

64
MEN T IRA ROMÂNT ICA E VERDADE ROMA NESCA
continua sendo o segredo da consciência nos romancistas anteriores.
Os sentimentos "contraditórios" são tão violentos que o herói não é
mais capaz de dominá-los.

O leitor ocidental se sente por vezes um pouco perdido no universo


dostoievskíano. A força dissolvente da mediação interna é exercida aqui
no próprio cerne do núcleo familiai. Ela afeta uma dimensão da exis-
tência que se conserva praticamente inviolável nos romancistas fran-
ceses . Os três grandes romancistas da mediação interna têm cada um
seu âmbito privilegiado. Em Stendhal, é a vida públka e política que
está minada pelo desejo de empréstimo. Em Proust, o mal se estende à
vida privada, salvo, em regra geral, o círculo familial. Em Dostoievski,
esse círculo está ele próprío contaminado. Em meio à própria mediação
interna, pode-se então contrapor a mediação exogâmica de Stendhal e de
Proust à mediação endogâmica de Dostoievski.

Essa divisão não é, seja dito de passagem, rigorosa. Stendhal invade o


terreno proustiano ao retratar as formas extremas do amor "mental", e
até o setor dostoievskiano quando nos mostra o ódio do filho pelo pai.
Similarmente, as relações de Marcel com os pais são às vezes "pré-dos-
toievskianas". Os romancistas se aventuram seguidamente fora de sua
área pessoal, porém, quanto mais se afastam, mais mostram-se rápidos,
esquemáticos, incertos.

Essa divisão aproximada do meio existencial entre os romancistas defi-


ne uma invasão dos centros vitais do indivíduo pelo desejo triangular,
uma profanação que penetra pouco a pouco nas regiões mais íntimas do
ser. Esse desejo é um mal roedor que ataca primeiro a periferia e vai se
alastrando em direção ao centro; é uma alienação sempre mais completa
à. medida que a distância diminui entre o modelo e o discípulo. Essa
distância atinge seu mínimo na mediação familiai de pai para filho, de
innão para irmão, de cônjuge para cônjuge, ou de mãe para filho , como
em François Mauriac, e, evidentemente, corno em Dostoievski.

65
CAPÍTULO 1 - O DESEJO ·TRIANGULAR"
Em termos de mediação, o universo dostoievskiano está "aquém" ou, se
preferirem, "além" de Proust, assim como Proust está aquém ou além de
Stendhal. Esse universo dostoievskiano difere dos anteriores do modc
como estes já diferiam entre si. Essa di.fcrença não é ausência de relaçõe~
e contatos. Se Dostoievski fosse tão autônomo quanto se afirma às veze~
nós não poderíamos penetrar e m sua obra. Nós a leríamos do mesmc
modo como soletramos as palavras de uma língua desconhecida.

Não se deve apresentar os "monstros admiráveis'' de Dostoievski come


uns aerólitos com trajetórias imprevisíveis. Na época do marquês de
Vogüé11, repetia-se por toda parte que as personagens dostoievskiana~
eram "russas" demais para serem inteiramente acessíveis a nossas mente~
cartesianas. Essa obra misteriosa escapava por definição a nossos uit~-
rios de ocidentais racio nais. Hoje, não é mais o russo que dom ina e rr:
Dostoievski mas o apóstolo da "liberdade", o inovador genial, o icono-
clasta que rompeu os antigos quadros da arte romanesca. Contrapõe-se
constantemente o homem dostoievskiano e sua livre existência às análi-
ses simplistas de nossos próprios romancistas, fora de moda, psicólogo,
e burgueses. Esse culto fanático , tanto quanto a descon fia nça do passa-
do, nos impede de ver em Dostoievski o ponto de c hegada do romanct
moderno e sua etapa suprema.

O esoterismo muito relativo de Dosto ievski não faz dele um roman -


ci sta nem superior nem in ferio r aos nossos. Não é o escritor, é o leito~
que cria aqui a escuridão. Nossas hesitações não espantariam Dos-
toievski, convicto como estava do avanço russo e m comparação c or:.
as formas de experiência ocidental. A Rússia passou sem transição da-:-
estruturas tradicionais e feudais a mais modenu~ sociedade. Ela não co-
nheceu um interregno burguês. Stendhal e Proust são os romancista~

ii f:ugt: ne-Melchior Vogüé ( 1848-1 9 10), autor do en'.>aio () romm,,e ru sso [ 1886}. qi;~

apresentou Dostoievski e Tolstoi aos franceses. Edição b rasileira: Rio de Janeiro: Eé


A Noite, [ 1949:J. {N .E.)

66
MFNTJR.~ ROMÂNT IC A f. VE RD ADF RO~I ANF. SCA
desse interlúdio. Eles ocupam as regiões superiores da mediação inter-
na. Dostoievski ocupa suas regiões mais baixas.

O Adolescente32 ilustra muito bem as particularidades próprias do dese-


jo dostoievskiano. As relações entre Dolgoruki e Versilov não podem
ser interpretadas senão em termos de mediação. O filho e o pai amam
a mesma mulher. A paixão de Dolgoruki pela generala Akhmakova e;;
copiada da paixão paterna. Essa mediação de pai para filho não é a me-
diação externa da infância proustiana, a que nós definíamos a propósito
de Combray, mas a mediação interna, a que faz do mediador um rival
abominado. O infeliz bastardo é ao mesmo tempo um igual para o pai
que não cumpre suas obrigações e uma vítima fascinada por esse ser que
o rejeitou inexplicavelmente. Para entender Dostoievski não se deve
pois compará-lo às crianças e aos pais dos romances anteriores, mas de
preferência ao esnobe proustiano obcecado pelo ser que recusa recebê-lo.
Essa comparação não é, aliás, totalmente exata já que a distância entre o
pai e o filho é menor que a distância entre os dois esnobes. A provação
de Dolgoruki é, desse modo, ainda mais dolorosa que a do esnobe ou do
ciumento proustiano.

A medida que o mediador se aproxima, seu papel cresce e o do objeto


diminui . Dostoievski, num rasgo de intuição, posiciona o mediador no
primeiro plano da cena e relega o objeto ao segundo plano . A compo-
sição romanesca reflete, finalme nte, a verdadeira hierarquia do desejo.
Com Stendhal e com Proust tudo ainda se organizaria, em O Adoíescente,
ao redor do herói principal, ou da generala Akhmakova. Dostoievski
centraliza sua obra no mediador Versilov. Verdade seja dita, O adoles-
cente não é, do ponto de vista que nos interessa aqui, a mais audaciosa

,! Edição brasileira: Fiódor Dostoievski, O udolesc:ente. São Paulo, G lobal, 1983. (N .E.)

67
CAP fTULO : ... o DESEJO "TRlANCU!.AR"
das obras dosto.ievskianas. É um meio-termo entre várias soluções pos-
síveis. O deslocamento do centro de gravidade romanesco fica ilustrado
de maneira mais feliz, e mais espetacular, em O Eterno AtlarídoH. Vel-
tchaninov, rico solteirão, é um Dom Juan de meia-idade que começa a
ser tomado de lassidão e tédio. Há alguns dias ele está obcecado pelas
aparições fugidias de um homem ao mesmo tem po misterioso e fam i-
liar, inquietante e apagado. A identidade da personagem é em breve
revelada. Trata-se de um certo Pavel Pavlovitch T russótski cuja mulher,
uma antiga amante de Veltchaninov, mal acabou de falecer. Pavel Pa-
vlovitch abandonou sua província para ir ter, em São Petersburgo, com
os amantes da falecida. Um deles morre por sua vez e Pavel Pavlovitch,
em luto fechado, segue o cortejo fúnebre . Sobra Veltchanínov, que ele
importuna com as mais grotescas atenções e atormenta com seu zelo. O
marido enganado discorre sobre o passado da maneira mais estranha.
Ele visi ta o rival no meio da noite, bebe à saúde deste, o beija na boca, o
tortura com requinte por meio de uma pobre meni ninha cujo pai jamais
se saberá quem é.. .

A mulher se foi e o amante permanece. Não há mais objeto mas o me-


diador, Veltchaninov, nem por isso deixa de exercer uma atração in-
vencível. Esse mediador é um narrador ideal, pois ele está no centro
da ação apesar de mal participar dela. Ele descreve os acontecimentos
com tanto maior cuidado que e le nem sempre co nsegue interpretá -los e
receia omitir algum detalhe importante.

Pavel Pavlovitch pensa em contrair um segundo matrimônio . Mais


uma vez esse ser fascinado vai ver o amante de sua primeira mulher;
ele lhe pede que o ajude a escolher um presente para sua nova eleita;
ele lhe insta que o acompanhe à casa dela. Veltchaninov resiste mas
Pavel Pavlovitch insiste, suplica e acaba por obter ganho de causa.

33
Edição brasileira: Fiódor Dostoievski, O etm10 marido. l.cd. São Paulo: Editora 34 ,
200 3. (N.E.)

68
MENTIRA ROMÂ NTICA E VERDAD E ROMAN ESCA
Os dois "amigos" são muito bem recebidos na residência da moça.
Veltchaninov se expressa bem, toca piano. Sua desenvoltura mundana
impressiona: toda a família o cerca de atenções, incluindo a moça que
Pavel Pavlovitch já considera sua noiva. O pretendente passado para
trás investe vãos esforços para se tornar sedutor. Ninguém o leva a sério.
Ele contempla esse novo desastre, tremendo de angústia e de desejo ...
Alguns anos mais tarde, Veltchaninov encontra-se novamente com Pa-
vel Pavlovitch numa estação de trem. O eterno marido não está sozi-
nho, uma mulher encantadora, sua esposa, o acompanha assim corno um
jovem e fogoso militar...

O Eterno Marido revela a essência da mediação interna numa forma


tão simples, tão pura quanto possível. Nenhuma digressão vem dis-
trair ou desviar o leitor. É em razão de sua total clareza que o texto
parece enigmático. Ele projeta sobre o triângulo romanesco uma luz
que nos ofusca.

Diante de Pavel Pavlovitch nós não podemos mais pôr em dúvida, no


desejo, esta prioridade do Outro cujo princípio foi estabelecido, pela
primeira vez, por Stendhal. O herói procura sempre nos convencer de
que sua relação com o objeto desejado independe do rival. Percebemos
perfeitamente aqui que esse herói está nos enganando. O mediador é
imóvel e o herói anda a seu redor como um planeta em torno do sol.
O comportamento de Pavel Pavlovitch nos parece estranho; mas ele
está em plena confonnidade com a lógica do desejo triangular. Pavel
Pavlovitch não pode desejar senão por intennédio de Veltchaninov, em
Vdtchaninov corno diriam os místicos. Assim, ele arrasta Ve1tchaninov
até a casa da mulher que escolheu para que Veltchaninov a deseje e
abone seu valor er6tico.

Certos críticos optariam facilmente por ver em Pavel Pavlovitch um "ho-


mossexual latente". Mas a homossexualidade, latente ou não, não torna
inteligível a estrutura do desejo. Ela afasta Pavel Pavlovitch do homem

69
CAPITULO 1 - O DESEJO 'TRIANGULAR"
chamado de normal. Nada fica mais claramente visível nem compreen-
sível quando se reduz o desejo triangular à homossexualidade, que será
necessariamente obscura para um heterossexual Os resultados seriam
muito mais interessantes se se invertesse o sentido da explicação. É pre-
ciso tentar compreender certas formas de homossexualidade a partir do.
desejo triangular. A homosse>,,'Ualidade proustiana, por exemplo, pode
se definir como um redirecionamento para o mediador de um valor eró-
tico que ainda permanece ligado ao objeto no dom -juanismo "normal".
Esse redirecioname nto não é, a priori, impossível, ele é até verossímil nos
estágios agudos da mediação interna que se caracteriza por uma prepon -
de rância sempre ma is acentuada do mediador e uma extinção gradual do
objeto. Certos trechos de O Eterno i\1arído revelam claramente um início
de desvio erótico em direção ao rival fascinan te .

O s romances se esclarecem uns aos outros e é dos romances cm si


qL1e a crítica deveria emprestar seus métodos, seus co nceitos e até o
sentido de seu esforço ... Faz-se necessário nesse ponto voltar a aten-
ção para o Proust de A Prisioneira que está suficientemente p róximo
de Pavel Pavlovitch para nos levar à compreensão daquilo que deseja
esse herói:

Se soubéssemos analisar melhor o~ nossos amores, haveríamos de ver


que muitas vezes as mulherec; só nos atraem por causa da concorrência
de 01.ttros homens a que ternos de disputá-las, embora soframos mil mor-
tes por ter que disputar-lhas; suprimida a concorrência, desaparece o en-
canto da mulher. Exemplo é do homem que, sentindo diminuir a afeição
pela mulher amada, aplica espontaneamente a~ regras que descobriu e,
para ficar certo de não rer cessado de amar a mui her, coloca-a num meio
perigoso o nde lhe é preciso protegê-la todos os dias.34

1
• PROll'>T, A Priçíoneira (v.5), p.383 (N .E.)

70
.\ IF. 'T IRA ROMf\KTI C A f. Vf.RDADE IW!\1.-\N t !>CA
Por baixo do tom desenvolto desponta a angústia proustiana fundamen-
tal que é também a angústia de Pavel Pavlovítch. O herói dostoievskia-
no também aplica "espontaneamente", se não serenamente, regras que
ele não "criou" propriamente mas que por isso mesmo governam com
força ainda maior sua miserável existência. O desejo triangular é uno.
Parte-se de Dom Quixote e chega-se a Pavel Pavlovit<.:h. Ou parte-se de
Tristiío e Isolda, como faz Denis de Rougemont em O Amor e o Ocidente 35 ,
e atinge-se bem depressa esta "psicologia do ciúme que invade nossas
análises". Ao definir essa psicologia como uma "profanação do mito" que
se encarna no poema de Tristão, Rougemont reconhece, explicitamen-
te, o laço que une as formas mais "nobres" da paixão ao ciúme mórbido,
tal como descrito por um Proust e um Dostoievski: "Ciúme desejado,
provocado, sorrateiramente favorecido", observa muito acertadamente
Rougemont: "Chega-se a desejar que o ser amado seja infiel, para que se
possa novamente persegui -lo e "sentir o amor em si".

De fato, salvo diferenças mínimas, é bem esse o desejo de Pavel Pavlo-


vitch. O eterno marido não pode abrir mão de c iúme. Com o respaldo
de nossas análises e do testemunho de Denis de Rougemont, distingui-
remos doravante por trás de todas as formas do desejo triangular uma
mesma e única armadilha infernal na qual o herói se afunda lentamente.
O desejo triangular é u110 e pensamos estar aptos a fornecer uma prova
irrecusável dessa unidade no ponto exato cm que o ceticismo parece
o mais plenamente justificado. São as duas "extremidades'' do desejo,
ilustradas uma por Cervantes, a outra por Dostoievski, que parecem as
mais difíceis de serem mantidas abraçadas numa mesma estrutura. Have-
rão de concordar conosco que Pavel Pavlovitch é um irmão do esnobe
proustiano ou mesmo do vaidoso dostoievskiano mas quem reconhecerá
nele um primo, mesmo que afastado, do ilustre Dom Quixote? Os pane-

5
' Edição brasileira, Denis de Rougemont, O amor e o ( )âdente. 2.ed. Rio de Janeiro:
Guanabara, 1988. CN.E.)

71
CAPITULO t - o DESE.10 "TR I A N CU LA R"
giristas exal.tados desse herói não podem deixar de julgar nosso paralelo
um sacrilégio. Eles acreditam que Dom Quixote não h abita senão nas
alturas. Como poderia o criador desse ser sublime ter pressentido o la-
maçal onde chafurda o Eterno Marido;,

A resposta a essa pergunta deve ser procurada numa dessas narrativas


com que Cervantes recheou Dom Quixote. Apesar de terem sido todos
vazados num m olde pastoral ou cavalheiresco, nem todos esses textos
são recaídas no gênero romântico-romanesco. Um dentre eles, O Curioso
impertinente 36 , ilustra um desejo triangular em tudo seme1hante àquele de
Pavel Pavlovitch.

Anselmo acaba de desposar a jovem e bela Camila. O casamento se rea-


lizou pela intermediação de Lotário, amigo muito caro do feliz marido.
Algum tempo após as bodas, Anselmo apresenta a Lotário uma curiosa
solicitação. Suplica que ele corteje Camila alegando querer "pôr à pro-
va a fidelidad e" desta . Lotárío recusa indignado mas Anselmo faz nova
investida, pressiona seu amigo de mil maneiras e manifesta em tudo o
que diz o caráter obcecado de seu desejo. Lotário se esquiva por muito
tempo, em se!,•uida fin ge aceitar para tranquilizar Anselmo. Este arranja
encontros a sós para os dois jovens. Ele vai viajar, volta de improviso,
repreende amargamente Lotário por não levar sua incumbência a sério.
Comporta-se, em suma, de modo tão delirante que acaba jogando Lo-
tário e Camila nos braços um do outro. Ao tomar conhecimento de que
está sendo traído, Anselmo se suicida de desespero.

Quando se relê esse texto à luz de O Eterno Marido e de A Prisioneira, não


se pode mais julgá-lo artificial e sem interesse. Dosto ievski e Proust
permitem que penetremos até seu verdadeiro significado. O Curioso

36Edição brasileira (bilíngue): Miguel de Cervantes, A m>vda do curíoso ;mpertinmk. Rio


de Janeiro, Relume Dumará, 2005. Esta novela compõe os capítulos XXXIII e XXX.[V
da primeira parte de Dom Quixote. (N.E.)

72

MENT IRA RO MÂNTI CA E VERDA DE ROMANE SC A


Impertinente é o Eterno Marido de Cervantes; as duas novelas não diferem
senão pela técnica e os detalhes da intriga .

Pavel Pavlovitch atrai Veltchaninov à casa de sua noiva; Anselmo pede a


Lotário que corteje sua mulher. Nos dois casos só o prestígio do media-
dor pode ratificar a excelência de urna escolha sexual. Cervantes insiste
longamente, no início de sua narrativa, na amizade que une os dois pro-
tagonistas, na estima infinita que Anselmo tem por Lotário, no papel de
intermediário que este desempenhou entre as duas famílias por ocasião
do casamento.

É claro que essa amizade fervente se desdobra num sentimento agudo de


rivalidade. Essa rivalidade fica porém na sombra. Em O Eterno Marido é a
outra face do sentimento ''triangular" que permanece escondida. Vemos
claramente o ódio do marido enganado: temos que ir adivinhando pouco
a pouco a veneração que esse ódio mascara. É pelo fato de Veltchaninov
gozar a seus olhos de um prestígio sexual imenso que Pavel Pav]ovitch
lhe pede para escolher a joia que ele pretende dar à sua noiva.

Em ambas as novelas, o herói parece ofertar gratuitamente a mulher


amada ao mediador, como um fiel faria a oferenda de um sacrifício à
divindade. Mas o fiel oferece o objeto para que o deus o usufrua, o herói
da mediação interna oferece o objeto para que o deus não o desfrute. Ele
impele a mulher amada em direção ao mediador para que ele a deseje e
para triunfar depois desse desejo rival. Não é em seu mediador que ele
deseja, é na verdade c011tra ele. O único objeto que o herói deseja é aque-
le de que frustrará seu mediador. Só lhe interessa, no fundo , urna vitória
decisiva sobre esse mediador insolente. É sempre o orgulho sexual que
conduz Anselmo e Pavel Pavlovitch, é esse orgulho que os precipita nas
mais humilhantes derrotas.

O Curioso Impertinente e O Eterno Marido sugerem uma interpretação não


romântica de Dom Juan. Anselmo e Pavel Pavlovitch se opõem aos

73
CAPÍTULO l - O DESEJO ' T RIANGULAR"
janotas conversadores, convencidos e "prometeicos" que pululam em
nosso sécul o. É o orgulho que faz Don Juan e o orgulho faz de nós,
mais cedo ou mais tarde, um escravo de outrem . O verdadeiro Dom
Juan não é autônomo; pelo contrário ele é incapaz de abrir mão dos
Ot{tros. Essa verdade fi ca hoje e ncoberta. Mas é a verdade de certos
sedutores shakespearianos; é a verdade do Dom Juan de Moliêre:

O acaso me apresentou a e~se casal de e namorados três ou quatro d ias


antes que viajassem. Jamais vi duas pessoas tão ansiosas uma pela outra,
dando tantas demonstrações de tanto amor. A remura ostensiva desse
mútuo ardor me encheu de emoção e de inveja; feriu meu cor;:ição. Mi-
nha paixão nasceu de meu ciúme. É, não suporto mais vê-los juntos. O
despeito desperta meus desejos e an tecipo o prazer extremo de pode r
perturbar essa harmonia, ro mper o nó que os liga - verdadeira ofensa à
~ensibilidade do meu coraçâo.' 7

Nenhuma influência literária pode explicar os pontos de c ontato entre O


Curioso Impertinmte e O Eterno fv1a rido. As diferenças todas provêm da forma
e das semelhanças do fundo. Sem dúvida, nunca Dostoievski sequer sus-
peitou dessas semelhanças. Como tantos leitores, no século XIX, ele só via
a obra-prima espanhola através das exegeses român ticas e tinha provavel -
mente de Cervantes uma imagem totalmente errada. Todos os comentá-
rios que fez acerca de Doru Quixote traem uma influência romântica.

A presença de O Curioso Impertinente junto de Dom Quixote~B sem-


pre in trigou os críticos. Pergunta-se se a novela é compatível com o
romance; a unidade da obra-prima parece um pouco comprometida .

37
Edição brasileira, Jean-Baptiste Poqudin de Molicre, Don Juan , o convidado dt prdra.
Porto Alegre: L&PM, 2002. p . 18 ( N.E)

ª Cf. nota
3
35 . (N.E.)

74
M ENTIRA ROMÂ N TICA E VERDADE ROM ANE SCA
É essa unidade que nossa viagem através da literatura romanesca reve-
la. Partindo de Cervantes, voltamos a Cervantes e constatamos que o
gênio do romancista engloba as formas extremas do desejo segundo o
Outro. Entre o Cervantes de Dom Quixote e o Cervantes de Anselmo, a
distância não é pequena já que nela se alojam todas as obras enfocadas
neste capít ulo, mas não é in transponível já que todos os romancistas
dão-se as mãos, já que Flaubert, Stendhal, Proust e Dostoievski formam
uma cadeia ininterrupta de um Cervantes a outro.

A presença simultânea da mediação externa e da mediação interna no


âmbito de uma mesma obra confirma, a nossos olhos, a unidade da lite-
ratura romanesca . E a unidade dessa literatura confirma, reciprocamente,
a de Dom Quixote. Provamos uma pela outra como se comprova que a
terra é redonda ao dar a volta a seu redor. O poder criador é tão intenso
no pai do romance moderno que ele se exerce sem dificuldade em todo
o "espaço" romanesco. Não há uma só ideia do romance ocidental que
não esteja presente em Cervantes sob forma de germe. E a ideia dessas
ideias, a ideia cujo papel central fica confirmada a cada instante, a ideia-
mãe a partir da qual se pode reencontrar tudo, é o desejo triangular que
vai servir de base à teoria do romance romanesco para o qual este primeiro
capítulo constitui uma introdução.

75
CAPÍTULO 1 - O DESEJO 'TRlANGLILAR"
2

OS fiüMENS SERÃO b .EUSES


UNS. PAR.A OS. ou·TROS

L 0do'$· os h€róis. d~ romanêe esperam dá p·õsse. '(Jma metamorfo.~t (àdità'l


de s-eu ·ser_ No romance Em .Busrn do Ttinpo :perdidó, os p~is: h_esJt2p1) em
enviar .Pvlarcel áo teatro· peÍ.o 'fato de que ele não goza de boa saúde . .Q
we_oíno ria.o :en.te_nde .tá.is 1%crupt.ilos; ~ preQcu:J?açâ,ó em êstaf bf;rn .de
saude lhe parece fútil se cõmparada ·~os provejtos desc:;o.l;t;lU_nais qué ele
@sp.er.a tirar, da peç.a teatrrat~

O ofoew tóri$titui-sé ·? penãj nµm m_e·i·o de akançàr 'o tnédiµ.cfot. É o:Jet


desse med'i-adGt·rtU\::' o: q.~e)o almej,a. Proust- compara à •seçl.e esse ç!:esçjo
·a troz dé sei' o Outra: ·"Sede - s~melhanté à sede tom qu.e 1ard.e· uma terra
est.Qtri:cadª - de 1..lhla vtd~ qt1.é rtünha aJ·m·a, vtsto que Jamai~ havít! recé-
bfrlo dela uma.:g0ta qqe fo~_se,. com rnai~·a:vid.ez: absçrverfa., em fongos
haustos, na mal..5- p~rfetta em.bebrção 1 a''

1 Àsoni-lira áa5 r.apárígt1s em flor '( v)}. _p .2:87,, ap.tic. {N.E. ~


1
~m Proust esse desej ó .de ábiorver o ser do· mediador _se apre~enta c·o m
freqi,1ência sob a forn;i.a de U!Tl çle:5e]d de inicia(iio a uma nova vi da: vida
de esportes, vida rústka, vida "de-sregrada". O pre.stí~ip súbito de um
modo çié· ex:islênci,a desconhecido· do nanacl:o r depende se'rnpre d~ en-
contro com um ser que· desperta o dese,10.

O senti db c(a ·rnediaçã,o fica espedalm~nte claro n a~ duas "extremida...,


des" do desej,o. Dom Qu\xote nos grita a· verdade de sua paixão. Pavel
PaVl ovitch não pode mais escondê-la:. d~ oós. Ó sujeito ·des~jan.t~ qnet
tôrnar s~ seu .medlad0t!; .quer mubar-lhé seu ser ct~çavaleiro p erfeito ou
0

de sedLitbr irresistfvel.

No amor e llG ódio.,. -e s·se inttfitõ n?O s·e alt~ra . Érnpurrado num salâo p.é'
bilhar por UJJ1 ottcial desconhecido, o herói d.e Memórias do Subso,lo (às ve-
zes í nfüulado lv1ern6ri4s ~scrítas 11v.m Sul,terrâneo)2 sente-s~ imediatamente
·atorm en tado por uma -sede :atroz de vingan.ça. Poderfamos Julgai· esst
ódio "legitimo" e até "racional" se sua signilkaça.p metafísica não nos
fosse r~:velàdà numa cart'a que o ;'hemrem de ~ubsolo1' rédige para µres-
sionar e seduzil· o ofensor:

C.'ompt1:; uma €arta·.. implorando-lhe. que ;se de~ulp.asse perante mim;


e·. para o caso de w"Qa recusa, aludia com bastante finneza a um dael O'.
A carta foi ·escrita de modo q_ue, ~e o oficial co.rnpreende-sse um póuco,
sequer"o.belo.e sub.úme", S"eguramenteviriacôrrendo à 1ninha casa, para
se' atirar a ·meu pescoço.e oferecer a sua amizade. E com.o <.écria bom! Vi-
veríamos tão· b.e.m, como amigas!... EI~ IJlt: deku:deria com a imponência
ele sua posisão; eu o tomaria mais n obre com a min ha culmra, b.em...
CàlTI a.s· ideia~· tarnbéi:rr, e muita coisa mais poderla aéqntecerl'

1
Edição brasílrura: faMor Dostoitvski, ~1m1ôi:ia; Jo ,tthóolo, 3.ed.. São Paulo: 'Ecfi torá 34:;
:woo, lN.E.)
' ÔoSTOIEVSKt,.Mem6rias do~ibsolo, p. 63 (N .E.)

78
MENTIRA ROMÃNTlCA E V~DADE RO'MANESC"A
Ó herói dos'tofovskfai,G, ·aS:_sift!- ç_q~ó Q h~tó_i prá:U,Stja..p9, spnha em :ab-
s:of'Ífr,. eu;. ªssfmilar o 'ier do mediaaar.. Ele ima:g"i na ur:na ,liJnt~~e perfeita.
t".i}'tt~ .a for~à des~e ·01,edlçclor e sua própria '"irlteHgêrrcia"'. Ele q,u~r mi;~
narase o Outro sem dd~at de sér el'e piópf:iq. .M~ por que .esse desejo e-
pb.r a;ue ~ esse mediador em partie;_1:1l_at tle p.teferên_ciq •a tantos. oútro.-s? Por
qµ~ Q hetôi e~êõllw ·o rno·ddo ad@rado e execrado c.001 tat;l,ta urg~nc1a e
táo p.011co ·sensb erhico-;i

Pân1 querer fundir-se assim na sub-stâncfa:d~ Oufro.,.€ pf6:1sô e,x-pe"ri.trJ~~


tar na.Fa '<:;ô)):1 Sti:à, pró.pri<i s,ub{tânc'ia uma r;ept~W.J.âneia· tnvencível. O b;o-
rnen, do subsolo ê :t~.a:lmên~ ttànz1no e â~pjlitacfo. A sut. Bov.aTy é uma.·
pequeno-bur~esa de provím:_iq; Co))~ebe-s-e· qúê e$'St:$, ]1erôi:s. queíi'arn
rnud'ar de set;. Se· ~n_ci3far,mos todes. es he.ró1s '5.eparadameme, ík_arerrtí:i>S
tem:a~dos ~ kv;ii;- a séúo ás des.c;Wpás com, q_ue seus desejos-pFocurnm se.
justilic;ar. Co:rrernos íJ r1~ee de â~ix~r est'.·apar o sj~fi.cado rnetafJ.s-i~o
·dessff .d.~êJ.ô.,
-Para .e0nq_uistar -es·se sig:i:i_tfi_cat:io m.ttaiísi:Cp fem que se ultrapass-,ar os
1

caso.s parliitulares e ahar.car a 1:9raltdach:;. To<l,os 0s ;her6ts ab.diçarn ·de


sµa p,rêrrqgafiva r.n.d.ívidual ma.is. fundamental, a· de desejar se_gu:ndo sti,à
próprla:, escolha;.; na.b
púdeinó$ :atrlp(úr és5i;; ábandoctg unânim:e)rs ,gua-
lidade·s desses herióis-, pQ'is sJo se:rnp;r~ difere·i:ites. T emp.s qqe;:- pr.occtrar-
uma causa. univers;;J Todos o'S ae-róis de remarrce se çlerest'a.rrt á m.ê's- .sr
mp'S ,eJJ:l um r1ívçl__m~is ~$$~nci.a1 que. o.das ".quálidàdei/'. Ep.recis-ameme,o
que nos diz o narrador de Nq Cait~inJ',o dê SW1m:. ·t~Jigudti: tertip.@., tudo:que
oao· fos_.se :~.ti pr:ópri~r ,a terra. e.os.s-eres,1 me pareçfa rtJ.áit ptetiqs:O, m_aj ~·
importaht~, do:tàdô ,d~ uma exist.ê.r1cia mais rc:aL"4 A maldiçâo que pesa
so.h,re o. herõl: nã.o g~ ,cQstingtié d~ sµõ( ;ubj'~tivldad<t. O pró-pri0 :Muishld-
ne.,1b rnafa pu.re dQs he:r6is dGsta.ievskia:nos,. tião j:gnorã, .ã angústia.cLô s~r
·~epatadó,, ,d.o s~r '.l)~rtj_a.Üar:

•·No êámín /1.0 de 'Sw,inn ,( v. l ), p. 13.(f, op.eit. (N.E)

79
'CAPfTilh.U 2 - (JS HOMFNS Sl ll,,Ha) 'l'~ElISES UNS PARA OS ()µTR< fS:
Descóbria diante de si um cl!u ~P.lendoroso, a S"eus pés um la_g o, todo
em redor um horizó-n'te luminoso ·e- tão vã~o que parecta .sem limites.
Havia contemplado longamente aquelê- espetáculo , com o coração
apertado pela angústja. Lembrava. se agora ,de ter ec,tendidó os bra-
0

ços p·árã aquele oceano de luz e de azcrl e ·i:íe ter derramado lágrimas.
Ton;mava-o a ideia de ser estranho a ·t uô.óãquilo. Que b;rnquet\'; en~ão
~ra aquele, aquela. f~st-a sem fim para a: qual se sentia atraidc,i d'es~ê.
muito tempo, desde sempre, desde sua infância, sem Jama1s ter-podido
dele par.tidpar~-·- Ca.da ser :tem' -seu ·cami(lho e c,o.r:thec,M::>.i çhega e
tQrna a pan:ir:cantando: mas el~, só ele nada sabe, nada cõmpreende,
riem os homens; nem as- \107.CS cla nal;ul'ez.a, p0rque é ém toda•parte nm
e·stran.ho, um rebota lho.~

A maldição herój é tão terrível, tão total que ela se esténde aos serés e às
coisas que éS-t~o d.tretamente so,Ó seu controle. Tal qua:l 4IJ\ intoeá~~I da
Índia, o herói contamina os ser'ês é a$ cois-as de que ele pode fazer aso.
Quanto mais I?.róximas lhe ficàvam as- cbisas ma.is .se_1.r :p ensâmento $e

.afastava delas. Tudo o que a rnd5=<1va de perto1 os campE1s en'fadonho_s;


·os burgues1nho!."irnb~cis., a rhedioctidad~ da e~1stênda, p.a rec,a-lhe uma
e:,çceçâo .no mundo, um caso particular em' que se achava cinvçilvida, ao
passo qu~ para além se e.s~endiçi, a, perder de vista, 0 ímênsô pafs das
fêlicidail.es e d_as: paixõe;s r

Não é a s0.c.ieda.de que faz do heról de romance um intoc.ável. É ek quem


se .condeó.a a si próprio. Por que a subjetividade tomà_nesca sé abomina
a esst?: .ppnto? 1'\Jrn homem decente e çµJtivado -nota o homem.do sub-
solo - não JJOde ser-vaidoso.sem uma ilimitada exigência em. relaçã0 a si

5
Edição brasileira: ti9dor DostoievskL.Q idiota. Rio de·Jattel rb, Editora Nova Aguilar,
1976. p.383 CN.E.)
• Flaubert, Madamtl3ôva.ry, p-7-3, op. dt. (N.E-.,l

~o
~1.EN "{ IRA R0f\1Âflo'Tl <., à E VERDADE R.OM,A.N ESC:.:\
·wes~m.9 e· ~~rrr $~ d~sprezat, em c:etto.s momentos:, ât~ .o ód.io~"' 'i\fas de
onde p0d.e ·v ir essa,exigênda que a subj.e-uivídade é lncapaz. de satisfaz:er?
Nã_o, pod½ ptõvir .dela mesma. Uma e-xig-ência proveniente da subjetiV-j-
datle e ~rfcid1ndá sobre e·sta._s;i.lbJetivi.ÇÍadé pâQ rn:s'Uhç1.rt_ª' nümá e~i~ência
imposs'ível. É pre:cisp· q~te a subjetivtda:de tfqiha 'PG>sto; fê naroa prome:ss.a
faTaz<V1nda de fora.

Aos mJhos de D.ostt>ievski es!?a pfç,messa enganosã: é' ~isej)galrnen.te uma


. . .

promessa de auton0mia meuafísica. Por rrá's ,de· tqç[a~ as d'outntra:s .ó-d-


dentai,s que .se s.u cedem .há dois ,ou três .sécul@s, ~ncontEa...,se sempre o
mesrp_o prindpfoi Deus é $t~ m0tto., eabe ao hQJJ1em to.màt se:u .lugar.. A
ren'ta~:âo .do· orgulho é eterna, m_as el;a .se tb'Jr\a irtes_istív.e-t na ép9ca rno-
demá p,bis passou á s~r orquestrada e .ampliaaa de manei-ca inaudrra. A
"boa _
1
ª
n_oya ' tfa: mõdêtrrid'acle ~hê::.gâ fpclos QS, ou~1dos, .Quanto·mai.s da
fiea profundamente gravada.em i;rosSl;> cor~:ão, mais v.Jo1en..t0 ,·~e tgJnià b.
contr-asiie,entr.e essa promessa mara-vilhosa ·e o~desmentido- brutal qu~ a
e::.:pefjência lh~-iofüge,

À medida que wão s_e, inflando .a:s voz~s çl:o o:t~o·, a G:miscí_êhêj~ de
existir,p~ssa. a s~ritir ma:i.s amargor :e sohdão. E'I:a é, QOnhldo; comum
ã todo.s .os ho~et1s.. Pot-q'li~ essa; ih1são âe ês:tqr s.-ó., q'~. ~ 1im redobracr
do padecimento? -Por qµe 'ó s hç;mei;LS não :gonségu~m m~is àfrviar :s~u.s
sofrirnentôs paF:tillaandu {11s? PoT que .a.verdade de:todes está tão~pi;okm;-
0

dam~nté toterrada na côruclên:cia d_e ea,da um?

Todos os indivíduos desco!,1'em r1a solid;âo .de su_a .con;;çiçnda !,JUe ~


prowe{s.it é rn~ptirQsa,, mas ninguém' é ·Capaz de unive-rsa:Iizar essa e~,,
petlênda. A prorn;es·sa petrQà:né<;:.e v~r<fadeita _p,ai:a os -ÚHtfG'l9.. Cada q:u.al
acr~dita ser o único exG]uid.o da ber~nç~ dívina e :se e.sforça é.in ~scon·âêr
essa rúalélição. ô pé<:::a.d o ,original aão é' mais a verdade de kldGS .Ç)S ho• 1

:tnens c,o_m b· no uniVél:.~ó réligio~o, mas o segr.edo d~· cada indivíduo., .a

7
'tViemórias ão 'subsolo, p. S7, op, ciit. {N,I;.)

$1'
CAPÍYtflO, 2 - ü.5 H0\'1.ENS '.SER'Ã-.0 D E.USES UNS 'PAR'A 0$, QUTR.0 $
úrilça possesS"ão desta subiet'ividad~ que proclama em ãlto e b om som ser
codo-púderó-sà e alegremente dominante: ''.Não acr~djt,;(va q~e o mesmo
ácontece:sse a: ó1.Itrem - nota o h o mem d o sub._so lo - e, p or isso, mantive-
º em segredo a vida toda. 611
O bastarcio Dolgonoo exemplf!Íca cóm ek1quência essa d i'alétic,~ da pr0-
messa n'ão-cwupriça. Ele tem por snbre nom:~ o de uma família printipes-
Cà ~úilversalmeote coohed'da. Essa h omonímia provoca constamernent~
t
e·quívotQs h\lriü.lhantes. uma 's egunda bastardi-a qtie se açr~çenta ã pri-
meira. Que![ é o homem moderno que não ê D Q1goruky, o príncipe, para
ó? Oulros e Dolgorüky, o bastardo, pa-ra si p.róprió1. O herói de rom9 nce f!
sempre a ·criança esquecida pel_as huias-madrinhas ~furante o batizado-.
Cada· quc1l s<:: crê sozinho no· inferno e ·é 'isso o inferno. A ilusão é tanto
mãis .grosseira guanto m~ii's ~e:ral ela for. É o Iadô bufão, da vida no sub-
solo, que se destaca na exclamaçãb d,o nanti-heroi" dostpievskiano: ''Eu
sou sozinho-> e etes sã.o todos"' 9 , eles são todos:!" A ilusão é ·rào grote,c;çaque
não há praticamente nenhuma existência dostqievskiana .onde ~la não
apresente uma fissura. Nu~n ·breve: instante· d.e ltE o sujeito. vislumbra
a mentira universal e não pode mais atreditar em sua duração , ele tçm
a 1mpressão de qne os homens v.ão se be ij ar· aos prantos. Porém essa
esperanç:~ é vã e o p rópr_io sér qçre e la faz surgir Logo teme t_e r revelado
aos Outros s~u h orrível segredo. Ele· teme aínda mais tê-l o tév~lado a si
próprio A humildad~ ci~ um Muis.hkine parece pri meirame nte pérfurar
a àrm.adura -do o~gulho; Q interlocutor se entrçga., mas é logb,dominado
nov.a1;I1ente pefa vergonha. Ele proda rna e ntão com veemência não ·qae-
.l'er trocar d\:' ser e ·~ªsJar-sé ,a s:i próprio·.

As vítimas: do evangelh o moderno tomam-se as~m seus m.elhores al.ia-


d0s. Quantc;> mais se for escravo, t,a nto mais .caJornsamente se cleh:~nd~rá

8
Idem, p.. 19.
9 l<,lem, p, :5g_

82
.M l;NTIRA R-OM,\NTICA ~ Vl:RPAD.E R:OMA NP5<: A.
a,se:rvi.dâo. O or8ul:b<.')· não. pode snhrev.foer sena0 graça-s à 'll\eiltira. g é."-a
rnentJi:a. :o ·que. o destl'jo tr-fan~ruanmtretêm. O h~rói se yoJta apaixona-
dameóte pàta esté 'Ôufi·o '}àê pµféç~ usiJfruir,. ek s'im, da be-r.ança .dJvi"na,.
A tê do-disefp.ulo é :t~o gi;a11de qu~ ~k a:cr~çl\r~ ~s'j:ar -ser;r1gre a Qonto de
subtrair ao me:d1ador o ·segred0 rnara:vtlho.so. E·!e desfruta da. herança
.~e-~_qe JcÍ, :qntedpc:1,é:Ía,rheo.tç;, .co.rp.ô· nµIú u.~ufn:rto ·<::onv-ençionai 'h1te.r-.,,Jvos.
Ele se desimeressa d~ presente e vive [1útn fu.tl!r()', rapian_t~. N~da ç, s~-
para da .divíndad.e, nada 1 a :nã0 -ser o .Medlad.or em pessoa cuj~ desejo
c_ó nc.ôiT~nté se Cçintt ãpõ~ a -S~U pióp:nú des€j0 .

A consdênda· d:os1:oíev~~ja1;1a, ç:01'})0 0 Eu k{ei:ktgç:ardi_ano\ hâo pod~


subsi.srcr sem um ir,oato de ap010· extterior. Ela renuncia a@ mediador di "'
vii:io a.p~t}as -pata ,cair no médiad0r hµmano . Do. mesmo, modo_que a
·perspectiva. com rtês d(cy_1~rJ,sçies ori.~nta tpdas as linhas dé Hm 'quad,:rç,
·em dite~ão· a um ponto .dete.tmi flado1; sü uad.o seja npara .êrá?'~seja 'tpam
cl:Jántct dá tél<1,.à çfl~.tl~r!'iS:mei õ.rie(ltçi a exi'Stfrici~ em dir~çãQ a, ITTn p:on~
to <'le luga:, seja rµ(D.o .a Deus, Séja r;-wno.ao 01Hro, ·Esc0Jl)_er rnj]Jcâ passatá
d'e, escolher um m@clelo pêl.Fa s.i e a liberdade verdaclcdra :está locahzada
oa altêrnatbra fttJJd-a:m(U]t_aJ éntre m.od~É! h_i.ím.a:np e modelo. d1vin,b..
O tinpulsn da- alma pa:ra: 9: ladq de Dettç é :in'.>~P.arável .tj.e u.rn.a: deserda
para dentro de ·<i'i !'Tiesmo., InV:ersament~, a, :retração do orgulho é tnse-
~ará.vd çle wn m,ovjmento cle p,ân_ic.o p~,ri), .o ladb. d;o,Óttfr.o, P.o&r-se-'\a
dizer, inv'enendq ~' fürmula de' sa_n to Agosti.nhó 1 ~~ .o ôí~() ó.çjs ê
mais .ê xterlo.r que o mundo ,e:x,terlor •. É' essa :eNteri.ori.dame do; o-r.,gu~ hn que
ilustram, ·magrii:fi'cam,é-u,te,, to·clos 0s: roma.qçi~tâs, cristãos, e a,ão.;cristãos.
Prpust a:.firmil 1 en:i O Tempo trdes1..tiYértó 1 qHe o am:ot-ptôpr'ip Paz tom que
viva·me:s· "desviados de nós, mesmos" e ele. assada reltermiamente esse
m~sJTib atnor _pró~1:'tó ão e~píií.to di ifn.·ita'çõ0..
0

A visão de 1Josto'iev;5ki,. ei;tJ seus úJtiJ;n:os. ~bs, esdat~ce q~ forrn.ç1 a,inc4í


mais brilhante a significação profunda das .obras T0ma:nes€a-si essa visão.
fornéce üm.a írtt~r pt:.etAç;ão ·co~r~pte da~ ,_arialogj il,s' basta1ite próximas e

B3
o ! i>:f'n,1Lo ·1 - :OS H0,,1Et-1·S s:E ~à~J DEUS$ Lltll'ii 'PARA os OUTRO.S.
da diferença radkar '.érttte custiani_smq.e cies:eJo ~egundo o Ou.tro. Sobre
ess.a 1rerdade suprema' que todas as obras roma.nestas ~€nlãi$ r~tratam-,.
irnplícífa óti expUcJtamente, tomaremos. a fórmula abstq.ta em.presta<la
de Desesperos q.e Louis Fmet<J: ''A pa:ixlo é· ·9' :m-ud.tm.ga de endere~o de uma:
força ·que o uistianismo :. despertou e orÍéotbü é:tíl di.i;:eçã,t> a D~us/''P

A n;e~}r9ão. de- 0-eus, nãl:i ~Urtúna.·ç1 tnmscerrdênGia· mas faz com ((J.ll'e esta
se cles.v1@ do além pat a o a:quêm. A 1rni_tãçã9 de lesas Cristo se·tr.ansfo.f-
r.rta: em imit_açfo da próximo. O impulso dp .orgctlçô'~o se quebr..a Çónt:r'q
a h:ur\laruda<:ié' elo mii:diad@ri ,O .ódio é o resulrad0 çl:esse .c::qn_f:1it~. Poi:-
não. tet· apr:.een4i_çlõ a, nalt.rrezã ·imttativ_a d.o desejo, :Max .Sebeler nã-0
·conseguiu nunca di'ferétida:í o. ress~n;tJrnento d.o _s,en.tirr1):;ntõ cristão.. Ele
n~o q0$'0u 'f~z€f a. apr.oxi:mâçã:o entre .si d0s dois f~;r16menó's pàr.i p:qcf.ér
melhqr sep~Já-kis, l: elt'; ~e .q;ueda\l na ÇQnfusãb r:fret,zschiana que tenci0a
nava justamente df.s~i.par .

r. . . ,
e ná person.ag-i;;·m fund'ament'al de Stavroguine que ·se deve é-Stµ.dar Q
sentido dosto.ieys;k~anç, cfa medi~çâ0. i.rlt_éfoa. Stavr-0_g-uine é· o mediador
de todas as personagen~ çl~ Os l)e,nônipsü . N~o se d.ev(;l hesitar em re.c.o'-
nbe.c:e t neft; úina figura ele Anticristo.

Pa.ra ser c9mpree.ncUdo., Stavrdguiné deye ser e}~:a.mtna'.do em selL papel


d~ módelo. ·e·em suas relações eom seu,s.,.!ãliscípu-Los'1• Pê!ta ça"p,J àr a sjg-ni-
fi_taç.ã:o cfe~se h <irói,, não se,.de'Ve isolá-lo de.set!l, co.me~to:ro;r;u,anesco·" n~ó,
se :dev(; ·a d_O)a d~ tudo tleixeàr,se fas.c inat, junto .có,m todos os Possessos,
por.sua "grancleza'·sa'tânJca:".

ró Ferrhó, L. Dé~~oir~. V~od.ó.1rie:, J\1ris: h:nprimerie des Presses Üniversítaires.âé f:rai:l·


c;çf P~ri}: R,ieoer, <i 9:37. (N.E:l'

': .Ecfiçao brasl1eira, fiódór Ôosttii~vski ,. Gs. déinpnios, ~i.q de Jan-e\ro, Ed,it0raJ0:sé Olynt-
plô, 1160. (N.E)

.84
MENTIRA: IWM.ÃNTl('; A E VE'R,DATIE ·f!:m.1At,r(SC1t
É a $ta.vrogui1_1ê q1,1e o~ P0sses$9s devem ·s.uãs·Jde-ias e seus desejas.; é a
St,avrog;uine que eles. !l)re;sr~.i;n Url). verdadeiro túttb. Tôdos e'?Çp{lrµneu 0

tagi d:t,ú'.ité dcie es,t e· aüsto de ven:e-ra.ç:ã o e de .ó dib .q_µ5!· c1rranetíz.:a a


rnr;cl"raçfm interná~.LQdos se g_utbram eontra-o muro de -gefo de sua in,
diferen~a·. o iJ;rre.n.z· G:aga;nov dl.!fda cqm .St:.tvrogüi'Ii<>:,;- flém os insultos
rrem às balas· pode,i;n ati'f1gir o, semideus. O lJJlj,v:erso dó~ Põ$,sé·s~o$ ~ '.a
tmag-,~rrt rnv~ttid'i! do un\y~rs,o ·qis;tã_o. À media9ã,o. positiva do santo
v.ei.o substiru.if·-~é ·á trtediJçã·o n.éga~ivà ~a·ngüstra .e .do· ódio.

'·N ão havia. seriã0 um mestre a· pr0darnaT coisa~ i;.tl~n~àS - k 'írlb:tà


$hãt~-y a StavrQguillé = e :um ..disctpulo que res.s uscitava ,de en'tre ,a.s
morros_"cn Ki.dl0V1, .Shatóv,. Leq:iadJ~iiJ.~, ·todas. as IJ1µThéres. de .Os Dec.
nuSnii,»,1 -s_ur:.umbem ao. estranho poder de 'Sta:vro·g ujhe i?· Jl~e-r.êyd~m,
~,in t:erm0s q,uas~ idêantíeos,, o papel "e~tr:aordinário ·que de des:ernpe~
tiha .~n;i.. ,s-µ:a e~'istêncía. Stavrqgtrin:e é sµa. "luz'', ~l'es o esp.er'am com.o
o "sol\ des: estão diante deJe ç9m q ~.tj.ia:nte do Altís,sin10";_ eles lb,e
~L.a1~m com:o . '"'.i.o proprrn
., .. D, ,eu:s·,, _flJN-
.· a0 ..u-e1. b. e1Jar
.. o ras.rre d· q.s -se\.1.S·p~s
, --
lhe tlJz Shat9V - depçiis q:.µ~ vQç~ péirtir? Não p0s·s o ,arrancá-lo do
meu cGração, N.ik<ilâi :Stavtó_gµ(i;í.") 3

St<!.Vtçg1:iinê se s4rp,veeende ,que::: $haJ:o.v ó. ,considere "uma ·espêde de


astrn'.' jun:t9 ad qual ek ptóptiçl não passati,a 11& üm ihS:€.to'r. Todos. que"'
rem colo·car urn "@standam.t n,a·s ·m~6:s de. Sti.!:v.rpgui<tJe_. fiilalmen'~ ~ o
,P.só.Prio VedJ1oyenslq, pod~r-w.:ia pensar:, a persona,gem.. m_~ f1~c1, mars
1
s~cret;3 1 majs. '!aut<$I)oína ' de 'Os· Oemôriio.s~ que désába .aos pés do ide.-
:10;. beija~·! he .a mã:G, diz-lbe mjJ desati;i;ms e pro.p,~~-·ll,e~pot fim, çfue se • 1 •
1
tQrr,iê '' o tz~:r fvã1', ó safvadar da Rússia reve>luci'onária qu~ vai surgir d0
t:a.G>.~, q. d;itado.r·todo-pçidé.r<::tso ~ V.ti r~stãbel~.c_er, a ·ordem.

1
~ Os. den16nias , p Tií (tsr. E')
•:l·Ide;;m, p. ·ns- (N,EJ

85
·.CAPÍTU'l-.0 '2 - ·ô \ A'OMiã°NS :s,E~~Q ó'~U:SES UN S J>}\l~A (i S Ô.U,TR.OS
Siavrógum. você € tão. belo! exdamou. Fi6tr Stepán~vitçh cornu: em
ê~tase.,. E você é que é rneu (áolo1 Não ófend.e ninguém ê e_ritretánro
to1los o -odeiam;trata o.~ qutr.o~ como ~~_ug e e nn:etanto 0 temem ... VôGê
é o chef:e, vbcê é o sdl1 e eu não passo dê um ~rme. H

Maríçi limof~ievna, a c0xa, sente wn medo ~ um deslumbramento fre,_


n ê tico~ )1a presença de Stavrogt+ine.: (15.erá ·que me é p errn,Ítiáo,. pergun-
ta ela hum LI demente, ajoelhar-[l_1e diante de vós7" Mas o encantamento
çhega rap!d~mente ao fim; Maria é ·a ún ica capaz. de desmascar.ar d ·i_m.
postar, pó1s nelà nãó há orgulho. Stavroguine é uma verdadeix:~alegori:a
dêi! mediação 'fnternã.

O ó diÇi é çi jrnag-em invertida do amor -div ino Já vimos Q eter.no·marido é


o curioso i..tfip·ertinente oferecer ·o ser amado em "sactifí-c:;io" à divindádé
monstruosa. As ·pe·rsonage ns· d(' Os Démôn(as c,:feréce.m-se a si próprios
e ofertêem para Stavroguine tudo quanto pbssue,m de mals p,recioso.
/\ tratJscendênci?t de1,')'faÔ.a ê uma caricatura da ttansct"ndêntía vertiç~L
Não há o tn.enor t;;lemento dessã rnístic<;l as avessas que f:lão possua s~u
abonador lütninoso na veídade cristã.

No tl\Undo de àmanh~, afiJJT1ãm os f.also.s profetas_; /Ys he:me!j.s, seráo deu~ê'B


.uns pa1;a os outros. S~o sempre ás mais cegas entre as perso nagens dos-
toievskian.as que no8 trazem es,sa mensag-en1 amb(gua. Os iTrfelizes se
exaltam cóm à ideia de u:m.a imensa fratemidade. Eles nã.o perçebem ~
íro.nia de sua própri_a fon;m.i.la'çã-Q. E:le~ éreeni ~staranunciando o paraíso
mas é ão inferno que estão se íeferindo, o inferno onde eles próprios
estão se afundando.

T o dos aqueles ql:Ie .celebram ou deplõram o s progressos do "materialis-


mo" s.e encontram igualrneme afastados do pensãmento dost.oie-vskia_no.
N ão 1-_lá T'làda J)lenos "mate-ríalls:tl' qué o desejo ,tri,angular. A p:aixão que

1
• fderri, p .~72. (N.E)

86
MENTIRA 'l.W.MÃNTIC.~ E \tRL1Al,'.:lJ; ROM ANESC A
os ho.m el;J? j.nv~stem em..arrancãr-se os ·obje'tos 1 ou em multiplicá-los ,
não é um triunfo da maté ria mas um t'riuafo do mediador, o deus com
aspecto humano. Nesse µ Diverso .de êspfrituàüdade ,démoníaca, só um
Muishkine tem o direito de s-e dizer "matcrt.aHst~". Os.hom.en~se gabam
de h_ã.ver rejettad.o .as antigas supersti~ões, mas estão u. se afun_dar no
sub~olo, nesse- súbterrâ.neo ·onde triunfam as ilusões cada ve:z. mai·s gto·s.-
seiras. À medida que o çéu se despovoa o sagrado re flui ,;obre a rcrra;
d e ·isola o indivíduo de· todps O$ bens têrresfr(;)S, cava, entre .si e o cá
ernb.aixci., um abismo mais profundo que o antigo ·a lém ~A superfície da
terra. o nde habitam os Ouiras se trar:isforma num "i.n acessNel parafso ..

O problema do divino não podê P1çtis sér col ocado nesse nível lnferior.
A necessidade .de rranstend_ê ncia se ·"satisfaz' na mediação . Os debates
1

r.elígíosós ficam _pois no nrvel acadêmico rne51U_o quê ek s provoque-ni


çónftontgs acalorados ,. e talvez p·r incipalmente .n esse ~aso. Pouçp· im-
póJ~ se ô homem do s.úbsoJo afirma ou nega, com violência,. atê, rria.6
sempre. sem vontªde , a exi~t~ncia de De_us. Para qµe o sagrado . adquira
um signiiicado concreto é ·precrs·o .primeiro subjr de. novo à superfície da
terra.{) retorno à terra: marer.na -constituj , pois, em D c>stoievski a pri-
rne'ira e irrlpresdoçlív:el etapa no caminho da sal:vaç~o. Quanélo o heró i
en;i..erge, vitorioso, do subt~rrâneo . ele beija o sol.o n ara1.

A .oposiç~o e as ánalogias .e ntre as duas transcendências ,s e r:eproduzem


em tocl.os:o.s ron-rancistas .do desejo segundo Q Outro, sejam: eles cristãos
ou não. Essas analogias ficam s ernpre evíde n'tes no c;;iso da mediação
iiXteroa. A .c ayalaria andante é a mística de Üdru Q uixbte. Num curi:o s0
capítulo do romance. Sancho ~ergunta a 'Seu amo o motívo µel o qual
de nãp eseolheü a ,$antidad~ eJ1) vez :d.a carreira d as ,armas ... F.la.uqert, rui
mesma founa, concebe o bov aris rho como um desvío da necessidade de

87
CAP'trUL'O 12 - C\S H OMENS, ~ç'RÃO OEUSE'S UNS' PAR ,~ OS 'OUThOS
transce_rtdêncja_ Emma adolesc:ente passa po:r uma crise pseudomfstiça
-antes de resvalar ptara õ ç,ovafis.mo pr-ópr.iarnente ditó.

A anális~-bem conhecida que Jules de Gaul tiet fez dó. /jbovari.sr:no" cQln-
,dde, ali.çÍs, em muitos pontos, .eom o ·ésquema: dostol~vskiano qu~ aq. 0

bamos de Levantai:_ Nó dizer de Gaulti~r, ~ persona~ens de Flauberr


.sr: ·Car,acteriz-am por um "defe1-r0 essencial de. -carátêt fixo e de origina-
ltda.de p1.6ptía,, de forma que_., não -sendo na.d.a por sí IJ)esmas, tornã:_i:i;i-
se .alguma coisa, tal coisá ôu tãI ot1tra" por rné-io da sugestão à qual elas
11
obedec;:em"LS_ Essas personagens não conseguem se igualar ao model0
-que própus6ram para .sL Entretanto, o: amor por sl ptó.p-tias lhes proíbê
çonfe:s·s at .a si' mesmáJ süa impo'tência. Cegando seu juízo, ele -as irnpde
p.ara a postur.a de engê.)lar a si próprias e de se i<lenti.fkar em sua própria.
visão com .a imagem pela qual elas substituíram sua pessoa"_ Ess~ d·es-
çriçã_o é exata mas seria necessário acrescentar que abai.x.o do amor por
si 'J)róprio e te{Jdo este último sob controle ~~hi:e o· desprezo e o óruo
de si. A mediocridacle objetioa dos heróis flaubertianos, s_om_çtda a s·uas
ridículas pret,::nsões) .c éga ·o ctfüco. e, o impede dit pe-rceqer que ·sã9 os
próprios heró~ - ou pelo men.qs os m,;1ís metafísicos d<m__tre eles, como a
s1cJ_ .Bovary - que reconhecem ser insu{ieieQt~·s e se fançam no. ''.bovaris-
qió" para escapar a uma condenação proterida primeirament~, e talvez
até exdusivan:iente, pôr eles· Próprios, be01 lá no fundo secreto- de sua
consciência_ Na origem do bovarisrri0' toi;no na do ft:-en,esi dostoievskia-
0

no, há póis ,o fracasso de um pTojeto de autodivin.izaÇãó màis ou menos


Gonsciente. Fla:ubert, é Jato incontestãvel, joga uma luz .mais fraca que
a de Dostoievski, sobre as raízes m~tafísica's do desejo. Nem po r isso o
catá ter "'transcendente" da paixão ·flc::a meno~ .enfatí:zç140 em numerosQS
trechos dé Madame Bova·ry,
Emma Bovary escreve 'Cartas de amor a Rodolphe:

',' _Jules de Gaulrler. Lt bbvmysme. (N_E)

88
M.éNTIRA RÔMÁNT!ÇA E V°ER DA.D.a· ROMAN.ESCA
Mas, <!_O. ~screv~r. ~Ênha n.0: ~spírft;a .ouzyo homem .. um ran~àshia'. .éOfü-
postq elas súás mais ã!"den~é~ l~!Dbrãnç'á~ da!.· sµas · lt:i:t1,1ras mais l:ielªs,.
das suas m,ns: forth .ansiedade~.; é afinal este s~ tqm'áva ~ão v~rdade:irq e
:ac.css,í vd, •que Ema palpitava. por de,, maravilhada,, Setri c0ntudo µócler
1rnqgil}á-[o d ~e-n}e,.t;mt0,,de.~e p~rdiª,:e;:omo uin I) eus,.ua,abundâo-
da .dõs atributó'i<. 1."

Ô S~1'1tJdo metafísico do fksejo é um pnuco rm-enqs fád'l de p~reeper


'ria~ :r~giões 9Up~riorés,, O'.U bor,zuesas, da tn.édiação ir,iter.na_ A vaidade
5;'1.'eodbahan:a 'é ~11ttetà1~tp: i.rm~ c±0 ·bQYéftisrno ílau,berttàn.o 1 ~ ·é
. t'atri-
bérn um s.ubs0J0 1 s6 que menos profundo,, o,Qd~ s~ de,bàtem em V.ão
~ personate.õs· dos romances. O. vaidoso q:uer tudo red_azfr a. &i rnes-
m,01 ti.rdo ce:ntralizªr em seu Éu , m~- rnJT\ê;~ .9 corisegu.e. Elé padece

c;c}mpTe ae um "va.zame.ntd' em .d11;~ção .cj.o Ou:tro., pyor emâe se ê:st'o:a a


s:ub st~n.d;;i. de s.eâ ser.

Cçr:i:rrc. D.ostQiévski, S~ençlha·l entendeu p~tctH~mertt." gue na origem


áo-tu,mprida . É _
dessa 'infolici-d ade se Fazfa: neces&ária uma protne.s-.st:i ·n._ por
1.ss9 que. ~1~ .dá ,grande- import'ânda à educação de suas persnnagenç_ Os
vaidosos sã·0 cfuase sempre; trl~nQ:Lf rrürnadas, adwad.a.s @OT cortesãos
i.nescrupul0sos. São ·u,fel.izes por,qµe .s~ lhe!>. tepéti{r "tôQ.óS: o.s: d.Jas êfu-
ranJe d~z anos ·.gue el~s devedam s.er mais feHz-es que os· outrx;rs".
A prorn~ssa p.~o-cutrtp1ia~ apàt~cç t~m:bérn e·mSt.en.dhãl:sol;, úmâ forma
mai s-geral, m.ais:apro;pri-ada··.à gi-andeza do te.m a CQri10 ~rn Q ·o ?tbiêvsk_i,
é Q des.e n.volvlinentQ histórico moderno e em particular 0 apelo irvesis--
tfvel ,cl-ç: ljberda·de- polític_a, que é,ngençlra o.u _agrava í:l Vàídade·. Qs,crfücos
nem ,s empre conseguem .c9,ndliat ~ssa i~~ia fuIYd_artJ.ental t.ôhl àS. Q_píni-
&e's avai-iççi}qs de Stendhal As ·dHkuldades s.~ dissolvem com a, lerutta
d~ um pens_a.cfor tal qUc1f Tocquevtll'e g:ú.é não· és:t.a kwge de conceber

16
Madttme B·óvdry, p.34 4 , op,.cit.

g~··
C~P f:fULO :i:..- :0:5, HBMENS &ERÃ.0 BEUSES UNS i>ARA OS (;) UTR'OS
a liberdade da mesma fqfli1a que Stendhal. A promessa r;nodemà não
é intrü1seca.n1ente falsa ·e dia:bóliqt, corno em Dosto ievc;ki, mas ê jodis-
pensá.vel s_e r muito forte·_para as-sumi-la virllment~, A Jdeia -antiga segun-
·do a .qual é mais difícil Vlver como homeTl} livre. çlo qµe como escravo
permeia, rodo ó pensamerítd ?ocia1 e polfüco de Srertdhâl. Apena.s os
que <;ão ·c apazes c:l:e conqúis-tá--la são merecedores da .liberdade, escrev·e
Stençihal no. hm <le A1emórfos d.e um Tur,ist,i. Apenas o ser .tone pod~ v.iv.er
sem vaidade. Num universo de iguais os. fta:coS: s~o -a presa do desejo
metafísico e c h~g·ã-se ao :triünfo do~rsendmentos módemos: "a i_nveia, o
dúrne e o.ódio impotente".

Cx homens que não conseguem encarar a liberdade d.e frente ficam: ex-
post(;)S: à angústia. Eles procuram .um ponto de apoio onde pousar seu
o lhar. Não há J1)aís nem Deus,,:nem r:ei, nem senhor para assegurar sua
ligaçân com o universal É pata es~:apai:- do s.entirç.ento do particular que
<JS homens desejam Cúnfonne o ()4,trop .el.es ese:dlber.u peu.s es de 'féposí-
ção, pois não 1_füoen, ~emmci..ar ao innniio.

O egptístn sJendhaliano não procur~, como o Roníâr:,ticô, lntJar seu Eu nas


proporções do universo. Tal ernpreendirneotLl. repOusq _sempr:e sobre algu -
ma m~diação óculta. O egotista toma consciência de sêüs limites e desiste
d'.e superá Íos,. É p0r·moçiésti.a e
0
por prudên.cía que de diz "et{. Ele não
está relegàdo ao nada., pois· não renuod_ó).f a cób.içar o ti.ufo: O egotismo·
representa, assim, ·eri1 Stendha1, um esboço ·d<:; humarijs:m,ó moderno.

Po-rmaís interessante que seja·essa tentativa, ela ql:lase não tem repercus-
sões·sobre a atividade rm;nanésca. Não se encontra ne.rihum meto-termo,
nps rçmanaes , entre a vai.dade ·e a paixãp, entre a existência ime'd iata
que é ignorância, sã.perstlção, ação, felicicl.ad.e_, e a reflexão rn.ediata que
é medo da verdade., i.nde_ç.isào, fraqueza e vàtdade.

No primeiro Stendhal e em êettos ensaios ainda nos deparamos com uma


úposiç~ó h_erdada cio século xvm entre (5 cetidsniá fúcido das· pessoas

•9()'

~1 ENT:.RA RO ,\ tÂN 'FI( A F. VE'RbADÉ R1' )·1\_1,~!'i l;\CA


de· be·rn .e a, rêligiào' hipócrita de· .todos 0s demais •seres· ht:.1trranos N~
grande$ ob_ras é.s.$.a: opo~içio .d ~·a-pa.recett 5Ia é sühs.titüfda pru: um con-
tra~rce en.rre.a· religião b.i:pó~rt ta tfo,vaidosco ~ à: r~ligi'~o -aurêntica dô. i!pá.i-
x:ertado, Todos-os. eot.es de pai.xã.o, a sra'. de Rênal,, a Sl'fi. de .C;iJastellec
Fabrkict_,Clélia_ e os lie"r6i-s das Crôaica_s ·italüm-.a_s s.ão entes rdigiosos:.

Stendhal jamais eonseguiu ç;:rjar l:J'..rt:J herói apaixôn~dd que ri}lo fqs~e
cr.é,nte. Nã.o que· i1,ãó t~nl,a -t'eat:ad0 .. . Mas os resulta.dos· ~ãq..deceç-c_iõ-
nântê_s. Luci~n le_uwen titµbeü1, ~nb·e_v;j,iqáde·e .ingç.nurdade;, Lamiel vira
uma mari"G,nere e frte-ttc:ih.al .Q p·õe-dt fado p·áta çouc:en'tra..r-st n.ci ·v ªidQso
Sansfün . .Iufaen Sor.d também devi'a ser, num dç:t~trpjnad.o ·estágiQ d·d
pre;çc;:ss.0. C.ri'atJvo, 'éS-té heroj qp:aJtonad.'0 e descrente que Sterniha:l cm.,
girava-. Mas Julfen :nãq p.a·ssa cie ucp b:ipóêríta lig~.í.r.am,ept~ mais- luci.do
e enér.gic,o que os demais. S6 c0nhec:erá a pa:i,x.ão verdad~ira a9 ~$,tár
a:gonizant'e,. quaúdç, réouocia a ~ii me-sJi10, e, então já não se sabe muiw
b~ro se de cprrtip\ ra sénçlo c'étü;p.

A lmJ,>O.t~.ncia de Stendhal é reve ladora. C) ·ser .de· pa"i:x~:q <.f lllti si?r do
pas~a·q.o;:es·treft~ e sup~sticio54ment.e religioso.-. O se_r de vai.da.de é. o ser
.do, presente; ~·1ç ,(: cru;tãõ. ap..ena:s em tazâQ ,d e um ppôrtú'riimuo· dsj qual.
1

,e°Je prõprlb nem sempre tem eonsei.ênda. O tnnnfq da va:idad~ çq'inc:ídé


·éortl o f.!r\fta.qtJ..eciJTI.ento dó univers·o .tradícionaL Os.-homens do, cdes@jo,
ttj.a.1;1:gµ'.1.a r :i1$o ere~m majs, ·p orém são ·;n'ç_çi.páhes d~ abrjr- mão ·de toda
transcendênci:a. SteFitlha:T qu-ey ~e .canv~n._cer de que· S"e ,pàçlt ~capar da
vaidç1d<; s"ê)'n focorret· ao c.ristlani.smo 1 mas esse >ideal nllflca ~e ~Qq1rhotL
mi ,obra mwâ(1esça:,

Assim séndo· não ,6 necessádo tazer-cle Stendh<l!l um ctistâo t)U de Dós-


toi-<;vs_ki u_rn çtttti p~r;a feiaG:ionâr- -suas obras- romanescas. A, verdade i
suficiente.: A vaidade st~ndhaüana ê ímiâ' de tod'0s o:s -d~sejos me,taff-
sicos ,e,ocontrados nos; m1.rrqs r.proa-neista~. P~ra ap:re·é'f)dér ó ç0Iiçelt9:
em todç a profnnclidacle é preciso sem-pre mmá- lo em sua qµ._pla
§u-1:1
aGepção n;retafísjc:~ e m.undanp,_hil;>J'i":ta ~ co;tiÔ}i\Qa. É.po1;que, et~ sente

:q_-1

é'Afli:"tJtü 2.~ 11t~. H~>)_tb.~~ '~J'{l._.;;c(! beDS'F~ Ü$:~ PA~ .o!l o .u-r1n)s
ap-rofundar .es:te vazio de que fpla ó EcLct"sicistes que o vaidqso se-,refu~
gia .nos comp9rtamenros fr-ivoJos e ·na imitação~ ,É p:orqüe ele não ousa
encarar de frente seu nada qú~ ele se preeipit~ el}1 direção ao. Outro
poupptlo , -aparentemente, pela maldição.

O vai-e-vem e5;têril do· orgulho e .da ve:rgonha apé).rece lgua1rnente ·no·


c.suobisrno prqustiano. Nunca desprezaremos o esrtobe t.a nto q·uao to de
Ptoprio se despreza. Ser esnobe, àÜás, não é propnamé.nte ser abjeto e
si,I:n fugir de suá abjeção no novo ser que o es.nobismo lhe fornece. O es-
nobe acredita sempre t-star pres:tes a ap0derar-s~ des~ê ser e age como se
já o pb-ssüfsse. Dessa J.ortr:ia, ele dá mostras de uma altive·:z.. in~µpórtável .
Q esnobismo e uma mistura inextricável de ,_altivez e de baixeza.

~tr.e o·esnohe
Não se a.ceha sem um ~e.rt_Q mal-estar esta aproximação
e os demais heróis de rqmance. 1ern-se. JJma Gapaddad~ de indignação
iJlnnit;;i quando se trata de .esnobismo Esse êrin:ie. talvez seja 0 único q1._te
nos-sa litera:tu:ra dé vapguªrda, ·apesar de tão ~p·egàda. '_à justiça, nunca
sequer pensou em "reabilit.a.r''. Morctli.stg:s de v:an,guarda e d~ retãguar.da
prom_ovem um campeonato de cenh qs frãn'4'rdos contra. O Carr1inl,6 de
Guennarites. Cons.tdera•seum tanto embaraçoso q4é Stendhal e Proustte-
nham dedicado ao· esnobismo ~1ma boa parte de.·suas obras. Os exegetas
d-e boa voptâde se esforçam em ·rn\rrimizar o papel desses defeitos tã.o
feios de IJOSsds ma\s· iÍustres romancistas.

Nós não desprezamos o 'herqi do·s toi~vskiano, mas nós desprq:àmos.


esnobismo nos pare~e -pertencer ao UJ1ive·rso "npr-
o• eso:obe; po"i,s o
mat. É.um víêló do qµal pensélm0s- estar, feli:Z:m(rn:te, ts~trto:s mas cujos,
efeitos lamentáveis _pod.ert;ios obs~rv<J.r a nossa volta. Es~e .esnebismo
tprn·a-se objeto de um julgamento 1_ noral. A obsessão do h omem ·do
subsolo, em cànttapa;:tida, nós parece patológica ou m.e.tafísic:a. "Ela é

92
MEl:llT.lRA R..OMÀNTKA E VERDADE ~OMANESCA
da alçada .do. p.siqLLi.a tra ou do fü6sofo,. Não eernqs cq0r~g-em d~ c:.ondee-
tlq.:r um. poss.ess.o.
Mas haveria mesmc e11tte o e_sno-b~ proustla:,no e l'J ber~.i dó~toie\/sk:nrno
1..rmà tamanha diferen~? O Subsolo: resp.o nde que oãn. Q&sery.ern9s o
he·rói ~ubte'rr~neg_ .çom.s~ús, anti~os rnndiscfpulos. Ess.es seres i.nsfpidos
01·g:a:rilzam Uil;l banquete em hQnJenp:geqi ~ u~ tal de Zverko\1 ·.tj:ue esrava.
cle partida ç;c:>m. as trnpas para <,} Cáucaso. O homew ·@o s-obsofo as,s;jste
aos gnwa.r~tlvos da festa mas nir:i~étn ·s~quer se lembra. de convidá,,,lo.
fasa arfói')ta fI)esperadá, ou q't,:lem sabe·pq_r :demal$.esp~a·di;l, ~de!:ieric;a,.dijia
nele uma pai:.;ão mórqi9-a, ·1:1ng: ~e.s-ejo fre;rrérJco JJ-dê esm:1g;at,, ele de1Tç;tar,.
de enfeit,i9.1/' ~sses-ente5· dos ~uai:s ele não .t em a menor neces$ldç.{J.e .f ·
pel_os quais, p.of s1n·al , e:t~,s~r')te u:m..d~sp.tez.Q .rotaln1.e.rite sin.terb:.

,O infeliz a(;ab.a conseguindo, depois de mii bai:x;ez-a~, ·t> contrite: ~õb_iÇ.á~


do. El~ cQ.rnpa:r~c:e ~-tes.ta ,e lá se pol'ta ·de modo ridículo ·1sem pe-r:der um
·só t_
nstctnte a con:st'í ênçtà de sua lgnómíriia~.
É preci-so reJ-er b ra,minb:a de Guerm,intes 1·7• a luz desse epJsódJq. :As· ~jfe-
T"e·t;J.ç~s d'e melo nã_ç:i deve,m .no.s -ck_snorte<1r. A estrutura: é :i!iêBtica. Um
Bapal ·d~ B':réaqt€ e tanro.s outros. Qgµrãnte-s próusti.a nos n,ão tLcam ~m
.absoluto .atrás·, quanto ~a sua imignificánda, .çle Zv~ov e seu bando,
O e_sôó,h~ proJfst iano ,. psicó l.o·ijb tã0 su.til ~uanto o homem <lo subsolo,,
traz à tona ·o vazto de s:eú med:i..,idor. Çqm.E? ~rn Dósl0.t€:v.ski,, e-1:itre-tan-
to, e.ssa luci·dez é' 1mp.q tei,te. Ela f\âp ccn;:segµe ~rra nca( b ser Júciclo d~
S.l,ÜJ f~scínaÇãQ.

Nesse ponto.,,~, verdad~ dó ·b,.trôi prou~tianô :$.ê canfund~ com a.verda.de


d.0 criador, Marcel P'rou.st; j0v.em. bur~ês Tfeo .e brJl.hacnte, :çstava 1Vp-
sis:tive.hnent~ ~'t::raJdo p~Jp ú.eico meio parisiense onde sua fotfuna, set:1
taleI;J.r:o .e .seu charrtr~ não lhe ~odiàth sét·de gtfücfade ~[guma. Os úr:Jcos

17
V'er Prou.st, O .Ciifflmh0 ~t'Guehitânles (.v;~. (.N.E. )

2.3'
úA_'PfTt,JL.O ·~ - OS HOl"IBNS: S.ERÂ() DH°llSES UNS. P.ARA-OS ( lLl'TRQS
seres que ele de_sejava frequentar, c.omo Jean Santeuíl nó lic~u,, tra·m
aqueles que não 4ueria111 :fladá com ele.

Na obra de Proust,, assim rnmo na de Do:stoiev~ki , ~ um :cri tério nega-


tivo que dete~miba a ,é_stolha :do mediador. O e.snob~, tanto qr.1anto o
amante, persegue 11 0 ser :d e fuga" e ifüo há perseguição senão por bave(
fuga. Em ProLLc;t, como em Dostoiev:5kr1 é a negação do co nvite, a recusa
brutal do Outró, que desencadeia o desejo obsessivo_. O Subsolo pr(ijeta
sobre o lado mu.n dand ·da expé.ri ência proustiana uma luz tão crua quan-
to i'I de O Eterno Marido sobre o aspecto erótico.

O esnôb~ proustiano ,;e acha defrontado com a.s mesmas tentações que
o h0me.m do su.bs-olo, ã da carfa ao m~d.íadm, por exemp lo . Essa carta se
quérí'nsult-ante mas n.ã o passa-, no fundo , de urna apelo. angustiado. Cil-
be1:te SwcJ.nn, desespera.da por não ser convidada à Tés_idência dos Cuer-
mantes, e nviá à dügues,á uma carti:1 que não deixa de ter semelhah·ç as
com a que cogita .o hqm~ çlo su.b sofo no.episódio, do oficia-! insolente.
Em Jemi Sqriteuil, .o herói escreve a s:eus condisci'pulos p~trsegui_dores_âma
cana em qu_e ele implot:a sua a:mizade. As rncmsagens d~ aduJa~ão deli·-
rante que Nastada Philipovna manda a Aglaia. em O Idiota 18', se inscre-
vem no mesmo triângulo que as ca:r.ra.s pr.ot1stianç1s.

Não. há solução· de conttnuid.ad~ entre .os gênios. romaJ1escos. Pocl.et-~e-


ia multipli·car infinitamente d$ analogias. O h omem ciost.oievskiano, por
exemplo., corrio o va:idoso stendhal-iano·,.ben.:r como o esnobt proust1ano.,
vive com uma ·i deia lixa que é ·o me.do do ridfco lo. Ta] como o narrado r
pro.ustiano convidado '[)ela prim~irà v.ez o.a çasa da princesa de Cuer-
mantes, aa·edita estar sendo vítima de uma mistilicac~ó, ele ·µnag ina de
si para si qu~ os: verdadeiros co.r;vtdado&-1 OS· convidados por direitb di 0

vino ao banquete da vida, vão zombar dde. São os mesmos senti mentos

u Ê~çãd hrasjlei'r9: fi!'ídor ()os:toi~vsh () idiota. Rio µe Ja.ne.i ro: Nova A:gui!ar,
L976. (N _E.)'

94
"-1:f'~ TIR·A R< 1.M.À.tiJTl l.,1, .f. Vr~D·At~F ROK.\'..\t<J f:S:t·.A
prest:nt.es na. ,o bra de Proust mas €:les si: expr~ssafi) cq1n l.ftl)a viol~ncià
itic0mpáfâ_vel. D·escobrirno,s ·em Prous.t , no capítulo .anterior, urna ca;ri-
.camra: da ~aidade.stendha:Hanã·. Déscobrimos ~g_ o'r<:1 ,êm Úost.oiev-ski uma
caricatura do esnobism01 pi91:151:fanp.

Nessa~ .condt'çqe:~-:. ppr ç:tU'@ então· o esnobe no,s. i.ns.pira :llm de_spr~o re s-
pecia,J.;; Respnnderemos, se pre...,s'iõ nad-tr&, que; ~ arbitr'a:ri,e.dade d.e sua
íroitã.çã-0 nos inita.. A imitação 1:nf.amil -n0s paree<!: p·erdb~vd tyncfo em:
l,'i'sta que- está e-rrtàiz~da rruma. ji;iteri0r.itl.ade real -A tnfância· n~q pe?sui
nem a f.orça 'físlea , :nem a exp€riêne'i?, nem os rêcürsQ$' .elo adult0. No .e.s,-
nohe., _pdo·contráriu 1 nãose·p.treebe q:ua'Lqner ii:ikrjoridad<:: .defuíívd. '0
esnobe_n5ip ç ·ha-i>.;.o; de· se=abaixa, Numa &Hci.edade- on:é).e 0'S· itrdfvíâuos
sao ' 'I fvres e igu_a\~ (_!rn direit<):S." n'ãP ifozerfo bjiv~r .e'snQbes. Maqmde haver
esnobes tão; so:meme rressa ~ocj'edacB.e. O ,esnob);s1n0, ,c.oin e.feito, f .:,::ige
ü'I:il.:a ig~1dad€: conor-tta·. QuandGM>-s in<livfduos sào realilJ.ctJJté infetiôí'.çs
c>u supel'iore:s mi:$ ;tqs pµtfoS; pode havey servilisr.irn tt- 'tirania, adulação
a arrogância, mas fa.n:i~{s t ·s·nob'ist1_10 [lo. sentido pr0p'r1Q· do t_ermo. O
csno.b:e çomE!t<;! tn.il bai:l~e.zas par-a 's er aceito. per pes~"0i1S que ele dçt;a :çle
um i;fi';'é~t(gio arbjtrári'P·. Próust ini;'i>te ime;nsamente 11esse a.s:p:ecto, Q s
esr.10b~s de Bn Bu-sü.t,do nm~ó pênlido $ão qUáse SC-IJ1pTê superior<ts a seus
mediador~ muA_dam.1~i ele.'\ O's superam pela foi-tuna., p·do ença,nfo ·e:
p<tlà tale1\tQ, .Por ( Onsegui.ntel a CSS@nda dcY Q-Snohismo é a abSüT'.dé'Z.,

O ,esnobismo 'começa 11a i.gt,1,aJdadc:. C~tt~mente_í$S.Q nãQ quer di:ze,r que


a so<.:W:dade !Jt;1. quai Vivi-a Proust era uma ·so.dedaq.e !:ierf'l d.as.ses. M_às· as
d_istirtções- teai,s e: co·nçret:a.~ ,eptr'e ~ssas·daises' não têm nada ·a ver ct1I)J
as -di.stinçõ·es abstratas çlo esnob{lifl'l1:), Ao.s- olhós: dQ$' s:oçiõ-log:cts,1 os Ver·
d_µrin p,e rtencem à. m~sma classe social que os Gtrerman_te:s.
O e-sno[re ,sç> j_r;icl.it:ia d]anfe_Úé um :título ·d~ nobr:e.z.a que: pordeu todo
va[or ma], diant.e de uma ··'150,sição· muncl'aíJa"· que n'.ão e, 've-rtládeira·
menfe_,rnteC:jaél:a s~nã0 por alguma:& dúzias de vefh~nJtas., Qu1rntó mais
arbitrária a i_m;lta~ãçi, mais cl:a {iC)s parece ·desprezíve l.fia apnndmaçâ0

Q5

( APfTU:L'() :! ~ ()'{ l-J'~ ),\lE'N..'> Sfl°<-~O;.().!;-Ug p ; UN . P:A RA:O S O UTRO f;


do me.d iádo:r que totna essa imitação arbitrária, e essa aproxinjação
rrõs. Iev.a ao herói dost:oi·ev-skia:no . Entre 9 homem d.o subselo e seus.
antigos condiscípulos, burocratas c9mo ele nestã cidade ".a rtificial e
pt:emed itada'' que ê São Petersburgo 1 não há mais a .I)1~nor diferenç,a:
a igualdade .é agota: perfeü.a ~ a imitação é mais absurda ainda do que
·em PrOLrst.

Os heróis subtérrãneos deveriam nos j;nspírar wti oójo ainda maior que
.os ~snohe.s prou.s ti.anos. Mas não sentimos ess.é nojo, Con.denamos uns
e :p oupamos out_rô'S em nome da mesma moral. Nos.so esforço erci isolar
úma essê'ncia espedfit ~ e maléfica do esnobismo 'fracas.s ou completâ-
meotc. Alcançamos sempre a vaidadé·ste,ndhaliana de um Lado, o fren·es1
dostoié.vskiano do outro. O vai-e-vem entr~ o orgulho e a vergo nha está
por toda parte, o que varia é apenas .a amphtude das osdJações.

Por que desaprovà.inos o eshQbé qiais do qúe as demais vítimas do êksej.o


segundo ó Outro? Se a explicação nàõ se encontra no romance é predso
procµrá-la np. leitor. As regiões. do. d.esejo que nos parncern estimáveis.,
ou pitot.e?c,as., são sernp,e, vale mencionar, as maís afastadas de nosso
própriG un·1verso. Pefo contrário , as regiões intermediárias e burguesas
são .ás que suscitam nossa indigo~ção. Mas talvez náo seja fortuita essa
divisão -''geo~áfü:a" da· censura, n,ão é-~

Já que.se trata, mais .uma vez, de desej.o segundô·O.Üutr-o, são os pi,óprios


romancistas que devem guiar nossa inve-stigação·.. Proust não é estranho
a nada do que roca, de perto 01;1 de Jooge, ao esnobiSJDo. Ele certamente
téI.:Q uma opinião formada sa bre o sçl"ltimento, de reprovação ([!le nos
ln·stiira esse ''defeito'' .

.Num eptsócii.o digno de .nota de No Caminho de Suiann , assi5timos à des-


coberta do esnobismo de Legra.n<lih pela família de Marcel. Legrê:!ndio
borboleteia em volta da nobreza total i saída. d.a missa. Ao invés de,
como de há.bito.~cumprimentar eordj.almente o.s pais de- Man:el, ele· lhes

96
MENTIRA ROMÂNT IC A E VERD.A_DE ROM e,NcSGA
dirige uma careta fugidia :e lhes volta as costas bruscame-n.te. b incidente
torna a acontecer dois d 0 miAgos. seguidos. É o bastant e pt!.ra esdareéer
0$ p~ís. Legrandin é um esnobe.

Ape.nas a avó. nãó reconhéc~ o ó bvio; ela se lembra que· Le_grandin é o


inimigo dos esno13~s. Elá ó Julga até um pouco: severo demais par:a coro
e.les. Como poderia Legr:a;ndin. tomar-se rnlpado pelo pecadó que 1·epre-
e.nde tão Vigorosamente nos O utros? Os pais não se deixam fogtar por
essà' "rnâ-fé''.. Ela é!,grava, a s~us ,olhos, o caso do rni.serável. É ó pai qu~
,dá rnostra:s, h ô càso todo, d a severidade-mais intensa, j.untaru.ente com
a maio r sagacidad~.

Há úm só espetácul o mas há rrês e_spectadores ~ três inf~rpretações d i·


feféptes . Há t;rê~ visões ma.s elas. não são autôn.qD;}as e Inoornpar-~veis
ccrmo gostariam ú's' subj:êtivistas_. Pode-se classificar essas três-visões e
hlerarquizá -las con:l;ormt dois pontos de vista diferentes. O primeiro
ponto de vista é o da: int~~gênda da e.ena . Quando s_e pa.ssa da avó à
mãe e da mãe ao pai, o esnobismo de Legrandhi é cada vez_m_ais compre-
endido. Há gtau? no conhecimento e esses.graus formam urna- espécie di
escada sobre ·à qual vão sé escalonando as três personagens . Atrás dessa
primeira escada Q'otctmós uma. segunda d.ê.senhad'a mais 1igeiramente, ç
da p.ureza ,moral. A avô está nó alto dessa segunda esca da já que ela
é inteirame nte pura de esnoljls_g;ro. A mãe fica um pO.\,lCQ abaixoi elá
já não é ma1s imaculada, Conquamo ela ainda receie "causar mágoa'' e
qut Swann· Ih~ seja espeçialm.e-nte. caro, eia- recusa receber sua mulher;
essa antiga '1cocote'!... Màis baixo ainda .mi escada fica e pai que é, a se4
mo do, o. mais esnobe da f_arnília, As àténçôes volúveis .e as faceir.kes
dç seµ colega Norpois o velho diplomata , p·rov"ocam nele as alegrias e
1

àS ~gús.ti<!S da vaid.ade. Não é ·somente no Faubo11rg Saint-Germain, é


ea;i todos ·os meios que flores~e-m ·os tabus e brilham os raios· da exco-
munhão. lnclusiv.e, o campo prõfíssional e· particularmente propício ao.
desenvolvimento. d0 qµ~: eroL(~t êhama de '1esnobismo.".

97
.C1',1'Í1U LO ::i - OS HO MEN.S S ERÃO Df'llS ES IJ.NS -PM A 05 OUTf/,üS
Basta inverte r a estã.dâ do cbóhel:lnf~nto pat-a obter ·a escada da purecza;
moral_ -A indignação q.u~ I;'> esnobe-exci ta <tm: riÔ"S é, assim, p~rtngirt~nte-
ment'~ urnª medida -de nosso próprio esnobismo, O ptó.p-rtq. L~etandin
t:'làô, ~õ.ns:títtii uma .~xc~ção ;i ç:~s~ lei-,. .Ele tem seu lu~ar sobre ·as duas.
escaclas1, .o nJ~,is b,-aix_o. "ri~ d.a QUreza, ô màis eleva.do,. 'p;Or consegt.1.iríte,
na. do e,0.n hedmento . Legrandin é doh;)rosam~nte se-ns(vel à:s m:ínihlélS
matjtfest ª§ô~s de esno.b.ismo_,O õ.dio qu..c, Lhe i'as·p:lra o ,ILpmcado cGn't:rao
espfrito''· n.ãp. (:.' sirpula-do. Sa.o o:s esndbe.s qu~in -lhe feçham as·p.ortas dos
safões, onde .ele deseja-ser re€ebido. É ,preciso que, a própriá peS,!iO-ª S€ja:
eSTI.,obe- Piii"á, sofr:ér mm o esn0bisr.no dos Outros,.

NãGl t i.:tma triste'. cO{nçidênçia qu(: faz con:i qu½' o sujc;;.ito â~sej.G1ii f.e, para
manifestar sua· indigna~ã-a,_escolha, sempr@ et Q;tesmo r:na] que- -a çorr0i.
crff r'~ a. iriÚi g:-rtaÇ?Í,'Q·e a, ç;u1 pp e;~&te üméi 'relaçãó d@ necessidade. E a-.mais
~guda pei)etr::rção.estâ· a servi9'0 ~es.sa i!J'.dignas~Q. Só O. esnob~·éo.nheée
verdadeiramente o esnnb.e· Já que ele 'imíta s~u cft;s<fj.o, istô é, ·a próprict
essência. d~ Se:u ·ser. "E est-á fo:ra de q.uestâo, que :se p0ssa d:eparar-:se· aqui
c:om a· d'tfete'rtr;;a c:õstujlieJt-a entre tg_pia :e o..rigiua1 pelá s'1mples: r:a:cão. d~
que não há .original O medradú.r d0 esn9b ç é eJ~ prç3-prtd um ésnôhe,.
i'stQ f , µma prirúeiiiâ ,t.ópia..

A reJa,ção· ent;t~ .conh~drn~ntó e partíçípçiç~o iW .d~stjo m.e~af.ísi.co·.é es.-


trei ta .e direta:. Ús ,esnobes se emendem na prim_dra 'tt;'õca de· olhat es e
~e ode(~flJ- qúa.se com .â i:n~stn~ rap<dez-1, p.o f.s fiada «p.i or p a:ra o sujetto
desejante do 'gu~ 'Vér sua: ho.itação d~sm.asc;aracla,

Quanto mais diminui a distância entre o- rnedia~for :~ o..suj;tt.to", màis


a dif'êrê n.ça de_(Cr,~C:~1 ma.is Q c0..nhecimento se d efine" -mais 0 .ódi<D
se i n'te ns-ifi-ça. É setíipre ,se-li: p'fóp.rio desejo q,u~ Q süj ei.t.0. ,c0.n.dc':..ti-a
00 OutrQ, mas, ele ·não -o sab:e. Ó ·ó di0 é inq.lvi_ d ü:alista._ Eie alime!ita
fer9.zrnent'ê i'! ilu:são de \.cm.a d-i.forença absoluta entre es-se Eu e es:se
Out;,o que naq.a maí~ s~patà. O çdnhecimifü tó fodl~oa.clQ t. assim.,
um coohecimen--ro 1mperfei't0:. ~-J-ão :;rer.ad~ como 0 .. qti.e-:ren:i- çel_'to$

98,
·ME?NT'i'R-'A R'OMÂ NI"ICA E \"ERo QA.O·- t R0,\\~N.f$'CA
rnoraHsfas, mas i;mpetfeítêJ" _pois o s~Jelto não reco:nhece no Ou,tr.o.
·o Vazi<:l que :c or-r ói..a el.e p:rópriç,-, Ele o traQstm.~ ~ [)_urna dívJ.ndade
cp.çnstrups;a. Todo co.nhecimento i_Q'dignad0 do- Oktro é µm conh_ê,.,
cip:itj'Jto ci,rcular :q qe sê vr,5J~ Pa.líil iro;- gp]p~r- o · sluj<tltu. sem gue de
se dê ·c onta disso . Es'Se cítcqlf'.). ps}cológ-icó s-e ·ínséreve no h:i'âtigulo
do ·d~:S~jo, A maioria de nossos julgament@s ét-ic.,os. se fundatnetJt.am
no .6dfõ dq n;ted_iado,r, is.to cé., d.ê um .rival com .ó quaJ passam0s a· t-19~
as.semelhar.

Quando. Q tue.âiador ainda estâ ..rfas'l:ado, o .círculo é va~t9 1 é rt:iuito' fki1


Cói;l._f~di:r <!- µ1íra .cfo j;ulgam~pto ~tiéo <Jim 1:1.ma linha -t eta. Essa c1:mfusão
é"uma·cons:tanfe no suj~Tto desejar.í_tê-. 'Ü e-spâço dó d'esejo ·é ".eu_CÍ.idi-ano.'i_
Sempre acr@'d.í.tarhqs nos mover em linha ret'a rum0 ao objetq de nds.sos
d~:s-ejo:S 'e de [ióS$0S àdió~. ·o.
espâ~p., rómanestb é "elnste-tniano". Ü m~
man.cósta nos mostra qU<t a lin})a _n;t_a: €: ºª
realicfud.'e_l(m .círculo-qüe nos
trazjnV'ef.ltiVelmente de v olra a, n6s mesmos.

Qu~_ndo. (J 11r~diad:,qr está rh:uifb.. pr.ó iimo. os obs.e-rvadores pe-r"C~bem


O círculo psicolÓ_glCb 0 0 nêr'Ô~ é falam étn ó:h~~S:,ãq. Ó :QbS.G-SSÍYQ ·SJ'.
p~ ece com iuna f0rtitica-çã:o c.ereada pelo· inimigo. EJe e~tá ·,:-edüzicfo
a se\;l_s _
re-<tatso·s pTóprips, Legrandin estig..mafüca el0quenremente 0
esnebisrno, Bloch tnjud~ o artiVl's:mó -~ Ch$Írlus ·a hc:imbs.s~e*'ual.ida·~
dé. Cada ü.m rfada: mais faz cio q.u-e falar ·tâo somef\t~ d~ s:e4 p.ró:pri'o
iV-íéio. O 0bses1, iYp· ni:}.s imp:rfssi<,ma pela luctde:z qµe ele demon_s.trq
para com seus sero:elhan_ t es., <;rn Qr.,itnis pal.à.vta~-p:ar:a .corn séus rivais, e
µ_dá c~gueita que de demomtr.c1 pa,ra .c.ç>n_sfg.o rnes_íno. E~sêl lt.ic:idé.z ·e
esS:à, t eguêira~ctese::½-m d.e é.omum acontl© :à pmperçâ:e que o Q\e·díador-
$e a'J)t:oxima.

A lei dtr cír_çúl.o' psico·lógice é fundamental. Vamos ~ee:nct.it)tni-la, con-


s~<tuentementre, t tn ~1:).â os ·os romanti.s1as do de·sej0 s~gundo 9 Outro
Dos -três irmâo.s K_<)Tamazóv, ~ !vii ·quem mai-S: se assemelha. a seu pai e
~ ALióc-ha qurm menos se assemelha- '1 elç;. B1vã qu-e;m mais od~ii:I..e é

,9<)
( ;.AP rrTU L! J' :!, - f fS' H:OM.F±-:", $rn,H.Y ~>.t'. C!St:S IJ ~.<.; P.AR':\. ( \ <:; <i UTRn$
AHócha quem menos odeia 19• Reconhecem,se: sem ditic.uldadé as duas
l.Jeseadas" p roust1al)a5.

T orna-se -a enctintt.ar tan;ibém o d rculo psjco-lógico em Cervantes. São


os mais propensos ao mal ontológico que se esfo_;rçam em curar Dom
Qwxore. São semp.re os i:n;üs doentes que a .doença .dos Outro) 9bceca.

D~prjis de haver amaldiçoado, os O utr'bs., Édipo s.e ·d ~o;c0bre culpado. A


psiéologia romanesca é ainda mais banal do que nossos críticos bem
corados afirmam. De fato, ela c·orresponde, em seus pontos altos, a psi-
cologia das grandes religiões:

Ês ine.s.c usávef quandoJulgas, 6 hem.em, que.aj queT que·sejas, po.rq4e te


éondenàs a ti m~m0 naquilo (;:f11 .qtle Julgas a ou:tro, .pois tu que julgas.,
fazes o. mesmo." (São Paulo, Epístola aos Rorpano$)20

A nprimavera social'' que desperta no çprçição de um jovem esn ob~ l;lâ9


é mais desprezível em si que os derna,s desejos. Enosso· círcülo psico-
lpgico que çr:ia a ilusão de· uma diferença: fundam ej"ltal . .Não sónh~mos
todos secretamente com o Fàubourg Saint~Germain. M·as somos parti"
culannente severos para eo.m 0s.esn·oh es por .habitarem d mesmo mundo
histórico que nós. Somos hostis às formas burguesas do desejo mc::tafísi-
co1, pois nefa~ rêcon})ecemó:i ~ d~sejos de nossosviúnho!i e a oarkaru.ra
grotesca de nossas próprias teota'Ções.

Nãó entender o e:sn.ohe ~ não entender ,a personagem .d ostoievskiàna


-são duas co~a·s muito ~Hfetentes. No· primeíro caso o que falta é a.
simpatia, no segundo é a intelecçãq, Não compreendemos 0 q ue ieva

1
EdiQío brasileira, Fi6dor Dost.oievliki, Os rrmã'os Karamazou. São. Paulo, Ed. Círçolo
?

do Livro. (N.E.)
2
°Cap. ll, 1 (N:E.)

100
ME-NT IRk .lH')M:á.NT,tCA E VE..RD"ADE R0M:ANESG_A
o. Jjõm~tj:i :él0. stfusolo ,a adorar, a· abumina-r 1 a. des.mo.ronar em J;5fan·r,os
aos pés de. seu tnediâd.0r, a lhe enviar.rn.ensa,g;ens in.c oerentes Ghei.a:n ie
insaítqs e de a'fe.to Iílé'$dad~s:. Çornfjrêencle,mos perfeifaJ1iénte bem,,
~m co11.trapart:ida 1 a que 'tentaçãb Gilberte Swãnn s:ú.Çll;mbe quando
escreve à· duquesa cEe ÇúernJ'.~ ntes. Por iç.j,~stificacla, a n c)S·~Qs: Glh<Js·.
que seja .a ím.ifüçã:0 du esnnbe, el<JJo é ainda müi.co mais (!Q'e a lrt11t:ê,fçio
do hêrói êl0st9.ievsktaucL Os vaJor.e s :do ,esnobe taJvez. nâ<<> sejam os
no's5o~ m<1-:s e1es não nos-:.S-ãó 'estt-anhos ª pon'.ti;l de nos escapá.r oornple'--
ram.enre:. Pmva é qp.f.'. h;ôs -Z!2>'1i.gidera:qios ~tmpr~-p:erf~itam~te c,ãp:azes
de detectar um esnobe. Deymasçaranws·, ~ ·.afetação· de sua es_pontá,nei-
dade é de s'ua ori.ginaÍidade, Adivi-Bhitmo·s quai's fenômeuos dé ttin-
tág.Jo literárj'o e sociâJ agiram ·s.o bm dé. Bem sabemos que sup.or:tecS",
s~mpttt lnsufjti~nte:s, d.e pró1urà em pr9J .d~ si, pTóprio na hist6rfa, na
estética e na, p.o.esi-a;, t11:mea ·damo~ ouvi:d:0$ aós pi;e't~XtO,S. que ele alega ..
às simpatias· irresistíveis om,, peTo contdfio·, a-o ~i;r1vi.S1J1() CÍ!Ji~.b com
o. ·qcial ele· procura -reccobrrr a. essência inefável , 1rraci0naf e c01).tutl0
famil\ar .çlo .esnobisn:io.

São ,s empre ·as frm:r),a:s,mai~bem_,GGnhe:dà~ d:ô d€s~jp :~egunds:i o. dutro


que suscitam ,o escândalo. O~ vizinhos de· DoI;I;J Qúixote·.não são ménos
bn.itãfs1 .nem menos- injustos em sua estreita justiça, que .o pai. dê Matcel
q;:tan.do ele c.on.df}na L€gtan.din. Ao.s olhes dhs pequenos .gtmtis.•home-ns
ca,rn_pôni.0$1 s~us· í.JNais, Dom Qµi)§.Qt,~ uão p,;;1ss.a de um esnobe. 'Ele é
criticado por ter .rclertado o ti'tult> de Dom:, à que ele. "não te:m d.rreito".
Sanch.o também faz figura de, es119p.e quaf)do se crssforça, em convencer,<J
e:Spo,sa ,gue ela 'tem qu~ ser duquesa!

Os :g tartd~.s ,rómançjstas n}io pmJlhaó.1,,..oo ro,ç ante ·_a suas c.riaçõ·~s-, nem
·nossa irnlignação) .í;lem n6s.so e·ntusÍ'a:smo .. ,É: no~sa
próptia pi1ixão .que
faz .com ·q ue-achemos.uns inqu]gente"s çlem<ilS, :out.tos por dénfais cfuéis.
C:erv~ntl!:s ·eoe:ara Oem Quixote eomo Proust encara 0 bar~b' de; C.hat-
1~. Se não not.,ún.o.s as anafog.ias, entre todos esses :heI'óics é p;arque sua

1QJ
C~J>f:ri.J LO i - QS HQM·ENS Stll,,ÀCJ D~lJS.ts 1,lNS PARA 0.$ óui-RQS.
proximidade ou seu afastamento nos torna semelhantes às ve,zes aos pais
severos de Mãrçe], bú:tras ve.ze-s à indulgent.e av.ó.

É pr-eciso superar à írritação que 9 esn.obismo; causa em nós. Não s~


r>ode ati ng-ir- o Ltlgar da unidade rotnanesC:çt s~u~o· percon:endo ,, por
sua vez, o <:;arr.rioho dos romancistas . Depois de- ha'lef cõndenado os·
Ou·tr.os, 0 Édl_po -romandsta se descé!bre culpado. Então ele ch~ga até
um lagar de justiça que fica para além das psicoÍogia.s pessimistas e das
idolatrias românticas. Essa justiça.: romanesca não S<t can.fund~ com a
h1pocris1.a rnoralizªnte e o falso desapego . Ela é. algo :concreto, ave-
riguável dentro dq próprio romance. É ela que pe-rmi te, entre a in-
frqs,pecção e a ob.servaçâa, uma: ·síntese da quàl jorram existência e
verdade. .É êla qúe, destruin.do as b:arreü:as entre cl' Eu ~ o () u.tro, cria õs
Dem Quixote e C>S· C::harlus.

Não basta mostrar o parentes~o entre o· :e sqobe e os outros hei:6is de


romancé· para fazer de Proust um igual de Cervantes e de Dostoievski.
É preciso ainda provar q(.Je o serfüâo metafísico do desejo não escapa
ao rômancista francês. Esse sentido é mqíto nítidamente ªfirmado num
acré,gçimo na provª t'ipogrãAc.a de O Tempo i-edescol1trto ,

Cada ctíaturà que oós fuzsotre.r pode repre,sencar para nós uma divinda-
de da.qual~ a'J)cnas um reflexo frc1gmen táriõ e a demideira ma11ifestaçâ.o,
diviodade [ ldei~J gue, (;ôntemplada tão-somente como ideia, para lqgci
transntuda e m alegiia ii .dc)r qµe é.xp.erime.ntávi3mos, 21

Tais passa~ens não-faltam e poderíarnos·rtos cont~!'n tar em repr.o:duzr-las.


Mas tratam-se aí de frases soltas ~ pouco subsni.(lciais face à visão me-

21 Tm,·pí> rtdescoberto, p.174; Op. cit tN.E,)

10~
l\l f.N TlR,"- R!)/o.\Í\N 'TI< A f' VERDADF RU~IAN F.~Ctr
tatf$ic<1- 4e D.<;>stoíev~kr, Proust Jamafs ~Ptf!la a tfaqséendência de~viatla
ooi).1 a força .de· D0~l91~vs~J -oµ .rnesm-o .de Stendhal, p·ois de tl'ãú exa-
mina 0 · problema da liberdade c0m a. profundi&.d~ deste último. :Muito
segw'_idamente, CQÍJlO -vtmp} mais ác.i.;rria,, l\0.1;1.st '.a:dota, Qa pareC:e ,adotar,.
uma téorla salrp;sísta dp de::~ej'o qu~:tra:f' com:pleta:r nehte a·exp"<(ti~~ia de
suas perso11ag~ns.

A diVindq!le dg rr,iéâiad)Jr=e}t~ rio âmagç5 elo g ~n'ío r0mane;scQ.; pois i la


teJ11 que: se ,afirmar no p,o nto {7~to 0nd'e t riunfa a arte çloppwa.)Jt:és p~t~-
c.ulai:es..Que po11t0 ·é es.se em Proust? Se. iaterr0garrnos.oprópri0 escritor·
d e- .nos r-espó,nd'erá q.ue a àrf~ ro)::nan~sca, eüt~nd.<1 rtJ.Qs a ,a rtt proustiã_ria.
culmJ.na na cri;aça.o. da:s tne,tqfarqs,_ É ·poi:.s a ll)etáfc)t~ '.q ll~ déVeria revelar o.
s<,ntido metatfsko do desejo. E é precisamente :o que ,e Ja faz. O .sag.ra-
d6 não <::011Sdt:uí,, na o bra-pri,mã pro.listi.an}L wn $.ê:to1· .metafórico, criHe
qutros. Ele -~~tá: s·ernpré p·t-e~eõte quandô .0 tomai)cista trata d.a:.s. relaçã~s
,~ntre o sujeito e seu medfador.. A gama dD:S s.e ntimefltos que: 0 narrador
,eX:p,érimenta diante de seu_s ·fdolos sãcesswo_s coFi·esponde ·aos. div._ér,ç_ o,s
·i;t.S.pe'ctó,s de·un1a éxpetiê'né.::Tcl .religíõ.s>a ç,nde.o·terr.ôt, o an~teni.a é.os tabus.'
d\'!~errrp.e nhariam ntrt papel çresc-errne. h d ma_g ens e·as.metáforas retrat:am
o· mt?diado:r co.tüo o. guardiãe implacável de e.iro. jârdim ttt:hado onde ós'
eleitP's g0zam .c0"rn extlusjvtdade da:s heathudes eterna_s-,11

O narra.d or nâo se apr:o~irrrn do deus senã0 com medo, e tremor. Os


~estos mais. lns'ígru'ficantes at:kruir-em, graças: ·ãs itm,gens, urri valor de
nwa1.. Açom~<Inha,do p,9r Françoise,.? e:mpr~gaôa,. M~rt:~1fa.z 'Çlrn~ '"pe:-
regrlnaça.0" ,na- residência dos s-wanns.. E~se apat't arnento p~n-guês f! Sth
c-e-ssi_
yament:e wm:p-ai.za<lo a um temp'io, ruü sántlfário,, uma ,igreja, uma
dlJ<:d,ta1,. LIITl Ot'q;tórí:o _.. Quàs'e A~ó rest:ãrrt tulttis c!\3S gúais Pr~ust não.
tenha temadp emprestados, ~lgctnS term0s·s-agr:ado~. .A ;rna_g ia, o .oc1'lltis-
mo, o mundo prinüti,vo e a mi.stidsmo ~risífü') num::a 'ficam ausentes. O

103
( ..~P'f'F'l'lLO :i - O:'i "1'-l.fl:,:1:Ef,JS SER,~<9 'D E0:S-P.~ l11'<S P:4.ll.Ac OS' OtJTR;O.$.
vo~abulátío da tr_a nscendêocia é e_spantosamente rico nes-se romaneista
que não f.ala nuocar ou quase nunca·, de metafísiça e de réligião.

A própria· mit:o)ogi~ dás.sita tem seu papel nessa divini?açãõ dp me.~


cl1ador. No início das Raparigas em,flor, o nan~-dljr vai à Ópera -e, da pla~
teia, contempla os. Guex:ma,ntes e seus amigos que reinam, maj'estosos e
iJ1diferen13es 1 acima dos espectadores ·comuns. Os camarotes f~çha.d.os,
isolados dQ restante- da s.ala, $ão um além i_nacessível aos simples ri1D!·
tais. A palavtq, bflig11oírrc (banheira·,. que· designa. ta h:i.sa) e :a ·Uumina:ção
azulada sugei:em ao naJTàdQT tod~ uma mito.l0gia ,do elemento Iíqui.do.
/\$ :pes_soas da alta soci~clade se meta_morfoseiam em ninfas, n-ereidas e
tri tões. O tr~tho ·é urn exempl0 desta virtuqsidade üm tanto d1amativa
e deste laxo "bellé wogu~" dí,ante dos quais as pessoás "de bom gósto''
não·çó,nseguem evitar um certo mal-estar.

Num. nível inferior da e.riação !iterá.ri.a, a imagem é. u'm sfmples ornamen-


to que o escritor pode elinliuar ou substimir .à ·vo·nt;;i.dé. Marcel Proust
s·e priva dessa lrb.erdade. O rom·ancista n.ãp é um realista do objeto é sim
1
lJITl realista do desejo. A.s imagens devem ' transngürar" o objeto. Elas
não devem transfigurar de üm modo qualquer, ma·s segµnd9 o modo
particular ao adolescente burgµês que "cristalizl' a panir ele dados e~co-
lates e Jtv_rescos. Nas imagens mitológicas se reán{tm e se fundem eom
perfeição p desejo êmergente do aluno de Üce~r que $onhava com a alta
sociedade nos i~fo·s de 'I S·85, ti ín:.fâ.nci'<I doentia e su_perprotegida do nar-
rador e ~t~ a. decor.ação do teatro. Os puris·tas não entendem o quâo são
estre,itos os lirnit.es .e ntre .o s quais se exeree· a esco.lha do escritor.

Nãó·é sem ironia que Pt;-oust reivindiq1 do velho apar~lho rnitoló~JCQ


serviços que de é notóriamente incapaz de prestar. Na mente do leitor
culto as· alusses n:iítológtcas, rião -e vocam o sagrado má_s a atmosfera
onde-todo sagradp se debiHta e a~aba morrendo, o mundo P.rbfano da
"cultura cl~s.siça". Proust escolhe assim as i_m ag~ns menos apropriadas
ªº' papel que ele cjue:r fazê-las desemperihat. Conse'&_ue, 9-pesar de tudo,

104

1'-1 Er.J°t lRA RO MÂNTICA E VERDADF. R0~1AN ÊSCA


,irtt,rodnzi-las em: seu ,S<lsteQit1: ,estftk '0 . Ele 'ô , c.®n.~egu~ p-otqu~, à est<!.
altur:a do desenv:otvimento rnman.esc0 1 a -d-ivi"ndade d0 mediador :está"
tu:rP·6mentt e~tilbe!e~id<'J, Ma.rcd só tem qu'e .d,dtçir syu":olhar 1'fix.o e do-·
loroso"' sbb:re um ser qacalq1Jer e-nq.s-,,etnos a.bri_t-,se, entre ét.s~ s.er ~ ele,
o abismo da ti:anscrendênda. Nãe é mais:-,, aqui, a "\mag~ que sacraliza
a perçe;p9ã,o , f ,a p_er.c ep:çã:e ·qw.e s,acraHza -a i.magem. Mas, P.rousti 'tr:-a ta
ess_a falsa i'magem ·C'Qíl)ó uma irn.qgétn verd<?d.eira e faz com que el~ re 0

flita o sagrado fingido que ela 9 bteve d.o mediador: A\ ~age.'.ti;l: teerwi_a o
sa:grad@~omQ u·ru eto. reênvi a ~. som rumo .a ·seu Íu.ga,r· de origem. Ess.e
jog:O: Tl.ã°Ó é gr~tgltó. Ele ,!1~0 de~lTQ"i Q re-átistn,0 do d.eset,6, e!e•o. CThffipSe
e
i;,~rfefoamente. Qqm .~fetm, tudo falso np-,desejo\ tudo. é te'çitral e·a:rri--
'ficial exceto a fome ímensa de -sagrado, 6 ess-a fome (õfue metamorfoseia
o$ e1titie)itéis cl.e· umá p<Íbre ~ posiüv.a ex1~tê_rtçía a_ ssí_m que: a o ~iànça
çíe~cobre seu- Deu$, :assl!J1 ~ue ela. coj)sesgue Tál;lça.r sol;ir.e o Outro, 1s'Qbnt
seu mecliad.1:n:; a onipotência divina cujo fard0 a trsmaga.

A Jnf?n~ía pg vacfa desag:ri;ldQ .cõnsê@~trazcr·tiQvamente-à vj,da ps·miJos.


~xti'mo.s há -séculos;,rean.in;ia qs; s{mbol.Qs mals' r~s_eC-4dos. Em :Seu·çenâ-

rio·bul".~is r,,ropós-rto ·do qual fica· difícil limrdcrá lo, Preus't _p©rse,gue os
0

mesmos fins qlié Nerv.al, üm de s.eu-s est;ritôtês µred.ilerõs. O :N'e.rv'al dt


f y'lv.if"? sacra] iza· a -~ tJ:~a-R?17ào 'é ,trarrs'for:.o:;1a 'e_IÍ] autêntjtó_s s-a!l,tuárío_s as.
fa11la:sias :arq uitetônicas de ;grandes se11h0res cétta.os. Em ,certos seres;, a
vrd~ m.~tafís.ka é tª~ v\go.rosã que dá reaparé.cê na$, c-iitç;ctristâoc;:ias ,mais
advei;.sas. Ela p:0~, por sinal, resultêír ~m JoJ'mas um ~anto mon~trµdsa~.

A noção de uinà transGe-ndência desviada :para -o humano ilumina· a poê.,


,tioa prquSt:iàna, Ela (?.f;nnii:e d~t1µvjar .a .q ;mfusã.'9 qu~ &ubsisté em tórnó
d~ O Te11(po redesco/Jel'fb O gq.e é r~v-lviq.o., no cohtat--o. tQm tunà nd'íguia

l {p,

-ÇAP}TULõ· 2 ~ü,<; HOt..!E!'l,5 'S.ER.ii:() DEUS.ES, UNS. PARA l)S, <-HJTRC:>.S


do passado, é a qualidade transc.e mlente do de.sejo ,cil.e outrora. A fen1'-
brançâ não está mats envenenada, como o e~teve o· desejo, pelo desejo
:rival "Ç?da cri.attmi que nós faz sofrer· pod½ l'epreséritàr para nós uma
divmda<le da qual é apenas 0111 reAe:xo fragmentário e a derrademt maui-
festaç,ã o·,, divindade· [ldeiaJ que,, tontémp!ada tão-somente e.orno idefa,
para ·lõgo transmuda em alegria a dor que e~p~rim.entâvamos."

A memória afetiva r~½apcra o í:mpulso em ·dfre.ção ao sagrado :e es:s~


.impt,dso é puro regozij_o., porque não está mais quebrado pelo mediacdor.
A pequena madalena·é uma verdadeira co-111unhão 24 . E]a tem todas as vírtü-
des de· um sact'_~mento. A memória dissocia os eleme)lto.S contradi_tóriôf
do desejo. O sagrado· .exal_a setl perfume enquan to. que .a. inteli_gênda
aténta e desprendida pode agora reconhecer b ob~.t áçulo contra o .quaJ
ela se cboca·ra . Elà compreende o 'papel do mediador.e noinevela o nte-
c.anisme:i infernal do desejô.

A memória. afetiva, p.or:tanto, traz em si ·a wndenaçã.o do, â~sejó 01ig·i-


nal. Os c,n titqs falam çiqui em "confradição". A experiência que leya por
fim à fellcidade é- rep'l).drada. É ·v erdade. Mas: a cont·ra dição. não está .em
ProList, ela está no desejo metafrsico. Perceber o clesejo p_a verdade é
peJceber o. rrrediadot no seu ,duplp; pa]!)el maléfico e ~agr.ado.. O êxtase da
lembraAça e a condenação do désejo estâo impliG:ados um no outro tal
cón10 o cornpr.i.mento na laTgura ou o ·d ireito no avesso. A "psk:_olog.ia"
p;r.o~stiana é inseparável da revelação mística. É a sua outi;a face. Ela não
constitui, como se afirma l~oj'e, t;IIJ1 segúndó ·empr.eendimen'to literárib.
quase qu~ sem interesse.

A memó'ria afetiva é o Jufzo fin.;3,l da exis:tência prousti.an.a. Ela separa


o Joio do tTigQ mas o joio de".é estar presente nD' romance já que· G
ràmançe é o passado. A memória afetiva <t ã brasa vlva de toda a obra
tirou.s tiana. Elp. é fonte de verdade e fonte de s.agradói. é dela que }0rt-at1J

14 Ver. .Proust, No cam'inho d.e Swann- (v, l ) . (N.E. )

106
MEN'r lRA ROMÂNTl(:A E \.' ÉRÚA!) Ê IROM/\('Jl;S C~.
as met#°õrã.s teligios.à'S; ·é efa qq½ revel_q a ·fun:ção divina € .<lfmonfaca cfo
mediadoc Não.. ~re deve. 1.i:Qi:itar _seus dejtos à~ leml1,rat1ças mais ântig-as e
mais fefrz:és. A memória afotiv·aJ nunca é mais nt-cess-ária· ® que m.os pe~
nodq-s, de an~§tia, pois· é. da.-~e dissipa éa;s· 11évóas dú ó<Íio'. A memória
a:fe-tiva intei;v~ em tod,a á. sé_rie rtemporal_. era cb;1réia tant.C::J•Q infe:tn.Q de
Sodoma e Dornorr.a ({Ftanto o parafso.dg Combray.

A merpória, é a s~l~ç~o do ~~critor e d~ hornem M~tcd E5r.oust. Reçu-


amo~ diante da mensagem ttati.sp-arent~ de O Temp-o red-est·o:bmo, No:S-Sb=
romantismó· nãb tolera a· salvação· a não ser a imaginâria7 ele ·não tolera
a ver:dàcfe 'ª não s_er a d~sesp.erad.ora. A 1I1emfüia afetJva é farta:se · mas
-~ tarttbq:I;t ,cro11_heciJnento. S~ da ttan·s_fjgi.tta-s:se 0 cÜ~jetó, tom:0 se Vive
.repetindo·., o romance 'fl05 d.esc:reve-ria não a ilusão vivirla n0 m9.ment9
·d~· &~:s~jQ ·roas unia liüsàa .hó.va; fruto de.s:5a no:va transtiguraç~o:. 'Não
havetip urrr tec).)jS1;110 do: d~-séJá.

·1 07
CAP"f'T\JbO ::i - 0.S 80&.\l:NS SERÃO' DEUSES IJNS l?ii.R'A OS -OW,TR'OS
J

A,S METAMORFOSES DO DESEJO

O desejo segimdo o Ó,utro, .é s€;1npre o de$ejo. de ~er um,. Outro, 1-iá. um


@ico :de§'·eJ.o m·etaffu1co,. mã~ os 4e~'éjo$ pattkülç1·es que ·qon·c:tetj,2:am
esse desejo primordial v.arfarn ao it16nito. De tudo quanto podem.os ob·
.servar c.Ürefàmente, nada é im.utâvd .06. desejo ·do~ ~6.iS .ô~ 1201Jl;;1nç;e.
A inténsrdadé desse. déS!=!jG é ci{i p rópria ~ariáveL Dep~d:e dp .grau ,de
"virt,ude Dl~~afísiça" ppssu1do pdo objeto·. E essa v.irtude depende por
-sua'vez da. distância que separa :0 ..@bjeto do mediâ.dor.

O objeto está pâfa o me.d:iãdor torno. a relJqu_ia é_s d para o· santo. 0 '
tei;ço sde ,que ,último fez ;ttSo, a mupa qHe vestiu são mais. procurados que
.a me.dalhâ rneram.ent'c tocada ou abenço.~d-0 ..p·Qf ek. Ô :valor de, umq
~ehqu..ia d,ê.p{tti:â~ da 11â1S.tânçí'â11 ·que a separa do sa:tito. D t1_1esmo se dá
.çQt;n q c b_i.eto r1.o des~jo metafísico.

É preciso. pcfü c,011side17gnn..o~ um segi.rn.à.o lado do trifu).g\i.{Q rofn}1b~s~


~o,. aquele que ]jga .o mt diadQT ao· õbj:~to .ctl.esejado. At~ n w.oment0 p6~
~os ativemos a· um primetrn-lado, a<;J,uele que li-ga o mediad0,r ao sujeite
çlesejànt~. Os dois lados, telizmente,. variam mçtis QO menos nos mesmos
moldes. O tt.iângulo do- .des.ejo é· um triângulCl isós-te.les. Ó desejo se
torna assim cada vez ma,i's int~s.;5 conforme 0 media dor-se aproximª do
~ujeítb des.ejame.

É em Dorn Quixo(e que o mediador está ·mai.s. distante, é tc!mbérn em


Dom Quixote que os desejos·partiçulares são menos- torturantes_ Esse sá•
bio ígnor:a a oost.inação. .Diante dp fracasso ele conclãi, como fil6s.ofo qllc-
é, que outro cavaleiro levará o caso a bom t~O (; segue se~ càminho.

A atividade de Dom Qµb.(.o t~s~ ~parenta b<istante com um jpgõ. A btjri-


aideira da criança já é triangular. Ela é. u_mà lmi@ção ·dos adultos . Mas a
distãnc:ia ·~ tamanha, en:tre o bbj~to e ·o mediador - quer dizer, entre o·
brinquedo e .o a:dultp que lhe dá sentido - que o j,ogador m mq perçle L°f\;..
ttiramente çle vista o caráter-ilusório da v(rtude c:onferida ao brinquedo.
Dom Qµixote fica aquétn do jog0 mas·ainda não está muito lon~e d.ele..
É por isso que i o mais·sereno do-s her:óis ·d e romance_
O mêdiador, muit.o. distante, espalha urna luz dtfusa_ sobre uma superfí-
cie muito ,.rasta_ A.rnadis não desfgna nada de mqdo muito pn~Ci$o mas
çl.esigna de certa f0rma tudo. A.s aventµras vão se sucedendo em ritmo
~celerado mas nenhuma· pode, por ·si só, fazer d,~ Dom Quixote um .se.-
gundQ Ama-dls. Eis ~ razão pela qua) o heról não julga necess~rio p.erse-
vcrar ·na luta contra a má sqrte.

Com a aproxjmq.ção progressiva· do mediador, a des<ignação vai se de-


finindo melh or; a "vfrtade metafísica"' aumenta e o oh}eto se to.rna "in°
$Ubstítufv'el". Os desejo$ de Ernma Bovary são mais violentos que o.s dê.
D.óm Quixote, e os, desejos deJtilien mais v,iolenros: que- 0s de Emma. O
projetor se aproxima pouco a -pouco e sua, luz se< concentra sobre uma
~p,er'fície cada vez mais reduzida .

As aventuras de Emma já são mais '\étias'' q0e às de Dom Quixote mas


os objetos verclad:~irarttente çle~ej~v.eis, os que trai)!ÍótQlariarn Emm.a

il'ü'
M.E_NTI RA ROMÂN.TI ~ . E VERDADE ROMANl::S C~
n'3., inúlher que .ela 'a.!m..ej.a ser, não es'tãc§ .na prdvín.c4a. Rodofphe e Léom
aindi ·nã:o pAs:s~m de :5piuç:ões· .iri-étaf(sl'ta'S qe i:dtim~ tçcurso .. Eles .são
pr.atlcamente irrt~rcamb.tív:t:is. N áQ recebem do r;oedi'ador s'e-11,â.9- uma
luz debiJitacl:a.

A e:ondota dps hetó.i's rdfote os cfa.d0,s carnbi~nfes ~ ni.e:d1.<i.\ã:~. Oóm


Qui-*0r e se agi ra bas1:an·1:e mat ·é ·um p @ucm à maneira çla cría~ça q{,te
está se-:di~ rfindo , Já Em.m.a Bovar.y <§, màis angustia.da, O mediador·
_fiça: àinda i'n:íicessivd rnãs nijo .0, ~ficíenf~ par:a qu.½ se possa res.igna.r-
~t a não atingi -lo jamais, ctmte);lta-r-~e c,0m um ;refle.-Xo' -d ele d'ançan·do
s.ohrn o reaL Temos aí o que. dá a0 bo.var.t.snm sua wnaHdade. p-a-1:tiru-
hi.t. Ek ~ ~$.e:ncfal.me,nfe c_ó ht.eroplafivQ. Emm.a sonha :muito e des.eja
pouco '.énquar:rto Cft~~ :os b.er61$ cfe Stend.h~I, l?ropst e DostôJeVski sô·
.riham po.u€0 .e desej,am muito . .A aç.â o volta a surgir com a! mediaça·o
int.er:na mas é:,s:a ação· nã:o tem mciis Qada a ·ver. c(;)m._ ó Jo.g-0. ô obJetõ
,$.agt~_do, se a:pJ:qx.i m_bn; parc:tçé est-at aS5 .aJc;ancc; d~ mãé'.>; ctrn 'µnjçq p'})s~
tarulo subsiste emre o :sujeito. e essee objd.o: é o. .mediado,·em pesso,i-.
A 9'ÇãO :B.c.a c~da. ve_.z mais €eb>r il par·aJ:elameote ·.ã aprm<ima~ão: desse
0

mediado_i:-. E;m Dosi:õíev$kl o=clê$ej·ó tôntcatia_çl9 é tão vt obfnTo qu~


p0.de levfü ao assassinatG.

À !'I;i.edJô.ã qü~ çresce papel do ft1e.lafí.sk.o no desejo, o· papel do ]ísico


ó:
dec'(esce. Quawitb (tlai~ .Ó'. 01éQi;:tc10r Sé apr.ox:-tm.a, pia.fs ? _p~iXáO se in:teh~
srfka e mais 0 objete se esvazia .dei qual'qae.r valor co·nç.r~to.

$,e c(et,r.nos =é>qvictQS· P rQmântic°Os· e p_eQJ;Tb.Jrjânt-içó,s., 0 triunto· semprt


)IlaiS- q:5n;i.pler-o ,da irrtq.g_ina:ção só traz c<Jfiséquêtttr~~ f;avot~Vhs. Mas a
rett,;1:ç:ã o progress1va d0 real não .se dá sem a exasperação. da~ rfoa!içla~es
que Q cktej.c:;J en.~ntlra.. Essa lei,, ·de apllçaçã:o ri~orosa1 defi.Ae p.e rki~
t.a:mettte. _as cl_ifrr.e·n~~-~ e as ,~m~l0,g:ias entre o UfJiverso dé 'Si~n.dh~l ½. Q.

111

Ç~Pí:Tl..lLO t - A_S t,IÉTA,'v~ Q Rf Q~É.S. DQS D'E,~EJOS


universo de Pr0u.st. Os Vaidosos dQ prirneirn romantj_sta e os esnobes
do segund_o cobiçam, aparenteme,nte, rti:esmo ohjeto, ·O Faubou:rn·
Um
Saínt-Germain. Porém o FaJJhourg Saim ,.Çermain de Proust. não é mais:
o Faubourg Saint-Cerrnain de StendhaI. A ar-isrocrac;ia, no decorrer do
século XIX, perdeu seus últimos priví1égi.os concretos. Na épota. de
Pi;.oust, frequentar ,a veÜ1a nobreza nã9 trat mais qi;talquer vantagem
palpável. Se a força d.o des.ej9 fqss~ prnporct0nal ao val ot concreto do
objete , o esnobismo prousfumo seria menos intenso que a va:i'dade sten-
dhali5ma. 0-ra é o c:ontrário que é verdade.iro. Q-, esnobes de Em Busca
dv Tempo perdido são 11u,.1i.tb rnãls. angustiados d.o que O!.i vaidosos de O
Yern1elho eo Negro. A passagem de utn rornancísta ao outro. bem pode, por
·c onsê'guinte, sér··detinida como-um prb'gresso do metáfísic_o às expensas
do físico. Obvfamente, ·Stenclhal não :igno.ra qrni existe uma rel~çã.o in-
versa ·entr~ a força do desejo e a iiI)_portância do obJet9-. 11Qua,nto rp.uis
urna dife-re·pça soda:! fo.r pequena,. é$Crê'{~ de, ·m ais ela·gerará afetaçâo."
Essa lei nã0 gqv~a tão s.ornente a vaidade stendhail_ana, ela se verifica
de um extremo.ao óutrQ da üteraturà romanesca epermit~ posicionar as
Qbras urnas. em relac:;ão às outras O ésn~obiS'!JlO proustiano e., ainda mais
jlI;\tifica'damente, o sübsolé'dostoievskia-no são ãp_enas "sítuações-l.imit.e"
dessa lei stençlbaliana. Essas· formas extremadas da mediaçãb j'nternii! de-
vem p,ciis se definir como·ununlifere'flça milc1.e-ngendr:af'!do 1m1a a.fetação rnaxima .
É a]jás. ãprQxim;:idamente assim que Proust define o· es.nobismo: "Sendo
a sociedade mund-àúa t;i rei,nô do Rada , não há e.ntte ds tnétifos das ·sua.s
frequentadoras sen-ão gr_a us fn~igQrfi.cantes',, -quu só po.dem loucamente
majorar' os ódios ou a imaginação do sr. de Chadus." 1

No Ludtn Leuwe•i de Stendhal, a r-ivaLdade e ntre o hei-ói e os íove.ns


aristocratas de Nancy acaba: por s·e ffx-a:r ,sobre am objeto ba5tame real,.
a bela ,$ra. de Chasteller que acrescem-a as· graç~s da oobrezá às van-
tagens bastante reais da fortuna . Em Proust o meio social é .o mesmo.;

1 Aprisib11elra: (v.5). p.255, op.cit. (N.E ..)

~fENTlRA R01'.1Àt-TICA E VTIDADE ~ll r,..J ,4,NI:$.l . A


0 centro· de interesse é ainda e sempre a se-de dos salêies. ar!st pcrát:Í:
êQS;, fl'lqS- n.âó. existe IÍI_çi}S, ntiih~1m~ s,rá. de C:hP.stel.kr. Re-stam, ahtda QS
Gnern;i;ante-s po·rérn nãb é hém sua beleza, neri;i rrfe$mQ ·~~u d.rnheirg
que i-nte;ressam a0s esnobe~. Os j'antares na ,casa da ç1.u-quesa não. s{1o
mzj$ finos q_ue tantQS outros, nem ás' recepçõ_e:s mais brilhantes. Entre
as pessoas qlíe sãó. cbn:vjc!ad1i.s e pes$.óas g_tie nã~ .o sãó a.. di1eie-nça .é
tada metafísica. O .q_u.e Prç;füSt: cna1rui. de uma :ubela p0s,i_ç~o rt1W)dàpa,11
é ;Coisa fugJdi,â, inaÍCançáYtd '.e ,qu'aRé imp.:crteptível ·se ·o sujeit>o nã0. é
élê tne_ smo ~sndbé. A íniéia_ç~o tp.uodarta liªº têm ma'ls valor '~obj~tivo."
que b 'fato -de Doro Ql.)P(ot~ ter :sldo. a:rm.ádo c;a\i'aJeír:o. n.ç.lá.S.' rríãú$ de
um estàlãjâdei.ro do can:rpo ~

Q h:om~ cio ,subsolo tepr~se11ta ~stá~lo cfes1sa ~voliJǪ-º r'UJ;ho


Q ultitp:Q
ao desejo abstrato., O objeto desap·areczeu-cç,mpletç:IJ1':e;ntt. O d~_se:jo e:n-
fureddo., por parte,de.Zverko.v,. de ser-c0nvidado a-0 banquete nâD. po.de
m?is ~éqt,rer s~r lnttq::H'etactQ êm 'tetmQ.S de próveítos materiais ou ·d.e
-x,antagens mundanas·.

AstéqiíJs româJ:iticàs é ,sjrnbólístàS! d0 ,desejo ns~ttetem,. a seu modo:, ess~


~st_t~itaitte1;ito PfQgt~sslYó .do real Q· ~i,ri:,ótte t·omqeto .do d~·s ejô já se
eflrnntra re.duzide: a· .quase nada, na cristdlizaç&o . O raQJJJiho. de i 8'22 se
li'mítçr a 'um "'grã,o d.e-areia.,' na aleg~ria ,da 0~tra ,e da· péro la. Essas des-
çti:ç õt$· e_stãõ çórrêta$ a1pã(') ~e-r. p~fo foto d;e rnau,}~re·m si.lênciO' soh-ve o
mediador. É ao rn~çlLad0r qué a :il;t;lagin_açà'o de.ye ~ua focunçtidade=- O
rom.ârit1c;:;ó se engana sempre de i-greja, . E·Ie .tenciona queimar ç> munc/rY
hp Q'.ltar dt sto Eu I;I1a.s· é G O.titro gue _tj_e ,dev.efi.;3 ·culntar.

N,o desej0, o '1físre0" e o. "rn:e-tahs'it0" va:rian;1 Q~mpre :ã custa ütn dn


óu:tr0. Ês{a ki apr:es"enta múJ-tlpfo_s asp;ettos, ·É' ela que expHca, pm
e;çeml)lo., o ç1.'e-s~:pan~:c1rrtenJo pi:-Qg.res~ivô dô p,ra:zc:rr. sexual no.s está.~i.ósi
mais agµcl'os da, doe:rrça ,:04tD1óg.iqa , A \ tJrttJ,de1'·.q.:o mediador age sõbre
QS sent.ido-s conm um veneno c:ada vez ma:is -abunda-rne que 13aíallsa-

Rà.ctlãti.n:.une-rite ó h'etó(

1°1'3
CAl'Ú: UL(J l - AS ;-.Jtf.A.MOiFüSQS ,D<)S LJÊ~H'),<;
Emma Bovary experimenta'ainda-,o ,gozo , pàis ~eu desejo não é muito.me-
e
tafísico. O praz~ 1.á b~ m enor nos vaiciosos de StendhaL Aproxima-
darnente zerado no o:rom€nto da cqnquista, .ele reaparece frequentern~te
quando a virtude metafí.siea se·evap~rou. Naobra de Proust o· prazer d~a-
paraceu qúãse que totalmente. Em Dosmievski é)~ yá rrem vern ao caso.

Mesmo nas ci_rcunstáncia~ niã.is favoráveis, as propriedades Hsicas do


bbj@to nã.o desemJDenharo s·e nâo um papel secundário. Não são elas que
sustítaq, o de~ejo rhetafís.i.co; elas são incapa,z es de prolongá-lo . Não
é, pur- s inal , a ausência de gozo físico q ue decepci'ona o herót stendhç-
li~po ou proustiano quando fína1 mer.1te p0S$_uj ó oojeto· de ·seu desejo.
A décepçã.b é propriamente metafísica . O suje°i'to çqnsta,t a qu,e a po&se
do o bjeto n·ão mu<Íou seu se1;,.·a metamorfose e-speracfa nâo se r:ealizéiu.
A decepção' é taoto {Il.ais terrf\l'.~I que a-"virtud€." do objeto. parece rnai€;
abundante.., A dece pç_â o se agrava, po r co_nseguinte, à proporção que o
mediador se ap;·oxima dô h.erôi.

Em Dom Qtii><.ote e na Sra. Bovary não há ainda decep~ão metafisica


no sentidb próprio do termo. b fenôm~o apàrece em Ste-odhal. No
insfantc em que o hetój stéodh aiiano toma para· si ·o objéto desejç1do,
a "vüittde" escapa como .G gás çle um bafão que estoura. É o objeto i:e-
pentinam.enté .Ô.!!ssa.cralizado pela posse e reduzido a suas propriedades
objetivas. que :provóca a famosa ex.clamação stendh.aLana: '"É só iss'ol" O
dar: de ombros- de Jult'e n rraduz airtd~ uma <lespreocupaçã:o qtre r;i.ãó se
encontra majs na pesada desílus.ào proustiana. No h.e-rói dostoievskiano
o tracassQ m~tafísico causçi um.a perturbação tãp. profunôa que pode 1e-
var até u suicídio.

A ·d ec~p~o prova irretútavelmente a absurdo do desejo t:rjan._~lar.


Ao que parece, ,eis ô herõí obrl'$"ado a aceitar os fatos.. M_aís nada nem

fl4
t-._\l; NTI RA lrÇ>MÁRT ICA F. V.E.R8 AD1: ROM..A..N J:SCA
ni.ngue.m o sepai:a desse Eu abje'to. e hnmílhç.q.o qu-e ,O desej0 reéobrla,.
pót as~:im dizer,, d~ um futuro pror:nissór. .Q herói µri:va.do .de rlese:)o
cerre o r~co ·de Gair n·q abi?mo do pres.êt'rte com.o um poceir;0 .cuja cor-
da se patürJ.a.. Com:o @ed~ ~le es~apar de .seu hotrir:,j:l,tnte d~~tinQ-?

Elé 1tãó pode ·negar 'Q rracâssó de •seu desejq, OlãS pode ltmitar-Th~ :as,
oonseqµêbda.s ao óbj,et9 àgôfq.. j)élSSUíê(çi e, talv~.? aO IÍl~dia,dor .q ue O '
d.e.signou . .A ·d_ecep.ção não pmva· a al:m1.rdidçde dê' todôs o~ deseros. trt:ê-
téfrysitQs, màs ~ p-bswdidâ:de·dess~·desej_o particular ,gue·ac·a0a· de d~c;ep-
e\ona:r. O ~eró1' çeconh~ce qu(t d~ sé ~ngano11. Ú objeto jamais teve o
valor "inLcíátíco que ele lhe i)'trib\}fp. Co-otu~o é'S_Se \la]ot,,~levai tfânsfori-
1.o para o~t.ro ltr~ar, para um se'g-ufldo -obj_'eto 1 par.a um novo, çl.esej.o. O
h~r.p'i vai atr13,\le_S~-ar- a ~istêm:í1! d~ d~ej0 em ê:l~sejo .c omo. se atrav€ssa
um riac;:ho saltando sobre pedra-s e~<:;o)Teg,a~jas .

!,
1
.Oi,ra~. póssibitidack:S· St' ápres~ntarii . O herói dé.éepdo:natlo pocfe .f azer
~um que um )JGvq objeto Jhe s~j? apõntad'o por seü antigo. m.e.diadot';
pod.e também tr@car de medi'ador. Adedsâp n.ãp diz r~~J?<::it0 ném ,à "ps"t-
C.Ql~g1a'', .rtefn ~ 1ib~dad.<l 'i da dependê, como .t antos outroS" .i~:P~ctbs
1

.do deseJo. meta(fsic:o., da âts.tância qu~ sépara p herói desse mediador.


Q_l,.lando ·essa distância é- muito grande já. sabernt-JS gl:l~ o obtet(il ~ rnuí-
tó' pobre ~m Virtude rne:taffslca. O Rr~stígio do mediador não esif éfü
v.e kildo nos .des-ejo_s parti_tulares. O ,Deus .Hca âcim.a ·dªs 'vicissitudes .da
êxis.têrtçia. He Jt: ónk:o e e1:erno. Dom Qui3lOt~ t<t:Jn ITiait-a:s a'V~tµl ~ .
mas tem úqJ ·~ó Àm;)d'is:•. a sra. govary :p.o.deria trocar indefinidamente de
amames sem ntrt)c,a trqcar q.e sonbã. Q uà·ado o rnedi:ad.o·r fica mais _pró-
iimo-, 0 .o.bjet0 se Liga a ele de rr10do muitp mais .e~rrefüiâp e a "res,1Nn°
·sãbJlida:d~ d.iviltà'J, se .é q\f~ se· pode falar assifD:, se encontra envolvida
µo de;sejo. O f;racassõ ,d~.ss.e_de~e_jo p,ode ç1.ssjn:i. :rej:>êrcutir~-se para além
do objeto e :fazer mm que 0 pt:ô,~rro med_íadpr :.êJa po$t0 em q:uestão,
O í,c;l_e::ilo éõroe:çp. 'pot v.a:eÜa-F sobres.e u pedestal; de-che.ga aré a. d~smo-
ronar'se. ~ dec~p9ão'. for grande Q .wficlé..ófe. P.r.ou~t descreve a queda da

11'5
ÇAP.ÍTULO. a - AS 11,fÜA},jOR~QSES UC!JS DES;EJ(')!i
mediador com uma riqueza dê detalhes extraordinária. O evento é 'lllna
verdadeira revolução na existência d o sujé ito. Todos os e lementos dessa
existência estão torno que presos a um ímã q ue é o rnediadorr é -d ele que
depende a hiei"a-rquià éri;l qtre· ~~ loserem e até" m~sr:no-$Ua significação'.
É pois éompreensível quç:. p heróí faça o que· estb;,er em seu poder para
retar-dar üma éxpcriênc.i.a q ue é necessariamente m tJitc:> doh}:rosa.

Qu~ n.do fi nalmente n. natradôr i: cprfvid.a.do à· r~sidên<:ia. dos Cuerrnan-


tes, depois d.e haver desejado em vâo. ess~ convite por vários anos, i:;le
sente a inevitável d.e.c epçãoi, É a mesm.a med.ioç.ricfade, são 0s mes-
mos lugares-comuns que nos outros salões. T eriam os Guerrrliintes e.
r;eus· hóspedes, es:tes seres sobte-hútna:nos. se reunido para falai;- 'do caso
Dreyfi.ts ou d9 .i:íltim.o romal'lce, e airntla f~iar ctelés nos .mes.mos termos,
e no .mesmo tom, que a~ ouu:as- pessoas da· boa $Oeied~de? Marcel pJ:o-
cura umà resposta que concili~ o prestígio sagrado do mediadóf e a
experiência negativa da possessão . Ele quase c:_oosegue .se persuadir, no
deco-rre:r -des~a p'rim~ira recepção, de qne soa preSe,nça profanadora in-
terrompeu rni stérfoi aristócrático_s cuJa celeh>raçã0 não p9tlerá retom~r-
seu curso ª ntes que ele se vá. A vontade da [é e tã0 poderosa, nestç> São·
T mn é à-s av~-ss~s, que ela sobrevive algum. t é!TIPO à prova concreta da
nulidade do ídolo .

Cada mediaÇão projeta -sua miragem.;, a.s mh:p.ge,ns se sucedem -como se


fossem uma série de "verdades"' que supl a ntam às verdad_es anteríores-
por um verda-deiro a_
ssa:ss1nato da lembrança v1va e que se ptot~gem
.d as verdades vindouras por meio de uma censura implacável da expe ri,
.ência cotidiana. Marcel Proúst chama de "Eci'' ós "rnün.dos" .pr_ojetados
pelas mediações sucessivas. Os ''Eu" estã0- perfeitament~ isQlados uQS
dos 9utros, incapazes de rememorar os ".Eu" :passados ou de a ntecipar
OS ~'fa{ fut(li'O$.

) Ver Próúst, O caJJJinho âe G1wn11w't€s (v.3). (,N,E.j

11.6

:-:.1ENT1RA 1?:0:-..tÃNq"' IC?ºA. E VERDAD E ·RO M'At'<FSCA:


Podem-se 9bserya(, em StendhaL 0$-S.inai~ p;rés;ursores de~sa fragmemar
~io em "Et:1" mq~dfc9s. A ~~nsibilldade d<2 hetó·l ~te:ndhaÜári.o está sub"
meti.da -a variaçõ:es bn.t~CpS· qqe ·pt.ênunciarn as person~1id.~det ,s_uc;ts_sivas
do:ftn Bitscg Jo Tempo perdid0.. J,u.11.en.Sorel ·gerrr;iam:ce 11.m, mg.s stra unid..áde
:Bç_a amep.ça.d.~ por oç·as·rno desta .aberra{ão· temporária que ~ seu amor
'p .ót Math]ld<;.

Entretaot0 1 € em Proust .qµe a ,exi,?têrtcia: p~r.qé definltiv~snente á uni-


dà;de·e q e.slabili·dade que a et~rn:idad~ çlo deus gatan_tia' ãl)s herôls .dos
roi;napces ànt~riores. É à muÍt~-pli.ca.ç âo dos ·media·dqre-s que 'dev"em:as
tsta ' deç<)mpo-sicjã.Q dei, 'p.ers.cmalidade,, com a ·qual se i'nqutetava~ e
1

cqm a qual se 'lrritayarn os, pri"mcir.o~ le.itiir:çs: de .Marc·eJ Ptoust. Os -g:ri-


m.s de perigo talvez esttvesse.m a:p:ena$ pa;udalmente }l{s-fi.ficadd.s:. Em.-
quanto o rnedi-ad.or pe-rmaneGer ,. distante,, 'l.pgo ú_11jco, p herói é:.óns_e_rvª
wa l)ni.d-a.d·~ rãas ~s.sa 1.úüdade é feita de mentira e de 'ilusão·. Uma metf..
titâ úpi_ça que. abarcaº existência €tii:I SUà totalidade ·Hão. é moraJmedte
pref.en\r~l I3. u;rna ~érie de menrrras tetn,porá.ri~.s. Se o· h:eró:l i,Fo.ustiano
é mais do.ente ,que 0s·0µrros hérôis, 'sofre da mesma: doen~aF e s.~ebé
mais etil p,;:i:rlo., é p.e kr mesmo .e rro. Não se .q ~vt pbtt,a tit0, rtt~rt.lrizâ.c lo
m'a~ dé,ve-se éertgment<t s.e ntir pena dele/ po-is ele é mais i:nJ~nz que
se\i,s p-redttessore~.
Quant0- mais breve o. réÍnad.o dó tned'i·a·dor., maís tlrâ.n.íco ide será.
Às.si.m s~ndo, é para· o h.e rói' do~t@l~vski;a:00 que fiqim res-hvad·os os
_1nijiQr~s· ~oJriniento:S:- Rara -o homem d0 subso l'o a S\+C€S'são dô'S me:~
·dhdQr'e's é tão rápida que já. não se pode 'faiar de Eu di'stinio~. Aes
petfoâ:os d~ est abffidade ti;t'áti:va S~pqfª'tlo~ oor -crises vio.lentas ou
por i-r1tervalos de ·atomJç. e-s;piritual, tais co_mo. qs. que s~ é;lb'se·1:vªra .eríi.
Pr:oU:St:, segue sei em D,astorevski, LH1lcl rç rls-e petpé~a. Os. d ern.~ntt)s
0

que est_ão hiening:w z·a dos de modo p·e rmaneme, ou ten;rpotári_o\ 11-0s·
d'etrfais rà!tiant}stas ~s.t(io ç1,qlli ~ri:l éstado· caótic.o.. Frequentemente, :q
homem d.q ~t.thsolo ~tá a_t'é mi=?mo diJaçera.tlQ pm· var.las mediações
sim ui rânéa's. Elé é. um ser diferente a cada instante da .duração: e. para
cada :um de seus i1)terlott rtotes. Eis- aí o polimorfis1'tlo· do set dostô{évskia~
no q.u e t'Qdos 0s. «ríticos reg,straram_.

À medida qút o rn.çdia.dor se aproxima.,. a unidade: ·se fr~grn~nta e-m


multi plLcidade. Passa-se-, através de um.a série de pata:mares,, do m ~-
diadõ r so l_itário, atemporal ·e fabuloso de Dom Qllixote à rurba dos--
toiev.s·ki,aoa. Os "c'inca !) U s~is mo delos" em que se divide, no dizer de
Stendhal 1 a ".boa soci~dade!' d e seLJ tempo e os m4.ft ip]os fat prp:q:stia-
nos são. tta~as desta caminli.ad.a deséendente . O demônio dos Posse.s_-
sos se c't1ama Legião e se -refugia num reb.anÍJo dç porcos. Ele é a um só
tempo uno e' mó:ltiplo. "Ess.a atomíza<ião da personalidade é o te,ri:no da
mediação interna.

Muitos ~scritorés dest:acara.r:iJ éssa multiplie;ação dós mediadores. Em seu


último romance, Der ~ómet,']em-Paul se inspira em Dom Qu_jx'ofé. $éV he-
rói, Nikolaus Markgraf 1 "i.nstala., t;omo um ator,.uma·alma estrangeir!1- n<:5
l_ug ar ·da sua".. Mas ele ·é incapaz de se ater ao papel esco1hido e, .a cada
nova leitura" mude!. de media.dor. O romance de Jean-Paul, 09 en,1.&nto 1,
não explora senão aspecros um tanfo su_p.erficlais do desejo .segµndo ó
-Outro· nà .sécq(o XIX. Os mediadores ·pertnaneêeln afo st.;3:çlos. É no nívet
d e uma mediação internµ qu.e a quantidade dGs moq.elo!, se multiplic·a em
5tencihal. em. Prousr e ·err1 Dostoievski, É na mediação interna .que está a
verdade pro.fundá do moderno.

A partir d e Proust o mediador é- 1itéra.Jmente "qualquer um'" e p od.e sur-


gir de "qualqtter lugar". A rçvelação místicil, é 'um perigo constante. É
um enc;ontro fmfuito na avenJda à beira-mar .çle B.4Jbec que determina
o desti:n.o de Marcel. Um olhar de rdance sobre Q pequeno bandç, é o
b àstante para enfei'ttç ar o betóL

1
Jean-.Pau! (f-ri~drlch) Richter,.D"' !<onut oderNikolans Margyra]; Gõppingen: Kµmrperle,
1972. (N.É.)

1 l,8.

MENTrnA RO!'vfÃN:T I ÇA E VERDADf ROl\1.ANESC,A


Se pçir Jé:aso 'é_u av.i~ã.va qualq:uer elas TD.O,ças, coiiJq p_arl:icipav:\;im :tf>das.
das. da m\i::sma. essÉnda e:s~eciál ,.éra é:ómo:'se tivess'e vr~to prõjet:atlp cirn
'face cl..i.: m.çr.n .. m.ri;na·, alucinação, rn.ó:ve] ,e iia"bólk:a,, um pou.e o cto sl5nb'ô.
inimigo e no êh famo apaix.o.na~mr;nti:; 1.;:obiçâd()·qw~ ai:nda um momt!n-
·m_ antes hãb ~xisfia·. senãp .em meu Rér~Gto, ontl~ aliáf s,ie athavá p~m9,,-
rnente>m.enie e,srag:uacib--'..

'O Ititálqu~r úJrt prQ~:ti'~.lil:ó reaparece em Dostoievski e num nivd de .au~


to;rnatísmo tal que ele provocª urri: horror butle'!iéó_ Aquj' como ,em to,da
parte desGobrimos· em Dç>srntevski a ':l'½rdade .car~ca~a_raI da e}:,p-ct.í'ê:nd~
PJ:'.OUstián;i. É num :li~gar p.ú&liw que ·o homem do subsolo, .com:o Marcel,
~uc:Wílbe à0 ·pYestíg:io, dQ O.atrrQ e tem t:!ll1 aée$S0 d.e f~bre Qntolóiiü::a.
Nos dois casos n her6i :s-e· .e_n cQmra na pres~nça 111do SQ.f1P'.9 ~nitnh}o e
n.o enfanto apab<.0nildam~mte cobçadd'. Uma 1e-itura :atenta. r.evela uma
perk1t? idtnttdacfe,êfe e;.s;ttufµrâ ém amb.os QS fQJD!1IlCiséas, ·C ~ao.do em
$en Gamb1-h0 .com o h pi;il©m dp subs"éh. ó ol1cial d_e,'séo:rt.hécidc =Q pe~.a
pelos ombros e 0··"deslocá' sem cerimônia. Ü ; mrr-ador prousti,rno. não
ê dit:éttimenté o .o bjéto .d:os mal.Is tratçis· do peq,u.eno bando, roas ele ,vê_
Albertine pular por C1U\a da cabe~a de um ve'Lnin_ho atern.)ri.,zacfrj' e se
iderifin:ea ·tom ,a v.ftima·. Proust e ÓGstoievski. d:escrevc.m d a ~ ~ far-
mJi Q àn.cÍ:c\r:ari."ó,gante:d0:·mt diad.o.rfende11.do·a :inu.Jtíd:ã:01 sua i;ndHerença
cheia de .desprezo :pe1ós rnsetc)'s qut p4lalárn a s.'<tú.S pê~. a ;imgtes:s ão
de fo:n<;;:a irres.istfvel (tUe ele passa. ao. espet:tador fas-cjnado . Tµfi:o, n_~se
rne..dt~d:or., revela u.rna tr.an,qüila e sereria superioridade de e.ssí:rrci,1- que- o
tnJêliz, .esmagado-, tterrteridõ tle ôd1õ e de -adôr,:rçãG,, ·s~ esforç'il em, vã:ó
de tomar ,pm=a si.5.,

Quat1to mais à mêdia.ção se fa~ Jnstáv.el 1 mais ·o jug.o se Éaz. pesa;do .


.A mediaçãÇ} de Dom Quix;óte- é úma mónan:tu'i-~ foudal, :à,S· vJ5~-es 00-aís

1 J s.o.mpra ~as ra/mriggsem_t1or (~:i; pp, H5 e -116.,(N ,E)


~ S0btt',esse urnasoqui:srno' ·, ver,capVm. (NA }:

119'

C:A?lrw,,o 3 - A-$ tú:..TAJvl.~)~l'0$~i, b ós. O:E·SEJ OS


si.nibólica do que real. A do hoo;1em do subs01o é um-a série de 'dità-
duras, tâo t~rozes quanto temporárias. As cooseqpêriçiqs .. tlesse estado
convulsivo não tkám litnitá!].çls ·ã uma regiã:o qualquer eia existência;
elçis .sâ,o tot(J.liMr.ias.

O edetlsmo·vazi'o, os entas1asmos pa:ssag.eíros, as modac, ·cada vez mai-s


fugazes., a sucessão Gada vez mais rápida das teori:~S·, 'Sistemas e .escolas,
e ·~$'ª "acekJi!ção da histó.riari que causa certa comoção hoje em dia
são , para ~.i:n D0st.oievski 1 os aspectos convergentes· da evoluçã0 que
ac_abamos de reconst'.itüit. O subsolo é uma. desintegrãção do ser indi-
vidual e coletivo. D0st0l~vski é o úóice a. nos descrever um fenômeno
.qu.~ é preciso, ·contudo, ·eX:aminar no c0ntexto .de uma história. Não sé'
·deve ·veT a( t:om.o certos admtrado.res do rom_ancista rus~O:, a r.evelaçâo
súbita de urna verdade eterna qúe te):'ia escapado aos escrit{.)res e aos
pensa·dores de o.utror:a. O próprio Dostoievski enfoca. histori'carnente
.0 p0limorfismo de sµas personag~ns .. O advento temporal do. ·m odo de

.existência subterrâneo fica enfatl:2;,ado pelo príncipe M_uishk.ine hUn1 tre-


chó d9lorosamente irô nico de O ldi'ota :

As pess9as daquela ép0ca di,s tante (juro-lhe quç isto sern:pn:: me terru
q atenção) eram muitQ dilerenté ; da~ .da. nossa: eram cómo um.a outra
(aça ... Naqueles ,empos era::-se· dé certo m9do o hqmem cfuma ·só ideia;
nossos con~einporâneps sã:.o mais nervosôs, mai_s desenvolvidos, ma.is
sensíveis, capãzes de seguir duas o a três ideias ao mesmo tef!Ipo ... O
homem rnod~rno é m:ais âmp lo: Isto lmpeâe, gí3\:anto-lhe, gue se seja
do'ína <;ó pe~, como se eril nos stcu.Les passados.''

P,os.toievski resúme numq. frase o caminho-que nós µlesnios percorre-


mo·s . Tendo partido do heról de Cervàntes, inabalável em suas lealdades.
<t sempre fiel ·a si ·próprio, descemos pouco a pó_µco ate o homem do

.(1 O iaio'l'a, -p.470. (N.E.l

J2l)
Mf; NTTRA ROM ÂNTICA E \N!;ll,[)i\.DF- R.n 1\.1Al'1ESC"A
subsoto1, verdacl.eJr.G5 trapd humançi ·éntt~gjie ~ v,ç-r-gonI~a ·e .à :servidão,
catâ-vent0 íriisóri0 nnrado na-s ruínas do '"hµmai;iJsm.o 'óddent,çJ\

As. rnàis dive:r~as fotrrtas d,Q·desejó trfanguta-r s.e ©l'~ani.zain., poi,s , em


uma -e:sttu.tuta: univep;aJ. N_ão há. JJi:h s6 aspe<,i,. :o nu.m r0nta:nci-sta qualEJuer
qae não possa ser relaei.onadtr com pu~r.ps a;s-peetos d~ si,l:a, óbra t c.om
·o.
tõda.~· q'S ót,.ttrã:s. d'e:saj'.Q aparece, -assim, -como uma estrutura ,qÚ\â_rrt_iea
,qae· se ,eg:ende dÇ:' µ(Jl 'é)5.trêtno aq 09-tro d,ã l'ltt!!ré\tmã r.orná,tes.ca. Pode-
se c0mparar essa esfrutura :a 14m .ohj:~tb q~ê tal: 1}0· es·p-ª-çô ~ e::1.,1Ja foitrw.
s:e ti.treta íncess"aríterrie·rite ·em razão da v:eL0cidade eres-c~r~ im_p·rJrrii_cl_a
pe1a qa~tl:a, Os romancrsi:a,s, sibJadô.s ém ·d iferentes níveis, descrevem
esse objet0 ta1 como ele ~~ 'e 'ferete á_n t'Ct, se::us o_!l:tos. Na IÍlª-Í9fi.a. Ôàs v,e-
.z~s, i;::les: ,a,pen_as suspeitam as, metamorfoses que ele. ·;rcabc!, de sofre( ê
que aii;icla tem que :s:ôti"et, El~ ne'rn .se·!JJpre Re,fc~bcm _as relações: erítre
suas prôprras obse1vaç0es, e as de s:ens pt~decé-$$.d tes . .É c1 i.(mç'j "fo00me-
n_ol0$ia''' cla obt'á romanesca que e-ab~ ai tarefa '@e .~lutiq.ar es_sas reta<;êks.
'Es~a feDOrilen0.fõgiç1 não é mais obr'i~ada a levar :em c0nta as· fronteiras
emre as diversa?; 0br,a_s, Pa.~sàndo de: :Ull'Til a. 9µ.ttà êtnn pkna lioérdade,
~la ,pro,cüra se p,autar n:o pró'prki movi me-mo da ~st:tutu,ra m~taffsic~~efa.
ptbcúfa éstabeléC:eruma "topo·l~)'g ia" clo. de.seJo segundo 0 Ou-tr:o.

(ll
CAPfT11L'O 1. - AS !vtE'Ti\M0RF. b 6E} QOS p l:)sE_lqS,
4

O AMó· E .o ESCRAVO

Ô deseJo meta.físico .é eminememer.n.e contagi'osp. E,~sa proç,:á~dadt é


por vezes JHki1mentt perc.eptfvel, p0is: o des~jo .crnpreiita, para se ·pm-
·paga.i; de uns aos outros, O''S t·,nnin:bo~mãiJi"ínesperados; ·eh, s·e apojà nos.
o bstácw.fos qu~ procura-m col0ca:r em seu, caminho:, ;na ·m:digflà'Ç~Q que.
ele prqv,oca:., no ridíc;\ifo..com ,que .querem cohri-1o,
Vemos rreiter,aclamen;tl·.·oS. ví z\ Dhõs âtn1gos cle Dôm QiJ:ixote shn,ulai a
foücu'ra para eurá lG da, :Sua.,. eLes se lan ~am atT"ás dei~, se di;s_
0
farçan:i, i't)~
v~otã'rrt mil entánt:ám~n.t os e: se r:leYam, gfa.ààtivamente., .~té o -af.)íce de
.~xctr:a.v agân efa. ·qnde· :o her6I' .q~ prete.d:eü . .É né,~é topo qúe Cérva.n,teJ;
marúYu ·eotbntrrn Earn eles. Fa2: uma peqwena· p.au~a e finge e.spá"iítar-se
diahté ~f~~SêS. mê'dtCQJ;" nãio rh..enos nIN,OSQS, que Seu paclente.

Não s:e d~ve c onGluir, CoJ1} os r0."mâ·]Jtít.0S. e todó,s c}s ,defen_~ores dos
0:prirjüdos .literários, que Ce.:rvantes. fü1alm.ente se dec'i:diu ,a c-cmftmdir
os "Jr:iti:n.{gó:~ do ide.à.!"' e ti. vingai .a:s afrontas ç·orn que J~'le não µ_ara- de
com emplar Dom Quix.q.te. Um dos grãncl~$ çtf:$.1ffi<,:ntQs a favor da
r
irt'tetpretação romântica é a escassa Sl!I1patia que Cervantes visivel-
mente tem p.or aqueles que ~ê metem a querer curar seu heró.i. Já que
éle é çoritra. os. pregadorns qtre pers~guem Do.m Quixote, só pode ·estar
aJai,or, dess~ ultimo. É assim que fu:nciotia noss.a lógica româ ntka. Cer-
vantes é ao mesmo ternpo-muito mais simpfos·e muito mais sutil. Nada.
está mais, afastado deJe do que ~-çon.cepçâo hugúes11:a e jus.tice.ira do
romance. 'Ele quer pura e simplesmente nos mostrar que Dom Quix.o te
es·palha a seu retfor a doença ootológka. O contágio, patente no casQ
de S~mcho, se estertdé à todos os seres que .e·sse hé-tói frequenta e rnbre-
tudo àtfueles que sua loururli escanda-liza vi1. i;ui~gna.

O bacharel Sansão Carrasco só se arma cavaleiro paFa devolver ao irt-


Jdiz fidalgo a saúde perdida, mas ek passa a levar o jogo a sério· antes
ooestno que D,o m Quixote o tenha d~smon1ado. ' Não há louco.maior no
mundo do que ·o meu am.o", comenta o e.:Scudeito d_ e Sansão, ne, para que
outro càvaleiro ;rect.tper~ o juízo., se fez. ele doido, e anda procurando
a'léntµràs, qüe, se as encon trar, talvez lhe façam torcer a· orelha. 111

O escudeiro revela se bom' profeta. A humilhaç.ã o por ·q_u e passa nas,


0

mãós de Dom QuiX9t'e ptôvoca o ressentimento de Sansão Can-as-


có. O bacharel nã·o pode depor a~ armas antes de t er feito seµ riva l
triuntante morder a poeira. Esse mecanismo psicológico fascina v'is-i-
vdmente Cervante~ f:IUe vai vat rrful.tipJjGa0do seqs exemp los :ã medida
que ,sé ávans:a na obra. A]tjsidora, jqv~m dama de companhia da du-
quesa:., ÍiJJge uma paixão por Óom Quix.ót~, rnas sente uma r-aiva rGal
quando se vê rej,eitada . O que p,ode então signifi_car ess~ cólera a não
s~r o i:i11cio ·de um:a paixão?

.A sutil eza propriame,ot@- demoníaca do mal on.t 0lógico ferrrece a chave


de inúmeros episó~ios. Pãssamqs â .e .ntender, em .e special, porqµ'e a irni~
tação désç1jeitada de Avel laneda e o suc:e.ss.o da primeira parte s~ torn·am

1
Dom· Qijixote p. 404. op,cit. (N :E:)

124

f.1ENTIRA ROMÃNT.ICA E VERDADE 8.0MANESCA


un;i tém'ct capítai ciQ segcmdo·P0m Qüicxóte. A natureza ambígua desse
st1cesso i ~(!.vifbos.arr,rent~ dom-f!uixote~q , A dl"'.ulga~'ã<;, .da obra es,-
palha a .no.rrLe: do cavc1leir.p ,e a 'fam.a .de suas p:roezas até: os con_fins d:9
rntmd.o -cristãb-. As c:ba:nces.. <le rnnta:m-ih:a~ão se multipHeam. írnita,~~
ô in:fita,dor pôr exc~Jência:;. ,ã obra qü_ e denunciá 0: d~sci:jb mefa.fí.sic0 se
alista sob a-mes-rna: qapdeira; elá: s~ ton1a $éU m€_1hõr ât)ad.o.. O q\..í,ê dtr1à
Cerva.nfes St;: ek tmdesse Jer as inte-rpretaç.ões deHr.antes -que se- S1.Jt?e;'det.n
-de-sd~ 9 fon do século XV.íll 0 · q(re CÍiri'a ©)é ·de ,O,amisS:01 .d e Ürramuno
.acr de André Suaf~s? E o rotlia!lçista 00,s s"4gere,. ironicamente, que .a.o
pensar estar d{!nuncia:n.do 0 mar ontológico ele próprio age cfe modo lJtl;í
t~n.to pàre~.iclt! .c ó.r:ri 0 <l..e -t@dós ós hons Sa.maritanos que se Ían-çam em
·p·<rrsegu:içâo a Dôm; QtJi.xõte nô c·am.inh9 ,ela 1Ql!Cl:lr2!...

A natm:eirn c.ontágfosa do ·des:eJo meta.físico é· um p0nt:0 cruçíal da


re:v-elaÇ?P rõina.nes<:·á. Ce1:va:nte:s: Q ret.om.a !nçansãvelniént€. Durant€·
a esta·4ia eTJl Jlarcelo,na, µi;n dc::;s~onbeç:idp injuria Dom Qm)rnte .ne~·
tes termos.:

Y,alhH~ o Díabo., D0..D1 Qu4xot~-d~ la: tv.l_a:nc.ba,b . Tu ês: do\do e. se o


fossts s-ozinho e d~rftro..d~s p·ort_as d:a tua. kn..1.cuta, nâ'é s_eria 'mau;. m.as.
tens.a,pmpti.euade cfe·totn.a:r'.dOÍdO:s.e lhtnti:Ccrpto·s toti0S o·s gue trâm.m e
cori:milíçpm·cqntL~o:; senão·. vejam .~ 'tes ser:1hQr~:s que te aeomparthani.:.2 :

Dom Quixote [iãó é· a única 1;>ersqnàg:é'm de C~waotes cuj.o desejo seJa


c:on't<\gio.so. -.A:.nselmQ e Lotárío inçis forn~~em µm ~~gt(l\do exerr:it>:lo
desse estranho l;e nômeno. À recusa qué L.otárío co.ntra:põ~ aos insanos
pedidos ~o ctmigo -~ menqs: ~né:rgitã, e $ôhréti.ldP. menos: perseverante-
do que .aquilo. que par,ecCT)'.l réq.(J~er o ~áte:i;- i!,ttibu{do h: persó.n.a:gém
e a nattrr,eza de suas. relações com· Anselmo. Lotário suc.1:1mbe .a .uma
e·spéci'e de ver.ttgen1.

2
f:de.m . p..6.2~- (N.E.)

ns
ÇA.P(T'U !,.Ó 4 ~ Ç) AMÔ E Çj É~{:RAV.~
É essa .mesma :vertigem que leva V~'lfchanfuo.v à casa da noiva de Pavel
Pavlov~tch. Espera:-se , também ness.e caso, Lmia recusa mais vigorosa.
Mas Veltchaninov aceita õ convite; como Lotário, ele entra ó.q jogo d€
seu parceiro ·e m mediação ; Dostóiévski 'n<is diz que ele é vfrima q.e "um
bi.z arro arrebatamentd'. Nâ@ se esgotaria nuncà a lista das semelhanças
entre O Etei:n.o M,,irido e O Carioso..impertinmte!

O desejo metafísico é sempi;e cqntagíoso, Ek até vai.se tornando rnals e


rn:ais contagiante à meruda que e med iador se aproximçi:do her ói. Con-
faminação e aproxlma~ão .11~0 constituem., no fqndo, s-enão um mesmo
·e único tenõmeno. Há mediação tnter na quando. se "p~ga·,, 1.101 dêséjb
vizinho como se peg~ria a peste. o.u .o cólera, por simples contato com.
um stijei't o infectado.

Vaidade e esnobismo não podem evtdent~mente florescer a não sernt!n:l


terrenó preparado em meio a uma vaidade é ·um esoóbi'5Ulo preexisten-
.tes . Quanto mais. o mediadors~ aproxima, rrrais. se expandem O!i estragos
da me.diação. As a;rarufe·s ta)ões coletivas têm mais impacto que as· man.i-
fest11ções individuais. As c<:mseqaêndas dessa evo1uç-ão são infinitas e só
aparecerão paulatinilmente,.

A çontaminaçã.o é ,tàG ,gerreralízaçla no 1.miverso da media-ção mrerna


que quaJquer indivíduo pode tornarase 0 _mediadQ°r de seu. viz.inho sem
compreeende_r o papel gue está ·desempenh ando Sem Séquet desconfiar
que ·é m~d:iaclor 1. esse i_11d.lvíduó é t~fvez iricapaz ele préprio de dese;àr
espóntan e,ame n te. Ele ticará, desse modo, te.11t,ado a copiari a cópia :de
seu próprio des~jo. O qu~ talv.ez. no início 1 t;1àO pass_q.sse nel.e de am
simples capricho·, vai ~e transforflli\.t numa pabcão violenta. É fato t o-
nhecid0. que tod@ des:e,j,o se multip kca po,r dóis só de se ver partilhado.
Dots triângulos jd~ntiç:os ~ de. sentid0 contrá.J;io vão então se suptrpor
um ao outro. O desejo vat t itcctl~r çâ_da vez ma-is rapidameI;1te entré Qs
dois rivái ~, aumentando de intensidàdé a cada idá e volta , como ama
corrente elétrica numa bateria ·que se está çartegá.ndo.

1115
Mf: NT IR.4 Ro;,.,iÀt,;Tl'C A E VC:RL)At) E R!1!\\;\NF,!>CA
Lemo.s ·a,,gfüa urn sujdt0.,n,ec;l,iado'!' ~ ,Ü llJ tt\edia·clor-is!ttjeito.. um modelQ_º
tli5.çfo.uI0 e UDl di:s.c;ípulo'-modelo. Cada qual hnka o otttro más afimla.
-ao meswq 't<?_rrtpo, ·a prlorict.~de- ,e a ~nterio.r1clade de s.eu pr6pr'iq ~esejó.
Cada qual vê· no c,utto. rnti pêl_'pê·g.lJi_çlor atro:mnenJt crud. T 0.d'.0s os· m-
lacior,Jam.e ntos são simétrieos,, os, dc.:iis parneit.os acrédi:t-am-s~ se·p;rrád.os
pbtorn à_bTsúlç ins<i ndávél., mas nada se pode dizer de um que nã9 $f#ia
·igua1rn:eme válido para 9 oµtn) . Ê.a ·o posi.Ç'âP efst~til dos eontrârios,, cada
vez rnai.s a:tr02:. e cada..ve-z m~i's-vã·a m.edída qaé ô'$: ê:l:qis sujititos·se: apro-
.is:.iJnam Ún:i elo QU!.f.0 e CJ.U~ :SCU desejo se int~nsi h.Géi,

Quanto p:ia..i_s inte:ttso .9 õ.dio, ó.\à.s el~ !1.QS: .apj-6:xlma do. ti:val ex.ecrad:o.
t udo ·O· que ,ele sugere .a ~...êle o. s9getg, 't"dtpp:c:hn: a:o ~\l,tJ.10;, í11clutnd0
p &~sejp d·~ ~~ diitinJltdr a qualquer pr~~o. Desse modo 1 ps trmão~ i1Jim·i 0

gos sernp_i:e optam_pêÍO$ 1Tl€STPO~ caminhos par-a sua maior r.aiva. Ele·s
lembram os. dois alrnotace)s de Dp:111 Qtti>.;bte que pêtcorrem ·ç1 montanha
ztitrand~t êm bústêl de um burro perdido. A ,:rnuaçlio' :é tão, tnar-avtlhósà
41.J..ê a·s dõj~ comJ:lanh~ijro_s: s-ão a ca.dá lns.tar,ite revados um para Jumn do
outro , pensa11d0 t~e_:rü eócoi:itta,do o ,mirnà-L ·Mas· o .à,rtlm.al n'ão existe
mais, bs lobos o devoraram.

A .aleg9tr_a· de· Ç~tvautes tra_nsp~~ 11ur.qa tQmiddâde ambígua o s.ofri-


me-n.t0 e a· vaidade da ·media;çâo. dppla. O~ rõmci'riçis;ta!! (lãp :dão a me-
nor ;ir.n.portân«ia; ao indivi dualismo m rnântk.0 , q(Je é s~mpte uro huto
da 0:posiçào·, .muitp €0:Íbora ele prro.c.ure, com &~quéncta ese;ondê-lq. A
5ociedade .modetn~ s·e resumJ~ a uma met'.a .imítaçqo f~çgt;Jit,a· 5i o. ,esforço
ru1rci. s~iT dos :t rilhos rnlega inevi:tavdrnen i:e- tpdo mando aos éiimfonçfs
l;:iatiçl:trs. Tbâ;os q5-r~-U1ª'nCiS)tas deso-e-veram ess~ Fiasco -cnj-o ·meca.nis:Q:J.o
.s.e r.epéte até ·non)J.ÍDimo& détaJhes ela 'ó.da co.ticli2l'n.~- Eis, ·p or e¾en1p1G ,
1
9 i passeio nó queb,ra.. ,mar" dos hltrgtreses. de Rrfu$ em fü}lbéc:
1

Todas ·aq,uel!)f; çn-at.!.ffi!5:,. ftngi'nço n.ã'O vn pax:a r'm,inUar ~ue· não. lhes·
'importavart\, má~ o'ilnndp t:!isfarçadttmeote, pal'<l evi~!' ~cQr:ir!f>p.s, as,
ptssoas· que~anciavam a seu lad'o ou-vint1'am êm S'ehtidó (nvéfs0, não QQSª

117
:CAP'ITIJL(l) 4 - O A},1O, E e,) 'E$-€ -R'.kV1)
tanre se dio:cavam com elas~ enre~avjUll~se nelat pórque tii:iham sid.9.
reciprQcamenre, da sua parte, obj.eto da mesrna ·a tenção secreta oçulr.a
sob o mesmo apare nt.e desdéml.

A :mediaçâ'.o d.upfa ,. ou ·redíp.ro:ca, vai nos pemlit'ir completar certas ci.es-


o-i~ôes delineàda_s·no i;>rioi€i'fo :capftulo. Vitt!'os o sr..d-e- Rênal copiar seu
des.e jo ck €ontrarar um pr~ceptor a partir d~ um desejo [,u~gináxfo: de
Vaknod. Ess.a imaginaç_ão é frutp de uma ;i'ngú.stia: inteiram½nte subje'ti·
va.. Valenod jam-àis cogit.o u de fazer de Julíen o pt:eéepto.r de seus fil hos.
O velh.o S--orel -não p-ãssa dé um tratante genial ~orn ~e-u: "Re.c::~bemos
melhôt prQp,osta«. Ninguém lhe fez proposta alguma.. Ele é ô ITTimetro.
a se surpreender quanEo lfoa sabendo que o st. Prefeito está interessado
na. malandro de seu fllho .

U.m póuco mais tarde,. em:retanto, vé'mQs. Valenod propor .a JuHen que
este v enha 'trâbalbar para de. Estaria Stendhal confundindo o Valenqá
imaginado pe lo sr . d.e Rêf!al com o Valenod real que ném sequer pensa
,em JuHe.111-Stendhai não está coafü:ndid'o nada; Exatamente com_o Cer-
vantes, ele tem a 'intenção de re-x,-elar a·na:tuteza contagiante do desejo
metafísico. R:ênal acr~dttava ítnitar o desejo de Valenod, :e agora é Vale-
noçl quem ünita o desej0. de Rfnat.

A situação se torna então inextr'ieáve1. Mesm·o qtre o mundo inteiro se


cqÜgasse para conveQe~r o 'Sr . de Fi nal da verdade, b sr. de Rê.na! con-
tinuariã recusand0 a se e ntregar: O homem de negócios se.m.pre sus-
peitou das iTJtençõ~s de Valenod no tocante a Julie.n; não é agorcr que
~Je poderia pô-las ern dúvida já que os fatos. conArmm:arr;i sua intuição
mentirQsa. O real 'brota da ilusão· e lhe fornece um aval enganoso, ~ por

12_8
Ml;i--lirRA R9MADlT1 CA E VR:R-DAD_[ . R(i,M AN ESCA
int:en:nétlro de um _pr0cedimeoto análpgo q,(Je povo,s e polfücos Jogat[J_
~ns nas costàs, dos :out_r_es:,. em sã c0nsciência,, ,a- 'respcmsabil-id11de pdb'S
.~Q:nJJit9s q~t'. os qpÕ'e,rrL

Na mediàçã0 dupla a memm0r{ose do o}:;;jeto é co~um aos dQj§ par--


cetros_ Po.d·~-se ircr niss0 o f.ruto de uma estnan:ha coJa·bora-çã.o r:;ega-
tiva.. Os pu.tgµecses,, ass-jrn , n~Q preci~4rri $~ "irepetjr ás provas", Eles
as. corlt'emp1am .a Gada: dia oos o,tbos des~e·n hó-~os Qú invejo:S9s de
:;_eu$ ·sem.dh4:ntes·, Podt'- Se-passar por cima da-opinião cre :u_tu ~tz_
inl\ó
toq1pla.ée-r:it e; [iãq ~ pode ,ç _olocar .em dúvida a c·onôssão involuntlfria
de um rlv.a 1.

Julien ~ik q;1Ja11to cvale, mas- esse valor não ~em nacfa a ver ,c om :seus
pritnefro~ ~ucessos, Os arte~ã9.5: de su_a .Cª-JTê.iJ;'9- nã.o têm por ele f!en.hurn
io teresse verdad~i-r.o,, .'i'len:~ ~ .afeiç~o: síntera_. Ees são .i_oça_p,A;?;és d~
µ,Rrec'i.àr os pr.ésfü:nos que julierr pDde 1-bes oferecer_ Ê. sua riVêtl'idade
qú~ a$s~@lra_a Ju.lien aumentos de·salãrio e persp:ec:::.tiva:s. pata o futuro.;
é essa rivalidade que lhé ábt:é 'a,s, vortas_·<l4 resi'dê.ritta do_s-·de Ia Molé.
Entre o vertlacleim Juft-en e o Julien pelo qual 1:,ii;ga_rn qs ·dois di~ítátj'és
de Verrtêres à di~t~nq_a é tão .g rande .GJ\(ant0 ,a :que há en.tre a bacia de
barbe.ar e o :elmo 4~ Martrbrinq" m~ ê.S-$<\;di$t.ânc::ip. ~ de o.atr:a natureza.
A :ilusã.0 o-âe é diverti"da:1 com.9 a d~· Dom Qaixo.t~,, _rn~s- por estrªnho
que par~_ça -é por(flJé d~rxou de sê-10., que se 1he eiá eredito,. O ver~dei-
ro l?urgués iicted.ità exchJ~lv-anreo:t~ eni banq.1idades desagra-dáv@:is, Ele
1

,che-,~a a fazer lÍa banalídac;Je dés.agtadávd 0 crrtétio da -verdade ,erri s'i.


Na moot.?-Ç?O dµpla não se de.sej-a tanto o objeto quan:ro s~ r~eeia y.ê-Jg
-em _p.o!i).er dt .óutren)'. (QfnQ· os· õtitros ~lem~ntos, d€- Urn univ.erso, que o
burguês gos.farra que fo_sse totalmente ''poS'ití_vú'', à própriª fránsfigOra-
.ç ã0 .d o ohi,eto <leseJacl.o se fez ne·gativa.

erpréfàr 1..rm :tr.ech0 pa:rticu.-


O koiÍ?n:ierrp da m~dt-a;ç.ã·o êl.üpla peIJJ,i.lte; il)J_
larmente enigmático do seguiJ'do. Qo.tp Quocqtê'. Alt'isfd;gra,_a dawa d~
:e.Qmpanhia da duquesa, '!Iue s~ mostra b.astante 'hábil ern m\_s,ti{kat Otim

\t9'
CA·P ITULO J ~ 0 AMü E O :E5 GRA.VO
Quixoté, tinge estar morta, depois ressuscitar, daí déséreve açs pre·sen-
tes sua estada na~ sombras:

A verdade ê .qúe cheguei à pqrla, onde estav:am jogan90 a péfax erca de


uma dúzia· de diabõs,1 todos de calça!ó é gibãt;>, ~ caµas à vafon-a, guar-
necidas de rel)das Rameng.as, e com vo ltas de rendas também, qcre lhes
se-rvi<1m .de .{junhos, co·m .qúat·r o dedos tlo-braçQ de fora., para parecerem
maiores as mãos, em que t inham umas pãs. de fogo; e, o qut; mê!is me
apmirou, f.oi estarem jpgandg ·.a péfa com lrvro's., que i)ar.ecianj ,c_h eios
1

de ventq e de borra, éoisã .maravilhosa e n<Jva-; mas ainda me admirou


maí:s ve·r que, .sendn: próprfó tlc;,s jogadores ~!egr~r-s1: 9~ que ganh;Jm
e ·entristecer-se os que perdem, oaguele jógó todos .g runhiamr t0dos
arregao.bava.m o denf~, e todos be maldlz1am .. lYtas há outra to1.sa:,. que
tambéin me achni'ra ... foi que.aõ priráei:ro bo(êu não fiq1vii_nefT\ uma pélã
capaz, nem se p.od1a m ús aprevéitar, e assim gastavam livros novos e
velhos,. qµe ·era mesmo uma m,aravílha. 4

Esse jogo. de pêla diabólico simboliza p<medtame.nte o ca·r áter recí-


.. proco ·que a imi't ação adquire na medi.ação dupla. O s jQgadores· são
1 .
• o'posltores, ma s semelhan,tes; e atê intercambi·áv:eis, po·is ~Jes fazem
exatamente 0s mes.mo's gestos: As bolas que eles rebatem uns .Para os
outros representam o. vaivém do d~·~ejo entre Q s~jeit o-mt diador e o
med1a:dor-sujeíto.. O s jogado res são parcei~os, tsro é, e,les se ~ntendem,
mas a1:>enas p.ara o deS'é ntendirnêpto. Estr'ânhament e ninguém qu~r
0
perder e e.ntretantG n'ão há mais, oéssé jogo ,. se:nã·o perdedores:· " .. .

todo~ grunhiam , to.dQs arreganhavam o de nte, e to9,os se t:naldi'ziam.~'


Comq o sal;,CTJ!ó~, cadç. qual' toma ó .Outm, respcms.âvel pela 'infeliciq.a-
de que o arrasa . Trata-se aqui .de fató da mediação dupla que· é para
todos J. una .c aus.a .eqaívalente de sofrimento.; ~ o coqfüto ,estéríl do ~ua[
não podem nunca s~ desapegar esses sócios conquamo Hvres s~Jt!m

'-1Jom 0Hix-0te, pp. 66 I , 661. op.cít. (N.E .)

1"30
ME~ T I RA ROMÃN'TI CA E V ERDADE ROMANESCA
os jogad~res. A nan:ativa de Al:tfúcj.o-ra e µtna .âl.e.goüa bastante çLãra.
q_u.e_fêní por .alvo Do:m Quixote,. p,ois é a Dom Quüto.t e que P: Q]lo·ça ,se
dírige. Estarnos, c!l'iâ~, di~.nte dó QtJ~ .d<l ao: trecli.o· seu tom eni,gmát:i-
c0: essa· história, não n;i'.ãJ,s .qne a: n'Ovd,a d~ rro
(úrlbso: imp(':rtjh~ate'11 ,
r;)~ú 'F).arete e'f;far em seu dev.ido· lugar ·n@romai:rc~ de Dom -Qtrix'_ó te.
Nãp se Pet:teb€ qu13:{ ~ r~lãção ·qué· l'ig:a a sublime ioucura czaval.he:i.rescà
à sórd-ida paixã~. dos jqgr.rc;i'qr~s Infernais.. 'É est.ã rda9ão· quez a teo -
.ria. metafJsiça tfo desejo e a ;passag.en:r ;·n.~vjtá.v~l d.a mediê!~O ~>Çte'.i"n.~
.-ã rn:eclfação íntetna vêm esclareeer. ·É ia .uni.d.ade do c±e~ej.o tr~angulat
que Cervantes, afltmâ lnYnic;pntnte ness~ ÇJIJ'íQSiI r.):a.r.ra-trva:, Teclo d:e -
sejo seia.ndu o Ou.tro., p<Jr nohr.e .e inofen_siyó que nQ1 pg"r:e,ça ciu s.eüs.
primõrdiOo5~. 9-0'a-Stâ puuc:o a. p,o uco -sua -v{t.ima às regiõts 1rtf~<ats. À
·m~di<.fção so)jtá_ria: e lóú[:;inqti?.·d:e Dom QuiJf0Je s~iue-se a medi.açã.o:
dupla. Os cQntendo-res. do j'qgo.de péla n·ãq -s ãó j;ãmals inJerio-r_e~ a:doi~
m;,,s 5-fú. núm~ro pode cres.c er i'9clefirüdam.ente. Ahj.s-íd:ota declàra v~-
g,amé't'tte ·g4e' eh vn,1.°é(trca de urnã ·dúzia'' dé .füâbos. De dap1a que e-ra,.
a rnediaç-ãl.o redpr©'"ea p'CYd~ tornar~se triplà, qciâ.drupJa,, rnúlJj pla. °El.a.
p.b.d~ acabç1,t- af.etãndo .a ce.Ae-rividade como· um md'c;,'. E o jQgó r~p'ido
çlc1s ''pâ_s de f9gç/' sirq_nóJiz,a a açe-letação prodigiosa do proces_s9 p)é-
tafís:i:cn ,q uando :-.e-.çhe-ga. às 1"pott~_s"· tió-infernô, i..c,to é). aos derradeiro&
estágio:s da mediação..

A. f-o;rçç1 i,mpo_síti~µ &1 il.u~ão· a:UI:rlenta à m~_drda· que a comarn1naçã:o .se


.alastra e o número d.e v{rin;l_a~ sce am:p_fia_. A fo-ucurç1 iiiiçfa1. çre.see1, ama-
dUn;.ç:f, sé de~br.oclla ,e se reflete nos 0lh0-s cle tb!lO's. Cac;la um pre·s.t <,1,
1

têsten1J.;1nho a ?eu f?vó't, As consequências ·que ela acarreta !ião taÇ) es.-
pet'acula:res que çeu ge)me q,.,rii;rtérJco D.Cê! ént~rr~do· pa.ra s.eri1p,re" Todos
0s v-i1lor~s -~o arra-s tados neGs-e 111rbi.lhão:. Mpde;Iós e- e6p\-ás se rc::IiO.Vé:!_én
c;;ada Vç:z mais d .½prç.<s~ ao iredo.r do.burguês G;l1e n@m .,por is50 deixa tfe-
viver no etern:o,, eternamen~e extáfitO. dianYe d.-:i óltima niódá·1 do último
ido.L~.; do último sfog'mL As ,ddas :e t'tS hnt:nen.s, o~ S'istemas: e 2,1_s fóuíiülâ~
se: grçédém :numa. ro:d.a c;á.dâ vé.z mais .e!>téiiL Eis o -vemfl ~ a borra cru.e-

(~1
.t',t\·t'ffl.JI.;~).: A ,\J'. A',10 E·<> P..SC1U\'<i
os jogadores demoníacos de Alti.S,idora rebatem entre si. Como sempre
ell) Cérvantes,, 0s aspectos lire.ráric:;,s da sugestão são partkularm,énte re-
alçados. A cada golp.e de pâ:1 "gastava.m livros novos e velhos1, que era
mesmo uma marav!Jh<,i.11 Passa-se pouço a pó~cQ .dos romances de .cava-
lar ia aos .romances-folhetins e às formas moden}~S da sugestão t::oletiva,
·sé1Upre mais abundante, sempre i:nais obcecante ... É assim .gue a pub{i,.
'tidade 01-ªiS hábil não procura nos convencer que- um dadn ptoduto é
excelente e sim que ele é desejado pelos Outros. A estrutura ttiangulàr
penetra l)bs mínimos detalhes da ·vida ·cotidianà. À medtda que se desce
para dentro do inferno da mediação rec(próca o processo descrito por
Cer:viantes s.e t oro.a mais. e m;3.is universal , mais e mais irrisqrio-, máís, ·e
mai$ catâ'strófico.

Dí:ze.m..os, _q ue· na origem de µm desejo há sempre o espetác1.tló de um


om;ro· des~jo, real ou ilu_sório .. Aparêntei;ne.nre, essa lei c0mp9tta inú-
meras exceçõe,s. Não é a súb.ita indiferença de ·Mathilde que in.flamá
.. o desejo de Julien? Não é a iAdiferença her9icaipente simulada por
Julien., m·a is ainda que o desçjo rival .da sra. de Ftrvacques, qu1::, um
pouto mais tarde, desp.e rta o des~jo d~ Mathilde? Na gênese de.ss~s
desej'os, á lndifr·rença desempenha um. p~pel. que parece contradizer
os result~dos de nossas- a.Dâlises.

Antes de responcl.er a essa 09j~çã.o temos que abrtr um pequert.o JJ.prên-


tese. No d.e sejo sexual, a presença, de l1ITI rival. não é necessári.a pata g.ue
se possa qual.i.ficàr esse des~j0 de triangular.. O ente amado se desdobra
em objeto e em süjêíto sob. o .olhar do all}ê,lnt~. Sartre ·percebeu ess,e
hmômeno e é sbbre ~le ·q ue está funclament-ada sua an@se do amor, do
sadismo ·e do masoquismo ria obra O Ser e o Nada. O 4~?dobramento
faz súrgir um triângulo cujbs rrê_s âqgul.0$ estão ocupados pefo amante,

132
M'RNT!RA ROMÂNTICA !: V:ÉRDADE RO.MANES:CA
pda cJ,rhi:\dq e .pelP. Gor:p.o dessa ,amada, .O ·cles:e jo sexual.;. GO!l\.C> todos
o_s desejçr~ tt_ia1tgul~re1,, ê tetnpJ;e cónta~ióS'Q. Q~~m diz cbntá~io cli;a,
obrig-a~orfameme.; ·seg'.lfrrclo: de,stjo inç:1_dj'ndo sol5t~ o m.i:$11Jô ooj.~Jó q~e
0 nrimei.ro· desejo .. lnütar o desejo de •seu arname é d~sejar-se' a.si. prd~rio

'Waç_às áo -dcs-éjQ dess~ amãnt@. Essa ú1odq.lfdad.e pa.rticular- da me.diaçãe


dupla· se chama coqu.ttlsmà.

A_ço_q,i,ittfé não q:Uér entr,ega-rsua precic,s.a-pessoa,_aos .de-sejos·qµ""!'!·e~. p:r!,;j-


voça., ma~ ela rtãô serL'a: ~~º preti0sá s-~ D.cão· ó,s ptlQY;ocasse. A pre:ferência
que a facefra dá.a ~i'me_srí)a i1.fi1~,-se -uo.i'Gàm~te sóbr:e ~ prefeyfn,cda.que
'lhe d.ão ós Outros., É _por:is-so: que a face-ira procfü·a a~idaJ;IJ;ei,)te as prova~
cl~SSí\ preterêné:is.{; cl.°a alTmenta e atiça OS. destjds'., nã:0 para aaandonar-.se
-a .eles mas para a ~les mdh_ ot recusar-s~.
A indiferé.nç,<l da :c'Qquette para Gom os. so'frimentos tle seu amante 1não. é'
fü1g,ida, rtl";l_s nà·o :tem pada :a: v~r com.~ lndi.fer;e.n~a -ç;orrigueirn.. Não i
-a~~êrrcia de de~ejq; ê -Q Jnv.erso tle· urt;i. dese;jõ ·pô"f -si prqp_:fia_, ó :aman_te
1 não se deixa h:rdí'briar a ess.e respeito, Ele acredita até recorth~cer I)a'.
indífetértç_a- de sua_~i;nãnte_, ~s,ta a:uJonotnia divtna: .do qual ele pr-óprio se
sente p,i\.~a:d9 e q_ue. quer atdent:~enté-éonqúi$ta,r ~ É, e:i.:lta.m,enJe essa a
t
razão pela qual a raceirice ii:rcendeia: o desejo :d 9 filDaCTté. E é _SS~ de~ejo,
~ p,_Çlf su.a Vfa,, jqga mais Lenha :no, fÕào dá toqueteri:a. Há aí um cfrcu[o
viqosO" qu~ 'é o- êfa .me~lJ~ão -duplª-
·o ' 'desespero'; do amante e ª' coque.teria da amada ~restem ·cgnJuri_ta-
n'i~nte·, pblS, os qóis <$en_t!Jnent.os sãoçopi·ados-um: do outro. É,um mesmo
<:J,es:ejo. ·sempre n,_ai? intertsu, gcié ctrcula entt~ os çlois pàrcejros. Se os
.ama11t.es ri.õnca estão de acordo não é pot serem p0r.dem_ais,'1diferente_s1',
é9mõ ç1.tj:f.m.ê!01 o senso c.ommn ·e 'é>s J:0rnance.s. sentimentais I é po:r serem
pot tiewai~ ,s~elha.nt:t s ú.m açi outro; é por j;erew ·t.o-do~ c;'.ó:pias u'ns d.os
outros. M'as quanto rnaiora -semelhança, Il)a'is,eles ?.on.ha.m em serem di-
fereIJ,tes·. Esse Mesmo qüé 0s obée_c_a ·é concebtdo -como o Ó.útro absoluto.
'A medfação.q.t:rp·la as:s~$.Ufa· um'.ã opo$1Çâ'Õ tão ·rad,iç·~J. ~uan:to 1/az-ia, urna

133'
CAP-(Tl,JLÓ 4 - Q ·AMÓ. ~ 0 'f.SÇRA,VO
oposição linha p o r linha ·e po t:1to por p.o nto entre duas Bgu.ra_s .s imétricas:
e d~ sentido ·inverso.

AquL e alhm;e ~, é a apró'ximaç.ão que dese.ncad~ia o cqrtfü_to. Estam0S:


diank de uma lei hmdamental que governa tanto o mecanismo elo amor
''.nte-rttà.l" q1,1anto ,à evoJucão soda[.. E essa proXimidade nunca dada a co-
nhecer, ,mas '.senTpre pressentida constitui o d.e~espero d'o amante: este
não pode menosprezar a amada senJ menosprezar-se a si próprio; é le
não D.O.de. desejá-la S(i'.ffi que e la se deseje é!, st própria. Ek~ cai., çomo Al-
:cesté, na misantrr;pi;L.6

Podemos agoTa e ncerrar.o parêntese e responder à obj'eção que formµ]á-


vamos há' póuco . No universo da rn~di<1ção interna, a indiferença nunça
ê rneTarnente neutra. Nunca é ·p ura ausência de desejo, <e aparece sempre
ão obse rvacl0r como a face.exte rior de um <lese-j o p.or sj mesmo. E é esse
de.seja pres~rm_ido que- se faz.imitar. A.dhdética da indiferença n.âo con-
tradi~., ai:ite5 conf1rrnâ as leis do desej q mê-t?físko.

O indiferente pare c~ serí;l:pre po5,suir esse domGnrc .r adian·t~ ,cujo segre~


do tndos btJsi:;amos. Ele parece viver num circuito fechade., usufru)nd.o
de seu ser, n_u ma beatitud~ qu.e ·nada pode vir a pérturbpr. ·1:1.e é Oeu-s .. .
Ao 'tin gir i ndiferença para com '.M.athilde e ao e-xcJrar o cf~scjo da sra ..
Ferv,àcq_ues..Julien não ol-erece un1 mas d'9is ·desejos a serem iroitadós'
pe la moç a. Ele ptoGura multiplicar as c_ha.tices de contágio. T aJ é a

5
j\lcesre,.per$onag~m do i\li,antro-po , de Molfor<t ( 1õ~6). Edlç:ão brasileira, ()' lcirti{Ío1 <J
11u,mntropo_: 2,ed. S.ão Pauló, l\.fa1"üfl!> Fanfes, 1005. iN.E.1
1" O ·e::oqué.fümp t: pçir $inal uma med1a~âo m·úitô' in!'itáv<!I: à tlor i:la pele , e que exige
ser con~ an temençe r-enovado ,P<·>r novos de•fejo~. l;:k perJ;enc~·às reg:iõt:.s sup:enofc~ da
:mediação im em a. Q uan.do:o mediador se apmxi ma do suJeito deséjan te, o coqúétil'.1p o·
,des:aparece: A mulher amada nã:Q sucumbe ao <.:orttági'o d<t seu aníorifo . O ·desprezo
sea~to que e la v~,.a a ~i m !:'.,'ima ~ intenso demaí._. p.ar~ que. p· desejo do ama nt e possa
strvir-lh~ dé c:on tra_pe!íO. Esse desejo nãô ,cl~va â rnu lh_er a seus p.rÓf)rios <>lhos, ma:s
d e rebaix;i o a:mante. Est e último ijta .=ts.soci:ad<> ap reino· do banal, do insípido, e do·
sótd1du onde' hahífam t), tibjetos q:ir 5e.JeixmH poss11id N. A. /

1ii!

.\lll Nl"IR ..\ f{U.,'\l .4.N11( ,, , E VÉJH).AD1: "lic1·~ 1~.f"~C~


"po:lítica russa" do, dind( }Ç.orass0f Ma~ K.otêJ.Ss'óf _n~ô inV.enEóü ·11ada.
O velho. Sor-el_ já -âtumul'a' as duas. receitas em suas neg.oda~ões :eqm
Q ~r- de R,ênal. (1~ ~imú.1'1) dic.,nt~ d~ste,, uma indiftren~a rea:l~âda por
.stJa·s· vagas alusõ~s a pr.-opb$tâ:s m~ís v.al)taj0sas. Entre ç1 esne.rt(t°Za, d'0,
camponês da Franche.-Cormé e .os refinamentos- .dç) aQ'J'ôr mcçtàI çã.o.
h.á. o~nhuma. c'Iif'.ei:eQça, d~ ,e;s.tnitúra.

Nd u_rtiver,s-o da medjaÇ,ãQ interna, terd_d des~iô pode ge,r~r desejos c.Qn-


coHe-ntes, Se o sujeita desejante eede ao ,impulso que ·o ;3_rrasta pata ti
objeto,. li.é ê.t'e ofer'eée seu :d~:s"e:iQ em ·es'pJ~ta.rnlo pax;â outrem; a' .ead-a
pa:ss@, cyia ·p ara 5i obstác.:ttJ<?,S' novõs. e re-{otça ó~ j'á ~;u.~·t-ente--s. O·s~gredi'.l
do suce-5SG, nos: negód0s e.orno no amor, ê .a dis~llJJ.ulação. É pr<!ctso
dis.si.mu:1ar, 0 desejá que se semte., é -. preéiso' disslmular Q desej_0 que, não
se ;Sénte. Êpteds,d rn~tit, É ~í:lrnpre.grãças.à_metitlra que as·persQnâ.gens
srendhalianas atingem :seus ij_n_s, a me.f)o.s qq-e t:;Stej_arfi Hdando t:.om sçfê~
dé p,aí_xã_o. Mas os s~res de paixão são h:ilirütamenxe rarns no univ:.ers.o
pósdey9 Lctt_ion~no..

Stendh-al rnpefe- frequ~nte-m~nte·que m0sttaJ· a lltl1}3 ·m,ulhe;rvaicfosa :que


ttla. é- desejada, .é rev,eJaruro Eu infe_rto1·. É _pois .exp-or-c:s.e a dese;ar sempre
~étp' Iai;nats ptóvocàr o d~sJ;jQ, Qµan:do 1l. m~di~ção. d1Jplâ irívpdt o. fer-
nt'óri-o do am.0.r, 1:oda: :esp~a:1Jça de r:~~í.p-r0citlad'e ·se' e·svai, Hàuhett fut-
mulâ em suas, netas' e.ste prii:rdpio abs-eluto: se_gun.cfo :o qual "nunca dois
·sére1;" Se amam áô, fueSJ;I10 tempo"." Tó_dç1. ·C.OrQ.W1hãô ·d<;s,apai'ec_el.( dé 'um
'senti-menta que··m, e't)taI).to se define pela pr.óprfa. coi:nüoh_ão. A 'R.;tlavra.
s:0hrevive .à tbis.a e des,rgna 0 · contr.árfo .do que designav a @rigi'naln:r~nt~.
A tr'êlh~éencfêntiaJd·~sNJ';itd:á se cã:ract~:nza sempre por ãmâ tr.ans~ressão ª'

~ Mane-)eanne Durry,,. tli:(uberl et ses ·projets ,neà:ls [FÍaube'rt' é ~fos 'pi;:o'jetos· ínêdi'tó.:;J°,
p ,,25 cr--r._A)

ns
CA1'Í1'ULO 4 - Q AM,o ; F {) ESCRA:V(,)'
um s6 :tempo. sutil e grosseira da linguagem. São como o dia e a noite o
c1mor cfe Mathild.@e·o da sra. deRênal,, ma,s emprega--se a ,mesma palavra
paTa ambos os séntln;lentos .

.A paíxàó romântica é portanto exatâmente O; inverso do que ela diz ser.


Não é um abandonar--s.e ao Outro, mas uma guerra i01pla,cáv'el entre duas
vaidades rivais. O amor eg0ísta de Tristão e .Isolda, os primeiros heróis
roIJ]ânticos, anur1E.ia um fururo., d._e di'scórdia. Denis· de Rougemoi)tanali-
Sp.c o mito éom_um rigor e>.,'tremo e ating-€ a v·erdade que o _poeta esconde:
a verdade dos róm_ancistas. tristão e Isolda ·11se entre-amam, mas cada·
·qual. só ,ama- o. outro a part~r de .si, :não d.o outro. ·sua i-rtfeliçidad€ ter.çi ~ssim
.origem narpa. falsa recil?rocidade, má.seara de um .duplo narcisismo. A
tal ponto qµe em determ_ü:iados. momentos sente-se aAÇ)rar em meio ao
exçe;Sso de sua. paixao· µma espécie d~ ódio d0 amado"_

O que tka tmpfkito nos amantes de. Thomas e .d~ Béroul está ,perfeh'a-
mente explíçi to no romance stendhaliano. Tal como doi$ .dançar1.nos,
que obedecem à batuta de. ill11 maestro invisíve! 1 ambos ds parçe°rros
:observam uma simetria perfeita: o mecanismo de seu desejo é idêrtti-
co. Ao ·fingir indifetc;nça, Julien dá corda, em Math:flde., a .uma Tiióla
se:melhante .a de $~U próprio mtc·anismo,, i:uja chave está em poder d~
móç·a. A tn_ediação dupla transform_a as relações ámorosas em uma luta
que se desenvolve conforme· regras imutáveis. A vitória pert~nGe àquele
dos dois amantt.:s que melhor ::-u>tentar -sua mentira. Rev~lar seu desejo
é (!ma falta tanto menos .perdoável qu~ não se estará mais centadq a
cometê-ta tão logo o parceiro a tiver ele _prop_río comeüdo·.

JuLen:cometeu esse erro 11'0 início de seu relacionamento com Mathilde.


Sua Vtgilân_çia se· relaxou por .um instante. Màthi1de era dde; eLe não
soube escqrydér de!?t .uma felicidade, a bem dizer, um tqnto morna mas
-suficiente para repelir esta vatdosi;l para lon_g e dele .. Ju.lien só consegue
restabelecei: o estado de coisas inicial pbr meio de. uma hipocrisia real-
mente i1.eroica . .Ele tyJTI que expiar ·um insta11te de rnmquêza sob uma

138

1'\EN,IRA ,ROMÃ NT I CA E V'ERDAt)E. RóMANESCA


mo,nta.nti.a: de mentira$. El!! me(lt~ ~ara Màihilde,.m~nttt pai,a a s.ra. de
forvaeque1i., meme para t~da· .a familia· .rj.~ la Mo}e_ O p'~ ó a'ê:~mulado.
de-ssãs ,m.entíras acaba fazendo a bafaoça inclinar-se a 5,eu favor;- a cor-
r~té-Z~ à~ imit.a:Çã0. ~e revêrte. e Maithílde se precipita em seus .braço.s.

Math.iÍde se -rec0nhe.ee tscriirva. O termo nãq :é e)t.ageta-do ·e ne:i~ escl.µ-~té


acerG:t çià n_qhirezã. do elil'.lb.ate. Na medi.ação dupla ·cada um aposta. rua
liberdade ·contn ã· dé 'Qlltt~m. A fi.rta. estará tertn.inàdá assim que um
dos cmnbatentes,confessar s~u d-e?e-j0:.~ humllhat se:4 orgulho. Qu-alquer
reviravolta da imita(;â0 fka doravante .imp0ssibil'ítada1.. pois o d.e_sijp· de-
.d ar.a:dQ·d9 ~scr/;l.ço de:s.trõi O: do fl1t1.a é,gafc!.nt~ su;:i ind.iforença eie.tiva. Essa
Jn~if-e.r~n:ça, er:n: c0m,pensa:~ao:, .çl~s~pera Q ~scràvõ e tédo:b.ra_.s~u ~~-~~­
Os ·dois senti.mentas são idfmtic.os. já que copiados um do outro,; eJt:;s. só-
podem r;rttã'i:l téfot~ar~se veodo•se um ão outto. lles pesam na mesma
direç.ão e as_segu.ra:n1 a e-st-q.bílitlacfe eia ,e·sttµtctfa.

:nssá cliáléticâ d-o ''. amo e do: escrr-avo'' apresenta f,urinsas-ana1ogia~, e tam-
bém ~and~s ~hferenç~~. çom a.d.i~létiça.h.eg€Li~na. A dialética he-gellana
se sfrua :num· pa~sa.do de Viplê'nda:. '.EJá e:sg·Gta seu~ óhimqs efe'it0~ ~E:lm
o ad,vento de Napnleão. jâ! a di.alétie:a r::oman:esca a:pare0e ·no :tJn iV\;fSb
p~}-Da]?Qkônit.ô. Taií.to t?,ara, Stendhal éo.füo para t-l'egd,,,0 Feinado da
VJolên<da t~d.i,vid.ual está entertãdQ; ~e ,:-dnà~ô deve dar Juga.r !l Qµfrq
coisa. Hegel c.orrfia n a lógic;;a e 11a r,eAexâo h\st(Yr_iqi: (Jara .detetminar
e~a Qútra CQ)~a, ·Qúaridp a Vio:iêf)€Ía ·e Q ar0it,r,a:rio, de-íx-am de reiflar n0S-
te).aç_içri;J.êl.fjJ:é)ltOS htrrnànô$, a Befriedigtm,9,,. ~ reéôncí li~çãQ., deve: st.Jç~dê-
1.os_necessari,amente. Ó -reina.de do. Espírito ttm que .cpmeç:ar. Os heg~~
lia.Qos cop_teJDp.or:ãn~os:, \é em partieul.ar os marKista:&,, .não, renmrciaram
a essp. .e~-p'e;ran.ça. Eles ~irnple?rneote ptot½hiram o ·acívepto elo Espfrito,
H egel, dizem eles, se ~f\gqnou µ'Ql pm.1co:na·.d;,.ta, Ele não .soube tr:idepr,
em seus·cáltnd05, O,S fatores econâmícos" .

O rpma.tic.1Jta, de sua.p;a,:-te , d~conBa ,çl~rs. {je:du~0es, lqgiçifs. Olha a ·$·eu


re.:dor e. olha para· dentr.o de ·sL Ele oa~a descob:re que aou.i;1cíe a famosà

J.3?
CAP'IT'l:!U.J. 4 - ·O AMO ~ n E~CM.V,()
r.ecotrcil}ação. A vaidade stendh_a1i.ãna, o esnobismo p:roustial'lo ·e o sub-
solo dosr9ievsklan9_s.ão a nova forma qúe assume a luta .das co·n sdênda.s
num universo de não-violência fistca e 1 caso netes.sárro, de n.ão-vio l~nda
.econômica" A. força não past;a dà àrma mais grosseira para as cons.ciên-
cias pnedispo·stas umas contra•as outras e con0ídas por sua própria nuli-
dade. 'Prive-as dessa anna, nos di.z Stendbal, e elaS. fabricarão npvas, gue
os sêculos passados não s0uberãtn prever. Esçolher:ãô novo,s terrenos de
combat~, corno ~ses jogado:res jp,.pénítentes que uma legi~láçã.o pater-
t19clista nâG sabería proteger ·d@ si próp;ri_0s, pois eles inventam, a cada
proiblção, aovas termas de perdtr seu dinheiro . Sej~ qual foT ,o ·sisten~a
político· e social çiue se consiga lhes impor, os homens não ~lcançarão
nem a f.elicidade nem a paz com que sonham..os revolucionários; nem e\
harmonia dos balidos com qu~ s~ assustam os.:rea~ionários. Eles &empl'e
se entendecão o. bastante para nunca 5~ entenderem. Eles se adaptarão às
circuntâncias q,ue paré.c em a_s menos propf.c ias à discórdia e invent<lião
s.em. descanso novas formas de conflito.

São as fbID1ai/'si1bterrâneas" da 1uta d.as:C;.onsciências .que qs romartci-stas


modemos ~studam. Se.o roman€e é o lüga:r da maiorverda.de existencial
é sotji;tl do século XIX, é pôrqtr~ ele é o único que ·s e volta para as regiões
da· existênc::ia onde se refugia a energiâ .espititual. O triângufo do desejo.
se,que!f pr.eocupa os vaudevili.stas e ós romancistas geniai~. Valé1y tinha
ràzão de associar as primeiros aos segundós çnqs estava e1Tado quando
tirava dessa. promiscuidade, ·á seu ver escandal0sa, u~ argurn~rit.o muito
burguês e rridjto aCél,d~rnico co11tra ó, gênêro romanesco. A àg'iÚclade
và.lerian.a converge, .a6.oal dê e.antas, com o pes9 positivista., amb.as tõ·
maclas pela m~srua cegueira <tliantt dà verdade dos romancistas. Isso não
é cle espantar já'qu~. tanto de um lado Cômodo outro, defende-s.e o mito
d.é sqa própd·a autonomia. O idealismo sólipsista e o posirrvismo O:ão
querem sa_ber de nada a não ser do indivíduo solitátlo e dà coletividade;
essas duan1b!?tr~ções são .<::e.rtameçte lisonj.e iras para 0 Et..1:.q:ue quer tudo
abm-çar, mas u.ma e óutra s~o· igua lmente v·azi_a$. O romancis.f:'a , exdusi ·

&38
MliNTl,RA R.C1MÀNT IC.A E V~R.DAD'E ~ () MAN.ESC A
'"'élm~nte. [la. m~dida e-iata em qhe e:k r.éc.cinhet:::e SJ.f<i própria servidão,,
t~,teia .o ·ca:i;i;!Jnh~ 'huno ~ç, c9ntretó, l!Yto E-,. ti.mi'o ~ ê,sté djá1~~ó=h9sttl
en'.tre o Eu e o Outro que par0dia a .luta hegeliana pelo rncorlhecLweé)W.

Os ·dotii têm.11~ .a_~_A .FiihonuHdlogJá d'o Espirifcl qué atta~ni pi1rtitulartnertte-


os Ie}t9t;és. ~<,J'Dt~mporânims s.âCJ a 11 c;t5ns.ctê-ôcra iDfifizl' e a '1!d1alétkã d()
am:o e do escravon, "Sttm1mos todos cmnlusam~nte que s0 uma síntese
,desses· doJ~-temas fascinantes poderia ductdar nosso.s pi:oblemas. É pEe-
,ci~ame·nre e$,!Ça sfn1~.se órigrn:al, ilni:)os_ sívd_en1 HMel, g\le s1- d.ia!'~hç4
romanesca nos ;permite entr~ver. O heról da -med1aq,ã0 interna ~ UJl\i:!
-c::0nsc:iênda ·infeliz- que r,evi;ve a. lutá prim.ordlá-1 independentemente de
qualqufr anre--,rça fí~ibçt e -ani~ca sua lib·erctade em ~.ê!c:Là.·mtnimo dés~]Q.
-A dialética' hegeliana -s~ baseava: na· coragem fís1G1.. Aqude que não 'ti-
ver- medo se-d ·o a_mQ1, aqüde ·que tivet med0 sei:á b .esorf:iv.o. A dia:l.étis;:;:1
rom.:tn~ca re-pqtJs4 sobte a hipocrisia. A. vióJêntiª, Jon·~e ,de Sérvit aú$.
m;-reresses-·-cle quern a .e-x:erc~, :rtv~la a 1r-nens-i-dade d'e·seu d~ejoi ~la é :pois
um sinal di ·es.cravidão. Os a°lhos dé ,tvÍatli:ilde brilhárn de -a'Ie~a quando
Jul_ien pega ti~ e§p'àtla rui p._atede da bibliotet<l. Ji,Üief.l ·n õta e~~a fd1çiçlade
e dep@<!! prudememente uma arma e.ufa pap:d deco-rarlvq i sj_rJ;ib6hoo.

No ünNer~o da. mecúaç_ãb, in.ternã l)~lQ mttnós nas. regicks 54p_eri0res -


c._

s~u pre?tfg1ó. Os çlik1t0s bâ::sic/.i:s d'U? indivíduõs ·s.ão re$_,_


a fii;)r9a perdett _
pefürdos., mas· se não s@ for forte B .ba.srante para viver livrt, ~u:~wnb~.-~e
at1s tnal~fí'.cibs da.coacorrêhç-La vaitlosa. Ó triünfo: do Neg,r.o sobre'() Ver-
meiho simb9liza essa derrçr~ d<l. forçç.. O desmõTórtam~nto:i do. lmpériº e
a instalação- de mn regi:me 1·~atióháno e .clerica l s:ãl'l 'QS i-/tic1is ·de u:it;ia re-
volução metafisicá ,~ socja-1·de.,a1cance i.ncakulávcl. Os éontemporâneos.
não ~otençl~r"am gue St_ eriâh_a1 Sé eleva, a p,ütfr de O Ve:nndho 4- o -N@rQ,
adma das disputa? _partj"d,àrias. M;as, .e n:-9~, será qlc(e o .ente_n dem:os?

ijEgjçã_o Il_rç.sjleir,a: Gi:órg Wilhelll'! Fried,nçli H~gel, AJ~.011/.e'ijó,/o}í,n;lo·~~Pfrtro,,~,fd. PetH1""


polis/.RJ.: Voze,s, Bragan~·P.auHstalS:P.: l!d-. Uni'v.ersi.tári'a SãG Franciscó~20ÓB . .tNE)

'139
O VER.A1E'LHO· E O NEG.R·O

·Üs liiis(o:r-iadotêS' da Hte:raluf.á


no.s ·di;z:.em que a m..aioria. diis ideias st~n--
dhi1:Íiâ;tias :sã'õ hêrdacia!i (1Q!i {iló?6ro$ QO. dQS i_cl:eoh;rgo.s.

Ess.e· romancista ·conslrler.acl.o tão brilhante não teria ·e:ntão um pensam~nto:


.p tópdo. E sé roa:ntenç1 ód .até .~ mQrte ~ó pensaJ1'[é:nto ()]h.eio... _Es.sà ·l~nda,
aq qu~ parece, ve_ío para 6c:ar. Ela' nã0 .agrada men~ a:os-q_u~ .,4estjarl~m ·l_!m
romance sem intdigência··oo que·aos-·que pmcuram um sistema stendhalia-
no f.eçb~p ,e açr-ecü:tani dtscÕbrHo u.os esc;_F_it~s de juv-,mtud~. i$,to ê,, ní:)s:
dn(cos té_}:Otõs [lµÚs tíU: D'lMOS di~iao~ qu~ Sté_nd11_al jamais tenha red.igitj.'o.

Sonha-se COJÍL urna chave ~C!Offi)e liJ\.l,e abriria todas as por-tas da obra.
~ é um ntólho l,nt.~iro de çh,áves. qué :se· tf~. ÇJ.tràndo se volta :s-ijo.é saJ-
V(:l :das pueri's· (ària:s a:J?auLinee cfo Di'ári'o e cl~ Filõso}rà nova:·:· Todo -
2
1
l,
1 esse

1
Stêf}dhàl l,.elf!'es n,Paulille, P'1lrÍ~: s~ui1, 1'994. (t.J.E,)
1
1,c;l.~rn . )Q!l,(H{i/ ~e'1J.OJ'(J__/J.f-:-'de l3o;rd~u...: ,in PQtlf Lt-\1 ·oard. Piiris: te Oivan, ,1937;, e·Ur;r(j.gr:ie
ES:: Pimi:entos, ::zb·o t .tN.f.) -
' Jdeh\ P'ens.fü, füosd~ nov.a.. Parls-: J_é D ivá.n, J9.3 1 (t,./.E,)
ferró-Y~lho faz muito barulho mas .as pórtas, se mantêm fodi~das. Ja-
mais-se expli"cará urna página seq11.er de O Ver.mdh9 e Q Negro com a ajuda
de Cabánis ou de Destutt de Tracy. Com exceçâó de um punhado de
empréstimos sem futuro algum ·ao si~t~ma dos temperarn~ntôs n~o se
enctmtra li1afs qü:alqüer ves-tfgio da.s ~otiàs·ditj,U,ve:ntude nos rotminces
d.a maturidade. Stendlial é um dos raros· pe;n.sado;res de seu tempo a,
tet conquistado sua :independência com relação aos g~antes da épp.<:;a
_precedepte; É Justamente. por isso q_1.1e ele pode p_restar .a os deuses de.
sua juventude uma b:qmenagem de 'igual para igual'. A maioria de seus-
contemporâneos rnmântkos ·são ipcap,azes de Fa2ter o mesmo . GúiI.lde
·é sua co.nd~se::endência pata c9ro o. panteão nacionalista, tr\a.s se por
capricho eles se põem a raciocinar, tem -se ·a i_mpréssão de estar de vol-
ta ao século das Luzes. As opiniões são diferent~; e a_té áQtitéticas; os
aüibientes i:me lectuais nã'd mudar.arn.

Ster:idhal nã9 reounci:a.ao pensameot<:> no dia ~m que desi ste de copiar q


pensantento dos outros,- ·q ntes p'õ e-se a pensar pOJ si pn,$prío .. S_~ o e-scri-
tor não tivesse nu-nca mup_ado de ideia a .respeito dos- grandes problemas
políticos. e sociais; por que teria ele .afi_rmado,, no início de A Vida.de Henr,
13rulard.4 , que seu ponto d~ vista sobre a n@br~a acaba finAlmfnte d.e se
firmar? Nada-tem maior impo,rtância d.o que a nobreza na visão stendha.-
]fa:na, mas éssé po.nto de v-ista deJin_itiV:o não fica exposto sistematic:a-
mel'.)tê el)'l lugar neóhum. O verdadeLro Stendhal tem repug nância pelo
didatismo. Seu pens:arn:en~ó 0rigi_(lal é romance e .tào somente _t'õmá.nce
pois ,. ass,im que Steodhal escapa a sua·s persoqagen~, .o espectro-do Ouiro
torna a assombrá-lo. Consequentemente ·deve-se e.itr:aír tud0: dos ro .,
rnan.ces, Os textos nao-ron:ianescos trazem às vezes especitica~ões mas.
dew -se ma.flejá~los com preGaUÇã(L

·Longe de :çonfla( ctgam.ent~ no pa-ssado 1 já em Do Amor, Sten.dhal


.levanta a quest_ão do etrb em Montesquieu e n0s demai~ espfntos·

~ Idem,, UI vit dt Ht.nry Brnlard. Pari's: Gat:nier freres 1 1966. (..N.EJ

142
MHfl'J.RA R.G,\1A:NT ICÁ E V1: kDA C
H: &OM"I\ N ES"CA
adrntrávels d0 séoulo XVUL- Por que, pergunta ó pretenso· discípu·
lo, esses observadores perspicazes. que são os Aló:!iofos se e:ng~âram
tão ra,dical rt)ente em suas vísões. do futuro? No 'fim de
Memóritis de uni
Turisfa. esse .tema .do éfró fí19sôfíçQ é r~tomado e a,prnfunda:do-. 5ten~
dhal não encontra nada, em Montesquieu, que permita con.denar nm
Lu(s-FeÜpe. O rei-burguês traz aos frances~s uma ljberdáde e uma
prosperidade superj.o res a tudo o que se·viu antes dei.e. O or!)g;resso é
real, mas não acarreta no~ a-d.ministrados a intens:ificaçãO' da felicici~de
pFevista pelos teóricbs.

O .e rr9 dos fllósofosapGnta para Stetidhal suap(6pr'ia t;rrda. Ê rreaess.á.Tia


retifica,r os juízos da inteligência abstrata pelo col\táto e.om ~-GXperiên-
cia. As BastiJhas intactas limitavam a visão dos pe.nsadpres pré-revolu-
cionários. As Rastilhas desrooronararn; o mundo se transforma con;i tlma
rapidez vertiginosa. Stet1dhal s~ descobre atrelado .a vários universos ao
cn~smo t~rnpo . Ek observa a monarqUia constítueional, mas não esque,..
ceq a monarquia a.bs.oluta-i ele serviu Napoleão; viveu nà Al&ílai:iha: e na
ítáliaí vi:sitou a Íriglaterra, alêm de se manter intorn:radq. sobre as nume-
rosas obr.as ,que se. publica·rn a res_peitn dos Estados-Unidos.

Todt1s a~ na~Õ<i'.s de que trata StendJiaf embarcaram nã mesma aven-


tura., mas a viagem é mais ou menos tápip.p. O rornancist.a ~ive num
verdadeiro labor_a tório· de observação histórica e sociolómca. Os ro-
mances stendhaha nos não são , ·em certo s·entido,1 serrão es~e mesm0
lab,ora:tório elevado à s~gunda potêncià. Stendhal coloca aí, lado a
lado, diversos elementos que permaneterla.i:p ·isofados uns ·dos outros,
mesmo no mundo ·modern0. Ele · provoca o ·co nfronto entre a provfn.-
cia e Paris, os aristocratas e os burgueses, .a fr.ança e a Itália, e at~
entre o presente e q passado. Dtver5$s experiências se .desertvolvern,
todas c0.m uma mesma fioafidade; todàs elas se d~s.tinam a responder à
flJ.esnia pêrgunta fundamental :· "Por qUe os· bomcms· nã_ô s.ão fehzes no
mundo rnôgernoi 1

143
CAPÍTULO 5 - O VERAiHLH O E D NEGR.O
Essa pergunta não é· original. Todo mundo. ou quase, a colocava n.á
époça d~ Stendhãl. Mas raros são os que-a faz~rn dê boa ~fé e n,ão resol-
veram a questão a priori pedu:ido uma revolução. a 111ais ôll uma· revolução
cl menos. Em seus escritos _ oão-roma_nesccis Stenclhal parece pedir fre-
quentemente: -essas duas coisas a0 me~mo tempo. Nã.o se deve no entan-
to atribuir muita importân<::ia a· esses textos s~c4ndários. A V~r.dadeira
res.posta de ~tendhal s_e. confunde éQlJl a obra romanesca; ela está es-
párs-a r,iess.a obra; é difusa; está repleta de hesíta:ções ·e d~ r.etomadas e se
mostra tão prudente q;rraoto S.tendhal pade se m.o strar' taxativo quando
expressa, freçte a outras opiniões, sua -opinião "pessoal'' ..

Pôr que os h-Qmens não sãp. felizes no rn.un.do moderno? A resposta çle.
Stendhal não pode ser formulada na linguagem dos part idos políticos ou.
das diversas "dêhcías s·oci"qis''. Ela é nonsrnse para o bom senso burguês· ou
para o "idealismo" roníàntiq). Não -s:0mo~ felizes,, diz Stendhal, porque
sof!tos vaidosos.

Essa resposta não se baséi~ apén.ç1s m1. moral e na psi½Ülogia. A va.id:ade


ste_ndhalian·a comporta trm aspet:to históric;o q_ue é essencial e. que temos
·.ag:ora, de elucidar. Para realizar essa far.e'fa, é preciso primeicamente ex-
por esta ideia da DObteza ~Qbre .~ qual Stimdbal nos infonT}a,, ém .4. Vfda.
de Henri Brnlard, que ela se definiu tarc:Ham~nte.
Aos olhos d.e Stendhâl, é .nQbre o ser qu~ deve seus desejQS a si próprio
é se esforça em ·sati'sfazê- los com, energja total. N o breza, no sentido
espirituaf do· term.0 1 é poi's Ltm sinõnimó ex.àtó de paixão. O ser nobre
se eleva aeima dos oütros pela força de seu desejo. É lnd\s:pe-nsável, na
origem, que haJa nob reza no senti.do espiritual para que h aja 'I;íobre:za
n0 senti.do, social Num determinado momento da hisfóri;:i, por çonse'-
gutnte, a(!J\;>.os os sen't \dos da p-afavta nobre coinddh am, pelo ;menos n.a

144
MENTIR-A RO:M ÂNTICA .É V~RDAD E IWMANES'CA
teu:ria. °É essa .co-i ncidênci a, qae fi.~a ilustrada em As Crô:n.ica.s.irakianas 5 , Na.
ltãha dos s~ktilo.s-! IV çz_ XV, âs maJor.es páJxJ5es 11ás.ten1 e se .de.senvol"'
vem na .e1i"te da socje·dack.
Íiss:a com;ordâ-nda rdauiva e1itr.e a: organiza:ç,ão social e a hierarquia na.-
turã) dCls hP.tneps. nãp· pode dârar. Par'<'l. qU€ efa tomec..e a se desfazer.
basta,, at~ t:eytd pon'to, qtíê G nobfe-tome ~onseí'ênda: cie:l,à .. Predsa.sse ter
uma cemparação _p ara se descobrir E\Ufl se é ·superior aos odttos homens.:
quem diz ,c õmpata~ã_o diz a,pníxi.rnaç·ã o·, .cdomiç.ão num m.esmo plano <t,
en:i c.~tta medi.da, ide.ntidctd~ de mtilmento ~nere :ãs,to.isas co.tnpJi.rq.d"a·s.
Nã:~ s~ po:cle: negarµ: igualçj.atfe el)tre os hcrn1et)s se:m anres irísti1:4f-Ja1,
mesmo ·que mui to fugazmente. Ü · vaf~e~vem entre o orgulho e a v.er 0

g·onha, ess~ V-éli-e-vert:i qú~ defi:oe o desejo me.t~ffsKi:Ã j.á, ês't á pr<$_ênt~
rressa pri'm½i-ra çpn;ipar~~~ó. O :i1obre qut c:dmpara j~ é UJTI pqUC:Q. mais
'.nnbre, em senticl.o social, mas o é um _pouco meno.s em sentrdo espirt-
:t.uâL Um t'r.ahalho· d~ iifl<'ix:ãb, é ,desencadeado, glit p,0uto a pouc'0 vai
·sep·arai; ·o nqbte-dê sua pt6p,tia nobreza· e: tram;fomnar esta últfm.~ núrr!a
-s imples po.sse 1 me,dia-d a pdo.oLhar não-nobre. O nobre-·fpois ·o ;ser app.t-
xonadó ,p or ~:xddê:i,i.c:ia,, enquanto indiv.í-duo, mas, a .r10bre.za, eRq_uantcr
dâsse, e$tâ {(ldad~ à va:r<li!_d~ . .Quant_o máis ·ª nb.breza. :se tra)i.sfo'rrtI_ã -~-11!
qr.sra,- mais ela se 'torna heredi;tfiria, !l]ç;is ela: fecha suas 1:pdas ·-a_o _se·r a:_pa_r,..
xunadb que -µo.de-ria vir da' -plebe e mais se agrava' G mal onto lógico_.
:O~.tav.i.rite., a nobre~a o~ó pãni,rá mais dé güi'ar (µD dir.eção. à vaidade as
demais ,~lasses vptadas a i.m.itá-la e de pteced.ê.-la.$ né) carpil)hg fa_t~I dó
desejo metafí'sico;

A classe nqbre é ç1 s_5-Ílil a_ titím:ei_râ a· ca'ir em: <,itcadênçia. E .a b istó:rlq


.çíessa. .clecadênda· s~ .m nl;uncd.e com -a: evoh,1çã~ .i:n,durá:vel cfo dftS'ejo
metafísjco. A nabre.za já está podre de vaidade q;ua,ndo se preoipita·
para, Versalhe~, atraída pela i!idl. das; vãs reêQ.Q1pens~s, luí9 XIV nã·o é
nem o ·semi.deus .q ue os teáTist~ v~eri:lllc\ r;re;t;n 9. tirano o t it :n t'a1 que o $.

145
.CAPfTU LG \' - '{ ) ·VJ:R,\tBié!O E<-~ N.liGR:0
j'acbbinos àbonJ_Ínam. É ãm pólítico há:bil que çiesoontia .dos grandes
senhores e que faz da vaidade destes um mefo-de governar, acelerando
assim a dfüerior.ização da ah:nà nobre. A aristocracia se .deixa arrastar
pelo monarca. em rivalidades estéreiS cuja arbitragem é ele quem à?·
sume. O duque de Saint-Simon, lúcido cànqi:.ianto fascinado-peio rei ,
observa qum estado de cólera permanente essa emascu1a~ão d~ nobre-
za. Histo-ria'dot·do ,iódlo impqte11t~1', Saint-Simon é u.rn do~ grande~
profess0res de SteIJdhaf e de Proust.

A monatq.uia i'Jbsoiuta é uma etapa I\Uilô à revolu.ção e às mais modernas


formas ·çla vaidade . 'M'as não passa d e uma etapa. A vaidade cortesã se
0 põe à .t;rabreza .aq.têntica -~.o ntudó· não mais que à vaida,de bargu~~.
Em Versalhes os mínimo!;; deseJos devem-ser sancionados e legitimados
por um. caprid10 do monarc·a.. A existência é uma imitação perpétua·.de
Luí:, XN. Q Rei So.l é o mediador de togo~ o's s~res que ·o rodeiam. E
esse m~diador fica separado . .de seus fiéis por umá distâ_nci.a .es·piritual
prodigi0sa-. 'Ü rel n.ão pod½ tornar-se o rlvai de seus pópri:os súdftos. O
sr. de Montespan sofr<:;ria muito mais se sua mulh@r ·O enga.11~se co:rn
um simples mortal.. A t eoria do .,direito divino" define perfeitamente o
tlp'O partical~r de mediação ·externa que florest~ -~.m Ven;alhes ~ em toda a·
França durant~ os .dois últimos, séculos- da mQn.arqUià,

Qual o estado de espírito dessé cortesão do Antigo .Regime. ou melp_pr,


que ide i;:1 Stendhal .tem .a seu resp'cito~ Algumas person~ens secundá-
rias da ficção stendhaliana e as .observcrções rápida~, por.ém sugestivas,
esp.a lbadas em mai~ '.d e vinte obras trazem a essa pergunta uma respo.sta
bastante clara.· Nú :séêu.lCD XVI1l, os sofrimentos da vaidade são vivo~.
mas não inStfl?Orráveis. À sombra protetora do, monarca, ainda ~ possível
s~ divertir um pouco como as ctianças'àás pés do.s pais. Experimenta-se
até un1 prazer deJic·a do em dis.cordar tlas r.~gras fúteis e 'ríg:oros·a.s de uma
existênc_i:a sempre o-ciosa. Q. grande senhor é qe urna desenvoltura e d e;:
um charme pe·rfeitõs pó.r se s?ber mais próximo do sol que os dema.is

14.6
MENT IR A ROl>I.Ã.Nil,CA E ~ RÜADE ROMAN.ESC.<\.
hõ.mán.os,, frti:i pouco. menos: humano que eles.. e, conseq1,1,~11t:err_1ente,,
todo il\rmiriado p~fos r.ãio:s div.inos. f:It::·sempre sabe com foda .a exati-
dão à çf~e· Ô}t/e .t o que nijo deve ·Sêr dito. o qµe :dêv.e e .o q!.fe nào deve
ser fettq. D~sse modo., ·~J~ nãq :téçé°i;~ ô ridicuJõ pafã, ~t m~mo.1 aJàs l'í de
bomgrad0 do.ridículo n9~ 0:1.,1.trds. É rid,kulo. ço seu-.e·n t.êncl~r tu.do o qu~
se .afasta,. por p.oucw que ,seja', da últfrna nrnrda da cnne. O -ridíçulo .está
p.o:r ro.da parte qu½ o.â.ó :S.ejarn Versalhes :é Paris. É impossf:v.cl .imagi·nar=
s~ lugar ma_ís ·_f.a-vor<5.veL~~ecJ.os'ªo .d€ .LllÍl ê~a.tro çornic'o quç Jtss~ uni·ven;o
d~ c0rtesâ9~. Ne.r;n -uma (mjca .çtlusáo 'fiça percl.ida corri, um p(fütlçô. ·tãó-
maravi1h0sameme un.0. Diçie.rqt se t~.pp:ntatta bast,qnte· çre, s_aber que :não
se·d mais. n0 .teât r.<0 :q uando nà'a se tem mais um .tiran61' 1'
11

A revqrusâo ~ó desttól uma. éô,:i~a•. a mais i.tnp,ortaiite a.p.esa1··de parecer


v-azi'a .aos espfriros vazi-q~: o: direito. diyül'ô dà~- tds: Des.de- a Restªu.
ração., os luíses, Carkrs. e F~lrpe~ ·ainda sçipef):) .ao trOtJéli a.garram-se a
ele e d~s(s@m dde ,com rnaio.r 00 menor preci;pita~ãqi' sGJmc.nte os tol0;s
pre~tai;n at~n ~ão. :ri~ssa monótona güiáslica. A mónaTquia já não existe:
º' roma.1_iI:fsta irtsi~te .dem9.r:adãrnerite: 'néS?,a :vê1:cta-d<;> rrn. tíLtima parté de
.Lu0:ie11 1eameH. As pc;)m p:q~.do Castefo n~d dê1x:aJtt ur;n b~o.qµ~irõ <ti~ mej!te-
·po:sitiva ·cmm a ;ca-beça virada. O v.erdad.efro ·pode:r está ell) .dutro ltrga_r.
f este fals:o reJ qurz; é·Lu'fs:Felipe joga oa .B:olsa tnmsformaHdo-~·s e'ass,m -
decadêocú! ,su.pre·m.,a_ - no. rimtl' de seus. pfü1;2:rlos sítditos!

Este ükfrno fat:o. i'l.QS .d~ a -çhavt da situ:ação. A .rr:iedrã.~-~o .e)):terná. ·do
cGn:t@sáo. foi substituída po.I' rnn sistema de mediaç~a i)1tetna 11.0 qual
o· 'próprio: ps'e úd.omonarca t0ma parte. Os, rey0l.Llci.0mirios aere·dffa:varu,
d~~tniít ç:oda ã \rq.ída,rle ao dest.n:tir Q priv:ífigio nobté . .Mas cum a vai da,
de a.Cõtitece o . 1_11t'.~"qio que c:àm esse~ tl,lm9.té~ gtte. não sào ·possíve-is d.e
0perar e se propagam .Po.t ~9do .ó orgãiJ.lsmo.sbb µm:'çt forro.a rhais·gi;~ve
q_uarrdo se acre:dit:a que estejam. e>,.,"tirpad0s, Quem afil;l.J:1l i;.t;rtitàr :quando
11
11 ª0: se úi)it,:i mi!"i'.s o 't'.i;ranc/';, p·assam.-se a pa-r.tir daf a imitar-se uns a.qs
duttos. A. íclõlatriá de 1,1_r:o s6 é su.bsti.tuícla p.elo ódio d_e, cem mil rjvais.;

14½

.c.~rltui..o x- Q V,E..R,Afl:LSO E ~5 NEGJ{O


Também Balzac afi:r:ma que a multidão m9dema, cuja avidez não é mais
confida nem retida pda monarquia dentro de llJI)ites aceitáveis·, n~o tem
q útrQ deus a não s.e r a inveja. Os ·homens serão deuses uns para. as outr.os·. Jo·-
ven s nobtés e burgu~ses, vêm fazer fgrtuna em Par-i's como antigarne:nte
os €ortesão~ ém Versalhes. Amontoam-se n;3.s âguas.,fu[tadas do Qua.r-.
d er Latio assim coino nos sótãos :do castelo . A demo~ da 6 ·uma vasta
corre b1tr~esa cujos cortesãos ~st.ã p por toda, parte.. ~ o mgnarcà em
lugar nenh1:tm. Bal,zac, cujas observações .a cerca de todos ess-es pôntos
coi,néidem segujdanw nte c.om as de Sten_d hal, t'ç.mbém descreveu esse
fenôm~oo: "Na monarquia tendes só cortes.ãos e criados, enquanto que
com um,a Càrtª s:0is. servido, adulado , ácaríciado por homens lh,res."6 À
respeito dos Estados Unidos T ocqueviUe me nciona também .,o esp[ríto
de corte" que reina nas dernoctâé:l<,11t A reflexão do socí61ogoj oga uma
luz intensa ·sohre a passagem da mediação externa à rnediaçãó intern ~:

Quando.todas as pr,er,rogativas de nasci meritô e de fortuna i:Stão •destru-


(das, quando todas as p·rofisS:õe., .sâo aberras a todó!õ e quando se pode
chegar.ao ~op,o de cada uma delas, unta trajetória tmensà 'e fâ'cil pareée
abri.T-se diánte da ambiç.â,o dos homens, e·estes imagi11arn de boro grado
serem chamádos a um :grande destino. Mas é uma visão errôn~a q ue a
expe.riê rycla çorrige todos tis diàs. E.ssa cnesn,ia igualdade que penniu:
que·cadà éidadão nutra vastíls ·e speranças coma todoc; os cidadãos indi-
v,dualmente fracos. Ela limi_tq de- t o ç:ÍQS OS rados SÚaS força,s, i!U .mesmo
tempo q ue p~rmlte que seus desejoSc se espandam.

Eies destr.uíram os _pTiv.ilégios emba1:aços9s Õ.é alguns de sei.t~ seme-


lhántês; encontram a, c0.ncorrência d~ toé:lo.s. O limite mudou. muito
ma1s de Forma do que de lagar .
... Está o posição con5tante que r.eina entre os instin tos. que a igualdade
faz surb>ir e os á1eíós q~e ela fornece para satisfazê-los atom1enra e c;msa
as almas._ Por democrâtico que sé.járn ô es,.tado sociaf e a cõnstituiç~o

6
· H6 noté',dé Balz·ac, fo empfoyés. 'Paris, Gallimard, t99ó. (N .E.}

14.8,
MENTI RA llOM Á1lTlCA E. VERD.AD.E ROMANJ!SCA
wol(tloa ·de_t!rn povo, po:demo.s," .dat po:r certG g.Liê Gáda um d'e seu~ êié:J._a.-
dãos•s.ern pre v.e.rç~berá.p~ctp.'de sr 'vlário.s ponws·qt,1.e e dominam e pode,
se ptevp- .q ue dé vqltará Qbs"tinadam~nte seiL olhar sg pára esse 1ª$'10:1

nS'sa 'foquietação" E!LJ~ TocqI:IeviJle ja1g<J ·p tóp,ria a'os reg'irpe~ defu'ocrá.ti-


cos es;tá p.{esen te·em StendhaL A v:aidade do Antig_o Regime- era. ale;gi:e,
<le~pre;·oq.tpa.d~ ,e ftívola; :a Vàiclad~ ,do séçulo XIX é triste e, desconfiada,;
ela teme atrozm~.nte o:rtdfculo. Ê a rnt;diação interna qut trç1~ ttnn da
''. a iAvejf;l, o dúme- e o ódio impotenre" . .Afirma Sti.rndhal qpe r;itJ:Ií] p~(s·
t.ticlo fi.ca rr)mdad.Q quãndo os, toios, ·elemento .estável por excel.ência,
:eres pr6ptios ~udaram. O t:910 â~ 178Q::qgeda passar pQf espiti.WOSO;
provocar o: •riso· era sua :úniGa· ambição. O tOlo d~ i 825 .se ql).er grave
s: c0,m_pa'S$àd!:>. Ele~ .faz qi..f~stã0 de pa.ss~r por -i:;.ro·tundo. e o consegue
.sem ,.d_fficuld,~:.de, a~e~éénta o roman<ristà, ~qjs ~le é reà.l,me·rite infeliz.
S.teridhal não-se cansa ô.e çle:sc_tever as ~0nsequêt)t:i_a:s..da ol\raiçlàdê: tristé
s0bre· as .cosrurnes ,t :até sobre a' psJcol0gia :fmncesa. São os. aristocr-a-tacs
os mais dµr~mente at.ingi_dos,

Quando se dewia o .Olhar .do~ resultados sé'rios da Re-vb'luç:5.0, ,um cl.às


esi:;re~fu:vl_t;;is quelropres.s'ionaQl onmeirr1.P1en(e ,a lm..a~roa.ção é 0 <istadó
·ál:ll_al .da,,soé<:íedâde na F.ranç_â. Passei rnii:lh9 juve'nêµde ç:oJJ1 gmndes no:-
bres:quê 'e-ram ãmâvéi~, nã0 passàfu' 1:wfe d~ velbo-s. alfrqma"ido;so's. Âére-
9,rtei de- tnído qtre se:u humor rabugento era urn triste efeito' da idade,
~prctx_imêi-Il}-e i'J,os frlhç,s que (kve_m h.<Sl'çiàr gravde·tbens, b~lo.s (ftulos,
enfim a mainría das vànU!_gens que b<;· hówc:;ns Teun_id_o:s em sciciep.ade.
pos_sílrn conterfr a· al_gurts. dentre éles,, :enCó.Iltrei:-ôs -usufruindo de am
i::-abe_âal de triste:ia iilJ'lda.m;ajpr dp gµe. 9. d,c;,;; pais}

,i.•
1

1
Ale;,ds de TocqueviO(s', À demoüt:aCia na A-mér:ka . 1 a-.rtL ·Sao Paah Mart1 n~ Fõntes1 2005..
I, 7.

pp. 167 e 1'6'8, 'CN.E}


8
Ste_ndlia'I, (}1tmpt,d_'a_nce ~11éíiitt, précéd'ée d'tme _introáu.t;tion pgr P.i:o~pe,r· /Vlérim~e.
Pari~, Michel Lévy, r'.,er~. i-$56. (N.E,)

1·4-'9
C:AYft \ ílo ~ ~ () \fEJ[J,J.EDifp ~ 'O N~~R,@·
A pc1ssagem da mediação extérna à :mediação interna constitui a fose ~-
prt'ma nà decadência da nobreza. A revolução e a emigração deram fitr.
ao trabalh·o da reflexã:oi o- nobre, ffsicamentt separad.o d.e seus privilé-
gios, fica compélido, desde entã.011 a a.preendê-los em sua verdad~, tju.er
cijz~r em seu caráter ,arbitrário . St~ndhà.1 compreendeu perfeitamente que
a revolúção não p0dia destruir a n0breza arra:ocando-lhe os privilégios.
Mas a. nobreza podrá se de-stn.iJr .a s_l .próprr-a· desejando a.quilo -de que a
burguesia a estava privando e se entre_gando aos sentim~tos ignóbeis
da m~iação interna_ Per-ceber que ·o priVll'égio :~ arbitrário e o desejar
enquanto, tal é, ~vi.deot.e mente., o cúmufo da Vaidade. O nobre' ·pe-nsa·
estar dekndendo sua. nobréza ao hrig.ar por seus privilégios contra as
demais clê_1sses da nação mas e.le a está levs1ndo à soa ruína final. Ele dese-
}a "reaver" seu bem cpmo uni burguês p:oderta fazê-lo e a tnveia bürguesa
atiça seu desejo, at~iquindo um v"alür imenso às ninharia:$ honoríficas.
mais .vazias. Mecliadas uma pda otrt.ra,, as duas classes desejam, a partir
de e-ntãd, as me.smas c0isas d.a :mesma maneira. O duque ·da Rtstauração
.q_ue recupera séliS" títuk>s e sua fortuna graças ao. bilhão do·s emigrados
_não pi3ssa de um burguê~ ''que ganhou na loteria". O ·nobre se· apr:oidma
ince;santeme11te do burguês no próprjo ódió qqe sente por ele. Eles
são-todos ·ignobéis, ~_screv½ vigo.ro~amente 'Si:endhal em carta a BalzaG,
porqiie.eles prezam a nobreza.

Só a eleg~cia dos modos e .a polidez, frut-Os d~ µrna velha educação,


distinguem ainda um pouco à nobreza da 'burguesia, mas 'essas deffadei-
ras diferenças vão se apagar ~ breve. A mediaç_à o dupla e nm cadinho
filnde se fundem l~tamente a-s diferenças eht_ré as dç1sses .e os "indivídLL-
os .. Ela funci"on_à tão bem qu~ não toca, aparenre:men_te, a<i drv.ersj.cfa:de.
Até lhe confere um brilho novo, tonq\lanto enganoso: a oposição e_titre
õ Mesmó e o Mesmo ·que triunfa em toda p arte se dissimula por [ongo
tempo atrá.s clãs oposições t r.adicionais que pa~sam assim a apresentar
üm aumento de violênÇia e pres~rvam a ,c rença numa sobrevivência
tntegr~l do passado,

150

MEN TI RA ROMÃ'r-JTICA- ,E VER()AQf:; ll.0./0ANE.SC,\\


'Sob a Restauraçãnse :poderia pensar qu·e a nobreza se ent,ontTava maJ.s
vív'a ·do que Fim:lca porque :nunca o _priviié:gi<:, foi tão ,desejad0, p.0rque
o.uuc:a as, veÍM_$ Eárnwâs cpJb,ça,r,am tanta. acrirnfüija para destacar -as:
barre~ra;'$- qi;i:e as separam_da p)ehe. Mas p-_s· homw> ,n ã.o percebem b_
trabalho d~ medla~ão inten1a, A únka üni,fotmidade qut;" eles çonce-
bem é' a unifo,rmidad:e mecâryic,a 1. -a das bolas d:~ gµq.½ mqn ·s:ci.ctl. ôµ a
dos cameirós' num p-astr.r.. Eles não reconheeem -a tendénda mo-der.na
ão. (dên:tjco Jl?S divisõ:es apaixo:nâdâs', cm suas p:rórúas divisões. :Os
dqi_s dr:n)Jalos ·qµé mais se cê_p&c:'.t-tt~Ui sãC;1. cootu.Jo os: quê se rec<:>br:.{tm
ccôm tna10r @x,â'tidfü:;L

O .arist0.cra,ta )')HJCUt:a se :d.istingufr porque dei,xou de sei; dlst1 nt0. E d~ o


c'o:'i.is~güe pért~ita:m~nte, massô is.só· não basta par'â dei.xá-lQ mais.n0bre.
ª
É fato, pgr éx~mplo, ~ue à. :arístoc:;t.aci·a,, dur:anté_ rtl'óm1..rquia .cóns:tifü-
cfonal, t<,)rnoµ-se·a d~sê ro-aj~ di~ná, tn_ àis virtuosà ifa h'<}'Ç.~Q .. 'Á.O. gr~acfe
senhor sedn'tt:n e- despr~oE:UJ)ádo da .épd.ç a lu{s XV' suçedétl .o.genJi·qn.5-
mem .carrancuclo ·e rabugem0 da Restam-açâo. fasa figura: aflitiva vive en,
s:u.as tcirê!SI' ga-pha dinheiro , dormé cedo. e .eonsegue. a:téi ó que borrar,
~c_9tiottt1zªt. Ma$ o qµê l>ignifitc:! e$l:Jl m,Q1;ií Jl;ús·r erá?Otrç1fa_.,:5~ de fato ·de·
11
-um tetotno ~s· v_ittpd~$ ilrtc_estfaís'1? Os jprnaís bttotl~lX0.f vtvem repe-
tindo-o, mas não ,s e deve -acr~dl;tat D~~- Essa ~abe,ddr:ia. io,te;iraj'ne-rrté·
m1gat~va, sombria e mal-humorada tem.um estHo sobteman-eir,a burguê$.
A aristoçrnçja quer: proYar aos-ÜíJtros. qne el.a ,rme-rece" .seus privilégios, é;
'pôt'i,ssó g0t ela tôtna s.ua fl].àral ele er,nptésti.inó. à das'$€ ·gú~ .contesta -sua
reLvt'Qtlica·ção, jvled{ci.da. pelo .~11:lar burguê;;, :a ·n0bréz}l éóJJfü t bqr:gu.esta
sem sequer se dar conta dis~q. 'À. revolução,, <;om:entà sardqniçaJU.entec
Steodhal ·em. Memórias de um Tu.rista,. deu ,ã aris:te:cracia francesa· ós. wst.U:r
m.es Ba ·d~ocr:_~tica e ptot.e.stanté G enebra:_

Éass'i:m qtfe a fidaoig,Lria ahü_r:guesà-~é; Pôr 6dto à·butgµéS.:i11. Já__qt(.~ a _ine-


di'açã0 é rec~pmca, 'ê Qredso: prev~t µrn lc?UrgiJês-BdaJgti tjue .<rerâ o par
do fidalg0.-.bur_guê-s., .é preciso preparar-se para· uma comédia· b.u.tgues'a\

1$1

C..A.PJ:nu_o 5 ~ .O VFRNl.l:l..JT(J E ü. ,NH,RÇJ


SifT}étrlca ê invertida com relação à. cômédi~ aristocrática . .Se os cor-
tesãç;s co.p'ia.m o p~roq:,, da S-aboía para se~1.ziT a àp'iniào burguesa, os
burgueses, pç,r su_a vez, v~o. baaca:r ·Qs grandes seohorês p<\ra 0.fuscar
os aristocratas_. O tipo do burguês imitador atinge sua p.edeição CÔ ·
i;nic:a no ·bar.ão NeP.vinde de Lamie/9 • Ne.rwii:ide, .fílhq de um g.e neral do
lmpéri0 1 copia, pe.s.ada e labo.riosamente,, um ·mod~lo sintéti.co em que.
o devasso eia monarquí'a ab~oluta e o dândi d.'al'ém-Maneha enüam
m:eiq a meio. Nerwind@ leva uma vida maçante e _peno.sa cuja de.sor-
dem é meto'dicam~nte organ izada. Ele se arrt.i:iria· épnsóenclosament~
com uma contabilidade multo acurada. Tudo.isso ·p.ara fazer com que
se esqpe~a., e para fazer esquecer a si me·s·rnó, que ele é neto de um
<;;hapeleiro de Périgueux..

A mediação dupla rriun.fa por toda parte; todas as figuras do balé só~
dal '.stendhaJiano são, poi.s, çha~sés::-croisés-. Tuclo ficu invertido em refação
à situação anterior. O humor de Ste-mihal no$ diverte m,;;1s, nos parece
geométrico d½maJs para ser verdaçlei:ro. Assim, faz-se necessário mea-
·c;iionar que en.rnntra-se .e m T ocqueville, esse o bs,ervado:r desprovi.do de
.s enso de htrmor, constátações paralelas-às de Stendhal. Enco'ntra-s.e. por
~xemplo, em O A11'tigo Re'gime e a l(wolutão 'º, o paradoxo.de uma aristócra-
cia qtte s.e abãr.guesa contra·a bw-guesia é que adota todas as vtrru:des das
quajs a classe rnêdía está se desfazendG: "São as classes ma:is antidemo-
cráticas da nação, observá o ~oció'logo,. que fazem melhor ver à espécie
de c:noralidaclct que é ·razoável esperar-sé da democra-cia. n

É onde a nobreza par.ec~ estar ma.is viva que ela está, o·o fundo·. rn.ais mor~
ta. l\Juma primeira redação de Lamiel, Nenvinde se chamava cf:Aubigné;
o dândi imitador pertencia não à hu:rgue.~ a Ptt.rvcnue ma.s à mais autêntica
aristocradá: ele er;i descer,dente da sra. de Majntenon. $lia conduta. era

9
ST6NDHAl, l..amí~I. Pari~: ElcJm!n.arioo~1993. 1.N.E)
111
Edição brasikira: Ateias de Toc-queVille, Ô Alitigo Re_q1:me e a, Revoluç,ão. 4.ed. Brast1ia,
llnlt 1997.. (N.E.)

151
MENTIRA rw.M.ê..NT ICA E VERDADE R.0 .MANESCA
aliás ·~xat<11'Q.ente a me:®a qú~ n.a ve~â:ó ulterior. S:e St~ndhá] acabou
optando· pelo :bw,gu<ês.,p,mie:nu, s~ .eJe f~z ·o;rn p]eb'eq r@tésen@r :a çQmé--
di:a.d~ o.q}jrezâ, é·.sem dúvida por'julgar que essa soluçã:o ~ çle µi;Q efeJto.
aômico ma-t_s 'fác;il e mais t:ert:J'::ii;o, (llás a pfirü_e'ira versã.o mão ·cons~itufa
.um eno; ela ilustta:~ra l]nJ aspecto. ~s$~ncjal da·verdªde s-fe:hdhaliana. Era
a .nQWe7:ª :de san~e.,, de.ssa foita ; Etl!le represent a\!a "cr ~o.t;iYédia da oàbre-
za. Spq Luts~Félipe, çqpi ou se_m c;0stad.os.1 nã-o s:é po.de mais.. "desejar" a
nnbreza senão cprtr© a des~j'áv.a o sr. Jourd.aüJ. Só (iêst~ fazer uma rním>LC:a
dela, tã0 apaíxonadame!'l'i!e pol'ém menos ·1r1g~m.t~_n1en:re (it.t_l'.;: ô herór gê
Mohhç. É' ~ss-á rní:mica e mâ:itâs outras :do mesmo gênero.que Stertdhal
go_star}a de r1_o_s r€'velat. A c0rnpf€x:tdad~ dá t,ar~fa .e:a .fragme1i'li:ação do
púbiito- que, sem s0mbra ,de .dtivttla,, nãp· passiltn,.q.:e UJil' úntço e mes)uõ.
fonôp:ienq - tomam o. teatró· impr6prib. pâra· a .execuçã0 desta função
lit~r-ári:a.: O te·atr9.c;'ômiC9 m~rreu <:(i).in a mgnarqµla:e a 1\raidade:âlegre11 •
Faz-se nec:essári.0 um gênero w:ais m_aleâvel para descrêve_r .a}; rtietam.o:r-
tos,~s iofiní.tas ,d a "vaidade triste" re para demundar a, nulida!J.e ·da-s 0.po.-
si(;ô~S. ·gu~ ·ela fom-entj. E~sê gêQer:o é o ro.mánce. Stendhai ,a cahou por
enterrdê:,.J, o; a:pás longos a.n os ,d~ esfotç,!:5 ~ _fr.1t:=a·$sà 'quê transformc1,(am
su~ ã.lm'\, ele re11üi:lclou ao: teatro. [\fas ele mu1ca ren1.mçifoµ a'. tõtnar-$~
um gratidé ~utór cômiêo, T o:das ás õ.br:as. r.om.a.nescas t.ef.1<:iem ao riso ·e
a de Ste'n dhal ·rrão, € li!)'la' exceção. Fl~"t:t~ett sé ·$.up.era ~_rp Bónvard eP(c~ -
cbet1'1; Prnust se realiza no IJarão de Charlas1, St~údhaI ~e sintêtiz4 e ~e
completa nas .gran.de:s ·cenas cômicas de Lamief

O pa.radoxQ de aq;i:,a. aristbcrada :que se: detr:iocrattz~ P.ó'r ódi_ó, da de'rno -


.aada não se sóbressai em nenhum -Lugar com m,üpr cl.e~tãque do ·que ·.n a

li Ed.i~ão' fumileira, Çustave f laµbeit,. B0u17ard.-e,Pééuchet. $ão P:aul0., é!lti.\ç~o Li herdade;


2007. (N.E.)

.LH
CAPfTUl.O ·5 - O '1'E'Ril.1ELHO E. O NE<;R.0
vida política. Os, favores que ela conaede ao partido ultra tomam patente
o aburg\1esament0 da ·nobreza. Esse partjdo se dediea exclµsivámen'te à
defesa do. privilégio, seu desacord9 com Ç> rei Luís -.XVlll revelou cfara-
mente que a Ji)onarq.uia r:ião· é mais a. estrela; polar d.a nobreza, mas um
e
instrumento polítiq) n-a;; mãos dQ partido nobr~. N~o e!D diI'.eção au
rei, mas em clireç,ão à burgues ia rival_ que esse i,>arti.do nobre está Qíien.-
tado . A 1deología ulfra, não passa, ·por sinal, do. reverso puro e simple~
da ideoló~ia revolucionáriá. Tudo nela .é reação e r evela i:\ escravidão
negativa da mediação imema. D reinado ·dos panidas é" a expres.são.
políti_c:a naturçi.l dessa mediaç,ão. Não são os programas que clã-o origem
à oposição-,. é a .opósí~ão qu~ dâ oPigem aos p·rogràmas.

Pata e-ntende·r àt~ que ponto o·ultràcifüio é ignóbil é preciso contrapô-lo a


uma form~ de pé nsame nt'o anter.ior à revolução~ que havia seduzido em
seu tém po uma b<:>a parte d.a nobreza: a filosofia da.~ Luzes. StendhaJ tem
á c,onvicção de que essa filos9fia {a óni.ca possível :para uma nobret Àq'ue
conta per;manecer-n0b.re .no· exerc-(ç.ip do pénsax. Quando urn aristoorata
autêntico - ½ _sobram alguns no ·d.e co.r rer do último .século d.a monarquia
- pen.etra no-carnp0 çl.a inteligêncja Ti.ão reriuncia às vi:rtudes- que lhe ,são
próprias. Con~erva-se espo ntâneo, por as~im dizer, até na retlexão Não
pede, corno fazem -os· ultra, que·as idcias que adota sirvam a seus interes-
ses de classe. Assim co mo não teria p edido ao homem ·q ue Ih~ lançasse
um desafio, oos tempos veniacleiramente. heroicos, para lhe a1w~sentar
seus costados de nohrezá. O d.esafto é sem;pre o .s:ufi.c iente para provar
,t n.o breza do ,ser -que d lança, se Ç) ser que o recebe tiver algum apreço
p bt si própriQ. Na esfera .d o pe_ ç·sament.o, é ,a ev1dêE1da racionaJ qúé f~:z
as ve.zes do désafio .. O nobr-e a·c eita ess~ desafi.o e Julga tudo o:o âmbito
do univers.al. Vaí diréto às v~rd~d~s mais gerais apl_icancfo-as a todos os
homens é recusa as exc~ções, sobretud·o aquelas das quais poderlµ_ fü.-ar:
p-roveito. Em Montesquie u, nos melhores dentre os grandes senhore_s
üurninistas d0 século xvni.l O espírito- ar.istocrátjcb não se distingue do
e-s-píri.to liberal.

154
MENTf RA R_OMANTI CA E VE.EPAU.E ROMANESCA
O r·açiooiilismo do sécul.o XVJil é' nobre .até em suas prôprcas rlnsões.; ele
n;o.nfia na "natureta h..tr.r1lç1pi1i'. N~o ítv:a ~.m conta. o irraci<mal nas rela·-
.çó.es ~mre; os hon;i;cms. Nã.d "perçeb ~ a irtllta~ão metaf{slca qu½ va,j l'ev,àr
os·-cáloulos da re-flexão ·sadia ao frat asso. MontesquJ~u reria sic.fo mcn-os
~rtiâvel. se tjV~-5'$~ ,previsto c1. ;,,vaj$de tr.ist.ê' do se::culo. X°ÍX.

Fica Jogo claro; aJ iás, qµct .o ra~lm;i,alistrro tf ~ m,õrtê' ,çlt::> ·pn:v.llé{3iQ. A


(dÍ~ão auteríticàmente nobre se resigna cc~m essa n:wrt~. dµ; ·r.nesma
fornia que o .gµerç<;.iro aütentitãmentt no.bre· se i;e.s.i gfla .em !l1(')f1Tr no
c-an;ipQ 9-e ~atq;JJia, .fi.. ii'0(fr.éZ í'l n.âb pode, SC p·ensaf é; penn1lt10Ci:'.r _nobJ:e
sem S!t ·desfruir enquanm :Casta. E ·c omG a. rev,oluç;ã:o oh.nw. a n·o b te.za a
s~perisf!r, a_'f11:u.ca esçuJha qmnestfa a e~ classe é a de scu-passam@nt0..
A l).o'bre.z·a ppq.~ mó.rre_r t_1:õbtemél)te, e-xecutando o únii;o gé.ió _polífi.c;ti·
digno dela, .aquele que-p:õe frrn à sua ex-istênda privilegi<1:d-a; ,a t1'9itt' de
q.úa.tXQ .de ?>gostbi ela pode: mor,ré,r de mo;do, bai.'<'o, hurguê~, ruas bancos.
de ç1J~rna 'CâIT!~ra dos P:a/ês. frent~ a0s Va'knod c.om o:o:: q1.tais d.a ac.-:aba
se parenmd~; de tantq di·~pl):ti:l.r :a- r>.res-a deles. É a solúÇão do? 1,_1-itrü.

Houve p,ri'rnêiro e! n.o:breza; ~m. Sç:g_uida .á cla.s,s..e nobre; n.o final nã0 há
llJcçi'.s qll~ tlfJI parti.cl.c:i. Dep.qis- ,de t{;rem co(nçl'tli.cfo., nobr.ez:il ~spirit:w!.l
e nobreza sncs.ial tendem a st:' excluir mutt.tarnente, Entt~ <;>. pri'V~lé.gib.. e
a .~ aP..d~:za de almat a .in.compa:tibilfal:ade .é .a partir daf tão rndie::,al que
·el.a. ~xpJo~e: nú. préprlo ,esforçU gu~ ,se fc~z para ociJ.Í.t~~!a.. Vam_c>s Q:ô:vi.r,.
por·exempl0 o imeleçtu~l ra:z.-tttd(;) 4a nob-teza de NatJcy; n clout9tl\1
1

.Pé.rier, jus.titicândo· o priv.iMgio:


.Um borne.!1J nas.t:e.d1~qu.5= 1 rii_ili.O_n ãi')p, par de Franç\i; r)ã.o il11:l c.;,ah~ q:arri1°
·nar s.e•soa ~osi'çà(Lê ou nâ o ,âYndizei'1tê com a vrrtude, a fdiéid:a.âé gera.!
e qu!:ras,.b~ta!'. ~PJ5ª-'" J:fa_é &aa, ,eJ:is,;t \J.0SJc{ão, porumto. eha d'l>vc fazer de·
fúd_o para mant'ê-le e m~Jlwnl"!ii, pdi~·de outro m~çl<,r:a· o:p\p'.iãtJ ·Públk~
o ·desprezar~ L0h'i'o um LC>\.'<lr<le ·óu· H tri' idiõtà. ·1

15,5
Ou Périer gostari~ primejro de nos conv.~ ncer de que o nobre do séc::ulo
XIX ainda pensa estar na época ditosa, em que, n.ão tendo o olhar do
Oi1;tro µ{n,di,l levado a cab.o sua :obra, podia,se u.sµ{nür do p.riviltgio sem
reticência. A mentira, no entanto, é tão flagrante qu_e Du Périét não usa
1.ilma form.ula~ão âireta,;- técprré a um13 p erífrase neg.ativ.a que sugere ,_se·(ll
afirmar! "Não é a eJe que ·cabe exarnin_ar etc .. .'1 A despeito d.essa: prec_a u-
ção oratória., o olhar do Outro e::onti_riua de-masiadament.e obcecante e
Dú Pêrier é -obrigado a relatá-ia na frase seg1.{inte. Mas ele então imagina.
,um ponto de ho.nr$1 cíniço ao qual esse olhar subtneteriá o aristoçrata. Se
o pnvHegiado nao se agarra a s·e u privilégio, "a.opJ_nião.o des_preza corno
sendo um covarde ou um tolo". D11 Périer mente, pela segunda v.e"j..
Os aristocratas não são nem foticen_t,é s n~m cfnict>,s: são simplesmente
vaid.Ç>sos; desejam o pTivilégi.o como merôs parvenqs. l;:ssa t a horrível
verdade qúé é precis..o esconder a qualquer preço, Sãó i~,nc~beis ·porque
prezam a -nobreza.

Desde a Revolução, não é rnal:s p·ermltido ser pfivilef5iado· e nã"o rer


con~ci.ência disso . Um herói ao gosto de Stendhal -~ invt~v.eJ na França,
Stendhal qu_et acr.editar·que ainda é relativamel)te viável na Jtá}ia. Nesse
bem,aventurado país que ? Revoh.iç.ão tocou só d½ leve, a reflexão e a
preocupação com o, Outro não envenenaram com_ple.tameme o desfrute
do mundo e .de ~i _rnesr;no. Uma almà verdadeiramente. hercrica ,ainda
-permanece comp_atível com a"S circun stâncias priví]egta_das que a ela
·c onferem hberdade de ação. Fabrício Dei Dongo pqde sen:!s.pontâneo e
generoso em meio a orna injustiça ~ qual ele se bene.ficja.

Vemos em primeiro lugar Fabrício voar ém socorro de um imperador


que ~ncama o espú:ito da Revolução;, uni póuç0 rna1S tarde reencontra-
mos esse herói alt1vo, devoto e aristocrádco qa ltá1ià de sua_infância.
Fabrício nãb pens.a gil~ poderia estar- "derrogandp'' -~o .de.sanar pat'à um
.duelo um sim,ples S'ol~d:o do gloriôSQ exército imp.eria]. Mas ele fala
duramente com o servi:çal que; lhe é" mteítam.ent~ -d evotado. Mais·tarde

156
M&NTI RA R'OM,Â:N TtCA E VEW,A:_ó.E -R(,JM.o.N ç:S~J\
àinda, a:pesat çl.e ·sua: de\t"osão, fo.brfcio T\âô hesitará" em se ptestat ãs
·maquinaçô:es. simoníaca:s, que o ;transformarão num arcebi$pO. de 'P4_r131a.
fabrfoío não,é um hí,pr5cfüa7 tampouco lhe falta í.nt-digê-nci~; ficam fal-
tando unjti_amenté as hase:s bi'stórieàs tie uri:ia c..erta refle.xãb.. As.âssóc;:íá-
çõ~s i:p.re um j<Néft-1 pr1vtlegiiid_o· francês· seria, neçessca.11-füm.entê leva.do-a
fazer seqtL<:l'r lhe vêll.l :à m:ente.

Jamais os franceses recupera.rã.o ,a inocênda de Fabrício. p·0 rque niio


e~.mlução. históriea e ps:fquiea· é-
~e v.olJa. titt<J~ ,n.4 ~M«ênciu· ·das .fiàixfü:s. A
irr.evér:s.ívéL :5-teo·dha} aç'ha a Re:st.a.ur~ç.ão r,evol~nt.e mas não po:r ver
nela t1hl mero l/f.ê,gres$Q ,ao Ariti~o lle~mê"'. Um tal regre:s,só ~-i.rnpeh-
S'ável A Çarta. de Luí-s XVUI ~ pt>;r sm:a( u,rn p.asso pa,r,a. a i!emocrada,
o primeiro "desde J 791"~ Log0 1 a interpretação corrernt-e de O Venttdh-o
e o Ne]J1'Q não é ac.eitável.. O roma.nç'e rci-vin.dtcád.or e jac.obino que os
0

mánUé!L~ d:e li.t er~tma d~$çre..vew nãó existe, ·Se S.t.~dh~[ escteve-sse
pàra todos os. burgueses· qúe um r~gté-s.so déJ:.c,hama abs9h.rtista é f~u:dal
afas-ta PJ.d(n:e-ntq.ne·an:ien,te ·ca.rteitâ_s Ju-crp"tivas, su9 .ohta seria ulj.1 tanto
GILiat1to desastrada, As .e-xege-ses ·tradidonais. não lev;am. em c:onsü:lera,
.çãó o.s âã.dQ.S mais elementares d.o romance.e., em partirula~, a carreira·
hi!mín;Jn~« d~ J.n.lien. Es~a càrieltí:!,. di(Iiº, fica qtr,eb~ç1.d.ç1 pda. Cong:r;<t-
gaç~o . 1Sem dúVida~ rnç1s poüép d'~poi.S é?sa mesma Co.n·gt~gaç'ão s~
esfor<;.a :eOJ salvar 0. p·rotegido- do. ma;r.quês de la Mole. Jü{ien r:1ão i '
tant-o- a vítima elos ultra quanto dos burgl!leses no'lOS'-'rico.s e €iument:os
·que vão tr-iu'nfat- ~m j.Ldlio .. , Não se deve aliás procurar uma liçã'o de
5tC.t~ri$Ill() ria~ ó.br:a-:Sr}J_r'iroas de S,teiidhaL Para ·compr.,eénd'et .esse IP-
mà:ncj:Stêi'. qUe fala .se_m ·pât:at cÂ.erpplftiéa é f)rec::_iso p.rit'(lej(q e'$011'páJ' ·dàs
moq.as polít+eas de p~a{-

Ju'llen te1:n uma carreira brilhante e é ao sr. de la· Moie. .que elf! a· deve ..
Em seu artigo sóbr:e O Vernielbó e·Q.,Ne,grn:, ·S.tên·dhal déscreve- á,ssTm esta
persvOJ1ê(g~rtt "S-~u c::~fcíter de grartdê S:ê!).hQr· rfªo forã fot1üado pela re-
v0Juçã:o .de 1794.:" O sr. çl.e la Mole~ ·½m outras .Pál~vra-sl con~erva um

15·7
CAehuta 5 - Q' ViiR,Xl:fil.:ff() E :0 NliGRO
rêsto de ·a,lJtêntica nobreza; el.e- não se abur&Uesóu por ódio ao-burguês.
:Sua Jfüerdade .de esp(rito não o toma um d:emoé:tatà,, rnas o :inipede de
ser um reacion_árlo DQ 9iDr sentido da ·palavra. O s.r. d~ la !:vfole não $e
a,µmenta ~xclus.i vamente ·d e excomunhões, de rregaçõ.es e ele recusas.
O «1tracismo e a .reação nobi[iária não f ufoc_àram {lele to<l0s os demais
semimem<:>s. En~uanto sva mu:lber e seus amigQS "s ó j1.idgam O!? hQi;tJt2ns
por sua ascendênda, fortuna e .ortodoxia política, como um Valer,od
fatia, se estivesse no lugar deles, o sr. de. la:Mofo, de sua parte, continua
t:apaz ,d.e fav;otec~r ª-as.c:ensão.·<le um plebeo de talenró_ Ek o c·ompr@va
com.Jul ien Sorel. _Stendbal $Ô aé~~ ~ua p,ersonagem ·"vulgiéirº uma úníça
v.ez, qUiindo ela 5e <mfurece ao pen:sar que a Alha: casando-se comJulienJ
jama:ls c h~gará ·.a duquesa:.

Jul'íen -devt:: ,seu sucesso -ao gUé ~ubsiste d½ mais autent ica-mente "antigo
regime'' sob· .o regime nov.o. Es'tranh_a maneira. par~ Ste.ndhal de fazer
eampaoh<!- contra uma volta <\O passado. Mesmo que Q rqmanc:ista nos
tivesse mostrado· o. fracasso de um des~es ~nCtm<:':ros jovens qlle não ti-
vessem tiêio .à sorte de eneontrar seu marquês de. la Mole, seu romance
ainda assl.fn n~o teria provado nada conttc1 "o antígQ regüne", É. com
efcic.o, a. Revolução que multrpliéou as ambições plebeias e é a Revolu-
çàó que c1uJltjp-Jk:ou as -o bstáculos, j'â que é à Revolução que a ma iol'la
das pessoas b~m posicionadas devem "seu 0aráter de gra]ld@' -s-e.nhor,",
isto é seu ultracismo implacável

Ser~ então preçiso chamar de democrático o obstá-culo que detém esse~


mo~os;> Não se trata aí de uma sutileza um tanto v.ã, talvez até de um
paradoxo Lnsus:tentável:' Não é-jLrslô qu~ a burguesia a-ssC1ma as-aJavan·cas
de comando, jâ qu~ e1a <t "a classe mais enérgicp,, mais ativa d-a nação":>
Não é verda.de que um _pouco mais de "dem_onacia" aplainaria. o ·camt-
nho dos .ambiciosos;,·

É verdade; a çstultície dos ultra toma aliás sua queda ilievitável. Mas
S.tendhal vê (Jla_is· longe. A d inünaçâo pnlítk:a do partido nobre n~o

15&

!';\ rNT I R:\ ~(~~I A~n l <.A E V! Rl}.~..Dr RCh1 At-: l ~( A


r p.0de satisfazer os.desejos e r.e:si'abelec;:-er a ·c01'lc6rd.ia. Ó eonfli1:0 po1f.d-
eo Yi.0-J.tnto :wr~ existe S.Ob ·à monarq_wa ·ê0nSt!t1,JcíQna_l é: CQl1!iideràd.o a
~ec<iu~fa: de~ gi;-aJ;rde 41:atfià hi'st,ó_tito, .gs últim'()~· 1;rôV{.)e·s de Ufl1êl' tc:i:n-
pestade q;ue se distancia-. Os revoludor'1ário.s têm panr sf qu~ ,é pi;ed$O'
lunp,fr -o ,t<frrç-no pi;ira recomeçar· a partir de
bas.es novas•. Sterrdnal 11,es
ô~ qu~ :el:es iá ret·ó tne·~àr4ffi. 'As:ap$tê~d,:is-htst6rid.ás a,n,tigçl$· r'êc.;.0brenJ
uma €strutura nev.a, nos relacionam½-ntos :enrre os homen~. Não é na d~-
·sigualdade passa:da mas nà iguafclad'e pr.€S:e-nte, pur mais 'imperfeita· ~ue
')eJa, qllê ·S-í! ér'))'ãíZà a lat<:1 .da:s· ta.Gções,

~justifiGação his.t6rka das lunts Tnrest1n:a:s'ja nãoc é ma.f~ -qll~ ~ p;r~tex-


1:0. P6nhê1 c:k lad_
o ,o p~téxt.o:·e .a ,v..erdaderra (i;'11;1S-a apar~~e-râ, O ultradsmo
1
p,as.s,ará bem corrrc ~ ü_bera;lts.tn:o., ·ma:s ~ me·dras?0· interna n~o
p_~sa:@,
E ·à mediação interna jamais fa ltarão 13rete.xt0s para, ~ntrete)' a 'div\sâo
em ,dois gnipos rLvai-s. A so.éi.ed<l.de cjvff, de,pxfü .da religiosa,. se tornou
;ismtftica. Et1éqrar c:ç m ó tir(l'iSQ10 ó .fmuro ·democ_ráti_êp sob a·âle.g.ç1çã,o dé
1
·qu~ os tiltrti ~ 9u al.gu,n s.d~ ·setJs suc.es_so.res, estão fadados a çl:esapãr-tcér da
:cena p..olíti.ca,. é' n0vame.ot~· fazer passar :0 objeto à ,frente do mediador e
,o,de~ejd antes ~ inveJa. Ê a.gi:r cpmo o. tüimê11to crônico qtltt to.:i:i.'íunde,
,sempre sen dúm:.e .t 0m o: riv.al do· tno_ment.0.
O ü)tim.o -sée:ulo d@ hlstória: da :França dã razão a S.t~ndhal A Lut,a <las.
faê·ç6~s é o: t'irítcb élemê'rito ~:st.ãve'.l d½ntro da insta-bi1Jdªde c;oo'f.empo~
r.âr;iea. Não :s ão mais os pr~dpios ·C::111e geram il· rj'A~i'clad.e, é ·i:I nvalidãde
m~tafísi.ça ·qt.(e, se ,es~oei:r.a nos, p.r,ine::ípios·0.p0s-tos· à maneira desses me..,
tuscol;: que a nat ~rr~za. n'àQ µ_róv~u d:e: çoncl;ia e qu,e ~,e irist~ l.am ná primei~
~~ que lhes aparece pda fren):e" 'S~ çj._L5t~ç'ã.o :de espéde.

b par Rêna1~Valeno.d i;><ild~ .nos fornecer a demonstr:a~ão desta .última


verdad~, o S'(. de Rê·nal .ib.andonà. ô u1ttact,ismo áil_tes. cl~S· eJe:i:ç,õ;é~ d.e
L'81.7, Ele se ins~re:vecomo c;a1.1~ida10 da li~ta liperaL Jeap Prévost p.ensa
,ertc..ootr.a'r nés.sa súbita.conversão a prova de :q ue·até mesmo os çompar-
Sgs, em Stei:idhiiil, ~M t _~ p~ies d'e '1surpreeôcfeir o leitof. Jtan Prévos,t,

15'.9
:C:t,P.í"n,11.p '5 - 0 Vfi.ri,MEL.f!(Yt o i'ffi(fR-'O
em ~eral ião perspicaz , sucumbe, ness_e p,articular, ao mito p.~toicioso dã
Gbe.rdade romanesca .
Julien so_rri ao ficar sabendo da reviravolta política_de seu ántigo p_atrão.
Ele wrnpreende 'd.e pt ontó que nada mudou. Uma ·ve-z mars, trat?---se de
pr~ga:r urna pe~a em Valenod. E_sre µ!ti.mo caiu_ n.as graças da Congrega-
ção. Eie será, pois, o candidato ·dos ultra. S9 restà ao sr. de Rênal volt.ar-
se _para estes liberats .q ue {bê p;irecia,m tão temíveis ·alguns anos· atrás.
Revé:mos o pref~ito de Verrie:i;es nas últünas páginas do romance. ELe
se apresenhj. pomposamente €orno um '"libera:! da defücção:1 mas, já na
segunda frase, tudo o qµe dtz gír.a em torn0 de·Valen0d. A $trbmi.ssã0 ao
Outr.o oão ~ menos ~strira quando as$ume forma5 negativas. A mari onete
não é menos maiionete quando os co·rd·éi:s estão· cruzados. No tocante
às virtudes da oposição,. Steodhal não comparr_ i_lha d0 otii:ntsmo d~ um.
Hegel ou cle·nossos ~_lósofos existencialrstas.

A figura que formam os d0is homens de rtegód.os de Verrieres não era


perfe_ita durante o período· em ·que ambos não pe-t t~nciani ao ·mes.Q'jo
pa1tido polftico. A qmversão do sr. d:e Rênal ao liberalismo estava sen-
do invoc:ã:da pela mediação dn.pla. Havià a( um_a exigência cie s-irnetria
qµ.e. ainda não :tjnha sido. satisfeita. E era nec~ssáTio êsse último entr~tbç:1t
para concluir l#gnamente o bal é°l{êha.I Vale.nod que se prolongqu, a úm
0

canto do pako, durame todo o, çiesenrolat de O Verme1ho eo Negro.


Julien ~abóreia a "conversão" do sr. de- Rênal como um·amadbt de mú~ica_
que vê rea-pare~er utn t~Tl}a mel'ódicó sob um novo disfarce o rquestral.
A Oia1oriá dos homens é facilmente enganada por esse~ ·disfarces. É para
deseng.ana:r s~us leitqres que Ste,ndhal ,coloca um sorriso nos lábios de
Julien. Stendh_al nãô quer que s~jamos, por nossa. vez, ludibriados; ele
quer desviar no'ssa atenção dos objêtós e fixá-lá sobr~ o rnediador1 ele
quer nds revelar a gênese ·do désejo., ele quer rto'S ens,ipar a difer~da.r a
.liberdade ve:rcfadeírã e a éscravid.ão ~gativa que é sua caricatura. Lêvar
a sério o liberalismo do s,r,. de R~nal, é destruir ·a própria essência· de O

160

M:'EN'TI.RA Rd:MÃN TI CA Ê V!;RDADE ROMAN E9CA


Ve,,melbo eô Neg,'a,, é t~d.11zir a o.bra genial ·às. prnp.0 rçôes de um Victor
Co1.1sin ou de tlt'iJ .Saint-Mate Ctr~tdin.

A .con).)er:são do s.r. .d e Rêna! é 0 prlmeim ato· deu~ trcJ.git'otn.é d,a pó-


Htiea crue P:$ curi 9·so.s acompa.n,o:am s:ofregam~nte durante· t0.do. o séç 4:1o
1

XIX. Os .atores crn.çam aU)eâçat ém .s egujtfa tro.é am de papel. Ele-s-des- 1

cey.p d.o pç.ko e, sobem de v:oita em outro tr,ij_~. Attás desse ',spetáculo
sempre igua:1 e sempre- dúerent.é,, a. mesma oposi~ão subsiste., caçia vez
mais va:z:ia ,e cada vez mai~; féto~. E ã· (necHaçã.o int,~rna. prnsse.g.ue seu
t.rahalho sãbteri.â:ne:o.

Os p:e:n_sa:dõre~ políticos ·de no:;so· lemp0 prdcuram -sempre, em St~i;1.,.


clha-1,. um eco de s:"tJa prôJ:i.rja refléx~o. Êh!s rtfazêc:n .um .Stertdhal revoJu-
cionarió ou um Stendhal rea:c;ionári'o ª ·G sabor :de sua.s pàixp·es. lªmal$,
entretant0., a mottalha é gr:.ande b bastante µara envolver esse cadáver.
O St.enclhal d~ Aragb'FJ rião .é ma-is sati'$'hi.tôriQ qhe ·o cl~ J\<1audce Barres.
ou d~ -Chades M'aurras. Uma linha· do esc;rit0r ·ba,sta. para d.evo.l~er ao-
nada.ç1-s frágeis -éstnrturas, ideológicas~ ''Quant0 a.os panldt1.s extt:~mo$ -
lemos np pi;-~~cl~.de L«ç{m L~tiwen - -$ãP sempre, aqueles que ;se vham por
último OS ·que paret:êm IJJiÜS rid;icufos} 1"
O S~ndhal ,çfu Juv-eri:tude ·s:e 'inclinava, seguramente, p.ara o t_ado d_os.
repuhl'ieanos, O Stencllia1 d.à matwíd·a:de tem nijo. pouca .simpatia p.elo:s
,Calões incorruptíveis que, alhei.ns às qbjurgcJ.çôês de Lufs.-Jelipe, reçw
$âl!l'-~e· ~ enriquecer e propararn na surdina urnai nova revoluçá-q . N~;o s~
().ev-i:: ·contµdo. c;o.J?-funcllr ~$s.'e sentirnento bas.tant.e matizado ,da simp.atia
cóm ama filiaç,ã 0 po.títica. O ;p foble_t;r1q; ~ di.strµtido em prohu'.ldi.dáde em

161
C;AElfT:Ul..<.) s-: ~- O V,ERM~f..H() ~ O NtCR(l
do úJt.irno Stendha"\, j.sto-é., do ,Stendhal qu~ tem.
Litcien Leuwen e a posi.çã0
o m_aior peso,.aparece sem amb1gtrid~de.

É·em.m·eiq aos republlcan0s austeros que s~ deve proé rtrat o que sobra de
nobr~za na arena pQLUica. Tão somente esses republi cauos conseniàén a
espera nça de des_truir todas á_S formas dã vaidade, Bes conservam, pois,
as ilusões do século XVIII acerca da e'lGc~lêtjcia, da natureza .h umana .
Nãô entenderam nada da revolução.e da ''vaidade ttiste". Não veem ·que
os mais bdos fr:u'tos _dçi reflexão ideologi'ca1serão.sempre estragados pelo
vem1e do irracional. E esses hom~n.s fntegros não têm., como os filósQ,-
fm.1 a desculpa de·vivet .111:tés da Reyõ]ução. Eles são, assim, bem ll}enQ.!-i
intehgentes que .tvlonresquieu; são. ):ambéi:n berri menos divertidos, Se
tivessem as mãos livri:s, criariam um reg'.(rne tôtalmeote semelhan·t e ao
que o purrtanisqm rep_ubllcano e protestante leva ao triunfo ob Est.a_d o
de Nova Jorque. Os <ltréitos individuais seriam respeitados; a _prospêrí-
dade estar\a garantida mas ôs úlfimos .refi.namentos da e:>.istência aristo-
érática desapareceriam; a vaidade ascsumiria uma for'm a mais .b aixa ainda
f que n,çi época da monarquta consritucion_al. É menus: peno~o, ccmclui
li
Stendhal, adular UI11 í alleyrand, ou até um ministro dê Luís-Felipe, quf
1
fazer a corte "a seu sapateiró' •

St_\:ndhal é um atea em .polítjca, algo di"fícil de .se ai;re.ditar, tamo no


,se.u t~mpo' quaoto no nosso , A despeito cfo modo de expre~_são dcsen-
v.olto, esse ateísmo não .é um ceticismo frívpfo, mas úma convicção
pmfunda. 'Stertd_hal não sé futta ~o$ problemas; seu pontO de vi_sta é
a recomp·e nsa qe toda uma .ex_istêi)cía rn.td.írativa. .t'vlaS: .e.s.se p.onro ,de
vista escápará sempr:e aos espfritos preconceítupsos. E a muitos outros
que sã.o i_nfluenclados, sem o saberi pelo espírito p artí:d~rio .. Pr~stam-
se ao p.é nSamen.to do·.romançista homenage ns ambíguas e que ne&~m.
secretame_hte, sua coérênéi-a. QuaJinca-se esse p ensamento· de "e?pon-
tâneo" e "desc;:oncerran te". Des_c óbre-s½ q.ue está Tepleto de "graeejosu
e d~ "paíç!doxos". Pode-se ficar feliz em escapar ·a invocaç"ão de uma

161
Ml;NT I Rtl. R0 ,\ 1ÂN J"KA E YER!)ÂD~ ~{9M;-\N E:S"CA
"·dupla herª-nça, mis1o~ráticâ e po:p,u lar" :que ~di.lacer:ari'a ó. coitado do
·escrhc:rrt Deixem.qs par~ Métimée a imãgetn d.e 1tm 5Jéndha.1 d.o·rninadq
pç l0 espÍril;o de c0nrracli·ç~Q e então :çmenciercmçx~ talvez que ·é a n6s.,
e :a nos-sa épaca, 1 ·que Stendbal acusa ·de entl'ar ~m c.ontraIÍlção.

Para ãpreer:rdcr mdhor ó pensam~tó gó toroartdstí;!, d. prccis.o. ê9mo


1.· cç:empre, cotejá-lo com uma qbra p0sterior que· justHrcará ple.nan)'é1Jt~
suas p.e:rspe:ct_
M~'.!i e paret.erá'· até·banalizac~üas ou.s:adias.pel<:>•s.iml\)les fato
de r~vela:t tlm éstágío mais adJ,4n_tad9 ,dg d~eJõ metafislç~.. N'o. c~só d~
Ste:odhal é <J Flaube.rt: qu~ :cab~rá deseQJ]ie;nhar o papel d'e reve·~aclor. s~
o dese}o de Emma .Bov.ary pe,r:tencz.e ainda: à. media.çãG. externa, 0· univer-
so Ha1,i.bern_ano de modo mai~ g~r?ti ~. em partitµ)ar, o upive1".l:;o ur.b.á,:ió
de A Bdr.tatçãp, ~e«tímct1tal1-f pr<:ivêip eh~ 1:IJ]\a @e;d:iaçãó -i.ntétt\á ja m'áis e}(-
tremada ..que a de Stendhal. Essa media~ãu Hauhertiana exageni ,os trnço.s
da medi~çªq sten.dhaliaha ~ traça dci.a u.ti.i"ç1 e:}ú'iç;atúra mals fâeil de ~t
decil.rar qqe ó ,õt:igrl}ã}.
Em ABdtKa<;ão sent+mentaL, os ambientes s-_ão:0s·mesrrros- que em O Ver.meHJQ
e p· N'egrb. e- Paris est;í:Ç') tl~ nevo: tm àpÇj_S'iç~,ó . M.a.s e) ,c;~pfr.Q
A i;,:tóvfnélç.
de graviâade: 4t$loc.p~se n1ti ç/_atnen;te para P9;i~) ~~s.a ,capitaL d_q. qeseiã
que po]ari:z:a cada v ez mai,;, ac;- fo.rçasvivas da· nação·. Os relacionamerttos
.~utre·o,s ge'res p~:rmãn ec:;e;:ari:l osme_smos.e permitem medir O!\. p,mgresso:s
da: ·mediação interna. Q s1\ de la M'dle t mbsdtuído pdô sr, Dati)breTu·
se,, t:trn "liberar rnjo caráter dta: grande ba;nqu'dr@ ganacioso- resul.ta de
1830' tqnto :_quanto d~ · 1794 . .Math.iJdt ~ s_ri:cedida pela '"enill. sra. D'am--
breu;se. Jqli.ên 5tJr~l é _seg).rjdó p'.<ir unià m~sa dt'; .m.aços qt1~, como é.le,.
,r~m "con.qufamr a capi'tal" . Eles têm merros -ualent@ porétn n:rat.s a,vldez.
Não faltam..altem'a tjvas· de ,carr~ira mas todo mund6. almeJa a p.osiç~o
,de ,maior "'dest~cfu.e'"; e a prim~í"ígi. flleira nr,.mça pod~ $e ~ongat- multo
Já q4e sq. o é graça$. à' a.ren~âo , n·~:ee_ssat1amerne limitada,. das massas.

14 ç_diçã,_e bFasil~ifa; Gu~tFV.e f]au:bert, Edut-a~ã.o s(l1,iimmtqL,T I:íl,d. Joâp :13.arreira. Sã:o Ra;u-
1.e, M. :Oaret, 20().7, (N.E. l

1ô3
e :u,'I TLJt:O ~ -· ri ',TI.\1fLHt) fi '/ F/iJtç:l{o .
O número. :dos que ~:ã o éortvpcadps aumenta incessantemente sem quê
aumento paralelamente o r;iú:rnerp dos éleitos. Nunca. o ambicioso tlao-
bertiano akança o objeto de seus desejos. Ele nâô cónhl'ce nem <! verda-
cléira miséria nem Q verdadeiro desesp.ero 1 aqueles que trazem a posse é
a desilusão. Nune::a seu b cfüzonte ~~ amph?L. Ele ~stá fadado ·ao amargor,
ao I';,incor. às :rivalidades mesqainhas. O romance fl.aubertla.no verifica as.
sambiias pJ'evísõe.s· stendhalianas "'0bre o Iutum b1:1Tguês.

Juventude ambiciosa e g~nte bem posicíQ.oada se contrapõem sempre·


co.m nialcir aspereza· apesar d e não h avey mai u.itra . .Q co nteúdo inte-
lectual d as opôsiçõ.es é .ma.is irrisór io e roais instável ainda que ~m Sten-
dhal. ·se h'il am V"ertcedo;L", né!lte c1,1nus honor.um burguês que nos é :desúi to
por A Educqção sentim~1tal 1 -é Mar.t1non , o ma-is ~ dfoc.:.re. o mais intrigame
d.e to.d a.s as·persoo,a~cn.s, aq:uel~ que corresponde; s-ó que'Cm v:ersã,9 niais-
pesada, a0 pequeno Tambeau de-C) Vmnttho eo Negr:o. A corte democráti-
ca que se segue à corte monárquica vai ficandó c,adç1 vez mais ·vasta mais
11

,a.n ônima, mais injusta. Inaptas pafa a v erdadt-i.ta llberdade, as persooa-


gens flaubettianàs· são ser:p.pre a.rtâída~ pelo que· atrai seus serndhantes.
Eles nunc.a podem desejar s·e não os· desejos dos O uttos. A pripri.dadc da.
concon-êncià sobre o desejo garante auwmaticanienté ·a multipliçaçãó
dos s-~frÍJ1lent.Os dé vaidade.

·Flaubert é também um ateu-em política. Levando em cQpta as diferenças


de é pocà e d·e ten~p.e rámeoto, sua atitude ·é curiosamente pró_x irna ili! de
Sr_endhal. Esse parantcscó espiritµal se-ria percebido se se ksse Tocque-
v.iUe. Também o s0ciolól.0.go está imunizado tQn(r~ os venen0.s sectá·
rio~·e, em .SllqS melhores páginas, não es.t-á: lo nge de fornecer a expres.s~o
sisremátiqi de un)3 verdade histq_r·ica e política qu:e ·fica com fre-quência
·implícita nas grandes o bras dos dois rom~n.cistas .

.A _jgua ldad·e éres.c.e nte -


aprmdmação .do mediador, dirfamo·s nós -
íl
.nã:o engendr:-a barmoniã e sin, unia con.corrência sempre mais- aguda.
Fonte de benefícios· marerfais considetáveis., ess:a çoncorrênçia é· Ulll él

164
MENTrRA R.O_MÃNTIC.:A. E. Vt _lfD AQI; RúM ANESC A
tõnte de sobime:ntos ~<;pitituâ:is ainda rn.ais c.o:nS:id:eráyds, pois nada,
(?otle a_glah,á-la. A i.gu:aldad·~ ·@e alivia a ]Tiiscrra é bõ.a -~ sj 11Jãs ciâo:
pode .satisfazer aq~@ .!es mesm9s qt:l'e a ·ex igem tt;taj.s dura.trH:'nte, da $6
çonse_gú,~ ex~sperar o ·desej0 deles·. Ao ressaltar u círnul0 v-idoso 0nde
se encerra e.ss,â: pai:xâo p ela iguildadtt,, TóCqt.léViHe desvénda um a.s.-
pecto essenGia1 do desej@. t)iáriguJar . O ·n,;aJ onttil_õgkó como é sa •
bido ~rta.st;i semp.té suas vftüna-s para as "soluç.ões" mais favq-râvei%.a·
:;~tI a;gtavamen_to , A ·paixão. p<Üà. i-g;t.1aldad.e ~ uma loacur:a que nada
conseguida ukra·perssar a· ·não se:r a J'laixâo CQ1Jh:árra ~ ~)r1:1ét'.tica peJa
desi;g\.ta[d.ade- 1 sendo esta mais arbitrária a:inda ·da .q ur aque;la e rri,êl~
ip_1ecti?-fanieo.te .Qepcmde-tit~ de~te rnfortúnio que a [i'berdade- ·suscita
em todos. os· ser~~ incal)dze'S de a:S$.l.J'.t11i_--la vfrii_rttent:e. As, icl~fogi?s
rlVáis não, fa~tru senã0 reverberar tanto es&e 1.nforr:únl9 ÇJ~tahtô :es$a
iiu:;apa.tl4àc:lê. As ideql'o~-ias rivah Ôi.z.e:m r,~sp,e itó, consequentemente,
à: Q1c01,a.çâ,o i.r1'terná; t:l.a~ ~vem seu p<;>d,et U(.> s"ed-uçaQ i.ipena,s ao a:poio
secreto erue s'e d ão os co11rr'âr10S'. F.ru.t.os da c:jsà(J' ontol6grcà da qttal
,;;ua ·d~1,.alidàde rdlete a d.é'>Umana gé.dm:e tria 1 ·das servem., em. compe.n,
sação, c4i'' afütréntü à c.Qncorr~néia devô.rador.o.

SteDdhal,, flaõ.hert e T0cqnevi,I:I'e quaTificam de. "repubHcana'' ou ·de ·"d:e,


mo,ctá~i<,:a'1 JJii:J.a evolu.ção q't.Je·ç:;har.naríanw1; hoje detritaclitdtia, À medida
q4-e 9 me~.i adot se .cfprc>xrrtia e as·difêren{a:-l?. c:QJiçretas entre os hom~ns
dirnih.u~m,, a oposição e;ng;loba uma parté cada veh m<i-.ior d.i e.,'<:\stên(:ia
indhndµaf « coletivé,. T odas as forças do ser se or~arüzam pouco a, pouco
:ew çsttµturas gfmeas s<:mpte m~is exatalflénte Qpo:niv~~s urna ·à oútt'.á.
Tm:las. as torças humanas estã@ assim em .pqs_ição ,de a.ta:qu.ê ntfl)'l:a luta
tãú implac~vd quanto esté.r-il já qu:e :e'ia nâo põe mais em jogo qnalqu:et ·
dl(er.el)Ça çotrcretq, qL!alquet V&for po.st.t_ivô. É is"io, pric'i'samenfe, que se
1

;deve chamar :de mmliratiSttro Os JSpectbs; :P'Olít,h'.;bS e .sócráis dês.·s e rê-


nõmê.n.o t~mí-veLnão çe_ distinguem d(;·seus aspectos J:ressoais ~ pdvaq.os:
Há wtali_ta,ttstn.o quando '?'€ éh'egà., .de destjQ 11m dt..>S.ejq1 à m@bilizaçãu·
gera·]· e permanen t~ .do ?er a servi~o, do nada.

165,
CAPiTú'L(,) $ ~ éi :VER:~l,ELHO t q' NifCR.lJ
Um Balz.ac leva sempre muito a sério as·. oposições que eJe descobre a
sua volta; um Stendhal e lIDl Flaubert, ~rt} contrnp_artidà , nos mostram
sempre sua inanidade. Nesses dois romancistas., ~ estm~ura dupla se en-
carna _n o llamor !Dental'\ n?s lufas -políticas, nas riva[idades mç-squjnha~
de. homens de n·e_gócios. ou de dignatários provincianos. A ·partir desses
tampos-es·pecífkos 1 é a tendênGi'a propTiamet1te cismá.tf'ca d$l .~õ.cie~fode
rnrnântica e móderna que é, a ca_da véz, revdada. Mas Stendhà l e· Flau.
b._ert não previ ram, e sem dúv1da 11ão Jjqdiam ter previsto, até aonde essa
.t endênçia conduziria·a hun1anidade. A·mediação duplt. invç1diud.b ár~as
s~ pre mais a!J]plas clã e)(istênci.a coletiva e insinuando-se· ~t;íl proÍpJi-
dezas sempr~ li).ái s íntí ina~ da alma individual: .acab.a por transbordar
do quadrt>. na~ional e anexar. pátrias, raças é continentes. em mei<'> .a
um uni'vétso -ondt o progr~s.o técnico faz desaparecer, uma a uma, a5
difere nças -entre os homens. -Sterídhal e tlaube.1t subestimaram. as possi.
bilidades de extensão do desej0 trianguJar, talvéz por ter,em v indo c.e-do
demais,, talvez por não pereeberem senão muito co nfusame nte' sua na 0

rureza metafísitá. Seja. e.orno .for, eles não presse nt1ram os ·cqnfliros an
mesm0 tempo cataclfstrucos e it1sig.n'i.fka:ntes do sé.culo. XX. Eles captam
ó grotesco da era .que se anuncia, e não suspeitàm de ~eu 1ado· trágico.

166

MENl'IRA ROM ÂNI'JC:<\ F V ERl ),4.[) E F.: 'O i\1-A ('IE~~A


PRO.BLEMAS DE T'ÉCNICA
EM :STEN.DHAL CERVANTES
• - - ~ I - • •

A .IJJed.iação. dupla: de\lota e 4tgere pouGo a. p.0 uco iddas 1, crenças e


·valor,es,. mas respeita: ·os despojos:· mantcrn a .ap_arê1Kia da vida. Essa
clec"(:,mpos'i<;ãó :setret.à dos. vçilorês. açarreté! ~ da l.ingu.a,ge'ro. que, e-tn
te~e, .os· refl:ete . Os ro~'an1:e:s de Stendhal., d.e F{aµf.,~t, de Pno~-r Ç' çle
Dost:oieYski co.nsti tuem etapas num mesmo percurso ,. Eks nus des-
or.<W;eni os· estadps sut:êssivo,s .d.e tU.ti9- cfesord:e:m qut s:e ~){pánéle ,e s.e
~g,r;:rva i,nc~ssantemêri'te·. Com:o: qs ,ro.Ota.JJC,Ü,'t_as tlâo 'dis,l'.5'Õc:im s-enào: d~
uma Tiraguagem já 'c orrompida pelo -desej·0 rrrnt:afísü:0 e, IJOr-ddinição,
inapta a s.er,vir à verdâde,. a rêYelaçã'.0 dess.a tle:s:.o.r.dern levanta próbLe=
m~s. tQm1JleXôs.

A corrupção d:a linguagem :ainda está aos· 'Seus prirn6i::dios na 0bra de


5tendhal. ~~se primeil'o ,.éstág}o se cara.cterjz;i. ~da m.vers:ã,o pura t ·sim.-
pJe.~ do sentido.. Vimos, por e:xemplo, :que depúls-de haver~m i:::;oin'cidicl:o
num passado l0 ngfnqu0, os d.ois s~nti.dos da p.ala.N'ra nob.re, o semído
esplritual ~ o sentido social, passaram a ser contraditórios. Ó vaido-
so jc;tmai.s admite -essa con'tradiçàG; fal.a çom.0 :se· a harrnon!á entré as
c:oisas e seus nomes fos·se sempre perfeita. Fala cqmo. sç ·as hierarquias
t-rad.icron_ai_s .q.u~ são rêf!etid~ na linguagem fos-sem -s empre reais. As-
sim, ele nunca nota que ha mais nobreza verdadetra nos plebeus do
que nos aristocratas -e mais elevação de e·s pírito nã filosofia das Luzes
do que no ignóbil ultradsmo. É permane·c en·do fiel .a c)ltego.r.ia.s com
val'i da'de venc!dã e a um4 língua fossilizada ·que o vaid,0so stén.dhç1liãno
pode desconhec~r as· dtstínções: reais entre os homens e ·m_µItip:lic.àr .as
distinções abstratas.

O ser de paixão atravéssa sem ver essas mu_ta\has de ilusão er_guidas P,ela
vaidade dQ mundo, NiP dá importância ao· ~~tltido literal e vai direto
·ao e·spí.iito. Ele se dirige ao Qbjeto de seu d esejo sem se preocupa(Com
os Outros . É.o úniço realista num universo, de mentir.a. Eis porque pa_rece
sempr~ um p.0ue.o maluco. Escolhe a sra. de Rênal e :renuncia a Mathil-
de, escofüe a prisão e, renuncia a, Pa:risl a Pai;ma óu a Verdeyes. ·$ e ele
se chamá st. de la Mok ele ·prefere Julien a seu p_i;óprio filho Norbert,
herdeiro- do nomç ,; do brasão, O s·er de paixão desnorteia e 'de~orietita o
vaidoso por.que vai d ireto à verdade. l:Je é a invo luntária negação dessa
negação que é·a vaidade steh·1i:lhalial)a.

É, sempr~ dessa dµpla negaçã·o. que jorra· a: a~tmaçãô rõmànese::a. Rep,e-


te-se por todo làdQ nobreza, altruismo, espontaneidade, origin_alia.ade.
Basfa o ser de paixão aparecer e nós rnriipreendemas imediatarr_tente
·q ue era para entender escravidão, cópia-, imitação dos Outros. O ,r iso
ínteri.or. de Jalien nos r~vela até que· ponto é factícia a conve-rsâo' do sr:
de Rênal ao Jibera_l_isrno. Inversamente, os pesados sarcasmos das. bur-
guesas de Verriê:res fazem sobressàir a superio,idade s.oUtária da ·s ra. de
RênaL O ser de paixão é a flecha indicadora .num mundo invertido. O
s,eii de páixão é a exceção, o ser- de vaidade a. norma. É sobre· urn perpétuo

168
MENTIRA ROMÂNTICA .E VER,D>\DE ROMAN ES:é: A
eontraste emre a ·norma .ç:' a ~ceç.â o qµe repousa a rev daç~o do ,êh::se:j~
meta:ffsico .em Stenclhal.

O pr0t;édimento n·ãq =é novo, Ele é t9m.utn a, CervàJ1t.ês e; à Sté.ndhal.


Reççmhete~se,, .em, I)~»'f Quixote, ·o c9'Qt;taS:te e-nt_re a nof_q,:á e a .exce~ªº =
Mas os papéis são e.iferentes. Dora Quix0tc tt a <!XGeção e os espe<:ta-
:dorés pasmos s·ã'çj .~ g.,QJTI1.a, O prC;>cé~so, furi.clam~-ntal .se inve.1t:e d~ um
;ror;nand5ta J?)ara.9 ou:tro. Em_CerVante.s à ·exceçãG cli:se1á urêtafi~ieã,rtl'en-
te e a multidãe deseja espontaneamente: Em Stendhal ·a eXir:eçâo deseja
:es{).tln.tãneament:e :e a mãlcidão deseja. metafi.sicx:i.meri±e, Cer:vantes oos
·~pr~s~nla u _m her9i peJo lado à)".ess-6 tíU01 munçlO pelo direl'tq, StendJ1al
nos apresenta um herót pe.J'o !:ado 'direito num mundo pçJc,ave$sb.

Aliás n~o :se d e.v~ à;t;ribwr ,,a ess~s prbcedJm:~nto~ um valb.r ab,soJuto,
O çdntra·s-te emre ·a tr<:irma e a exe:e~ãq não. cava un_1 ab.ismo en,tre ,às
µe.rson:élgens de Dom Qu:ixme, Limitemo-nos a.. dizer que na @bra de
Ceniçlnt~'s o, de_sejo trürngufar sempre .aP:,are.c.e so.bn:: UfÊ'L fundo de .saCrde
ontQ.lQ·gita, mas ~s.se fuCJdo t1unoa é trmit o distinto e sua tom1?.Q~i5~9
p.ode cvariar, -Ó.om Qur,::<ote·'é gera·trnente :a exceçã:0 que ·i;:e destaca sobre
UllJ. p,â]]O éle: fu.od:ó de ~ertsatez; por(Sm esse- .herói pode perteit..ame:n-
te. $e to_rfla_r t!f? próp'J"iO espê_ctaôat durante (;is 1nt.~l0$ [úcidos·. entre
doi:s aeé:essos d.'.e' 10ucuta q\raJbeires~a. Ele ~-a$sa et;rtião ~ fa,zer p:á rte ,cf9
c.enárLo radon:ai do q,ua! Cervantes não pode- abrir mão, mas ,cuja com :-,
pQ$1ÇâO pr'atic:am~nte não Íhe !.n;ípprta.. Jmp,óft.à. ~p.e'n:ãs ·i\. fe-velc,1.ç;â.O do
desej'0 metafísico ,

Q_úa_nd~ t ;;.tá cQ:rri Ôo.m •Q.uL't0le,. S.an.c ho por si •só:çompõ.e ess~ lndisc
pén~fvd tenátio. tacjónal - é O qúe Ó, torn~ t~p dc:$:pr~ztv~r aos oJ.nos
dos. rnmântico,s - 11ía~1 :a:~sim que ~le passa par,a ~ pr,i_t)feiro p'la1J0, b
es_c:ud.eircr se tr.ansh:mna na exceção .que se destaca m.ais, uma v.ez. ~o~
b1:e·o hóm senso to letivo. É então o, desejo metafísicp de $JiJJç]19, q!iê
co;nst-itui Q objeto da rev:~fação. O rOmctilcis-na ~e asse.r_rntlha liTi;'l pout0
ao dWet.or de ucna trup:e c;i:u-eA,dispondo de pa-rcos rerursos, 1 transfom1a

lq9'
Ci\PITU LO /, .-e- PR.O S:L.EMA5 [)'.-E TECNI( A EM STENH'HAL. 1Cil\,'ANTES & Fl.AUB·E-:Rl'
seus- a:tores em fi,gu.rante·s. n os intervalos entre os grãndes papéis. Ele
quer nos mostrar sob retqdo que o sksej.b metafísi'co i Jnfinitam ente
sc.iti(: "nmguém está protegido de sua·s investidas~ mas 'tambfm ninguém
.~$ta defio'itrvar1.1 ente coridenado .

Reencontra-se en,_StendhaJ, a partir·d~ O Vernr.elha e o Megro , ess_a: rélatrvi-


dade nos. contrastes romanescos. Aptsar de radjcal. em princípio, a dis.-
rinção entre vaidade e pai'xão não permite div'tdit os seres· em ca'tegor{âs-
.bem delimitadas. lJ..ma mesma p ~rsonagem, como ~m Cervantes, pod~
encârnar sucessivamente a doença e a satlde ontológicas em função do
confronto con) uma vaidade menor ou pior que a s.ua. É assim que Ma-
thilde de la Mole encarna a p~íxão quando está no ~alãp da rnâe ma·s,
assim que se encontra diante de Julten, troca de· papel: eJa volta a ser
norma e é ele .a exce.ç ão. Quanto a Juli en, tam~o uco. ~le. é- uma exceção
em si. Ero su.as relaçõe~ ~om a sra. de Rênal - ~xduiildo-~e. ~ claro, .as
últimas cenas - é d e: qúem encàma â nonná e é ela a exceção.

A vaidade e a paixão s-ão: as extrernl.dades ideais d€ uma êscada onde


1

estão colocad,as todds-as persQnagens stendhalianas. À medída que af~Q-


.darnos na vaidade,. o medi ador se aproxima dó sujeito. Mathilde- de la
Mqlé .sonhandQ com seu -.antepassado Bonlface e Júlren s·o nhandb com
Napo leão estão mãjs distantes de seu mediador do que o_s sêre$ qu~ os
cercam estão do ·dêlés; logo esres são mãis escravos do que aqúéles. A
mén(lr d_iferença· de ",nfvel'' em re dua~ pers'ônag~ns perrnité um contras -
te revelador. A maipria das ceoas stendhalianas é có'nstruída sobre tars
ctJntr.astes. Parn enriquecer·setr~ efeitos, Q romancista realça e acusa ·a
cadc1 vez as oposições., mas estãs nel'J) pot'isso ganham L(m valoT abso-
luto; logo serão $1,1bsütuídas por -opostções novas qm! r essaltàr~o novos
aspectos d.a med!açã.,o stehdfo1liana.

A crítica romântica isola: u m e.ontrasc~ t pa_ssà. -a, en~ergar s.ó á ele, Ela
exige uma opo·siçã9 mec.ârJlc·a que torna O· .h erói alvo de um:à a ~ ·
ção o u de u rna ojeriza sem lim_ites. Lran-s.forma Dom Q uix'Ote e Ju:lJen

170

MEN T IRA R9!'\1ÀNT IC'.A E VERJ)AO E K OMA KhSCA


S0rel 1;,m exceções .absofuta5", em eav:aleit'.0S· do "ideal'', em mártires des-
s.es, Outtos dos ·q_u:iüs,. ·é daifo,. nunc<)I aos deixam ignorar tju~ s-ão- todos
un.lforrnernen,e irttól.êráve\s..
A. critica Yomântica desconhece a dialética mmanesca rla !'lmma e da
_e:x,c~ção·. Ççm i$s.o,, efo destrói_~ prpp:riª es:sêne::ia do· gênio. :con,,an~s,ço,
teÍJ\tro~uzirrdo ·o·ç,. 1;-otn.aJ1Çe :a cfivJsãó~n;ta n:iq1.:refst_a ~T1tte Titt· e: {5S Outros da
,qµal esse :gênio só triunfa· a duras penas.
~ {e erro de ótica ·n~CÍê\. tem de 'S..Utpnz_en~:ten~e , A qp0,siçã,0 ç1.bsQ:luJa_qu~
·a ()títica -quer seQJJ:5Jé <mco·ntrar, c~te .p q1,1(;' .custqr, ~ obra--ptjJtJa rQ-
manesc.a·é.tip.icamente romântica. ,b mç1oiqueísmo estásem,prn p1'esente
onde :m:tmfa :a, IÍl<;diaçaei µ,,tem~. Ae.xteçp.9 rnmâ.n.tica ~ncarn~ o 13&111 e a
11orma µ: Ma'l. A~si_m, a ópost~âG. não é rna i$ func(o.nal ;mas ~$'sén'c::_ía'l. E,I,a:
p@de mudar- dce conteú.cfo .de nrRr0'1'11ântic"'O pata u out:rosem ,que jamais
!Íll,U.íe st:(aSiffftltic-ãção :fundamental. Nào fexatàm~fritt peÍás mesmas ra 0

~ãe.s que Chatterton é tqp~tiôr ã:,os, i_n1deses., Cmq-_~1ars a Ricb~líeu,


Me.1.1.rsault a :seus juízes e .Roguenün a-es burguese·S de Ifouvilk., m:a:s esse~
her6is,sãp s.empte supetio.re-s- ~ sua supe_r}:Qtídade t :;emph: abs.oluta. É só
'.is.t o qu€ itn~otta 'de fatç, . Ess-;:i $trpér"i_oridade.~x:pressit 'd es~êtfçía_hfesma
da revelação rnmántk.a e 1r1divi.du:alista.

A obta To,r;nâ_ntlê<!. ·~ urna: arina ·çontra 0s Óutr.o~. Sii0 semf!n: os· Outro·s
ÇJl,iel)Í a:ssum·em ô papel d9~ ingl.esé_ S-,. d~ RJçhelíeú, d(5)S jaÍZê:$ ç d,q{ oqr;,
0

.gueses· de 1fouville. O autor sent:e uma neGessidade de just'ifi:eaç,ão tão


prem1.út.e qut ésf<J sémpr:e ·a ip_rocaia da exceçãQ: é-lhe, ?recís~o· Hf~ntiH-
tar0-se estr.ú ta.n:i.en_tê ã' ~s.tçi t on'tta tt)dos ,os cfetnaj~ i:i0rtr~D.'$, tal çõrõ.ó ·Ó
prõpr.io Dom Qu:i.Kote imaginando mm.o per.seguidas to.das.as.mulheres
que o acaso, colocou em se.LL caminho e si:: aUran:d,y tãríos-aménte· sobr:e
qc5 i'1_1não.s, amai:,.tes., tn;;u'itl?:J·? ·(; fiéi$ s~rvtdotes qué 1hé$ fazem as vezes dê
escoltia. ÔscrYtieos: nã0 s.ç q)mp,Grtam de modo d.itePente, É exatamente
.ess~ tipo <l§: ·"prote~ãél' que 0.s-exegetas român:ti:cos dã@ a0 pró.prio Dom
Qufxotê, ,désq.e ô séçµlo XIX Sem9re vem uma justa Gêlmp~maç~o para

171

é A'P-ÍTUL() .f/ - -PtólU.E<'vÜl-S Dl' I Êt"'. N,ICA' EM ~T,sNQ"HAL.i C.ER\/~r,r('í-S f FL,o.°i,.Ili.fR,T


as coisas desse mundo. Vendo, em D om Qu~ote uma esplêndida exce-
ção, os críticos aderem cegame.nte à sua caus<l;, ele~ ron:rpêrn as lanças
em seu favor ·c ontra as outras personagens do romance e contrà o prp-
prio autor, se necessár io for; s.em.jam_ais se perguntar qual-pode ser a sig,
nificaç-ão do c~c(;'.pciona1 ,em. Cervantes. Se ndo assim , e:aüsarn um da:no
considerável à obra da qual se prqclainarn conhecedotes sugtemos,

Todas, ess-as sal:vações imempe!_sti-vas acabam sendo nocivas àquilo gu.e


elas a-legam estar salvãn.dQ. Não nos espantemos que todas µ,S -genernsi-
dades românticas tenham conSéqaências igu-almente catastr6-ftcas. Que
iI;nportam, no fundo, para Óorn Quixote, as- beldades cujas famí1ias ele
massacra-? Q ue ü;npórt,a ao.s cavaleiros andantes da lit~ratura a obra ro-
manesca .q ue eles e-x altam s~m tornedime.nto? A "víti.rru " a ser sàlva n.ãô
passa de tnn pretexto para uma autoafümação glorio.sa contra o ·unjver_so
intetro. Não somo,~ oqs quem o dizemos, $~O os ,rn-~prios românticos.
que· invocam :o testemunho do herój de Cervantes e cor(J mais .raz:ão do
que· 'irti_ç1gín.am. 'Seguramente n.~o bá a·ád;i mais dom-quixo tesco qué- a
lnrerpretaÇ~ó tomântic·a de D.om Quixote. Os, íini(ador~s modernos da
Ciwala.cia andante merecem a té, levãr a palma,'. tem quê se il--dmi tir. que
eles se saíram m.elho r que seu môdelo. Dom Quixote, de fato, lutava
sem conhecjnien_to de causa mas 1mava por mulheres d0tadas de v\da :
é por u ma personagem de fic~àd que os. erfricos rotnâ ntJcos'. espancam
ininü,g os, i.n:,aginárfos . Eles elevam p9 is à ·ao quadrado· a extráVagâncla
habitual de ÚQrn Quixote. c~rvames, f~Bzmente, previu esse pico de
11
' ,d.eahsmo" e n_ ão deixQu de fater com que seu herói subisse ajé ele. Nã<:>
é ab D o m Quixote m.ar_ieja_ndo. a e$pada a torto e a direito nas _g randes
~t_radas de CastJlha que se deve COJDp·a t;,u os nobres defe nsores de u.rpa
causa literária 1_n éx:i~tente, é ao·Dom Quixote destnudor .das rnarionet:es
d~ me.str;e Pedro, é ao Dom Quixoté p_e.r.t urband0 um espe.tâ'.qdo gue uào
sabe cóntell'lplarcom-sufiderne·d~tanci~ment.o estético. Ao eievar o,cp-
eficiente qe Uusão à potê ncia superior, o inesgotável gênio de Cervantes
nos fornece no momênt o oportuno a metáfora de que precisávam oS..

r72
ME'Ni1 RA RCH-iÀNTl l .A F. VE1WADE RC'JMAl\:D'>C..A
No <faso dé Stend.naL o ~o nt.ras.setisõ; ropíântiço -~ rtrê~Q.0$ çSpetatular
c:o..nqu.?-nt,õ nãp mênos ~ra,ve. Es~e·col)tra.sse.r1:_s0 ê taMo t11pis :d}.f'{cü de s~
evitar q.Lf~, enJ S.t endh.a'( ~ nos rmriâ:ntic:os., a excreção tl mais ad'mi.r.áve'I
que a FJorma .. Mas el-a o é de um mo.do difetent~. ao ·m enos nas -~n~
dt;:~ obra~ rofn"an.es_ça§, Ne:ssils obrª'5_;,, h,ã9 há içl'etftifk:·açã:o ~r)tre à h,efói
chejo. de paix_ão, b . (ria:dqf to; kJ.1:çr.. Stendhal não pode .ser fabrício,
pois ele .c;ompr.eeende Fab,rfde melhor qüe FabrCció cottipreende- ·â si
pr€ÍprJo. Se n ·1ei.t0r ·comµree'f!..de Ste;;ôtlbá'l ele [tão pód.e.,. tà111potrto,. se·
id<;,ntific:ar tom Fabrfc:io.

Se -o leitor compreende Vigny,, de sé 'identika, com. (háttenón 1 , ~e


e:o.mpfeencl.e Sartre i.deptifiçiHe tbm: Róquerfün2. Temos aí ütt)a dífe-
rença: l.-ap}t,<J.J ·e ntte a ex,ceçãc r©In'ãntica ·e a exeeçâo ste-ndhaliana.
A.~rítlca: româ-nt ica isola no romanc:6 st<mdhaJfa:f)o as ~~nas.-que t.oc-?ID :a
sensí'biLld,adi; c.ontewporâue~, D~pói~ d~ t~t f-~ito deJuli_~n I.IJ\.1 c~a:.I;ba,.
oo $~tuia XI,X, tto·overte~,o, nn_s dias de h oj.e, num .h.trrói e. num santo.
~e :rec0nstifüis.semos a -seguim:ia .cómp.leta d:Qs c ontfastes r:evefad0'"f!:is,
c~,uS:tat~ffp.mos ç1. incligênó~ d:as ínt~rp.fetações éxJt-áp6fadâs qµe: e:ssa
ctftica rom~_h tiêa vive: prot:50i1q.ó. .R~çn:co ntr·ai'iamos o contrap@nm ir6-
Aico que subtituímos, 00m demasiada freq uência., pelo travejar:rnotióto-
no·da:s maldições egétlst as . Ao firrm1r as cipQ°Siçõe~ e lhe$ dé!t c:u:r1 se11tÍ'<l'ó
\ffifvocó" àrru1na~sé a éi:::Jnq1.frsta sµprema do. roU)_anci;sta., ·e?ta sublime
tguaJdade de1c:ra-tamento entr-e o,.E1i1 e o bf;t,tro que não .fic a comprometida
num :Cervantes o.u nâ.rn Steri.dha1, e sim.,. pelo ca.türári~, gé!ran.tlda,. p~la
d.1.al~tíéã sutil da norrn:a e· da ~~ceçã0.

Tratam-se af, ao ,gµ~ se dirá, de cliferençâs .morais e metafísicas. s·em


·dúvida, .rnãii a es·téüêa o.o romauée ieni'ál nfi.õ mais constitqi i.!_m reínb·
c;iístfntó;. -~fa1 s~ 'ún_e ~· éfiéa e;· à: roeta(í:sie a. O :ro~anci~ta nrnlt-ipJica os

i: Ver Alfreçld~ Vigny,.(bq.tterto;1. Par~, C.al\íma(d,, XOOl. (.N.E.J


:i Vé~_Jean -Paul $-artre, A náusea., Ri(.'j_de Jane=i·r;oa: Nov:a Fronte,ir.a, :i005 .. (N.E.)

173.
contr-ç15tes; ,çomo o escultor, .eJ~ c_hega aô relevo n1ultip.lkando as super-
ffcies em planos diferentes. O romântico, pri.sionelro d.a op.os-ição· mani -
queísta ent:re· o Eu é os Outrns, opera sempre no m~ rno plano. Ao·.herói
va.zio e -sem face que dtz 1'Eµ. 1' o pôc-se a máscara comorc_jda do Outro .
À lr.iteriortdad~ pura se c-0n.trapõe a extérjoridade ~bsoluta.
O rbmântic-0, c-01110 o pint0r moderno,. pinta em duas diruens<S'eS. Ele
não pode conguistar a prQfundidade romanésc'a., pois não pode unir-
se ao Outro. O romancista ultrapassa a justíJkação :rórnântica. Ma.is ou
menos subrepticia°'i'ente, m ais ou menos ahertap.1en.ter êle transpõe a
barreira entre o Eu·e o Outro, É es_s-a transposição memotáve.1, como ve-
remos em ·nosso ú1timo capftu lo. que está registrada no rnmance em ·St.
.sob a forma de uma ;recônciliaçãô e.ntre ,o herói e o mondo no rnomen fo
dç1 morte. É na conclusãp e tão som:ente na qondusão que o herôl ral~
em ·n ome do romancista. E esse herói moribun do renega sempre sua
exis-iê ncia passàda .

A reconc;iliaçio romanesca 'tem um duplO' sentido, estéticq. e ético.


O hcrói -romancistâ conquista a re-rce\r-a dimen·são romanesca porque
.ult rapassa 0 ·deseJo rri'etafí~iço é ·porqué desco bre tlln S~mel:hant~ nesse
m~d ladqr que o fascinava A recon"tiliàç?,o romàoes.e a permite ·e nt re ô
Oub'O e o çu,.entre a observação, e a introsp~c<Ção ~tma síntese ·i mpossí-
vel para a tevolt.a. tomân.tica. t.la permite ao Ton1a.ncista girar {m torno de
su.a~ per.sonqgens e Íhes d-ar, co~ a terceira dimensão, a verdadeira libér-
dade e a m,úvimeoto.

A exceção sten~lrana ilaresce sempre no terrei;!'o à príncípro ma1s


d.esfavQTâvel a seu d esenvolvimento; na províoçia em vez de l?a~is, nas
mulheres e não nos homens, nos pleb~us e não nôs nobres, Há mais
nobreza autêmica nó avô Gãgnon do que no ministé't'io inteiro ·do sr.

174
.M~ NTIR A R()'MÂNTKA E VF. R.D ADE ROMANE SCA
çie. P?.?lí,gn~~- A hi~argtlia socl~d não c~t~ pol't-ªntQ çksprc.ividã .de -signilí-
cacl0 n0 un1v.erso ro.m'ªnes~ó . Em v.ez.~~ refle.ti.r q.ir~·t~m€rit~ as vittúde,s
stenclba.iianas de energia e de csponta:neicl.aàe., ela as reflete mdireta -
rnentei tal' c:ôm.p tnu -~1?(,!U10 diii.ból.ic::0 ~J.t nps· d~ urna irn?gem inV.ert:i-da
µelas,

A últiin.a h';lrGírfa -de Stendhal; làrnid~ a fri ha· ôo dtabo, c0n€efl'.tra. em


sua cl:tatmos:a :p·es.sõà t9:do~ os ?,imús: que dtsig(lªIfi µm ·deito -e q'êr,e Qs
vaidosos tomam pOl\ rnaldTqõ·e s: mu.lher, .orrã, pob'te, üt:nb'ttá,J1té, ptõVin-
dana e plebe.ia:. Larn.iel tem mais.energia: que os homens, mais: distinçãe
gq~ os -aritocrata=s, rnaJs rj?>B[}a'm.evi th qtic.~ ô:-S paris~~nses, mais esponta~
:neicla.de f!Ue os preter:is:aIT1en.t~ .espfritlf()s·qs__

A. des0rdetil do Ufli.versu r.omanesco aJr:i:da r-efletc.t a .\!!rclem tradicion al .da


soefedad_e_ Efa. ª!ncla nã.o. t au~_&néJà ge tocfa ord~fü ~- desords:111 absoluta.
Ó anive:rs0 stendhaliano ·~ ,uroa pj_i'âp)Íd~ po.sjctonad.a $obr~ sua ponta.
E.ss,é .equilfoóô quase milagres.o nãeJ pod.e dur-a.r. Ele ê proprfo de períG'-
dê) qu~ çegue i!Il.e.diáta'me:n~ ª- tta ievol,u:ttórrá1.'íp.. A pirâm.i-de da aot'iga
s0ciedade vai desmoronar élJl ptêve e :clespedaç,at-'s:e: erti ntúltfplâ'?' frag-
mentos info-rr,nes, Não tornaremos .a encontrar ordem em meio à desor,
dém nos roma.11ces-posêeri.ores: d~ :Ste11:dh:áL Já ,~m FlauSe1t também as
eo.i.sa,s: :não têm mars rnn st';n.tídc1 .opóstõ p.õ guê elás deverip.m 'ter;.Já; uâo
têm gua:se ou :por eornpl'em nenhum sentrdn, As. mulh~es Dà0 são. fietl].
mais nei;n méno-s acr.tê.ntícas .q ue os hom:e1is; os pariskns·e s não são, nem
majs JiéUJ menos valdos0.$ que 0s Pt:Qmne:ianos; PS btrrg4e~.~s ti-ão são-
nem mais nem menos enérgko.s que os ar·i stoc ra:tas.

Nessê Ufl,JVerso n.aubértiânp. Q d~sêjo esp0nfâne.o não desapareceu "- ele


nu_n ta ·desa parece' cõmpteta'roen_te.-~ n;ias .à.:~ extéçqes d.inii nµft1tm-eh'1 n(i-
rnero e·e,m importância, S.obretudo,:nã:oev0luem rnai,s·ce>rn a natU:ral:ida-
d<~ .s0b~n~ do b€-rói stendhahano _N.o ·.cQnflito que as ·opõe à sodedade
:são· s-empi;e das ·qu<': B,calJl pór qàix0,. A e'i(ceÇ?.o ê úm~ p,Jêfó'ti frá~~l q_tl~
ores.ce no ·vão eTiltre lajes de tamanh o monstnmsq .

17§

'CA'J!iTUH> .t, - P'Ró .BU",IAS p )'•TÊ'C.ll<íÇ-.6. ),'M S'fFf(J~'l'HA:l,, (ERV.ANTU:5 ~- r:LAUB_


z yt
Não~ Q cap1jçho do romancista por si só, ou seu humor· partic_úlarmenté
desgostoso, que Têduz .d~ssa m aneira o papel do desejo ~pôntâneo no
unjverso rnmanesço: é' o píügress·o da doeoça ontológica:.

Vqnos qu~ 9 desejo espontâneo ainda é a· norma êm Cervantes; ele se


tomo.u a mcceçãb em St~ndhâl. Erii Cervantes o desejo metafísico se
destaca so0re ·wn f:u nd0 de bom senso; em Stendhal é .o desejo espon-
tâneo que $e destaca sobfe um Fundo metafísico. O .d esej.o triangular
passou a ser um· desejo dos mais banais. Sem dúv-ida, nã,o ·SI:! deve tu.a r
co.:n:duscks demas'iadamente ttgorosas dessa inversão .técni·ca. N~o se
deve pro:curar ·ná obra romanesca a f:Xpre:ss-ão de· uJna verdaâe estatís-
tica do desej.õ . A escolha de um pra.cesso d.epende de uma í:nfinidade
de fat0tes, não s<1"nd0 ô :menor deles a pt eotupaçã.o, inteiramente le-
gítima, com a eficácia.. Toda técnica :qp~rã urn certo aumento cujos
efei'tõs· não sê devé ~onfundir <eom a: reve'lação roma.nc.seá propria-
mente dita .

Nem por isso a es<::olha de técnicas oposta;s, em Cervantes e em Sten-


dha.1, é menos. significa.tiva.. É o, agravamento, e a propagação do desejp
metafísic0 que permif(!m, e até exigem, ·;:i reviravolta. O des-~jo meta-
físico se faz cada vez mais geral Em Cetv~ntés. a revelaçã-o r0manesca
está centlê:!da no· indiv'fduoi em Sten<lhal .e nos outros romà.ncist9s da
mediação interna. a êatas~ s'!~ .desloca. parn a coletividade.

A p_a rfü de Flaubert, e excetuandq;,se algo_hs êaS'QS' .muito par,ticulares.,


tai_s como O ldiofa d½Dostoievski,_o desejo espomân'eo desempenh~ um
pap.el tão secundâtio ·quê ele já nem pode -S~·ir de revelador romanes-
co. A e~ceção flauberciana conserva aliás t.im cert.o si.gn.i:ficádo ·social,
indireto e negati.vo.. Em Madame Bovary as únicas .exceções sãQ ~ campo·
n-esa dos Gomfdos que escapsi ao d~s·ejo burguês.,pela .miséria e o grande
médico que escapa pelo saber Essa.s exceções d~senipenham de certa
fonna o m·esmo papel que em Stendhal; a vefha ta.m pones,a prQpicià um
contraste revel.ad.or cqm os b_urgn11;s,es· respla:ndeceme.s em seus tronos

f.76
ME-NTlRA ROMANTrt.A !; VERDADE R0'MANES,(,'A
.sobre o palánque. :Oo mesmo mõdà, o grande médico faz sobrnssair-
:se nulidade de Charles e de _H omais, mas sua pres-en.ça .é por demais
;i

silenciosa e episódica para sustentar ci p~so p1incipal da revelação A


exceção não sobrevive mais senão -nas. regiões ioteti:ar.nente excêntricas
·do universo tomane'Sco.

A. .oposição· entre a sra. de Rtnal e o maridç,, ·e ntr~ a sra. de Rênal e as-


burguesas de Vemeres perrh9-nece es.s-enctaL. A oposição entre Emma e
Cbarfos, eritfé E~a e os buçgueses de Y omdlle s6 é essencial na ~ente::
dé Ertnna. Quando os contrastes- subsistem seu va:loneveladbr é um tan-
to fraco. Na maioria dos cç15os1 tudo se funde numa uniformidade acin·
zenfü.da. O ~va nço â o desêjú metafísico não·s-ó faz que ·se multipl'iquerr:i
as ôposições -vazias; eLe e nfra.quece as .oposiçõe5 çóncretas ou a·s relega
às mar.gens- extremas do an.iverso· romanesto.

Ess~-avanço do desejo metáfísico S'e .d á em duas frentes dist'intas. A do-


e nça omotógica se agrava nas regiões. já çohtamroadà:s, é s·t exQ"ande,.
p.or outro lad0, em regiões até então poupadas. É ~ssa invasão de terri-
tórios vir~ os que cônstítui_o te.mel verdadeiro de Madame BQvary. Paq1
sitliar a hernfo.a em m eio a uma história do deséjo metafísiéo, faz.._se n.e.-
~essá.rio retomar a definição tão ptfrspitaz de ffm critico dç Flaubert: "A
sra. B.ovary é ã sra. d·e Rênal um q u~to de século mâis tarde.'' Esse juízo é
um poúcQ es-quernáti;co ma~ levanta-um·aspecto .es.sencial do de!iej9 flau,-
bertiano. A sra. Bovary pertence às n :glôes "superíores" do desejo rr.i an-
-gular; ela sofre as primeiras imr,estidas de um ma-1 que começa sempre
pela mediação externa. Apesar de cronologicamente pQsf~rjo1· às- obras
de Stendhal, o rom ance de Flaubert .d eve, .pôr cón~eguinte, prece,.dê- las
numa exiposfç.ão teólit a dó .clesêjó metafísico.

A (;vglu~ão .do desejo metafísico explica ·muüas d rferençás entre. Sten ·


d.hal e Flaubert.. Cada rGmancista s_e enc9ntrà em fac~ de .um m0mento
único da estrutura metafísica. Os problemas técnicos nunca se colocan,
dµas vezes ~-eguid~s nos mesmos tennos.

177
:-:;- • 2:...:'. \ IAS D!? 'T"ÊCNl CA EM STE-NDHAL, ( ERV-A('l"l'(S E. Fl.All8.l' RT
A bJ~Vldáde' d.e Ste,nd,haf e sua i.rpjúa folgutante,se,ássentam 5.obre a re·de
de e:x:ce.ç.õ.es q:ue a~r~ve·ssa pb.J' inteir ç ~ substânçià, rt>'i:nav1ésc.a. Uma: vez.
·que © leitor tomou conl1eci(J1eóto da se.greçJp das, 0posj9.0es,,. ,Ó me-nol'
mal-e-nt.endtdo entre .d uas personagens faz 1mrgfi;-o esquema pa,ü (ão-.vai-
dpdti·é r~élá .É? desejo mt't'afi{ics,, Tudo se fundamen't.a wbte o c:;b.n.ttaste;
entr.e a tn:>rm:a e a ~x ceça.9. A pa~s;ig.~ - do- p9sitiv:o ai:): ne,:g,ativ0 é ta·o:
rápida quauto ·a passagem da h.rz à: ésçurídãó ·qmiJ'ldó 5e.r.nanej,a um·i.hter~
mpto.r elétrico. De uma pon,t a ~ outrit dó· r.dtpi!tiç_e stertcfha.JJãno Q.S ralos
da p,ã_bí:ãô iluminam .as trevas da: 'laidade.
FfapnéJ:t nã9 di:spõ~ JJ)a_iS: ela lüz $"t<;;ndha:lia,na,- os,eletr.odos se a{a:stariit'Q:
e a eam~cyte rufo passa maís. Ati àpos.iç~qes:flal!bé.r.t_ianas pertencem quase
t@da.s ao tip-.o.Rê.aal-VaJ~nod ntrriia k.rm;t aínda .m~ü~ vazia e aindq .mais
0

obsti'nada. Em Stendha,f o balé :d 0s do.is .riva1s st q.esenv,Qlvi 9 na ·pte~-en-


ÇA. dê q:mc! testtrnun.há que o i:nterputtava para· n6s.. Sútod;hail p'(:Ydia se
11
lim1táf <l óôs mostrar ó "r-i:s·o (ntetior. .deJulien para nos esclarecer acerca
çl.a totw~rs-5ó libetal a.o ,s;r_ 0.e· R_ê·naL Em F.Ís1.1.,1bert1 dão há mais luz, nem
ekvaç~o de onde se do;miça(ià..a plariíc'i~, Tem-~ pois de átrav~ss'ar
PilSS-o_a. passo: Qst.a ime.nsa planície burguesa:

É p,1:ec:;i_so. revefar-: sem auxílio exterior o va,zfo das ©po~içõés, 'Tal .é .o


problenl'â qµe ~e colo:ca par.a f.laubert-. Ele se Gonfonde corn e5 da bur-
rfoe,c ohses~àb. pti_n( ipal dessa, e}íJS'tê,ncia li_t_êra,TÍ'ti_. Pára :so.lm:i@!nar e.ss-e
problema, Flaub~t't inv~nta:: ó e,stih das· falsa-s,én\imcraç.õ es .e das fa ];sas
antft~ses: E'ntTe os divers9~ ,~ ®~ tps do: utrjv-ers.o rornanJ;$c.o rt~nhuhrn
QJ}~'i:iÇão r.eal é p.oss-fvd. Ess<ts elementos r:rão se SpJ;tlattL tarrrpólicô se
õpõç:m C.Qflcrntamente, Confrontám-sé simetricamep:re e v.oha_Il) a cait;"
11Q v ~zio. Ê a justapos:t~ãç lrnpa,s,sfvd qü~ '.J1~V'da o: absurdo. O .inveflêá-
ni.o se alonga mas a ~Qttia é s~rr;i:pre· fgti(.11 à zero_ São ·s empre as rné_srnàs

i78

f\..i E'NrlRA RQ .'\.1t\NT! C: A i; 11.ERQA DE !Ü),'.lA NE'').CA·


0rosições ,v azias c-mre ad~toçrata:s e hµ1;g1..reses_, de":Otos- e Z(teu.s. re.acro·
nâr.J0s é repübJkanos, amantes .entre si,, :pais -e filhos, ricos é ·pçibret. .
'O un iverso rórnane-sto é um palátk1 repleto de ornament0S ab~l~rdos é
ja.rt,cl_as fals-as ·que lá é".$.tãQ "pàTa o ~f~ to d~ simGt'riá"

'As antíteses gTQÉese::aS' rj.e Fl~nhett caríta:tct.rám a~ anti"t;esés si!blimés d~


Hu-go oú .estas categorias s0hre as quais 'º dentista poshiv1sta baJefa. ás
das.sificãçõe~ que ele ác(edit-a·. sérem definitivas.. O bur:guês se el)q,rnt<J.
.com es~àS rig"tt€;za·s i [ú&JJjías, Pro·tlutos da medi-a.çã0 ~ntema, esse:s con,,
ceitas qpp~tps, saô. par;à os vâ1t:;)rf$ "4J1têntlc:os o-qu~ é paira -â natureza
liv..r.e @ prodigiGS0 Ja:rdtr;n .çf\;' Bt)l.lí)tfrJ e Pi:cuchtt. Á 9.{').:ra dê: fra~he~'t é uni
\1:Jsé.\lrsQ s.o bre a parca realicl:ade" infinitamente- ma.i s <!:Lfdatió~Q g,ue. o
de-André. )3re~p-fJ, p.ois o romancisfa ata<fa a. ciência e a- id~ologja, q:uet
çlhex, ?J própda -ê?sênél.?l ~ verdacfe bur_g:µesa . qt.fe- e1,a na-quda épo€a
todo-poderosa. As uid~ia_ s'' da5 t;ie1-.sór'l_,J.geo_s A.at+b..éctia_n as sã.o ainda mais
de-sprnvidas· d.e signHka·ç ào que a~ dos Vi;::iido_ sos s_te:ndhaliarips. Éia:s
lembram .0 s ó.r:gãos inúteis, frequentes no mundo, a-ni_aµµ ,, os a,pêndtc};s
monstn.rõ,sos ~tibre -ós <;iu.âis não·se {a@<trcja d1zer porqu:e. 'ta·l espécie,, .e_tti
vea: de tal 01-rtra, .é· délts çl.otada. Fazem pe~af ne-sse:S Ghifres imensos
que- não ·servenr em ~e(tos 1:terl:>fv:tifOS senã0 para, que es-te,s se ·.confr.on-
té1n ·interm.iciavdmente -em 1~0mbates ,çs.r~re'i,s·.

A opo$:i:$ãi::i $"e ãltrnen'ta de- urna: oulidade ·dupJa, de uma indig~cià esp.i.,
ti tua1 f"gu:µ[ e.JJ) ·arnbas ·a$ pçtrfés. H~
omçti,S·~ ]b;u.mi·sien simho.lizam a.s-duas
meta:des opostas e ~o1 id(ri.a'S d.a Fran·$.ª ~equen$.~but ~µ~·sa. Os pares Hau-
h~ttianos não "-pensam:" senão em ~~u grqtesco .at:;asá,larur;nta., tàl çonJ.o
dois bêbaçlOs que nã0 comervam seu e,qurlíbri.9 SeQ.âó p'ór'qué a:mbos
P.TOCutâni f~~rt::.~m que o-oâtro O pcér-éâ. Homaís e .B0u-rnTsier;1 ~e fecgh-
cfam mtr-q;i.an:iente é-acabam .a.donnec~ndo. lâdo clj ado-, ·com sua meia~xf,
cara na mão, diante ~o cadáv~r de Einrna ·_Bóy:ary. À tnedrda ,.que o ~ênio
flaub.e-rtiano amadurece, as, opos,içôes s~ to:r_n_an;1 ·cada vçz ~ç{i$ va?ias.-; .a
iden tida d~ clo.s çan frá:rios se afirma com força::0ada:vez _r_n_aJ0.r. .A ev9Jução

119
Ç,APl:fUL()' ~ - PR(J:Bt.:~1~S Df TE( ;Nl (;..A EM STEN0r:IAL CERVANTES: t: rLAUlli?RT
·a~;iba Jév,an.do a B.0u.va-rd e Péeud1@t ,qµe se- t;)pôém e. ~e c;ouwle.tam tão
ptf.Íejtacnente quanto dots bibdôs sQbre uma [arei:r:a bU:rguesa.

Nes·se último rnrnaoce, .q pens_aQJ.ento 'IJl'ódei;nô perde .o gue lhe r:es-


tç1:va_ .de dignidade, e de força· ao p.erder a duraçâ:o .~ a ~ t~btHâad~. O
i-itrrJo .ç.as medi~~pts ~e aciléra, ldeí'às- ,e si,stema.s-, 'te0rias e pri,rrcfpio~
se confrontam .pnr pares 0p:osto·s, $emp·re ne.gfÍtlvâm.~nte <lderm.inado_i;,
As oposições são devorndas pda simerrfa:. Eias n;ã9 d:~sé:mpt~nham '!DçÜS
qu:e um ·p<!pe! détorat'ívo.. ·O. índividaa1is;no·pequeno-burgu.ês se ~h'etrrra
pela apot~as~ borlesé_a: q.ó 'ldêntiq<:, e do Interiéambiãvd.

)- 80
t.1E~TIRA R(J_MÂ ri h c i>: É Y,Í:R,DA[{ E RO:M-A NESU
A ASCESE 00 HERÓ1

Tpdo de_sej'0 quê-se· e.xíbe pó.de sJ..rsc:i..tar ou t~do.brã:i: o desejo de wn


rival F-a~~s,e pois nec-essário dfss,1.0,\ilar ti desejo- ·p ara a.1;i:0d~r;;rr-se d'!i
obJ.êtG.:. Ê es$a. d_isslmãlâção g.ue SteAcLhal chama de hipocris-Ía·.. O hi,
pócr-ita (.eptjme, em s éct d~s~~Q , .tutlo o .Qüe podt §e,r,;visto, isto é, tu.do
o que- é im-pu.ls.o em .din:!çâ.o a0 :obieto. Ota o deseJô· f .din!r:ni.có. Ele
güas~ sé ~o.nfundé .c om o elã *tue provoca. Dessa forma, a hipo·c ti'Sia
que triunfa nõ ürtiY~tsq do N~gr.q hostiliza tudo q_l.fauto há àe rea:l no
:desej'o. Só essa, dissr:wu.lação: do d~!>ej_0 e '/iara. o .ç;les~jo pod~ furu:l.a:i:
u.rti~ "'dialética do ârno e do escrav o". P/. bipoeris1a CGJD01,il, a hip·ocri-
~:fa vol trada pa-ra fatos e c:tên<ras· não est'á e1T1 c"'a.usa .aq_ui; ela· n.ã o •con-
s~guiria di.fetençlar o·s _home:n~, p.bí$ efa e-~tá ao aka.nc~ -do primêiro
·que apar:eé.~ -

! ·u.rrr .mes"trro -d~s~Jo que os àé;> i~ pàrc.e-irós .ern .m~dia~ã0 copiam; sendo
ass.im, esse desejo não p·ode sugerir nada a ·I.Jm ~em l?Ugéru- igué.lme-nt.e
ao oi,i:t.ro. /\. dissimulação tem de ser -perfeita, ~ois ç e'Lat_i'li\'ciênçí~ âp
•M edladot.é" él-bsóluta. O hioó.trita -deve reprimir t0das as tentaçôes, :uma
vez <que t-t,das. ,el~ estâ0 pre~ent~s n4 .meo(e ·ele seü deus, O modelo-
disd1Dufo> .ad~vinha os ma;is fru;lpms e~trtr;rretimt:nfos d_ e seu dis.c;.fpuJo-
mõ.ddo . O mediador, com@ o deus cla bíblia, "'s qnda 0s coraçõé~ e os
rins.". A htpdG:fJ;S:iá para ô. desejo n;íQ ,extge mer1os dete:r minação .que o
ascetismo religioso, J:Jli .amJ:,ós 9r,. ças'ós <::àç, ~ m_esma,s fo11ç·as que s.e
frâta d.~ ba.rrar.

A..ca~ira de J'uJierr ntnmiyerso dQ N-egro é tãp drfídl quanto uma carxe-i:. ,


ra militar no-.univ:erso db. i!NmeíJ.,p, Mas mudõtJ. a clirê~ãó do ,e.sforço·. No
ünivers.o onde 0 desejD passa sempre pel0,0utr.o a .a.Cf~P Vérdaçleírameri~é
e.ficaz.incirle s@mpt~ s_ôbré ó fie Ela ê toda, h1tert0.r.. Assim_·, o, romanc\sta
não p0.de mais·se Ttm}tar é"rn tlef,é;.:t'evét .o ~ gé-$.(0$' e rêpe;fü1·as ·palavras de
~uás pe,rso.1iag@.ns. Ele dev.c vi01ar as co0seiê.r1das, pois g.e~tçi:~ !;! palavras
.não ,pa~s:aru d.e m.enti_ras.
Os to-los .de Verri~res. ou de dUtto lugar ad:i:am· qUe. ·t üdo ~ uma questão·
dt ,s"orte·ou de cãitulo maq;uiavélice ·na fulgunante a'stertsâo..do peqüe-110
~eminaris;tà:, O· lêitôr q:\.l~ _pS:ll~t:i:a nq consci..ênda de Julien., seguindo-ns
passos de Stenrlhal, é .óbtiga:_d.o ~ re-ntj:r:rc'iar a e$sâ y íSão· s.implis{a .. J.uÜe.n
'Sor.d ck'v:e. seu. sucésso a um.a estranha 'for:.ça esptrrtu~l ·Qúé ele q1kiya
c0.tn a pab::âó dó mísltc:o . t!;sa forçã está a s"eCTjç0 do Eu carrrn> a verda-
cleiFa· místi<;:,a e-stá a -s~tvi'çQ> ·4e Q.eµs,
Jq_l}eq ·$Qrel Já em Gr'iança pratica .a as.cese pata e de~ej:q. Dutaótt wn
tnês inte'iro: ~fé ·!llantfu um braço .0_a (ipoia çoJUO Ga:sti.go por ter ma-
nifesta.d o o, .~e realmente pensa -d~. N'apoleàó. Os ,ctítjl;Qs p.êrnebem
,o ~~fntid<.'} ascético do braço n.a ti:-pnia,, macs: o en0aran1 domo um 01ero

'"tt~ô de·carâter". Ele~ não: entendem qàe o univers,0· &0 .Negra-es1:á pre-
sente ,po.r 'Intetro ·nesse .gi:sto [n'fc,\nti 1. O brã.ç~'J na: tJ~oia 6 a ·ex.~iaç.ão ·âe
um, .,insfaote de franqueza·, istG. é, ,de ·.urn instant~ çie f'r'aqµeta . N,à .0utrc1
e'5<tt~miêlade do romance a Lndiforenç,a heroh:a· para ·com Ma.th'ilde e a
expiação cle 1:1n1 se_,gu.n:do frlàrnentd de frànquê~a, Julien manifes'tóLL a
·Mathilde Jj desejo· qu@ tem por,ela. A Falta é; an_$L<Ygà, a autópuniçâo: :só.

182
MENTI RA ROM.Â.NT l'C:A e VER-'[1J-XJ)E R,r~}'-tANC $ ( '.A.
pqde sêJo t'amhém. Toga infração do, tód'tgo. çt~ l;l'ilé)o~n'sia 5:ç siik;la_por
um r-~d0bTan1.ento de dissimulação ascética.

Não p.e:rce_bemos_:ª- i.clentid~td~,d<!s dµçt~. c;ondJJ.tà!;,. pói$ o ln-aç0 na tip.ó ia


não tern nenhuma c,on_set1uê-nda ·cot}<treta en_q~1arttçl a indHere·nç9 he-
roicp. ~arante a Teconquis.ta de Mathfüle. O braço' na :cipoja nos pa.rec~
11 1
irradórtaY fria$ a in'dife:re:nça· simüla.d'ª- se ap.r.esenfa .a nós como uma
"tâtiea.am0rqsa''. O s_egµndc, ,g~tó ascêtico se :Si_td~ no u,rúvetçq pro"s.áJc<;>
·e reconfortante da "11sico-log:i&'' romanesca. O suc:e,,.,;so d~ Ji.rlien f..tz t:om
qlt~ áérec;Ht~rti.Qs nó--cár-áter positi\r.o dlL ini.ciaJiva. 'Nós.- n0s._p:er;saacl1moi;,
çonJ. faei)ld_ade-de que: bâ. esqyridãç c:àrppléta na crfêrnça e .t'.á1çfu,lo ·ÍúcJdo.
n0 adulto. Porém:.St-endhaJ ·ná~ .apres<tntct .as eoi'sa~ dt:ssa forma. As ({lias
•condutas· ~e .sftu?m. nutria TI:1esm-a, penumbfâ da consGiênda•. 0 instinto
qne cnbve JnHen, n rostintó de hipot:risia., nµn-ç~ é rªêiô11êil.. mâté' in'fatí-
\/'e l. ta·e.Le:que-Jnlten vai çl~vcr todos. o~ ~~4~ ttjµi;l f0$,.

O QJ;l.Çb na tJpoia tonstit'ãi .0 primeir,o ,I ilomenw da as<:ese subterrânea·,


.o da gratuídatle à&solgt?<. fafâ grat}.Iida·qe é aliás intép~rável dá piópric!.
noção de asces.e, A reconquista de Ma--rhi'lde co·nst-il:ut .ç 'se_gµndo mo-
fft~(l(O ,ó d<! fettomp.ensa. Percebet· a ·identidade cJ.as duas-· condlrtas. é
co.ló:tat {).- p.rcibféma da asçt:S~ ,Pat.(l o de~ejçn~rn t.oda a .SJ.Ia. mnpÜtudt. A
reconquista de· Mafhilde :no~ prrova q\:l.e essa asoe·se· i1âo ç.o bstitüi Un.1a
absf!rdQ ·mperpost.o a(l) ali>.surd:o inicial e fund.-amental do des€'jo meta:ff-
s'jt;d. A reiJ,úncja pata o desêjo .é pefleitçl,r:h~t.ê Jti,-stific.a.da. be f.àto 1 oa
mediação interna, -é o.. cl~ejq do'. m~tJ,i:ador-rtvr1L QtJe :sep'arà g ~.u:Je.fto do
oÜj'eto·. Mã.s ·o, desejo des-se mediador é" ,.ele próprio c:opi:ad.0 do desej0
do S(ljitito. A ~sêésc: parQ Q de~jQ cl'.e5éói::ôraja a imitaçXq; só elâ pode1
1

assim; abrl.1' caminho i;um_o ao c;5l,jetçr.

Da m4;;$1'.lla forma que o m-ístie.o se afastá do mund0,. vol.tando.;lhe as


eos.tas, a fi.m ·dt qué' Deus se volt.e para ele: e lh~ Ea.~a .ci· dofu .dê sua
graça, Julien afasta"se de- Matbild~ vp:lra-n-d9-lhe a-s Có~taS., a _fim de q:U!;':
Mathilde s,é volte p-ara ele e ta(;ia dei~ ,o objeto de seu próprio clesejo.

1,8_3
CA:PÍTl:JLD 7. - C'l ASCliSE J')'() R'E-RvU
No context.o trian~lar, a ascese para o desej'o ~ t~ô le&ítima e ~cun.da
quànto a as,çese '" vertical no· âmbito da visão religiosa . A canaJogiê1,.entr~
a transcehd'ênâa d€'.sviada e a transcendência vertical é mais com_pkta
ainda d.G que supú'nbanl'OS.

DosJoievski, como Ste.ndhal,.enfatíza·constantemente ess;j analo~ia entre


as doas transçendê.ncias. Ddfgoruky, 0 herói de O Adolestejtte, pm(ica lITTl
ascet1smo qàe rem certa semelhança com 0 de JuHen . Dolgaru~y, como
Julien, t'ern Já sua '''ideia'<, gJ.Ier dizer, seu modelo. rellgiosamente imJ:rado.
Esse modelo não é mais Napoleãõr o couquistador, mas- Rothschild o
milionári0 , ·o olgorukv EJUe..,r .ganhar seu din~dró l~vandô uma existência·
de económ.ias heroicas. Depois disso, ele renunqará à: sua fortuu"a para
me5st..rar aós Outros a ,imerisidã0 de s.eo desprezo. Ele se prepatil para a
existência austera <'{Ue o aguarda jpgando pela janela as refeições que lhe
traz.uma-criada dedicada. D1,t.rar1te mãis-de U.fTl roês· ele se altmenta·de pão
e água, amaldiç0ando essa velha crtada tfut ''.quê'( s~u bem".

E.s ta-mos btm peI:.to <lo bra~. na tipoia· de Julien. E ÇJJ,fa1idd o érránte
tvlakar natra: ~ vida: de privações que Jevarri o~ santos eremitas no ,de!>et-
to, Dolgomky, esse mesm_o Dõlgoruky que jogçt su~s sopas pela-janela·,
condena em alto e boro som um modo :de vida '"i'hútil par.a a sociedade''',
Incapaz de captar a inquietante analogia ·entre a a-s éese religiosa e seu
pr6·"1'.5ri'o tômporta.nie.nto, ele s~ pr,onuncia perernptoria;menté sobre a
questão da vida. monástic~. e:nquânto homem modem.o e lúcido, enquan'to.
homem que sabe .que "dois e dois %ó qüatro". O raci.00aLsta não qu.e r
notar a estru.tura metafísica do desejo; ele se contenta c·om explicações
irri-~á.nat feêorre .ao "bom senso'' e à· "psicqlogia/1_ Sua segurança não·
fi.ç-a hem um pouço diminuída pelo fato de de próP,rio pratica·r, mais ou
menos COI;1_scientéme~1te, a ~:;cê.si'; kara o desejo. Jncapaz de se analisa;t
e arrastado por sea ·0rgal}10, ele àplica instintiv;i.merite os preceitos da
rrtís'tíca sübterrânea, sempr.e anál9gos e jnverso.s: àos princípios da m.ís-·
tita cristã: "Não peçais e vos será dado; não procureis e encootrare.is;

1!~4
~\E$ lTIRA. R,O MÁ NT l C A E. VE RUAD. E RO MA NES C.~
não batais e vos ser.á, aberto:111 À medida que o .homem se afast-i;1 d ~ Deus,
diz~J'):os Dostoievskf, de s~ ç1h.1ri:dâ no rrradonal, p:rimeiro em nome da
razão e depois em seu próprio no~e .
A ambigwdade d!2> padre, em Stendbal, -esta ligada às duas direções que
pode tomar a renúncia. A mais profunda .hipocrisia só se distingue da
virtúde por seus· frutos ernrenenadbs. O tontrãste ~ntre um hom e LLm
màú padre é toti).! .p orém sutil.Julien confundirá por muito.tempo o aba-
de P'írard colJl_· os rr'íalandros que .o oercarn.

Para.Nietzsche, que aflrmava dever tanto a Stendhal no êampo da psico-


1ogiq, é o c;oldad0 que fica o menos exposto ao rn:ssenti'm~nto , e .o pàdre
que o fica mais. No u:nivérsô do -Vérmdho, que é Q da violênda legítima,
as p·a ixões v.iolentas estão desencadeadas. No un'iverso d.Q Ne_gro, pel0
contrário, çis paixõ.e-s se escondem. O padre desfruta aí de uma Vanta-
gei;n inconrestável já que dominar fous desejos faz parte de sua rptina.
EJ-e possui um controle s-obte si mesmo tão fatal no mal qiranto pode
ser sober:ano no. bem. Stendhal julga signi:fi.cativo o papel d.a Iwéja sob
a Restauração pófque eI~ percebe as exigências. a-scéticas· da med:iação
interna. A ação subterrânea: da Congreg.açâo detiva dessa mediação . A
vQ.c ªç~o '"religios-a'°' de Julien não se exp.li.Ç;a inteiram·e-ritc: pdo opp(tu-
nismo. Ela já se i~ere nesta religião pelo avesso que se implanta nô
universo do. Negro·

Lon_ge de de-sencorajar toda e qualquer comparnçã-o.com Dostoievski, Q


:antklericalismo de Stendhal express·a, ,a ~ mod0 1 wna ideia essencial-
mente dostoievsk,ana: a analogia entre·as duas transcendências. Ess.e an-
1' titfericali_s·rno não tem nada a-ver com .o de Ra:b.da_
is ou de Voltaire. Não
são os abusos·de wn clérigo farrista e medieval que 0 romancista denur1-
cia. Muito pelo eo.ntrário. A hipocrisia. r eligiõsa dissimula a mediaçã0
dupla, Stendhal se entregou com frequência ao prazer çle escaridqli_zar..

· cf..MT,VD:7

185
CAP(nn.O 7 - q AS.CESE D Ó HERÓI
·mas ele nunca ê!)nÍUn_di'a vetd~a:deir~nJên,te :a Jgr~j.a1 ne-m o 'Cristianismo,.
com as ·cari.c,:aturas de qtJ½ .se valJam os IJ:!éÍb_s reàciQnários ·dã Restaõ:rá--
.Çãb. É irrrpô.r:faFJtt não e-s.q uecer que na..sedecfad~ .de 5te}}dhal, a lgreJa
,está: "na r.rrodª\ nt1, ·ele bosroiev-ski, d~ ·d~ixou de estar.
No unive·r so doswrev:sk19 no ,. ~ tfansee1;1éiência de~viada n~o se es.conde
rtl~is .attás d;;.i'eligião. t .o ntudo ,. oã~· vamos achar que .as· (lefs·6nag.en$,
de Os E>emôliiós n'!JS n'iostriím ~u_a verdadei.r,a cara ao se tornarem ate'ias~
Os Poss:es-sos não são ma(s atens do qu_e os dévtltQ.s stendha.Li'ati_os s.ão
çre:ntes. É·sempnntm função do ádio que as víti.Il).ã_S.q.9 desej.9 rri~tatísí(;9
adotam ·suas ideias pol(ticas, fHosófi.cas :e reli~osas. O pe1'lsamen1,o nãp
passa. de· mna .anna p~:i;:a as çôosct~htia:~ áfro.ntacfos. Ao .q ue parece, eII$
j;rmais teve, hnta importância:. Na realidade., si·1t1pfestnê!).té já ·não tm-
porta m~~.l;\tá t.õtalmenfo submeti.do à cpnc:01;-rênda, meraffsica.
à aseese para, o ..desejo- é' uma co_n seql(,~ciâ \né.vitây<::l de deséjo trlan·
~ lar. Ela re·a,pa;rece-~ pois., em todos os ron1,a:ndstas des'S~ cfr;.s(tj9.. Já.êstâ
pre,s_etite em ·Ciztv;mtes,, Úóm Qui.;;(;.Ot~ Jaz ~ua penitência ·amor:osa,, a
e~em,plo de Amadk A.pesar d.e· nã,ô tet' móti?:O:s patf;l :r~pii@-er.1der Úúkl-
néi~L se· des.p.oja das veste5 e se precipita s0.bre QS rochedos póntiagudo.~
da ,setr<1. Cp):'í]ó=sem_pre, a.:far5a carregada esconde ·uma; ideia pr:ofuncl~
Ô narrador J)fOlJStiano tarnbé,rti prátk.a á a_steSe p4,r:a 'O, de_sejQ em suas
rda.çües com Gilbe<Tte. Resiste à Hmtação 4~ ~~~rever, fa.z de tudsJ pçini
çfomimir sµa, p:ç.j,.,~ã,o,

Accmsdênóia infe-frz de Heg:el :e o. pJoj,etõ ~_ attria:rro de $et D.eus são· o


frut o: .de Lrctm or:.ientaçâo te-im0sa. em direção. ·ao al<fo:r, de ctn:)a ineapâ-
ci gacle de abant{oqat os, modos religj'o.s os do des.ejo q:aando estes~ \;:·
til êrap-as$ados pela h.1stória. T~mb.ém a é'Qnsci~nti~ fom<1-n..esca é lnfelb::
porque sua necesslclade de rranscendêncla cSobrev'ive 'à f6 c~tã. Mas -~ ·
sem~lhança:s: p~tax:11 por aL Aos. olhos do ,bmancista, 0. homem .made"!'oel
não sofrç, poi;q-µe se teç:i._1~.c1 ·a tpm~r uma c;·onsti~~ia pler1a e íiaté$f'.i de
·Süa autonomia, d e sofre porq_ue.essa consciência, _r,eal ou .ílusóh'c!, 1he ~

18'6
MENTI 11.,A Rb &iÃ'. Níl C Ã E VE1H)A}1E 'Ql)_Ml.\l\/ $SC.1'
imoJer-áireL A nec-e:ssfdad_e de.- transçenJ:lên_dà: proQitá satisfaigr-se nó
aquém e arrasta o herói em tode tip.o de Jovcu.ras,. $t~dhàl t Prçu~t,. por
dés~r<mtes, ~fUG sej,am.1 se ·separam nesse- ponto dc> Heg!;'l ·e Sartre pàr'à
s<;- Unirem a. Cêrvan~s: e Oostbievski. Ô filósofo prnmetei.co não v~ ·na
religiâ9: tristã 5i=l)ão um huma.r.llsmo· c1,_in.d ª ·n11.iít.0 tfrnido paras.e afirmar
plenan:i.ente. () :rolJ.lai}t_i~tª, se)a ·êh~ ,<:,i~t?o q,u ·n~o·, vê tió · pretenso· hu-
manismo rnodern-o urna m-et-afrs(ca sl.fbtezyán·ea 1 incap·à z dê r~·c an.net:er
~ua. pr_ópt'ia natureza.

A e.'<:.i%_
ê-ncia :de .d issimulação pr-óp:ria da, me.cli:ação ,nt~n;i-a t~m
ç;ôt'JJectufr.Jci.as paiticularm.ente deploráveis 1io campo sexual. É sobre
·o. cbJpo dó., mediador QU<:,' it,cl.de o des.eJ.o. do sújéftd. A:ssim:, o m.~dia-
,.d@r iê @.dono' ab_splt:J.'to. d~sse objetd , ~b qual_; pt:Jde petm,itlr c.iti. 'têCt.is?tJ
:a p·o sse ao· salaar de seu ca·pr-ichb p·es.sna l. O ~e.nt)d~ des~e c_ a-prkho
não é' .dtfútil ·de prevér se tampouco esse media.a .ar é capaz 4~ .çles·e jar
espo~_tç1ne.ç1mente. Ba.s:ta. qú.e·o süjeit:o ·d_e ixt tra.nspare~er seu desej.o a~
possessão p.q.;ra qi_~~ 0 Illêthado.t setrn perdç1. de; t@.mp.Qçppit esse,des.eJo. ..
Ele des«jará ·l;-eM ~prq:Pri0. corp9; E.tn .t.)utrns 'jJ.álavtas, rf,e c.onteiifá .um
tal. ·v,alor que deS_aµrnpriar-se- d:eJe lhe' parecrrá esc"a,ncla.Jt5$Q. 1'.{esrno
'q ttc o: mediª.doí não· c:opcíe o d'e seJo do suj.e i to:1 de nãt:,, respo:r_iderf
-a es~e: de-sejo.
Com dei.t o·, a viítima, do mal 01'ito1ó~Jk:o se- despreza-
.ci'~mai;s par~ não· desprez:at .0 ser qqe .â deseja.No êc;!mp.ô sexual rant.o;
quanto em rodos O$ c).emais ·çai;np<:>s 1 a med.{a~ü" dupJ.;t exétu_i q,µalquer
·redprQcidade .e ntre 0 •F1f e 0 Üirfro.

-O :a;b:a:nq9n0 ao defejo- s.exãal tem se-mJ,re c.o nséquêr.rcias perigosas para·


o: ama::rite, o ql1al _nãó Qóde ~spêtãr ·l!traiT parêj .sl o:s deseJos da am<1 da
s:enão fíngrnclo- ind,fer~~,a:. F'o.rétl;l não· eons~ct.e- di:~sirnu.far .~eu d~sejô
s.e não riprimindo o impulso que o .empun -a p·at'a p 0otpo da arnad:a,.

[8.7

CAPÍrOLO , - 0 A'EC: ES.F: DO .HER!'J t


reprünindo~e m outr:as palavras, ttrdo quanto h á de reál e de concreto çõ
de·sej0 amoro~o.

Assim, a sexualidade tà111bérn t~TJl sua ascese ,par.a o· .deseJp. Mas .i, in-
tervenção ·da vontade na ativrd:ade erótica nunca esrá isenta de per.igos.
Em Julien Sórel, a ascese· par.a o· d es~jo é frato de uma livre espoJha. A
medida que· o medraçlp r ~e a.p rnx!ma, essa situaç,ã.o ,rai se modi{kanc.:l.9.
O controle da Gonsciênda pérde su:a efiéácia. A resistência ao de-scjo se
rorna. cada vez mais dol0rosa, mas. ela nãG dépénde mais da vQAtade.
Dilacerado entre dUçís for.ç~s- de st::ntido contrário , o suje.ito e5tâ ~ rnerçê
do fusdnin. Primeiro, por uma préôcupaçao tática, ele .ti nha recusad,o a
se éntre,mir ao desej,o 1 e agora, ·se· descobre íricâpaz ·de urna tal entrega.
O maravilhoso àutôcontrole do qual se orgulha o DonJuan mç,deroo
leva. direto ao fiasco st~1)dhaltanó. No.ssa literatura comemporâneé! é
toda ela um testemunho, mais ou menos conscienti;, da a·n.g ustiante pro -
x in;tJdade das dqis t~mas. Os conquistadores de André M alrarn<.1 .:.ão to-
do ~.assam prados pel.;t inipotê ni:iõ sexual. A ob ra d e Ernest H emingway
~rta mai-S: verfdica s:e o. Jake de O Sol tii1t_thénr se b,1anta3,, e m·vez de ser um
wutiladó d·e guerra,, c.onsttttússe simpl'esme nte a outra fcii.t des.s es sere'i
rnaraví lh.n~amente 8eumátit.os· ~ esplendidamente viris que a.drniran10s
nos outros romances.

Julieo Sorel, ô ,ç alt(llista . e Ôc'tave de MalivertJ o hérój impotente de


Arnumce4,. são,, sem dó.vida, LIIlla só e únicã, pessoa, A imerçliçâd que pésa
5()Qre o desejo só pode ser suspe nsa se o ser ~mado,, por uma razão
qualquer, fot ·tnc;apaz de vfr SQ_U amante e de s~ntír suas eprí.ciàs . D essa

1 Ver André Malr-a ux, Os couqilis!ad,ms.. Trad. Armindo Rodríg~e<;, L'!Sboa: Ediç'ãú !:i-
v.ros do lk asil. [ l 95°7}. c~.E.J .
1
Ver Erne~t F-lemi'ngwày, O So1 f,1mhé1p. se let(imta. T rod. Beí·eniée Xavier Rio de.JaneÜ"o-
Be"rtrand Bzasi l, 20.ú'l (N,E.)
• StendhaJ, Amtance ©U Al_qúmas ceiias de um sãl,10 pa·ri,ie1w· em 1~27•. São Paulo: Estação
Lib~dade., 1003 , (N.E)

18.8
MENT I RA ROMÂNT I CA E V!?RúAD E RO MA.NES'CA
man:éir.a,. o amamk [i)ão predsa mais reéear oferecer ao -ser amado: o es-
.p~táculô h4rrtilhanté d~ ~tu p_rá,'prio desejo. Júüen go~r:ía ·de -~ní"ciuilar
a .cqn~e,iêri~ia dé Mathlld~ qua·ndo esta :cai ÔriéJÚtfeht~ em. s(;~' bra~q~:
''.Se eu. pu.d%se cobrir de b-eijo:s estaS' faces. tão pálida,s e .qC:te eu nãq-o
6
sentlsse_st Eo.ç(;'lntram-se ras~os amllog:os nos r'ománcistas p.os-teriiores.
Q f\artador prqustia11_0,~pmen_te·e;çpedtnehta t.l!Tl 'i nstante dé prazérjtJ.htQ
de .Albertine -ado.-rmec-ida·. Entre os amantes dostoievsk-iano~) o ~ssassfníq
q'.u 0 .sup.funt o. G'ihaT da cmdhir .àmada ;~ a ·entfega, 1i riós1 não exatamente·
'Sên:l dete-sa; e sim S~hl ton.s~iên(ii'l., ~ uma p,érpél_ua tent:ação .O -suf~j.t_c)
ç.iesejante, mediante ur;n.q cQnti;adição rev.éladara, acab~ âestrumdô.<i:_sse
espírito ·que·tl~ n,ãb pode assiroila:r.

Uma b9a P,at~e do$ traço~ disti11úv,r)s éfo :~;;~tisi;nô dito }~qtforno. se en-
Gaürn s·em pro.blema:s 1 uma vez .que tivermos limpado, sua camada de
m·aWJ.' .iª~~ ro.mâ.nli~i:L, na .e!)1:n.itúr"a ttian.guhir do. des~jo. Er-otis-ruu es-
~enti'à.lrnell.te h)etap$:icO e CQ.í:ltempla:tiv.o, êJe fri:unfo tlô S~•çufp, XViJJ
na Urerarura lícç-nciosa e nos dTo~ clç ho,le no :drrnma. Ml).lrjpli;_ta inces-
S,dnte·TtJJ~nte·s~ús meios de sugesti0-.nament.o e vaJ se afundando inauoo
~ pquto 'ríô iI)iágirtár üJ purç;.. bG:pQis-d~ se t~r deti.iü,do c,;5mo qma exa}
taçãH da \(oma-d e, td~ ~{ no' ·onani_sm.o, ·Esta cl.en:adei.ra tendê·Qcia ~e
an,r ma ,cada \<ez mai"s abertamente em cer,tas obras do neorromantismo.
ccmreinpbrânêõ.

A sexua:Hdade e·a espelho q.9 ~x1stênda por intelr0,- e a: fasd n:aqão. está
em t.oda ~irr{e mas, nunE:a se fs:onfes·sa; ter1ta se :fà.z;er ·passar ura· por: um
''i:l'e~p_ren.âh:nentd', .ena ·pot\.!m é;nga;jamentó1'·. 0 ptlralfttco ?Us~,entii qi,11;
11

sua imal,Uidade é mua ,op~ifo. _s-½.na pr~ciso.· est0da'1. ; '<4'- obse~sões S:éXlli!i_s
de n0ss-a literat.ur:a ·o cmkmporâne-a,. Encontral'-se-ia· certamerate a· dupla
_(n~apad.dc1-.cl.e pç1,t.~ .a co,rnUJ,1h~~ ~ ptrP a .roJ.i:d.ão qµe caraçtêriz'à. t0.dà:s
~s ~tjv,il:j_ades çl.o· ·sujelttr dé_seJa.nte· no ~t~gi;O PW"0lfstitó .da· h1,eCÜa<;ã-o.
interna. Paralisado p.ei:o olha-r do :mediador:, 0 herói ,quer se esquiv:ar

5
Ü1iet1rreJ/;Q' ê:O rregro, p,191, OJ:>.Cit, ,{N:E;

1·89'
Ç.APlttjLC). t - O AS(E5~ DQ HÉ.R;ÓI
d.esse e_sse olhar. T oda sua ambição se limita, á partir de e-otão, a v-er sem
~er Yi'stO; temos aí o t.~ma dó ~oymr já: tão importante eni Proust e em
Dostoievski' e mais importante ainda n~ fkçã·o contemporânea chamada
,, ,,
nouveau roman .

O datrdismo está \]gado à grande questão da ascese para o desejQ. ( pois·r


natural que o dandismo ihter.eS;se a. Stendhal. Ele interessa também a
Baudelaire, ·mas a i.ntc.rp:retação do p9eta é mui.t0 djferente ·da do rn~
man.ci~ta. O poetâ Tt>.mân:tico faz do dandismo um \esquklb das époc:a 'i
aristocyátkas"; o rómanê~ta, pelo contrário. faz dele, um p_r:od.l ito do~
fempos m l:Jdemos. O dâncfi pertence inteir;mienre ao uniiverso do Negro .
É o trit;ínfo: da vaidade triste·sobre a vaidad~ aJegre- que lhe permite .ám-
hientar-se em Paris. Ô dândi v:em da lnglatena onde o desejo metafísico
é mais desenvolv-~db do· qu~ na franç.a, Trajado: todo de- p.rero ele riâo
lembrá em nada esses elegantes da monarqtiia absoluta que não hesita-
vam çm sé surpreee·nder, ém admirar, em. desejar e··.até ert1 gargalhar.

O dáncli se ddrne pela afetaçao. de frieza inçlifere-nte. Mas essa frieza.


não é a do estoico, é uma f.rieza calculada para. inffamar p dtseio, urna
frieza gué vive repe'tindo aos Outrosr "Eu me basw a m)rn mesmo:"· O
dândi :quer Levar os Oittros a· cop·iar o desejo que cle ~arante ex-perimcn ·
t'ar por si pi::óprio. Expõ.·e sua ·1ndifer~nç a í'los lugàre:s públtc0s co.m o
quem ~xpõe um íinã à limalha de ferro . Universaliza , ele industrializa o
ascetismo para o desejo . NãQ há nada menos arist0c-rátk:o. d.o que· es-sa
a.tividade; ela·desmascara a alma burgues_a d ç, ââ·odi. Esse Jv1efistófeles de
,càrtoJa gosla:riâ de s·er o 0apitali:sta do deseja.

Vamos., portanto, 1;eenco.n trar d:âodi , sób formas ligeiramente di-


0

ferentes , e.m todos os roma·ncistas :da mediaçã_o inte·ma. Stendhal.


P t ous.t .e o próprio l)ostoievski criaram dândis; QuandC> Ka_tmazinov

190
M~ NTlRA ROMÂNTICA F.. VP.RDADT:. Rü t-.fl\N!!.S CA
fh~ -pe.'rgúnta ~u~n1 é St'avi:qguine., V:erkhoyenskj lhe rnsp.o nde: "É um.a
·e,sµêêie .d:e DonjUqn. 11 S.tavr.ógu:ine é a ma.is m0nstruosat a mais:-satànka
encartH1Çâ:o do- çl:a:odismo tomçine'$'çô"' Dâ11d1 ~upr~J;l:lo e sú.prein.amen-
tç, feliz, pai:a sua grande infelicicfaq,e, Stav-rqgµj_n:e está pará alé-m d't;
qua!cruer deseJo. Não: s-e sabe !se ele deixou de des~jar porqu.e ·ós: O_uttoS
-o d.estjan'l ou: seos Outros, o desejam porq,ue ele deixou. de deseJa'r, Ha
.aí t.4-n cdrculo viéiçrs:o do ·qual 5tavrógpJne oão pode m.ahi :escapar;, Não
tendo.'n\é!(S, ttle:próp'riQ,. um m ~di'ador ,. rorna.,s.e o pQlo rna.~né'tito do
ch:sejo e d:o 6d19:.: Todas ás pers-o.i:i:age'Q.S çl_e- ()s,flern6tii'o s. -sã:9 ·?eJts ©$ct.a-
vos; gravitam im:ansav":elrnenre a sua volta; existem µnJéai;i:rente: para
ele<t:: p.e-nsam ~óiL~ame.nte por. ele,

,M.as é 'St'êfytoguine,, ~eu nome Já Q d·i·z ~qµem çàrr~ga ;i .c:r'u;z mais. pc-
sad.a. Dosm,ev-ski qu-er n:os l'líé>$tta'f em que pode: ~ó.os't's tir q "~tJêes.scl
du empre.e:mdimento meEafísico , Stavrogu1ne êjoverJJ:, belo, rico, forte,
~nteligen{é e-nobre. Nã0 é ·porque Dnstoi'evski tem por s11a· p-ersona-
.g~fr,J. i.:una s1ropatia ~;eç-r:era, ·como o snge-rem tantos críücw-s ".ao. p:ar de-
tudo'', que t'J'e t> dota d~ dons tão q.ívcrm·s..S'tavroguln~ i i.us(ra um ·cã:s_o
fo6rko-, He tem ,qtt~ <Zôncentrar ~ohrc stpa pes,so·á tàtlã;; as c;on.di·çõ~s
do suçesse metafísir,;0 para que a "1ut a do .a m9 e ;do ~ cravo" tér_m ine
-s..empre ·em seu favor, Stav.roguine nà'o pre.cis,a estender <1: ma.o pai;a
cecebe,r. É ate P.o r niliwa. izst~n.cler a rn.ê,.o que to.dos o_s homens; todas
a%muJ.heres 1 ca:êni a séus pfs ·e se (;'.Il:tregllm a eJe. Víiima. ,dá .acéd.iti,,
Stavroguinr em: pou~o t~Qlpô tka: ro:j~itõ aos mais hórrfveü, cápr:ichos
e at:.aha the~du ao-suiddio.

O prÍl1Cipé Mishl9:n ~tá nti-outra ·eitrtmtdad~ :dp -éscada ,dostoievskia:na


~-es~e hetóf .éf~sempênha, c:m ;seµ. únrvers(:) rQm,pnes_cQ 1. mas por razõ~s
opostas, um pap.e-:1UQ1 pouto semeihantct ap de Stavrogµihe qo se)J. O
prím:ipe. nâb é desprovido de desejus, mas seus sGnhos p;p.ss-am !nlJ.nrta;-
1

m.é'ctt~ ac'irrüi das demais p{ffso nagens de O: Idioti:i. Ele é 0 homem .e0m o
deseJó, Qlctis lbng.ín-q_uo nõ. unNeyso cio .d~s-~jQ mais. próximoº p-onfo ·oo
19 1

(AffTUL(l ,i - ú ,AS(E'b.E ~) D 1--f çj ·(.jj


de vi~ta dos .s~res que o ródeiam é exatamente como se ele nao dese-
jasse. Ele não se deixã aprisionar nos triângulos dos outrns. A inveja,
o ·çiúrpe e as rivalidades. _ab'tihdàm em sua volta. mas de não, sofre saa
contaminação . Não ê indiferente, longe disso 1 mas sua carlda~e e sua
piedade .não ámarram corno. amarraria 0 desej.o. Ele nW1ca oferece ó
res·paÍdO" de sua vaidade às demais personagens· que vivem tropeçando
á s~u redQr.. É ~ssim que de -se toma urn _pouco respónsávd pela morte
do general [volguine, ~ois de deixá o infeliz esp:e tar-sf em soas prâ_prias
mentiras. Por amor-própr'io , 1..1,m L~bedeff teria tnterr.mnpido o generaL
ele Lhe teria ofe.recido,1 ao colocar .em dúvidá sua p4.]â,vra 1 urna via de
escap~ pela i ndignaçã_o,.

Mishkin .mão Elâ aberr).Ira nem ao orgulhq .nem ~ :vergonha; sua ind1fe-
renç_a sublíme s.ó pode irritar os desejo.s. vaidosos que se en.t reçmzarr.
à :sua ·v:bl\ã. Sua ren(mcia verídka 'tem as mesmas c;onsequêncías que
a renúncia fals_a do d.ândi. Cor:p.p S.tavroguini::, Mishkin magnetiza os
desejo,s desocupados, Ele fasc irta todas as personagens d e O ldiofa , Os
jóvens ''normaJs," hesitam diante -dele entre .dois juíz.o.s contradltór.ios,
Eles se pergui:it.arn se o-prínéipe é .um imbecil 0u um tático c0osu_rnado
um dândi de uma espécie súperlót,

O triunfo do IJ1al é. tão compieto no universo dostoievskiano,. que a


humildade de um .Mish~in, seu e's forço a.dmü·;ível de trans:Rgurat; pd c
amor a existência do próxiQ).o ~~o os mesmos frutos venenos0s. que a
s~çara atrõz do orgulho. Compreende-5e porque o prínçip,é e Stavro-
guine têm o mesmo ponto de p_artída 110s :rascunhos d o romaocista.
Essa órigem comum .não prova que Dostoievski ·hestta entre o diabo e
o bom Deµs. Êl.a nos espanta p0rque 1 sob a inJ:)u:êncja dp rorrrnnttsmo ,
atribuímos impóttâ-nci~ ex:c.essiva ao berói indjvidual. A preocupaçãô
básica do romancfsta não 'é a c_ri4ção dé p~rsqnagens, é a revelação do·
de~ejo m.etafísi.co.

192
~EN TIRA ROMÂNTICA J VE'RD,A..DE ROMANfüí C A
O s.ujeiro: desejante abra~,a -t:ãó_sqm~nfc:; o: V.élZÍQ q_
mmdo se ar,>odera do
objeto. 'No fim das contas, o: amp ·permarr~t é t~o afastado d.e ~ua mera
quanto 'º escravo. Ao simular e a.o dissimufa-r O' 'des~q, e.le: C9n~é"g1,1~
tlíti_ilr ~ vonfadli: -o·d.esejo ,do Outr.o. Ek pe:Jssui o objeto, fl:).a~-(';~se 'opJe.-
tO p.erq.e tp-do o valqr ~e:ÍO-pr:óprio rato d!;! -se deixar pos suir. Math{ld~
conquistada J.qgo: :de'ixà de ·totéré$'~ at à Jufa.e;n. O narr:ador pmushano
qu:er se desfazer de Albei;tim:- -a:ssim -que ã imagl1Ja· netLizaveta: 'Ni.-
c0Ja.~vna $Ó p-r:ecisa: se en.treg13r .a Stavrog:u.w e para:. ·q u_e ~st~ lhe d.é- i-\S
çÇJs;ta~. Ú ,esçr,avo é imediatamente -anexadO' -ao: TCÍt),O do banaj ét..t/~õ
ãpio é, o C~r\trQ. C~da ve--z: qu~ o amo rec01n.:eça a desejar e se ·p0e a
can,i:nho fl.lJI\O ao obj~to., d-~<lcr~dtt~ ~s-tar clti>eando essa prisão mas ,.a
está levando c0nsigo., coroo: um sat1to sua: a:uréok Assiro, o amo pros,-
s~gt1ê ín.d eh.nid-amente ma.. 'íombria exp[01'cl~ãq .da ie:alida:de, tal cp[Jl.Q
g:qi cJenti's~~: ~0si.tJvist'a_que espera,afoarrçar 0 oonhed.QJ€lítO ~qpre_rno
esgotando Q d_etalhe.
O .am.o está: Fadc1do à des_ilttsã.o.é :a0 tédio . Ao ouvi-Jo, podêr-st:-ia ac;r,e"
di~r: qué dé re<c:onhe:c~ o ahsu:rdo do .desejo .Q1~tafísiczo._Ponfrn dê 1,tãQ
renuncioµ a todpS: .o-s desej,os,,-Só rent1nci·0.u aos aesej9s :a -respeito dós
qüais a:exp·e nê:rte::í:a ·prov,a que e!~ ,dec~peionam sua expectativa. Renµn;-
qiou aos,.des~fos-fácêJs e: âb'.s ~~e.s qu_,_e: $é entregam sém se defender~ Do-
ravante, somente ·.a arxieaça, o~r milhar, c1- promess,a de lima resistêoêia
viJorios:a ·o a,fa:ál. Üenis de Rm~gemon t_, ~m 'O Ambr e. o Odqente ,. pera;beu
e:s~a fat~li.cli?.de da paixã0 r:.omântica:: '·t preciso recrr.a:t o_bst&culo.,s J'.>âr'a
pq4er d~:$éjar hóvarqeJ1tt e pará:€naltec.er esse desejo até' as proporções
de uma pai.~~o.cçrnS'cí~nt~. intensa, lninúilê!mtp.te 'i'ntert ss-ante:n

O amo riãu se curou, -e sim se tornpu b/as{ Seu cinlwió é o c:onti:-á.rio dã.
s~bedoria V::t rda_de;ir:a. Ele tem que passar cada vez mai? pertq dà ésçrayf-
d~o ·para livtat-sê d.~ se,(i, tédio:- El~ Sf::·parece tom o c0.rr-ed0r que açd~
un, poue;o QJai.s sua cttáqtíinii :~ cãcfo v.olta d<l p_is-ta. e '.que certamente vai
aeahar cap.o.tando,

(.-93,

GAefru1 0-; - Q ASCESE QO" HE ~óf


1
.Q Na·p,olé'-ão, de 'foist.01\ ilustr:a.-essa marcha mm01à e~(,_"(avü:Jão púr Vlg.
do maior domínio. Com.ó todo l_)utgüês-, Napokãe é um p;amenu ·que
deve seu sucesso ao instil;ftb ~dtfoo d.à: rti'.êdiaçã_o l_nf~'iip. Co.m.o todo·
bu:rgu~s. tonfo,ndjo. esse instinto a:s.cético eon, o: ir;rtperativ.Q Çat~góri~O
d-e -~ rn:~tal absolutarn.en.te desliíte-resS:a da. 'Mas, em rnek> ·aq tnunfo 1
Napoleaa dcs:cobre qu~ nada esta mup.ap.o nde ·i;: i:;:-ss,a disc.oberlq o de 0

sespera_ELt!- qüe-r capturar na o-l.har do ou'tre mil reflexo des·sa divind:ad·é


q4~ aifld.a es·c apa çléle. Êk quer s.e r ,i:I'riperat:l:or de "direito d.ív.trro:',. 'QTO·
0lamar sua: vootade· u,'lii-e; orbi'.. c:-Ki$ir ob°tÚt'êI}c.:.ia ·do urHverso i.nteiro·. O
a.mo procura o 0bjet--o- .QHÇ resistirá ·a eJe. Sta.vtúgufrté· nà(:) Q ·encontrâ.
NilpO leãb: á,cab~ encb,1itr::and.0°0. O:s Nap0'.fe0e-s sã0 muit o Il;leflOS rar·o~
que ·o s Stav:rogµi.rres·DP ún)\!~r$:\:'.i tl11 m~.dl·l;l~âsi 1..nteJ'T:(a. Nã.o é wm .d 5tino
,cegç.r que assedia a arnJJ1doso, f a diaJétlca -dp OIJ{t:iU,o g ·d a \rfrgonba
qt.Je pro.ssê~e '.implacavelmente no auge das k0'flr.aria.s (J buràto d9
nada ~énipte Sé t~va na_ aJtrlâ d.Owa.n d.i! hó:rner::n.

À .dialética romanes.ca- dQ; a.rn'<':> ~ do: escr:r,10 esdarece a co.n.é:êpção to1s•


tpiàna cfo hist0riá. Nápoleão c0ndena-se a, si próprio, pois, r;m u:niverso ,
da meçffação inte:t'Oíi;, :sµ ~-e t~h,1 esc({lha entre .0 domínio:estéril d-o dâmÜ'
.é a :escravidão mais abjeta. (saja_h Be,il_fu, em_seµ brí:lhç1'ot'e ensai·o T.fiec
1%dgç_po_q ctnd tl:ie Fox.,, mostra, que n:ão há, em T olst-0i, um d'e tetmiflfSlJ.ló
bistôticb, r:tà s-enttdcJ habJtuãl do tetmo. O pcss.imism.o do ro.mctncista.
não se ap01a· nem .s9:b,rê Ltnia tacltia J_ne:xorá'.vei d~ ciatJsa.s ~· d(,'. efoitos1
11
n.(}m ~obre- ütíia c0ntep.çã'o dogmática eh 'lilatu.rezcJ h~tmanã", n@m sobre
qu.aJq9er outrô dado =dir~tame(lte ace~sfvel :à ,in\léstiga-çãa do 'h1s-ua:riador
e do sociól.ogn. =<Cpt:Qd todp (:.lhj.etó de.sejad9_, a histôfia ê úui '\mJe de
1
fügà' • Ela desfaz com a mesma fadlidade as çôo_fectür.ãs. d0 homem dê
ciçncia ~ o,s cákclós do _honiem dé G.Ç]o que p.errsa .tê-la; dom;e~tiç!J.q.o.
No nrriver_so, d.a méd_ia~ão intern.~ ó êle·sej:o ~~$~onipotente, comG o
cfoséJ-ó·de ser anis.ciente, contêm em si mesrno ps germes :çlê :seu. fraçá!fS'.Q.

19.4;
NIENl:IR.~ R0.'-1 À11'!<·rn: A Ê ·v~iJiD.E ROMAfÇES C A,
O desejo pe;-dé seu óbjetQ _nq mesmo momento em que ele pensa tê-lo
a_garrade>, p0is 1 a-0 se tor11ar visívél, gera ~s· desej'os :rivais que constitui -
rão. obstáculos. São os Outros que 'fr:eiam a atividade do indivíduo. e esse
fr~'i(i ·$era tan.to mais eficaz quanto·a ativ\dade for fà<1-ls espetaculãr. Ora.
é s~pre .e.i;n direç~o. ao espetáculo supremo da potência ab~oluta que o
amo,, d~ desejo em desejo, é in.exoravelme-Rte ,atraído. Assim,, ele ruma
&empre para sua própria destmiçã9.

No lmivers0 da mediação dupla, todos os sucess~,s estrondosos estão


lrgados à tndifererr~a,, verídka 01-1 ~i:muJada, É a ütdíferença que permite
a Sorel pai levar vanta~ern sobre o sr. de Rênal; é ·a ío:d\feren<ia que-
garantê ó triunfo da Sanc:;everina na corte de Parma~ o cfo sr. LéJJWen
na Câmara dos deputados. Todo '0 segredo está em lazer.da indjferehça
um es_petáculo sem revelar essa titica. de representação. A política do
banqueu:o brn Lude-n Leuwen pnderia ·se' detjhir comó um d!,1.ndismó· par-
larúent,ar.,. E a vitória de Kutaz0v, em Guerra e Paz, poderia se definir
como um dandi~o c:stra.tégico. Em face de Napofeão ·e em: face dos
jove ns ofk.iais cfo e~rcito tus·s o que deSç:jam par demais. a vitórja para
nbtê- la, ,0v.e lha genera:l e_ne:àrna men0.s o -gêni o rnilitar qu@ um domín'io
superior sobre si mesmo.

A ·ascese páTa o desêJo é ,lgualm0nt.e e"'emp1ificad.a na dqra de Balzac,.


mas- ·o jogo metafís_ico nã0. transcorre com o mesmo r igor geom:étrico
-gue .em Stendhal, P~oust ou D.os.t_oiev.ski, Certos h eróis balza({uianm
triunfam sobre todos os obstácuJos pela .co_ragem bruta e uma atividade
qu<:- ag~ princi-palnie.nte sobre o mundo ,exterior Não ~à.o moin.hos de
v~tí'to qúe .derrubam os h eróis, ,s ão os he-rÓ'is que derrubam. os moinhm,
.d.€ vento. As le~ do. deséjo triangular nem sempre permitem uma Joter-
pretação da. carreira desses anibitiósos ba:lza.q1,.1ía)1Q~..

195
CAPIT U LO 7' - ( ) >\~CF-~ DO H !:'.R(j1
I1ep.Qis de· h:ave_F tomado de assalto us objetos, de ·S"eü c).eJfj9. es_sa$ pet-
s()ng.geh~â'.é inst~il-a111 num. real e dura;d.o,lir.o ·-,gozo. Rastigna0 está peJfà-
taJ;nente· f~liz em ~etl .QJl'larç:>te p_'()s l'talieris'\ O õlh:ar. q·ue 1he lànçarn
os espectadores da pJatefa ç o olhal" que l:;l~ lança a sí próprio tiâô se
dLc;:tinguern. Ess.a teUc;idade é aquela com que, sonha o ·dândi ou o 'ho-
tne;m de negados burgu~s. No urüvc;.rsõ '11~ mçtlja910 iotim:i.a -cada qual
sonha, acionando simul fanearnent<: o.l:?9.m be,.c1,g;1.e:IJt9~do ~'e's~Jo, côi;n sua
:aP.osetftadm.iá n'ão fora do .mundo e, sim num mundo. defin:itiVaII1ente
t"ô'D,qJ.tJstado, çm'l murrdo ~oss.uído ·e ai.JJd~ de$êj,ável. O des-tin:o· de Ras:...
ti g_n ac nâo· ,ev.½laL'e,1~ r-efl.eté o êl~sejo. h1'eta-fí_si'c:õ.

B,a lz:aç ê Q poeta.épiêo ·tlo deseJ0, burguês e sua o.bra permanece ímpregr
Jiada de :desejõ. Os. vítQp~rtõs·oa1z,aquianp:s cdnt'tá a soê.leda:dt:moderna
têm a· am:bi.guidade de certa%çle1:rtín.t ja}·ço.nt:e:QJ.pótân~à~, à d0. pr'íni~rrd
Dos Pas-sos, p0r exemp:Ío, filas estãu semµre- entremeadas .q.e verti.g.eli':L
A inçlignJçã,õ. ~.u.as·e ·niio. s.e difofencJa da cdmplªtênüa.

Há,. ütn Balzac, m:uiitas Í-I'ltuiçpe·s paràlelas :às. do.s :rnmarréista$ :q ue estu-
é(arnQs. ~ste livro. Contudo,-a.s lei's do. dese]o trian:gular nã'.o estã.0 todas 1

pi;'es~ntes.; [i~m sempre estão pre~n:r~.,. A r~de qul:: apristona ó sujei-


to desejante está cheia p.~ rasgos ppr ,9nde se esguçt($m, é'<;:im o,astante
fréqa~nçja, o próprio -âutor O'l:1 s.eus procu:radores.. Nos r0ma::ncjstas çl.e
nossggrupo, âs .lT@lha.~ são t~Q :.ap~rta.J:a&, o i:'.ntrtlqçád:b tã0 '5.ó'lido que
ninguém consegue escapar das let.s i_ 11e.~orá:vels cfo: ~::lésejb. ~em ~scçipar
deste des:ejo em si.

Na medh~çãó duplã, c:_çlmo _Já dlss~môs, Q comrole re.oomp<Ntsa s.ernpre


quem entre doiS: parceir,rs :r;ndhor e_sCd1Jdê seu· dt-sej'9. A estrc!té'~.ta

;r. Ver HanórE de ·Bàlzac. O PãFÇáría"t. Sã'ó Pãuio, Marrtl n ·d.tt~t. :ZÇIQ4-., (NJ:.)

t96 ,

1-fENTl Jl-)I. R:ÓM,\NTIC A l: VERDAQ·E R.0 /v1A~8SC.A


rnür(d.ah_'a e am~J"b?a 'r)o un.i.vel'S'ô p'ro.u.s.tiaIJo ést.ã s.e mpre em eoon'f0rmi-
1tlade com essa leL Só. a, in·diferença po((e. ab'r_i~ .para ,o esn0b.ê ª;s p0tt-ªs
dé um salão:: ''As 1tessoas· nmmdanas eblào de tal mndo aco-stumapeis a
~e à:S· protur~m que qu@J lhes foge p.areçe-fües úma -fêrrix.l!"·
A ascese _para 0 desf}jo: ê umc:i exi_gê-ne::ja Ul)ivers~l nos tômaiiç~ da me-
_éJ.i.açij_Q:i_n(ér,na. Lcm~ de .reduz.i.r--o s hel'Óis.a um m0:d~le únlço, es~a }~í,,
por exempl~; permite definir éêr:tas,d'ifere·nçãs ~nlre ]Ltlie-n SoreLe o n.ar-
rado.r p.r:o.u-stiano. Marcel 'e:St.á co,"ryCÍet)apo à e_scravídã.d., pçús .é i:l)çâpaz
dé levar í:l .ç.aho a prívaçâ0 pa,ra o desejo:

.J.. m.aneífa d.é~·ástrosa com0 t": construíçl9 o uni?erso psicQp,no!ó&ico


exi'~ê, porém, quê o ato désaj'~ita~0, o ato ,qµe CÍJ.JJ1J)rjtia evi~r ';;Jcima
d,~ t),li;)9, s~ja pr:eci~amente aqué)-e que ... Dó'S-, ct~sembai;.a~a 1nofTfentan~-
a'rriei'tte â_o sntrimi::'ntó int0fe.rável, ... ·quapd0 0 sof.rimerrro é mufro forte,
nós nos ptecí:pítàm'çis o_;i: inabilidad~· qu_
ê c_onsist<: l';TU esçrever, eJIJ ro_p..r
por i'nterméd.i-o dePUtrem, ém ;\, \ler, érh. rro\iar que na.o .t,ioêlem.os pass_á r
~ - a mulher a_mada,?

Jv1~i:ceJ :ce,de -a todas as tentaçõe.$-que Julit~n venée. E4-iste, s-1m,. üm µer-


·dedor Gm 0 Ve.rm:elho·eli1' .Nq;ro m.qs n}iE5 fJµl,iey;i, ,é Mathild~. Exist~m, $im.
v.e..nc.edo'res em Em JJúse:a d.a Tem.p·0 ;perdido mas· nunca :sãe t\.1are;et Swafin
.ou Cbarl~s, sã·<;> Gilbetté., AJbert.ine, Od~Jte .é More-1. Uma com.p,wa 4

çã:Gmecânica ·entre os· heróis stec1;rdhá.Üã_m1s e os h_erc5'i_s prous'ti'anós .não


revei~~ ja,maiS <! Unidade do desejo rnetafis.k o e o: e-s neiw P.a:t~f\teSGQ
.en_tr~ b,S dp.is .(l;i'n'rartdsta-s. poi$ os. heróis pri:nçipai:s. da.s dü'as-obras-repre-
·semam os momentos: qposJ~-s d:e üma m_
êsma; tli~létjça,
As rers do .d&sejo são· universaisi mas não acarretam a uRiformidad.e d~s
optas ~oma.rJestaS, m_~·srtro nq};- pql;ft.os precisos d~ .~u.a aphc·a ~âo. É a lei

.s o ta111i11h.6 ae G.errl1án.fes (v.j),p.3.40, éfQ,Cft. (N , E:,)'


,,., PRO\!Sí.,./2...fu_gitiva (Y, 6), p.43 CNJ:;)

'l9,7

C'A P:Í.'nilÇ). 7 ~ O' ASºt ~·ô.O H.U ól


~-div~rs-idade. e a wrna".imel.igível. Jvllft~S'ore] ~ uni ~e.rõr.,arno.
Ál-l~ fundp
Marc:el é urp h.ér.ól-escravo .. A bcrri.dade romanesca a.p~ret~ unic_am~r) 0

te se pàt~ff(lõ:s. ç(~ tomar a ptrso.na~r.,n - 0 sacro.ssaato. in~ivíduQ - -


por LlTl1a 'eyitida:de ·perfeúiimente. a.utôf.loma -~ $é Jevantarm0s. as leis -C!fos
relacionffmenfos entre t'<:f4a-s ·a5: petsqryag_ens.

Ern :O Ve;;,me}hc;i e o Negro·é ·q_uase sempre o ·olhar de Utl;) ·a.roo qqé t:oli'térh~
pia o. linivêrsô romane'sêb.. Pen:etraràQs na ·coflSciêmcia de u_ma: ~th:i:{-
de llvte, un.difererrfct e -altiva. Quªnd:P h1~thilde se torna escraY:a, não a
vem@s ma:is- s-enã@de fora, ?tr&Yés. dqs olltd$ do- flmQ que d 0Tava.nte t%
Julien. A luz-ror-uranesoa sç aJoja de ,preferência ·t1um,a consci~ncía. :donü-
na.dõra,; q'úando·essa coas.ciência perde 0 dom'fnto·,, a luz se de:5vta <tléla.~
,P·a'.$_S~ a S:êU 1/en.cedo.i;,Jrn Proust é ·0 ·opo.~t~: a tons:ciência qut filtra a 'lt.r2
.do romanc.:e .e lh~ da sua quilidadq fspeci..fü;:ameote proustiana é quas.e ·
s.empre :t.1rna c.;;onsd~dà escta'.Yà.

A pa:'ssa~em da dominação à. escravidão· e-llllcid:a· rr;i,nitos .çon':!'.r,t~es entre


SféJíd:haL dç' um lado·, P1t>.Lcst e Í)ost-0ievski d0 outro. Sabem;0s qqe a
~scravidâô é ô fu,tu(Q da ~4tondàdt. Es·s~ princípio, verdadeiro.no: plano
teór-iE0 1 o é tarnbem Pd. ãnibita da sequêJ;iç'ia das, obfas, A es,ravidã.o é
o futuro cl.a autoridade; Prqus1 :~ D9:st-9~e.vs.k.J sâ:o, t ·0ntec;;rc.:rente'm_ente, -o
fot1,1ro clt Stendhal't, suas ob.ras são a 11:er.dazfo da obra stendhàlt-a,nà.

E:~se mó~ijn_edtQ ~tn d'iré~ãG à -~sê;'r àvidão é· ã:ni princípio. fundamemal,


da estrutura rnmair1esça. T odô. dt!-se'nvolvimc;ri!Q romanesco autêhth:::0 1
s.eja qual for sua ,amplitude1 p>:0d-~ se defiçJ_r ê"ITE1l!anto ump pâ.<is,a,gt01 .elo
d'ornfolo ~ ésçravi.dã0, Essa lei se veri.fica na lfrera:tura t:otna_rtc;$·qi cmn.o
tlírrtod9,. ela ·s~ vl';_riffca igualmente no·:t0e,;_ante às obras .compkNs·déum
r.o).J1ançlsta tm ~ ~n:f romance ~,eteqnih_aclo, ó,u até mesmo a um ep'isád'io
-clentro.de-ste romance

Torneyn,_6;s ptirne.ii11mente o· case das ubnas complet~s. Defi:rJitn_os SJen-


çiha1 tooro um roín_an.cis.ta do domfüfo Fate-aos :r;omancisras p-qsteli.oi;es-.

198;
1\1 ENTI!(.\ Tl.() 1'11,1,NT IC A E V(R.,PAÜE R:fJ. '.'\V,NESCA
Sé' e~wlnarmos as. obri,ts ~,t<;ndhatra'Qa5 isol~_d.aro~ntt,t, enc:ontraremos a
tdação do am,o-e do cscr;:ivo· ha, <Jp:0.siçao e:n1fr_ e a$ :pfi'merrá$: e a$ últin:ni.s
obr:as. Em .lil tncmcr a oscra·v idãs proprfamente dita ainda t'l~:o ap·ârece _sób
fõmia ·aj@tna,;. á io'í'elie1dade conserva ümà· ·essêrn:::·ia romântica e flâo
ameaça a -adten0nüa -das pér.~~nà;gttn~·- Em ,O Vi,n_ii~_ll,9 e. o_f:lejlra a ese;raVi·"
dão :está pres-e-nte, mas s-e maon?m :quase s-emp:re ~.'(C~nt,riea. Sua imp0r-
.r ~nêíã ctest;il €m Luci~i1Lei,wen com 0 ·d-0ü.1ior Ou P.&riera S'ID )\ C.1rtu-x& ele
P,trt1rw' o p:rojet0r Mmai:,.ç_sc:0 se; d:~ qra., semp(e· mai~ praze-i;ós·ameH-te1
ml.;,re personagens .e siwaç_õ·e s s:e-tvis, o :cj'ÊJn:l_e de Mo~éà e tia S.~rJ$'Y~ ri'-
Iia,, o lç.rror: do pr:ínc,J'p e de Parma! a halxeza do fiscal Rassi. Finaln,.ei;,1tre,
em La11iiel,, St~dhál ttia pela piini.tj'r:à v~'z l)Jn. berói -{êscravo oá ~essoa de
Sandi-n, precursor p.e qu~n9\ htr_tgt!.ê~ d~), he;:-ó.r subterrâneo,

O movíili~otó r\IDJO a escrt:ividão se f-áz pres:ente também <tm Proust.


Je.a.n :Santeui1 .rtünca pen:fe· suã li:berdadé; tl~n.ã.ô ~: fiS..nobt mas ·o mu1Jdó-
faz pr oliferar os .esneb-es em se~c ·r.'~dpr [rmf fanteai1 é: um romance d0
doJJlifliQ. E)n B_t{SCJJ :d.o· Ti:mp,o :Perdtdo é um romance da es€ravitlã0.

J>ass-emos agora a um :rqmanée JS-Q{t do. Já di$:ije"tn!)s-qtw Jvfren S'ofol é úm


herói-amo. Isso :é 'fatof porém qua-nm· m-ais -s-e penetra to[lJ.3..0C'ê ade·rytro ,
mai$' j'(,llien esG:~pa_ pô.r üm tr i:z d-a- escrovidâo. O perigo está em seu ãpice
no ,episódiô de tvl.àt:bilde., ~tb é" nç, tr.e:chç,;dâ obt<1 qJie arít~cecle imedia·
.tamente a, condusào I:ibctad9ra, (E~ta i_rrrerr.p,Q')'pe e fü_vefle .q ·movimen-
to em dire~.ão ~ es~rav.í.dã:o.. Não se deve pois fazer :rnt.ervfr a Gondusãq
J1.0' c:s tudó d~ rnov.imêntô romçlnes.co.)

O m.0vlment0 r:um0. à escrav idão se ·.observa: ignalrrtem~ na obra fa~ 'E-u,sc:a


, ,Jo T~1t_t.fiap.etqicto mas- o po:Iito; de chegadá se si.ma rn.u ito mais.abaixo cio que
ei;h O Verfnilho -e-.o Negrii. Nà· ép:ocâ i:le' Sea5 prim<;ir'Qs qtó.Qres M~rcel ai.nda
demonstra uma cerra v ontade· a~çe;ticza. Ele par~ çle frét(~nmtár GiU:Yértê
qqar'itlo c:;ompt.e~11dé cft~e a mm;â s~ afasta dele.. Resiste- vi'to.rio.samenre
à ~entaçio de e-seteyer, Nãt> dísp~e d~ for~ª de vontade .e cde hipocriS:i'ct
suficientes para :reconq11i.s1:ar o ·ser amaeiq. É,l;lí'ê nós }ófte :q ll_(: Julieri roas

-199
.C.s\_/'ITL.J_l.0 1 , t i, r\_S:(É~'E; D( ) [é,1 !_:RÚ !,
é ainda_ farte o suficienlse para escapar à escravidão.. Em contrapartida, é
rota:lmef}te ~1.,tbjugªdo por essa escravidão em A Prisioneirtf e A Fugffina. O
ponto mais baixo dessa "descida <\OS infernos'' se situa, como em Stendhal,
oa parte da obra que anteceq.e rmedl.atá'mente a coric;lusão salva:d0ra.

A evolução psic0lógica e espiTttual das.personagens secundárí 9s é tam-


bém um progresso ru:m·o à escravidão, progresso que, nesse caso, nao.~
interrompido pela conelusão do roma;nce. Chãtlus, por ·exemplo, nãu
para ~e dec;linar e: decair .de u,rna ponta à outra· dai obra.

Esse movimento ao en cóntro ~ serv.idão não· s.;e dis:tlllgue do movimen-


to de queda· que definimos no ·fim do capftuJo UI . Estamo.s meramente
apreser}tãndo aqui esse:; mesmo fenômeno de outro ânguló cóm o fim de
espeGificar determ inadas modáhdades, tais como a dialética do amo e do
escrav.o . Essa dialética não .P~rt~nc~ .aliás senãb à~ íegiõ.e s. superiores- da
me di~ção intern~. Quando os dois rivais estão mui_~o próximôs um do
ounoi a' mediaçã.o dupfa t eslJ1t~ numa dqplà fascinação. A a:scese do de-
~ejo se: torna .involuntária .e êhge.ncL-a a paralisia. O s dois parceiros têm
poss'füílída.des co11cr.etas muitQ semelhantes,; des·sé'.corytrapõ·e-rn tã·ó efi-
cientemente que nãô conse~uepi _i;nais·, nem um nem outro, aproximar-s:e
do objeto; -Eles permanecem fac½a face trm é9rri ô outro., imobilizados
numa oposição que os envolve por imeiro_ Cada qual é para o oütro
.o que seria saa 'imagem s~ída d<'> espelho para· lhe barrar .o camjnho. A
dominação., figura secundária, se dissolveu.

O velho Kar~m.a tov e· seus tilhos il'ustram esse ·e stágió derrade.i ro da


mediação i.r;neroa.. Vâfvara Petrbvna e Sti@p:an Tro.fimovitch, ~m Os,De~
.wônios, estão jgualmente fascinados um pel9 outro. [nspi.rando-'Se ness_es
exemplos. Aodré Gide esforç0m,se em encamat ess.a ngtita .do d~sej.o .no
velho casal La Pérouse de seu romance OsMoedeirosjalso)'º..

m. Ed.içâo Órasile-ira: André Cede, Osmoedciro·,Jalsos. P<io d.eJan~iro: f. Alves, L-983. (N.E.)

2'oQ
M.E!'ITÍRA ROMÁN1:!CA E VE.R.DA{)E ,R:OMAr-l!:S'C:A_
EsbPçâmQs o, desenvolvimento teóiito·da,·du,pJa mediação.. V'in:w.s o de~
sej:o çtes~~r .e -se ~gr:~wr :s.em_qtie iti.t~ttênha: nenliü!I!. el~meEito éxterior
a@·s .d.ois.triàngulo~ ~-µp.ei;posros. A dup1a ;n:iecfia9ão .é úma tjgµra fethada
sobre si m.esma,, o des~jo-drnu!a:.af-se-nutrindo de ,sua:--pr:ó p1ia.~u_bstfã_t;tcj"a.
1

A düJ?-là- rnedia·~âO. li~ Cónsbtur., r ·o'nán,tb-, numa i.re-rdacléicr.a·''.gerado1'a'1 do


desejo,1a mai's SiJilptes pos_s(vel. É por 1?so--q\.ie- a e:sc.olbem~s para. noss·íl
ap[eSelíltaÇ.ãb. teórn:a, Po.de-s'"muito bem conceb.er, ·a pan:irda m½diifçào
dl'.Ip,l'a, ·fígut.as hJ:,ü~ cornpTe*as e -1:~alrnenté autônomas que enge-adrem
mtt'Í'ldt1_s. Jio111ane.scos·-cada vez mais VâS'tos. É a, <:$sàs figuras mais çom.plexas
que corres:p:onclem, seguk).an)ente, as S:ituaçõ~s cnn;c.':.l;et_as. 1:tn. ve;.f d€;
tbma.r se.li 'p róprio escravo com0· mediador 0 sujeit0 pode escolher um
tert:eiTo ind.iVíduo, e :este um guartb, .. Sainf-L;O\I'J? é o ~sçravo de Radi:él
1
que é ela. própria a escra.va ç{o Jogad0r d~ p0lo1,., ·que ê' í)'ót ~tia vez d
escravo-de Andr·é... Teaios.assfru briâogufos-''em cadeia!'. A p.ersoAagem
:que dtsepiperiha ó p_àpel de p:i~tl.jadot no pri.D.J.ci'r.ó trlângulo dté:sempe-
;nha o pap:e.1 de e_Sc:rpvo nq segV:ndo- tti4f1@.lô. e àS'S,trrt P.OT di~:flte ...

A Anàr-6nia_ça' 11 dç- Ra~ine .c::onstittti úm belo éz{em:pl0 desses "triâ:t1guf0g-


(m c::-ade'ia". 'Ürest~s é o est:rçJ;vo êfe }-ferrtli'õ.Iie;, Hennione .é .ã ,éscravâ dt
.Pirro;, Pirro é· o esc,ravo .d~ An-drõma~-a. que é por sua. vez Bel cà lem:btar:i~a
:d.e um .nio-ito. 1 odas essas personagens-tê'In os olhos 'fftos em ,seu. me-
cligdbr·~, em telaç~o a seu~ ,~scfàvos, ~~o de u.Jl).a, jnclif.erençâ abs0b..ita.
T 0clos se parecem ~m sl".u mgulho se;x(J.ãl_, seu isola:rn ~Dt<.ii ángl,!'$ti~do ,.i';
sua in.conscümk ·crueldade .. And,rlima<ra é·.a tra~:édi a rl0, cor.te-são ,e .de .utn
tfpojá ttn,.1.tto moc{er:no de medi_à~~Q.
A tragêcha ra:ciniana reflete, mais 'd 9 que- r~vela, o çles:ej:o tntta.f(sicb. O
r-.om.a.nêista enfati:tar:i'a as anal-ogias .entre. as. pe-t:S.ona:gens; o &amatu-rgo
pfoctlra _ma_!ic:}p"á-l~s_;. "t)s. çtítiçqs nã.g -<lçixa:m de .ndtc;t que. .eS.:Sas pe'Fs;QLoa--
.gen:s. por de.mais: seme,lha°'t~ são um:a: falha çlo :pauto :de vista: ti:ágÚ::b.

11
• Edi9ª(}. br-ifsik ir.a: Jean Ra"Gjne, A11drónu1pq,_ Ilr.itíp1.ji:o . SãQ -P.aulo: Martfos Fe.mes,
2005. (N.EJ

20,r

Ç:APfTtJ LO 7"- O~ Á.SC]rSE IXci HERQI


O universo rG>m.anesco de A Princern d'e (/áve.s12 é bastante pró~imo do
as histórias dá sra.
rg,cinfano. Néle o amor é sempre L11feliz. As. -som'1>ri_
,de Tournon e da sra. de Théroines sãtJ um. avisopara a sra. de Cleves.
Mas, att a couclusãn-, a heroína é incapaz de perceber. no destina dessas
·de·s-afortµnadas, a irt),agern de seu; próprio porvir.. É' a metade primaveril
do amor que·se aprésenta diante .dela nas feições do duque de Nemoun;.
·Se:u orgu]h0 se identiflc-a ~om essa n11rag~rn e repudia a OLitra meta-d€' 1
acre ditãndç:i--a reservada para .as outras mulheres. Ma.$·a princêsa escapará
a:o desefo, i:stÇ) é, a·o orgulho. Mais. perto do fim do romance, ela passará
pela terrível experiência de •ma· identidade c9m as mulheres que 5-e perdem
·p0t .a mor. Nenhuma: pers0nagem de A1idrômac.à pa.ssa por e-ss.a e~periên-
cia. Ouçamos a St4. de C l~ves quan.d0 descobre que Ne:mours tr~iu .seu
segredo. O dQque se ,gabou , juptô dos amigos , do amor gue lhe tem a
princésa: "Em.:.i - observ-a amargamente .a st;a. de Oeves - por ~creditar
que· fosse ·um hom~m capaz de ocultar sua felicidaçle Por esse ho mem,
que julguei tão diferentt dos 0utros, si[lto-me- ho_i~ como .as outra~ :mu-
lheres. apesar de s.er rão -diferente delas _''B A princesa r~-urne em uma
frase toda a 9p·ex:aç'âo do desejo mecaHsico. O ·suJetto se _llga a um me-
diador q_ue seu de_sejo trartsfi.$,ira. Ele crê conquistar sua individua'Üdade
desejando esse ser mas na realldade de ·a perde, pois <::ada um é vítima
da mesma ilus~o. Todas as mulheres têm seu Nemôurs.

D~ve,..se saJ ientar a semelhança de A Printes,a d.e Cleue5 com a grande


Htéràt\.Lraromanesca 1 poi·s· essa qbra r~vda certos aspectos d.o desejo.
me-tafísLCQ. A t:ragéçtia rac.iniana \ ê uma fatalidade oo de~enténdimen-
7

to amoros:o, mas .a rom.ancistil clássiça se qüés.ti.0r1a sob re q sentido


do: desejo e, na c:ondusãp, põe' o dedõ sobre o m~.c anismo grntesco e

1
~ E:diçãó hrasileirà: _t,..tademt; ·de La· Fay~e. A pdnce~a de Clro.es. São Paulo, Clube ô.o
ljvrp, 1q~s. (N.E.)
l' .Madame de La Fayette, A princesa de dwes, p. 102

202
11._l [; CSIT.ll{A )H.JMAtitTI CA E V,E"RDADF ROM.ANESC.À
do-l0rns0 d@ mal-.e.n.t.e,ndi-do pa§s1.0 11a:J.. A s-ra. de Çleve~.acaba de COi'J-

ce:dér um :d~rr~_deir,o .c olóqul~·.aa duque d:e .N~rnour.s1


:Q sr: :d::~ é]eves, talv'e2, ~ivey~c:: :sjd_o, ç, úoi~p homem .fap-ãz o~ çonservar
amor no Ga!;am.ent'ú. =Meu de«Hrió rHfo o,ui .qtie. eu. te'nhá p·odidc5 il(}l'Os
v~it.ar dess_a: venturaJ 14· rroYa:vdrnerüe'. t~t11' a,ciJutecido, que a sua ,pai-
xão n ã._0 pcimanc::ce.s'.?e pôr oã-c;> ~nCOf<!trw: cQrre5j)ondênêia em mim , E.ll
rfãb. te·ria os mé~mos meios J.füfâ consérvàt ã vóssã. ·Crti9 atê .qt!e forau:i,
o:;_~bstáculos que caus.ararn i.ross:a·persev;eranç_a ." 1'

A "!])ensa.~em'' do romance não·~-Q sá,criffc;i:ó p,ela rneinór1.a cio rn,ari'--


do faleçiclq ~con}q tanto g0~táV>a de rep·etiJ, ,até h·á ben, pqú~õ temf>O,
uma ~r{:tioa masGulJna e .bur,guesa:. A cQnc-lusãn também, não tem n·ada
a yér ç.orn ~ Imó.\r:d gló1ia côr,nd1ana,. A sra_ de CI.ev,és enxerga final-
menr<.\' o futuro que a ãg'!-1-âtd.á.; d~_S€ rec:gsa; a p.:attí'ç ipêit .des~_e jog·€i
infernal,;-a.fasta;r:ido-se da; t:.q·rte ela· escap·a ao mundo ·toI.I):an<.í:'SCo <ta_©
et>nt~~io metaÚsrco.

1
• ' 'free;bp,emr.e c9Tcl1t.'te~ nâ:0 c0_0sta n-a traduçió utfüzada.
11
·Madan1e.de là Fa)&itte; ~ princes,;: dr!.·<.1tvi:s, 1?- 136; crp.cit. c__N.E )

].Ó~

<'.APlTIII T) 7 ·-() A.!,( F.$F Q.(J tiF~(;)'I


MAS .O QUI5.Jvt0 E 5'AD'ISMO

M.il experrênGtas sucessivas. enslr,\iaram ao amo qlfe os objetos. não :têm


Válói:'. p:ata: t;l~ se- ,de$: s.e deixam ·pqssuir. Logp., t:> arrio não v~i ma,.ís ~e
interessar s-enão pelos: .qhjet<:1:s: ·caj.0 ni.e diador implÇ-câvel lbe p:i;oihü;á
a p,oss.e. O amo pro~ura o 0bstái.::ulo .insupérãvel e é. muito raro, que ele
não c.on~ig~ eôé:Qn.trá:-lo·.

Um homem pane .à prc;rcur.a çi~ 1:1.m tesouro. que acredita .e~@ne!füe. spb
uma pêdra,. Ek e:rgúe um ~ande nútnt ro. d:é p~dr:a-s;· uma após- a outra,
mãs não en.c o.t itra nàâa. ·Can$a-se ties.sI~ "ª
.opêr'_ã çáo más, nãq q,uer '(e-
nunciar a ela 1 pois 0 tes.01:ir0 é por demais v:aHoso. O homem v.fii- entãq
se pfü .em busca a.e wna pedra ~e.sada,.demaJs para ~er l,ev1.mttJda,. é nessa pedra
que V.aí i;nv:ês.tir·totl.ii ·<,i Sli.á ((sperª-n~.a, é jµnto dei.a g,ue vaj despei'dJça.r .as
Íç):tças qu.e Ihe- r.~tan;t.

O masoqu_ista - J;5oi,s .é .ele que a~abamo_s de definir- - nãG passa num ~ri·
t
~dtJ::5 morrre-nto. de um ·~mo b[nst. t..fm ho.wem ruJq :strc.e~s·0 p-erpêtu(),
em outras. palavr.as, uma pe.rpétua decepçã0 1 leva, a dese1:at o prç>pri:q
f;raéasSO; e $0!1)el1te esse fracasso pode lhe revd,ar m;na divindade au-
tênttca·, mtl niediador invulrierávci a' seus prÔptjos empreendimentos.
Sabemos que o desejo me ti.ffsic.o leva: sempre ;i. .e.sçravidão, ~ Q ftâs~o
e à ver~gonha. Se essas çonsequênêlas se d,emorarem çlema:is, õ p róprio
suJejtc), obedecendo a sua estranh_a lógica, se e n<.:arregará de acelerar à
<::h e:ga,da del~s. :Q: rn;asoquista precipi.ta· o cu~so de s.eu destino e concen -
tra num só mo m.éo t_o .as foses a.té então separadas dü prQCJ;5SO. :met.a:físi.;
'CD . No desejo ''tornum",:ern a !m itâção que -gerava o obstácu1c;,i 6 agora

o obsláculo -gue geta a. imHação.

A dominação acaba no masoquismo, mãs a escravidão conduz a ela m ais


diretamente ainda .. Vale lernbr:ar qu.e a'vítirna da mediação· ioterna acre-
dita sempre no.t ar àma intenção hostll no obstáculo mec~nicô q:1,1e lhe
impõe o desejo de seu medicidor. Ess~ vítima manifesta sµa indign_ação
com grande alarido mas-,. em seu âmago, ela pensa merecer a punfção
que ·1h,e é jnfügída. A brn,tilidade do Il)ediadot parece sempre um tanto
Iegítupa, pois jul~a-se ser inferior; por definJção,, àqu_ê1e d~ quem seco~
pia o desejo. Dessa forma, ob·s tácúlo~ e-desprezo ·não fazem senão tedo-
lirar o desejo-porque eks co·ntirmam a ~pe·riorldade do mediador. Daí a
escolh er o mediador e m virtude n_ã o das qw,licl~des 1x>sitiva~·qtre ele nos
pa:rec;e possuir, e sim.do. obstáculo qa.e ele 110s opõe, é é um passo; e esse passo
será dado tão mais faci lmente quanto mais o suj~ito ç~ d'e sprezar.

O sujeito j á·nào fazta na.da, rt ó desejo co1nuni'', que,. no fi rn das contas,


11

nâb deve5S·e. ,vo.ltar.--se c0ntra si ;mesmo > potém, entre suas infelicida-
des e seu qeseJo, o: ignorante não v.ia neoburna re!.u;âo. O masoq.11is:t a
percebe a refaçãQ ·'tltcessqria .e.ntre a inteliddade e o· desejo rri.etafísico,
mas nem ror isso !;'.)é renu nciá -a esse desejo. Pnr um: contrassenso ai n -
da mais notável que c:is con tr.assens-cfs i!O.ter,iores, v.a'i optar, )lgórar pór
ver na v~gonha . no· fraisasso e na escravidão não as consequências
·inevitáveis de urnâ fé sem objeto e de um comportamento· absurdo,
m.as os sinais da divindade e a condição prévia de quçilquer suc;esso

206
!..\E NT J_R·A RO."-l l'\NTl½A E VER D AD:f RO !\IA NES CA
me-t;a-f1sico ~Des.de ~rrtãó 1 € s·o·bre a falê:f'lóa en1 s'i gue o süj~Ho as$.cnta
s~u píopósit~ 1iara a autonomia.; é' s0bre· a abismo que cde: fo1_:n±a s:e-u
R-toj~tô qe· ser De_li§.
Ém O Awar e o, 0-dd~nte, De;1;1is de R0ug~ônt dç:LJ,se p.lenarneoté conta
de- qv~ todª- pgJ,gão se alimenta d0s obstáculos. quG lhe, sã-o l.mpos_tós
1

e rtto.rre ttü.ando éles. fa lt<'!D.J., Rc,4~i:TilOPt éhe,~á então à definição do


clesejo efrlquanm llrtJ ·0.esejó J.o o'l:rstác;:uJo. As·.óosér.vaçõ~} ,-de O Am:or e o
Oc.1â. ~kft são uótávois ma-5; ne:;se está.gro 1• a 'SÍR:tese ~.Piitatl'V? no~ p_ár.ec;é
in~uijcjent'(;', Todél. $ídtes.e é irlc-0mpl.e-ta se resulta num 0bje:to ou ·rl'llm
conceitq ab'st;r,atb e: riârj !Jl!rhá telaçã,9 vfva, e.b·tre d0J$ iridiv.íd.uos. 'Ó-·obs·-
tárol0 não. p0de vir prirnetro,, mesmo, rro. ma!s'oq-µ.tsmQ. erQ. qµe e!~ é so
chretam.ent~ bu.s:cado.. A bu{ca do media-dor deiXQ'll' cle s.er inrediat-a ·mas
é e~sa btr$Ca. que prossegue,. pór ínt.~rm:édio d.o ob~lçic.ttlo.

NQs estágios inferi:eres da med..iac;ão imerna1 cf SC'.Jjeit:-ó g~ despr<i:za tan_to


que el~ rtµn·c a coona:êm se.o ·1 rrópriojtrlga.rnento. -Crê estar innraitamen.te
distante d9 Bem strpt~m·q a que ~lrrt'ftfo, é nio pens-á que a ínfh.iêr1cia .d~s-
se Sem possa se estender até ele. Logo, de não ·~st';á sêgurp d_ e di:s_tingui(
() mec11ad'.or dos ho);néns comrrr,fs. Nãe> há mais senão l!lm obJet0 cujo
Vp.lot o ~as0qu_ista 5e achJ,i ca:páz cl:1;, ávaliq,r: ($Se ôbj_eto .ét de pr.óprio
e s.eu vafor é nulo. O rnaspqt.:rjstp' ju'.l_garf 0s oup-b_s homens seg.und.ô ·à
p.et~p iç:ãçjà qu~ p'.<1-t:eç-an1 demonstrara seu -r espeito:: vai se di.s.ta1;re_iar dos
_s<::.reS qwt tê'q-i p.õr dê .a f~1~ô e -c/:lrtnho; ~. ,ao çontriri!o, t'!Í(;ó! se voltará
avidamente àriju.d@s quç Lh~ dem~tl;aií;J. , pê'fo dtsprez-o, g_Lit: lhe marü~
:festç1fQ1 oi+ p.arec-ero lhe raanifestar, não pi~rt@ncer-1• c-omo ~le, :à ri3,ça cfo's·
maldr_tp_s. 5G01QS m,<.isQq.l!istéis ~llando ~ .c olh~mos- o rn-e:dlador em virtu-
de nào mais da.a~ta_ç ão ti_ú~ d~ n_o:s jn~·pjra, ma:s d(:)_rtojo qú~ !)Ós Lh~
inspkamt>s, ou pa,recem0s, inspirar.
Do ppntó d'e. 'vis.ta ·do. infernó metaHsi.ço 1 ·o r:a_c-i0cfoio do masoqufata ~
i:rrepreensfv:el. É' um mq c).elú. de j_1;1dtrçã~. qicntí&ca, É -àfé tª!'v~z ,o afqóé--
tj po do ~açiçjcíI:iiO=RG.r indui;ão:.

207-
C A.PfT ULO; à /l 1A-S0 Qtrn;.,1.0 F. S,,\T)'JS~.,o
Já v,i_mos" no ca;)i(tt:rlo tI, .e'xemplos de masoq_ujsmo emque a humilhação,
'a ·impotênçfa e ,a ,,el'go·oh.a, t~tô é, o 6b~táétrlo, d~termrn.ãvam .a .e.sco!ha
do merliador,. É 0 :noÍi, me taff{Jert 1 dcJs Gu~~(lte_s '.qge deseoca.deja em,
.M arcel üm_ des.eJó·vio.fento· d~ "'fazer.:s.e c0nvida-r". O process_o .n~o l: óu-
tro oo caS.o.do. homem do subs.o1o e do. b~p.do d.e Zverknv. No eJDisód.io
do oficial. há até um obstáct1lo no, sef).t[do mai.~ 'literal dó termo j-á que
~!f$~ insol'e,nte fur~a .0 homem do subsolG a cles:c~r .çla êa1çi1-!'.fo.. °PQr t'9cfa:1,
parte; np~ rômarl'tj~~.s: .ela me&aegà.o· rmtérna, venificarnqs a 'é~i:f.t idão ~s
obser:v:-açõ·es· forq1Tilêi:da,s· pôt Denis de- Rç:ip.g~n10ntl: "O 0bs~culo mais
gr:a:\./,é ... éca. aquele. que é p1;e_fejido aGj:m~ de tudo. É ó IJlillS a,própriad.a
a a\l_m~nlçii q_ paix:ã_0_." A des.crl~'ào 6 exata .mas; deverj.q. ser -acr.estenta·dd
que o OpSt_áculo mai-5 •gt·ªve S.0 téí:Q ·esse valo.r pm,que efe .denota a pr.e,
sença do.media.d or mais djv,ipo PO$~ív:eJ. M.a;I'td imita a Íi.ngu'ag.ern e' OS
módo~ ele Albe'r't;ine; de adota, a-té seus gostos, O homem =Ôô. súbs(:)·10 ~e
esfprça ·gtotescatnént~ ern copiaf <l fanfamcé d~ seu insultado.r. !solda
seria rn@Ans- amávd se ela nâ:tJ fo~se a mulher des.ti.nada ao, rei; .e T ri.st<ã0
.ispira., no fumdo, à r.ealeza·, no sentido mau; absolnto: ~ô teçno. ,ÇJ me•
q_i(/;clor pentli,i.r)e'Ce dissirnülado, pOis '.0 n:üto de Tris.tão é um priméi'.ro
poema rnmãntict}: Os tomandstás .a.e g~11Ü) $ao 0..s.únic0s a iluminaf a:s
p,ro.fun.deza~.d.a alma ocidental r:evdand~-r,QS' a e-xisttncia inJeil'~.rneQte
irnJtativã.· tio :$<::r ;ap;ç1.ixJrnado.

O masoquista· é mais, l_iicido.e , aÇ5 'rn~!i!rlb tetnp,9., maü; .c égó ·q_ue as-de"
tua~ MítímaS: .do: d:êsejo metafisico. Ele 'é mais lúç:itj.o, tom esta Iucfdez
cada v.ez tna'is 'j)f9pagad~ nos dí'êi.s de hoje 1 pór!i{'Cle só' de, enrr~ tqd0s
els. sujeitos-desejantes, perc:el:>e a Iig:ação en~rê a fIJ.@diação lntema e 0
o,bs:tãmio; de. é mais ceg:o porque, :em :vez de leva_t e::;ssa tQmada d.e cons.-
éiên~CÍã' atê c1s ço_ndusõ.es.-p.ara as quais e.la ap.onta., em ve..z ,de, -em outros
termos:1 hrgir.da tr.a.Q~'ceodên'tta cfe,s'{iada, e:le S€ ~sforç-a paradoxal-mente

' Êffl J11tim. 1 ''Não tg çiues ·e!ll mim" Pal_avra5 ô~ Cnsro1 a Man'a,Maelaje.bà após-a re~sà_r-
r~iç.ão Uo:XX'.:,.t '7) {N.Eí

imr-
M,E.NtiRA R.Orvl..,'\J'\l'r'rc:A- I 1/"El~ÚA,DE R.OMANESl2A
em s(Jti_s,f~ey s~u d~s.e jo p:r:ecipitando~se sobre o '0_bs'táculo,, entregarrq.O'-
Sê à ihfel~cidade, e ao frac~s·s.<;J.

A fonte· desta Lue:idez nefasEa qne caraden.za: 9s 4-err~tleitos -~stági~? do


mal ·ont.o1óm.eo. n~º é· difídl de de_s-vendar. É a aproximação do. medla-
dd'r. .A escravidão é: sempre ó=1étm.inq ~Q desejo, IJJª'-S no. piiAtíJDiO esse
témrino está mu1'to afastado :e o $Uje1to dçs~jã..nte n-ã:o t:Yodt vfah,Ifnqrá-lQ.
Es{~ (énn;mo. vai se tomando mais -.e mais 'l'is.ívef :riorgue., ·à medida, que
dj-!11-i"tmt a distânçtia_ehtre- n11=diador e ~j.e'f.tb, a_s fas~es do pwcesso me-
taft'sico s:e a€eleram. T@~ô -de$.{ajP m~tàjfsíc0 te_nde, às$.im, a:~-mii,Sogw..c,~
mo, p.e:üs.o rn:écliâdor se aproxima semp.r e ·e ·a Juz,qu~ e-1~ tra:z t.t'Jnsigõ.:é.,
p.or i;i ·sç, 1ncapaZ de; ·cç.r,ar o. rnª.1 óbtoJ@gk~,; ela 'a.penas-fcrn1ece à vítima
.o. mero de p.r.e0ipita:r a· ev-olú~â0 _ratai. To.qà dê:se1ó me'ta[ís:lco .c;~rniDhã
na direção de sua- própria verdade. e da tomada d'e CQ.~ ci.êntia d~,sa
v~dad~ ·pelo s.'C_.rjeit:'o d~s.ejante,-há masoqui-sino quando o próp-r io :sa,jeito
entra: na lrrz dessa v:erdàcle e cQlabotà ârclorqsam_en,te .com .sett adv~J'.lto.

O mru;.o;qõis_m o se fund.amer,fa numa in:-úaiçã@ pr.ofotnd-a;, centl:l.d:O ajntla.


:iosttfklênte da yerda.de fb~fo.físic:ª, nú.ma jnt'ui§ã.o·desviada e pervertida·
c0jos efeitos são mars n"üd'l()_S a_i'nda dó qti~ a {ÓÔC~ci~ do$ .t;:;rt,ágiQS
ant@rióres. Quando· o suje-it'o d(ts.ejan'te percebe 0 . abis_m.o q11;e -o de-séJO
jª es.c avóu ~ob seus pas.so.s,, de °lá tejoga dé liv,re· ~· ~spontâ.nea v@rrta.de,
·esp:eraJ)rlo· d~tobrir, ton:rfâ tüclas .a.s- prQÓài;?1lic;la,d~s. p que Qs .estági'os.
roer1-os-âgud0s. do mal meta'ffoico na.Q l he 1:vouJt-eram

Na pr.itica :é ~$ \fez,ê~
dtfío! distin~r do mas.oq,uTsmo prnpFiamente
dito o masoquismp ÜKon.scienJe- ~ çlHuso .q~rt- imptegnç todas: ·a.s for·
.mas ,do desejo me-ta:físic0. De fato, Dom Quix-0re e SPtJ.cho nãô ·pa:rarn_
qlü~W~ é.ritj:ufiflto h,i:!Q' fóre,riJ esp·aoca:.do,s pâra v-alér. .Os !ettoTes "idealis~
ta{' t~Spçmi;ahll iz_ava:;m Ce07ç1.rjte-s p-d~s p_ródimó~as: pautadas de _que 'S éU
]~e.rói padeee; nossos lei.tores modernos; ma-is "lúti.c).os"; tIJftis J/t~àlistã·s':
CiLtfe,q,_s grimtjn:;>.s r'owânt1i;l'o5, tratam ,c óm muita oatur-afl.dade Úom Qni-
Xdt~ cj.~ nzasogt.i6.ta-_Qs dai~ pareceres opõs.t .õsi$ãQdu_as· totmas contrái:iás

;ltJ9
ê,<1.Pftu L(i 8·~ rv!A&OQ.Ui $'f\lÓ .E ~AÕ,Í°:,NtQ
e gêmeas do eno r.9rnânti_cà. Dom Quixote não·-é mais. masoquista, no
sentido estrito d.0 termo, do qu·e Cervai;it es é sádico. Dom Quixote
imita seu mediador, àmadis de Gau1a. Já o caso de Julien Sord é mais
duvitlo~o. O arlplescente poderia viver na abastança jlfl1to d<! seu amigo
Fo.a quet e ele vem mend~gar, na residênci-a de la Mole. os desprezos de
a,ristocratas ~ue v~lem rneaos quede. P0r outro la:do, quál o. sl.gnitiç9do
dessa paixã9 fw"ldsa que não deriva senão do desdém de Mathi]de ·e não
Jhe -sobrevive!

Entre o çqjejto d~sejante que sofre .c om resignação as tonsequências


clesagradáv~i~ çl.á- rn,ccjiaç.ã o i; aqu~(e que as p.rocura avidamei;n~ , nãô
po.rqu~ elas. lhe cansam ·prazer má~ porqa~ elas têm para ele o valor de
um s,K'rqmenfg, to.das as nuances são 'Possíveis. Entre o pré-ro_ç1soq1,Iism:o
de Dom Quixote e o ma.5qqursm,o carâcter_izado d.e -Marce·l ou do herói
subterrâneo, não há sepatação muito nítida. Sobretudo não há o "nor-
mç1Í11 de Llm lado e o '1patológko" do outro, São noss0s pr.ó prios· desejos
qu~ traçam uma l•:oha , sempre a,rbitrárla, ~ntre saúde e doença. O gênio
romanesc.0 apagçi 'e".S-sa linha; ele abole un151 fronteit:a a mais. Ninguém é
éapa-7: de dizer onde começa o masoquismo repugnante e onde para o·
nobre gqst0 do ri$CO .e a ambiçã-0 dita "legítima".

Toda aproximação do mediado( é um progresso em direção ao maso-


g\Iismo·. A passagem da· mediação extert'fa .à medfação inter'na tem erri
si mesmo um significado masoquis.ta. Descontentes com seu mediador
fracote, tais c:omo as ras da fábula., os homens escolhem para si um me-
diád.ot ativ.o -que os estraçalha com vontade.Toda escravid~o está prá.xi-
ma do mas0quismo, j á we se apoia no obstáculo que nos Qpõe o deséjó
de um rival, já que o escravo fica -grndacló nesse obstá_culo, como um
mol,a sco em su.a rocha.

O m·asoqU.iSIT}b revela p lepamén.t e a c.on t radição-quefunda o desej"o f1'.le-


taEísico. O apaixonado prnéuta q .divi'no -atr:avés· do obst_áculo: ientrans~
poníve1, através daquilo, que, por definição, na.d sê deixa atravessar.

110

Mf .NT!RA R-OMA.NT!li.A r:: V!::.RDMH? R<'lMANfS C.'\


É ess€ s·entido· m~tãf1sic9 cj(j_½ esc·ap;1 à tQjifpr-ia dos p-sicólog;<;1s ~ psi~
~aiatrns. 'Smrs anâ.üses: se sitvatn, pçi_rtâ'Qtó,. I)urn nívd de 'i .n.tú:iç:ã_o n'nij 0

to haixo. Alinn:a,.;s1:\ por ~e;»plp, qae· q sujeitô ,simple·sm~n.te des.~13


a Vérg.onha,. ;i. bumdhaç,ã0 e o sofrtmento,. N inguéi;n jarn.àí_s d~sejo_u
ta:í,s Todt1,$ ª-·S vítimtü; elo deseje metaffaicD~ inclusive os ma-
c.c)Ü~às..
Só'quistas,, ·co bi«;.álJl ~ divin.d<,l,de, ·dq medi.a.dor e €: por ·essa divladade
que das -aceitarã0, se necessár'to fot, - ,ê s:empr:ê é nec::~starí o - oú :a té
prn'€..u rarâo, a vergonha, ,a htrmil'hação e o s.ofron_e_ r1tó .. A ink]içidact.'e
dev.e revelar :a essas:víhmas 0 ser cuj;a imitação lhes parece a p1ais a_p ta
<t subtraJ-la·s d~ ~a n.1iser.á vei condi~ão. l\,1a:s rmnca essas consci.~:ncia-.s·
i-n~fe-Uz·es des:eja,m,, pura e sí01ples.1nenf-e, ,a ·w:i::goohai a humi lh:açã.o e
o -sofrime nto. Não 6 é' e·ntende O. ma$.oqü1sta enquantç, riã,Q s,~ p.crc-ebe
a natureza triaRgu1ar de seu desejo . Irnagfoa-·,se l:!JTI dest:;jó lint ar e, a,,
do s'i.tjeit o , tra~a, se a Sffinpi.tema linha rela; essa, lif\ba va.i' dar
pZl'rti r 0

sempre ilJ'.f$; já conhe.tidos dissaborts.. Atr.edíta-se .e:ntão ter <1.garrndo


õ :obJ.etct em ·si do déstjo; afirma-se que o· masç,qui.s:ta deseja esse
.abJ,eto, que ele desej:a, <tm sUI:tlà ,, o que 9$s, de n'ü's.sa parf½, ·não de.-
sej,arnos: nunca·.

.Qutfô incô,nvên.i e.nJ~ :ües;-a de.finiç~o, 6 .que da torna impossíve1 toda e


quq]guer :dJstin~~o, mesm9 teórica, -entre o dê:s(sjO, m..é:t.afistc:0 em ~eraJ
e o mas<Dqtiismo proprlan~re.r1t~ dtto,. Çórtü:fe.itó; ·falé\.-se de maso.qui'smo
todas as ve..zes que se pereehe a relação entre p qes·ej.o e ,st.ras €6.Il~Q~n-
cJas n~f.a;;tás. E tefuJ.:se como certo que essa rela~ão é percebJda p:e}o
p_t6r.rto sujt\!jt!).. Quan.çlo=na verdª·de, :e,.la é, ·compfotmne:nte ignorada. n-o.s
~tâglos. $Lip·~ri'Qtes dá Díe.<lias~o. É untc11ment~ qúando .à 'f'€-laçã0 é .c-0-
n.hecida que s-@deve tala'( 'de 't;t\a·i oqllismó, Caso n?Q se qt{Ç.i1'.cJ. :dei;,'istir de
dar a ·esse teuno um conteúdo· re&rko. esp~cífic:o.

Fà;ze.t' déí .sôfr{tnênJQ - simpks: ç'0:nsequ~nda óu1 no .masoquisri1oi mn-


·dição p{~via, do d~sejõ ~ 0. pró(?ti'p ppjeto de"sse d:e:s.eJo- ~ um errG parti -
rnüarment:e revelador. Nâ:a mais qu~ ·0~ d~mg.'is. erros d'o, (Il~smo, g:ênctq.,

211
CAp;[TU i.ú· 8 ~ /.1A<;'O..Q1:.IISM(1) f '. 'iAD'FS J\~i 1
.esse rtâ0 se deve a üm· infeli:z: acaso ou a uma falta de ?rétauçõés "cien.-
t'íficas':' na observáç~9. O observ.tdor nâ.0. qim' desaer, na v~dade dd de-
sejo, até o p~i;lto em que es$a verd~de lhe diria re,sp.e:ito tanto qua.rtto ao
sujeito de suas observações. Ao encerrar ·as co'ns~qt.rêndas depl'oráveis
do desejo metafí(1co num objeto qúe (Mha~oquista, f? somente ele, deses
Jaria, faz do cojtaclo um ser à parte, um monstro cujos sentimentos não,
têm nada a v-er cóm os dás p<;:ssoas ºnormais", qLrer di2 ~r, côm nosso~
P,róprios sentimentos. O masoquista dt;'!sejar_ia o co11trâriô· do. q·ue todos
nós desejamos. A cpnttad~ção q_u e deveria ser apreendida·como inter.íor
a noss0 próprio desejo fica des'l0.cada para O. éxtertor; ela serve de b.a:r-
reira eritre o· observador e esse masoquista que seriã perigoso entender
inteit'án;1ente, Vale: notar-·qüe é sempre sob·.fo.rma dç \:i.iferen~s'i entre o
Outro,e o Eu gue se apresentam co.rtti:adiçües que são na reaLdade o pró-
prio fundamento .d r nossá vida psfquka. Os: relacionamentos estabele-
cidos pela mediação ime;na viciam un;ta boa guant_ida.de ·de observações
que·· quer,erj] se fazer pa_ssar por "científicas''.

Repelimds para long·e de n,ós todo ·desejo cuj_as consequênci~ nefas~


tas conseguimos notar para não ter q_ue rec;onhecer nele a imagem, ou
ã caricatura, de ,nossos· próprios desejos . É :inte.r'11_çírjdo seu vizinho fio
asilo, observ~ justame nt e Dostoievski, que se· pode .convencer a si mes-
mo de seu próprio bc,m se nso .. O que teríamos 'êrrl cotnum corri esse
desagradável masoquista cujo desejo incide sobre a essência mesma do
não .desejável?< Mais v.a:le, obVia'm'ente, sequ~r saber que o masoquista
0

deseja. exatamente o que nós 1:rresmos desejamos; ele deseja a autonomia


e o pó'der diviho) sua própria estima :e a estima do? Outro~ rnas, pôr uma
intutção dô desejo metafísicQ· mais profunda nele do qúé em tod·o ? os·
médicos, sé 'bem .que ainda írn: ompÍeta, ele- flão espera mais descobrir
esses .bens tnestimáveis s_e nãô junto de um mestre de ·quem el'e será .o
~~c'ravo humilhado.

111
M_ltt{ r' IR:J\ ROM ÂNTI CA 6 'ViJ: Jl.D ,M)'.E R() MAl>ff.S:<iA
Ao~lado: da, ;masottúí.smó 'ê~is:te1}cj,_a{ qt;ie acaba_ro.os d.e descre'ler1_ e:H :-;
co.ntra:-.se também !l'Ql masnquisn)O e um, s~dism.o 1iurame1üe· sexuái9
que desempenham um papel c;ooQiderável ·nas õbf'á~ tle P'r o.u_sit e d~
DMtoievskL

O rç.~soq.~tjstã Sé:-<:tJál :se; ef:força ·tm r.e,pr-Qctuzir, em .sua: vida eró.ti'ea, as


condi~ôe-S> do. maj~ intenso desêjó me.taftsito.. Êle ,qqer UI]) p,a(-'ceiló· car-
rasco·, pots de se assume .CÇ.)TJ'l.O f)ersegujd t;:Y. Idéiltn~nte, t.S:~~ i;rarceiro .e
Q m_édiado.r nãO" de.veriam S@cT senão :uma única e m=e,.sma pe5:soa. Mas êsS:~
ideal é, PQT defini<;ã0, ineâlizáve1 pois, sef~ss.e realizad0.1 ele- çleixa6a de
str desejâvéf, ó media,dó.r te-rido p~rd.iélo: todi1s os seu-s poderes divinos.
O masDqa.ista 'Se vê:,. pQ~, Üi;nít?d_Q á fa~érama; fr)..Í)niç<(l de seü i.deaI lm. 0

possível. Ele· querrnpres~nra,r, }tfJ\tq. de ~e.a partêí.fõ $çxua1, o p:fp,el_ gµé


ele re'pi,esenJa - .ou acredita; representar - jun:tG .de se_u ttl'ediador '11,á v,id~
cpttdJ'anã. As b.n.p;il.lJdadti'.s,q_ue o masoquista r,civirrdica estão sen;i.pre a-s-
socí;ap_'~s-. em_sua oi'etjt~,. ~Jfuefas a ç[ue úrn mediador vercdadeiramente
dh:i.rto provav~_lmenté ÇJ stibtnetefiq._.

Mesmo rie.s,s_e masoquismo. puramente ·se.xual 11ã9 ·serja j:)(l!f~ívd di'zer,


p(;)r Ç0.1'1~_,gulJ:lt~, gJt~ '0 ·SúJei'.tb ''deseja'-''·o sofriirnenfo. 1Ô que de d~eja ~
a: p1'~ern;a dó media.dor. o c::°Qnta,to. tom .a .dívi.n<lade. Ele só pode susci~
tara· ftnqgell): desse n'iédiad9r recrían·d:d i1 a:tinQsfura., r,eaJ,, QU s'Up.osta,. .de
suas relaçõ·es com ele_ Um isbf;rü;r rent~ que pão [~mbTá o o;i.é-di_a dor n.ão
a.pxe;s~nta, para o m:asoq_uista; n.enhum v alor< erôtieo.

0 .~adispi.o é a fe-yfr.avolta ''dtãlêÜcã" .d0 maS-oquisn:ü:>. Cansado de -rnp:ne-


sentar·o pa_pcl de rnártit, O ·sujeito desê).artt~ escolhe assurnir:-se enquan"
to a1g@z. Nenhuma reo_:-rfa do satlom;~s-6q\1.j_smõ c.011:se-guru. mos.q,ai·., .até
'a~óta,. a, 1ieces,sidade ,d.essa r.eviravolra·. 'Toà;:is..as q.illculdades Ge .diss-ol~
v~ rt~ ·coritepçã<;> triangular. do d~s:ejo.

Nesse t:eanro da e,,Xistênc:ià ·que ê' a ~tívidade erótica,. o masoqtri'smi de~


5ernpenhava: seu _próprip papd é s;i_ruuhwa seu·própríç d·es.ej.oA}á ó:,sádi.éo

2.1:.3:·
GAf!iTlJL<} ii - ~IA~OQ_tltSM{l E .S:AD 1~1'1.(l
-assume O" papel do medi'ªdor-. Essa ·mudança de comédui não nos toma
de surpresa. Nós oão ignõramos, de fato , qu~ todas as vítimas do desejo
metafísico procuram se áptoprlat' do ser do .!Jle·d iador imitand0-o. O
s'.ádicc;,·se. esforça em imitar o deus em sua funç~o b~sica que é, doravan-
te-, a de T)er!téguidor. E de faz -c om que seu parcei_ro assuma. o pap~l d€
·perseguido.. Q s·ád-ico quer se dar.a ilusão de já rer atingido S'éu QbjetivQ;
ele se esforça em romat o lugar d.o nietllad.o r e de ver o mund.0 através
dos olhos deste, com a e~perança çle que à c:9médfa., paulatinamente, 5-e
tornará realidade. A vio.lê·nda cio sádico constítui \jm novo esforço para
atingjr a divindade.

O sádico não pod.e çrrar para si _a i Iusão de ser o mediador s-em transformar
sua vítima em um olftto si mesçm. N'o éxato mornentJ) em que redobra
sua b.rut-alida<l~ não pode detxar de se reconhecer nó Outro sofrédor. T ai
é o sig,ndkado profundo dessa,estranha'"comunhão'' tão fi-equentemen{t'â
observac:L3 entre a vitima e o carrasco.

É comum dizer que o sádico persegue porqüe ele se acha perseguido_ É


'1.e rdade, mas ainda ·não é .a verdade toda. Para desejar perseguir é preci-
·s o açr~ditar .ç:star sendo perseguido por um ser que alcançp, no· próp110
âmbito da ·perséguição, uma re~ião de existência ·,nfinitamente superrqr
à nossa_. Só se pode ser s_áchço se a chave do jardim encantado estiver
em poder de um algoz.

O sadismo·,révela máis uma vez o prestíg\o. imenso· dd m~diadór. Agora ..


a face do homem desaparece sob a -máscara do deus infornal. Por mais
horrível qq.e seja a. lorrcura do sá.dico, ela tem o mesmo ser;11iido que
todos os desejos, antêrior.es.. E se o sádico !'gDça mão de meios desespe-
rados é porque soou a nora do desesperq.
Dostokvski e· Proust 'reconhecem o caráter imitativo do s.adísmo. Dé-
pois do. banquete em que ele aviJtp u-~e, humilhou-se, acreditou-se tot-
tura<io po.r verdugos medíocres, ó homem .do subsolo· tortura de mod.o

2 1-'4
MENTIRA Ré:lMÂNT!CA E Vf~[)Ad_E Rt/1\J..ANl.:5.'t.A
1)icnauu,:;nte reai' -a pebre prqstit'(Jta. qu~ lhe e.ai na_g _mã_os. Ele h:i;litã a
~ooduta qu~·fi.e ns·a ter tido com: cle o bando de Zverkov·;. ele ·aspira à
dívinrla:di: êórp a. q\!al .•;,lia àngus'tlà revesti u ess_es medíocres ·comparsa~
o.o d~cm,~er das c~nas anter,ic1rr;.;~.
l\ ·o Tdenação sef{ue ndal dos: episód.fos, 'ej;li O ~uhsófo·, riâ g é inclifote_nt~,
Ô b ãnquete vem pr imeiro, as cena.s com a prnst1tuta v.ê m depois. Os-
aspecçtq~ t~.s tençi:ais eia esJrutura masoqu,ista-sádica p:recedem s~us a~ .
pettos sexv-ai·5-. Lócrge .de prjv.::i.l~gi~r ·estes. u.ltimt;)s,. como fazem tantos
rné-P,i½O.S e· psi(IUj<!,tr,i'S, ó ÇQcnaiicist:a açen.w,a; O P't:-Qjê't.Q .itJcliv.i-d_ual .b ási~
co . Os Jffo.blemas qu.e @ masbgt:ri smo e ·o sa·dlsmo S'eXqais clpres.e:rrfàtt).
·só fi.cam es'éÍar.é_éidos se forem vi,s rns como 1:1n1 reflexo ·da existê n'é:ía.
e·m s~ tQdQ. TQdo refleso é evide.nttme.nte p0sterior à ·c.oisa ,que ~le
~ê.fl~te. ~ O ffiçJ:$0.t]UfSIBéi $,eXµ:éJ,f ·q_ttt ~ O ie_spelho do. 1iia%.quism0 exis 0

tencjal .e nâo (.) ~ilve-rsó. Ççimp pô~emo.s tàilstat"i{t' mais' uma ve-z:. a_ s
iiiterpretaç&es que es-rãq IJ'.il m9da sempre i 1wettem. õ. sentrd.o v:erctã-
tle-tro e a hierarquia <\fQs fenômenos-.. Da m@sma ·forma qu-~ se' p.q~kJ.q"'
n.à o _s~adi~ril.() el)J. _prirn~im plano, .â ntes do rnaso:qui'srno,. e Q1Ue se fala
,etfl sadortrasoql1i S,1)'lQ qvªnltc::1 s~ devêfj·à .fal:ar d,r:: masoq)Jisrnó sadism0·,.
0

priorizarn =se ~i-stematica,niénte ç5~ êlemento$: cS<=X\lci'ls GQIP rdaçã'o a.os


element0s existcmcia is .. . Bs_sa i-t;rv~;rsã'o. ef- tão c0ryst~))t~- g ue d:a podt\
por si só, definir a passagem. d·a nrdern verdadeira,. qrre ·é ~ctafí~ita, a
e~sas contraverd.a.dés· .eui que s·e-.cnnsti<t"uem, fre:queí:l'temcnre, as "p·sl.,.
ca·logia:sn ~ as 'i ps_ica:Qált$e'S''.

O masoquism0 e o sadlsm0 ,'5:e~-u~is sã.o i)Ji}uçfües, é11i ségünd'0. g:mçr:


são .ui::Jí.fações dessa jmitaçãa que já é a exisrenda- do ,su,jetto no desej_o
rm.êurfísíc0. Prot:i:st. :como IJostoie\íski,, viu pe:rfoi tamerJte ,gue o Sct.dis-~
mo é- iljtla tô'pJa, uma c.:ornl dia a,p~·i5cQn'.ad_ç1 qu:e- S€ :repiése-nta para si
mesme mnn ffrn mág.i;ct).. A srtâ. 'VhrteuO. se e~força ç.n1 iinit,<!,r Qs "m_;:i.J.-
vadns".: -sua profanação da le1J1:bra:nça paterna ~ uma· .m.ímJc-a ·a um ·s,ó
tempo gross,eira e Lrrgênua:

li f 5·
Q ,ipff l.JL.u .a: - MA·SO'<. ,;[Ul ~M·q E SA.D I.S-MO
Uma sádica corn·o. ela é:urry artistâ do maL.colsi,i ·qu~ uma criatUra ,tntei-
ra111.eF1te má· não pode1ia ser, poi~ ô mal não séria extc:.riQr a cla,. antes
lhe p~rccci'ia ruuifo nat[J.raJ, nao che~ndo mesmo à dis,tingµfr- s:c da .,"Uâ.
pffssoa ....é na pele- doli m;,u~ qçce (.esses artistas]. .. procuram entrar_._ a
fi m. de que p.ossam te'r po'r um insta nt~ a iJu.sJ o cl,e se hàverenJ evadido.de
sua -alma. escrupul.o sa e terna para o muodO' inumano <lo P,ra.7-er~

O sádico, no próprio ex::e rçíçio do. mal, não deixa cfe se identificar com
a. vítima, isto é, com a inocência pefsé-g ui~ . Ele encarna D Bem e seu
media·dor o Ma1. A ·divisão romântica e ''rn~rniqueíst~" ~tre o Et1 e os
Outros está sempre presente; ela até âesernpenha um paQel essencial nQ
sadomasoquismo.

No fun:do de si mesmo o masclquista vomita esse Be.m ao qual de acre-


dita estar cqn_denado ·e adora e. Mal perseguidor, poiS' o MaJ é o'media-
dor. Essa verdade é particu,latmeri.te nítida ern Prnüst. JeaTI Sanreuil, n9
lrceu , Rrocura os rne.ninu.s brotos que fazem dele um s.aco de p·ancacla.
O narrador éf~ E1t1 Busca. .do TemJJQperdido define o ser çl.esej.ado como ''a
ohjetivaçãEl ineal e, diabólica dô temper11merít,9 opo-5,to ao meu, da.quela
vitalidade crue l e quase :bárbara que faltava: à mi nha fraqu.~ e a meu
excesso de dôlóros~ se.nsibLlidade e de intelectualismo"3: N,a maior parte
do tempo o pn5prio -sujert.9 ignora sua pai;xãp pelo Mal. A verdad~ s&.
aparece como um Taio, na vida .sexual e e'rt! certas_ regiões excêntricas
çía ex.istçncia. O 111e1go Saint-Lo:up só é cruel en1 sµas re-laçõ~ com. 0:S:
criados_ A consciência dara estâ tQtalment.e ocupada com a defesa do
Bem. A exasper,açào do desejo se traduz c;om rrequênc:ia, nesse rúveI, p.or
uma exasperação do 1'senso moral", por um delú'i'o d~ fl.laotrqp1.a , por um
eng~jamento virtt1ósé! nas mil'ícias do Bem.

' No caminho.d, Swa,m (v,, O. P. 142. op.ch·. (N.E.)


3
À sombta das raparigas em _flo,, (v~i). p.332, d p.dt (N.E)

2 16
MF.NJ lRA RO.M~NT IC:.A; F, VÉRDAD'E ROMAN ESCA
to.deís· Oi; húmi\ha_dos ·e -o_f.eHÚt<dos'.'',
Ô Çi~Só.@ fSt,a Se i.d'ériti'fk;a CQffi
11

eom mda,s as infelicidades reã,i:s e ün aginátia:s que l'ernbram, ·.ob.s.c_u-


rarneH:te, :seu próprio destino, E é 'C omra l1$Se ;Espftito d_ ô Mal ~m s·i
qü@ o mcJ.soqu.iS:ta se ressente.. Elf; nã'o faz tanta q11est-â"0 ..dt esma:gat os
ma[doso:s:g~ntp .d~ lhes provar: à malv'adeza cl.des, e sua própria virtu-
de; gostaria de cobr1-l9s. ti.e v:e't~o nha obrigando-o~ a.' :contemplar ,as
vítiimas de sua infâm~a.

A \r(Iz da c®.rtsc-iêndan; filesse estágio do cl:e·sej.o, s.½ oonfunde p~déita-


ri:feq_te :eom 0 ódio que o. mediador s1.tscita. O masoquista fa.z de-ss~ qdlp:
um deve;r e C!:Ç>Jfq.ena: tudo. o q_tie n,ão Gd~ia como: ~l'e,. Esse. ódiO' permit~
que .o sujeh:9, destjàrtt~ cu1\serve o~ olhê1f c;on:stajl.tefílente tixo.s r:i:.o ·seü
mediador. O masaqúista está -t~p 0_bsti.11ado em ~ê'\trq'ir o mal. deliçi"Qs.õ.,
que ek se aér~di'tra incapaz de perfor:ar e.!lsa, armadbr.a líljl)'enenJvel_ é
atjI;1gir ·à di,v<j_ndad.e.. Lqgo,,. ·.éle renufltiou aµaixonadamente ao. Mal; e_;
cotnó 9 p.oi;nem dp ·snbsolo, eo prlmeirô que se tiipa.nta -à-nte determina-
4-os f~t)Qn;enns desag:radávei~ (4ue nota e!h si mesmp e qu,~ lhe patec@rn
estar em c:ontradi.ção emn toda a, su~ v içla Q1NaJ .

O rn~soqtHs.til. ~ fun.darb.entalrn-ente pess.irnista. Eie sabe qne o Ma·] ~stá


d~stínado a triun~r. ! ' nç1. Ç'l_\talida.de &: um deses.JD,era.ào que luta· pela
hoa 'causa. Es_sa luta. tp_rnª-se. ã~sim ainda ril'ç!Js·"merit<$.ria0 •

Para 0s moralistas d nicas e, mmr sentido ligeiramente ·dHét-e_nire, par,a


Niet.i.s.the., todo itltiiuTs_mo, toda id~ntilicação ·Gm11 a fraqueza e .a impp-
tênç.:í-a deri"'1Ql tlõ mêís9qµis)no: l?ar:ct Dosfo.í.evs.ki, pel:0 contrário, a· ide-
o'log(a ro.asc·qaista1·comQ todo§-·1~ dettiàis frutos· do '.<Í1;seJQ metafísico,, é
uma ·imagem invertida .da tl;an~eenµ.êntia V~ttical_. ·E,s.sa c·atícattlr~ ~troz
é um testemunho a f.avor do original.

T0dqs ô~ v<1lôres d~ m_o.11a.1 çi:lstã . .estão. presentes .no r:náS:0ciliis·m o mas


sua b.J~~rq_ui~ ~ tá ínvertida. A c;o:tnp~o ouncà ~ o prínçíp.io e sim a
consequência. O prinçíjrio ,é à ó~o d.à fl).a.19--oso. ttíunfan~ . Amá-.se .o

2'17
<SAP.ÍílJL(} 8 - MA~Q~U ISMO .E ~i\bl.SMO
Bem para melhor odiar o Mal. Só se detende os .oprimidos para ll)elhor
inve5tir co!)tra os opr~ssores-.

A visão ma-soquista nunca ·é -independeDte. Ela i: ~empre oposta a u.m


masoqui·5mo concorrente que organiza.: os mesl1}'os elementó.s nµnia
esnun.ri-a simétrrca e invertida. O que é dd'inido como Bem numa pla-
ca do díp.fü:o é auromati·carn:ertte defrnido como Mal n·a ou.tra placa, .e
víÇ,_c-versa.

Dostaievskf suger-e, em Os Der,1ôfeio5, que todas as -ideol:ogi--as modernas


estão impregnadas de masoquismb. O infeliz Shatov procura desespc-
radament~..es\.<apa,r, rà tde0logia revelueionária, 1;nas n'a niãioría ôas vêze$
ele só con·segue cair na ideolog1â re~cion-ária. O Mal triunfa ·novamente
no estorça ,que Shatov faz para se livrar dele. O ln feliz procura a afir-
m<;1.çào1-porém só alcança a negação da ·negação. A ideologia eslavófila
pto~edé, como, as· demais,. do fapfrito moderno. É S:tgvr.ogt!ln~ qúêm
sugeriu .a· Shatov es.sãs. novas ideias.

A pérc;;onã.g.em de! Shatov -destrói a hipótese d.e um Dostô.itv$'kl


sm;L-plesmente réàcion~·rio. A tendência eslav_ófila em Dosto'ievski,
como certas Formas de espírito revóluêi o,n ârlõ em SJendhai; é um
romantismo m·a l superado . Sha-tov é D0st0'.iev.ski meditçind·o _sqbre
sua prôpf"ia evoiução ideológica, sobr~ sua própria 'impotência en~
escapar aos mo.dos de ]'.fens'ar n::e_gativQ?., !; n_~ss.a rnecli'taçâo mesrna
q\.te Dostoievski supera- a ideo[og1a eslav6fiJa. O esp írito pa'rtidáriô
ainda trtunfa no Di.â:r.io de um fs.erito-r4• mas Dostoievski o esmaga em:
()5 [rmâ'os Karamàzov .

É nessa '>úperação da ideologia eslavófila que s_½ ~irua· pára nós o pontt.>
mai_s alto aó gênio dostoievskiano.

' Edição prasilc:;ir-a: Fió,d_or, Destoievski,, Di1frio !k um esGtitór (seleçã'oJ. Ri0 Ôê Jnneiro,
v.dlouro, [1993]: '(N...E. )·

·118
M'Ê'.NTIRA RO.MÃNT!CA F. 1/ERl>.ADE RO~lANFS ( A
ateus,1os frçfessp)·es-do rnáJ,. os rµa_-t'ériabístds; ,rn~smo Qs rf1a.tis.de,:ilre eb .
1\lãta o.dieis os
po'is.muitos·s.ão bon5, sobretudo.em -nessa qmca5:.,

Dàstoiev.~kt .em ru,do q_tie precede Os fon.ãJiS x;n;im_(1Z0!1,, e Proust, ao


Q

lon,gp de, sua· ob~, sucuQJ.pem 'às vezés ~ uma tên}~5;~9: tiT! .c omum: ~les
dotam ,c tTtas personagens de ma'ldade .em ?i.. de ,UII)a cnreldade ql,ie é
p:ri'I;neir.~m€nfe a re:s·p,ost.a a uma emfra crueldade, ou a uma ilusão d:c
cruéld.àcte. Es~e~ tteth:os rd1'etem <1c. ~$tnl'.ttn-a sadomaso:qu.JsJª ·da e.~peri,-
ência;. eles não a: revelam.

O 15êrtio, ton,ianeséó ~e fup_dj)m.enta nurn:a. ·s.líp.eração ·qtre permite a Ee-


veJação do:des~jp Q:retafüico, ~~s ,c:~rt_Q~ teéantó.sobs.::;u:ros ~~rdú.1:aá1,,
:certas obsess.õ es rcststem ,ã l:[,íz· ,r-0rn.anesça., A sup~ra.ç ão é 9: ftu:to de
urna, htt';). 1ntêr.i:or :çi,1jôs v.e:stí~io,s ·sempre lirnm nt') p,r .6prfo· r.0mance. O
·gêr1_i0 tom.'.l.~es·c o se a?s_~rrrelh~ à :$Ubi& dás ·á~-m1.ú:1um t~r.re.no· acfü11:m-
tado . .Al_gumas ilhotas subsi:sfem qrnmcl.0 todo o r~~to ½s~á, ~\1btnêt~à.
N·as: .regiõé'S, e:~~rernas -d0. dese_t,o met-afísico ex,p lorndas pefo mmands-
t-a, l;i:á. setnp;re uh)â. ~XH1<! ctítH:;a. ~tu PüH.is,t,~ -d.êtefmwà.do-s ,a:s.pe4-'t-ó.s d@
d esejo horuog:sexua.l fazem. parte ,fossa 70néJ. qrrçJ:e êl -revefa:;~o roma•
nes4L :se. 'fà::z; Jo;n~mente esperar e ·ond'e ·nem sempre da co:nse-gu--e :Sf
irt112or dtfü;itiv.arq:e:ntç.
Em seus pont0s- mais aJtos, €ontudo,, ,que naú raro são 0s úJtrini.óS, o .
r9.p:jar)C($.t~ ·t,1}µnfa .d0s ~Uprembs 00Stát<.'Ulos-;. de. consegue r:econheGet"
,gu:e éi Mal fasd~rrte não mals r~afrdadê
t(;.rn do guê ô ]e·m:co.m o qual'
0 rnas0·quista· se- identifii;:a autornati.ta:r;neot<f'.':

'.219
<,AP IT,Ul.U s·.,.. M..,X50QU15:MO E: SA.t) !,SJ\.tf');
[A ~rta. Vime.ui]] n'<Ío teria acaso pensado que ·o mal fosse um estado
tão. raro, fão extra.ordrnário, tão 'jc;Q!ante, e pàra onde erª tão gram
etni~rar, se sóubess:e di~<;mi-r em s.\ mesma, como em ·t9âo~ outros,
essa indiJereoça pelos sófr1me:ntos qµe .nós mi;;smos causamos e que,
por mais díverso.s nomes que lhe deem , é a fo rni'a temvel ~ permanen,
.té :da cmeldã.de.~

'l;ssa frase p.areee rnai~ bela ainda se $e pensar na imensidão. d q trajeto


esplritual que se ~st_ende por trás dela·... O pesçidelo do sadomaso.quista
é urna n;ientira tâo grosseira quanto o sonho de Dom Quixof~ e a. Husão
burguesa padrão. No fu_ndô ,. é sempre ç1 ·m esma mentira .. O perseguidor
digno de·adora.çã0 não é nem deus nem d eni6nio. 'Ele não passa d e lUD
-ser s~m:elhantê à nós, .t anto mais obceeado em e·sconde-r: ·seu próprió ,so-
frimento e sua humilhanção quanto ma.is intens0s des fote_m_. Albertin~
se revelã insignificante. Z verkov 1_1ão passa de um fraco imbedl. O errõ
db sadom'a.Soqutsta nos faria rir, como o de D óm Qujxote, se as conse-

,
•'•
L
quências da r_nediaçâo n;i.o fossém tão 't emíveis .

Dóín Qúlxo:~e, aos olhos .de Cervames, .~ um homem que se desaci'da


de seus d.ev~rçs. M~s .sua loucura não o opõ~ ai-ndP- radicalmeAt e aos
va lores da sociedade-cristã e-civilizada. A ilusão é bastante espetãculax.
mas seus deitos petmanec::em a~.ódYn ós. p·od~-se dizer, sem paradb~o,
q~e D9m Qu:ix_ote é o menos louco dos her01s de ,rorp.a_nce. A _m entira
se torna mais impud~nte e s1.1as c,;:m:;,equências se agravam à medida q:ue
ô rrtedi.a dor se ·aproxima. Se .awd.a temos dú-vJda é porque o insípido, o
medíocre e até" mesmo o -sórdi.do e o a-crez gqzam ,a nossos olhos de um
preconceitq. favorável, pem que seja no sentido ÇÍ.e fazetniqs çleles ·n os-
sos critêrios de verdade. Uma -preferência irf;lçional mas .sig_n ificativa -
elá própria resultante de ·um~ mediação .c ada vez rnais·exacerbada - nos
faz d ecretar que o sub~olo é· mais ''real", mais ''verdad"e iro'' que '10 .be.lo

h No cgmi?1ho de.SllJann (v.1)_ p. 14:l., op.cit. (N.E.)

220
MENTJRA ROMÂNTI CA E YE R~AbE ROM ANESCA
·e o subUm.ê' dú p)'fmeir.ó mmantisr:110.. D.enis de. Ruugemont denunciou
etse stttpre~J).deote pte.cor)çêito etc:1 ,Q·A»(or e ·o ,Qtid.wtfe:: ·110 mai.s .baix.0
r:i.0s-13arece o ,mais v~rdadeiro. ·Ê,a sup·e.r~ti~ãq. da épó~a.'! Nú hrn4o, s_et
rttilist~ nãó é mai-s do··que fazer a balan~a do provável pesar·para p p)or.
M.ãs ô tel:!Üst.a ·s~ ~ilgtin.a maJs reclónctament~ ajnd-a .que o idealista. Nãcr
ê· a v~dadei ~ ~i meJ;it~ra. que progtid~ à medtdã· que os.• 11p<i-Iãcios: óe i:tds.-
taJ1'· S€: transformam em visão :in'fern-al.

() içroO rbrnahé~CQ .5-~ clev,p. e,Çi.pia di!S Op.QSiÇÕ.es ge:r_adas l!)eJo desejfJ
m:eit-a'ft~.yo. El~ ·p1;0cw,a nos m_o·stta:t seu ca:rát·er ih:tsór(9. Ultn:rpassc1. as
caricaturas rivais d0 Bem e do Mal que ·n.os propõem as fat:çãe·s. Afirr;na
a idenJíd.a.de dõs .contrfülos no. ·ãnibitó· dé! mtdlaçã:o interna.. Mas nãG
theg.q; ,aq relativisrt\b moraL .Q c:nal e~iste·. As tóttctt~s qµe o homem do
subsolo 'inflige ~r jovem pmsiitu.ta não sâo irnaginár\as, Os ~qfri.ttie.n tos,
<le Vinteutl são, da mesma formai. r:eais atê- .démáis. O Mal e::&iste e é u
prôptío. de-Sejô met~fís'itq., é: çl tran[ç.endênõa d'~wia.dâ. gue teçe õ.s ho 0

Jtlens ao revés, sepa.rando o q.ue alega unfr, u-nin.(j,o· o ,que .alega s€parar.
O' Mâl .é .o pact0 ne.gati-v;·ó do,ódió a.ó ·qual tantós homens acleTem firme-
m.ente para $iJa t_nútüa destrui·ç~C;J~

::u·J
tApfTULt) .s. - ~1ASúQiJ JSM0 E ·s ADJSJ\.1Q
y

OS MUNDOS PR O·USTIANOS

Comb_tãy é µtu u.ni\lér'?.Q ptot.egi cfo. :Lá, :a ctía_nçJ:i vive ,à s:omhr.a dos,pi.tis
e dos fdo.los- famiHareS' na -me~~</. bern-aventu:ràda ffnimida,d e ·que a, al-
deia mediev·a.1 à, sommrâ d~ ").CU carnpa-nário-. A Lmrdade de Cornbray :é
ê5p_ititua l a_t')'tçs d'é ,~r;.r ~eqgráBca. Combnry,~\lma.\;i·são ;e;o_mum a•to dos
os membros. da fom'ília. Urtt~ deterutj.nada, ordêtn é in1PQ,sta ~ rç:alH::lad~
e- aqLre fa nâ,o mais -s e ·disi:ingue .desia. O :p-rrimeirn símboló..d.~ Cernhray·é
a Lantfm~ mágiça, d1j?S· jma.geús. tóma.n.tlo o feitlú dos objetos sobre os
quais- slfo projetadas., n,d!> são re-tTetidâ.~ in.di~ét.e.nternente p~Ja.s pa_re_des
do quart0 1 o. ah'ajur :<: Hl as. ma:-Çianetas de porta.

.C:orrib:ray -~lt.1il'a c1,1lt1.Jra feçhadi, [l.Ô ~~ntidQ etn.P.ldg_icó· dei termo , um


·we'/t diriam 0S a(-emâ·e,s, u.q;ri] peç:jl.:let)õ Jr1UI1_dô [;ffQt~gi_él,9.'! nO.S d,iz Q TO·
1
1

mandsta. É f5ór mei0 da peFCe_p-ção que se -abre 0 abismo e ncr'~ CotJ\b.tay.


é O !'I)UD,dô :e xté,ri0r~ Há., entre a pe-rte_p,çç:1.0 de Co:mhiray e a des bár 11
0

11
bar,ls uma. dffe:rença es.pet:ífk.~ cuja r~vélaçâa constitctr :a tarê:hl básJ€a,.
1

J Em.alemão "Munda'\ J N.D


do romancista, As. duas campainpas da porta de entrada no~ propõem
ur.n pr1mdro s·íi:nbolo,. mais propriamente do Ql.l'e uma iJustração-1 dessa
diferença. "O c-arriLhão qu~- todà pessoa da ca~a àcionava ao e.otrár 'sem
tocar"' e "o duplo 1:ilintar tímido., oval e ·dourado da sineta para o's estra•
11
n'hos remetem a dois UTiiversos int.omensar.áveis,

Até um de termlna_tl0 ponto, ainda muito superficial, C(:)mbray rnantém-


~e çapaz ·de perceber .a di~tânci4 que sc;parq. ·as percepçôes. Combta.y
nota. a diferença er1tre·.as duas .campainhas: Da mesma forma, Combray
não ignota que s.eu sábãdo tem uma cm:, uma to_nalidade pecuÍiar. O al-
moço, nesse dia, E adiantado ei:n ania hora.

O n;torno daquele·sábado assimétr'i'co era um desses peque_nos acónte·


ti mêntos inter'nos I9cais, quase çfvicos que, n ás vidas trangLiilas e nas
s.odedades estabilizadas1 criam mná espéci.e .de elo nacional e ;e.(o'mam
<;> t~a favorito das conver~a-çtie·s, dos graçrjo_s, dos rela.t os ddibera-
danrent~ ·exagerado.s; constitui na um núcleo, já_pronto, para llIP ciclo
lege.ndarlo se alguni de n9s tivesse a bossa épica?

Agente·de Cómbray se sente-solidária ê fratema-q_uando descobre o qtre à


opõe à·s j)éSSOi;t~·defora. Françoise, a. eh\pre'ga,dà, s,aboreiá partícularmeme
essa sensação. de. µrudade . Nada .a diverte .tamo .quántd ess~ péquenos
rnal-entendido!>ocasiona.<lo-~ pelo ésguecinwnto não do sábado as~iniétri-
co, mas do fato de-q ue os estrangeiros ignoram sua ,e xistência. O "bárba-
'f.o" 1 boquiaberto frén'te à mudança de horário da .qual não foi avisadp, lica
rneio ridícu1u. Ele não é um iniéiadd. n.a verdade de Combray.

Os ritos '''pàtrióti.cos" nascem nesta· zona ihter.med.iária onde as diferen-


ças entre N6s e. os Oti.tros tornam-se· perceptíveis sem sé app.gªr(m com -
pletamente, O mal-e;ntendidq, é ainda ·s e[RipropositaL Nu[Jl oivd 1'nais
·profundo, ele ab:solut,amente não o é IJ].ais e o romancista narrad0:r é,

~No ctmri~ho de Swann ·(v.1). p. 99, oi:i.cit.. (N.E.)

224
M.EITT,l~A ROM ÂNil CA E V_ll:RD'A.DE ROMANES.CA
de-ntre todos., ô único ~àpaz. de transpor o a:bismo entre,: as Qerc~pções
diver.gentes de un;i meS"mo obje'to. Co.rn.bray ê incapaz, por exemplo, de
eo.fender que, ao lado do Sw.a.nn líurguês é doméstico a quem se está
h,abituàdó, existe um o_u tro Sw:anrr, aristocrático e eleg-si.nte, percebido
exclusivamente pelas pess9a:s da alta sociedade ..

Çev~anv;mc, no Swann que minlia tamíJ.ia havra construído para si,


fora om_ít_ida pgr ignorância de trma mültidâo. de -partic.:ul.aridades da·
s.ua vida mundana que dav.am motivo ·a que outros, na sua presença,
v'tsse:rn t0do, um m:Uh'do de <:'leg'âncias a dom inarem_ O rosto,a:té' O· oariz
recurvo, quç era com0 a ,;;u-a fronte.ira> nàtural; m_as, esn -compen~ação,
havia Ifodido acumúla1 naqu,ele rosi:o desl?ojact<> de seu ()Têstígio, vago
e espaço.se, no fu:nclo daquele~ 9)~~ d~P.reciadq.s, -o ·incerto é suave
reisíduo - meio memória, meio esquecim~nto - da~· h.oras --9cí9saS' pas-
sadas e.m ·sua compai,hia ... 1

Q romandsta tenta nos fazer ver, tocar, sentir o que os hqmenS., por
definJção , não veem, não tocam e não sentém nú_!1ca: duas evidências
perceptivas tão lmperi0sa-s quanto contTaditórias ~ntre: Combrãy e o
.mundo exterior não resta m~Ss senão uma aparência de comuríicação. O
·qu"iproquó é total mas su>crs conseqüêndás sã~ mais <Zômkas do -que ttá-
,~icas'. Temos um outro exemplo de mal-enre_rtdidô. cômico nos, ag:rade-
'Cimenrns imperc~tívéls ,que·as tias Céline e Flora dirigem a Swann por
:um present~ que e:le lhes rnand.ou. As alU&ões s:_ão t'ão. vagas e longínquas
·q ue ningaé,m as nota. Todavia as duas soltei_ronas p,~ó poderiam jarnais ·
supor.que correm o risco :de não serem compreendidas.

De onde p.róvém essa: incapaéidade ~e se comunicar? No caso dos


''dois S'Vann" tudo está centrado 1 ao que pa1;~ce, ·~m çáusas. intelect.u-
:ais, numa simp les eséassez de informação·. Determinadas e.xpres~ões

3 Ide m. p: 24 (N.E.)

125
C,A.PfTlJLO '\/ - ns ~1UND0:S PROUSTIAJ')JO'S
do s.o mancistâ pare11:em confirmar essa híp.6te$½· Ê. a i'tj1101:ânçf4 dos pa1~
qüé dá existênt:ta. ap Sw,á,nn de Combr'ay. O narrado] vê nesse $w.a:I)_n
famJhar um .çÍos .êrtqs eht.an:tadorb ç'é sua.)w-entude.

O e-rro 6 géralme-nte acidental. Ele desaparcece assrn;i: qu~ se c}1irll'!á 5óbré


eLô ~ atenç?ó .c[e ffileIJ) se, engaoou, ass·im qu:e se dá a es:t'e ns:; meios de
retificar: s.eu errn. Ma~, n0 oas:o ~e-$~ann, 9$ indícios vã.o se mrutipli-
c:ár, ·a verdade vai sur~i-r de torlos ns lados sem qu~ a op.inj.ãp dos p-,ai's,
e ~ohr<!túdo da ti$-avô.,, se mo.d.ifiq:u_e. Frta~e sa_bend.o. (1J'tte Sw::mn fr~-
quent~ ~jswe;;,rata·~- Lé .Eig,mQ ménétõrr.a os,quadros da "éoleção Charies
Swa:rm". Atia-a'tó pe1manece inàpaláv.tl. Descob(e:-.sé ~nfu:n c;rne SW:.êió.P
ê d êimigG. da· $J~ .. d.e Villepans'í-~- porfüm, na concepção da: .d-a-avp,, J.qJigé
·de v:alG·d.z.at ~Wd'.Hfl, ~?.58, nQtíçia tém Q l'ês_ufradQ de fé.baixar a sra, de
Vilkpârisis: "Como pnde da ç@nhe·ç~r a Sw:atJ;rl?· Um p"essoa gt.t.e tµ. dl·
zjqS; p:ai:.evta, do. marechal Mac-Mahon!"4 A verdade, ta·J quaf u-i;oa: [)'fosca
UJii?ór'tupã:_, tdrn~ tepeJ_i_das ve:7;-es ã p<':!üsar n.o:nariz. da: tia-avó, mas basta
um .gesto-,, com a'& costas da: ma:-0,, pará ~spa:~t~~la.

As_s~n sq1d,o, o ~mi oro-.U-s-t,ián.o n_ão pode: redu:z:ir-se a suas causa.s. in'te-.
~ecruals. É. ptet:iso totnàr ,ct.tid,;11fo pçira nâo fulg-ar l?rous.t a partir dé um
termo isolado, e :sobretudo ·no se-n1:ido par.titul<!'t' à'ó :quif ~l $U. qµ~l .:fl--
1

)qsõfo li.n:uta.d es·s.~ termo. Torna--se nece6-sári:o ir alem da~ pa.lavras pa;t~
chega_r à S1J~1sta(lcià rqn:ianê$éá. Á verdadê de Sw4cnri Bão penetra em
C0mbray, porque contradiz as c-ren:~a~ socja,ts q.a fam(lia e seµ sé.tis.Qdas
·lúêr.ar<;(tíJa,s bttrguesas_.Os fatos 1 OQS di-z greust 1 não penetram oo r1~ur,dci
pnde rtin:arrt no~:sas c:renç~S.- N:â0 são ·e1es quê as geraram/ não, são eles
que ~odemdestmi ~las. Os .olho~ e 9s ôuvi9-0's se: fet:'h<im qu-ar'l<;ió a sáú'de
~a 'integr'tdade d0· universo ·pessoa.! estão· em J0go. A mãe ollí.a ~9 pai,
m,a:s não ni1.iltb -a-t_entàment.e. _pam 11ão p~etrãr )1ose~eda de suas supe,,
r.ioridades". As tia:s, Gél(Qe e Flpta possuem hUrr;i grau ~upérior ª p..re.cJôsa

'll6
ME/\iTlRA Ró1'i1ÀNTI ÇA ~ VER QA.Q.E R0 M.AN1:S C::A
faculdade ·de não p<trceber;- elas param de ouvir assjm qu~ ~e conversa
érh :S!,ta pr~çnça de_<::oisas que não lhes interessam.

Seu senti do aurlitiv0 . . deixava então· em re pou:;o os resp.enivóS, 6r-


gâQs.recenrores. fazendo-os sofrer um verdadeiro princípio d~ atrqna..
Se entàó mell avô necessitava Ghama-r a atenção da.e; duas -irmãs, tinha
dé nicartef a essas advé'rten.c:ias físicas de-qu~ ?e: sçrvem QS afien'istâs
paTa com cerms maníacos da distração, golpes repetidos num cop9,
Com a 'lãmin.a .d.a faca, coindd'rodo co:m uma brusca iO.t'erpeJação .da
voz e do .olhai' .

Esses mecaHismos de defesa têm origem, óbviamente, na mediação. No


grau ele afa}tc1mento do mediador que ~ o de Co.m bray, élés c_o,rre-s:pon-
1
d~m meno._s? ' má-fl' sarh-rana do que à ,/!mentira orgânica" de que fala
Max Scheler em O Homem do Res~mtÍIIH'nto6 ·, a fal~i_ijtação da experiência
nãó se faz conscientemente, cotno , na )lJentira sfüwle's, e sim antes. d.e
qualquer experiência consciente. já na elabora çà.o das ,eprese ota;ções e
dos sentimentos·d~ valor. A ''.mentira otgâbica'1 funciona a cada vez que
o homem só q uer ver aqui lo que convém, a seu "intetess·e" ou a .alguma
outra dis.posiÇão d~ sua atenção instintiva., cujo objeto fieà a,s.slm modtfi-
c:ado a té el)l sua l.ernbrãnça. O homem gu~ se en~ana as:sjm não preci_sa
mais mentir.

Co_rnbray se afasta das verdades perigosas, como o orgarilsmo s_a dio qae
recusa assimilar o que pode ser pt~jud(cíal .a su.ê! sáúde. C0mbray é um
olho que rejeita as poeira.s irrhames. Logo, ca.d a. ·q ual, em Combray, é
séu próprio cen.sor. Mas ·e ssa autoe:ensur.a, longe de ser penosa:, s.é coá-
·fontle com a paz de Cornbtay. E se fund~ inteiramente, em sua essência
originária, c<:>m a pia vigilância de que se cercã à t-ia Léotüe. Ca:da qual

.5 l~em, ib-..p. ~6 {N:E.).


6 Max Sc&ele( L 'hommeai1ressen.timent Paris.; C.ràllimard, 1970, (N .E,)
1

227
CA?ÍT ULQ 7 - (% f).1UN1)05 PROU-ST I A.NOS
se ~sforç_q em mantê-la: longe de tudo aqüílo que poderia perturbar sua
quietude. Ma..rcel é repr.eendido quando afin;na d~ maneira iuefletida
terem enconuad.o, durante rn:n pas_seio, ' . alguém que não ·conheciam".

Aos o.lhos da criança o quarto da tta ·Lionie é Q centro espirituai, o ver-


dadeirq .santuário· da resrdência da família . A mesa de çabeceira coherta·
de água de Vichy, me.diçam~ntos e livr,oSc de devoção é. µm altar onde..
êl'ss1~tí.da por Françoise, .ofíc:ia a grã-sacetdotis..a de Comhray.

A ti.a pa,rece inativa, mas é ela quem m.etamorfose'fa o dado heterogê-


ne0; transforma-o em "matéfí,q de Comhray";, torna-o u)lJ alim·ento as-
~lmilável , rico e saboroso. ldéntilica os tl'an~euntes e os cães anônimos;
redu;z; o desconheddo ao c0nbecido. .Ê graças a ~lá que todo ·i:onheci-
.mento e toda ve.i:dade pertenc.em q_Cornbray" Combray, ·1,qHe- um -resto
d.e mura1has eia Idade M é-dia: cingia aqctl e a_h nWÍI traço tão perfeita-
mente circufor como Ltma cidadezinha num quadro de primit'ivoi\ é
uma esfera p€rfefrã e a tia Léonie, imóvel em seu leito., é o c:entrQ dq
esfera. Â tia aão participa das atividades da famíiia. mas.é ela quem lhe.s
dá séu sêntido .. 6sua vid1:n1,a que faz com q1.ie a esfera gir;e },annoni.os.a-
meme. A famflla se espreme ao redor da tia como. as casas do vilarejo
ao· redor da igreja.

Há analogia.~ i111pressiorrantes: entre ,a esrrutUta-orgãnlca de C0mbray e a


estrurura dos ·s alões fnundan0.s. É a mesma visão circular, a mesma coe-
são interna sancionada pót\i,rn s:i-ste.ma de géstos.e palavras ritualística.s.
O salão· Verdur.in não ·é um simples local de reupi~o, é uma maneira de
'7er, de sentir, de jt.Ügâr. O s·at.ão é também uma ·"cultura fechada" . Logo,

1 No Cammho dt}S.wam,. p. 48, op.cit. (N,Ê.)

128,
l\!,ENTIR.A ROMÂNTICA E YERDAD.E ROMA N ~Sê.~
o. salã0 v.aj rêjéítartudç, o :qtt~ ap,eaça su.a unidade ,espüitual Ele possu1
uma "fonçã:o eJimt:natlofd''· ap.âl_pgél' à d:e-Coipbray.

Ó pa.ralelo gntfiç- ·tombray e o. :salão Verduri.o é, nesse p:a:t'titula,r,


ta.fitei. r;naj~fãt;il d:e tfaç.a.f., uma ire:z q·_q~ o ççffpO ~s,tranh.o'\ num e-aso:
11

corno no outrn 1 cí o· fof~lfz .S~vàh:I}. É seu àll!Qr por Qd~tte qu.~ ·o


atrai ã. re~id'êncí.a cios· v~rd.urin. o fato de .-Swann e~ra r çq ra d.e lu~
ga.t, s_eu çns_m.opo\it'i$mô e s_t1:ê!S rel.ãç,õês ar-ist.ci.c rátkas., parecem ma:i-s
subversiv·os. ainda no D.Je'fu Vetdtcri.rt do, qtié em Comb:ray,.. A 11fu.nção,
elimi.nadora'.1· s,e exerce c.orn srrma v-io]ênc{a-. Coll;)p res~psta a0 'va$ó
c;fesconfor.tQ qt1e ntp:res.e.nt.av'a Swa.nn, a t ia.-avó s.e· conte:mava ·com
sarçasmm relativamente 1.nõfe't1si\'iô$·. As, re[a,çõe~ de boa vi:zü1han:(a·
não :ficavam arneaçada5: Swan n contir:tuêwc1 ~~mio pmó~iã qrata:, A sl-
t,ua'ç'.ão $é dtlénvolve de-rno:à0 difêrente-n:o salão Verdudn . Qnaf1~0-
·a "Patroa" S'e dá cqnta dé qtre $;\vann é i1Jà-s·simU:ávefl,, o,s sorrisos dão
lugar aos rictos .do '<idira. A e:xt:otnunhão supre.ma é pronuntí,ada, ás
p0rtas, do saiãô to.r nam a ·fe.ch.a·r-se eom estnmdo. Swann é l,aoça.do
de-volta à:s: ttevas :e_x t t rjó.r"ç:s,.

A unidadé espifüua.i do salão. tem .algo de ten~q ~ ~é. t{g-,ido gi.fe Com-
bra.'y oâg tmha. fa§çl clitete.nçâ aparece é©Il1 ·e spedal nitidez nas 'i.!Jl.a.
gei;ls'tel.i-gios.a$ que e>qJ'tes~am esS"a un1c:fode. As ímag~nS. qüe de,scr.evem
Comhray ·s ão•:geralmente t0_madas das teii_gi,ôes p.rimitjV,f$,. do Aiiti.go
Te·sta:m~_ntt;:> e do .cristía.ni'!;mo. medieval. A a,tmesfera é a da:s- s9c"teçlatle:s
j_ovei;ts pas ·q-µ:_ ai's flprescê a )jt~ratt;itá áptca,, á té' r>élit{iosa é' ·vigo.r:osa e
irrgênua, e os estranhos são Sê'..J:rlj:fre b'árbar.os mc1S. htrnca odiado:s,.

A hil.?!gístiça do ~ªlã.ô Verduri'o é" totalmente diferenk. São os temas


âa lnqui_si'ção. e da ''cara à_s bn.:cxã_su ,que pred'orrünarn. A '.m:ütl.ade parece
constantemente ameaçada. A PattÇla ~stá ~~tji_p:ve ·na ·g_reth:a, prónta pata
1
r~.çhaça:r 9. çis~aftq elos ·~1·nn:éis 1\ ela abafa as d.issiclêaei'as no e:rohr(ão;
m.<1nta u,ma m:i'a:J;d_a p(rm.anent.e em wrno d~s ·ª rrúgôs; -denrire as dis;.
traç.ões que se tem :s e não prpvteretíl d_d a; exige uma le~lc;iade a..bsolúta:.

'129
C::Mf'7'1uL0 1L- O'.S _.MUNDOS P-R_OUSTtANQS
~:xtirpa ó espírito. de :seitá ,e de he~esia· que compro.mete à, ôrtod9J1iia do
'(pequeno clã".

Por que ~ssa diforença ent;re o ,sagrado.-Verdmin e 'O sagrado de Com-


l?_ray? Onde estão os deuses de Combray~ Os cleuse:s de Mçtr<::d. já vi -
mos ·maiç acilna, s~o seus pais e o grande escritor Bergotte. São d_eu ses
"Longínquos11 diante dos q_µais toda riválida.de ·m_etafíská fü,a tolhida . Se
olharmos à volta dó narrador, reencontramos por toda parte essa me-
diação extiJrna. Os, d~use$ dé Fr-an9oi5e são os p ais e prindpã.lme nte a, tiá
Léonie; ,o deus da mã.~ é esse pç.! que não s_e olha moi:to fixamei;ite pára.
nã0 trans.po-r a barreira de te~pe\to e de adoração qu~ 1ids separa dele; .o.
deus de, pai é o amígável porém olímpico sr. de Norpois. Esses deu.c;e~
estão S(?'.mprê acêssíveis, sempre prontos a atender quais-qaet pedídús
sensato~, mas estã'.o sepár?dos dos mortáis p.or uma distância espiritu-
ãÍ invencível> uma distância que proíbe todã concorrêocia rnetafísiGa.
Numa das páginas de ]ea11 Santeutl que constitue~ o ésboço, de Cómbray
encontra-se titna ãtitêntic;a alegoria dessa mediação e}'(tttoa coletiva. Ê
um cisne que simboli.za o _m ediad~r no u11ivê~ô <;1uase feudal da infâ-m:ia.
burgue_sa. Nes.se universo fechado e protegi_do, a impress~o domi.nanre
é a de alegria:

Alegria à qual n aó .escap_ava ... 9 c:isne que pas_sa lentam.ente·.sobre o rio


kvand'o també,:n_a luz e a àlegnà sobre s·eu corp_õ resplandesc.;~me ... não
per.turbando em nada a -alegr.ia a seu rédor e deixando t raospap:.cer p.or
stu ar feliz que êle a experímen'ta, porém selTl que seu andar lento e c:àl-
·010 se altere em nada, ü )mo uma mulher nobre vê c;om Rrazers-eus sen1ifais
che~os de alegnç: e passa por eles sorrind'o, mn dts·pretnr setl CQ11te11!mnro.to, SeJII
pertu.fbâ-, fo,, mas' $ffll nek 111teeferir // 1;iio m)),01' ,1ma sim.patitr t.rimquilrl l pelo ·i;naime
:majõtoso que s1la p,.issa!Jctii tSpalha a sru redar (C rlÍq nosso.)

Onde est.ã o, agora, os de'lJ5es do salão V erdúri n? A Tespôsta não pare-


ce diÍ!ciL Há em primeiro· lugar, e.nq uanto .divindades -secundáJ:ias, OS'

230
ilil~NTI l~A R_()'M-Áll<T l t;A E V:ERÓAbt RO M AN ESCA
pinco1·es,. :os músk0s- ,e o:s poetas que fr~quentam o salã·.o~ encait1â,Ç.Õ~
waJs ou rn~QQ§ ;êÍ.êméras ·da divindade suprema, ·e sta ARTE cujas mai~
ínfimas êrhfçfhàç0es 'bastam pa:ta pFedp.ítar a sr~, Ve.rdurin em corivuÍsees
de :ê~t-a~~- O' cttlto oncfa1 _não, corte o ris~ó d(;! pç..s~ar d.eS'_ptrtebi:do. É;er:n
seu nome que se e-x.comu n.gam os "bcóci os"' e ·0.sc "ma:ç8 ntfsi", O -~aé'ril.6~lo
é mais sev~raniérite punido ,do :que em Combny; urn l\cJ.da ptov.õca ô
e;;çânciat'o. frça. :s½ te·ritado; a.ssirn, a concluir que a fé: é' mais imensa. r;iq
meto Vêtdur\n- tlô gue- ~rn Combray,
A d,tl\trença emre o~ dois 11mu:ndp_s prore:gidos", o. P-e.t_h'àmento rti.ai~ r:fg~-
do.do salãu 1 parece a·ssim se ex.p1ica:r po.r um .refor-'io qa ;ruediá~ão.e_x:t.erna.
Tal é, pdo rne.n·os1, ª ·c:oncfu.sãe qu~-nos sugerem as. apar:énci.rs. Mas as
aJ~arêncjas_enganam e o ro'tniincista rej.e fta ,és,sa condusã0. Po" trás clo·s.
deuse~ da me:dJ_ç.çâ.à .e)ct'.ernà (Ne., no's- Verçlurtn, não têm ri}á.is nenhunt
J?Oder -real~há os. de.ase~ ver.9-'ade{rl)s e pc:ul to~ da rti~diação .Mt~jlta, os
deuses do ódio .e não mais do amor .A 'expukâ.o de Swa ru). s-e '.d~ em noll)e
do.s ·àeus_és_ofkíaJs màs. se deve ver mela, na re-a'Lidade, uma medi.da de
reJ?résálía .çt>.ntra 9 medi<J.d_pJ impfacãvel, to~tra, 0s Guermantes ·d~sde-
nlmsos que fed)a~ sUá. po_rt~ ã sra. Verdutin e a-9 mund9 a q·.ue Swc1..nn
revela;, um .b.elo dia, perlene:ei;-. É .Qb salãp, G-u~ante_s. ~ü~: est~o secfra-
dos os ve~dadéiros· deus:es da .Patrna. Mas ela prefertri'a- .a OJ-brte a Jhes
~testar ,aoeffàmen.te, '01;[ a<té subreptLciameate,, O: Gldto ·que des exigem.
Eis PGrnlfe- d~ C\l"nxpfe, os: rif:.üájs d.t1 s:lia fa.l~~--religião .é stttka ~-0m uma·
r:>a ~ão. mo frenética quanto' 1tiént'irc5s_a.

b)e Combray ao salão Verdl!lrin1 tern~se a rmpressão de que ·a -e$ttutrura


do ''pec(c.ieno mwrdo·protegido'; nã@ s:e-.alterou. Os-traç0..s ma·is aparemes·
dessa, e~ttutt,ita, apenas se t:tforçar.am. se (,lçentuãrarri1 as aparências, fi.ca-
ra_rr;i, :por assi.m ,d{zer, mais apcrrent.ês d9 que nµhéél . O -~aJ~o <::.aJita'türa a
uni.da.de orgânica:de Combray:à mantjrg :d e um tpstp wtufefi_cadp. {azen-
do -a câ1icafura de um rosto vivo e aGer:Ftuamfo..,l he os trnços. A9 dh~r
máfa d~ pert.Q, n.ó.ta-s·e ainda qu~ 0s-elementós' da estrutura, i.áêrrticos de

2.n
.um li3.do ~-do .oatro 1 s.ão h.ierarquizêido~ diferentemente, Em Combray ,a
negação dos párbaros está sempre subordmada à afirmação dos Deu~es-
Com os: Ver.durh1, é" o inverso, Os rLtua'is de união são rimais de sepa-
ração camuflados:. Não se observam mais esses rituajs para comungar
Com' àqueles çfue os observam de modo. idêntico, m:as· pata se disti.ngttlr
daqueles q\Xe não ás observam. O ódio do mediador on.i-pote·nte t~m à
vitoria s0bFe o amGT dos fi..é'i.s. O lugar des·p t0porcionál ·ciue oc.uparn as
manifestçlçõe~ d.esse ó.dio na existência dq salão .constitu,i o ú:nic:o n:i.a:i~
irrecusável ir}dícíó da verdade metafísica: os estra:ngetrns abotntnados
são os verdadeiros deúses.

As ·apatên.ctas praticamente idênticas. revestem doi.s tipos de tnediaçã0


muito· di·fetentes . Não é roáis- no qúe tQca ·a o indivíduo e sitn ao peque-
no mundo protegido qµe pas~oios a .observªr a pãssagem da me.diação
~xterna à m..ed'iação interna. O amor infantil de Comhrày dá lugár z
concórrência çarrega_da de ódió dos adultos, à rivalidade metafísica do),s
esnobes e dos ama~tes ..

A niéãi-açãG. i!ltei:na ,c oletlva· r~prodHz fielmente os 1:-t'ãçôs da mêdiaç_ão


indivlduaL A feljcidade de ~e e-star "entre st é tão pouco real quanro· a fç-
licida:de de se ,ser de .si par.a si. A. uní'd.?de agrçssivã que ,o salão Verduri-'n
apresenta para foJ·a .é só a fachada .que ele apresentã por f.orcJ,., o ·salão não
e-em _para coüsigo mesmo senão. desp1:e_zo. 'f esse d:e-sprezu que révdam
as perseguições das quais_é vítima o infeliz Sa:niette. Essa J>ersonagem é
o mais fiel' dos fíéis , a a{m.a pura do salão V.e.rdurin:. Éle desempenha ou
ele deveria. de.semt;>.e nhar, se o salão fosse de fato tu.do p que ele afirma
ser:, um papel um tanto sérn:elh ànte a:o desernpenhádo pela tia Léonie.em
Combr.ay. Mas-em ve z de ser boorado e respeitado, Saniette -é bombar-
deadó dé insultos; ele 'é o saco de pancada dos Verdutjn. O salão não
-sabe gu.e ele despr:eza à ~i pr.óprio nç1,, pes~soa ·de Saniette:

A di_stância entre Combray e a vida de-salão não ê-a di-~fâ.cncia qué separa
11
os "verda'd eitbs,,. d~l[ses dos 11 falsos deuses. Não é tampouco a çlistân-éia

2 32
MENTIRA R0MAN1' 1CA E VE RDADE R.e> MANESCA
que s~pa_ra. uma- rn:énti~a, pi~d.osa .e .útll d~ vtrda.d.e nua e crua.Tampou--
0

.cp digamQS; C!).fl:J. J\{a.rtín Meidêg&",e t ~ ·ctl!e O$ del,1$~·>- s~ "afastaram''~ Os


d:euse5 estã0 mais prôx-imqs cl<:1 ·qµe 'na_nt:a;. As dj_vefg~ncra·s -<intre,a refle-
x.ào neôrrQmântica; e o gênlo romanesco fiaam ~qµi _plet}arn~Ii(é çla,rq.~.
Os pensadcm~~ neorrornânti.cós de.nun0iam com esmrrda·l haç9-o :caráte):'
(a!,':t;íêjo do 'Culto P."fe~tâdo, aos v~or~s o:Ôdàís e -a-os fuo10s'. clesgasfad.o.,-,
no universo hurguê_s. Orgulh.osó's cié 5,ua; pe.tspiçácia:, e$ses, pens.ad0res
nã0 -vã0· n.unca .além dessa~ pr1!i]e'iras ,@'bsetva~õt:s. Eles ;;l.ctedüé;i.rn que
as fontes do· ságrado secam para e .srmpl.e-sm~htê. Nµn½a se p~r~fµn-
tç.ín p quê pô_d~ ~S:t.ar s~ndo esccrndido p:e-Ía :1:1ipocrisit~ bur-gu:esa S6 o
tornánqstá ti.t a a: mástata ên~t10Si.'\ dçi .cJJlto 0tldal é :chega ·até os. deus
ses- esEofldidos da ·r;ned,ia.ção 1-D.t~rn.a. P'tôtiSt ~ D<1s:t()Jêvs·kí: riã..ó definem
uossó univei:s:o pela ausência· çio :sagpaçlq, cbmd fa1z~m os filósofo~. m,a.s
por um sagi:adrl pe.rv:.e r.t ido e ·cor.rupfo. Gf(:le en~e.t'r~na pouco ;t pducó as
fo11t'e5 dª Vid~.

À medida qu~ va{OâS !)Os ã.fà~tàti'dp dé Comb-rã,y, ~ úl:!idade positiva do


amor evoluí -para a unidad~ °'egttiv.~ do ócli:Q, pa1,a ·à fal,a tmidade qu.e
d:i:ssimul.a a ·duplic'.?dacl:e e a: multi~licidade.

Eís -a. :razão pela qual basJa .(!m. só: Co.mbnry mas são· ne.cessâdos vário~
saJ0es rivais. V~ti:;1 p.ritnttro q ~alão· Vêrdwiú ê ·o salão Cuemiantes. Os
saJõeys existem unicamente :u:ns efl) fúJ19ãq gp,s' ó.utrps_. Re.erkóotramos,
~ntré a.s éo1efivícfades a um sã tempo ·s-eparaclas e p.IJjdas pela rriéd.i.a.çã,Q
dqpla, urna dhilt{ic·ª <lo·am.o e do escravo símila:r à que rege .os reiado·~
:narp.eJJtos ttntre 9s foclivídüos. O salã.o Verdurii:i e o. salão Gue-r.rna:nte~
lu,tarn-sul.netran.ç-an;i'eI1te pelo d'9_pj.f1iiQ rrtutJ.d;mo. É a ,duquesa de Guer-
ma,nte:s-, durante a ma10r p:;:irte do ~dmartçe, c;xi.Jé c:on~etva Q· dom(ni.o.
Altlvp,., indjle,rente e z.0mbeteira, a dug~esa, com p~fü :de ãVé .de- CéíJ?}na
exétcé- um.a. domhia..Ção \ão c:ompfota g_ue. ela. aparece qua.se co~o ~ tr\ê-
d;iadora UJ;!jv-ersaI :dos s.ãlões,. M_
ªs ess.e ·aÓJJlfni-o ,. como quaO!qaer odtro1
se r.eve!'a vazio e ab,sttatci. A ,sfa. de Guenna.ntes. paturalme:nté não vê

:lilô
{ ~AP1TUt.o '9' - ôS r-.f1-Jc.NQOs l'ROUSílANô'i
seu s-al·ão os mesmos olhos daqueles qúé desêjani lá entrar. s·e a
(!:Oni
burgµesa s-ra. Verdµ.rio ,. oficialmente apaixonada por arte, não sonha, n9
fundo, s~não com a a.rlstócracii'.l, çi aristo.c rática sra. de Gaerrnantes não
sori,ha senão com gló.rias lrterári.as e artísticas.

A sra. V.erdurüi fica por muito tempo em· des.vantag.~m 11~ .lutê;! t~\f·a -
da contra o -salão Guermantes. Ela se ·recusa, contudo, a se humHhar
ê. d.iss.i mula ·s.eu desejo eom obsrtoação. A m.entlra ''heroica", nesse
ca~o especffi.co como ocorre de um modo geral, ac_a:ba dando fru -
tos. O jogo da mediação üiternª e~rige que a: sr.a. Verd~rin acabe
n;i. residênc-ia do, príndpe d ~ Gú·e rmarites. Qua-nto à duquesa·,. p.atroa:
por demais blasée, ela abusa de 5eu poder e despefdi<;~ seu ·p:restí&io.
Acaba por ptrder sua posição mundana. As ·Jds rnma.ne-sca:s exigem
essa dupla Lnterversão.

Combray no~ é sempre descrito como um regrrne patriarcal a respeito


do qual .é diffo:i-1 ilizer se ·é autõritáriç) oú liberal, p0is funciona se:dnho.
O saJão Verdurin, em compen~açãq, é üma ditadw-ã frenética, a Patroa
é um chefe de Es-t,4do totalitário que governa por meio de u_ma hábil
dosagem de demagogia ç de forQtictade. Quando .P.rou_st a:ponra p-ara os
sentimentos ck lealdade que c;ombray in_sptra, fala em pafriotismo; quan-
·dc:l. se v.o\.ta pai:a o sçil'ão Verdurin 1 fala em , haum11isfüo , A distinção entre
patriotismo e chaµvfo:i smo tradµz mu.i t0 ~dequadamente a dih;tençç ao
mesmo tempo sutil e radical .entrê Combr-ay e os s.alões. O patri.onsmo
diz re-~eifO" à rned.ia,ç:ão ex-tema e o chauvingmo à mecilação i.nterna. O
paíriotisIJ)o já é ·aroor J?ór s.i. mesrno, mas ainda se mantém um culto -sin-
cer.o·aos heróis e aos 'sa ntos. Sêu fervor não depeude de uma rivaliqade
COIT) ·as. demais pátrias. 0 -ch.auvini.smo l' pelo contrário, é o fnfto de uma
rivalidade dessa. natureza. É um sentime.nto negativo baseadó no ódio,
i-s to é, na adoração secr~ta do Ot!tro.

234
MENTIRA RÚ MÂ ('JTl (A E VER11ADH ROMANESCA
Ape~ar de sua .~tr~tqa pn.í'd&n!,':ia, o,s C.c;5rnentárl'o$ de Pro~st sobre a
Grande Guerra .traem um desgo~b. pr.ofond0. O <iha:.u,víni:s_mo, de .Cór'
azul aoiÍ8 de:"ri:Va. ·d@ ur.na rnedia.ç ão semelhante ·à do .e snobismo, O
ch'auvrn~ta .de·r~ta a Altmao.ha po.t~nt.e., &uerteii:3 e diséi@Iinad~ por-
qrre '.ele pnSprio snn-ha ex.ci,usivamerite com guerra.,_JJ.ôdêr ,é disciphna.
O nacional'i'.:;ta rev·anchísta busca! seu alimento em Bc1rres ç: eultua hê!-
ér;rª, .e os cuortd.s- nã·o eon.tam para· ele.,
ter~ ·e ,ç;e~tós rnô.rt:Qsil, m.a!i .ã t_ 1

Acredita e~t-ar proft.Jnd~ente .etrt~t'i;z;a-clü ,t:1man<Íó t)'a vetdàd·e el~ H.utu?1


em ,pleni;i abstra<;ão.

NQ _firp· de-Em Uusca d9 Tempo pedidv ·.ês:tQtira a ~v~rra. Q s,;;dão Ven:lurin se


rrarrsfonna em· quar.re1 g~eral dos ~µeptôs mundanoS; (lo lulai dtf t, fim.
T Qdôs •1:;>s Ôê-Is S:egúerm b.s pas.sos guen:-eiros da Patroa. B1'id1.0t escn~V'.e
4ma ctôtiJca ·p·élíca nüfu gr~nde j·orn~i l_)àrH;iens.e. Atf mesmo o- violi 0

nista Iv.f0.rel é atingtçi:o,, passando. a dt sejar 1'Çumpfir é.óm ·seu deve·t O


caatJVi.trismo· nmndan0' encontra um modo d:e express'âo con;iple.1;rref\tar
no éhauvinismó· dvlo::l e nà1:;i.orn1L A image-rn .do c;;hauvhüsmo é1 portan-
to,, muêm mais ,qae µma: imagem. En_tre ,a, T11,içfoc9,sm'õ que- é o saJãQ e
o macrocosmo ·dà na9.ão em guerra há unicameme uma m~ra çHJeretrç_a
.de ~sc:â1a. O <itJ?ejo é ó (ll~smo . As rQe:táfo.Fa.s q'.lt,e, nos fai:em ln.cessaTilfo~
Jtiente passar d~ ur;r1a .ordern ~e ,gran_cleZã1a outra nos chamam â ,ate.n~.ã o
para assa id.eruidade de eSotr.utur:a::

A Fram~â esta J?<lí<l a Alemllnh.;:i O. o 'S'ê!JãQ Ver.durin está para, .O


Qt.Iê;
salão. Guermanfes. Ora.• a sra .. Y,.erdu,rtt1, tnimi,g à deélarada: do~ "h.)~·
·çantes'"·, acc;lha desposand-0 © prfo_cipe de Guermanres e _p:assantfo, de·
.~iirHts t? b_agagens, patà o l_'ado d.e seus ·advers"ár:iQ:s:. .Q .para.le-Íismo cri-
,8'btoso ,emnrq: cbcaµv~nismo . munda_1)Çi ê ·d c:ha:l ivini~\';l naciçif:1.aJ é um
.c@nvite a que p.w<;;uremos, na ordem d.o ma:croc0smo, o eqj;_tivafe_nt:e
des-s.e. lá.nce teatt:i;i,l "çríft.rQsçóm.ico do qual $e-poder'ia di z:e·r\ sem gran -
çle .e xagero, que ·fr1s}l· pela '\raiçaó". Se- o: tõITl·~nçe n~q nos fpffl tte.

2~5
CAPTn,iro [) - o s MUNDHS- PROUSTIAl\l,0-&
esse equivalente~ ~xclusiva.me.n te por terminar-se cedó dern~üs·. Se.rão
necessários mai s v·i nte an·os e ·uma segµnda guerra rc;rundía1 para qu~
çe, produza o evento -q ue teria permitido êJ Proust completar sua metá-
to'ta_.En,, L940, um certo chauvintsmo ab_stratô abraça á causa da Ale:-
ma·nha triunfante depois de haver fulminado . daránte três. quártos de
s'.éculo aqueles que! sugerlan.~ nmi.dª'm~nte um m'O dus vivendi com uma
ini_miga hereditária ainda fechác;ia d·e atro de suas própriaJi fr9.nteiras.
Da mesma forma, a sra. Verdurin f~ ó terror reinar em seu "pequeno
clã" e exéómtmga os "fiéis:" a:o m~not sioál d.e fra,queza para com .os
"maçan tes",, até' o dia em que ela desposa o príntjpe d~ Guermantes,
{echa aos '" fiéts'' as portas de s~u salão e as abre de pàr·a par aos pior-es
esnobes do Faubourg. Saint-Germ;iin.

Naturalmente.. alguns críticos descobrem na reviravolta mundana da,sra.


Verdt+rin uma prova de sua "ltherdade". :E pódémQs nos. dar por satis-
feicos .que eles naô cheguem ao ponto de tirar proveito d.essa pretensa
liberdad~ para."reablHtar"· Marcel Proust junto aos pensa_doré5 cqtados e
t
• lavar o rómantist-a da terrí'1'e1 suspe-ita de "psicol_0gismo". "Vejam, diz~!TI

"• .eles, a sra. Verdurin ·é capaz de jogai; fora seus princípios; logo, essa
per.mnagem ct perfu,itam.ente digna·de figurar mrm wJTiaóc.e .é xistencial e
Proust, por sua vez, é também um romancista da liberdadet

O e;rro d~sses críâcosc. o bviamer}te, repete .o de;Je.an Prévost ao t6mar


a coqversão política do sr. de .Rênal põ_r LIII1 aesto espontâneo. Se a sra .
Verdurin é ;,é~po.ntân.ea'', os "coJaboradore~" en_tusíastas também o são,
porque na véspera eram riacional'istas ferrenho~. Na reàlidade, n_inguém
é espo ntâneo: são as r~s da mediação dupla que estão.ági.ndó n.ps d·ois
q1s.os. As represálias espetaculares contra. a divindade persegu:i'dora dão
sempf~ lugar a uma tentativa de 'ffusão" quandQ as circunstància-s pare-
cem favoráveis. É a razão pela qual o homem do s.ub.sol0 interro~pe
seus projetos de v:-ingança para escrevfr uma carta defrrante de paixão
ao· oficial-que o ,insl1lrou;T odas es·s;as ' 'conversões" aparentes não traze_rn

236
MENTIR;A RO'tv!ÁN:TI CA E VÊRDAÍ)E ll.ON\ANESCA
o,enhctm..a. novidade. Nenhuma lí'.berda.ei~ está aq_lJ.i aArma:nd'e seu poder
áqsol\lto por Indo âe: utnª r;ü_ptürii genuína eorti ~ sttwtçã:o ç1nteu1or·.. O,
qmvenido nem seql:l~r-~cxou. d_e m.e diad9r.. Nó~ te1]JO$ _ a ílus.ãô d:r1 m'\J-
·dan.ç-a µorqúe f.l.âo .L1avíamos [econhe<õido uma med'ia('an urj.ps µi;iJcQs
Frutos erarp_ 11?- inveja,,, .o ·c;iúme .e o· ód·l ó tmp6-.tJ!:nk'1. O amar_g or desseS:
(rut9s ~?,sir:nuJ.ov a préSE:IJÇ:à do dé.tK

Á ·identidad.~ estrutural d0s..do.is e-hallvini-smrn, se re"a~la:.1 m1:üs µma


xpuls~o do batã·o de Cha:rlérs., o CêlSQ lembra a desventura de
V½Z., U.'Í e_
Swa'Q.;n, só qµ-e <c_0;rn ·maiorytglên(ia. Chadus ·é átraido pata à résidêw
eia. dos Ve[clurisn por Morel; Sw.am, era: a.ttaí db p0r Odétte. S~vaórt êta
amigô· d~ dutju_é sa dti 'Cue:nnantes7 Charlu-s- é seu cunhado. O bariio ,é,"
pói~.• sobeJamenté "mªça_nte" e subvêi:'siv~. A "ftunção ·cliniina:dbta',- do
al :se1_vagt.'tia. As opqsi~ôés
?Ô-lã0 vaf ser .aci0e;n:ada- C:::çfnt_ra é-fé, c(;)_trí e!iped_
e. as c0ntradi.ções ·que desejo metafísico produz ficam a:1nda mai~
0

vl'síveis é mais d(:jl:Or9s?s q.1Je .em Um. ámQr de Stin:1J1fl.,, pois -o · m<tdiador se
apr0xim9tr p:asta-Qte.

A. guerra está iniciada.. A exp.osiçã.o dos m0ti-\r.og- que aecompa:nha -a :~«~-


ç:uçãQ -d;~· ;$_
e_ntença ga'nhc! .a ·cofo~~ão dá a.tmo-s.fera da épó:ca. À qua-
1.ifit::a:.ção tradid.Gnal de "ma:çaj1tt( vem ~e s-om.ar a de "eroiâ:o -a:kmcã:o''. ,
Os .a.s-pectos miEr.o.césmko:s e macrn.có.smicos do "<rhauvin ismq" w~-1 ;S~
ditérénc:iám ê a $'a. Ven:lúr:tn dehtrQ e'.m b:reve vai confundi-los. Ela-pro;
da.ma a· toçl.os 0;5. se'trs vísitante:s -c:i\fe Chadus, dutanté' dois ai1os1 ''nãô
·par0g :de espionai' em se-u salão.

A frasê Qiàtit.fostã admiravêÍrnéiít.~ .a deform.açã'o s·istéPhâtica qu~ o desejo.


meta.fTs.ico•e o ód1;0 tnJ_p·h;i:g~n) ap , rêa:L e ·.{!S,S;_~ çl_(;fotlt\afàõ t:1lte CÔ.I}'S:tftui
.a uni dad:e--sübjetiva: da v:>erne.pção:. A frase retrata-bem demais -a Patro_a., é'
rió.s-périSamos d.e pro.tito;, 'para rfüp ·eslaf r.e,trafandé' também seu 0.bjeto~

2~.'7
Q bárâo de O,ar lus. Se se d.ev-e procu.ràr a essência individual nutna ·i'cli-
ferença" ii:r~dcípve1, a frase nã0 pode revelar à es.sência :d.a sra. Verdurin
sem t'rair a es-s·ên.da do barão de Charfus. Ela não pode cpnter·essa$ dnas
essências mutuamente inco.mpatívtfis.

E, no emaoto., i ess.e milâgre· que ela rea.liza . Aó a~rrnar, que, por dois
ano5 , Cbarlus não parou dé espionar em seu salão , a sra. Verdurio retrata
a si p~ópri-a mas retrata .também o par~o. Ch?rlus, por cerw, na'o é um
espião. A Patroa exagera loucament-e mas ela sape p,ui to bem o q!-le está
fazend0; a Hecha -atin:gé Chadus. oa paite mais vulnéráve[ d½ seu ser ..
C:harh.rs· é ten-ivelmente derrótí_sta. Não lhe basta desprezar em ~lêncio
·a "manip ufa:'çâ:o ideqlógica'', Ele desfaz-se etn ditos subversivos até na via
pliblica, Seu gernl i:!OiS'(nó Q sufoc·a.

Protu,-t aoalisçi longamen te o derrotisJTlO de Charl u!x Ele n:m]ti.plica. as


e:xplicaçôes tnâ.s à de m~ior importância é a homossexuaÍi dade. Cbarlus
d.e-seja sem esp.erança ós b.el_9s soldados que es-râo _proliferando em Pa-
ris. Üs· rpilitare-s inace:s-síveis são para de '1alg:02es deliciosos". Eles são
aummattcarnenté ass.Qciados ao Mal . A guerra que divide, o universo
çm doJs grup0s inimigo~ ~ümenta o dua-lismo inst-it1ti.\ro do ma~oqülsta.
Sendo a causa aliatla a dos i;nalvâ.dos pers~guitlores, a AJemanha 6ca
necessarian;iente issociada ao Bem perseguido. Charlus confunde sua
própria causa com a da nação inimiga com uma facilidade tanto mêl.ior
q\,ie elê~ é ·p ropordonal ao. verdadeiro nojo que os alemâ~s lhe inspiram
fisicamente; ek: não distingue mais a.feiru;a déles da sua, nem as derrota~
militares deles da'.s· su'as de_rrotas .ari1orosas. Charlus pensa just iKçar a si
própr1o ao'justifica. a AJeh)anha mas~crnda.

Es-ses sentimeritos .sãQ essencialmente n~gáti'vós. O amor que Chaxlus


sen.te pela·-Alemanha é muitc> menos intenso que 'Sé u. ódio pelas potên-
·cias aliadas. A a.teuçã:o fremente- Qlfê ele d.e.xnonstra p.elo -chauvin isrpc:,. é
a do St1jeito pefo mediadoJ. A Wdta11sd1auung dé Charlm ilustra perfei'ta-
.mente o esque ma r.na.Sbt[Ui-~ta que. descrevíamos no capítulo anterLor.

~38
ME.Nil'R;A RfY r--)ÂNJ IU'. E. VER9AD E ROM.ÃN'l';S'CA
A .ünirl<!dé da :ê,'Ç.i.Sf@ncia ch:arlusiana: líc;a mais flVid'ente aínda se, ef)tt'e a:
vida seti::tal e ~~ Opini,é!e:. tlerro:ti-stas tio barão1, for .e.x;p.Jornda: uma zo-na
ínterrnediária, a: da vida rnuoda.h~.
ChaFlus é um Óuermarn:~s. É':o· objetb de um_t4ltô. i!:.lõ1atra. rip 'salão; da:
·cunhada, ª dflGiu.es:a: de Guermames. Prodêl.ma:, e.ada ve_z qµe apateçe·
um~ 9pórtgni.d.;1dé, sobr.etudo na frente de s<füs ami,gos plebeus, a su-
pctfiori'.d.a-cfe d.e: seu meio .de origem, p0'rérh o f:aub0.·u rgSaint,.Germa1n
e'!itá '1çJnge d~ :ex:ert:er sobre ek êl mesma fasciüaç~Q q'ue s·obre os.esno·-.
bes h>U-rgue.se.s. Ó desejq. metaftsJ.co não. inç,íde OtJnêà, por .dettniçà.o.,.
sobre o :ohJ,eto acessível. N.âc:1 é; pois, ~ - direção ~nuefa _ n_obte á'rea,
quê s-.e rnclínam, ôj, desejos do barão e ,s ün ~ara· o lado da ba.i~ "".ça_na-
lha". É esse ~$:110his.m o 11B.e.s-ceude:nt~11 q\.1e explic;a a paixâ'o i;,oF Moref,
p.erso na,gem :um tãn;ta tripula, A m:á re:p.at:aç·ã-o .com. a qual Charlus
aureola o músiGQ r.epercµtte por (n tejto n0 -s~lãç Verd_µrin. ô grande
senhor mal c0nseg,ue fa:zer a tli'st\n.çã-o et<ltte essas tintas btrrguesãs ·e
c:1s c'Qf~. ·mais vi~t,o.s·as que inteiram a dec0ração c.0sturnein1 .q.~ :Sêl1$
prazeres dttn:d~stlrt~Y~,,
O salão Verdurin,. ehauvjnlst-a., i_mwal e bµtgu~s é utn fos<tinante lü~ar
de báíxeza ·é u m~i0 ,a es,te lu-gar q.e ba.i:xezoa @ats va'Sto .q ue é a Fr,ç1nça,
ii ualmt nte chauvinista, Lmora] e .burguesa. O s,al:ã0 Verçlµi1h abriga o
sectt.Jtôr More!; a Fra.uça en1 .guçrra está repleta de so.berb.Q.s. o·tidai's. O
b.at.ão nã'o ~~ sent e r'rlais "~rn ta~â' no. salão. Ve,:rclur1n do que se sente
"em casa" na. França chaU-xr{Q.ista_. É !)a França .qT,.Ie ele vfve, é ao §ai.ão
Ver.durin qúe seu. desejo a atrar. ·O ?alão Guert.IJ:ahtes, arj,stocté!_tic.o e
ins·ipi.dàro~rite_ vrr-tuo,sq, desempenha, n:@ sistema munqaon .~fo bêírão,
um p~pél paràlde> .a'q .d::i Alernânha_qué-fidá más distao.tce em seu sktema
pol_ftico-. O amor. a v_i ~ rmmd.an~ e a g\l.frfa são··os três. círculos dessa
existência perfeitament~ u.i}ii ou, mdb:ar 'dj_zendb, pe"rfe it_1,1meot~ du.vila
eni sua ,c_ootradiçã.o . T0.cfo.s o:s, planos se corr~.spp:Qdert) e C61}ti.rma:iI1 a
h5gicél ob.~essiva .ci0·.barão.

~39
C:A PiTULÔ 9' - OS 1'.füNOOS PBOU!ITLANO.S.
ÁS-sim sendo., à· obsessã_o· '!chàuvinisra'' da s.ra:a. Verdurin se ópõe a ob-
ses~àQ "antf<::hauvinista" de C harlus,. Essas daas obsessões n·ão is'bf_am os
dois obc~cad.os .comó pediria o bom senso. Não os ·enceyram em dois
il.1undos 1n coménsuráve'is; os aproximam para uma comunhão do ódio ,

Essas duas, eiçistências r~únem os rn:esmos eletiléntos, mas os ergan.i.zam


de modo ioverso. A sra. Verdurin alega sedéal ~ seu salão, mas-seu cora-
ção está np dos Guerrnantes. Charlus alega- ~er leal ao salão Guermante-s,
mas seuéoração esfá na ,d o5 Verdurin. A sra . Ve-rdurin celibra o "p.eque-
no clã" e de5denha os "maçantes''. Charlus cdebra ~ salão .Gue.rrnãntes·
e desdenha "essa gente dé nadi'. 8'.aSta i..nterv{trter 0s s1gnos para passar
de um universo ao outro. O desacordo el).tre ~ duas personag~ns é um
mi!f"dvilhoso acordo n egativo.

É essa simetria que permtte à sra. Verduiiu expressar sua verdade e a ver~
d a-de do barã~), ,sob :uma forma grot~sca rnas iffi:pactanre, nUillfl mesma
e única frase. Acusar Cba:rlus d e ser um ~spi~Q é, para a sra. Verdarin,
protestar secretamente contra o desprezü dos Gcrermante-s. O bom sen-
so r:ião in1agit1a ·que interesse poderiam ter , aos olhos do Est-?dQ-n:Jãior
alemão, "relatórios clrcuristan.._ciados sobre a 0rg anj_zação do pequeno
clã". O :bom senso vê, portàn.to , a lç:,ucura da sra. Verduán mas quanto
mais de. olha para: essa lo~e::ura:, mai.s ele incorre n0 risco de perder de
vjsta a loucura paralela d e C harlus. A sra. V erdurin se aproxima do.b.a-
rã9 na. ptóp.ri'a mçdidá em que ela se distancia 'de $'él.\ pêrfei.to juízo. A
demência de ·um voa p,ar.a _a, .d ~ência do. outro sem a mtl)or cb.risid~ra-
ção pelas barreiras que· ô bom séns_p ergµeria entre a v ida mundana e a
guerra. Se o .ahauvi.nismo da sr~. Verdurín está ·a,poAtado cont ra o salão
Gverroantes, ·o, derrotismo de Charlns está apontado cootra o salão Ver-
dunn. L9go, cadá qual só tém que abrir caminho pata: sua loucura a Âm
de conh½cer o O~tro CQ.111 utn conhecim~n to ao mesmp te.IT_l:po ag1.rdo
e limitado ... Agudo, pois a patxãó triunfa do -fetichismo do objero que
pi;lralisa o bom senso1 lim itado,. p ôis a paixãõ riào apreeade o- triât:igulo

MO
M ENT I RA R0 ....1.~N'TICA f: VE Rf;)ADÉ R0~1ANE·SC:,.\
der de~ejó;=efa nãQ r:ecofi.b.eGé a aflição per d.~ hjs .d.o ór:gulh.o do ô~t_tr:o e
-se:u dtünfoio aµarente 0

Pmust nos faz entrnver .e m p.ou:cas' :Palavras a cnmplex-i:d.acle dos ·vfo-


ç(Jlos: qu~ ó .ó dio i;,odl;l . .tê.çtr ·~n.t:re :dois indlvfdu:_o.,s.. A fo1s.e da. .s:r,a.
Verq.urin ~ a.p m.e~IJJq ~e'lir))o Cõ._nhec;in1~.i1to e cegueira, \ferdãtl:e ~t;itil
e mentira gH1ss.eiTa; da· é tã0 ri.ca em associações e prolongamentos
q"uanfG. Um 1et;sQ de MaJíarrné·, m.as. _o r.õmaoc:fsta não est.â. inve.nta.ri- 1

·Ô:0 nad:11. Seu gênio se abastéée diTétam:e oté-mJfl)q. ve.tdade i.ritersuh-


jet-iv-a quas~ que t01:a:Im.ente ig·n brada p,el0s s+sremas ·psie:o.lóg,ç.p·!i e
tilo.sófÍ-Cos d(; íl_QSSa épú~.

~ssa frase revela que a:,s té(á_ç.ões" no ât'l;lbilo dos salões ·e c{a tnêdíáção
interna,. s,ão muito di:ferentes. das. que ,s.e estabelecem, ou rrrdhor; não
podem se tstabelece'r nó ~~tág10 ·da . r.u€d.iáç~o· exfêl'na. Corm.b:ray., wmo
vimó-ss,. é o i:einà çlp qµrpróquó, S·tndb a ~u.tonomfa real, ·a~ telaçóés
corn o· mundo e~terier·S'â.o forçosamente superficiais. Nenhuma :intriiga
du.tad.oura p.ode .se:r ;e ntabu lada .. As o~ma~innas dé·Cóm.br:ay, til-c.ómo a~
iWê.nttiras de D0~ ·Quixôt'é., $:âQ ind~pêr'rdent~s_ i1n;làs .d.a:$ 9tftras. $llil 91'-
cl.em·seque.neial é praticamente indJer.eme1 pois .e ada aven'tli.ra çan~t-ttu1
umâ totaiidâde significante c:;uja essênciâ :6 .o ·qúipró.q uó.

:Na·.t'r!edíã窷o {htê.ma, çabt;itia pensar qçfe- c! -ÇOrn'linit-~Ç.ãb fica aírtdà mats


,iruposs-fvel, já que os indivícluos e · os salões.. colidem .u ns -c om os 0mros
com uw.;i vjõl~n.c;i_<! ré'dob.rada. Po.der-s,e-ia aéredita:r qqe, l}çá11do ,1tp:a--
v:â,da$ as diJerhl-;as, todà .ç qúàlcrtJef rel(l°'çâo ên:tt~ ô!i mund.i'nl}.ó9, cadà·vé4.
·mats fechados uns par-a c,1s outros:,; ttmrn-s:e ·impos-sfoel. 5 disso, e.xa1ra-
menté, que- :que,rem nos G:Onvencer todos os- ·eserito.res rórrrân~i~os . .O
fofuantjsmo procura .Q qu:é· é Jrtetfcitivefmente rmssq naquilo que nqs_
.~põe mais vielemament't;! an oµQ:O. Ele di·sringue, duas parr~s no ipdiví-
du.o, uma parte sup.erfiéi-a.l em que um-acm:do .co.-m os é)ufros.é poss-ív.d e
(,Ii:flp I?ªrJ:~ mais i:>rofoncta ·ell) que a .aéçi:rdo é flllJ_)C:>ssívef. .t\-1~s.c::;.sSà dist.in-
ção ~ rrie-ntiro~-a. O ron,.anc~ta rtos mpst1;a i~~o. O :agrav:amey)t:O de uma

·1+.1
C A·J'ITClLCl '9· e.. c:JS·t<H:iNUOS PRD!JS'I1,XNOS
doença outolúgica não faz dõ·tn:divíduo uma engrenagem falha qu~ não
s·e ajltstaria mais na eAgrenagem oposta. O cb~uv:tnismo da sra. Verdutin
e o al}títháuvin.i~o de 01arlus se encaixa.1)1 perfeitamente um no outro,.
p.ois um é oco 9nqe o outro é saÜente. As dqerwçus ,cie qu~ o romantismo
.se gaba são a pane thanf:rarui. da.engrénagem,, são elas e exclus,vamenfe
elas :tjue fazem com que ·a máquina fu:ncj.cm,e, são ~las q(Je engendram
tim mundo t.omanesco até então i.nex_l.Stente.

Comh-rav - era realmente


. crutônomo mas os sa Iões não o são: Eles são tanto.
.

menos· amônômôs ctuanto mais acremente reivindicam sµa autonc>.mia.


Ern. termo'S ,de mediação interna, a..colétividad~, cornG>·O irtdívíô.uo, deixa
de,s½r um ~entro de referênc(a ab~olutg_. ~() se consegue mals enteyidet
os salões ~ não ser contrapo.ndo-os aos salões rivâis,, integrando-os à
toraDda·d e da qual cada um deles .não é"mais que um el emento,

Em termos de rnedíação ·exte_rna. só hã "pequenos mundos ptótegüfos''..


ús vínculos são tão fro[J'XO'> ·g ue ainda n~o há mur:d·o roínrttiesco propria-
ment~ dit_o, nã_o, mais que há um "conçertõ europeu" antes d0 século.
XVil. Esse '1con.certo11 é o fruto de uma cornzortênciâ em e·scala nacionaL
As nações sã_o ·obcecadas umas p,elas outras. Suas relações est,reitâm-se
mais-a cada dia, rna:s nã.o :raro .torn,an.do uma forma negativa. Assínt c·0 mo
a fascinação individual suscit~ o. indi.yi<lµç.J is.mo, a fa5c\.naç~o c_oletivá
11
SU.$C1ta um "incLvidualisrno c0letr\l0 q\.le se chama nacionalismo, chau-
vi ni.sr,no ~ tspfritp ~ Autarkte.

Os mitos individuali,stas e coletiví~tas ~ã0. irmã-os, p.ois recobtérn sempr~


a oposrçâo do Mesmo ao Me::smo. Tanto quanto.a vontade de ser si mes.
mo, a vontad~ de estar "entr~ st" esconçle lII'n d~~ejQ de ser o Outro.

Os "p~que-nos mundos prntegidos'' são panículas neutra.s qu_e nã:o de~


s.envolvem nenhuma ação umas sobTe as outras. Os salqe.s são partícu-
la_s pbsítivas·e negat+vas quê se atraem e se 1·epelem ao mesmo tempb,
COIIl<;J as- part,fculas atômi·cas .. Nã.o hã" rn,ais'mô"1;1adas, mas simulacros de

-:242
MEN TIR.A ROMANT IÇA E \ 'ERD AD f. RbM /~NFS<..A
mõnadas que formam tlm vast0 mundo fechad0. A.unidacl-e à.@sse mun-
dp, tã;0 r-igoFQsa q·qaritcr a d.e C.ombray, ~:Stá hinci;ada e;m um prindpi.ó
inversp., É 9 -a_i:npt, e_m Combrày, que perrt\anec~ .Q majs for.te.-<;" ó ódio
.que .tn:gem~ra o IJ1.úrt<fo dQs·salõe$ 0

No inferno, d.e Sodu.ma f. Go:tnerm ,. o. triunfo d0 ódio é absoluto. =Os es,.


cravos ~viJ<clm. e.rn torno ,de seus: amos e 'OS amos: .são eles p:rópFios
e~:t..1"àvçYs.. lnt#víd~o.s. ·e C!:ó,l_e-t1v:tdaâ~-s: ~ão a um s6 tempo 'tns~pw,âvtis .e
tqtalmen:t~ .i'solados. Os pát~lite·s· gra\[ltam em t!'.ltO:b dDs plant~.tç.S: ·e o$
s ~sti;:e}a~- Essa iO'lê/.,ge;m do mundo -~óm.a,
pla.Qet.isJ,rra:vi:tam ~rn torr;ro da_
nesco· como sistema· cósm±Go é basta@te r.ee::orre:0Je em Prnust :e ,ela ar,
ras(a côoSigo a. j_mageni do ró}i1anci sta a:sfrônorri.o qa~ c.akula a:s·ótbüas
e clescphre às _l.ei~.

$âo essas .le'is. da mediação i~t~rna que dão· ao ·murnfo fompI)es~b BlJp
coesão. Só conÍYeGimento de-s-sas leis permite responder à, pergunta
0.

de Vyacáeslav htan_ov iém suá obra a r,,e.s.p_e ito d~ Dostokvskt: ''Como


pod~ct :sep;it~ç:âo ~ petgun't.a o ctftico ru.ssó - ~e. tornaf·l.lru p,rJnêípio-.d~
1:Ihlão, .çorpo: ppdê :o ódio._tet~r grudadcts l!_fi\ p;0. outro. aqueles ~~-s mó?
.que 'Se 0de:i ami"

Passa-se de Gombr:ay. .ao llm:i:v'erso dos sal.@:.es ·por um movirnent-o c:;qntJ-


nuo,e sem t;r:ãnsiçõls p.ercep:tí\,ei-s'. Não se-devê 0por a:mediação.extmm .à
mec:l.iãç~.o inte1nâ C:Q.rflô o rr:i.ç1s_ó,qu,istà opõ.eao B~m Q MaL Ao obsérvar-se
Combray um pouç.ô mais d_e perto, eócQJ)trà-s.<; lá, mas em es;tad'o tn.cl•
pfente, todas as-taras d0s-~lâ'es wum:l.a:tios.

Às z·ombarias da tia-.avó a.cerca· cl'e Swanu são um p..rhu:eira e-s.bm~o,


mais 1e~e, ô0s: raios qLJ.e a. sta ..Ver.si\rrjn e ·ç1 srá , d:e C.uermaotes brandi-
rªõ-As ínfitnas·pe.i:segut~õ~s-de q1,Le; padéct á irto<:;~nte- :a.v..ó prênunciam_

24.~

Ç,A.PÍT UL().' s - m ,Mll!>!pl,).~ P.~(j USTIANÚ ~


_a crueldade dos Verdurin para ~OTJl .SanLett<t ~ a atroz seq1ra d? .sra. '.d~
Guermantes para com seu grande a.migo Swann. A mãe ,de MarceJ se
recusa de modo tipicamente bur.guês a recebe~ a sra. Swann. O próprio
narrádor profana .o sa:g:rado _na pessoa de Françqise que ele se e s.fo.rça
ê_n \ "d~rnistificar''. Ele se e.mp~·oha ·~ n destrui:F sua fé l_i'lgênua na ti~
L<éonie. A própria tia Léoni.e abusa de seu p,restfglo sobrenatural; e:lá
fomenta estérei_s rivall.da.d es- entr.e 'Françoise e Etüalie;. da se-.t ransfos-
méi em -um tirano cruel.

O elemento ne·~ti.vo já está pI'eseme ~ Cbmbtay; é graças a ele que


o ·p equeno mundo prote:gido <;e fecha sobre si próprio. É dé q·ue .garan-
te a e-Üminação das verdades p·erigo~-as .. É esse demento negatrvo que
ne:sce pottcb a pouco e .acaba devorando tlrdo nos s.a.lões mundanos. E,
como sempr~, .esse dell)e:oto neg-ati-vo tem sua tafzes nõ or~ulho. É o
orgulho qae irnped~ p: tia~ãvó de reconhecer a po-sição _social de Swann.
é o orgulho que iffil?ede a mãe de Marcél de receber a sra. Swann. Esse
o.r-gulh.o é l.).tn' brgulho nascente, mas sua essência n~Q se alte-r.rrá de um
e.xtre.mo· ao 0mro do· rontarice'. A obra destrutiva mal com<tÇou, mas a
eS'aolha de:clsiva já e.stá'. -feira-. S.odo.mn: e GQmoJirq está presente., em germ~,
já em Combray. Para passar de um universo· ao óutro .basta se deixar le-
var pda inclinação do declive, por esse movimet;iro que se acelera cada
vez mais é nos afasta sempre do centro míst1eo, Esse movimento é quasé
impercep:tível na tla. Léonie, estendida sobre seu l_eitb( ele já é r_á:pido na
criança que füa ·muitQ íntensam.~nte os d~uses· de Combrãy e se aprontá
pàra sucumbir a todos os exotj_.smos.

Qual é esse centro a que:jam.ais se ehega e do.qual vài-se sempre se afas-


tando) Proust nãq re.sponá.e diretament~ mas o simbolismo de s.uª obra
fãla: por ~le e às vez.es contra ele. O tentro de Combray é a ,greja "que
resumi.a a cidade, repr,esentava-a , faJava dela e po.r ela às- distâoc.ias"9 •
No centro da' igreja., há o Campanã1fo. de ·Santo Hilário que e~tá para a

9
No ca11únho dr Stoann ('l, l'). pA9, op.c-it. (N.6.)

·2.44
ME.NTIR-A liO M,~ NT ICi\ E VER_J)AÓE ROMANES,.A
cida:d:e c::omq :o. quarto çl_e Uonic está p.$ra .a casa dçi_ f~Il).:Ui~- ü c·ar.npaná·-
rlo.dá "a·-t0das· as oeopaçõ~, a tó'das M "b.o;rá'.s,_p: to·dós 0.s· pót1ló's de mítã
cl'a md-a:de., o, seu aspec,;:t0;· 0 seu- remat e, aJ sua ·cons.a,gração"-1c1: To.dos os
ét<$u~e$ d~ C:ombri~Y éstí.ã,_o. reunidos ~o pé eles.se ·c;q.rnpanâr.ü~t

& uernpre a ele élue él!mpi'iâ voltàr, á ele ({ue d6rrlpj_avà tüpo, a.dmJJ~~-
t.ando ,as, Qa5ç.S q:e ,um J!1lprevis.to pfà.c.a:ro; érWJ,id.(!J di'ttóte·de mlrh teimo
b ~ed_o d~ Pe:u~, aij~ ÇOrQQ'<:;s·tiv<:_sjje qçµl'~º f]am.ulti:dao dos'humanQíi,
,;êm que eu: pàr 'isso q confuncli.ss~ cbm ela'' .

O campanário, fica vrg,ível em to.d·a pa·r.te ma.s a ·igi:eja e-5t:á 5em,pre va_-
:t.i:~ - Os dect.s:i!s li.uJD~°'º~ e t~Jtesfr.és. da mediação externa já são ídolos.;
eles n:ão ~e ·a.l.frtban:i _nà Yertiéâl dó C.àJ1íp_a n~io. Permanecem, e11ti~N;;iw
to 1 próximos dele 0 suHdente p-ata que um mçsmn o:lbar poss:a abr~\af
Comb:ray .e SU<l 'igreja. À medida que :0 mediador 'ie aprox.ima, d.o sujeito
désêja(lte a tl'an~cen_cfêftçiaJ;e distancia de~sa ,v~'i;fla__al E' Q tnmscend.êneia
:desviada realizando sua 9bça. EJa vú artasrat o Q:.au<~d'.ot e .se:u tmivç:t'So
ron:ia;itêsco para mais.e mais loos.-e do carnvanáP.i.o,, .numa! série .de. círcu-
los t~Yncê·nttícds_que sê íntltufa_rn À Srmibrcr·dad~,_,{p.qrig_as t»~J1ot~O tt1mJtrho
de Guermimtes, Sadoma e Gomorru, A. Prfsi6ntrm e APugttícng.·, Quanto roái$ s:e.
;ficar distante do é~ntr.0 rnístiGo, mai-s a .ag,itação se tornará dol9rnsa ,. E_r.e-
n~ti_ça e_vã, a,té O Tem_M ri?de._sçobertêJ q_ue revérterá ess.e rnovimentaº É esse-
duplo n:1avime-nto çte (uga é de volta q~ie· P't~figur~m os cof'{o·s dé $gitft'Q·
Hilâ:r.io em suá-s p.erse.gutções vesperais·:
D-~ Id~_s] janelas de ma torr.et, ... o ~âmpà.11.~rio sq!tava, _deixava t0mbar-,
a lhtervàlós regula_re·s; tevi:rai::las de corvos: .quê, durante ~~ri;! mom~n-
tP , voejavam grasnan-<lo·1 eonm. s@ as- vdhas pedr.1s qué o.~ deiimvam· ,à
v~n:rade séri1 cfar l;IlQJtras de vê·lo:;,. ,t omj.lT)d9-se ti~ súbko. r'm~blrá:ve&

itl' la~m, ~. 6 1( N:~)·


:1, ldém. p. _(?3 (N.E. )
[;

24-5
e· descattemind0 tim ekment0 de çlg:i't:açã.o· infintta, os Úve-ssem batido
t: escomiçado, Afinal, depõis; de havere~ ri~cado em t'Qdos os se·nndos
o y~ludo-'violáce_o -do c~u ctepttscufar, logo se ac:abnavam e voltav;:im a
a.bsorvér-se na forre , qu.e pa~SiiVa d~ n.efasJa à propkia. 1-1

Teria a obra çl.'e Proust um val.or sociológico;? Repete-se çóm frequência


que Em Busca -do Temp0 pérdMo é ínfert6r, nçss~ particular., a A Comédia hit-
mana 1~ ou a Os-Rouyon.-Macquart 1~. Proust, ao q_oe se diz, nã-o se interessa
senão p~lá velha rjobreza. À sua obra Ealtariam "amplitude e objetjvi-
_da.de". Por trás desses j"!-tlganientos .desfa'\lorã.veis reconhece-se a vdha
concepção re<J-Lísta e pos1tivista da arre romanesca. O gênio romanes-
co faz 'UIJl levantãmento n:ün11cios_o dos hoEnens e das côísast ç]~ deve
nos apresentar um panorama éâo c.O.mpl~to: qüa-nto possível da r:~alidade
ec9nômicç1 e s0cial.

Se tiv6sserrtôs que lévar essa çoncepção a sédo, Proust seria um roman-


cist.a . máis medíocre ainda do que -se· diz. E(e é G:ritica:do p.or· "lirt).itar
sua investigação ão Faubourg Saint-Germain'' más isso ainda é elogio-
so:. Proust não. se erttTe~a a nenhuma exp loração sistemática, mesmo no
campo e.xf-guo que se at'eita átribuir a el€. Ele nos diz vagamenre q ue os
Cuermántes s~o muito ricos, que tais outros estão árruinados. Nos pun-
tos em qu~ tp:oma.ncistª conscienéJoso nos mergulharia em cilhàm_a ços
de papelada-s, testamentos, inventários, l.i.vros contábeis, int ip;rações d~
bedéis: da justiça,.tarterras de títulos. e obrigações, Proust. nos relata por
11
· lêlem , ib. pp. 60 e n1 tN.E )
n Edição .bnrsilelr,a, Honoré de BaJzac, A cvmi.iia immana: Ri.o de. J~nctro, Globo.
19.92. (N .E.)
11
+Jítulo-gené'iko'ql!f' reúne um -grupo d~ vinte roman,c es es.c ritos põr Émíle ZoTu en-
tre t 87 1 e 1893 Tem çomo i;~btfmlo: Wstoire 114t11rene et ;ociale .f1mt Jtm1_ille ~O!tS 1e: Second
Em,pire". (N.E.)

146
MENTIRÁ _tb') M f\l\iTI C.'1 E VER Ó ADE Tw ., tANES (:A
a}t0 algumas c;onv~ts·q;~ énj voJta dt 'Llillil x{c_ara dé :ohá. E :com:o s~ nâõ
bastasse., ele não a.s. relata nunc:a .J:>·elas conversas em· si mas ·s-empre a:
pr.o·põsito .de :al~_Cfm;3 outra .coisa. Nãd há .bacia. âi qu~ ríle1:é.ça a den.oroi-
tl'a~.àq p:d~7posa de inilésfͧltitifo.. Prmls,t n.ão PtQtttra $'éql.lêr s:ugetir, por
!:.Lffi :tom decidido 0u uma enumeração de objet.os here:ró.~litps1 que eh~
fl
esgp.t.ou a ·d.Qcumenta~ao
- - - . li

N-enhuma- .da> q;tJes.t:ões: .que ín:tere·ssàrp ao: socíólog0 Raret;é· rete:t ·a


atenção de Proust. c~mclur~se g:ue o romancista- são. tem ·,meresse
p.eJ:ós prQ.bJémas de! cso_çi_c:rdad€. Essa i:nd.iferença, q-µe_r.. ·se1a cens.ura·da,
qtt~t seja. ·consid'era:da: ilDg\;fveI, ~- .de @aJ.quer mgd_o utn c;0mp0:rta -
mento negatsivo, llil'la forma de mmllação a servi.ço de urna e-stétiç:a
Ji>artic.ular, al.go sç-rndhâ.nfe à Prostriç~o dos· ifo.câb:cilos ,dé· t .unÍ:n) ple 0

httl _n-a tr<1g-éãia .dás$ic.cl-.


Já fom0s lon~ o Gastante -para poder rejeitar essa concep.ç-â·o Hmitame
da ,êlrf~ roma,ties(?, A ver.da.de d.o roma.nc.;is.t~.é. to.taL Ba .e Rgkiba todos
·os á'.sp~cto_s. d.a: ~,;_i;stêl;lda:_indivicl,uã.J -~ col_
eti~'a. Mesftio que .o róro.ance
deixe .um po:ucC\J. de lado alguns desses aspectos-, ele' inclka certamente
a~
µtilâ peí:s·~~Cti.VtJ, S.Qdál.ogos riãO' re~onhecem nada_, ern .Proust, que
fi=rtl(,".ta a seu: p:róp.rio 'pr,çce$meófo pqrqu~a ópó's1ç~0 entre a $'ociçilogia
Tnmam5€a e -a· sociologia. dos s0e.i0logos é furrdamen:raL ·Es_sa ólfüsi'çào.
int itle não ·apenas .sí>bre .a snlução e os miitod0s mas também sobre, os
i:4dns do: probie-i;na. ~ têsolver.
Aos olhos-d.o ·s0cíóLog:0 o Fatrbourg 5aiut-Germain é, -sem dúvida·,
urn $·e tor IDio.(!sC:irlG. IJ}a,s e.fi::tiv-amente n~al 1 da µa·JsaB-em s,oti-aLS11asi
fronteiras P<J.J'êC~:m tão. h{tidàs que: _n io:guem jãrnàí~ ÍQntiula ind.9-g-a-
ções ·a esse res.peito. Po:rêrn ess:as-·fremeira-s s.t:: embaralham à .m e dida
qúe- ,s.-e aván,ççt nê! ob'va. gro.ústi.ana. G n.ar.rador' fo:a te-u-Lvelrnent~ de·-
ti::ptttma'(:Lo q_uai;1dç, pene·tr,a fin~h:n.eJ1_t~ ·na ó;í-ô fadã ·c;l_o s Gu{;rmante·s,,
Ele constata gue se pensa e se fafa lá tal como em outras e-asgs. A~~
sênciã do :Faubo.urg. l:}.arece s~ d~svan:ecer. O salão Guem1antes perde

14:7
.CAJ'fTULO 9~ OS i\!WNIJ l!; PRO U;S:JlA-t,J O S
sua iodívid_ualrdade e se funde, numa névo·a indi'stínta, aos ambient.e:s
Já conhecidos.

Não se pode definir -o Faubou:rg pela tradi ção, já .que. ê~_sa tradição
não 'é mais cômpreendi.da nem por uma pers onagem tã.o cons:iderável
e tão vulgar quanto o duq\.te de Guermaotes. Não se pode deH.riir
o Fãubourg pela bereditariedãtle, j~ que- uma burguesa como a sr.a .
i.eroi desfruta ali de uma posição mund'ana mais b ri lhante que a de
uma sra. de ViilepariSi$. Desde o fim do século XIX, o Faubourg n~9
éonst'itui m ais um verdadeito ceotro·de poder polítié9 oµ finan..ceiro
~inq.a que a nesst lugar abunde a riqueza, e os home~ in'fluéntes· por
lá circulem em bom número. O Faub0uJ'g tampouco s-e distinguf p·or
uma ni.entalidade especifica. u·,
é-se reacionârjo em po]ít ica, retró-
grad'O em arre,, limitado em li_terattira. Não há nada que possa dift -
:renciar o tnei9 G[,l.ermantes dos derIJais me:íQS ricos e ociosos .nesse
início do -sécul.o XX.

[ O sqdólogo a que o Faubou~g, Saint-Gerrnaih interessa não deve-ría dei-


. tar a vista sobre Em Bu_sca .do Tempo perdido Esse -r:c;,mance nã0 é ape~as
• inútil, ele pode ser peng-os_o. O sodólog-0 -acredLtava éstar com o objeto
• de 5'!-ra pesqtli'sa nas mãns e eis qtté es~e objeto ih.e .es·ç orregã êntre .o s
dedos. O faubóurg é.ião é. nem classe, i:iem grupo, nem: meio. Nenhuma
dfls categorias em 11~9 êntr~ os sociólogos lhe é aplkávd. À semeihança
de certp.S partículas a1;ômkas, o, Faubourg se dissolve .quando s.e il-PÓB -
ta para ele os 'instrtime-ntos do. homem de cíin<:ja. N ão se pnde isólàr
½'>Se objeto. Faz c,ei:n anos qµe oFaab0urg nâq existe 1n_ais. E e-ntr,etanto
ele existe, já que suscita .os O}ais vJofentos, desejos . Onde épmeça, onde
.termina o f au_bou,rg? Nós não o sabemos. M.clS o esnobe sabe;.e1e .nunca
11esita. Poder-se-ia crer que o esnobe dispõé de u.rn, sexto sentido qu~
mede com exatidão o v~lot mundano de ú.Ul salão .

.O Faubou:rg exi~te para o e.snobe e nâo existe p~ra ,o não-esnob~- Me-


lhor dizendo, ele não existirja para o não-esnobe se e;5:te, para. acabar

):48
MÉ.NT !R.11 ROMÂ.:NTt<..A E VERBAÚE R(JMANESC A
ç(?:m a dúv'i:da, não' -a~eitf}~se. c,Qntiàr ·oe:,> le.ste11111n·h o cio es·n.obê,Ó· Faü-
b~urg só existe: pkt=1arneme p-ar;:i p. esnobe ..

Repr::etn.de--s.e :Prt;)µ~f PQf s.e confi11a.r num ni.clo por de.mais ,exíguo, mas
'(liqgu,ém: co:n.hecêu e dênurad9u melhor quê P:roµ~t e~sá. 6.:Jgúíd~d~
.Proust nos con.t a -a insignifiêancicr .da "alta snciedade:" i;i~o 'Se)ffi'er,-te d,d
ponto de. vlsfa., in.telectuaL e humano. como do ponto de vista social: '"Enga-
·n-am-se o$ m_un:dapõ,s scibte :a immHtã.nç.ia so~i_al d,~ se1,1 nome.'1•1§' P-ro.u-st
leV,a muifo além do que seu~ ce~sQte{i .dem~Yei"~ti cos a il'desrhi~tifi.q.çãQ"
·do. Fauboürg-5a.ir-tt-Germain, Éstes acreditam, de ·fato, na existência. ob--
jetJva d0 9bjtt9 mágico. Prous.t no.he~et~ co.n..stç1_[1tél)Jént~ q\.f.t>O 0.bjet0
não e.x)st~- ''Asocied'ade 1:i;runcfa11a .[ (!.] o.retno ck,.na:da, iw E?sé! .a:1ím1a~àó
deve ser tomada ad pé' da letrca'. O roma.0 cista ressalta incessant~enre
b oo.ntras,te ·entre Q va:ziQ objétive dh Paubom,:g e·a f<i:alitla<le prodfgiosa'
.que' ele adqp:iye ~o.s olhos dp.esnobe.

ü wma:noisla .não se interessa' nem pela reali:dade irriséri~ do 0Jlije't 9,i


nem m.e'$ú'Q f'elo o.bjet0 trnns.tlgurªdQ., rri;i.S peJo ~rnoJ~s·s.o dtt: trans.tigu-
raçfo. O grande romancista sempre fo) as,sitrL Cetvat;1tt~ não se interes-
sa nem ~da hácia de· barbear nem pelo ermo de Mambrirú, O qu-ç "The
iriS{)lta t;)qtx.ão é gµe :aom
:Qui~o.te possa co}ifondir- êrnia simples bacia;
de. barbea_r com, .o ef_Q'ía de: Mambt'Ô,t. O qµe irwp1ra .pâix~o a .M.ç1_rcd
Proust é g_ue o esnobe v.ossa, tornar e Faubourg Saint-G<;:1'fll'êltD :por :e sse.
reino ta.bt:;Iió~O Qnd~ ça;da quaJ sonha em entrar-.

15 PROl'.l$T, S0doi11_
q e Comor,ifa, {'<.4) p._2,9.(f e,19:t ,Obs: hre<e lÍ'l!lÍS u111 t~e<;.h.o cftacl0 de
mem6.ria., uQ;1a .vi:g que 11a citacção de C.ti-an:1.lemes, ''.Les g~ns du m0nde s.e Jont.i1/us.io_n
sur l'{~pt!rttMCt SQCiíii de !tiir·nomd", ql:l.e:pro.va..velrrrerire é uma. cbn'densãçãó6õLL a'.l.nµ.1 unia
outra jrasé a ~ãftir')' c1~''1ks ger(-s du IÍIDnde ~e trov;p'eMt en se ti~1ra11t qiir :tciµt !e monde
p_p.?,Seg~ sur /'í1npoita:nce ·s[1ciale Jc, !e:tAr ;rnm les mê'me!! nqti_<!lns ,qi;i'eLLx-mêmts d .Les 'J).er"
S<i>nB~S d~ leur m..\lie;µ." Na uaduç,ão de Mário Qui.man.a:, «.Enganam,se- os mundân:ô s
ima-gina ndo-que toda rtn1o<lõ pô's~ui,so·btea importância socia:1.dd seu nôfné as·p ies.ã)°as
np~ç~ qu~ p~s~u~·ni ~lês p'róprl.os ~ as pe$~qas do i;ea rneíô''. (N.É)
,u, A pds_foneirf! '(v.5] ,, p.265, QQ.dt. {N.E.)

2:49
CAP1T.ULO '.9 - 'OS M.(J~O'<·}S· PR.OVS:TIANOS
O soclólago e ·o romancista naturalista .qµer~rn a.p~nas uma urüca- ver.,
dade. Eles rmpõern essa verd.ade a todos os sajejtos no exercício de sua
capacidade petçeptiva. O qu;e eles ·çhamam de·, ohjefo t um ~êlo -teimo
entre as percepçães incônciliâvei.s do des_ajo e do nãô-desejo . A eredi-
bilid.ade desse obj.eto prové.rn..~e·suà: pú·s lção mediana que debi1ifa codas
·a5. contradiç.ões.. Em vez de -e mb.o tar as pontas desS:ªs contradições, O·
roooartcist« géni}u ãs afia o ·quanto .pode-. Ele- enfutjza .a m~p:p:iórfose
oper.ida pelo deséjo. O nç1túralista, não percebe essa metamorfose, p.oi.s
el~ não é capaz·de cdtícar ~eu próprip desejo. d romancista que revela
o des(:jo triangi:Úa:r oão pode s-er és1tbbe mas é n,e,cessá'lfo que ele o ,tenha
siclo. t. necessário que de renha desejado e que não deseje rr.tpis.

O Faubour:g é o elmo éncantado pàl'a .ó esnebe e bacia d~ barbêar parçi o


não-esnobe .. Ü1Jvit11os répetir .a: cadê! dja que o mundo.é regido por dese 0

1
jós ''concre'tos' riqueza, befI!-e"Stát, po<le.t, p~tr.óleo, etc. O romancista
:

coloca uma pergunta aparentemente an_ódina: "O que é o esn.obismo-;:"

lnte,rrogando-se acerq1 do es_nobismo, 0 romancista se intéfíoga,, :a seu


modo., sobre as mola,s .s_ecretas d~ rtiecâniça social. Mas os cientistas_Je~
van~arn os omhros. A pergunta é. excessivarn~nte frívola para eles. Se os
forç.annos a responder, eles se furtarão a is_so. Alegarão que o romancista
se intercl,sa pelo esnooismo por razões impuras. Ele próprio é um es-
nobe. Digamos de preferência que e.l eu era . .É um fat~, was a pergunta
pennanecG! jnte}r~- O que é o esrwbis'a:ici?

O esnobe não está em busca de nenhuma vantagem c_o ncreta; suas frui-
çõ~ e ~obretud-o séus, sofrimentos são ·puram~~te rnetafísiços·. Nem o
realista, nç,m o_ide_a li~a, nem o marxista podem .respo_od~r à :indaga~~º
do rom ancista. O esn-ol:>i~o é o ~o de- areia que se in troduz .rlás en-
gren<\g:ens da .crência e :danjfi_ca a: 111áquina.

O e.snobe cksejâ o ·nada. Quando as diferenças concretas e.ntre os ho-


mens de1taparecem ou passám para o segundo p lano, num set.ór qu~lquer

250
MENTIRA R,ÇJMAJÚI ÇA,. E \TE'R l)A DE IWMAI\JES,CA
cfa !?PCJ~d}1qe, a cqnc9rr,é..hêi;1 abstr~.ta ·a.p~rfjce, w_as· .é c0n.furid,içla. pQr
rnuit.o tempo çprn. ,!!1$ ctonflttos anterro:tés,cujêl.apàrêriçia ela_adcHã. Não ~e
dé;Ve confuAdir a .angú~t:ia .aj:,~trani do esno:be ·cqm -a opressã:q 4e classe
O esnobismo não pertence a.o passado hierar.quizado-1 rn.mo se acredit a
habin.ta(rnente,, .e·siru -à.o p.resent:e ,e, mais a inda, ao, futur-o dem.oc:rático .
O Fâ..!ibtn.u:g'Saint.:Gérri1.ªfr1,
. l
na époç_~ d.e·tvi'?-r.<d Prciu,s-t, fstá a fre-n'.te ·de
qma ·êYol:i:tçâõ .q:u~ rn{·tamorfo$,da m~üs, óJ.I TIJ.Ç:'.'ftós (apidam~nre., tpç{ª5-
0

as e::amada~ çla s'Ç.)eieclade. O i::QinpnCIStéJ s~ v:ol~ pa;ra os es,nohes, pl)i_s


seu desejo eontém "mais vaz\o" qae -o,s .d..esej,os comuns;. O esnobi.smo é
a caricatura. de-sses desejos, Como toda cariC:a-tu@, o ·es'nób:isrnfl exag~ra
_f.J{'J. t.raço e nos forççi .x v~r o qu.e. n~Q veríamos )~rn~§ no ur-lgtfig}.

O 1p~·eudo~of:>jero: qµe f o Faubourg fotb;it-Geyn;iâi;n; as~un;re,, ent_âó, w:n


·papel p1:iv'ikgiad0-na reveiaçào romanesca. Pode-;se·c om;p arar-esse papeL
ao do :r:ádl'o. t1a física moderna, Ó -r.áclio .o cupa 1 na .na.t urez.a,..um ÍUgar tã@
r-ech.izido quãcyt:0, o. fâ4bourg Sa-i nt.,Gel'lJ1'1_a.in mi S,Qç.kd;id~ frqnÇ~S(I- Mâs
é;:'s:fe c9rp_o extteroame:nt~ raro. pps.!,Ui próJ'.lriedqdes e_x:ç~péiónáis gue fã.1-
sdam ·c ~_rtps.ptiJ)'CÍ~-fps,da 'ªnti'ga: {ísita e qu~ qausam grarrd~ traQ:storno,
por um efeito-gradual :d.e domím5, em todas -as. p·e rsp.eu-i v.as d:a ci@cia:.
O e:snobismo.r rlà me-sma fonna, fafseia cer:td,s prí-n.cípios da socfolo~ia
dassJca_. Ele nós re_vel~ móbil~s d.e. a~ão nüQca :ante$; Sllspeità,clos, µela
tdkxãd êie'D,tffita.
O gênio romanesco , em Proust",, ê esnobismo transt::endido. É sen es-
n.obtsmo ql:le coridu,z o romancista para o lagar mais ábstr.at.0 de umá
sociedad~ ~b_s-tratâ , Pi!fq o j1{tiucl0°ôbj<t-to IT-1:á.l§ es,çan.da~osàrg,_e,nte 01..d.oi,
j~to ~. pata ô lugàt mais propídQ à réVélaçâ"<J rg·tnan~sta·. ·O ~:sn~bis-
vi@, se c~nfu.nde,. t~tro·sp:et::thran;iente~ e.~-ro 0$ Rftme1.ro~ ttãm.J tes· do
gênin1 ele -possui seu jufa:o i.n l:alfvel ~:seu irresistível elã.. E' predso que
o ~snobe tenha si.do an-ebat.ado por uma ((DÍ:J-O.sa espetanç,a ; é pre~iso
que ele: tênha padeêido im ensas dec:ep.ções ~ara_q,_u<?· ~ distância é:n~
o ohjetQ d:ó ~ft.s 6o e o ó_b jeto dó n~o·-dese-Jo se imponha, sqa -atenç~o a

45'1.

e.Afe lfU~O ~- .Ot Ml,\1:NJ}9S P.Irnl:ISTIA'NOS'


e para que essa atenção tFiunfe das barreiras qu_e , à cada vez, íhe opõe
,um de.;sejo novô.

D epois de- ter sido útil' ao romanéiSta, a força catiGatural do esnobismo


deveria .sér de cilgt.una, utilidade ao l:e.irnr. Ler ê. revíver a expe1iência
espiritl.1al a cuja form~ o romance. se mdda com exatidão. D~pois d~
hayer conquistado sua. verdade, o romancista po.de cl.escer novanientê
do Faubourg·Saint-Germain- para as re:gíõés menos rarefeitas da existên-
cia socia'I, a e-x.-e:mgl.o do físico que generaliza para o_s éG.tPóS '(ordiná-
rios" as verdades arrancadas a este coi:po ·"extraordinárioª que é o. rádio.
Na m_aior'ia dos círculos .da vrda burguesa e àt~ mesmo po.pula:r, Marcel
Proust volta à enc~otrâr a estruturai triangular do dese]o, a ,oposição·
.estéril dos contrários, o ódfo pelo deus es.condido, as excomutihões e 05
tabus est~r.ilizántes d.a medütçâo interna.

É esse ~largam~nto progressivo da verdade romanesca que aca,freta a ex-


tensão do termo esnobismo·a·s pro:flssõ,es .e aos meios mais ·diversos, Hã,
~m Em Busca do Tempo .perdido 1 µm esnob.istnp dóS, 'professores, um esno,
bismo ·dos médjoQs, um esnobismo dos rnagisrrad.os e até urn esnobjsmo
das cria das de ·quarto. Os e'íI;lpregos proustümos da· pal_avra ·e_snôbisrno
definem U:ma sodo-I0gia '1ab~trata'' cuja ·afJikaçã,o é universal, mas cujos
princfpios t;stâo particularmente ativos n es Qleíõ~ ma(s abastados e ma.is
ocio-sos da sociedade.

Próust está, portanto, longe de s-er lQdi'ferenté ~ re.alidade


social Em
e;erto sentJdo, ele tios fala unJcamente -d ela, pois a yidã inte.riQr jâ é so.,_
·cial para o romancista. c,lo desejo triapgular e a -vida social é: ,s empre ú
reflexo do desejo ~ndividual. Mn.s Proust se ópõ~ radicalmente ao velhfl
p.o·sítivjsm:o comtista. Ele se opõe .igualmente ao rnarxis010. A alirnação
marxista· é aoáloga aó desejo metil'ffs.ico.. Mas·a alienação praticamente
não COTT~pon:de senão à 11J,edia-çâ9 e~terna e ?O~ estágí©s superiores, da
·mediação interna . Às -analises marxis'tas da sociedade bürguesa são mais
profundas do que muit<!S outras1 mas estão viciadas na basé por urna

152'
~i E~T IR..' \ ROM>\ITT ICA E VERDAD E ROMA..NES C.A
n0v.a Ú.IJsão. O marxista imqgiha que vai aboUr to-da alietf?-~ó a0 áb-9]jr
ã so.ci.~dªdé b~esa. Êle não !eva em conta-as forma:s m-ais agudas ,tlç,:
di::s<;Jd .metafí:;iéo, as que Prou.51 e OQst<),içvski desc..rev:ern. Q .màrx:ismo.
se deixa logFar pelt? dbje--to; -seq. qiatér.ialísm:0 .não f>â~S~ de ·um p,ro-grêssQ
relati,y;o em relaçã-0 ao idea:lismo burguês,

A. qbt-~ de Prbnst désçréve i,l.S nov<l,5- forma·s dê ~Ü~P:á{~ó. qu€ Slilcê.dein às


formas anreriores.: quandQ ras.'1teee~:sfdades'J·sn.o preel}cht~·as "é qu_ãndo=.,rs
d.iterenças CÔJlctêtá:S deixam de cl:omiflaE as re-Ja.çÕeS entre -OS hotne·J\S: ·o
e~n·d.bi.s/na, G:_ôtno V.imos., <::'rgue dtvrsófü1s ãbs.trâfas ,enfre. indivíduos que
g,oz-am dos rnesrnÇ>s rendimentos, que pértêh'te;m à ·mesma c;lass_~?Pci.aJ e
à l'üesma tradiç;ão:. Determinadas iIJtuiçõ-:es da s0ddqg;i'c1 .amerjeat1~ pet-
.mjtêm àpreerider a_fecundidade. ·d.0. pçmfo ,de vJsta proastiano. A-noção
pe "<?'.onsp:içucfüs tD1"\Stitnpfüm d'e:se})v.olVidª 1tôf Tb:qr~tein Veble:orv< jét
11

é-tria:ngu]'ar. Eia desfere lim ;golp.e fatal .nas Eeo'ita~ f@t~rfalistas. O valót.
do obj'et.p conswnido não ·depend~ mais senão do olha:r de Ouh:o,. Só
o d.eseiQ5 d.ô ·O/ftfQ podé cri"ar o désej'õ ,. Màí!r pe.rt0 q~ nós, üm Óavid
Riesman e um V:anee PaC:ka:td--rnostram :qu~ a ·frnerysa 'cJq:sse rnédfa .a)'ne~
rlcanc!, tão, Lrb.erâ:_da ·das n.ecessida&~s .e ma:is uui'f.orme a.Lnd.B ao que 0s
meioird~scrlt0s por·Mar\:el .Pro.:.ust, t~:mb~m se. .diviél~-em tompartitm~n-
"Ens abstrat-os. Ba multip~ta os çabµs -~· as .~xt:or:nonhões eritré unidades:·
per'.t:eitrar,nênk semelhantes·e ·op,ostas umas,às outras. Distfoções insfgr;,·i-
ttçant"€5 paretetn monstru_osás e prod1,rt~It! d~üos lncakulávei's. O Ou.tro
.amda domina .a ~.xlstêl\t:~a -clp i:ndívíduo (h~·~sse Outr(j r,ão é rrraís, como
na, a.li.eu.ação marxlsta, um @.~resso·r ·de dasse, sen'â:o ,o -v1únh9 do 'laq0:,
·Ó. c~ie.g-á dâ es(ola, .umr ival pr.ofíss.ional. Ü·Óu"ff.o tica sempre mais fasct,
rtal),te 'à medl~ que' s~ ~pto)d'.mà do B1:1.

Os rna.rxista.s .no_s dirão··que -se tratam aí de- fenômenos "residuais'.' liga.d0s


à ~stt:utwa_bt.rtgµe~ da soçíecl.adt:. G ·ra~ió.dni-o ~e~iâ mais .cónvin.c<;:.n te

17Ver Thorstein Vêblen., r.luory qf' th.i' Leisure Cla.s," An E'.cõnomic $tudy in the Evoh(tiqn
of I'nstiti:ttíons, New Yor;k:,Dover :Publicàti_oris, ~J 994_ (N. E,)

153
C:APii.UI. O '9 - C)$. MUNDOS PIÍ.OUS'fl,WôS
se flâo se c.ibservas!.em Een'ôrnénos :análogos na sodedacfe soviética. Os,
sodólogos burgueses não, fa,zem mais q-çre embaralhar as canas quan-
do atif1I!am. diante desses fen ômenos, .que ''as clas·ses s.e refonnam na
URSS." As· classes: p~o se· reformam: são as novas aJienaçõés- que ap_are-
cem onde as antigas desàpatecem.

Mesmo ~m su.as intuições mais- audaciosas, os sbciólogos nun<::a conse-


ggern se übettar complêtamente da tirania do objeto_. Estão tódo s ·para
aquém:da reflexão wmanesca. Tendem ·a .c onfundir as velhas di:stirtçõe'S
d~ das:se., as ·distinções impostas d~ fora, com_ as djstin~ões int~mas -sus-
citaçla~ ·p elo desejo metafisico. A (::Ontusão fica bem mais fociTita.dá pelo
fato de haver, na pa.ssagem de mna alien.ção à outra, um longo período
cl~ transição durante o qual a medi.ação dupla progri'de·subterr.aneamen-
t_é' sem jamais tQcç,r nas aparências externas. Os soçi9Jogos não ch~&arn
até· as leis do deséjo metaflsico por njo ente.aderem .que os próprios
valores materiais ·são, no final, eng6Hdo:s pd~ medTação dupla.

O. esl}obe nãq deseja nada de cooc:reto. O romanoista .o nota t se depa-


ra em todos os de-graus da vida i.ndiv·idual e coletiva com as oposiçõe_ s
vazias·e sim.étricas do esnobisnro. Ele· hb_
s mostra que a ab.straç~.o triunfa
·na yidã privada, prnnssional,. nacional e até iI)tetnatíooal. Ele nos rnos·-
tra na Grande GtJerra não o .último entre os conflitos n,aclóna.i~ mas o.
primei..ro dos grandes çonfHtos abstratos- do século XX.. Marcel Proust
r~tbma,. etil ~µma, a história do .desejo. meta'Hsico no ponto mesmo em
que -Stendha] a hav.ia lãrgadp. Ele oos m_ostr.a a medía~o dupfa cruzan-
do 11s fronteiras nacionajs ~ adqo:irin'do as dimensões planetárias que
hoje descobrimos nela.

Depois de haver descri.to as- rivalidades mundanas em termos d~ ópérã-


ções mi litaFes, Proust J)OS descreve as qperáções militares em termos de
tivaliélades mundàn.as. A im.agem há pouco se fez objeto e o objeto se
fez imagem.. Como na poes ia contemporâne.a os dois termos da. imagem
são intercambiáveis. Do microcdJffi!o ao ma.a o.cosmo mn mesmo cles-ejo

J.5:4
MEN Tl &_A RO-M;<\NTIÇ'A E VERD AD,1' RU~lANE.SGA-
tri:rrnfa. A estrutura é a ·mesma, ~ó. Q p_rê.t~xtô ajuda. N. J;I1et~fornt; pt'.o.us:-
.tiana:5 nos âes,v iam do objeto e nos <::oncentram ~9bre o i;nedia-dp_t; d~
'uós f.azern _pass.ar dJ? desejo· lraear ao dheJo t·riangular.

-Ohélflu$ ,e a sra·. V~rdq.rÚ\.cqnfun_çliarrt ;{Vida mttndatiçi e a Çr.and.~ ǵt"r- 0

raí'o rsmancista u.ltr..apassa·es.sa-foucura como ·essa lou<,;:ur.~ Ja Wtnpassa-


va ~ '"ho-rn :sensd"_Ek ,n_iio ·conmiid€ mai_s 0s dois, setores, e1e os assimila
)l)etOçÜ<;attienre 1::1m,ao.outro. O roma"ttcíS_ta int:9p-~, pois, T-IO; rís"éo,de s-er
taxad0 d.e superficial perante .os ~specia-list-a~- Ele setá repreee:nd1c!o p,or
~xfiliç<l:i" o.s:gra_n,dt s ev.e ntos por, mei@ de "pequenas. causas". Os hi~tp$-
.d9t€s.qµei;em .que sé lev,e, à; hrs1;ória à. $éri Q e n~o ~et_doam S,ainl-Simor:1'
por ter interpretado ~er.tas guerra~ éfe Ltµs XIV ,e::omo efoi~(i) de riv~li.da-
_qes. .entre çp_rresãos. Eks €squecero q_u e nada '.é "J')equeno" ~ob Ltrí%XIV
se djssey respe'i tb a:os ràvorts. do. moriarc:a.

E:nt:re a futilidad€'. pura e simples e a futi.Hdade catp-ctfs:n:üca, a dí~t~rt.q a


é (mperé:ept'ív:el_.. ·s ~_intcSünon rrã·o ·O ignora, :os somanc'istas rampmreo.
Não:, há, ~lJ_ ás, "ç:ausa.s'', rrem gtantles ·nem p·tguena,s, bi b vª.zio· in fftJita-
m€nte: afrvó d0 deseje metaJís1co_ A .Grande ( ,Hert;:t; Cottto a g'µérfà d{1s:
.s:a.l_õ~s, é ,o .fUitQ d'e~sé. desej0. :Pâra convencer 5e diss-o , '.hasta nbservart;- õs
0

dois lact(õ')'s. S#;0 as m~s!Da:? indigna,çê[k<s, os IIIestnos géstos teatrais. T o~


dos os ,diBGursos- se assemelhap:i: para torná:..:Jo~ -ad_mi(áy~;ls ou ãtroz€S.,. à
escQilia dâ audi&-ncia, hasta inverter os nomes l')rcipri:@s. Alemãe:s e~fran -
ceses se Gopjar:n se-rvil_ tnente. Certas .ç_~mpàrá,ç.õ:es de te.idüs fornecem a
Char'rus efeitos de .uma •corniddp1.de utQ tant0 amarga .

H~ al&uns anos, pod1ª-sé sorrir dess.e esnobism.o: unt'lersal. O ron;ia.n:


císt~, pristoneu;:o de sua olt$~~S:â o rngndàna, no.s p_afecía esta-r a mil
·m:ilhas dos hor-rores ·e d.as ·angústia~ c-o,nteO);})ó.t;~_neas. Mas ti p"rt:;ci$9.
c_el.e.r Protts:t ~ ·1u~ da .e vdução h:istórie.a recente.. Por toda -pa-rt~ O"s
bloc:os s':t_n;i..étrj~os s'f' confrorJtam:, Ç 9g t M~o,gá~ Jp:íl_t~n1 ·e se o.d efam:
GOm [Jaixão" A-ideolo,g ia; n'âG é rnais qu~ µm, p·t;~t~X~C! pár~ afrontas
fowzes -~ sec.r;êt~;ne-.nt~ acordadas. A in.temadonal do nadonaUsmõ

255
CAé(11LJl,(~. 9 - QS M U-N BDS PR'.0 USTIAN-05'
1
·é o naciqnalismo da internacional se .cruzam e se entrecru:tam numa
lnextricávd confusão,

Em ·Seu romance {9B4', à rom_a rit~ta inglês George Orweli ilustrbu dire~
tamente certos aspe<::tos dessa -estyutura históri.ca. Orwdl penzebe mui:
to bem que a estrutura totalitária .é 1empre dupia. M~s de 'não revela a:
ligaç~o entre o cfes~jó individual e a e~tmtura· coletiva Em ~as õbras,
ten1~se com frequência: a impressão dé qu~ o "s.istemaf' é imposto de Jorn
_às multiq.ões inocentes. Denis de Rougemont var ma.is longe;-em O Amor
e·o Ocidmte, e de s~ apt(:)xima bem mais da visao romaneséa quando faz
jorrar- as v:ontad.es .coletivas de p·odêr e ·as· estruturas 'totalitárias desse
orgolho in.divi.dual qu.e ,primeiro gerou os místicos da paücão. "Está darn
~e as vontades· de poder afrontadas .__ já existem tíârios Estudos totali-
tários - não pedem de fato senão choéar-se com paixão, Elas s~ tornam
uma parPc a oufra o obstáculo. O fim real, tácit9 1 fatal,, ,dessas exa'lraçõ·es
.toral_itárias é, por conseguinte, a ~rra, que sí_gn)fi.ca a morte."

Proust, ao que diz.em, ;n egligehcióu os aspe_ctos mais importaf\tes da


vidà sociál moderna; ele descreve tão. so.rne-nté um resquício mal-e-mal
pi.toresco µas ê.poca? passadas, uma sobrevivência fa:dadà a'O dçsapareti -
m.enfo. Em certo s~ntlclo, tem razão . O mtmdinho pnmsdano se distao.·,
cfà rapidamerrte de nós, Mas o vasto IJ)undo nQ qual começamos a-viYer
fica a cada dia um pouço mais parecido com ele: O cená_rio é' diferente,
a escala é diterente rnas a e:strutura é a me.sma.
É es.sa evolução histórtca ambígua que, em um quarto de. século; faz de
uma obra Telativamente obse._urp. e difícil uma Qbra trans."pare.nte. Os c,rí-
t'icos observal'am essa clarez:a crescénte da, obra-prima romanesca e nêlà.
veem ó fruto d~ séu resplendor. É ·o romance em s·i que furmaria .semdei ,
tores e espalharia, ~açl.µal;n~nte.; .a luz :de sua prppria c.:ómpreeQsão. EsS<t
ponto de vista otimista está tigado à concepçãu rnmâmica que faz .do
arti~ta J.l(n fe1teiró- a forjar novos va}dres, um novo Prometeu subtrain-
do .o fogo do céu pa.ra e-ntregá-lo aos homens agraçlecidos. Essa t~oT'ia

;\S6
M çt-.lT!I\A, Rü MÂJ'ITICA E VERDADE. ROMAN,E5C..A:
certamente nãõ é' aplkávd ao romance. O romance n,ão trãz noVQ!i valo-
re$; ele reconquistá ~ duras penas os valores dos r omances ânte1iôres.

Em Busca d.o Tempo perdido pàróu de páret(tr i,ttna ob1·a obscura mas não é
certo C}]Je stja ·mais bem compreendida. A a~ão espifituaJ das wandes
qbras ·romàn~cas é .muito tênue., e nós sabemos qu<.:; essa ~ç~o não stt
ex:5::rce 'qµase nuncà no ~t:ntjdo, que o e:scritor previa. O leitor projeta
sohr.e a· obra..as ;significações que ele Já projeta sobre o mundo. f::ssà
f)rojeçã.0 se toma rnais f;kd à rtredida qµe o tem pó· passa, poi-s a. obra
está "a frente" de- uma sociedade que vai alcançando-a pouco a pouco. O
sewedo· dessa posição adiantada n:ad.a tem d~ JJ:iist~rioso. -o r!;)'rtJ.ançista
é, primeiramente, o ser com o desejo mais intenso. Seu desejo o arrast,1
para as ,regiões mais· abstratas e o~ objeios m.ais nulos. Logo, seu desejo
o arrasta, quase que automaticamente, para o topo do edifício so-cial. t
lá'- Já o,comentamos a propósito de Pl.a,ubert ~ que a. do~nça ·ontólógica
Bta sémp:re mais aguda. O,s sintemas que o romancista observa vão se·
ptôpqgar prôg'rtssivamenft até as camadas inferiores dessa soci_edade~
As situações metafísicas que estão r.ep:r~s·entadas na obra vã0 se tornan~
do familiares .para um grande nú~ero de leitores; as oposições romanes-
ças terão $Uas réplicas exata-s na-.exí5tência cotidian~.
O roma.ncista,que revela 6 desejo da elite s0cial é quase sempré P.rofétíc.o.,
Ele descreve·-est:rututas inter~bje.tivas· que v-ão. se banalizar _gradualrnen"
te. O que é verdadeir.o sobre Proust é égualmente v~rdadeir0 sobre· ou,
tros romancistas. C...!"uase todas as grandes obras ror)1.an~sc_~s sucumbem
à atrac;ªo dos meios aristocráticos. Em toclos os wrnal)çe-~ de Sten.dhal
~ncontra-se ürp. duplo tnóvime.nto da província à <::apitai e da vida bur-
gt1esa à. vida ele.gaQtts:. As ~venrui:as, de D01.n Quix-ote,can.egam pouco a
pouco ,esse herói para os meios àristócráticós. S'tavroguine, o mediador
~niverSé\l de 0$Deroqnio.s, é um aristocrata. O Idi'qta, O s- Demônios., Ô Ado.-
lescente e O s fonãos. .Raram<cflQ.v sâ0 romances "aristocráticos". Dostoievski
expli cou inúmeras v-ezés ~ôbre o papd que desempenha a artstocràcia

257
<.:API T UI Ó 9 - OS .M UND.QS' Pil,.t;í t,!ST.lAN:0S
TIAS~~ erti .su~ dbra. Sua degenerescência e sua, com1pç-~o [lJotal fazêm
deJa 1.1J1J es:pelh_o defprrna.d0r .dµ: vtd_ç1 w~sá,, à e~ceçã'O da vi:da campo·-
nesa. Levando:..:se em ~nta as d;ikr~·11;ças d~ Jjnguagect). e de p.~rsptctíva
êti.c a, ê e.s~é, nmito preGisarn.ente, o papel dese·mpenbado.pela ariStoa·a-
mances â~ .c~rvantes,, c!e Stendha1 -é de Proust.
ct,i_a !1(),:S ró_

As grantle-s obras se r.eahzarn na- abstração impr0durtva,. da aJt.a tQdª


porqqe wd.a J(!cjtdâ.d.e. ten.d.e, passó· a pass-o, para essa m~sr;na abstra,-
.çâo. Metit~~ ta:q.çlive:r~_às ,guál)tó Paul 'hdêcy ,é Jean-Paul S'af'.tre esti:v-e'-
:P am·de commrr acordC;? para criti~ar Marce'l Pml!st 8,lia-r.tfo: à fr:Wo[ídadê
.de s.e.u propósfto . Ess~ r:0mândsta 1 repete-se por to.da Jilarte., nâ:o, Çb-
Jiliete a fran:ça,. ~(e ·a c;.õnf.undt:; ç:o'IiJ ô t.a,ttboúrg Saint-Germain. De'-
ve.,se dar, razão aos qfrjcos, mas tan;i:bém t~ccJnhecGr nessa cqrjfusã0
ge_niaJ µró d.<ts pnnG:ipa:is se.gredos da criação proúSt-ia:na. Os p_into_r'eJ;
da .é}i_re :soçi~I são 1:rs. mê(i"s $_1.,1,p~rtkFa(s. 014 .os máis profundos co:nforme
,refl itam ot:t, pdo cof).,ttàriQ 1 consigam ,:-evekit 0 . d~~jd metafísico. 5ó
11
:OS tne.dfo.cres ou os gênios ousam escrever: A. í:(1 4.rq~ésa ,saiu às ti:rJC:9
ho·ras.li O ·srmple~ ,taJ~·rifó recú~ pera.r,te ,~ .sa banalidadt. .humrlhante @u
essa &uprema aud~da.

25'8
McN'r lRA. R©l,l.ÂN'l'1CA E VER.J?A()J;_~Q M·AN.1;'.QCÁ
/#

PROBLEMAS DE TÉC_N ICA


EM PROUST E EM DOSTOlE.VSKI

Combray não é um .objeto mas a lciz na ·qual se b_anham_ todos o-s obje-
tos. Essa l_ll2 é tão invisível "de fora" quanto ''de dentro''". O romflríCista
nã-o pode tfos fazer banhar nela. Aliás,, mesmo que ·o pudesse, nós de
qualquer modo nti'o verfarnos Combray, farfamO,s parte de lá. O ro-
·mancísta não po.de, pois, proceder se.não lançando l)'lão de urna série
d~ CO!)trastes suges;tivos éntre a percepÇ,ão de Combray e a petcepçã.o
dos ·,'.bárbaros".

Prgust nos 1110stra que um objeto jamais é o ·mesmo pará Combra.y ~


para o mundo e_xtériq.r. Q romancista não olha os ·objetos "c;om o mi-
croscópio'' _para os -aoalls-ar e ós ·"recortar em pàrtículas ínfima.i t; pelo
contrário, de recompõe percepções subjetivas que nosso t'etichisruo pêlQ
objeto decofl}pÕe- ·e111 dados obj~tit105. O Proust que ~r.ec:orra a seosação
em partículas ínfimas" so existe ·na imàgínáção d~ certos críti<::os con-
.te.m p.orâneos.,. O .é rro de.ss-es crí-i;icoS' ê tanto tt:1-ai.s espants5s.i:). que .o ponto
de V'ista a:tomista e sénsualista, o ponto de vista que _permitiria recortar
uma perc€-pç-ão· ao"ôrürna em partículas objetiva~ já sé e_o contrà l'efutado
nas p1'imetras. páginas do r-oman(:é~

Até-ô atô tãô simple~ a qu(l chamamoç "~er um·a:. Resso<1 conhecida" é em
parte-um ato i.ntelêctuàl. Enchemos iJ. aparênci.a física d_õ. ser gueestamos
ven do CQ111 todas .a!> noções que cem~ a seu re.s:Q.e.itô; ~. para: ó aspe.cJo·
total que dele. nos representamos, certamente con~rib,uern, essas noçõe_s
com a maior partç. AcabqrrJ elas pof arredondar tão p~rf~ita:menre as
taces, com seg-uír coni tãq perfeita pderênda a linha do~iz,, yêm,de tal
modo nuançar a sonorida'de da v0z1 como se esta nâo f:osse mais qu<; um
transparente invQJucro , que, d.e cada vez que ouvimos aquela vo:z;; são
rs.sas ºº'i.õ es.o que ólhamos ~ esçutamos''..

São briga:s em cima d e palavra,-s que s~ armam hoje em dia contra Mar-
cel Proust. N9ta se em seu texto a presença de vm termo EJUe se ,acaba,
0

jus.tamente, de ~comu.ng.i..r e afirma-se triunfalmen te que a obra toda


.está uhrap~s.sjlda. Mas a catolicidadé do romancista gen.~al procma an-
tes de mais nada o inteligível. Ela não dá a me1Jor impo rtância .a i.n ter-
ditos que-as modas filosófiçàs umas a.pós as outr&-s· fo,ze'm pesar sobre
as mais vãriadas por.ções da língua francesa. Certos leitóres hiztm uma
careta .cfe desagrado quando se deparam, na obra; Em Busca do Tempq
perdido; com paJavrà-S tãô. inofensivas como háb'i;tp ,, sensação, ideia. OU sen-
um pquco sua preciosidade 61osó.nca e
ti111entos. Se eles esquecessem
se aplicassem à des-coberta da su.bstânç_í~ romanesca exclusivamente,
constatari.am q ue as. .r:n<tis fecundas imuiçõ~s d.ç_i psico.1o~ia fenomeno -
lógica, e existencial já estãó p r.e sentes em Prpusf. PoderíaJl)OS; então
sustentàr que Proust é muito avançado par~ sua época. t-,Jãà Gairernos·
entrntant0. bo, rrdféuÍo de atribuir ao nosso pe..ríQdo a 'descoberta .de
verdades· humanas que t eriam escap_a do completartjente aps bomens

1 Nó caminha de Sa,ann ~v. 1). p.24, op.cit. (N.E.)

260
MENT IRA ~OMÂN_TI CA E VfRDA.Dl: RôM,A.N"E SCA
de outrora. A "F~nom~nólogi,:( prQustiàna hão; faz se.não e:}{pHt,ita,r e
de-s envoiver cerras intuiçà'es comuos a todos os grandes romancistas.
MâS! essas· intuições não '5e romarn· o_bjew de ~tesenvo.fvim~.nt0s didá-
tico,$ nos romancistas -anteriores. fias se. encarnam em sitúa&ões roma-
nescas c,uja essência se trã:.duz: sempre r,.ielo qu'iproq'u6. Diferentemente
d0 quiproquó de vauçlevile que é acidental. o quipraquó rnmanesço é
essencial. Ele revefa; ao opô-las Lima a õutra:, a quálíd_ade espeGffica de
duás perc€pçôe-s. Define do1S' mundps iQdividuais ou çpletivo,s .incom-
patíveis, cfois imperialismos da percepção tão absolutps que ele$ não
têm a meno'r consci~õcta do abismo que os separa·.

O quiproquó entre Dom Quixote .e o b~tbeirQ já revda uma diferença


quailtativa nas percepções. Dom Quixote vê um elmo éhcantado onde o
batbêrro vê am_a mera .bac1a de barbear. Prnust, no texto que acabam9s.
de c,itar, descre-vé as ~s.truturas da perce.pçâo que tornam o. quiÇitoquó
ineviráveL Ele estabçl_ece as bases teóriq1s do qµiproquó fundamental.
Em seguida dá a essa teoria, cqmo vimos no capftuio firecedente , inúme-
ra~ exeJ:Y\p.lificaç;ões concretas. Os <quiproqu6s cile Combray, n~o dí.f~rem
essencial_m.ente dos quiprogu6s de Dom Quixote. Cervantés ~squematJza
e ~xagera os cohtraste..s para obter ~feitos ·de baixa·eomédja. Os efoitôs
de Proust apresentam umá grada~~9 sutiJ , porém os dados da revelação
romanésc_a não mudaram muito. Há, na obra NQ ·Cain.h:fh.o de Sw.ann, uma
com~dy of mors ·cujo princípio é o mesmo: qµe o: das aventuras de Dom
Qu1xote. A visita nofurna de Swann é uma cascata de mal-entendidos
análogos, na cat~gorià <14s· conversações, ao .que são, na ~ategoria das·
aç:ões, as .fantásticas QOites de albe·rgue dê Don1 Quixote e.Sancho.

As .sllbj.etívidades prisioneiras do desejo transfigurador,. q,uer dizGr; do


orgulho, e~tão fadadas ao nial-entenclido. Elas sâ0 int:apa:z:es de "i;>ôT-~e
n0 lugar d.e oµtretp". O romancist~ po,de revelar sua impotência apenas
por tê-la, ele próprio, superàdo. Ele vençe~ o imperialismo da percep.-
-ção. O qi.riproquó nas r.eve.\a, ao predpitá l~s para dentro dele, -o abismo
0

261
CAP!Tl,JL.0. IP - PRO&L.EMAS DE TÉCNICA EM PR'O.UST'I, EM D ÇJ'S TQIEV;1<1
qüe separa duas personagens. O tomancísta não µo.de construir seu qui-
proquó sénão porgne d~ perc_e he 0 , abismo e porque ele t~m os pé_
s. urn
de "Cada lado de suas beiras.
As duas, vítimas do quiproqué são a tese e a antíte$e; o ponto de vista
do romancista é a síntes~. Esse_s três momentos .represen_tam patam~res
suc_e ssivos na evoluqãq ~spirftüal do rom·a ncjsta. Cerv,ames não podéria
e~érever Dom Qulxdte se o mesmo objeto T)âo fivessfa sido sucess:iva-
m.~.nte, p.atá ele, um .elmo encantado e uma simples bacia de barbear. O
ro.mancista -é um !\ornem quevenêeu o desejo .e que, ao lembrp:1;-se dele,
éompara. "É esse proe.ess-o de c:omparaçâo que Q narrador define no início
de No Caminho cle-$wann:

Eu.t-enho a inwressãc5 de dcixaralgµ<:m pâr-a ir ter com outra pessoa difo-


rente, quando., em minha, mem6riá, Tetrocedo do Swann que mais .tarde
conheci. d éve1'as, para este primeiro Swam, - este ptlmêiro Sw·ann qµe
descubro entre os en.cantilí;kires e,quívoçps_de nunha jt.wehtudc;, e que .
aliás se parece ilfenós com 0 outro:clo .q ut fom as pesso;i.s il q_u~m conne-
éi na m_és.rna época, :Goroe s~:em oo.s.sa vida·suc~dêsse como num m_useu,
onde todos o~ retratos de 1,1.111. rm;srno ~erop.o têm um ar de ~àmília. ~

o·narrador pToustiano, ç:orrro todqs os- roma,ncistas; transita Hvre.n;tenté


de sala. em salé). no museLr imagi nário de sua existência. O romanc.ista-
narrador hâó :é sé_Q:ão Ma_rc(Ü de volta de t0dos os seus erros, isto, é, d~
volta de seus desej9s e ri~o de toda a wa,ça romanesca, O Cervantes
genial é também um Dom Quixote de voltá de seus desejos). um Dom
Qut&:Cíte capãz d~ per:ceber á ba:ci-a d e barbear enqµ,mtô bacia de barbe-
ar _sem esqueeer que ele outrora via neli:I o elmo de Mambri n.L Essé 'Pom
Quixote clarividente passa pela obra ·como, um raio; é o Dom Quixote à
beira dfl. morte da condüsâo. O nârrador p.roustia_n·o tàmbém morte em

i fde~. ibdem.

262
MEN'TIRA _RüM,õ.NTICA E VER.DADE R(>>MANE'SCA,
O Tempo r.ee,1e:011trado, bem <:'.Offi'9 sé ~ura iJ,a mort'I',!. Má'.s· ressusçíta cb_m o,
rnmancista. Ressurge em pessoa no .corpo, d.e seu ro.rrrance-,

O rcmapcisfq é úm .h~rói curado -do, desejo rüét"áfísiéo. O poder mma-


oesc:9 se· e~ert.e de. rnpgo ir\vi$íve1 .a,nt,es de Ptõ.~ t e de;:: rriocts;:,· vfsivel -em
rrous~. O çqmancí)ta é ttm h erói meta.modosecado. Elé é~tâ tãô lon,g,e d'p
herói primitiv.o tq:Uam0 o ex:i g,e -a· transcendênci"a de O Tempo re.desco·beyto,
tào. próxim-o dtl~ quanto o e.x:(g,em as ne.cessid.ades da rev.eJaç·ã ~ roma-
nesca. Ó çriªdpr. ftstá presente €m srra. obta ~ vai -ç órne.ntan.d o-a passo a.
p.~ssQ. E1e-int~:rv"&n co.nsoanJ~ sua -von~d.e, rt~o pata.PJ.tJ:1üpl\t.ár ,as <li-
11

gres.~cies" co:tif:Hi) s<rc:o~tuma. aÍlmia,r, mas para e.rtriquecen:rtod\giosamen~


te as des<::riçães romar,ie-scas, para. impeli-las,.de c::etta fmma ,. ao·seg1+od9
watt.- 1/imós'., por exemplo, que Proust nâéo se limita a nos apresentar
quipfQ.q.Uôs: revda,.d'bres; ele ricos e.x_põe ,a t~on.a. :des.tes. As glosas q:1,m
certos çrftt~Qs gqstanam :(ie ·pod.ãr dg obra ptous-tjanã. çqnstltm;:m uPJ.a
maravil_ho·sa introdução a 'todns a:s grat,i;de~ oG:i:-as.tol}la·nescas,

Em Busça, ,dr., T,m{)o perdJd~· é .u..rn romance e i a ,e xegese desse .romance. A


rn_"çi't~ia r:.o_m:arn:;s_cçi co.nstitüi-se tio 0_bj.eJo de L(ma refle"ião que tra-nsfor-
.n'la. em rio to:rren.cia! ó és-tteitp üi'atho ín-~quíeto dp.s ro;manc~ anterio-
;res. Hca-~e atonito p·eran~é es_s-a;_merâil)c>rfpse"~ é ela qut S'e-proclira,. sém
muita habi'lidade, inferpret<1r ·.ao alegar qtl'.e Proust "r~~orr~, a seo.saçãq
ern ;p ártícãlas ítifünas"" É J:lovamente 0 preconceito realista o responsável
por esse erro, S.en~fo tod.l!) r01nance conç~büfo tal qual uma futo-~fía
cfu r:~alidad~, vê~se fig t~mancé pról!stiano mjl_ã ampliaçii'o do.s e.ste·reó.-
tipas anteriores ,, um S:implés aUI;rleoto q4e pe.r;.i;n_it~r~a ertxergat' .detalhêS
ex4:-r:emamente [:>"equenos. Mas não é da .c ópia-.realista ou natUra.li.sta que
s·e ·deve pa.'f.t tr pam determinar o que Em Bitsça .do· 'J;'lmipa p.er.dit"fo; traz de
ino:vaçlor·para. a~ç:rt,e 1:Q.m.arwsca.; .é .de Cervàntes e de St~dhal. Se Proust
fosse µm >SUpematura:lista, il perce11~ão tevta pa.ra ~!e um ,talar a:bsoh,n:o,.
@. romancista nã0 sab-erl~1qµe é ·o desej'o metafísico q14-e strEStjt_ a,, em stJa·s
vítimas, interpretações. sempre diferentes do real e ele seria incapa>z de

Ji?3
Cl:\PfTÜLQ., o - PE OBLE~AS flÊ T.ÊCl'f.lCA '~M P,RQ'UST .E EM.DÓST.01:EV.SKI
arquitetar seus qüíproquós essenciais. Sua obra estaria tão vazia. dé hµ-
mor- mmanesco quahtO" à. de ÊmíJe Z0La ou de Alain Robbe-Crillet.

A presença do rom.anci~ta-Tia.rtudor permite irrc,o-rpora·r à obra toda urna


reflexão dª- qual ás obras-prin1á5 rpm~1:nescas amerior~ n~o conservam o
me·n or ves.tígjo. Essa pr.esença responde i.gtralmeate· a outras exjgê'flc::ias
que depetJdém e'Strftamente, neste caso, do tipo de des~jo metafísico
revelado no romançê pr-0ustiano.

Üepoi.s de Ccmbray, Vem Paris; ã vdha .casa canipesin_a dá lugar a_o s


Çhamps-cÉlys,ées' e a-o s-alão· Verdµtin_-O r:nediador se aproxima~ ,o de -
sej9 se nieta:morfosefa. Sua: estrotµra pa·ssa, a partir de então, ·a ser tãQ
complex a qué o fprpa1idsta 'tem que-to.mar ó kitor pela mão e d guiar
m~sse- labiri.n1:o·. T ódas _as técnicas romanescas anteriores são inapro-
veltá\it?i.s, pois a verdade ri.ão está, presente em parte al~rria de forma
im~di·ata. A cons.'Ciência da's personagens é tão enganosa quant9 as âpa-
rências.exteriores.

A sra . Verdutin, pôr exemplo, diz experimentar pelo meio Guermaotes


urna náusea invenóv.el. E não ha nada, nem em seu comportamento,
ne m em sua consciênciq, qllé desmin,t~ essa alegaçâo. A Patro.a preferiria
mil vezes a ll)orte a confessar aos .dernats., e.~ co11Jess-ar a si pr6pria, que da
deseja com J?aixão ser. re.ceb1da pelos Guerrnant~s. Estamos no estágio
onde a aseses~ pata o d·e~ej,o de.ixow de ser vohmtátia. À hipocrisia lúcida
de Ju1ien :Sorel sucedei;r é~sa h!pócrisia quase in~tjntiva que Jea_n-Paul
Sartre denominou "má-fé''_

P0r consegaiçte, não basta mais usar a forçij p._ara penetrar na e::onsci-
~ri:ciá das pers0t)agens. Todas ás técnicas dos toniantisfas anteriores
tor,pâm-se impotentes dtante dessá duplicida<le súbrétrânea. Julien

264
'l\.tEN T1 RA ROMÂNT I CA E VERDADE ROMAN ESÇA
Sorel di.ssimufav_a seu desejo a Mathíl-de mas não o dissirmtlava a 5_i
próprio, Stenqh13J só precjsava, assim, violar a intimida-de de seus
heróis para nos revelar a verdade de seus desejos. Es.s<t retufso é do-
ravante insuficiente,- .a ·descrtç.ã0 objetiva não -se coaduna mais côm
·o real mesmo qµando ela abole as fr0ritetfras entre a interioridade e
a exterioridade., mesm0 quando o romancista passa üvremente de
consciência em conscjê-ncia.

O momento pre-s~nte é ~rm vasto desertQ dfsprovido de indícios.1


cle nada tem á nos ,oferecer. Para .ente.I)der ql!e o ódio da STrJ. Ver-
durio eséonde ama ~cloração secreta, é necessário olhar para o fu-
turo, compa,·ar à Íetoz .Patroa do "pequeno· df' a futura· -princesa de
·Guermantes 1 a anfitriã marav-ilbada de todos ess~s "maç;mte'S" que ela
considerava -a.IJti,gamente absolu'tamente i,ntoie-rávei.s. É ·necessário
comparar as etapa_s des~a cai:.r~irª 111uo.dana para cap,tar sua si·g nffi-
cação verdadeira. As ôbserv:açõe'S devem ãbarcar um I.o ngo períod0
de temp<;J.

O que é'verdade para a sra . Vérdurío, o é tamb€I:n para ·a s ·outras pe-r-


·sonagens e, em _primeira posição, para o pr9prio nàrrador.. QtJando
Marcel vê Gilberte p,elci primeira vez, el.e- lhe faz car.~tas horríYêiS.
Só o tempo pode verdadelramente nos revelar o s~ntido de adoração
qµe essa ·estranha .c onduta ç:omporta. A próp_riá criança nem se.mpre·
cpmpréende o g.ue a faz agir 1 não se deve procumr a verdade nessa
CdnSciê11da anuviada .

Só se pode resolver a questão da revelação romanesca acrescentando uma


à.imeosã,ó nova à orusciê-ncia do romands'ta "r-ealista": a dimtn.sâo ten;í-
poral. A ubiquidade "e$pacial" n.ª:o·é rnªi~ suficiente, deye-se acrescentar
a ela a 1..rbiquidade temporal. E não se pode acresce-ntar ,essa dun½ns-ã;o
-~em passar do estilo ünpessoal ,ao estilo pessoaJ. São as modalida_d <$
g,nticulares do ·desejo tnetafísiço proµs·t i~uo ·que exigem a presença, em
meio à própria obra·, dG rnm.a]jcista-narrador.

26.<
C:AP[TUI.O 10 - PROBLE MAS Df> T.ÊC:NJCA F.M PROUST E 1':,".:-\ PO;,TOI.EVSK l
Stendha.1 e thrubert·,mnca haviam tido (e~lmente n.ece.ssidade d9 futuro
ou do pas:sado, pofs suas personagens ainda não eram nem divididas
·contra si próprias n~m fragmentadas em vários Eu sut~sivo$.. Homais
permaQ~ce Homais -e Boumisie n., Boutní.sien. Basta colocar esses ãors·
fantqches. em presen'?1 um d0 outro para acertar as contas com eles de
uma vez por tO'das._Ei -los condenado.s e.m pé de igualdade ga:ra toda uma
etérnid.a de de tolice. Eles estão parãlisad'o s pára sempre·oa pose e111 que
foram surpree:êP.d.idos pelo romancista.. A mesma cena se repete, com
variações mínimas, de urna pontá à 'Outra d0 romance,

O romancista tlaubertiano oão tem uso para a dimensão temporal eh·


,quantO i,nstrwn.ent0-diret0 da revelaçã.0 rçYman·e sta. /\farcd Proust, p'do
~ontrário , não pode mais dJsp~nS:á-Ja, visto que suas per.so,nagens são ao
,rnesmq tempo inconstantes e c~gas. Sorpent~ o levamam~nJo de suas
reviravoltas permit~ revelar a verdad~ .de seu dese_io. E somente o narra-
dor pude pToc;ede.r g esse i évantamento.
11
Quando a sra. Verdunnesrreia n:o F3:üp6urg Saint-Germatn, os ffip'çan_-
tes" se revelam "d!vertidos1' e os tiéis são taxados de enfadonhos. todas
as 0pos·i ções· do pe.rfodo anterior são abandona-das e substituídas ·p or
ô p.i niões .c ontrárias. As súbitas cormersões não são, mais.- a exceçâd e sim a
regra geral junto às p,e-rsonagens proustianac;. C:ot.t4rd r:enuocia, um be-lp
dia, a seus trocadilhos med_pnhos; ele opta pelo "tipo .fri.o" dps grandes
homens· de ciência. Alhertine troca de voc.abulário e de mO'dos. a.ssi'm
que começa a fr~que.ntar amigos culxos. Revoluções um tant0 parecidas
se espalham _pela existênci;i do _nar:riador. Gflbei;te se afasta, uma outr-a
divindade a substitui. O universo intçi.ro se reo1:ganiza em funçâp d·o
novo i'dolô. Um novo Eu toma 0 lug.ar d,o·aotigo.

A duração :des~es Eu é sufictenternenre Jonga·,.as· tr-an.si;ções são suf-k~ente-


mente graduais par_a que o próprio sujeito ~eja o primeiro logrado. EJe se
acredita eternamente fie:l aos príncipios e tão estável quaoto uma rocha.
Suas próprias revirav0ltas ficam. escondidas dele graças a mec:anis·mos

266·
lvl F
_.NlTRA !W\\IÂNTl'C A ·F 1/EROA.L.) I: ROMÁ.Nc5C A
de prote99 que fundon;;i.tn às rtúl p,aravllhas. Assim. .é que a si"a. Ver-
du:rm jamais saberá gue traJu :os 'pqbtes fi.éis, _E os .ãriti~os (íp~~it.Qr~s; d~
Drny.fus1 que -passaram a adepto·s d0 "lutar até a,:s· u'1t.i::rn45 conseqµênt\·é!§''
d.ur:an h:UJ guên:a.,.jamais saberão que estão se c0ntradizendo. sem 0 me nç,r
puddt, El~s êtitjcam ,sQl~érne.1)te os tiliármrros .gem1âni.cos'.' pur clefeit0s
que, at!jcia o;ntétn, lhes.p"ç._rêêia_m q1.ra1id'ades, o espífitt! ~ue;rreirQ; 'º fana-
t'ism.0 ,das- tra&çôe5,, o desptéZl!J pe,la ''cultura. ~ÍenJi·n?d,(. A.inda n'éi \ i~-
F'era,. acusavam os traiclores. partidários de· Dreyfus çie qqer~rerq esvaziar
a fr.,i__nça d~ .smis virtirdes vids. S·e, chamarem .a ,atenção d.os ,nteyessadns
sobre. essas têv01't,1_ço~ de doutrlm1;;", .eles fhe>~ Tesp.onderão com .muita
g.ravidatie qtJ~ "'n4o-t ã·me~ma coisa'".
Ó.e fató, .ounca .é a mesma coisa. O herói MarGel é urn.-ppuco mais._lúci_do.
qUce ;_a's pu_trá.s pêr,s.onag€0S, ele pFevê· € ' receia ,a mor.te de stfü Eu afoal,
mas nem põ.flsso deixa :de .és_qu:ecer éQftl,Pktaintnte ess.e fo1:c Nã0 demo-
ra ;m.u}t.o .a duv,i,d at que ele ~equer tenha éXÍ!?tido

Só o romancista oniscrente e onipresente pode reagnJp~t; fngrnentos d:e


duraÇ"ãô é ç~)'mp.ãrâ-Lds ~arcr revelar contra<lliç-õ~s que .escapam às pró,
ptías. [)éf.Són~~ens, A, mtcl't:iplic.~~ãó dos m~diã.d0res: e as modahdades
particul_are.s da me~ii!,í;~õ .exjgç:rõ ài:na arte-q!i5enêj'alrneote histótfr.:a.

Num primeiro .momem.o.da revelação· pmustianc1, a pér.sD(l,iJ{eh_l :n9s ,d_á


a 1rppre~'~ão d&perrí:ianência e de. "fidelidade aos prirKípios" .q lle procura
:fomeçêí à si própri:a. fa&e. -primei.to ril'Qmento é o da a@iLiênóa pura e
Si.mPle%- É S'e_gu:í9-0 :d.e trtn segund.o h).p-xt1ent0 em qqe ·ª unidai:fe dá ru~ar
à diversidade., a, conti nu(d.ade ~·mJe;tn).iteyicia:,, a, fi·d:e-lidâd;<; ~.tlesléiitlciat:le.
A sombra dos deuses autêntic@s S:e '.P.etn:I·a p.or trás. do?·d~~~ dé métttirª
:gu~ ~~º r~c.onhec1d0s .a.penas p.efo cultG oficial.

'.Mas esse m,:omê,:rjtô ~ por sua vez .s~guidq .d<t wn ~cfrc~i.rp,. A .


~egun_d0
:impressão de diversi:dade .e "de imemiltênda é tâ:o eoganadoTa,,.<::ro aettó
sentido, quanto a impres.:são: clc uni.da:de e· de p:erman~nda q.;a: qq.aJ se

2~7
U.PCÍTULO 1'0 - ilRUBJ.EMAS I}li T ÊC:N l'CA' EM PROUST~ :EM I10S'TOIEVSK'I
partiu. Quando a sra. Verdurin entra t;l'O Faübciurg Saint-Gern;iain tudo
parece mudado mas _na reahdade ,iada mudõu. As. ideiãS: da: Patroa esta-
vam subordinadas a seu esrto'blsmó, e ·continuam estando. 0- vento faz
girar 0 cata-vento mas o cata.:venm não se transforma; el~ se traóSfor-
maria se derxas_s~ de gl.rár'. As personagens prou:stianas giram conforme
sopra o vento de seus desejos. Nã·o tomemos tais vo·lteios por a~t'ênticas
conversõ~s. Ele) não se devem senão aos dadós cambiantes de uma m_es-
rna .mediação ou, quando mµito , a. uma mucla.nçé! de mediador.
Pará além da divers1dad~ e çl.a int~rrnitência d~pree.nd e.-se, pois, .uma
nova forma d~ permanência. Cada hor,nern tem ape nas uma maneir-a d ~
desejar as mulheres, de procurar o amor ·ou o sucesso , quer dizer, adi-
vi11dade. Contudo essa permar?êhcia .não é mais a permanência no ser de
que se vangl0ri.a ç1 consciência burguesa: ~ t,JJUa p.ermanêrtcía no nada, .O
desejo 1 de fato , n~o ak?-Oça nunca .seu verdàdeíro objeto: ele condpz: ao
esquedmento, ao declínio e morte. a
Nos rotnâ.n cistas· ante-rior-es·_passava-se setn t'ransrção da ilusâo subjetiva
à verdade objetiva, dil permanência ilnsó.ria no ser à 'permanência de-
li.V~ no nada. Na mai0r parte- q.e _Em B,iiSGa do· Ten,po perdido, a revelação
proustjanã com porta LCm momentp int€rtned.iári0, o da dNersid'ade e da
intermitência, dµ be;tero.gene-idade e d.o .cao'i. A presença desse mom:e n-
to supleme ntar revela o.agr,ãvamen.to da doença ol}tológiq1. Trata-se de
um rnomén.to mo.dt:nw porexcel.ênc_ia; pode-se também chamá-lo d·e m.0°
rnento existencialista em taz~o da importâ.r;icia exclusiva que lhe confere a
escalá literária de m.esrno n;oni~.

O estágio do desejo metafísico que acab.arnos de descrever deter-


mina a técnicd tômanesc_a de Proust, poi·s de octJpa . nQ romance Em
BU;Sca do Tempo -perâido, umá p6-Siçãó central. Mas a doença ontológica;
continua se ~grâvándo à medi'cla qlte. sê avança n a obra. Esse estágio
·ce ntral é prec:edido pç,r Combrây e nós vamos ver que ele é· ,segui-
do, nos ·últimos volumes d.o rámanc'e, por um estágio màis µgudo. As

268
t'-fEt-,; T rRA R..( lM_ÂNTI C A ~ \IER.DAD!:: ROMÂNES:LA
oonseqt rências· da do.{mqa ontolégica· se :torn.am,. a .ess;à altu.rà:, tãó
~a.d'kct1_s qu:e .a_s· t~nd-içõ~s da r:~vdaçã-Q romanes:ca· passam novamente
·por .uma grande {)'ertutb~ǧib.

Uro'a. coi'npàr.açã,0 entnd) l:wr:ão. de Char1us e--a s:ra.Verdurin ;rtvda data~


ipenre a dife,r:enÇ_à entt~ os .d.Q1s Jilttmo~r e.S.t~$Jos <lo d:e-sejo· pr.0>usfian.0.
A sra. Yerdurin: não ~errtcl' -1Rt1 hum ço:m~t0, mesmo. indfre{q, t,Qm
s~.u oiéí::Íiçi.dor; n}íá' escreV:e t .artâs desc.0Atrnlada&,. Quando p:assa , de
.corpo e heos., patêl e, !a.tid d:qs· "maç"qnt~( , nJo s.~ ,p.oderia d~zer que
capitufou; é., pdo eo ntrario 1 o· jJíimigb qp.e depô,s a$ ~t'ma~ e :s.e r;e,nd~
iQciond.tõ..onaJment.e.
A sra:. Verdu:rin s·e a;rra:rga ê!TI sua "âjgni~d-e".; Chadil$ a,tirª ;á {fr,L r>.é-
[os a:i::es.. Ek-·está sempre a0s. pés do. petsegu.i~pr adpráve\. Nã'o rei;:u,a
.cftante d<;: ·nenh.tu;nâ ba-u;ez.a·. É: aliás-esS:a ausência' de cornedimen.t q. e
-~s:sa 1mJ>-Qtênti_a e_m: d.is.simul.ar·.o c;i~{i,t;j.o, que fazem d.e êharlu·s um' per-
pétuo escravo· e uma vfr.ima "lastjm~vé] po.t' ttás da 'éff)ár~rfcía brilh,:i.nt'e
de wandtt s~or.
A partir da,í,1 a atração do- m:édiador é tár;t1~rÍJlc! gve Q ba.i:ã·ô se t0ma
incapaz de permanecer fiel, mesmo qae"sq ~xten"í4,IJ1eI1te, a sélJS deuse'S
dqmésÇJç:qs~ ç1 ,su;,a "pátrJi Cuercnantes-,. à: .imagem de si. me-srno que· ele
e~pera im:p:or i} .outrerrL O ·m©·diadur d~ Ch~:rl't,1.~ .é .rn~ís próx-i:rno do que
o da: sra. v~-rdurin. Hs o que·cxplica a irnp0têpcia ·do, barã.à em r e~pt'nar
ao qqe acreçl.it) ~er seu lácio;• eis o ,que acârr.eta s.e u exílio perpétuo no
l;3.p:o do ":i.o:inJfgd', ·que e:sse inimigo .seJa à Fra,n.~a thá.uvi'ni:s.ta o,u o ·.salã0·
Verdmin.

ÇÇ>.ú'J relação. aiQ en.r.~1zam~nto dé Comfür-ay; Cha:r[us encarna um des~


terra ma:iS' tqtal aiijda' gtré ó éhauvin},5m.o Verdurm, :um t.êtcéiro. estágio
dó desej.o metafísic0 prousfiano qtle é uma superaç_ã-o do .Sêfiltrido, d;r.
méStna forma qve o s~gundo-é .ã.ma S:upera'ffib do primeiro. Longe de :s er
um ,fatpr; dç ~tab(Tidade, :suq p0$i~_ão sgõàl desla.íta o barão r>a:ra fora de

·'T69

.<?.-A1WI'!:JLO lD = P.RP:BLE~lA~ DE TFCN.iÇ"'...A E~ ·PRQlJS'r F. EM Ô(J,j;TC) lfYV'iKI


rua .classe, com.0-o fa:ria a groletarização. Prou!it oão está errado ~ v,er
ante~ de tudo ·em Chadus um intelectwl, pois é o desenraizamento que
determ 1·11a o trttd ectua L

Como· mwtos ~ntelecmais que o ·desejo metafísico atorme nta , Charlus


deQ)qnstra uma. grande capae:::idade de p~netração flQ toc?.nte ao-s t ipos
de media.çào q_ue el~ próp rio superou pa.ra·baixo. Percebe muito bem, por
exempl.0 1 que .s.6 sua "má,fe' permite aos.burgueses do gêner.o VerduJÍ-h
prolongar o culto aos deuses-mortos. Sua irritação redobra ao constatar
o quão se co11servarn ainda eficazes, nesses seres metlfoctes, -a's· astucias
qt.fü a ele já oão engana.m ma_i_s. Sua intd igênda 'e xtremameme lúcida,
entrétanro,, qão o protege do fascínio que .continuam exercend o sobre
o-s possu.ídos pefo ,mai metafí~{rco os seres menos vUlnerávei's q,uê eles.
O .feitiço é tanto mais h orrfvel que a ví~ima é ca-paz, daí por djante, d e
penetrar-em se.u segredo irrisório . Trata-se já da vã clariv idê ncia do bo-
mem do sO'.Ósólo em fact de Zv,er:kov. É a Fúria j;rnpotente- de não .poucos
intelectuais e m face 9-os·burgueses,.

Charlus·grita a, nulidade do p:ersegm.dor adorável com. tanto maior elo-


quêncfa ·que ~1~ gó·$t·aria .de cons~guir·dela conventêr-se a si ptóprio. Efe
.é e ktivamente "intelectual" p.élo fató de pJ'"ocurar fazer de-sua inteÜ_gêp.
cia uma q.rma co ntra o mediador e contra seu próprio desejo. Gostaria
de penetrar, ~ força de lucidez rn0rtíf~ra, ne%a espe_ssüra arroga nte e
nessa insol ente inértja . .É sempre preciso· provar de n0vo e de ·novo que
o domínio ra_d fünte de qt.te o mediador parece go:t~r não passa de urna
ilusâ0 grossdra. P;n:a melhor ''desmistificar" a s,i ptôpr(Q, Chátlus vjv.e
"desm:is,ti.fÍcando" os .outros à sua v-6lta. Quer sempre desnuir "pTeêon-
c·eit'os" que- são po r sinal perfeit31.l'.iénte- t éais à:l;is totalmente imunes. a
serJS discursos todos.

Logo, Charlu:s conhec~ inuito m~1hor a sra .. Verdurin do que a sra.


Vetdürin o co.nhece. O m0do como p-iQta a Patroa, é ã critica q ue
faz do- chauvinismo bl,lrguês sã.o d~ uma.ver-d.ade e· dé uma 1/'Í'~;acldade

270
Ml::NT!~~ R'(lMÂNl"IC. A :F. VERDADE lf OMANESC'.A
ma.ravm1:o-sas: Es~e éonbtc.iment.o {a~c'íi1aclõ do OuJfo;é ipe.ne.t rante,.p:ois,
s.e funda· no eo:nhedmenxo .de si p1;6püm. EJe é' Ul'1fà e:at}catura. ç5tgtilho~
$.a da ve.rda,d~ita sabedoria. A superação p:ara baixo. se dá à );tn~g1::;m da
super~<;ão p--~na o ãko ~A. ánaJQgía eiytr~ a trans,é~ndên.cja cl_esv,i<1cla e a
fr:anscend:ênda venic-al Ja:,:nais (lca,.p.e~inentida.

~ó révdêir a v.~dà.d e do burguês e 0.s "des:tjús que a hipo;cfÍ.si'a: e~c:qntle.,


u:m Çh~rlus,f\ao descônÍJá gue és.tá revelaildo,,. igúãim:ent:é., seu próprio
desejo. Co,mo sempre, 'a." tux:tdez S'e p_agcr por rrm redõbram.eotô das·
. '

trevas .à rts·peito dt si próprio.. Ô .cít-cLLlo psi.c ológieo -est'á agora tãp'.


dJ;rriinµtO que Charlq..s n:ão püde côndenaf Q Oú.tr.o sem se. c,0.ndenar a:
si pr-óp:rio abertamenre:.

As contr~cliçQe.s~que pcrrn.an'€:ecr:n ocu1 tas rioJ~st:ágio Verdtlfin estão a:g9-


ía exp.osra~ em pl~n.a 1az do d'ia, Chârlus d<::sisti.u. d(' m.ant.er as.apar:ências .
Ele está âó pé do mediador, eom o. oTha:F Fito n~h~, rJâo h~ 9 rrtérior ~é.st0.,
a i:neh0J fr_ate. ·asu~o.or :mírn:ic;;:rsu3 que não pr:odame .a·verdade .. Dep.q-'i's
dQ.s.i:L~t1dô certado dó burg:u~s., é um fl rn,(q de•palavràs JreqãéntementE.:
veTfdH.;a:s e- mais- frequememente· m~nt.i~q:sas" mas ,sempre;: lrff:initam~nt~
:i;eve_ladora~, cque ,s}l.e m dess<ts lábios ·p crpetuamenttt retesad.p~.

Gharlus é lurnirJbsb: ·e ~pal'r'iltrJà- ·luz a seu redor. Ess'.ª h.rz,, por cert0.,
está mesdacd.a com ·es.eur1dão 1 é <l· daridiclad~ ful_ig_inosa de: UTllà lâm.p,ãda
hlme.g·ant.~- n1ç.S. Ptw oor isso .déixam.os: de· lica.r, fulgurantemente "iiurni,
nados. Assim ~en_cfo, .o n.arracfor d~ixq~ d~· s~ lndi~p~sáV.el ,à revelâção
r0manesca, Quanclô Charlus .c1_ssu1ne o ·primeiro plat)o no .P ~k.9, Mãrçd
sç.retatn.ente d~·cena.Já na .Pri-rrudra· aparição doba.rãa:, em À Somha
Sii!.i' &_
J.at ~pir.rig,as.mi J1Dr, ~-ª
téqüça de ,Óê.$<:;ü~b pt.fra,, uma té'cnica objetiva
·e -quase behaviorista· se sub;titui· ~ técr:lica: ptoustiahà hábitual. Charh.~~
.é .a "únj_ca p~r~onágem ·qu~ o narrador deixa discorrer sem ir:iterr9mpê·-
la_ Os lo.ri'gqs rqànôlq_gq.s cfo batãQ são úniq>s:. no romanee Em Bt.JSCU do
Tem,P.o ,ptJrdida:. Eles b.a~t:~m a :si mesmp$. ·Ce-ttas. f:>'à l~vras da s.t~. V~réfurw,
,de Leg:randin .o u de ·B.foch neaessitariam volumes imefros de e}r~gese1 nb.

271
CAP'f"í\ ll;o I Ü - P.R<lBL eM'.-\5 D E T l?il Kit.A P.N!' P'!W>LlST' E EM 0"0 <,,Tô).EVS~·r
caso de CharlllS um hnpercept.(vel arremate é o· quanto ba~ta, t,1111 meio-
soiriso,. uma simples pisca4ela.

Di~tin·guimos três estág ios principa:js do desejo metafísico no romance


ptoustlàno: d está~ic. de ·Cornbray, o estágio Verdµrin e o estágio Char-
1

lus. Esses ttês e$tágios ~s~o e.vldentememe lig ados. à experiênci.a do


nárradoir eles definem ~ evolução, espiritual at6 O Temro rtdfscoherto, e
c.om exdusão deste ·último volt:tme. Tbdas ãs personagens do romancé,
à .exceção da a'vu e de mãe, .parrieipatt;i de$sa ·êvólução fundam enta!.
T0das ·e,las são os harmônicos do de-sejp. ptírnordial Algúruas dentre
elas passam, pa:ra o segundo plano quando a obra ultrâpass~ o estágio
do deseJo metafísico n o quàl germ.ãn ec.em presas; certa.s pérsonágens
morr~ ou desaparecem junto com o desejó; que as car.a:cte+iz-a; .out_i"a~
ainda evoluem ao mesmo tempo qtJe o próprio narrador; outras tantas,,
fir1almente, quan:do chega a hoFa, :revelam um aspecfo de sua persona-
lidade que penn~oeC!a üwisível nos estágios menos agcrdQs da doeüça
ontoJógica. É o Qa'So d€; Sairrr~Lqup, do príncipe de Guermante,s e de
omnerosas· personagens que rtos r~velam suá .homossexualidade nos úl-
timos volumes de Sodoma e Go111orra. Da mesma forma que, cm Dante, os
maldito~ e O'> eleitos estão sempre rodeados dé sêres que praticaram os
mesmos vícios. bu as mesrflqS vfrtudes que eles, o :n arr?dor nã9 frequenta
sénâo às personagens cujt) de.sejô a·p,res~nta com relação. ao seu as àna-
logias mais ~st,ítas.

Ó terceiro e·stágio do·de~jo prnustiaoo, o dos últi_mosvolumes, não será,


pois, o l)riví.légio d~ Charlus e só dele. Á '.p aixão do nartador por Alb.érti·
n~ parece-se m uito e:om a P.a ixâo de Cbarlus pQr More[. Entre essas duas
paixões há. a mesma relação de- al}alogia que a verificada e:ntíe ·o amor
de MaTcé.l e: as personagens :burguesas n,o êslflo Ve.rdurin. Com dei to, ã
época d~ Gi.lbérte o narrador taz em sua vida amoros~ µm w;p d~ dissi-
mulação que lembrã devetas a tática mundana da sra:., Verdl!Tin. Mç1.rceJ
dã as tostas a Cl'lberte c91no a Patroa dá as costas -aos Guérmantes.

in
!\IENTIRA ROMÂNTJ ( A. r VERQA.DE R,q/',\.\NE'>CA
'Os "pnoçímic;5~" q5;nser:vam croª efic~çl.a, a~ apatê'nçla_~ S?9 t(l_i;lntid'a$.
A ,ordem. burgües~ sug~i~e. .À. époéa de Alberüne, a dtsagre~~ão da
·VQn;J:a:d~ está' çompkra. Q Qai~radoi;- 11ãq é mais capaz.do qu"t Charlus ,d e
sustentar-sua p·e rsona:gem perante ci mediador: Sua. conduta desmente ,o
tempo todo ,a s·suas pálavras ~ a mentira~ tar,ito· mais hiperbóliça q.Jie est;,.
rn~i'S tr;artspár~nte, pêrd~ t.odâ a ~ti,êá(iª. N.êm PO! utn, i_nst'ant'~ Miircer
c:C}n'S~@J~ enganar Albe~m~; de se tomá seu·e$tra-vo a,s:sim t;ôtttq:Cha~.:,
[us se vorQa o ~cravo de Motel.

Se o na-rrado:r, evolui nu mesm.o sentido que o ,barão, de 'Chárlus,, ás- ob-


sa-.rvações: (étniçç1S que ti'z~-m~ a re$peito dest~ s-M 1:güalmer1tea_pl;i,ç4veis
aquelé. O q,e5ejo m:1e·Qnarrador t~p.erin:ieflta po-r Aipettir.e, tomo lQdo<;
ns dest_ios ª°'teftrn;e~, ;nos .~ .co·ntudo- desc-rito do ponte. de vista de O
Tempo mle:scob.erto,1 ·isto é1 cio ,pon't0 de visfa de uma verdade e0m:1uistada
muito :depois do ,aconte.cimento. $-e nossas análises .e-stiver,:érn corretas,
,o,,.roman.cist~ teriâ podído, oe$se te-r'é~l'(ó ~st~giQ; -Se eon.~ntar êom ~mi~
desériçãg extetiôr dó'S c;bmportame!Jtós ·~ da~ falas .. A v~rd~d~ jorraria
.das t,Oi;i.tra·çliçôe;s ·desde ,e ntão· grit;lllt~s,; ProuS<1', no entanto,, nãq1alterou
rua técnica. E um fato e esse fato se expftca com f~c::il.tdade se no-s d e,r-
mos simplesmente a0 trabalho de rétlétir sobre as .desyant,tgens queuroa
t'al alte-~çã,o r~pres.ç:11t,iirl_ij;ci:ós olhos ,de ,t;1_m es.crttor tã9 pfe9rupadô ,ç qm
a çqntirj~tj:dàcle: e a unidád.e esttfticà :quan:tO o, era Màrêel P.r~:mst. Mà5.
cJ faw p~rrnan.ece o ll)e-sr:rn.Q..~ as p;:).nsideraçôes qLre acabamrn. de tecer
p-0deri.am j?arecer bastante .abstratas e ati arriscadas·. se (:) próprie> Proust
0ão· c:::orinrrnasse sua ~tidão liún:i texto rormaL Pri:i1JSt nã·o aproveit'QU' a
o.port:urti'd<}de cme .l>ê a..pr.e..sen_táva ~ de, JJQrêm. c·çnsJderoµ-a numa éurio,-
sa m:editaçã,0 ,ace-r.t:a' dás:tíiç:!){t_as roman.-es:ta:s que intertpnipe .a narrativ~
~½ ~~us vã'o-s esf0rç0-s j)<}Fa· ~t)gar1ar Albenine~

... mt.nhas pi,ii'1.\'lêlS, oap rellet1,a m, p.ots.-·de mo~fo algum.os lTIS:U$ StnH-

mer.tQ~. s~ Q leí'tQr tçm di!i~() um.à 'ideia ];i,a!Yl:~ll1~e, frac~, ·é ponw~,.s,endo


~u o narfadoi::, lb<c; <tiq>onho o.s. m.eris sei:itimentos il"ó cn~s_riló tempq

i273
CAPÍilJ:LO< TO. -- Pl<c'(.)8.t:_EM;A~ DE Tt<'NICA f:.11;1 P.Rti>U5T E EM l:) OSTG IEVS IQI
que lhe repito· as minhas p alavi·as Mas se éu lhe ·esçon<lesse aqueles e
eTe cQnhec_esse ap_e nas ·e_stas, os meus ato-s; tão pouço em rel~ção com
elas-, lhe da'riim:i a rn.iudo·a ím pressão de uma tão estranha versatilidade
que· de certo· e.te me juJgaria um dôid'p. Procedü:n e,ntp que nã0 seria,
.d ç re,tQ, muito mais falso ele qu.e o que· àdotei, .p9is as imagens qµ.e
me fa.ziam agirr tão opQs.t as às guç s.e pintavam oas m1nnás- pal.avr11s,
'e ram naqllele rnomentõ multo ôbscuic1s; eu nã9 co_nhec1a senão tm-
perl-~itam.eme [a natureza se~11do a qual eu agiát hoje conh eço-lhe
darame~_te a verdade ~abje'tivaF.

.Not~mos gue as vantagens de urna revel.rção díreta não se apreseotam·à


ruent~ do rO[l)ancist-a senão na.s páginas mais .angu,stiadás de A Prisicmeirn ,
ist0-é, na pane do f'óTilatTçe em que o .d esejo metafisico .estiá mais desen -
1
v0lv1do; as ".e stranhas revfravohas' já ~-s tã_o pr~sentes nas regiões o nde
reinaum cksitjó mais. moderado, p.orém seu rítmó é- muito menos râpldo.
Os tetmós das contradições estão muito distantes uns dos outro_s. Se ô
wmancis-ta. se limitas.se a Uinê1 ar.fésentãçã9 exter.i0.r e cronoló_gica, nós-
iríâroos nos esquecendo na mesma cad.'êncja- como as ptópri~ perso-
n<1-g'~ns - , e não per~beria.mos ·mais as contradições reveladór~. Nesse
estágio de·s-ua evoTuçã.o, pa.Ta ttazer à lu:?: o des.e jo metafísico, é p:redso
que o romancista· intervenha pessoalmente; que ele se transforme num
prol'e.ssor a demonstrar u)Ii teorema.

Nos últimos volumes, em contrapartida,, a doênça ontol ógica se a-gra;-


vou t~'nto q ue a eústéncia do herói, repitamos; perdé sua estabindadé.
Não resta mais nem mesmo algum a aparência -e nganosa de permã-
·n ência· e de hotti~g~neida.de. ·o momento, exis'te·nc.ial, º· momento do
het.e:rogéoe:0 e d.6. i.ntermiteote '5e confuIJdem des~e ponto cm diante
com_a ap~tê;1ciª. É então@ s6' então que a eliminação do 1;011\ancistã 0

1
A prisíoneira (v 5). p .325, op:cit, (N,E.r()bs. Q :tred:io entre cókhetess não cé>nst.:i na
tri'iêlução de Manuel Bandefrêl e Lourdes Soaza de A le ncar:

274
MEi,,TIRA ROM.3.N TfLA i-'. Vl;RDAO!: ROM,-?.NE~t,A
natt:tJ.d ot ~~ torna, pelo menos ·conç'ebrvel. Po:de-se imag:l o..ar· ürna arte
rorn:ane~ça b'ã~eap_à na mera 4presertta~?o cro,nõlóg.rn::.a ilª-s ~titudes. ·~
das p;iJ;.r,,ta:s cp,;itra:d'it6tia.s.

Es-se pro.c eclímento que cons-rste em "esc0.rrder os :s entimentos. e, revelar-


as palayr;:is" n}Jo, é o de Prco,ust, .m,as, o. ~de Úó,st'ojwski r na mzüor parte de
'$ lia ob:ra. É a têc.niC:a de 09stoie~ kl qqé 0 aütor ck Em 13.'ufca, -dp Te.m·pe

.per.d'id'o cleliruu magistraJmJ~flte- na çitaçãp ptec;e~e.iiJt!. Po?toievskl,. en ~


rretanto, nem sequer ê m~ndanado, Ap.arentememe a lern:b:rnr.i<;;iJ ·d o to--
maocrnta r:uss0 não pa:ss.nu nem de. longe pela cabeça de Ma;etl Proust
durante a rê.dação desse ~€::±tó. Tamanha. inadv.ext'ênçia. nl,i~ tlüninu1 ,
mui:tó p ~ló -c0otrâifo., ela aumenta. ó valãr dá·$ réilexçes, l?rou5tiãp·as.,. por
n0s p:rç,tbfr ·d~ c0JQ<:::ar as te~sqnfu1CU1S çl.ç:,;stpJ.evsk_iá:tla_s do. tt.eehi;r 'po_r
C.O'I'lta: de reminiscêAdas [iterá-r ias. É admir-ável ,que seja uma medi'ta<,; âo 0

sobre cas e-x-ígêricias. de sua -obra que· conduza Marcd Pr0ust à têc-nk::a:
dQs(o)e:v.skiàna. no po.nto·e~a:to ém q.µ~ aka..n.9a a frontei'rtt e.n tre seu pró~
priô 0amp0 e 0 campó .cié· ~-~lJ í1suce~sor" . .A c9rr~,spopdênêia rtãn potl~
5.·er fortµi-t:a; ~la :oo·nfu;:Q:i_a essa unJcfacle· do g<hri-p. romaneseq qur s'é]i:lp.re:
afirmamos. Lonie ,de abrir um ahism.o entre os grandes T0mands.tas, o
e:studo das tck :nicas revela um m€smo· gê11íó de·adaptação .a possihiiJi<la~
de~ r0mfl..nes.c.s1s ú:rfmitªrnehtc ·v,a/tad~s.

O prote!;so qµe cons,J5:te ~m 1


;és~Qoder os sen'rjmentos pa- :e rev~far· .as
lavras' h~O é ;m,aj5; 'rUerart,1ente coqc~hívef 'éJ'e se- impo'ê; q'.ifí:l'à Ô Único
·ad.eqr1ado q:ua!ldo as '"estranhas revfravohas" de que fala Ma,r c~ Prq\fs.t:
se Eazem mais râpid.:a:s-a'inrla·d(:) (lUe no. tim de E.m Btma ào,Trmpo perdído e
qúartd,o as i.!Jlaigens. que faz..® agir as péi;s-onagens $e tomãm fâo obsai•
f?:s ½. tã:o err1baral}jada~ que qualquer an_âltsé falsearia:~~ natureza. Ta1 é
,de fato ;a ~itu-ação .dé Dosto'í~v:ski n_àQJa:i'ot pat1te, de 'scra obra,

27/5
( :AP°Í1T1LO i,ô, - r>R.(,)(l',l..L'vlÃS b ,E TI( NI CA El\1 PROU S' f E :E!',,f D O STC,:l l,EVSKI
Ó procedíment0 dostoiévskiano básiéo consJs.te em propk iar. confron,
tos qu~ esgot em rodas as relaçõ es po~síveis e ntr~ ~s diversas per.sona.-=
gens d·o roma.n te. A ohr~ se div ide numa·série de tenas entre: as qúais o
escri tor nãGJ se pteoclipa mufro em <1:riar triinS'ições. Em cada.uma deS-sa~
cenas, as persongens nos desvelam um.a , ou Vária~ facetas de seu calei-
dostôpi.o ·tmerl'or. N enhuma cena pode .nos revelar a verdade inteira de
üma personagem . O lettot njc) pode atingir essa v-erdade s~°'âo ao· cabó
dç apro~imações e -comparações que o romancista deixa totalmente a
seus cuidad·qs-,

Ê o leitor que tem que se Je.rnbrar; n~Q é mais o r0mancista, coi'l;l'O em


Proust, que -s'e lembra por ele. Pode~se .comp~rar o d~senrolar r-0manesco
a: uma pa_rt!da de cartas. Ern Proust a _partida se dé~envofve lenta.mente:
o remaneis-ta interrompe sen, pç,i;,ar os jogadores para lemhrar as y a:zas,
a-nteriores e· antecipar as próximas.. Em Do~tp'ievski, pdo contrário, as
-ea:rtrçis vão sendo jogada,s muito rapidamente e· ô roma.rtcista deix·a q_ue
a partida se des~nrole .a té o f:lm sem nunca intervir. O lei.tpr deveria ser
• ·çapaz de guardar-t udo na memória .

Em Pr.oLiSt a_complexidade se situa no que tange à frase, em ~)ostolevski.


no que range ao (om;mce çomo tin;l t0,do "Pode se.abr:ir f}n Bu·sc.a do Tet,ipo,
0

perdJdo em qualquer lugar e sern.pte se conseguirá e-ntenckr. Mas.é preciso


ler uma obra dostoievskiana da primeira à últüná págín:a sem pular uma
só linha. No romance, é preciso pres"tar a atenção de um VeltchapinoV
pa1~ o "eterno maridct, a atenção: da testequmha que nã0 tem certeza de
estar entendeudo ·e receia deixar escapar um çletal;h ê revehidor.

D os dois wmanc1stas é evidentemente Dost.oievski que corr~ os Jj_s côs


mais graves de .não ser compreeendido .. Obcecado por esse receio, o
escritor força os .gestos; reveladores, enfatiza os con·tra:stés, multiplica as
contradições. Essas precauções,. aliás, se v0lt11m e::on.tra· e]e, pelo me.nç,s
na m~nte do leitor ocidental que- fala logp em "temperamento russon e
em "rni~íeídade oriental". Proust previumufto bem esse perigà no trecho

276
.Mf,NTI R:/, RC~MÂNTr<'.:\ E VERO Al3.f ROMANÉ~·CA
de A Pf:í?ióneírt;1 qtte tft'ávmnb.s ·um pouco mais acima. Se el~ escomd'es\H:~,
nos .diz ele, seus .s_ ent'íQl<:!ntQs :a$ mêsmo te_mp0! .que revelasse ao leitor
:sua:s palavras e .seus aros, se aorepít<),rja "qtJe d~ foss.e tllf-l,i? @u ineftos '. /Qfdpo. É
,e'.fotivameot~ ess.a impressão de lp11Gura q"tle as ·persn.n;age_:rts d(,;'. 0d~·toie-
vskl ·dayq.f.n·aos primeir.os kitores ccidentais. Hoje, p>or um ç:o~t:tàSsen?.ó
tãlvez q:ind'a rrtôfis ~~ve,. u0s ot>s ifoi.çoam0.s às "es.trnnhas creviravolra~"
e ·cele}:;iramps :em Obst-Oiévski o C:r.íàQ.O't d.e _per,soriâ~ns nniis hv.m - que as
dos demai·s r.omam:istas. 011omds D0sto1'éy§1ci aos- r_õ'fu?nçíst.íl's "psH:oló-
g·itos" que aprision:am suas personagens num Jgb(rlnt<l de leK
A oposíçã°i::) :é fãfsa "t>orq_
u·~, e-rf.l Dostoi,evski, ~as leis não -desaparecera:m;
sãb das ql;l~ ga.vernam S€!éJdqme·nt~ Q caos.; sã-o o.s progressecS: da clo:-
en~a ont0ló'gioa, que cles;ti:O'em as âlt'i tn·a ~ apat.ê"nçia:s de estibihdade e
de tontínuidade .. O m0mem0 :da f)erm.a;11"ê;1c'ia, reà.T ou ihr~Ófia, d~ quê
p.artiaW todos• ds outro:s tornan.cis:tas, está agora eliminado,. Não re~tarn
·$ehâb. o ~egundo ·e.·o t<:tr,ç:ei.ro mo.men-to ·da revda~â0 prousttana . ·Com:q
a ;rev;efaçã~ }te:çidh:áHarya ôl! fütubêrtJªsrà, a revêl~~~o dos'ro iévskiana fi·c-a
Terluzida a dois momemç,s . M.a,s ó pfimeirô 11).'Õmen,to nãQ ~ ô m,esmq;
rião é ·Q m.o mento da estabilidade mas o da: interm}tê,rrda é do é_;;i.os; é ô
$~gµndo ro.ome·n.tó proustianQ. Passa~.se sem· t-ransi-çã0 desse mo(n~nto
"existençial11 à. pe.r man~cia no. nacl.a.

As escolas. neorr.orn'ãntiça_s cõnter:uporãn_eà;S têm tMd~'nctá a quer,er


transforma,r num absoluto -ess.e momento.· exi~t~t'i'Çi·a l EnqúantQ as çon~
·t:r;adJÇO.~ ·Ç.Q i'ficÜvídúo mediatizado ainda se dissimulam U(U polfcô,
nota-se, ne las o afloram,êil'tQ: ele um "inc.onscienfe"· rnisterio:s.o, fome da
1
vicia pro:ftmdi:! e 'aµt~ntita1' ;, .a~sirn q!,le es.sas utesma_s cun>tradrç_ões se
manifestam :abGrtament~ . faz-se- dela_
s a ~x;pres_sã~ -~üp.restn.a dé lima ')li-
b.erdtde'1· qu·t ·é êambénr a "'negatividade" e· que,, na -pr~tit<a:, se confr.uid~
com as op:0.$jçôes estéreis da mediação dupla. Fi.érs às Hções '.d o pri-
meira Arthur Ritnhaud,. ·nos-s-Qs :çont'ernp,b,râneos dectaram "sagrada" a·
de~ordem -d~ s:eu espí-i:ito.

277
C?Af!JTUL D 10 - .l'ROllLE-MAS _I\FT'ÉOsi tÇA FJ-,,i P&{1U S:'t'." E E:M I) QST:Q IEVS K1
O neorromantismo julga sempre os ·romancist9-S de acordo com o lugar
que d momento '"e.xi:stendal": ocupa em suas obra~. Esse lugar é obvia-
mente mai s ·considerável e m Proµs-t ·dp que nos romancistas ;l-nteriores.
e mais considerável ainda em D ostoíevskL. De fato, e em Proust {!Ue
surge o mornent.o ex:i'stenci:aL, mas· de modo escondi.c;lq e n;iediato. Em
D0 srni evski', a maíori~ d'as personagens alcançou o estágio pa_roxísmíco
do desej o metafisico e o i)ldrnen.t o ex'i$tençtal passa: a imediatoº Caso se
negligepde sjstematicamente .o tercei-ro mome nto - que aos traz, aliás,
.a conclusão e-a lição d~ moral e metafísica das existênc͵S rornç1)1eséa'S.-,
p0de-se. ver em Proust lltn precursor ai nda 1.1m 'tanto tímJdo da lrte.ra-
tufa ·dita "e.Ristendal"' e em Dostoievski seu verda,deiTo fundador. t o
que fazem, hoje ôa:l dta . .os cóticos neorromânticos_ As únicas perso-
nagens prmrstianas que eles tonstderan1 .inleiramente satisfatórias são
evide ntemente aquelas que se apro:i<imam dp estágio dostoievskiano,
pa,·tiçtdatmente Charlus. Q uant0 a Dostoievski, considera-se que ·ele
é inigualáv.~I, não pór.ser ge nial, mas em ra-'-zão cla miséria acrescída éfe
suas personagens. Ele é' glmi ficado pelo ·g ue, a,inda ontem, o tornava
$l!Speito. O êrro, em süma, não mudou de natUre;za. Nunca ~e perc~be
que o "exis_tencialismo" elas personagens' subte rrâneas depende não d,o
romancista em si mas d p d~~eQvolvrrnento da doença 0ntológica 1 da
apro:dm~ç,ão e da multiplicaç.~o dos mediadqres.

Não se di stingue mais ·a ·situa:ção romanesc·a da .c ontribuição pessoa l do


ron1,,!ncisra. O momento exisrencial, qualquer qq_~ seja o. l:ugar· que ele
ôcttpe ntinia ob.ra, nãb .é nunc·a o desfecho; vale repetir, de uma revel~-
ção autem-lcamente rómp.nésca. Lon~e de- tr-ansformá-Jo num absoluto, o
mmp.ncista 'Vê nele apenc1s uma ílusão nova e· particularmente p erniciosa.
Déoündi;I n_a existência caótica d'a personagem ~'t:bterrànea uroa rpenti-
ra t:ão lliôl;i'struosã quanto 'à hipocrisia burguesa e mais imediatamente
des.tmtiva do que .ela. O neqn;omarttismo t ~m orwilho· de sua revolta
contrã essà hipoçrisia, mas ele 'funda no rnisté.r io cf~stu ''irtc"onsciente" ou
em .sua i:tidá:vel "Iiberdac:le" esperança$ comparáveis às qµe o burg'l'.lçs de

178
M'tNT!RA RôM.Ar.JT!f'A !;; VE. IWADE RO!\l.,\f.;ES( A.
artJúgat)J.enté h.m'dava· nà ''fi<;lelid~çl_e ·a<;>s, prh)çÍpíõs\ O 'incli-v:íçlu9=or:;J"den-
tal não re nunciou a cç,nqµiistaf a auto1JOQ1Ja e o c_lQn;i{nlo l;q'dia.n.te; .el~ flaQ
renunciúu a seu o.rguih0. Lon-ge de compartilhar s-ua·fé 1 0 - romancista ge"
e;nha .em.rtos de-smasMrar a vaidatl<'! de,sta .. O n.e orrnmânfioo
nial s.e, emp_
cqnt.~fu~_oi~néo atte:cí.Ua ~stqt r1Ifüêrtadç/ pçrqu~ perceb,e al.ª1'ame.nte o·
fra~asso ~ .C.ótJ'Jé.dia butguesà. Mãs -de nij9 pres:~ent~ o .tt~cas~~l qL!.e e~."
pera a de p-róp1io, mais ~\ibi;tq.e: ~l5.çie~a~tr0sp ai:nc!,a: que o d:o bu~guês.
A ce:~e..ir~, eomo :sempre, cresce cam -a· ''lucidez:".. As· vítimas. d@ deseje
metatisi:wfitan1 p_resa.s flUil\l liurbi'füão càda Vft:Z: cnais râpldo <:·Clrj·O'S d rcu-
Jos v~o se çipertanêl.o. É ess<:; tfoirQ de tuJbj1hijo que- ptoçúra Dosfoie-v~ki
em ca:qa lJlTla'. ·de suas obras e, etn pàrti'cctla):", etQ: ()_~ De.rrrôt<i~s.

As vwlaç0·es,<:l.a:s recmcas.rorria:11e_s-cas de.p.e;1-d~ haskamént~ ciõ desejo.


mmaffsico .. Elas-sâo fundCDf:lilts. Os caminhos sâ0 sempr-e dífereAtes,, pois
as ikts'ô es ,são. :sempre ·dH~rentes m.as 0 Jim é 0 rn.esmo: é a revelação -do
d~ej0 metafísico. J~ :vimos: que Pr0,ust b;nde t1 ~CJ>h1ç:õ,e-s dostoitZv.s'k.iàóas
nas ár~as -çlosrnievsk,ianas çl~ s.ua ob-rçi-; vam'ü~ ver cJue Dós.roi~v~ki t_ end~
a ~o]uç9ç-s JDl'OUst:icar\éis na~ á-çeas 1'\;ieno$ ' sµbte rçl nea~t .de sua obrcL
1

Ás personagens de ·ÜS: Demóni.as, pertencem o duas~g.er.a~ões <li-ferentes, a



ge(a~ã9 .do~ p~i:S ~ a.15~,:ação :d_os 'ti..Th.os. ·él;Qs ,iposscs:so.s:' propr1àmerít~
ditos. A geta~ão dó~ pais E t~presentada p(}lb góv~rn.ãtl.o:r -e ~a mulher,
p·clq "grande- esG;rltG.ir" K_ann_àzlnov, por V~ai;a Pe~tdvn.a e, -sobretudq
pelo inesquedvel Stiepan Trofimo.vfrch. Os pais·estãomais a:fast.rdç,s .de
seu medi'ad:0rque os filh.os,, e i nesse. universo do.s pais que se deve posi·~
ç'i()n~r O q,ue chatnainõs:d ~ "verteti'tê- p'ro1Js:tí~11ã1l :da obra do:$to,icvski,anJ;l .
.A ;refür.êoci:a ao to.p1aJ1ci~ta h-cl-nc:ês, é !feita, hét'D ,q ue sej.a nb s~111,id9 d_e
que os. ''.pais" conservam q rI;les:m a q_'rteza. :nusóri'a de µerm:a.riêncfa :oo
seF que· 0S. hur~ueses. proustia.nos, Durante v.int:e e deis anos d.e silêncio

2,79
CA f!(TDL.( l 1'0 - 'PRO !l.LEMáS DE.TE:CC: NI CA EKI JIR OUS·T [ E'M bm SFl lE!V'SK!
heroico., Var:vara PetrQvna alimenta seTJ ódio amoroso ., ontra Stiepan Trn-
fimovitch. Stiepah também lev~ urna vida. de "p;ratesto ttr.cit0''i no seu
entender, as "verdade.s e~rnas" do "hberaÜsmo russo'' e·. ék sâó L(ma i::ois.a
s6. Perante o. caleidosc<;)pio da vida_polfti<=ca ·petersburgue.~a e ernbo.ra.
efe passe a mafor parte do tempo lendo Paut de Kock e jogando cartas,
5tlepan Trofimovitçb faz.se de "reprovação e_ncaniâ.da". T udo iss0 n~o
passa, obviamente, de comédia, mas uma comédia inteiram.ente sincera
torno a devoção da sra. Verduriri aQs Mis, à ane- e à p·ãtria. Em Stiepan
Trofimovttch e em Varvara Petrcrvna, coJrio,nos burguese~ próastian9s,
o ser já: .est-á profundamente dividido e desagregado por um orgttlhó
11
e_stérfl ,. mas p mal connm@ escondido. Uma f\tlelidãde ao.s princípios"
jnquebrantável d.issitpul~ o tra,ballw de decomposição. t indispensável
,~a crise grave· para qu~ a verdade ap:areça em plena luz do di:Q.

A geração dos pais ainda mantém as aparências. Assim, ela .c0l0ca D~s-
toievski frente à pr0blemas de revelação l'ómane-sca comparáveis aos
de Marcel Prnust n·as partes centrais de sua obra. Não é de se espantar
qµe Q r0.mancista russo, para. resólver esses proble_m as, retorra a .um:à
sol_tr~ão pçtra]eJa à solução pr~mstiana. Dosto,evski adota um nartactb.r.
Esse Qattador remonta ao passado, <Zomo o nawdor proustiano, e se
reaproxima dos fatos, muito distantes uns d~s- _outros, a fim de revelar
as çóntradiç'à.eS', fn:rro dõ desejQ metafísico. Dostoi~vski te·nde para uma
t€é.nicçl narrativa, explicativa e h_íst6ric'<J., t>óis, nesse poí)to,.ele não pode
abrir mão da narragào, da expücaçào é dª h.istória. Quando os fi.lhôs
estâ'o .em cena , o mediador está mais ptóximo, o ritmo das re.viravoltãs
se acelera ,e 09stoievskí re;torna à apresentaçãô direta, ele esquece seu
11arrador, cujo papel é puramente utilitârio. Ao que ·.patece, ele n.em nota·
os p(pblemas de "verossttnil}:)aoç-a" ql.le coloca 0 desaparetimento desse
·ioter:t11ediáriQ oficial entre o leitor f:' o: tiniv~xso íQ·r aanesco.

Junto dos "pais", ~sobretudo deStiepan Trofimovitch , omaiscons.umado


repr,€ sentante d~ sua .gerãção1 PQstnie.vski não po~e prescindir de 'uma

280
,'v\ENTl'RA R()~~AN T!('.A I; VE RO. AO E ROMANF. S'CA
consciência testemunhal. Seu te.s temunho é ne.ctssáriO p;rra arruinar as
wetensqes obstinádas desses "pais" e revelar o desejo metafísico ..Mujtos
críticos cootempotâneo:s, dando ·continuidade à posi,ção de Jea:n-Pauf
11
Sartre, veem um obstáculo" à "liberdade'' das pérson~gens· na presença
do próprio r.omaocista du de um narrador onisciente, de-u.trp do ,tornan-
ce. Esses crftkos .celebram em Dostoievski o liberador- da person.a gem
de romance, isto é,; o çriador· da personagem subttrrâC'Jea,- s(f eles fossem
fieis ·a, seus p.tindpios,. esses críticos deveriam repreender 9 romancista
rus:so pela crtaçâo de Stiepan T mtimo;vitch. Essa. person·agem, ernborá
tão resplandecem~ d~ verôade, &:veria parecer-lhes deficiente do p:onto
de vi,sta da '1iberdade" visto q11e clâ se e,ncontra oontlrn.i.amente obser-
\1àda é a1ialrsada por wn narrador exterior ã a:ção roman·~sca. Em tudo
quanto .toca a Stiepan T rofunovjt ch, a té.c njca de Dostoievski fica- muito
próxima dá técnica. prousttana.

.Argg.mentarâÇ> gue o narrador dostoievskiano é muito: dff~rente do nãr~


rado.r prom;_tlano. Ele não aos fom~e . ·é fato, as reflexões do romancista
sobre a arte TOmanesca .. Ele não é esse rdoi_à ndstá nó sentido em que o
nârrador 1)TOtrstiano pode sê-!0. O narrador dostoievskiao0. deté!Tl üma
só .das funções do aarradót proµstiano : a função ''psicológica"; ele nos
ajuda a desmo ntar ·.as molas de certa.s pérSbnagens. É mafs in€5ênuo 1 vão
nos- dizer, q_1,1e o mm:ador ·p roustiano. Nunca sabe tanto quanto o pr6°
pr io rornançista sobre todas essàs personagens. Nunca extrai ,dos fatos
e ges'tos que ele coÍoca s0b nossõs olho~ tudo o que se pode ddes ex-
trair. Sem dúvida; contudo, essa diferença-é multa superfkial; nâo: pqd~
modificar.o estatuto métaftsiço da person4gem analisada e, em e_special,
lhe devolv.er sua "liberdade" - se é que sé pode falar de liberdade no qu~
diz res!')eitP a uma ·c riatura de ficção! - po1s 0s bitos e gestos reunidos
pelo narrador dostoievskiano são sempre ·a queles de que 0 leitor precisa
para alcançar um conhecimento pleno e éômpleto dessa :p ersonagem,
Sendo as.$_im, leitor tem que ir além da interpretação um pouco prim~na
d.o narrador rumo à urn;:l verdade. mais profundar a verdade ·O)_etaJ{sica.

~8 1
( :APÍTUL.0 10. - PROB LEMAS UE ITCN !CA EM PRO U ST e EM D0STOIEVSKJ
A inexperiênci-a e a miopia. reLarJva do· n_arrad.or garantem a únidade de
tôtn com .~ .técnica da revda:çã0 direta.. A a~osfera de .enigma que Dos-
toievsld afeiçoa fi_ca mant ida.

Essa atmosfera de .e[Jigrna não témr por sina1, a importância que lh:e é
a.tribuida em nossos dias. Ela certamente não provém de uma "mar~e-m
de libercfacle" e de incognoscível deixada à petsónagem. A liberdade
êstá. aí, ~em dúvida, porém não s:ob a forma como a Imaginam os críticoi;
e:xísteneiaJJstás,. A liberçmde ri.ã(;) pode se aflnnar a não ser sob a for-
ma de uma conversão aucêntíeà, ã que sofre Stiepao T rofimovirch, por
fxem;pb, na c@nclusão do romance_O w.ie é rncognpsd~el, é o. grau de
çµlpabilidaCÍe ou de ino~ência de uma perst>nag.em. Nunca é f\ad~ alfm
disso. Acred itar que Dnstoievski deixa o campo livre para a imágln~ção
do leitor, acreditar que exis,te, e.ll1 sua ohra, uma zona de liberdade, 'l.lll1a
esµécie de va:.z_ia que poderíamos preencher como quiséssemos., é des-
~conheter- profundamente o sentido de ·seu gênio. O romancista pméma
piínJ~i.ro revelar a verdade; a zona de sifêncio, ·e m sua obra, é a:gçrela das
evi·dência:s fundàmentai~:. ê. a z..dna dos princípios pr\roeiroSc que não se
formula, pois o. romance êm si deve sugeri-los ao [eite>L

Os campos r01lµU1escos estãp '!soldad·o s" uns .nos outrns: <:ada um deles
,é ama po.rção mais ou meno,5 exten.sa dà estnmffa U:ital'; .e é definido
por dt1<,J.s .d istâncias extremas entre mediador e sujeit:o desejante. Logo
há uma duraçã.o romanesca total cu,jas obras qmstitu'em os frãgmentos .
.Não é· de rrtod9 algwn o .acaso que coloca as persona:gens e os desejos
l)ré-dostoievski_a nas nd fim de Em Busca do Tempo perdido. Não é de modo
algum ·o acaso que coleca as personagens e os desejos "p'roµstianos'' no
iliícío desta suma dost0ievskiana que se intitula: Os Demô?'JioS. A á\len_tura
,do h ~ró'i· ~ ró_J_hance "tem sempre o mesmo sentido: ela nós faz pa~sãr

2.81
·MENTIRÁ RQMÂNTICA E VERDAt>.E ROMANESCA
das: :reg1õ~s su:11erí:ores ·a:.~r:eg:rões.inf~íotes d'e um_c·a;mpo rnm·anesco,. A.
carreira hemi<ea é .uma ~eseida· a.O"s t_nfemos qtre, qt.ras(>·'S.emp;re, lind.á por
um. retorno ;à luz por uma G01we-rsâo metaffsica i.t;1ten;ipnral. As dutáçôes
rê>,m.itn.esqts se ·encava.lam, mas hà semp.r.e uma -descida. aos i n f~rnos-que
começa no :Pôrtt_õ em ·que .~ pre_ç eden¼ se i.nte,rr-ompeu. Há cem heróts
e n.âo ha ~e:n~o um_riêtój cuj'a a.V:ehtQ_r'a s.t; de,$dQb!'a d.e árh;a ·ex:tr:~midade
:à-,outra da literatura: roma:n~sca.

Dostoievski. percebw esse· movimento. de queda mais niti'q.amemte q~e ~~


íQi;n_a,rtcista~ ~í'ütríores, Êin Os dcn1fül.i.0s, ·d e .se esfor.ça em toraáA@ p.er-
ª
e,:';épffvel para: nós. tna past~g~m d~ L(õi<!·gér.':t~o o:uua qut•se manilesta
0 di11a111istrl0 suhterr.ân½b. Ás Ilusões s\.té.essiva.s parec~m tndepl;:·ndehtés.

umas das outras e a.fé eomraditp·ria,s~ma$ seu çlesenrolat _fottt)'a uma his-
tória imp.lac:áveL Éa aproximação ,do mediador que enger)dr~ ~ dµ,ra:çã.o
mmanescg € lhê dá s_
enn.d0..
Cada gera~p e-QCcatn,a :t!'._rtia etaQa da ciõtoça úót,q}óg'jéa. A verdade dos
pais. permat1ece eseondi da-p9f longo: tempo·n:ias ~J?Jcle çó1fl umª fo.tçª
incom páráveJ ºª agitação rebrill na desordem e na devassidão. elos filhos ..
Os pais s.e es:p.a,,ntam p,or: terem produzido..monstros; eles-veem nos tilh0s.
a arltítese d.aqgtl0 que: -e:Tes Próprios ·5ã_Q. N'ã.o S:e dã·o conta da li~aç:ão
~~tente e-ntr.e,.a ântore•~ o fn.Itó. Os filhos, êm co;n:i"pensa~,fü\, veem da 0

ramenl!:~·-.a porção d e eornéd'ia ·tt,ue enttr.a na ü,p.i_g:1:tação. dqs país. A "fide-


Íidade ao5 pr:incfpfos""não ·os.imprnssi@na. CQmpn:en.dem-p.e:rf.~ita:_n:ierQ:e
qµ~ à tii:gnidá.~b1.u~gµes:~ é mna 1'1uá-fé-''. Em.Dostoievski mais ainda que
em ProHst a _ strpe:ra:-ção parq b~lxo (;:'ilritçitúrà a st,ip,era.ção. pára c:tm.a'. Ela
comporta elemenro_s µe sa.b~dbri~ ~ .Y.sdad0s ao obsc.ure.ti,Jn.entó. Con-
tudo as co:ns.eq_uências aa· lu~id€:'t $lJ'brerrân~ç sãq Se;rflI?te- ·maléfita.s: é
para baixo. quê ·elas p.o'xam e não 13ara cima.. O dG.ente onto.lógicp fica
sempté tóinâ:-Clçi d~· tnfu~cin1ent0 ·diante ·dos seres m~'nos d0entes que
de, ·e é s.ewpr.t erttt:e és~_és ·~éres. q.àe escolhê ·s.eLtS JIJedi,adQr.e~, Procura
sempre fazer Gom qu~ J,€u"fdoJo ·d:e.·s_ça ao s~a tiívêl.

i83
CAPf';:nJLU m ·- PROBLEMAS f) .E l'fcCN-l (: A, l:'lvl P,R('.):8S1' E E_M DG>5t0 tfvs_Kt
É pelos fn1tos, que· cdnheceremo5. a árvore.. Dostoievski .insiste enor~
mertl'ent;e n.a ligação entre as gerações e na respon~abilídade d0s pais.
Sti"epan Trófimovitçh é.o pài de todos os Posses'Sos. Elé é ô pai .àe: Piotr
Verkhovenski ;. é o pai espiritµal de Shato:v, de Darja Pavlovna,, çle ~iza-
veta N;tola~vna e sobretudo de Stavrqguin·e, pois serviü a t 0dos corn0
preceptor. É o P5lí de f.edkai ·o ássassino, já que. Fedka era seu servo.
Stiepan Trofimovitch a_bantlonou P.íotr, seu filho pelo sangu~, ~ Fe-dk.a.,
seu filho pela sociedade. Sua retórica generosa e SUcJ estética romântica
não impedem Stiepan cl~-trair todas as sua.s. resp.o nsabllidades .c oncretas.
Ô" liberalismo romântico é o p,,ai do niilismo des.tn.1ldor.

Em Os Demônios, tudo parte de Stiepan Trofüntvitçh e tudo chega em Sta-


vroguin~. Os filhos são a verdade de Stiepan, mas Stavroguine, por'. sua vez,
é a verdade dos 6lhos,. a ver<4fde d.e todas as persona_gen,s. A geração do!\
p_ats ·enc:ama o primeiro momento d.a revelação p·roµstiana, tal como 0 deff-
níarnos ante.riórmente. A geração dos füho~. ~ncarna o segundo .mbm~r:1to.
Stavroguine, por si só, encàtná o terceiro. Por trás da "fidelidade aôs prín-
dpiôs11· dos burgueses,. há ·a agitação futiQsa dós Demônios; e por trás da
agitação furiQsa hã a imobilidade e o nada,, a ucedia ~élida de Stavroguine.

Por trás da fantasmagoria TI\_Odema, por trá_s do turbilhão dos atonte-


cfmentos e das ideias·, no fim da evoluç~o cada ve"/4 mais rápida da me-
çli_ação- interna,. li.á ·o ~'zio. A alma atin:gia o pónto" mm·to. É esse ponto
morto que Stavroguif?ê enc;ama, Q Vçlzio puro do orgulho absolu~ô.

Todas as pérsonag-ens de Os Demônios e igua:Irnent_e todos os heróis dos


romances a;rrreripres, e t0dé;\:s ·ãs vítimas .do desejo metàf{sico se pautam
em Stavroguine. Esse rnonsttb n·ã o pertençe à uma ter.cerra ger.a ç.ã o, po1s
o espírito qu:e ele encarna é atemporal como o Éspírito de Deus; é o
espírito. da de~ordei:n, da podridãé'·e ,do nada,

O Dost.oievski .de Os D'em6nios. se elev:a: até a .e µop.eia do mal metafísico


As pei;sonagens do romance adquirem qma s_
if,,;-oifk:ação quase alegórica.

284
MENTIRA R-OMÁNTIGA .E YERDAD'E ROfy\ANESCA
Stiepan; T rofimuvttch ~ Q P.a'i,, Sta:vro_gUifle Q ,filho; e ·O c:or15pira.d0r ttac
p.1lh ~c.> Piotr Ver:_khdvel}ski, n.ã:9 é outto se.n:ão o fap írltb irrisóri.o de
1

urna Trindade é.enm:níae:a.


, . - . . -

·285

E:APl'TUL0 10 - •PR9BLE.MAS DE-"'J:ÉCN IC:A EM P~"f)Ü~1 É }K1 DQS'°t"Ql EVSK.l


//

ria rn.oe<la ~ pafavr:a "hberdád1: 11 , Dizemo


11
Aírtfl~nda é~i~·ténçiâli-5.tç!''· P<l~
1

·nos to.dos 0.s tlias ,que o. r@mane:ista .@ão a~iBge. a genialidade senão "1~~-
p.~ft:açd0:r a lil:1erda-de d.e su.as i;,~rsooagçf}s. Ni;1n<:'..í nõs citzen1., ififeh:z-
rni:nte., em qu;e c:011sis.liria,. õlfinal., esse rnsp.erto:. A rióção d<! liberdade f
neeessariamente. ambígua q.uanq.d a;p.Jica~a <JD·rolJ;),ltrce.. Se o tQnià~iti~ta
é l.ivre, ~rh .cg_m çY~~iS?Çâà, flc.ª dtfíç_i'I én,t:endéi:- c-0coo sti:as @ersonagens
p.oderiam sê-lo. A libtt.dadtnrão se partilha, mesme> .se tr.a-rando d.~ t;tia ~
mr.a e eria.dGT. Eis ar up:1 do·gn,a1 fond.a.I11-ent:al e o sr. Jean-P'aul iattre ~e
gap4 de provar,, ,graçç.$· ô! ~le:,. a im.possibilld~de de hav,er wn Deus cria-
dor. O que é impossível a Deus não poderia· s.er po.sslvd ao t.Orhâ'n€í~ta.
Ou o rQ'rha'tH::l_st:a,é]ivte· é suas pef5oríagen.s nãQ Q sªº· oµ a,s pers-cma~ens
·são ÜVr(!s :e .0 .roman.dsl;a,, tal -c-0mo, Deus, não, existe,.
Éss.as contradições de .lógica, ao ,que parece, não embaraçam :o~ teón-
cos ç[a ficçãt,i to·n t~rn~.Qrâne:.&. ·Siúa "Üb~r-da.d:e" é Jro.t-0, dé u.ma confusão
exfrem:a entre certof ~pr.êgc;;s fiJ.O§qij'cos: d.o têttí)ô ê ~eus enit_:rcé'.gos.
cotidianos. Para a rnaiorf.a dos Críticos, liberdade é sinônimo d.e espon°
tanei-dade. O romaHc,ista: não deve s~ incomodar com .a psicolog{aJ ele
deve criar, ein o~tn_1.s palavras, personagens, Oijas à~õeS' não são jamais
prwisíPeis. É a Dostoievski, por fücrívef que i;>'areça, qu~ .~e atribµi a pa-
ternidade da per_ sortagern ~spônt.ãn~a. O Subsolo é cDntempladp com c.o-
mentÚios particularmente elogiosos. Por pouco não o transformam no
breviário da nova escola.

É de preferência a primeira parte de O Subsolo qu~ detalha mars longa-


mente, e ·da segunda, á única pTopriameme rornane.s ca, retém-se não
muito cnais qu-e 'a espaneos:a libcrdade '-- en:tendam espon ta·n eidade - da
petson<1gem subterrânea. Essa prodígiósa inde_pendêocia nes proporciô-
11
na,. evidénternente, lideitos-surpresêi nos. quais sumos solicitados a i_r
buscar a po"rçâo mai,; sub$tancial de f!osso prazer estético,.

Os críticos aparentemet;lte não enxergam nem o oficial i.nsolénte, nem


Zverkov. Elimina-se -pura e simples~ente o mediador. Não se notà.m as
leis do desejo subterrâneo, análogas às 'de Proust conquanto ainda mais
rigorosas. Entra-se ~ ·husé diante ·das convulsõ~s att9'Zes da persona·-
ge.ro subterrânea. Trocarp-s~ congratulações: pelo ·seu carárer "irracio-
nal" . Admiram-se esses Uvres sobre~saltos e por pouco nãq ~e recçmtenda
seu uso par~ a higiene pessoal de seus próp.rios leitores.

O homem do subsolo acaba necessariameme nps ,!>Urpreendendo .assim


q tte 00s despojamos dos meiós de comprecmdê-~1o. façamos de>apare-
<;:~t o d€sejo metafísico e o JJ1ecanismo passa a ser espontaneidad½, e a
esqavidão passa. a ,ser Hberdade-. Não se percebem mais as obsessões da
personagem nem essa paixão. furiosa que sé ·ápodera dela .assim que ela
se sente rejçitada. Nãa. h~ mais c0nv.ulsôes grotes.~a.s e sim uma 11 révolta
magnífica" contra a soctedadé e- ç1 "condi<;ão humana"_

O homem do '>ü.bsolo qu~ é :assim prnpbsto à nossa admiração não tertl


nada-a ver cprn aqude que Dost0ievski criou mas, em compensação, se

28.8
MFl-{tl RA ROMÂ.NTICA E VERDAÕ~ ROMAN ESCA
assernelh<J..bastante ao tipo d.e herói que a ficção contem.porânca repro-
dtiz incansavelmente. Nem .o Roquentin de A N,fo:se,.t'., 1Ye.t n o MetJr'sá'alt
de O Estra11geiroi, nem o? vagab1,IOdQ$ .de 'Samuel lkckett1 desejam meta -
Íisicamente. Essas personagens ~ ã o atormentada~ pelps mais cLferentes.
m~Jes, porém eli1s são 1j-oupadas do mais perigoso de todos, o déstjo me--
tatísico. Nossos heróis Gônte111pDrâneos nunca imitam ninguém.Todos
elés. são pérfeitamente'ãU:tônomos e êles podenarn repétir em coro, com
o ·Teste d e Vâléiy~: "Nós, parecemos seres q,uaisqv.er mas r'rós. todos nós,
dev.em os ·o que sómQs, pór inteiro , a n ó5 mesmos."

Podem--se-levamar muitas semdhança"S h-t~ores -e ntre e~~<! fic~ão recen-


te e Dost.Qievski. De um lado como d.o outro, é o me·s mo qdio.dõs Outros,
11
a mesma .desordem radiêal, o mesmo polimorfism0" no desabamento de
todo.s os, valores bur:guese_s. Mas .a~ dit'e.renç~s. sã~ rna i~ fssencfa-is a,i nda:.
N ossos héróis cQntempo.r âneos eonservàm sempre intacta ~ preciosa.
libçrd3:de, 0, homem do
subsoló aliena a sua em prov;erto q.e seu mé-
diador. Nós c0.nfondimos nüssa liv re e:;spontanê1.dàd e com a es.cravidão
su.bt:crrâqe_a. Corno conseguimos cometer u~ e.n_-o tã.o grosseitõ.7
Existem ·duas alternativas: ou estamos is.entos de tudo d esejo metarj-
sko,, ou esse des.e jo no·s q.om'ina tão c:ompletat;Bente que d perdemos
totalmente de vista. A primeira h1pótese não é i;nuitó "'erossúnil já que
o romancista russo traduz fielm<rnte - is_so nos é repetido a :cada dia - a
verdade ,de nossa é poc a:. É precis9, põís, ·à ceitar p. segunda hipótese.
DostQievski fala melhor de nós do que nossos :próprios· escritQres· pot-
,que eTe rc;vela um destjo metafísico q ue co nseguimos esconder 'de nós
próprios. Nos ~onseguimos esconder d~ nós o mediadot: mesmo quand0

1 E.rução brasileiradean-Paul Sartré, A1Ufüsea Rio ·& Janeiro: Nova Frqnteira, 2_0Q5. (N.E)
2
Edi~ão brasíleira: Albén G:ctius, O estrm_1geiro. 19,ed. Rio de Janeiro, Record, 19.9.9. (N.EJ
i Edição btasiletra: Sarm:rel Beckett, .Esperando Gqdot. l .ed.. Sã0" Pàulo: Cos:ãc Naify,
40Q5 . (N.I;.)
• Edição bras-ileira: Paul Valéry, :I\1ousieur Teste. l .ed. São Paulo, Ati:ça:, 1997. (~.E.),

289,º
U ,?ÍTI)LQ. 1.1 - U AP0 C..:A l..lPSE DOSTGIEYS KIANO
lemos Dostoievski·; admiramo_s o romancista russo sem compreender a
natµre;za de ~'l.t.a arte.

S~ Dostólevski' for verídico, nossos heróis sãp falsos. Eles são fa lsQs p.o r-
que adulam: nossa ilusão de atJ'tonomia. Noss.o s herói.s s:âo novas menti-
ras .românticas destinadas a prôlótigµr os s.onho-s prometeicos a-os quais
o mundo moderno se ag:arra desespéradãmente... D ostoievski ·r evela t:Jm
des~jo que nos.sa ncção e nossa crítica n~o fazem sen.ão espelhar. Nossa
ficção.é:seond~ d~ .nós o·m ediador na existência coti_diàna. Noss;a cr:ít.ica
esconde de nós es~e mesmo q1ediador na ohra escrita expré.ssamente
para r.evdar .sua presençà. Ao se valer cfe Dostoievski>essa crítka intro-
du,z:1 sem se dar coma 1, um lqb.o voraz nó redil ~istencialista.

'Pot trá.s das semelhanças. superficiais, a- opqsiçào entre D.ostoievski e


a ficçã·o contÇ'.mpqrânea é' i.rre_dutível. Sempre nos fazen1 lembrar qt)e
Dostoi€vskf re_pudia a c:(.hidatle ps'iéolóJfic.a ·d as' personagens rornanésÇas
e acreditam estar provando, cóm isso, s4a conformidade. com nossos
t'omanc.istas_ Mas nossos romancistas nâo de nunciam es~.a. unidade psi-
cológka sénâQ p.aca ass.entaf. melhor ,a unidc1de metafísica . fr9, J~ essã
unidade metafísica que o l;>Urgµês almejava mediante a urudad:e psico -
lógica. As ilusões !JurgúeSas de permaaê.nci.a e de estabilidade se ·d es-
vap~çer:am, mas o alvo nâq mudou.: É esse o .alvo que se persegue com
obstinação, sob o nome de liberdade, em méió à ang~stiã e ao caos.

Dostoievski téjeita a amba~, tàI'ltQ a unidade psicológica quanto a unidade


metafísica. Ele só reje.ita.-a ilusão psiCQ)pgiéa para dissipar melhor a ilusão
metafísica. A vontade de autonomia: engendra a escrovidão mas o homem
do subsolo IJ~P o sabe, não quer sabê-lo. Nós também não· osabemos, ou
n.ã:o queremos sab_ê-1o. Assim, é verdade que nos parecemo-s com o -ho-
mem dq subsolo, l)].as o.ão pelos rriotívos que os críticos no·s ç{âà,

O erro dos criticas a i-espeito de Meti1órias di,. Súbsolo se-ria impossívd


sem urna identificação tipicamente romântiéà e.ntr~ .crtatura ·e criador.

]90

MENTIRA !WMÀJ\lT I C:A E VE'R.DADE RO M.A.NESCA


At-r"inliem-se a Dostoi.evsk.i todas as opiniô:es d·e seu herói s.ubterrâ-
neo. Enfatiza-se a primeira parte da na.rratíva porque ela constitqé um
àfaq(ü:: fortnidável corrtra .o ci'entifidsm:p e Q i:acional'ism0 moderno-.
Dostojevski part ilha.1• çertamente, a repulsa q.e seu herói pelas medío-
cres utopias do séculó XlX que va i chegando ao nm. Ma-s não se deve
cpnfuodir -essa con:eordâl)êia parcial com urna conéordâmda u.nive;r-
saL N~o se deve confundir o romancista çom S'l~ personagem. mesmo
e sobretudo se o rôtoandsta 'rira essa per-sonagem de si mesmo. O
Dostotevsk:i subterrâ'neo não é o Dostoievski g.enial; (? o Dbswievski
româ11tico- das obras an'teri:ore~. O D:ostói_évski subterrâneo não fala
nunca do.subte-rrâne9 1 d~ tios fala do "belo e d.o subTime'', ele nos fala
d.e uma miséria trágic_a ou subl.ime à Vtctor Hugo. O Dosto iev.ski qtt'e
pos descreve o subterrâneo está salndo de J;i; ele v ai prosseguir sua pe~
9osa .a_s cen·são de obra-pFima em obrn-prima rurr_10 à paz é à ,sere n1clade
de Os lrmitos Karàmawv .

.é) ~uhsolo é a verdade que se escdnde: atrás da~ 'àb.straçõe.s :r-acíonalis-


tas, românticas ou '1e)Çistenciais'·'. O subsolo é o agravarne·nto de um mal
preexistente, é uma pt9·lij:~çãQ c~u1cerosa dessa metali'sica que se acre~
ditava estar eli.mlnada. O subsolo na:ó é a d,esfo.rta do indivíduo sobre a
_fria: mecânica raçionalista. Não devemos nos atirar nele como .~e ~Je nos
.trouxesse a salvaç_â:o.

O herói st.tbteuâneo testemunha, a seu mo·do., ·a vetda.dei,ra voca~ão do


incliví'duo. Ele té5!:ém1,1nha_mai-s' vigorosamente, em c~to sentido . .do
que se estivesse men·os çl:ôente.. Quantó. mais o desejo meraffsic0 fi.c a
atroz., rnats o t es·t emuuho fk:a i:nsisté nte. O subso[p é a 'imagem invertida
.da verdade rnetafísicà. Essa ima~e.m vai ficando cada vez mais nítida à
medLda que vamos afu.ndando n.q ;3.bismo.
Umâ leitura atenta impede- qualquer qmfusã.o ent:re b romçl.Ilc,ista e !i-Ua
persooagét;Il. Nâo é uma confissão lírica que Dostoievski estr~ve, mas tun
texto satírico de um burle:sto s_é:m dúvidq amargo porém J>rndigioso.

29 1

E APl11.lLO t'.1 ~ O APO CA!,IP~E DO,ST 0TEVSKIAND


fü1 5ou soi,.inho, e eles são todos ... T a:1 é o lema subterrâneo. O hérQi quer ex:..
gressat o :orbJU.lho ~ o. i;ofti.rtjet\to ,de s<nünico, ele acredrra esta:r·prestes
a abraçar a partkularidade ahsoluta, mas acaba atirigin.d o um princípio
ê!pliçávd ,de modo univeFsal, uma fórmula quase q ue ~lgébriça e.rn. süa
anO'nímia. Essa bota âvidà que se fecha sobre o Nada, esse esforço· d~
Sísito cons.tantei;nente retomado resume bem a Justória do individualis·-
mó contemporâneo . .Simholisrn0, surreal_is.rho, ex.isfencialismo se esfor-
çaram -s ucessivamente em dar um conte.Lido à f6nuul a subtextân~a.. Mas
es-ses elJ).preençlimentós obtêm ·êx.it<;.5 na mede.da em que fracassam. É
de fato necessário que fracassem para p.ermttir :às multidões r.epet1rem
em cor-0: :f:,H, m sou Hm- s6,. e.n.qitanto eles., ele-s são todos A obra rom~n.tica p"Qe
em d.tculação um conjunto de .sírnbola.s e de imagens destinados não à
comunhãc0 1 mas à ~epaTç.ção lff\tvtttsal. Cornp ;lS demais forças sociais da
ê!tµaltda:de , nossa literatura te nde à anifonnidacl~ mesmo quando acre-
tli~ e~ar{:ombatendo-a, já qu~· a.via do. nivelamento é uma via negatzva,5_
tsso lembra a h1clústria arn'eric~na que "_perso naliza'' tó.da a ampla •sér-ie
de detem1inado produto. Toda .lima Juventutl~ "personaJjza" çom batxo
tüstô sua a:ngús-t1a ;.:inô:nima identificando-se com um mesm0 herói co;,1tra
todos os outros home ns.

Ó honiem do subsolo nunca es tá mais .r:ão próximo dos Otttr:os do que


quando se acrediJa inféi(ame_nte separado deles .. Eu sou soti:nho:, e eles são
todos. Ó carát-ey lntercambiável dos pronomes: s;;ilta aos olhos.e nos.traz
brutalmente do indív1du:aJ de volta ao coletivo . O individuabsmo pe-
quenó0~urgu~$ ~svãzi0ij-se c.ompl@tame.nte de seu comeócfo. A imagem
de Sisifo não é exata. Cid.a Lin;t de n ós é pari} si. mesmo seu próprio to:nel
das Oanaides6 que e1e se esforç_a para ~ncher êmvão. -Os ex1s.tencJ aHs.tas

5 Em lat inl'·no origmal (NT)


~ ,;As cinquenta neta$ de Belo, fiího d.e Posídôn, gqe mataram os 1;to1v:os, também seus
primos (! t:fl.hos de Egfpto, na norte de oúpcjas, e como casti-go foram condenãdas
a trª'nwortar eternai11ente água em vasilhas :rotas." l,i Ovídio, l\lfetamo,f~~1 Coto;via
t10ü7) p.400. Cfi<(fV-463~X.43) (N:E)

29J.
M.1:NT! ~A ROMÂ NTI CA E \fFRDAD E R:OMAN'l:SCA
nõ.s- garantem ql.le re-m.o1e:iarnm .a esse Joga i:rautil. Contudo etes 't)_ã ô re-
.IJ\l:bci.a-rartt p.o· tan_el. Eles ac.haro admi:r:ávd que .esteja vazio ..

Acredita se que Dost:oievski se co_


0
nfµ,nde ç-om. SUi! ·personagem porq'ué
d~ iJã.o ·a in.tên'ompe OUH<;;a. Sem dCrvtda, mas o homeói, d_o \ttbs.ólõ cai
hO l~Ift 0' :de sua fó,n:nufa. e DostQiévskí não. Q herói é .incapaz de rir:.,
p0is efo :não consegue s-upt5rar o in'dividc.t.?lismo de 0,posi·~ã~. Nossos
c:Qiitemp,orãneos -são. tào, tristes qual'lt0 ele, É l)Pt jssb qüé esvaz1~rn
Postoiev~ki dé- seu. hü.wor .pro.:digi0so-. N ão veem q.ue Dasuoievsk:i qi-
çoa de seu nerói. Eu JQu sozínJ,o, e ~lr.r sâ'ó tódos. A iron(á ,dQst.o ievsldana
profa e.tn fórmulâs admirávei.:s, ela p.úlv~r.iz~ .ç.~ p.t.ete-n.sões "indi-vidua-
11
:l\sJas'\ Ôt{s-a grega a,_$ clif.e,rençal~que parecem .mot1strnosa:S. à-s cpl)Sc.iên-
qi"as 11l trajadas.- Não sáber.n:os. rJt c:órtt Dostotevskl,, pors não. sabemos rir
dé .nós mesmos , Muita ,gente cultua hoje ..M.~nhàs do Subsoló _s:érrt ~egtier
de-sci:5n'fl"ªr que isJá ~¾â1flando a 'c;a-rkatura .genial d~ si mes(ll~, e·sGrlta
há quasI~ Ull) sét::ulôy

Desde a Prmieira .Guerra:, e princi-palm~.r ne ~ S~S':mdà Gt,1erra Mun.dial,


á detomp·osiç,ãQ dtis valoms bur~s;es-se ·acelero.-u1.o terretJo oc~dental
fi.ea ·a cada d.fa ~ais .p·a:i:-e:.tiqç, a9 é:taqµéie de ·onde Dos.t.okvski ex-traiu
suas gni.ndes óbr.a.s. Para, devolver a O $tibso1o wd,a a S'µam0rd:acJd'alfc;, re
éssa çroe:lda,dé .~ue. se .c,erisl..irava anti~ent~ no r:omandsta n..r.ss9., L1ast~,
na ·maioria das ve7~s, etétuar a{gutnjls lj.géir~s .tfánspb.sições . .DeslCJque
,0 homem do subsolo da~· w:atgens do _ Neva pai:~ {s màfgens .do-Sena.
Sub'stjtu~, a s.uá,_·ex1stênóâ bu-r-0cr.áti-ca poi; uma earrefra ~e e_sctt_tor .e-v:é,rá
-sw;gir e1J). cada Jinha d_e~s:e text.o .g'éniá[ O.l l em. qu~se :todas .urna- paródia
·cáustLca dos-mitus irite1eÇltuaís ,ctt nossa é-perca,

Estão l_embrªdo~, por ,certo, da e.arta qo:e o homem do suhsqlo prqpôe·


se a remet~r ap 9 6tial 'iM9leti.te. E~s:a cªrtâ é um a:pelb escondido :ao

29-,3
'<.:.A.Ptr'ULO 1 1 .:. ÇJ APO(:Atfp;SE D.d STOIE'V'S!<.J.ANO
rnediado_r. O lietôi se volta ?ara seu 11perseguidor ad0rável como o fiel
11

!!ara se\!!, deus, mas de ~u~r no~ convéncer, e çonveoce a si mesm o , de


que lhe volta as ·costas com .h orror. Na"da podé' humilhàr mars o o.r:gulho
subterrâneo do qu~ esse apelo ao O utra. É a razão pe_la qual a ca;rta não
eontém senà0 insultos.

Ê$sa çlj-;tl ~t1_ca do apelo .que se nega enquanto apel o tbrna<'i ·aparecer na
literatura contemporânea. Escrever, e sobretudo pubüca r uma abra, é
apelar-para o .pú1.,lico, é romper, p·ór um ges.to un ilat€raf, .a relação· cle
fndiferença e ntre Si próprio e os Outros.. Nada pod'e fu.ú11iÍhar t anto o
.orgulho subterrâneo quanto essa iniciat iva. O ari~tocrata de tempos
passados já press~ntia na carreira: das· f~tras algo de plebeu e .de ·baixo
que seu orgulho aceitava muito mal. A srp. .. d~ J..,a Fayette. fazia sua obra
s~r publicada por Sebrr:ais. O duque de La Recnefoncauld talvez man~
d.asse urn de seu~ lacaios roubar a suâ. A glória um tanto burguesa do
artista vi:nf1a até ess~s nob!7es escritl,)te'S sem que e:les· nada houvessem
feüc;> para s·olkitá-la.

Lon,ge de des-apatec~t com a revolução, esS"~ ponto de honra Iikrário se


tQrna mais agudo ainda -na é p0ca burg~esa. A partir de Paul Valéry só se
p·oqe vir a ser úi:n grande homem contra sua vontade. Dt p9js, de vtnte
anos de despre,.zos Q ínventor do sr. Teste acedeu .à súpl ica universal e
agradou es Outros com a esmola de seu gênfo .

O estrjtúr prnleta_rizado de n osso t~mpo não d.ispJk nem d e amigo~


i'nflucmtes nem de l.acai:os. E.k é obri-gado i! servir a si mesmo. O con-
teúdo de seus ese::ritos será, pois, inteirame 11te dedii:_ãdo a negar o s.€ 11-
·tido dc:i éQntC:ntor. Encontramo-nos nn est~gip da carta sübtctrrânea.
O escritor lança um antiapelo ao p.l1hlico sob a forma d.e ancipo·esia 1
de. antirromance ou de antiteatro. Escreve-se para provar a.o le itor ·que
nâb se dá ªmfoin;ia pá:ra sua aprovaçã0. Faze.se qUeStaó de dar ao Outro
O· gosto de experimentar ç1 quªfidadê rwa . ineJável e .n ova do desr,r~zo
que se tem por; el.e.

,294

MEN T IRA l{O MANT!CA E VER_DAI?E R.Ç)M.AtiJ:SCA


Nuncà s~ esçi;~veu tanto, porém ,.é -sempre para demonstrar que a co-
n;11,11iíe::açãd nâq é nt rp pQss:fvel n~m .Stguer de~ejáveL & · est.étiC:as do
l'si.lêucto'' qu~ nos a:totmenra.m· têi;n relaçao 1, <iie modo tcYtalrI!é!Jtt ln_dµ-
b.i tável, com a dlaléti'ca 'Subterrânea. O escritor liamâfltico proeurou·por
n1uit~ t.ct:mpo convêr:lcer a so.cLeda.d~ de qU.e Jhç dava mais·do; qfre aquilo·
:qu~ ~ela, _re~e!Jia. D:esde 9, fim do sé.ctil'o X'IX, tód..ã. \'dei~ de teçfpróçi-
dacle, mesmo imperfeita ~11.0 r.el.acionam<mto com o públ.iop se tornq-u
insapôtitãveL Ô .e scritor ainda se faz eçliw maí\ para esc0n.der esse
érílú"<t, faz de: tudó pan:~ impedir que se ·leüun s~us 'li'vr'Q-.S.. Por h_as:t:ant~
tempo al'e gou que falava tã0 son:i"tnt:~ co·nsigo ·me~rno, ,e ~lega _ agqra
_q_LLe fafa p'ara nãó. diz_
e'f nada .

ª
.E_k não e:stá dizenéfo :tétd~c;!e. O es~titór fal~ parn_uó'$.sirduzir, c.o:mo
·n(J) passado: 111e fica ai:nda·:á espreita da a:dmirn:çã0 em ·nosso .o lhar que
.seu t-ale-n:to nos. inspira. F.·a.z d~ tudo, nos dit'ão,. para 'fazer---5e detestar.
S.~rn 4úvtda, rua:s·.é ~:orqµe .ele h~ó pó9e mais nQ.~ cortejãr ~l;>ertame·n-
te. -Predsa p.r imeiro sç ,coo_vet)~er de que ·não está te;otanq:o, n_q.s :agras
·dar. Efe ne.s far:á, p.ois, uma ·c.or.te ,ti:egatív<J .à ma.neirfa do,s seres-de JJ.aixã0
d,q st.6i evs;lçi&n QS.

O escriLo.r se engana se; aq faztr·,ss<); ele pensa esEar profe-stando t,ontra,


a ' 0.pressã,o d.e dasse'' e a ,. aliena:çã:o taj)italisfa
1 11
• A e-stéti.ca ·do si.:Lêndo é
um úJt,mó mitô" rom·s.rit.iCQ. Q pclftanb de Mus$et e: ó albatrot-bãudelaic
riarm nos fazem rir,, mas, taiQ qo_mo a fêni~· da fábula-, des renasce_m sem.
cessar. de sua.s cinzas. Nã:o se pas-_5ar'ão dez ânos sem·que se- recont.u::4i:a na
"estrita brané:l ê. s_eg J'gtau zercl7 ay.~t_a_re$ ·c;ªd~ V$z ina.ls -abstrªt,o.s,, ç:~cla
ve:z. p:ra.~ · ~'fêmems e E_
tàge~s· dos ndbres pâss~-0s mwântko~.
Esse pontô trái .à lembrança. uma s~wrnda :e:etia d~ ,ó,Subsolo 1• a dó hau-
:quete 2ve~.ka.v, ÇÍG quàl 0 h:~mem tio slibsolg iitaba. pàr,tid'p"'çin:do. Ii1à$
onde ·se G0mporta...de mod0 rn1lit.o:estranh0:

1 -Referênt:rn: a-Le d.egt.é té·,..o de 1.'ltriture;.,de Roland B·a.1.thes (N .E.}

29,5
éA.PíTl,l.LÔ. 1 1 - Õ A,:PÔ.C,Ái_.]P-SE D,Ç1$TQ JEVS.K,l'Al'il.Ú
:Eu sorria com àesdém .e fiquei aruia'ndp· do outro lado cfa sa[ai ao longo
da parede, b~m ern frente aô divã, fa.zendt!l o percu_rso da mesa â: la:reira
:e Yicê-versa. 'Qu~ria rn9_strar, -çom· rQdas as, nunha-s forç,a~, que podla
passar sem eles; no entanto, ~atia de propósito, com as 'bótas 11ô,cnão,
;ipoi;mdo-me nos sal to'> Maç tudo_ertl vàô, Eles n_ão m~ dispensavam ah-
solutai;ne.n'tê qltal.cwer a.ti,nçãJJ.. Tive a pachorra de fica ,' andanó.o a:s'>irn ,
bem díante d'eles,. dar. oito 'à~ on~. s-empre no mesmo lug,ir, da mesa à
lç.reiI11 e da.lareira de volta à mesa.~

Muitas obtas çontem.p.orâneas· se assem lhan;i a ~se pa·sseto seni fim. Se


nós-pudéssemos ~e.rtlad~irçicnente ·"abrir mão deles'' nós r)âo martel.aría-
mos o piso com os saltos, nós voltãrfap.1os a no.sso quarto. Nó-s 11ão so-
mos estn111jjlirps, pós, estamos mais perto-de set esses 'bastardos de ·q ue fala
Jean -Paul Sartr~- Nós nos af'inuarn.os livres mas na.o dJ:z:emós- a ve1'.clade.
Estamos hrpnotizados por déµse~ irrisórios e noss.o sofrimento· redob1;a
sabê-Lõs ü-'r:i'sórios. Como o homem 'd o ~ub~o lo nós t0dos, gravita-
Q_O t
mos e.m tômo dess~ d.eµses, .0a óibita sem conforto.que det'ermt'na para
nós o equilíbrio entre forçâs contr:adit'ç,rtaS..

Já assim er:a. Ake.ste!i, de pé,, com os br-aco.s c~ados, o-olhar chame.,


jante, atrás da poLttona onde Celitnen<:J troca maledicências çom s-eUS:
insignifkantes marqueses. .Alcéstes fica ndículo dur.aote 'todo o tempo
eTll qUe. nã.o consegue se :afastar. O rom.ântic;o Rouss.e au ·a·ssume a: defo~.
sa de Alcestes. Ele cobre Molrere de re_primendas pqr~ue .Mo,liere- n.os
faz· rir do Misantropo·. Nos~ôs própr.io~ romântkos tratariam Dostote-
~sJ<i desse .mesmo moda se :suas intenções cômiqls. não lhes ·escapassem.
O espírito. de serie<;la_de. é jdêntico mas o ângulo de visão d_iminufu um
pouco ma:is. Par-a rir com Moliere, para rir com Dostaievski, é ptecl-
so ~erar as fascinações rnmânticas. É pfeci~ô compreender que é o
desejo e unicar,nente 0, desejo que retém Akesres atrás dp êanapé de

i Mti1iõ1im aQ subsolo. p. 94, op,cit. (N.E.J

296
MENT IRA "ROM÷NTl<:'A F. VERDAQE ROMANESCA
,Cilimem2. É P dese,jo que retém o l:iorn.em d0 .subso.l0 na· sala do b,1n~
qUeyte. É o d_e stjo qü,ê pó~ nq:,: bqcas· romântic~ts a.s fra.sts di.'r vinganç.a e
as lmprecaçõ.es contra DeLtS.é ,o s ho[J)ens.. O Misant-ropo e à Cõquete, o.
heró i scubtetrâneo, e seu perseguidor a,do.râ:vel são sempre 0s. d:ois Jaq.o.s,
de LíP1 :met,li.19 ,d'e {ejQ rne.:taJf~Lêo. Ó gêni,a. airtênfi:co uhrap.assa: as ·oposi ~
ções enganosas e n'Os. faz·tir .tatit,o de urt·s qtJant9 d.e outros,

O .deseJ.o mét_ãfíslce aNasta -su·as. vitimas, µ-ara o lugar .ambíguo: do


fãsc{nià, ioterme.di-ári0. e~atn ~ot'i-e o v-cr.dqdei.r:o des-prendimento e
e eoma:to í'ncimo co-n;i íJ: coisa dt.s éJa~, ~ ·esse te-rr.ltótio
es.tranho qµ.e
ez-plo.ra fraFJ:z Kafka: "Da-s ·GrenzJand .zwis.chen Einsaml<.efr tJJ\d G e-
tne:ins:thafe', ~ fronte.irª e.n.tre a ~olidã.o e a c0munliã·0 , a igaai clis.-
tânda ..de uma ~ 9-a qutta, exd µHidó ta.n tõ uma qp:anto· .a :o\It:ra. Ó ser
fasc-Lnado que ·quer es,c0n.der de ,n ós sua. fa5dna:çâo,, \r est:ond&-1~ de
si prô"prtg, (em sempr:é de- fingi·r: esfar y,fvefl.00 ·s e~undo um 0u outro
4~S$~S, d·o is mod~.s· de v1·~ , os únrço·s, çQínpátívds, c.om a, JjbéJdade -e a
au't oaomia que- ele se. gab'a d~ usufr.uir. Es-S.é.S· elo\~ polos ~a: verdadefra
liberdad'e e:,t;:mdçi .sHuad0s a igual dlstã-J~.çia do lug:al' 0nde se. encon:-
fta'., o . s~r fa,scitia<lx;i r:iã.0 -tem mais mo.tivos p,ar:a op,tar por. um de pre-
forênda a0 -0u1!ro. Ele ç:stâ tão: pró~.i mo e tãd dist:ant~ da prO)cimidad~
quanto do chstanciamentoi püd@, ass,im, reiv;indica.r tanto. este gt;tân.to
'~quele, ,e cç,:l)i tªnta, õ,t1 tão po.uca verosstm{lhan.ça num caso ·c0roo n 0
·0 utr0. Logo, p.o~de-s~ p:r~vet: que êl_ fa~<::irtaçâo. s~ r;lfs~mular:á tã,o. fte-
:querüemente :ta.nt.Ó' p.or trás da ·másaara do "engajamen101' qua ntq pôr
tr:'ás da máséat~ do ,:i d~s:engaja::ment.0 11 • Ê p.rçç.iiarnente b. q ue, verLti'ca
<!- bJs.tqria d0 rôll\aQtismo 'rnàdernõ e ·Gon,tempo~âneo_ Os. 1nitos da
·soÜdâo "- sublime, desdenh.t:lsa, i'rônfoa e a.tê "mís.d.cau·__ se alterna;n.
r~gularmen.t~ co·rn os mitos ~ontr:ârios ·~ iguaJménte mentiros:os da en-
tre,ga tnGondlcioo,aJ à:S Fo:rrnM socía:fs ~ éi.dlêtivas d~ ~xistên.c:i.a hi'st.ô-
r ica ,_. Pode-se igualmente p:rever que g : ser fasci'11ad0 , ten do atiJ:tgid_o
o estágio p~rnxís:mic:o de seu ma'i,, ·s.é t:ornará comf)le'tamenre 'incapa.z
dt àter~se à P·O.:S<Jf i,niçfalr:oente· es.c@.lhidâ ~ mudará a tbdo momento:

Ã97
(:A~ÍTULf) 11 - O i f5CJ.CAI:IPSE DOS7C:, JJ;VS I~JAN.0
de çgmé~i.à. O h-ome'm dq snbso.lo·p~rtence a esse est-ágio; eis porqrr~
não há <le J:ertô' 'nenhum at1tuçlts ténnlnfjc,ªs .qut: rião ·encontrem um
@ca :em sua breve confissã.o .
U vimos o homem d.o sub,t~rrâ.neó n .a '"s:ólid.ãa" :e no "deseng.ajamento 1
'

P.asse:mos a seguj-lo pg'o;í'a em seu ·"éiigaj-arne.ntu". Zve.rkov ,é seus. ami-


d~ o:i:á fama.
~Q$ê sé JeyáT1taram -da me-sai vão te-rm1nar a festa '!Jt:Jma <':a:$.a
O pa$~é1õ des.de-'nhoso p~o têm ri:t:ais rnzã.0: cle ser. S.erá: gue· .o hérp_i
subterrâ.neo vai {in·alrtrenc-e· levan:tar 6. é.~rc.ô, vokar. para seu .quartinh0
e tetomâr o fio cl0s antigos devaneio_s2 DanÇ,1,lrá de d.~ ruwo "sohr& o
11
laf5'à de .( :9Jl10:1 .e &ílar b papa no Brasil";, Passará ~l-e a. cu_ltivar tf)áis
uma ve;z. ''o bel_ô ê o suhfirue''? Ntt(Il _por sornl:}ra, Va'i se la.nçar ao en,
calço de seu mediador.

Enqµant9 ó ·n:::tedràd~r estiver hnôvel não é difícil simular a "c0:01:empfa-


1
Ç:ã0 s~rç-oa ', ma·s a.~stm que o (dolô sé :esgueira, a rnás.c.;ara ·da ·índi,f.ereraça
r.;ai pará rolar- ua pGeira, Emraa.se1 a.9 qa.e p_a_rece. ·n à_.c_laridade femfvd
da veyda<le. Dessá claridade o homem do subsolo não pqd.e sct prote-
get·cçm,p.le,t;ah}<::nte rna:S ~!~· tónc5_egU!í! ãr:úIViar ·seObr: ful 6>ur: Nós o vemos
trotar, com a espada: da· o.bse$sâo. :no esJ:)i,IJhaso., à pr.Qcura do abgm-do
Zverkov, mas. 11ã0 ct.assim q-u~ ele próprio se-v~rá EJe re[>Udià.os stmho~
t5túreis da· ,arte 1:>efa ãrte; -d~ :de.dªtc1 pr.eF8ri0~los aa dum oor'ltato. com
o ve:rn, fun suma., ele ·constró·í para si Ur'r1ª do.utri.nà ·.do- e.Agajamento,
( lhe §,em pré necessário. apresentar como e.s:cnlhido aqun~ que· rfü.o ·im
há esc0.Jha ~lgUma. D.o ~ho de .su;1 nova ''v.érdade1', 0 h0mem do fübs9Jo
contemp.la ~heiq de de_s.p.rézo: 11.0- beJéi e Q g1.blime' 1 do· passado:,: d~ tidi'-
ei.tli:za ~'s ·qLümera5 rnmân:tLcas; que ainpi:J. 0 jüstifieav.q.rn a ~e.os· próprib-s
olhos um instm.te ántes;

Edrn, ei-lô, pó·i~, ~ste cç,nt'lito cbrn a rea.f.ig,fd,e, mun:ntJ'feieu desc:endo


ci~s,;:ITfr~ada:tnenre·.es<oada .abaixo. Não se rratâ 1ná.i1 clã partida c{o p~~
pàra: O Bfa!ill, n;m J;.~ 'l;rat;,i mais do b:a:.lk S'Oore •O .la~ó :d e· C?,h1b ... Tn és
úm míseráv~J pôr zorirlbâr dé tudó j~s.o ne~te momemo.

198.
MENTl_~.A. lWMÂNTICA r ·VÉ_RDJW·J: :~0:M.A,N'f'SC."i
A áltím.a obseTV?lçã'° ·é particularmente sab:o.rosat o h0met;n do:'SU.bsofo
s-e ée.t;isui:-ã pôr s-C'. mõstrcir dewasiilclame-nt~ .duro pêu:á com seus: próprios
'"erros''; Doswievsk.1 9.ãp podê l'e\r~la( q çi:Ltm:í dé Seu herpj pem lançar:
ama [uz; implac.a-vd conquanto saJutartambém sohr:e rpd_as,as destiilpa-~
g,ue nos; ~jud~m a.. viver. Há urn :I:io.cado ·cl.e '1e~istenc-i.alismd; n0 subso-
lo;, há surrealis:rnq ob ptjméJro $.tavrqguirl~, aq1.tel½- q.ue be~ja· na boca
.as mulheare-s ·de· funcionárias T10S' b.aile;;. ~e s'(:J'.bpr,ef~itura5. O tQmMcFst-çi
riã9 t~qu_ec~ nem. aq:udes ;que santifieaoro terwr, nem aqueles qu~ san-
tfftçarn a <ii~vassi'dJ(o, ~(;ni PS. disd'P4Lõs de Sai·pt-J.ust1 nem 0s alunos·&r
man~uês de Sacie_

As ~stdtia.S de tup 6r~u1ho p.emian:e-nt.emente ocupado em teneg.a·r


s·e(JS dea~es $~ eo~arn.am em persçfnag:en:s- de fk~ú f\jl obra. dé D0s-
roievski,i nos d<rparam:os .c0.m ~fat nm,; dfas .ó~ hoj.e, sbb. ã" forma de
t.eoria_~ :i:Hosófkas e ·estéfü:_as. Essas teorias. 11ão f.azem mais d0 qu~
t~dktir o d.eséjo.,- e.t~s o díss:\mo.lam úà p$rt.e tecôndWi dess:ç!, retie~-0; }â
Dostoievski 0 revel.a.

É esç;reverid:ô ·-O S1~bsa/9. .q ue _Dostoievski tei:ti;, p.ela prime.im vez , :acesso


po1 p.lano da·revela-çãõ,rbmanesêa. Ek escapa à í ndlgv.ação e ~ justi tlcá~ão
egoístas; renuncia.aos frutos. lit.erártos·p'p s1:;1bs:olo, ao "bdo ~ ao suhlinie"
de N-ai[es·~raiicasP, ~ 01,'iserabilidad~ d.e Gente pobre·'º, Ele para de €.nam.at d~
en-gaj1:1meDto ou ,dé_sengaj'am.çntQ a d1st_â11da_Irni;i.táve.j dâ fasdnaçã0·. E
descrnve todas as mentiras. das qµEi'i$ r{;ie -~?tá se .ctêspten9'enc{o. A S"1lva-
Çãb: do homem.{:: a sâlvaç,ã0 do ro:ma'1Kts:t-a não .-se distinguem.

Só .um contI;3S_Sel18b racli'cal sobre a tnensag:e m de sµa obTa nos p.e rmité
ane:xaT Dostoie-vski a nossas ,pr0'prras m~ntfra? .e çenovar o paradoxo ~a
cútic~ rom~:otita. anexa.ndo~se 8' Dom· :Quixote ou a Ô Vermelho e o Negra.

º Edição bras.iieíro, ''Píôdbr :Oost'ói~v5~i, 'Noitf,_S, brfa11cq,s. Lêd., ~ãç Pa!!lo:-Edft9rn 34,
2oqs·..(:N '. E.:.)
I{) Ecliç~o em potwguês" Hódqr.Qo.swiev.ski,, Gen1e710.bi:e. l',ed. mircarena/l?ortugat E:di-
tbri-al fa.esenç'a, ::t:006. ,(N.E),

199
Ç;~r'flll)..O 11 ,_. () r',P.ô ,1:ut>;,.;:i~ o·O'STÔ tEV.·~Ú( íAl'fO
A analogia· erttTé todos es.ses mal-entendidos nãô deve nos srn-pree nder:
uma mesma necessidade gera, à c~da vez, uma mesma t()lifusã'.o entre a
obra r_o niane,s,ca e a obra romântica. É o prqprio de.sejo metaffsico que
sugere às interpr_etações aberrantes· de todos os romancist.as. Constata-
mes, mais uma vez,. a qlié ponto o mal onto l6gico _possui ·a habilidade de
tránsformar .o s obstáculos em rectrfSós e. ós ·adversários em atíados.

lnrerpretat corre-tani.é_nte a obra de Dostoiev.slü é désé::ohrir nela a re-


velação do desejá, m~tafhlco em sua fase supr:~ma. Paii: réâll.zar essa
tarefa, tem-se primeiro que escapar d.a ilusão que -acompanha esse de-
sejo. E é éXátáme nte dessa ·ilusão que nosso unTverso está imbuído. É o
desej_o "dostoí.e.vsk iaoo'' que triunfa ·entre nó.s; e a prqptia popularLdade
d.o romancista msso nos tra.z uma provei paradoxal .desse fato . O pro.-
blema que Do$"toíev:ski colo<::a é, portanto, especialmente complexo. A
verdade clqstoievskiana n_ãó é.- ném menos fraca nêm menos despreza-
da do que a· dos dé.mai~ r:omancist~s . <!m contrapartida, as ilusões que
Dôstqiev~ki denuncia são inc0mpqravel.mente mais vigurosas, hoj,e em
dia, que as iltlsões d~nurtciadas por Cervantes, Stendhal , Flaub.ert e até
Marcel Prnust. f na literatura, CQUJO serup.re, qae essas Llpsões encoo-
ttam sµa fonna de expressão mais ade-qu_a da. Logo, revelar a v.erdade d.o
romancista é revelar .a mentira de nossa própria literaturà, e, v ice-'Versa. Já
havíamos constatad~ essé fato e vamos çonstatá-lG novame nte .

Assim que oferecemos re.sistêrida a seu pre-stígio., o ne;orromandsm9


oont~porâne.o nos ap.arece como algo ainda niãis .absm1to e mais gut-
_mérico que os romantismos àbtetipres·. Todas estes, s~m ex.-ceçã.o, exa1-

tàvam força dó desejo. Até O focora lista e at~ Os Jrnfos da terra de Gide 11,

1.1Edi·ções brasile/r.:a,s: André Gide, O n~oral/sta·. 2.ed. Ri9 de Janeiro, N9~ froi:ne,ira,
1983_; e Osfmtos da trmi. São Paulo, Círculo do Livró, 19~9. (N. E)

~ºº
!-.IENTI RA R/ )M ÂNT I C A !; VF.RDADE RQMANÊSCÁ
o herói é® ser do clesajo mais imçJl.S0. Esse des~.jo im~nsq .ê 'G:tÍJ1foo· de-
sejo espontâneo. Ele se opüe an tl-esej0 <los Outr-0.s que são ·sempre mais 0

'Í:rnco.s porq_U:ey s:ão ·c9piqJos. O rnrr:1ântii:;o· não· pode, mais esconder .de si
mesmo o pápél qué clesernp~Õ:é!:a ílJlJt'.9,~9 nà gê'11es:e do .eks~Ja mas. tia,
:sqa file'J\t½, ess·e p.ap.el p~nn:art~cê lig;adç, a urí_l enfraqueci'meoto -~R des~-
jo de oíigem. A cópia do .desej:o eQ~racla como.u.m ~~c-q]que u.rn ~nto
~
.gro.sseiroí 0s desejos copiados são sempre nmjs a.pagados que :os desejos·
:Qrí~lnpis. hso $ignJ6tt!, e.m ·outros termas:,..que esses;desejos ounca são
s d~ejos ~qu~ks gü_e .nos parecem.
ô~ no~sos: de fum, s:ão :$Ç'.mt;,Je nqs_so_
os ma_ís intensos .de todos, O româ_1)üçô pétísa. r<::_Sgi:rà_rdar a ·atlténtje)clã-
de tle·seu des€jo ao reivindicar papa ti 0 :des~j:o rna:i-s violc;mç>.

O roroantism.o cQnt:empotâne:o parte. do princípio ·inverso, São os Oufr.os


qü.~ d,esej-am i'ritensarnerlte·,: ê t herói, isto l, o Éu,. que ·d~-s~'a fra:çam.en-
tt õO atê: i}ern des·eja mai'S! l\oquentin .desej.a n)é,l:f0$· tais~·~ é ~s d'eséj:a
al'en;C5J,· in.tensam~ente que o.s pi.lrguese_s. de B01:1v1H~i q:e.sfja .ó:;íq,ós qu_ e
Armie. E ·a únk:-a· pers.onagem de. ANáüsea a saber que a '!a-ventura:" não
ex.is:te,, isto .é, eyué· o· desejo ·exótico., o dese10. CTiéfaffaico: :é ·ile.r:npre de-
é~e::tonante. Mt:ursault, d'~ rn,~~ma fõrm~, s.ó terr,i d:esl.'tj'e>s 11 pát:\.lrais" e
es,r}óntâne-0_s) i_ sto ~' Jil)iitàdos, fl:ru.tos ç setr) fi,ttútb. J ambém ele· re CUSi:i a
0

avent!:lftlit q1,.re se apresenta .spb e). foti;rt_q; 'de uma· viag~f!\ ~ Patis. E)e .sâ_hé
pei;feitamente ·q ue é o desej0 metafí8ko que transfu._g ura· os longes.

O p.riméi.tQ rQilÍ;ântico ten~va proy.;:ir SlQ ~$pónt,foe;:idadi;!,. isto .é,, súa


âiv,ndai:fe, des~jando mai:S int.ens.am·ente que o·s O~ttro_s. o segund'o fOc
m;[gtko tenra provar ~"\-ata:ment_ê ' a n;i.esllµ3. .cdts.a p0r ;n.1<:ifos cp·ostoS:.
Ess·a- revir-avGJta se torna· nece·ssárba. pela ap.roximação. rfo mediador -e os
pro~es.so.s .c onsJant.~s da :vei:dade metafisica. Ninguém mais, ,00s dias
dé hoje, acredita nos .bel'os êf~_e-jo:s e-sp:Qntâne'Qs. Pgr erás: ctá. pa_i,xão fr.@-
n~tiça do. tn'i.meiro -tdmanti~mó, bs ·.m~is, i_tJgênuos ')dei:it'iijcãrn ·à sílhµéfà
4o w~diador. Entrasse· er,fím I;iQ (ijµe a ~ra. NathaHe Sarraut~•. à tahdQ
Stendhal, chama de "a era da desconfi:c1nça" ,.

30·1
C.A.PJT'ur,o r: - o A'POCAt.ll'Sf D,c,.g-f{·))l'VSK!ANO
A vi_olên<:;ía do· desej_o não é ·mais um crite;rfo de espQI:!t<;1.neida.de. A luc,/:..
dez de nossa é poca ~b~ n~conhecer a presençª dp S.agrado nos desej'os
que pareçam os maí.s· naturais. A refl ex-ãó contemporânea descobce "mi-
tos" e "mitologia" e.QJ c.a,da UTI) de '.n o~sos desejos. ó século XV'Ul d~s-
mistificava a ·r eligião, o século XIX desmistificava a história e a filologia,
nosI,a· ép-oca desm istitka· a vida, cotidfana. Ném um úni_co desejo escapa
aG desmistificador paci.e"ntemente empenhado· em construir s:o br~ todos
esses cada.veres ele mitos ó maior :m ito de ,tod©S, o de Sêl!, próprio des-
preridime11to. Só ele, ao gue pàreç;:"é, n.tm..ca deseja. T rara·~se sempre, em
resumo; de convencer os 'Üutr.os e sobretudo de convencer a si mesmo
qlfé se ê perfeita e div.inamente autônomo.

Assim, cot1Stataniós mais_µmá vez que a luc idez e a cegue.ira çrescem


~conjuntamente. A verda:d~, a partir de então, flca tão gri tante' que é
preciso levá-la em cons1deréfçãoi r;1em que sej a para escapar dela. É
.essa hédl'onda. ·v.e rdade que arrasta o suj"eit9 para ·m entiras $C01pJ·e
ma,~ delirantes. 0 $ pi ime.iros .român.tic.os p.Jsfarçavarn l;eu desej~,
mas não negavam ·suà éxistência , 'A ascese pa ra o desejo só c;ausava
estr-agos dentro dos li.m:ites dp jardJ m públtco_, do salão e d.o qu~rro
de dnrmjr. Ag-ora ela assola tdu.n falmente o âmago da ·consciênc ia e
o monólo.go interior.

Ao herói do t;r1_aíor desejo segÇJ..e-se ô heTói do menor dese]b Ma.s a dfvi-


são·m.aniqueísta entre q Eu e o'. Outro·, não clesapâ.rece~; é ela que go:-,ema,
sigl Íqsamen te 1 as metamorfoses do hcrói t omãmico.
A exc.eção continua
se t9ntf~po11d<Y à nonna· como o Bem se .co hlt?PÕC: ao Mal. Meurs-ault
é' o únieo inoeeote mim mar de culpados.; mo~re vitimado pelos: Outros,
como morreria Cli~ttértón . Êo Juiz de seus juízes, como rodb's os ro-
mânticos que o preceder:am. O baói cóntjnuá escapando da ma.ldlção
que seu cr iador lança contra o restante dos. homens. Há· s~em pre al.guérn
que desfaz, beJti a tempo, a aposta .no j ogo romântico e esse algu,ém é
obrtgatonarnente EU, o autór, antes de- ser EU , o leitor.

:-ip2
M ENl'l!lA RO M .fi.r-l T l t.A E V F.1(D.AD E RO /I.IAN1:SC,t,.
É. es_sá vetda.dt elo neortQríl.i:lt1t.isn-io ·oor.vte:mporãnf0 ·que :l\loert Camus.
r.evela,, sob o xrê:o: d '.é U:Ql..q; /lL'e~t>ría tta1}'~p'.afenté, na obrã admir'~veJ ;tt libê-
rad.o~ que,é A Qúeda ,:,., Superando o .romantismo inicial, ,q. roma_rttj'smo·
de :O fatt,HJíli.i'f:b e d<;: A Pestéü., o: esc':fitcn ·denun.cia ná literatura engajada·
·e na Ii:terafura: ies~i;lgajad:a tentà;t'jVr.1s. gêmeas de jBstHiéaçã.b. .Como Q
Subsolo.,. de Dustoievski1 es-sa obra fica aquém .d.e gµa·lrn,lerrecon:ti1Í},ç~9;
como. O Sü/Jsqló, eÜ1já ultrapassa o romantismo, Albent C:amus faleç~v o'ó
mo.~ @to en;t q~e., sem d.dvida,, uni.a cçirtç ir:a novà.~:~ a.briá diante dele.

DejDb'is de t,érern se 'identifü:ad,Q eom o herói d p, ma.i.G.lt desejo; Q!J, léi:tó-


.t~s r0IÍlân.ticps _se id~nüficam,, nos ·dia.s de '.hoj.e., é.©m o: .herói do me11or
d~~aj0. Ele,s· se hleJJtifiç~m a_
inâ~ d.ocí1mentê cqm os heróis que ·ofere-
cem enquanto mo-dilos sua pai~o pela autónônlia,. Oo:m QLrl_xo'te, thst1g9do
1_:>~la. mê sm~ ppfXãô., se identificava t.om Arnadis. de Ciaula. A mit ologia
qu~ àl_ (rt:J enta a: ficção Córité111por-~n~:a çptrespQnd~ a um esM.gio. 11<.WO
da desejo metaffskn. JD\!ns;a1J.10s· ser artti)To.(I;lârltJcos p9tq1Jé r.é;pudJ~rn~~
ferr.nina_rit~m~rJté os r.omantism0s, anteriores., N0s n.o.s· assemdb.a!Jl,os a:
~ste_s ·a migos çl~- Dóm ·Qt:ri;~Qt~ qµe insi,c;tem éDJ. quen::F curar ·o infeliz,
.de· sua leucma, porqu~· efo:s prqpr~os sã:0. vít.lmas d.~s.sá dern~nt ia (lufua
Fcinna mâis gr:avh.
,.

Tao l qg0 o súJ~tto dê:~çjánte p.er.eeb~ ô p~pt I da imJtãçã.o em seu prôpri0


desejo, ete tem qrre renµócía"f a.õ destJo. ou i:enünt:.iár a sei,] =
orgulho. A
h,cid'ei: rnoder-ná clesloc;a e amJ,')lia· o prnbJ~ma da. asc~se. N~o. se ·trata
IbàíS' d~-re-oun:tiar môm~ tantam.e-nte ao· objet'G: para me!h0r possui-lo.,
mas·.de renunciar aq 'de·s-ej'b eni s'l. '1~ [)f.ectso. é:Sêôlher €'n tr~ P. ó:rgúlho ~ .®
de;sejo·, Já qüe- o :d esejo faz de nó~ escravos.

,:i E.dJ_ç ãq brasiJ.eirà: !tl~e rt(:ppiµs, Ai'/tt,cdn, 12,td. RiA de,Jan~ir,o; Record, :2uoi. (N.E.J
1
:~ Ed_
íção bH~~Leira; Alb'~rt Camu~, l4 peste,, 9,ed, Ri.ô ddant)ÍEO: Recotd1~ t9.9ei. (N.E.;

fü3 :

'CÁ'l' IT'( Rü r_1 ...co.('r Af<)(Allff~É Ü\ 15'.WrEV$ KI/V'Jt~


O não~desejo volta ~ ~er um privilégio, corno para o sábio ariti-go ou o
santo do cristianismo. Mas o sujeito .desejante recua, ,apavor,àd·o, clianfe
d.cl idé ia da renúncia absoluta. Ele pr.ocura .es.capatórlas. Quer compor
pata sí un1a personagem n.a qual a ausêncià do deséio não tenha sido
p:enosamçn_te conquistada sobFe a anarquia dos i11stint.os e<! paixão me·
'tafísica. O her6Í ,s.on.ambúlico criado pel.os mm.ancistás àrn~icânos .é a
"solução" para esse problema. O nãc;> d~ejo desse herpi nãq lembra~
na:da o· triunfo do espírito sdbre as forças más. nem essa ascese ·prega-
da p<d.1s gra_nde:-S religiões e pel0s huu-..anismos sup~dores. Ele Lembra,
sim, ut:n entorpeçimenw· dos ~en'tid.os; u.m.a perd;:i totàl ou ·parcial da
curiosidade vital. No ca,so dé Meurs.ault esse estado· "p(i"Vile_giado1' se
confunde com a pú.ra e-ssêrtçia índividúal. No caso de Roquentjn é UI)1a
graça súbita que, sem que s~ saiba por.quê, <lese!! sobre o h erói sob. a
fótrnà de itá.usea. Ern:muitas outras obras a estrot1,.1rQ metafísica fica menos
ap~reqte; é preciso exfra.i"-la da ficcão que a expressa e a dissimula. O
ál.c.ool, os ~ntorpec·éhtes, a dot físio muito imensa., os excessos eróticos
p;0dem destruir ou .e.m_bo:t<!:r ó de~~jo. O herói atinge ~ntáp: um estç1do
de embn~tecimento ltiddo que coostitui a derradeira das poses românticas.
Esse nâo-cfese.j"o não tem nada a ver, obviamente., com a abstinência ou a
sobriedade, Mêü; -o hç:rói alega realizar e0m indiferença, por si.Fbples e::a-
prich0 e quase .s~m s~ dar conta, .tudo aquilo que os 0,1tros·reali;zam por
d~sejo. Esse herói sonambúliço respíra "111á-Íé".Tenta resolver o cont1jto
entre orgulho e desejo sem jamais fo.rri:rulá lo claramente. Talvez ·sej'a
0

r,ndi.spensávd 1Jm orgulho mai-s extremado p"ar.a c(:)]ocar a questão com


franq"4aa. Paul Va!éry, oa época de,Mo7'!Síeur. Testr, tof\l, o pt,i:rtador desse
orgulho . O pérlsamértto valéríano opõe o vaidoso que deseja pelo Ou-
wo e para o Ou,fro ao orgulhósú que não deseja mais senão seu próprí-ó
nada. Sendo o úniGo individualista genuíno;, o or~lhoso nã.o foge mais
d.e seu' nada pel.o desejo, faz desse nada, ao fim de uni-ã ascese radical do
espírito , o objeto em si de séu d~sejo. A :mera é" ainda a autonómia. djvi-
na mas a dfreção do esforço s.e inverte.. Fundar rnda a: e'Xistênciá sobre

304
ME NTIRÁ ROt...lÂN T l(:A I: Vt'.RÔAOE R'OMAN E.SCA
~slie "vazj'o ·q,{;le se leva c;l~tro ele si é- t:rãfüfotmar a imp.otêricia. em pode""
ãbs9.luto, ,ê p.Ij;JplJar a i}}:la deséJtç. do l<'.dbii:rs0n ·írt;t~riôt ãté. á~ ptppQtçõ~s
d o infinito,.

RetiraJ· todas -as ·c9.i:S:~~ p.áfâ C!lW ~ll 'Ze,ja 14 \ .(xd~u:ná a sr. Tes1;{:: em.seu
11

loJ-b'éiok. No lWlit~. :t;náximo d;o âespbÀ,am·ento i·nteiiÇir, 9 órgul110 â.e.v~


conseguir apodera.r-:se de s·1 mesmo na lu:z de 0rjgem cle um Eu ·p1.1m.
P::iss~r d·ª vai_chgíe ao ürgttlho é p:assar do ·co.mpaliívd -á0 incomp:aráv.e.l,
da: .di_visãq à m1id.ade, da ãn_gústía ~soquista -a{) "dt{$pre:z~ sobtr.altâ''.

.
A meditacã-o rüetzschea-na está tocalizada- numa- m@sma. d1me11sâo·. de
to._div!d!i_ali~mõ qú~ o ~ropr.e.ern:lirnentc do-s.r. Te-ste. A sup-e.F,hurnanida--
de· S'~ a.s s~ta)'á ~obr~ uma dupl~ ·rçn.tíntia ·~ transçen<i?J'leja ifertrç~l e ~
transcendência.desviada. Zaratustr,a se- esforça em p.enetTar no S~f\ttlári o
de sua pr6p:ricl. exisJêoç;ia ao- cah0: de un:ia ase.e.se purificadora anáfoga· à
~:scesé re1igiosã ma:s em sentido lnv~i;s.o, E~sá an:a.l~gia é pçtp.ej;liarne.n'f.e
-enfatizada pelo ·e-s füo -e ,as·i_m..~g.en_s,bfu!ica~. A~nn Jalatfa.Zcrri:itus'tra'',é um
novo eva_ngelho que· µõ.e fim .à ~rit'cPi-s.tã·.
O qrgulho. Q~o ·€ ma.J,s a· m:t'ftna~ãq _natural ·do. hom_ em ~ sim e! mais de-
·vada, a mais austera de todas as ·v ocações-. O 0rgu.lh0 naá se mpst;ra
mais senão· rode.a.do dt·sua-s \'1Jrtudes. te-ologais. ·EJ éonf€s:s,gr, da sra'. Teste
recbnh_~ce _n_~s.se cortejo toclt$ à~ vi.rtu&~s cris:tã-s à ~.xç€ção úf!icam~te
ia: G'.aridade. O pensador nqs pTop'à.e u m ideal de <qHci.~e ·santidacl.e l"ieh):
próprio a ·sedü;dr o~ mais n0b"Fes-e .m..ais fortes esp'Ítitos.

Corno Dosto~evski encar~rià essç1 sup.r~n,ta tentaçã:à qtié. Nietzsche e


Valé-ry murmmam aos homens· d0 ·s.é calo XX) Zaratastra ~ o -sr. Tes-te
da
nos. par~çew .e-star a n1il riüÍnas ·desorderr-1 suhten:âA,ea. Será'. que- ess:es
h~róis nâ<;r esçapa:rão àO pt~·so clê! çohd~naçâo -gue o rqrn"aneist~ rus·s9, -~

i. M11iisreu1Teste, P- -ST..
'~ EdJçâQ b~~Ü(;ira, f_itedric;J-i l'>hetz.scJ\e. Ass.im jala,,za, Z.11-rnh~tr~. ·2.~d P'erróp,oHsZRJ:
Vozes1 2008, (N.E)

CA PfT LJLó , 1' 1 .. .o, A.Pó C_Â_llPSsf ·DQST 0 1f'VSKIAN-0


sobre 'as-·cbst.as .dás ambj-
a~rá.s defo toda. a literatµr:a r'qrrianes.Ç~, f)"Õ(':U]
ções promcreica:s?. Para ·resJ)anq.e;r a e%a Ptrglinta ·suI_?tenl'? ~ ·net~ss~rio
·jnte.rr~o~r n0varoe,nte Os Demônios.. É n essa. obra inesgotável .qu~ se q~-
·sentõlã o yerdadtj'ro ,-d@logQ e:n_ti;e Nje't:.z~d1~ e Dostoievski. Q. enBeº
nheirn Kirü~v;, go dtddb· ;suicjda_t-se por orgulho, ;dª jnjdo n()· p.o.nt-0
de.cisivô à pàFHda dec:'is:iva, imiefin.idamenk 0vitaqa até acttês (jde.

O pén_San:itfntó de Kírllo.v,. taJ çôino o dt: Ntrosche, .se deseflcade.ia


a· paTtir de uma ni.ed_ita:çào sobte Qi;stQ ·e o· âestin9 do Cristl~.nl~fím.
,Cristo lançou Os· h0men:s atrás dos rastros de D~us; fê,Jos enn:·eveJ a
=éternldad~. O e.sfofrço impoten,tç'.- dQ$. l;ipfuens re.cái sobre,a humani.dade
e ger-a o µ~jvers0 :atrõ-z da. ttan~ce.nd~ncia d~sv,Íjlda. Sç- não how~ res 0

surrei(fâu, 5e as leis namrais nã0 pouparam Jesus, ess~ ser 1nC"9tr1pa#vd,


o tnstiani~mó·é nefas to: dev-€"-s~ r;eti.unciar à loucura de Cristo., deve-se
t~\l_nGtaf ab _i11nnito . Deve-sç· 'd.estnftr o univ.e;rsp p6:s-cristã,Q, Deve-sé
insfalar o homem no çá embaixo p,rovanci0-l)ie" ·qut sua lgt: é a un.ioa
kw. Mas não b.astà negar a Ueus tom descas:o só para s.e livraT dele. Os
hõqretis nâo pôderrr s.e ê~ql,lecer dâ: 1eí cfo Evanwelh0., ess;:.i foi de amo;;
sobre-humana ,q'l:t~ Sllq {raqu~za transfornrJ. em ld .d.e âdiô. D'iante da
s.~ -é!baoda in:femal dos Dem:ônios, maculad:o.s de crimes e de v~rg~npa1
KLri'lóv féc:onhete 1él m0rdid~ do divino·.
É a ·se de de imort\ahda:de .q_ue transÍlguM 0.S !iesêjós d0 .Cristã.ô. Nem: à
cíê-ncí~ nem o hmnanis·mo podem máJ:ar ess-a sede. Nem o a'tdsm@ fil o-
~çi:fü:z(j n~m as atôpi'ã s sotiai~ de.ter'?ó e.ssa p~rs.~gµrçª-b desvairada ~ri:J .que
c;-ada qual se esfc0rça em roul?~r d0 v'i.zinlw lJTqa: :divin'd,à'.de~fantãsma.

P.ára t)l')tJJar e cristüi.Aismo é nece~_/:1rid inverte1;1 ·a aorrente do d.esejo 1


d'és'Vtá~Jo. do· Ou._trô para (,j tu.o~
hó~en$. dei!iperd.tça:m SUíl- energià ·C.Of-
rend:O ,atrás de D:eus em outros lugares que nàq _seja:m_n~1~s pt6pti_bs.
Côm ô 2:arànts:tr.a .-co1:no o ·s'r . T est€, l«.irifov q.1:1er a.d orar selil 0ada, Ele
qµ~r adorar o qq,e cada um de nós d·~ o.bre .d€ .r:fi~S nüse:ráVt,Ü e de mais
humilhado na p.ane '® i.s pm'f;und~ :q.e Sj :rn.es:rn~-

306
Mapal empr.~~ntl\me·n:to, .n.o c,~.'s_ q cldé, nã_o tiGi- no ês.tadQ de n.o~ão. K:_i-
rilov. flâb qu.tI'F e.-se:::rev-er. um -livro. espantoso, .çl<:: q-µ~r encarnar o é.spítitó
tn,'1rn -gest() -det.:ísJvo . .Des€,jat se.u nada é desejar-se ,n o p_onto mats fraco
cf~ sl'.l'.a huma.n.itjap·e, ~ desejar-se motfª-r, é d;esej_ar-se rn0.nto.,
Kirilov ·es:Ji)tn.a, ,ao .se ma.tar1 ligaJ'cse a si: mesmo. numa -p,osse-Scsãnver~·tgi'-
nosá. .Por·q9ê ék :situ_a ,es_sa·conquista na morte? A morte ,. dizem 'a:lgans,
oão ckve nos p.ermtqar, já que não pa_ssâ d.e pmç1 idéia, J~ qu'e se .encdn-
tra senrpre de fora de ·Aos-sa .experiênda in.di-,.\dttaL
Kirilov· <::stá .d e ae:ordo; a ct~rnidacle .mora ;n aturalmente etn nó-s,i j:\ ,i-dtia
t©da está a(, mas nã9 bast_a ~f!un_çiar essa i_ç{e.iil, ê a'indçr ptecítp .Pr<ivá.-1~,
É pi-ê~i$õ prõVá-la. ~Q bo~ro coo:oinpid0 por do.is m-tl .an:as de eristia-
ni-smo. As .co.r=iversas füusútieas nunca ·impediram. n_r_n,gu.êo:i, riétn tn~.rti'.ô
os·füósofos, -de tern:ey à mçirte.
At,é. K.irilov· a~ p~ssoç:s: st m_at'a,va'J.I! - pi;:>i ést.ranho· '.q ue p-aYeça - por
temor à- morre. As p~ssnas se- _matavam nto Qàta rem.1T}ciar ªº ihfil)ltQ,
mas por temor ·_á es.ta Hnitude à ,qual pensavam estar conde:rxada~ pe-1()
fracasso 9,0 desê;éh Qnartt'o' à K.irilo.Y,. ele ~à.i se matar sem outro desej,o:
çlo que o ele eç'ti;ir mon-0 e de ·sc_-r ele prôpti_o. n.f morte.

É íqipfe:;.ci.ndíVd que. wn homem , o p.ri"mei-ro, ouse quer~r seu n?'[dà


p.ata: pettpitlr à hüll)ahidpcte fotv.ta fond_a.r sobre ess.e nadá t-oda ,a ·s ua
ex.istêm:ia-. Kir"itov m0rre· p·éló~ out-ço·s tanto ql.iati"tó po_r s:i ·rne$_rnõ ,
Ao gu.e.r~r su;;1 _prôJ.ir:Pa moTte e ao _querer .tão so.meme -~la_1 entap\rl<).
ctbm Deu:s u·i;n dt.rélq qU:~ esper:á 5ti d,çc;isiVô:. E'.le que-r mostrar ao
Toclo.-pode.rnso que~ melhor d~ sú~!i àrn)a~, ó' térrçi,t da, m.o fte, per-
de-u seu :poder.
Se-0 he.rôi.çon·següir m:_ôrrer cq_mo ei:rten.de fa:qê•lo, gã_nhaTá-t::ss.â éomp.<F
tição &\gant-esca·. Eleobr1g~r~ .a Deus-~eJ' Dêus N::Ystaqµ_e f ~Q e~sta-
a afrómcat stta :dominação m'.ilenar sobre os homens . Kfrilov ·tl\orte, para
atú'.gu'il~r de· t.Wta. v&-.po_r io-das ,o terror, inê.dia-nt'e a esperança, ele morre

101
U,l"ITULO 1·1 """ O. ABO'CALI.PSE DüS1'·0 1EV.SKI--A NO
pãra que o.s homens -ren\rricienf à 'in).ortalJdade não mais num n(v~I su-
perfkiaJ, .i;n~s no nível essendal d:ç de.s ejó.

Mas Kiri1ov frcrcassà. Em véz da apoteose serena ~ue ele cogita, ·sua
rp9rte desencadeia um horror indiz;ív.el 5ob o olhar do ser mát,s ignóbil:
V erkhovenskf, o Meflstófeles dos Pq~sessos. A cLvindade que Kirilov
<:obiça se apM'.Xima ç10 mesmp tempo que ,se ap;roxinia a morte . Porém
~o se aproximar ela se torna ínaéessível. Pode.-se suicidarssé para ser
Deus., roas não se pode tornar-se Deus sém renunciar ao sukídiQ. O
poder absoluto almejado ·se confunde, perante a morte, com urna im-
potência radical. E Kirilov cks~óbre, junto· dele, seu dei:nôni.ô de cara,
c.o ntorcida, V erki10vertski.

Kirilov ~ µreçipi:ta:do d.q ápic:e do orgulho às ·pi;ofü.ndezas da verg:0nha.


Se ele acaba se matando é n.o desprezo por si próprio e no ódjo de sua
fínrtµd~ . ·como os d emais h omens. Seú suidcLo t um suicídio comum
O va_ivérn éntr~ Q orgulho e .a ve.rg0nha,, e·s~es dois pok.>s d.a consciência
subterrânea, continüa présent.e em Kirilo.v, mas ele se limita a um único
iJ]OV_imento deuma· amp]jdão.exttaeitdi nátia. Kirilov é, -portanto~ a víti -
ma suprértla do desejo metafísico, Mas· se.9.tmdo l(twn o engenheiro pode
ainda desçjar em ta'is qf tunis e profundezas vertigjrJo-sas?

Kiril'ov é ·obcecado por Cr~o, Em seu qt,t~~to. h.á um ícone e ,. diante d0


ícone, círios acesQs. Aos o lhos lúcidos. de V erkhõvenski, Kirilpv é t•mais
<:tente 'C)ffe·um p'Op:e'! _Kiril ov fa.4 de Cristo um Medi;rdor não n o senJtdo
cristã,o .e sim n.o semicio ptdmetêico, tio sen.tid.o romanesco do teym o.,
Ê a Cristo qµe K.irilov imita orgulhosame_nte. Para pôr fim ae cristia-
nismo d½ve haver uma II!Orte ari:áloga àquela .de Cri'stó ma.sem .sentido
contFário, 1Úril0v macaqueia a redenção. C0tno todos os o~hosos é ã'
divi(ldadç de um Outro. que ele cdbiça e pa_ssa a rivaJ diabólico do Cris-
·to. Nesse desttjo supremo· as a nalogias- entre a traoscéndência v ert:ical e:
a transcendência desviaçla estão mais nfüdas do q~e nm;ica. O sentido
}ucíferJaµo da . media~ão orgulhosa frca plenamer1te revelado.

3.0 8
MEN.TI'R A ROM.A.NT tCA E VERDADE; ROMANESCA
K.iri:lqv i.rnita: ~ Cristp através· de; St<!vrogi:üfl~; essá encarnação do Esp'í-
rito modem.o. É de .Srav.rogtr_in(f :que KitHov fec~bev ,a idei~t qué o· ,éle-
vort!. A ~d.eia f,, poi5, .rnaldmsa mas .o homem ·é Q,90) e ·puro. _l<,iri1tJv. oàõ
pO'dtfia eqcarna~ a dttnertS.ão supre-i:üa êtt i1,No.lf~ m~tafíslea se estives,s~
·pri~a:do de toda grande·za:. Ek es.tá à·:;i,ltuJa da itlei·a <tu:e Do.sto-ievski t(fil.).
a.cerca ;do mai.

Aos. o.lbos .d~ tertos çtítjçot ã._s quaT.i.da.des. de K.irilov comradkzem o


·s entido aparente e, p.o_r ,as's im cHzér, /)Í'iciàl .do,r<)rnanc.e ·dos.tojevsktano ,-
Pr.oc,ura-sé tima verdade "mais profunda" ,qae Dostoiev_sJd c'ôóS~gutrla.,
li..r ye-zes, "t~c;a_k:é{r" ma.s qué atlotaria nJ.fsse:- ep1,s0d'io Gruéial. Argµmenta-
s.e que -o, escritor a-ca~ pt1t Wmãt s.uã. pers'Ona_gem "-s.impãtica", porqut!
e~petimer(ta para çorn sua caus-a uma: s:í-rnpati;a sect~ta.

·o ,suídd.Jq. de Kiril0v é- LI.mel .demonstraçã~ crtj<J alcance prnvén, inte-.


;graimente' das viTraçíes q.d. he_rôi. K.írilç,-v, tê m q_p.t .S~r boo'i, tal como
St'avrogiií'11.e tem qU:e ser belo e rico., É p.redso que ,as.sim ~ej~ p~r~ que
os 'fá:éil:)~íni_o~ de }<jt1lo-1i ~- resp,e;íto :do .c:its't iani,;mo -se v0lf em tonna
ele: Se ·e sse her.ói 0ão po·d~ ·ruotfér em llí'(Z, ~ct _as Íeis do pee.ado .e da
r'eden-9ã.0 o.ão -sã:o suspensas J5ata esse sam:q dp btgu1ho-, e.l,á.s riãç, serªo:
·~q'sp~·p$,JS pa;ra .tn.aiS' pi.nil(ém. Os homens con'ti.mua.rã:o .a v,ve_r é a mut~
.re1: à som.pra da 'c_rtr.z·.

Oos:totevskí é o prote.ta ae todas as deificaçêes dq rn.dívíduo ql).e -s e sç-


·cedem desd~ ó fjnal d'o s~culõ XIX A anterLoridade .cron0!6.gica d.a obra
favoreee as .interpr.eraçôt't~ _J'Qm~nticâs. A pte~çiêTI(i_a ~ JfüJ·1ürpr.eead.en-
t.e ·que~ tidâ i::or:no. 0eces5ar-iam·ent-e cúmplice. Vê-s·e 1:tri O.o~f0.ievskJ um_
precuf.?Qr íl'Qtável-, ma.s forçosamente, um pouGo tímido rios p~nsadote'S
-prom&ekos. O rorQáliçê d.ô stçiievski~ó no~ o;rerec.eria tnna primeira
encarnação do herói. moderno aincla ma.J Hbe.i;taclo .dó'$ pr1mó.rdlQ$ ortQ"
doxgs. Coloca-§:e p~:ir é.anta d:as brumas feudais. e ·religiosas ruq.-o, qu_a:n-
to,. na realid;ad~, u:lttãpass-à ~ rev_olt.a ~i:n Dostokvski e foch.a- se assim a 0

r~giâo suprema d.o gê.nio i;am,a_11es:c0. Cmn á, aj_udà çla histó.ri_a:, t.0.ma-s~;

309
CAl'Ín.tr.o I l - () .AllhC:átJP,SE _óQ'S~f(}JJ.V'$ ~1AiNCJ
p-atrlat(Qawerrti hâbitc;1 de ne-gàr as ev}.dênciás- mais gritat1tes e anola-
ô
se Dostoievski: e1Jtre o~ ha:stiõe~ da '"rnõdeniídade'1.

É: indispen_.sáve:l afirmar em alto- e· bum som a~ ifetda'des elem_entãr.~ ·= que


o c.on:formisrna i.nye,rtido d§: no.s.sa época consegue t>qrn.a:r esçandafosa,s.
D~st!)jê.vski não Júâ,tifü:ç. as ãmpiçõ~ prn:metei-e as: ele as- condena f.Gt•,
m.aimentoe e pttifot~za $~ll fractfs:Só . Para ele/ a sobre.:f.ntmanidáde-nietzs,
cheâna nâ@teri'a"si·d o rnais· que um sorthn ~ubterrâhe.o. É.Já O; -sónho ·ele
R~skolnikov, ~ o sonho -de Vers.ilove de Ivan Ka.ramc1zoy, Quanfü ao sr.
Teste, é qQ.addO; muito:, do· p.oot-0. de vista dos:to·levski'ao..q_, UJJ;J; dãndi çlá
i.nteligêrtçia. ETê se a&st~·m de desej~.t pãra que rick desejemos seu :c spfri-
to.. Aasee.se pa:rcLô destj,a in:vad.e, ernValéry, Q setot ·dáJ'·dlexão pura. A
distinção entre. a vaidade que compara 'ê o otgulho iJjCPJitlP.~.rávd é uril<1.
no.va éompar"â·ção, J.0g0 uma nova vai'.clade_

A doença.ó_nto-I.c!i·g.J·ca se .agrava se:m cessar à rnedicila quê o rp~àiadot .se


_ap@x'ima do· sújeito ,deseJimte. :Seu té1tmin.cr naturãl é a morte. O pod~r
dissí;pador dó orgulh.Q üãç, po.de S:~ êx~r.ç_e r in:deJintdameIJ'te -sem resul-
tar r,Ja cliví'sã.9, cl.epols na ftagrµe _H_taçâo e <.nft_rn na. de;;inJeg:tação. c0m-
ple{a dó or.~ulh.0s0. O desej·o cleJutitar-sé: dl~_p~tsa e. eís .cn.1½.=cl1~~to:Qs
-~ dispêfsão d«ifi.nitiva. As c0n.rradiÇ,ões .g erada~ ·peb;J ttrediaçâq ititefr\~
ac;aJ;iãm d.éstmfndo. o in.d.ívr.dJ.lo. Ao mas.o.quisrno segue-se o últ'im o es-
t=ágto do 'de,se10 cnet:afísiGór ô =eia autodestntiçâ.o; autodestruição física,
em todas as p~rso.nagei)s d.os~o'í~v_$Ri_;,inas V:·ótàdí::!s .ao .mal; oSI.ti§Ídio de
Kirilóv, como o:s. suicíeUos .d~ S•icidrig-aj)ov, dê Stávtõguine. é' 4e: Stne-r~
dl.akov; ~nflm,. auJ.0destruiÇ.ãb. espi.dtuaJ cuja ag90Ja Joi.ccn:istitp(da pói'
t0dél;g a_s forrn,as de fosõfüo. O des.feQb.oJatal dcHnal ontológieo-é'sem-,
prt;;, 'cl.i:reta 'óü indrretam:ente, um.a.. forma dé suiddio já que o orgulho, é
1ivrem.ente e~c~Jhidô.

.:ll:(j

t-1E.NTIR~ 11:0/-1ÂNTl:C.Á .E VFV:DAn f 'R(),MAN feSC.A


Quanto mais. o mediador se apr.px,ma,. ·mais 9s- f~nôme~o's ~ss.odatl,ô$
aç, clesejQ _m~fafú,kO te_ndem a assumir .Um carát~T coJetive:. Esse e-ará.ter·
.fka em n1ajQr ~v{çlê-ndç1 d0 .gVt nunca no est.êÍglQ ~r~renw do desejo·. Ao
lado, do suicídio. inclivtdual,. te.têp)os, eç_tão, em D.o.stdievski,, i:;tm su(ôdio
ou um quase ·suicídio da e:o.Jetivjd.ade.

'Ô C05f:'IXO da m~diasa0 _ineer;n.:i está aln& ilítcJ,ct(;) e01 Proust, MeSlÍ\.o e-m
Ô , f.empo ;redes.c.o&ertol a ameãça que pesa, 5ohre a ra:ris t)QtLii11ã e Írêttétiêa
d~ ,gi.t~tra 21,inda ~sfâ n1uitn long{nq:ua. ~m Dostoievski.,. pele conrráijo; ·'a$
gran·des :çe'nas t:aQJica·!, ci4s ó:b1';i~-Jfrirn.as sào ttfQ.a vérd~deita ·disj\lnção do
o
mundo do .ódio,, ~qutl;fu.r,id ~ntte:às ro~a.s· de· atra{ ão. (! dé fêpuls.ão está
rompido~·os.âtomos sociais param.d@ gravitar uns:em torno do.s .pµtfôs

Os'~spectos .çdl_t:';:tivqs tte~? 'vOn.f~d~ d~ rn0rte <tstão pq.i-tlcttl.am1enté ·de~


;senV'9lvrdos: em Os Deinônios. )"oda a, ~i'das.ezjnha, sactrilicti! p~r -~al.os
cada ve.z mais violentbs, su_eumbe finalmente.à vcr.tigem: d0 nada. Há Ucyiõ
ligqc_âo metal:ístca entte a fésta absurdç1 dl> Jd1Ja Michailo:vna:,. x1s in~êu-
çlio?, os .assassinatos :e a onda. d:é ·e'Scân_dai_os que se de.~ép:caci~1a sol;>re a
comunidade. Há um s_ó desastrn e a atividade atrapalhada do medJocye
VerkhQv:<;!,Ilsk, não _ã t~r.ia _jarnais pwv:u.cado sem :o tontâ~io demoníaco 1
$ep1 as qnJJ_pJit::Jdatl~s sécret~rs de que ~o..zà _Q e~l?rrit:O: ê,fo m:ª'J .nas· cama-
das superif::'>.res e medianas da s"<'>ciedade. ªPrndamq;ría(l)Ps a d~stt1Jú;ão ..... -
.gü.i:ncha Ver.kboveps'ki, - prj__r, que, por que é ,êSsa ideia tão tasc:i,namci"H•

A fúria de Os Posse-ssos é 'Ucntedpada. n:o~ r.b11J._à1Ycês ·a:ntetJót~s. A tnçi'Qriil


das g-r'á.ndes: ·c;enas cofot1vas,, em Dostoiev.ski.,. evoluem p:ara v'isões de
ca(>s. Em Cr.itne é Castigo 17 é .o exlrao.:r:dinário .b anqãeté fúnebre em home-
fi~gem a ~¼rnJd_âd0"'. Eni 'O Jefiata S?O a:~· g:-r~rtâ~s te.f\a~ nç1 r~Jdêõd,a de
Lebedeff, ·é o conc.erto pub.Ika 1nferrompido. pela. entrada dç Nc!stasia:

l~ Qs,pemiln(b_,, p, 37,f, op_.cit: {N.E)


:r:a Novã Cultu-
:t fal!Ç,ão brasileira: Fiódor D0!;tô.ieVski.,;(; rl111é e' castiyó. São Paulp, Edifo_
tal, 20tl2, {N.E·)

~11
ü ~l'ÍT\JL (); 1·1 ce- (} AP:OCA l.lPSE.. luO:S;r(~'IEV\iKIANO
Filip·o vna .e_a ·bofetàda ·n o prfnc.ipe Muyshkine ... E"sen\pr<:.: O mesmo es-
petáculo q_ue a..<,sombt_a Do-stoievski, porém, me_srno qµango ele alca.o-
ça o -ápice! de seu g~nio, o. romancistª- par..ece incapaz de represeatá-lõ
.em tpdo o. seu horror. Não é sua ~ginaç.âo, ~ o gê.nero. llter.árj o que
nã·o está à aflura da tarefa. Dostoi.evski ·não- pode trànspor os lil)lites da
credibilidade. As een-ª~ qué acaba:m.os de mencionar parecem retraídas
pertQ .d o pesadelo que assombra Ra~kolni.lov ~-d oentado, É no pont0:
-ma.is baixo de ~q descida ao inferno, imed·i atamente antes da cooclu5ão
Liber.a:dora ,._ que o herói ~ ví$üadQ. É nece-ssário confrontar essa visão de
pp.vor com as. grande-s cenas rmpanésc.as paTa v·islumbrar o abismo pelo
qual @ un iv~rso dostoievs'k iano ameaça sempre ser tragado<

'Sonhou, durantê a smi doença, que o mundo toda estava conde_nadô :ª


ser 'iÍÍ:lma dé uma terrív~I, inaudita ê nunca vistil praga que,, originária
das. profundidades da Ásia, cairic .sobre a Eutopa. T odos t~riam que pe-
'recer;, ex.Geto uns' t;m tos, muito p.o urns . .es~olhídos.. .Surgira umã n(J'{a
-mquina, ser micfqscópic-o qu~ sé int roduzia no cwpo das pessc-as. Mas
esses parasitas eram espfritos ·d0tados de iutcligência e .fi_e vontade. A!>
pessoas que os apanhava!TI tom,wam~se imediatamente l ou,ços, Ma!> qúe
nunca. nunca se consideraram ps homens tâo in.tel~gelítes e per'séve-
ran t~s· na verdade comd se considet<1vam estes que. eram .a.tacados pelê!
moléstia .. N_anca foram con!i"ideracfos mais ·tnfalív~is nq~ seu.e; •dpgxTia,s,
nas s uas conclus'Ões d eritífü:as; nas suas c_onvic,õ~s e creríçás-mora..is'--
T9dp~ estav.arn: alam1ad0s e nã0 se e.rit'end.iélITl uns ao:; o.urros: tod0s pen-
~avam s_er os únic.os senhores da verclade, 'e só sofriam ao. ~rern a _d9s
outros e dâvam socos. ho peitQ, chqravam e ficavam dê braço~ caído_s.
Não sabiam a quem nero como flllga_r; nã<:J podi;n:u oõr=se de acordo
sobr~ o qu_i:; fosse ·bom e o que tosse- mau. N~o sabiam a quem i)"lcul par
nem a q.uein justilkar, 0~ h orrv;:ns agrediam-se mutuamente, itnpelid]:,s
por um ódio inse'r1safo. ,s

'ª' D óSTOTEV.SKI, Ctim_e r,Ctíst/go, p. 506. (.N.E)

] 12

M ENTIR À ~'OMÁ NTH., A E VE'RO"ADE ROM ANESCA


Essa .doença é <1:011tagiosa: e, no· <tntantb,, isola os indivfduos; ela o~ jogá
uns contra os outros. Cada um acredita ser o ónico detent(:)T da verdade
e c.á:da um se aflige ~o olhar para o vizinho . Cada-un.1 condena e absolve
s~guudo sua própria Ler. N~nhum desses sintomas. nos é descorihécido.
É a deença onfológie:a que Raskol ník9.v .des<:::rex,e, é a ·doença ontológica
que, t½ndo ch_egado ao paroxismo, suscita e.ssa Qr$ia de desthüção. A
linfillage}ft tranquilizante da medicina micrnbiana e da tecnologi.a vai
dar no Apocalipse.

A vérdade metafísica elo d esejo é a trlôtte_. TaJ é Q fim 'ín~vitáVt!l da coo~


tradição que ·_h,inda ~sse desejo. Os sinais que anuntjam a morte ~barro-
tam as obrcrs romam~scas. ·Mas os .sinais permanecem sempre an;ib(gUos·
:enquanto a profecia não est;i :realizada_ Assim que .i morte- faz-se pre-
sénte, iJHm.ina o caminho percorrido; enriquece noss a ititfr pretsição d~
estrutura de mediaç-ãc;,; e c::0nfe're u'm s,enOdo; pleno a inún1eros .aspeatos
.do des~jo metafísico,.

Por ocasião da experiência que está na origem da rrrediaçâô, o sujeito


descobre sua vida e seu espírito corno·uma fraqueza extrema . É ~ssa fra-
queza da qu·ai de fo~e mediante a c:Lvindad~ ilusór(ií d'o O!Ctro. O suje'ito
se e_n vergónha de $_Uçt vida e de -seu espírito. De~e_spera:dó por n~o ser
deus, ele prnctrra õ sagrado -ern tuslo o ·que ameaça essa vida, ell) tudo <:>
que .contraria esse espírito.: Está:, assim, semp·re vofta.dô para o que pode
aviltar e -por fim de-st.ruir a parte mais alta e mais nobre de seu ~ei:.

Essa orientação já é percêptívd ~m 5t.endhal. A inteli~ência e ·a sensi-


b'ilidade de Ju1ien são uma desvantage;m no universo dQ Negro. D jogo
da meqiação ·interna se resume, como já se sabe, em esco.n der o que se
sente. O iAdivídl).o: tnais hábil nes~e jogo será sempre aquele qu\;! senti,
rá menos. Consequen'temente, não será jamais o · he_rói aúteoticamente

31 3
CAPFTULO 1 1 - o A.'RóCALIPSJ [)O STQIEVSKLAN ()
''.ap,ifi~on.ado(/ ..A l.uta; elo amo e do eseraVG e"*r:ge 'frieyã' e: fleuma anglQ 0

~.a.:xôn'fca, q~hd:ade-s queVêm a ser, em últin.ra instância, ~~;rsibtj'ldadt .


Tµdo . o que' prôpiçia. a doní.hiaçã() f .., poi d:e,Bn'iç:â.G, incompatfvet com a
''.t@mper:amemo jtalj.a·no'.'', isrq .~, tom~ maio.r _intensidade de vfàa.

A p.artk ,d.o maSO(l:[Uism01 fi.Ga inteirame-m e cli:!]'O que O dés~ô rnetaJí 0

$iéó ténd~ à à,estruie;:ão c.ompléta da vida e do. e.sp{rito~, .A ·pronrr~ pér-


~istcn·te do obstiít,ulo gilr.aiíJê pçµco a po_uco ,a eUminação do.s objetos
acess.í-v~is ~ .dos rt1edjãdóres bén:~vo:fos.- Lê)nbremo 0 riGs do ,acf.olesce.nte
Dolgnruky repeltodp. ;l velha c,ria"da que ·11te trc1,z c;orrüda,. O rna:s.oquist:a
sente pelos s.e res que ''quttrem -seCI: bem" ç,: noJo qüe· $énf~ por si mesmo;
<;:m ÇQrQpçnsação, d~ .se volta: .c:om paixão Pª"ª -os seres qlle Patece:ui
d~S_préz:a:r sua b.1;1m.ilhante frªque-za e que pm 'isso mesmo lhe· r~ve'la:m
sua própria ess:ên{'ià sçibré-humàn~. O masôquist:a, ·é claro, enco111tra na
:grande .maioria çl.a~ v~zes- ç.penas ürYíà ap'a:rê:n.Qa d.t de~pre,z o mas sua
alma enteaebreci.da. ja se dá por satisfeita. P~:r trás de$s·a âparênçra de
.d<;;spr~io pGde haver, come s~ab~mos,, o o.bstácu.l.9 mecârµco de um d$'.'-
'$ejo. éeôfl~ôrren.te,. Mas, p.o<;le tí:!mh.ém .haver outra ceisff. Nã'o é 'GJ de~ejQ
de u.m riva:J qt1e- ·coleca dif\nte çle nós: p oHs,táculo mais· mad:ç-0, ma.is
.inerte e, cons€.qUe.rrtem,e.m e ÇQais irtrp],rQá-vel;_~, a11t.e,s, a a'l;cSêAciâ t:.otâl
:de dêsejo,, a apatia pura e·, simples, a·f.al'ta çie.<::ç,mpáixâo ~ de 1ii.:celigênçi<i.
Q in,C:Üvfd\.lp ppt tlem<1ÍS [ü:nitado espiritualment~ iJru'a dàr SeqLt~tiCiij ~
F_los.sa ii:ildativ:â .de. é:_ônti;ltq, eyn êo.mpar&9:ão com todo: mundo, goza. ,ele
uma auwnoo;ija true v~i rr~cíês.sariãm-ente ·p ar~e.r diviktJ à vítima de dese-
jo metafísico. A in~ign_fficã.nda em 's-i desse \.ndivfé;J,qo lhe: çonfere a üoit.a
Virtu.dé ,qué G masoquista ·extge .d e seu I1;Jedia'.d pr,

Swân:o ê â,tràídq serualriiente por quaLidacles totalmente contrária~ às


que fazem c'Om qµe de. çidm1Té a;s mtrlbetes <lã ,alta .socie:dade ou,as cria-
turas fictícias da arte e çl.a ljteratura. Ele S'e volta I}ç1.r~ -s.ete,s, vitlJtares,
inoáp:a~e.s,de d'ar o mer:ecido valor-a -sua p:osição sót'ia,l, si.Ia, cultura .e ?ila,
.c!J<;tinçãó refina.da. Ele é fascinad0 pelos -seres qµe suas. sup-eribridã·de,s

%4
MWTl'RA RCH,tÂNTICA É V$.DADE ROMANESCA'.
muito reais, não çcCinseguem ·seduz:ir. Ele fica-, assim ,, f:adadt'} ã rt;rct-d'.t-oc:_ri_~
tlade em :Sua. vtiÍ<! am9rnisc1.
Os g0stos do n-anad0r·nã.o s~:o .diferentes A saúçJ.e rohus~ e a quç1lida.-
de pesadã ·d@' AJôe.rt:ine. inflamam seu dese}o, mas não se deye; j_rna.girtar
a.t afgt:qua sen.suãltdade ã RábJ?fais_ Cafuó, sem pre,, na medla:ção dupla,
o m1ne1ial isn-r.o a·pa.n:;nt~ esconde um es:p_irittJq!J.Sm0· ~v~_rt,ido·. Ma:tc.el
nota que· ·é sem pre se.J:uzido pe]ci): que lhe pc1r:eç.~ uo n tais_ ópós.t o ,q
Lstu) extesw de ~en~i'.biliclade· doforo,sa é3 de in.telectua.Í:idade'". Albet "
tin!? ~h!.t~fra :.clarame1;1t~ es-~a Jei. Sua-pàs$h1i~de anima.], ~ua igno-r andà
burguesa em hier-arquia.s mundan as1, -sua- falta ele iJ;iStfllçâó., suá i_n.c_ap·g.-
c;'ídade ~m rttrtiJha:r os v'a}ores ,de .t\11'a,rcel fazem dela -o ser inacessível,
1nvuJ_ne·1Jv~l e ctrµet 'que p odGc, corn exdg:s,iytd~q~, éle<s per.ta.r o desejo.
É 0µ0rtu110 relembrar, a·.esse re:sp.efr.q1:o ?'AO,t1~(a tâü protqndc;, de Alain :
'~O ,e.mim.orado: quer a a.Íma, é :a mzãcr p.eÍ'a ,quai a t0 Hce da çbque.te
pássa por ~$1Útia,, ."

Úe.snohismo também é um pêt -se de joelhos diante çl.13 estupid'ez: Ée~.$a


é~triitt1ra do deseJt> que s:~·exãgera a tê a caiic,à tura no -barã0 de Charl us.
_M_a;s sequer é~nee~ssáriô um ''~af:ado'' nei:n um 1lg;f~o malvado"· d.o üp:o·
cque o b.a-r:ão procura para apree_ncler ;:i oilf!nt;:l.Çào. do .cfesejg pt0usti~n9;
13aS:ta. rder ~ p:ri.meini descc.riç.ão do "pequeno- bando" em À Som/jra das
R.tiPaYif};as ém jlot_

Tal.vez: aqu.elas .rapan·gas féújã· aNtude basral;',a :t5áfá lhes rev.elar a natü-
rezà Qµsa,çlª., frívçlª e c!1.1.r;Ü, extr.e.m_amente sens-{'-le'i.s a qualque.ni'dfeulo
<f! a qualq_uedeij.]dadé, inqipaze;; cli;; se deix-arem !i:ç d~fr por um aa:a11i;vo
de- ordem intekctual óú ru~l, bouv.ess@ ·oan_
iral:mênté :seutLçlo igãal
,r epuisJJ ii:t_od<)~ .as Qama"adas :«ajos pendores co.rrtemi,fativos óu Se:fisfv.ei.s.
,s·e 't;raíàl_Tl ,P.1ft ti_01fdez, constr-ªngin,ent.9:, Falt,ii d;;, -Je-ito .. , ~ :as~im a~ ha-
viam rnanti'dn afastadas.'~

19 A sõrnbro -àa:; rapar~as em flor, p. 181. qp.cJt·. (N É)

J'l ?
<-' }WfTI,J,LQ'. 11 - ç, io:p(i(·;..í..t.P5E DvSTO,I&VS1üANQ
O mediador s6 é ássim porqúe parece '1ncapaz cfe se d~ixç1.r s~uzir por
.um atrativo de orderp_ intelectual o.u moral'', é a uma b.aiX;eza- ptes,,.inüda
que as. moças devem rodo o seu Rrestfgío. Ô pequeno bando dá a im-
.ptçssão de experimentar ''.repulsa''. por tuclo quanto der provas de "di.s -
poslç_ões p'e~a.tivas ou sens.íveis"; o nar:rador se se.nte indubitavelmente
visado; ac;ha que quçilqu_er relackmamen.t o com essas. adole~centes lhe
está vedado para sempre. É õ bastante para fin car seu. desejo. O amor à
primeira vista de Marce'l .s e resu(jí.t no pressupGsto· de que Alberttnc é
insensível .e brutal. Baudelairç já af;irm·áva qQ..e ã '"burrke'º é um .ornamen-
to índispén sâvel da beleza moâerna. É preciso i'r m~is longe; 6 preciso si-
tuar a própri.a essência dei sexualmente desejável. na limitação· espiri tuaf
·e moral , em to.dos 05 vícios qúe tornariam qualquet r~'tatfonarn~to çom
o ser desejado insnstentável tora desse desejo..

Não venham nos dizei; que Prous:t é um s~ "exc~pcionaJ'Í. Ao. revelar 9·


desejo de seus heróis, o r-0mancista, corno ·semprç, revel~? seosibilid ade
de sua época ou da époça subseq\lente. O murrdo contemporâneo por
inteiro está penneado d.e masoqui,smG. O erotismo pro~tiano é hôj'e o
erpt:i~mo das massas. Para ·se COtJVénCer di~so, bas:ta dar uma olhada ha
meno.s '1sênsacional,.' de nos5as publicações ilustradas.

O masoquista fica se bê!tendo contra ·O muro cego da imbecilidade: é


nesse muro que ele se acábará. Denis de Rougemont o cons:tata no Rm
de O Amor e o·:Ocidente: "Assim é que es_sa pr~ferência dada ao obstáculo
v.olui:itariame11-te. ass.umido era u m progresso em direção à me.rte." Pode,
s-e fazer o acompanhamento das etapas d~sse progresso por meio das
imagens literá'rias. ·ComJ,IIIl â tudos 0s esc1itores.mod~r"no_s, a itnagfstica
.da transcendência desv{atl,9 é tão ngorpsa, apes·ar de sua _riqueza, c;iúanto
·â imagfsHca da transcendêncja vertical nos estritos dos místicos cris-
taos, Temos q,àe nos contentar em ~~ssar por alto sobre esse terna ines-
.gotáveL Há P.tirnejramente üm conjunto ele imagen!i que vai cl'o animal,
mencionado em seus aspectos mâtS: ióümanos, à' podridão elérne_ntar, ao

316
MENTIR.A 'ROMÂ NTI CA ~ VPWAÓ j; R·O'.M AN ESC A
0rg:ãni.c0 puro, Seria interessaAte estudar, por ~x:emp1o..- o papd d·as pna-
~.i$ n.?~ çen:as de ~dva enJ ó 1;,mninha tezd., romance de André Ma1raux1<1,
Arar1has e répteis assombta'.fí).:os s'q ~b0s dé· ~ Svjdr\gaihw., de LiITJ lpolit
e, de. um S'tavro,guine, Um Dostoievski apreende a essência rna:Jéfka .das
fascinaçpés que gbvê:onams~us herol-s.Nossifs es0Jt0.i:es .con tem_p-m:âne--
o,s, êt)) comJ)et1saçã0, :se·.entt~garn. a e-Ja c;;óq1· tà·nto mai.ot c:omplacê.nciá
quanto mai-s.,,impregnados estiverem de rreo:rromam-isroo. Ero Mí.m6riíls do
Subsolç o medi~dm Jeva 1ml. nó111e cmin'€titemenee simbólko: Zverk0v,
.qut ~ignJflca ·"a_h'ima:l", Í''hesta:11 , o~ d~~ejú~ pfôtl$'1;i~nós Já €.S.tàv~m. tod.ôs
marcacl0s pefo si,g no de-s:sa besta. Os ·atrat'.i~os da ~a .. de Guem:ra11tes
s:ã o as da ·"~v~ d@ i1lpin,a". Ern À Sombra dás RnprJ.ri;ga~ w Jl.0r o romancista 1

tnro.p'a:réf âs evol~çõe~ dâ5 Jovens ãs dé um ''hi_ndp de al~v.i.nos'-'. isto é,


a:o qu.e há de men0s 1ndivfduaJJzatla ·a-a vida anJmil- ,Mais tatdt, ·às. rtla.s
e 'V:Gfras do rj_é.quetio. bando fazem Mar-cel: pensa:r no "movimentos geo~
métriq'.>?, eétimoníos.d.s e in_corjipre~nsN.eis, ele UiI! bar.Jdo· de gaJv0.tas:12!.

'io l:.di<,;ào ·brasileira, André l\sfalraux, '() ca1n/~1ho .teaL R:ib de Janêírb, NtM1 Frçirít~ií'a,
1,988. {N.E.)
l! l?'T'9 vavdmeri~, 0. au,t,or ·ditoy ele mtmóT:ia, ,m_t~ E11;1;~md_o g1ma ·paráfriiSe ~µe uma·
~ta~!O mesi:_no. ~arece rde~r a eS'fes do1S .treé~OS:· <, '~eUJ, jei'e=~1· ~jm·pt:emcmt de~~t
!e Ci-and.:-Ho.teJ n attendre le·mor;ne.nt ~aUe,r r~trOlIY~r ma gra_nô tlJ~te, quand, we-sgue
enê,:_oré à l'e~ré~ftê élt lá di.inte oü ~ll~s·fáisaient .m.9w:çi.r lJlle façh~ sing.ull:~,re:c, j{ vi_s
_ç-;aqanç~: cimf O!!: six fiHi:tte~. Ftl,,si dif,férentr~. Jiar l'.J1.~flee;t 4,)>4.,, lt, f'a_çqi1s, d'e f~ut~ tas Jiersoim:ts.
º"
a.u~qtiell~ on {tat'P /;Jt;C.o«tuml à. Balbec:. qltmirait Pll ntre,. ,u'bt1,rqHêe 't.ie' Síllt J!m'i, un'é bande ·de;
m·ai1etfês quiitx-á;u.te,~·.ptts c.oniP.Us í,u ffo :pli:;ge; ~ .les rdardátaire1 ràttrapdnt le_:; autre;, e~ vdl~tai1.f - un_e'
.ptominàde 4oni le l:iúfoem_blé flUq{ii pb~t1rr-,tn~ kaig11ea_rs f.lil:e1tes ..nrPar-ai.~s1mfpas v.o.ir, que .dairement
derermin{Po~r'le,uresprit çJ'o.i,seau.x, ~, Na ttadução de Má.no Quinrana, "S.ozinhn, fiquei slm-
pl'ésmente d:i:ante ·d o :Grande Hotél, àgua:rdantfr~ .b momento de· lfter cóm.m_inha i,lVó_,
~µando quáse •ainda na -~c::mi.dade do digüe, oi:i~~ ~Ú<!J:11 móve-r-se cima estrarma-
mancha, oi ({11cse afirmçimava-m.<'mc.o ou ~ei. moânlia~. tâ9 ·J.l!ferepte~,. no,.a~/>e-Qto,(•ma n_ei,:a~, de todas
0

.as ,pessQtJs com· quem esJá;t1am,05 ·aaóst1mfad0:s em Batbec, tomo' a, serra. dggado 'ftíi.o se -sabe tft .Oll'dt,
H11Í ba-i1',fo:de gLJfüotas 4ue- 'C<t.Cl1ta tl'a prnfa a J>assos inêdrêl-0-s ~M retarda't'á1:i'as a/-êáaçancÍo i:IS óutras
;iuw Pôd ...., tt~ passeio cu}a ptialí4ad~ se al'i_fol)ia Jifo óbs°C({rn aos ba11hisfas, a q11em tl'a, 11âQ parmm
!l~r, c/w'fo c;l-atmneti'ti defrrmin~d9 'f>'or s,(I! esp(rito de.Pfi~s_g,ro~.,ué[): ~pmbm qqs rap'l:lr-i_t1cas t.m flor, ·pp.
181 <:. 183. "t.:.J Jes .fillft-tes .q11eJava:is àperçuts,. eivec la n1aftiise ik_gestes .i(Ue dof1-ne .tfn ' ~ãrfâit:,H-
souptíssé!tié1H·dfso11 prôP.re corfis et uç i:õ.épi:it ;s.irtcer.~ clu ~ _st~ d<:: I'hum.aruié, \:1el')'afen'f droit

jl7
CAPÍ'{lJLO 11 ...: b AP.OQHP5E. 0-C)STOl'E°VS:t.LAN:Q
e
Esse universo incompreensível novam~nte o do me.dia.dor; o CÀctro é
tanto mais s~dut,o r qu·anto rneraos acessível eh< for; e éle ~ tanto me nos
acessível quanto mai~ de!,iespiritúalizado lór, que render ma:is ao autó-
matisnió do: instinto. E é, de fatQ; ao automâtico·e até ao mecânico que
d:1ega, para qlém da vida anima°], o .empreendimentó a,b?Urdo d~ auto'-
<leificação. O indivíduo , sempre mais' e mai-s perdido, mais e mais des,e -
guilibrado -por um de~tjQ ·q ue n.ap~ p0:de &àtisfazér, acaba ü1.do procurar
a essên<.:.iêl divi'na naquilo q:ue ·nega radicalmente 5µa JJTÓpna existência.,
isto ~. no i.nanimadQ.

A busca incansável do N ão conduz o h etó:l para de0tro dos mais é ri -


dos d.~sertos, nesses "reinos metá licos do absúrdo" ç,nde vernos vagar,
hoje e.m dia, o que há de_ ms1,is significativo na arté nedrromã:ntica.
Maurice Blanehot obseri>'a: justcimente qµe a fkçãa romanesea - nós
diríamos romântica - descreve, desde Kafb,. um movrme-n.to circula-P
ihtétmlnávd . Jama_ls 1, ae. que parece , essa busca ·pod~ria cbeg-ar ao fim.
O herói n·ã o e~tá mafs Vivo mas ainda nã,o está morto. O herpi sabe.,
aliás , que o sentido de sua busca é a m·orte, poi:-ém esse conhecimen-
to nâó o afasta do desejo metafís-ica. A Iucidez supr~má é t-arnbém a
c½:,oUeira mais total. Por um contrass~nso mais sum i ~ mais gro.s seiro

dévan~ ~lles, sam bf.sitqlion ni' raida,r, cxéQutmrt cx11cteme11t les mou;,en11m~ ((11 'elb vo1tlaimt. dmi$
une ~~me indipend_ançe dt cba.cu11 de lmrt memhres par rnP,pár:t mt-X- ç1~fres, la blus gr~nde partie ,·k inir
_cc~ps,g1Jr.d·aKt c'étré iiili11ohiliti ;.i r1:m,ir4iwble chez le~ bt1nnes valseuses. Elles- n'étaie.nt plus toin .de
rooi.. Quoique chaq.me füt un cype ahsolument difffrent â.es aucres, elles_ avái'ént tQU.·
tes de la beauté: mal!. à vrai cifre, je les voyais depuís 's:i peu d'instants et çans oser Tes
regardcr fo:ement que je u'ãvtlis encare i»dividw:il~st audmr d'dlt-s. ,, Trad: "(. ..) as 11lfflinas quê
eu. vim: cdm esse dvmlnia de mdvJmllfrfos qi.ie ·provém da· Per[i/ffi flexibilidâdé do to-rp:o e d.e um d~-
erezõ sincero pefo resto da hawanidad~, ca1111nhat1en11.lirerro par-a aJrr11te, mn b.tsifaçiío 1'!cm
·rigidez, exr~:uta:nd<r exatamenre os movi!tfei11·os q.1u dtsejava111, numa ]ilena inpep1:11dê11cfo de caJh um d-os
membros tm relação ads outros, ::omervando a viaior panf do c;orP.a ma impb.ilrdade tão 1iol.ável entrr
eis bôas .valsi,tâs.. Já rj.ã.0 es.tâvam Iongé de mirn, Em b.ora cada um fosse üm tipo, intcí_ra-
mente diverso do~ outros, tOdé!s.possµfam beleza; mas a falar v~rd-ade, fazia tão· pouços
instan~s q_u\;? as via .e sem ousar olhá.'-las fixamente, que a'inda nJo tinh(I i·ndíiJJdu:aliz.allo
t1enhu1íJa Jel~s."ldem, 'ih.,r>p.283 e 284 (N.E.)

3 18
!l.tFNJrn~ RO.r-t ÁNTI CA E VER.DAD1: ROMANESCA
ainda que :t odos o~ :CQnttassen·so·s anre-ri(;Jr.c_s,, ·o herô'Í décid~ qu.e. à
mort.e '.é o·s}intitlo da vida, O m~diador se confunde-, a prnrtit de ent$o,
çôm a imagem da morte s.efüpre próxima e sempre re.cw;ada, É essa
:imagem .q ue fasdt:)a .çY her:ót_. A morte p:a_tec;e U,Iii d~tr'âdeiro 1 \ êr .de
fuga·" e uma derradeira miragem

i'Eles Prc)t.4,ravàíh a: mocre. ma..s d a dides 'fugt:cà" ·ãnunçia b Anjo do A.p.0· 0

c;;affpse. "Na:d.a fu,da ryessé n1trrydo'' :r~toma, fazE;r:id9.lhe eóo,. St~vrQguj_ 0

ne. Porém 'S tavrogwne se enganai é Ba:c.ha quem fala: a v:çrdade q~ndo
-~l~ resi;).a.ncle: "Aqµi h.avt:;r$1 um fim."
Ü mundo niineral e O mui)do ·desse nm., ré e§ b;);UJ1d0: .d~ ttma. morte
que ,a aus.ên§:ia ·de to.do mov.i1n:ento, de t-ado frêmito ,. torna e11ffo1·
completa ê. êl<;:pp.iti'va. o têITIJ.ô da horrível f.asctna:çã,o,é a densidade·
do· ,ch1.:1mho a imobiJ.i'cl.ad'e lf11í'iéttretrável d.o gr~ntt~. Eaí que éfevia
1,

de-s~mbo<5ar esta negaç_ão: sempre. mai,s eficaz da ·vi.cl'a e do :es.p.frrto


q~ é. a ttansce nd'ên.êiê!. dêsvi'ada. A afüma~ão ele sL i·esulta na r,iegação
dé ~i . A vqnta:de de auto·divlni zação é úma vonta~ê- de atrt,oçlest_ru.i·ç.ão
q.ue se concretiza pr0gressivarnente. E essa v.er;dade ·q,ue Denis de.
R.o.uge.rn~nt' perc~b~ü dararte-nte ç:- forirurlou rnágistralme,n:te em O
Amor ~ 'fl Otfrlfnté': '"'O m.e-smq mo.Xf.im~ntô quç fá~ çdri;J.. qu'e adore1nas a.
vida nos precipita em -su.a negaça.9."

Es.sâ mes,ma negàç~õ:,_Q. rtn.rrr.do,m.oderno·,·desde Hegel, a ai:>resenta aber-


ta .e .audaciosamente como a affr_ma-9ão s_t_Lptetna da víd?. A exaltãçãP do_
-ne~ativo próv,@m desta lucidez cega que caracteriza os derra-deú-ds es-
t'.'ágió,s; da me:diactão. ih.ter-na:. EScse ne_g:atjyo-,. d.o -qual se prova sem difi.cul ~
clade qlJ.e n:o};s"a f\;:-ali<lack c0nt<::tnp·ótân_eê! .é i)l.t~1rarn:ent"e tecldª-, .não f
senâQ um 1·etlexo -das relaçõe-s entre os: homens 1 n0: âmbjto, p.ã. n,ediação
dupla. Não ~ê de,v~ ver ..nessa n~adificaçãd" süpecabundante a verdadeira:
st,Jbstã.n:cja ~e e.spJrito e ~]rri à ~übprodüfo. deletérío .&t, unia. evoltiçãb
fataL :Ó l:m-s.i maciço. e mudo qu.e l'H~ga sempre o Para-sí é·, ria tealida-
de11 çj ·obstáculo--que o ma.so:quista .prncura avidamente e ao qual ele Jka

ri~.
C.:.11.P(JU W .1 r ~ b APkJ.C:A-b.J.P·SE D OST0lE.V-SK:tANO.
gnJdado. O Nã-o que, tantos füósdos modernos assimilàm à l.iberdatle e ·à
vída É, na réalidade,.o arauto da serv.id~Q e da morte ..

Compará'1artios mais acima a eiitru:tura do. deséj o. metpfís,ico a um ob-


jeto que cai e cuj:a 'formél; sé mQc:IJfica à medida que a qued~ ~e ae::elera.
Go nhéc;emos doravante o término des.sa queda. D ostoievski está m;~ls
perto desse té'Il!)ino fata l ·que os outros romancistas. Logot ele flão é
romancista e metafísico;. ele ~ o romanci'sta metafísico. Dostotevski te-m
uma co nsciência aguda do. dinam'i:smo mo_rtal que anima p ·désejo. Sua
·obra não tén:de pani a desintegração é a mortç' p,ofque de tem a· irnagi·-
·nação sombria , tem ~ itna;ginação s.ombria p.orque sua obrã te1idé µ.ara· a
des'integração e a morte.

Apreen~r a verdade metafísica do desejo é prever a condusão-ca'tastrófi-


ca. ApocaHp:se .significa ,çlesen_vc,Jvirnent0. O Apocalip.~e dostoieVskiano
é um desewolvimento .çqjo fim é ades.truiçã·o do desenvolv.icfo. A estru-
rura t;netafístca , quer a examinemos err:i S'ea todo, quer .isolemos alguma
de suas panes, fmde sempre·ser "definida como úCT) a_poçalipse. PortantG,
mdos os romances anteriores são também ap_ocaHpses. As é?tástrofes
limitadas que concluem essas obras préfigura1J1 o pavor d.ostoievski.aóJ>.
Podem -se notar, é clàrb, as ·diversas influêoci_a s qqe se éxercem sobre
Óost.o ie-vsh e que fornecem certos det'alhés da estnrtura·apocal'íp.tiça. A
in terptetaç&o d0 romandsta russ·o se in.sére sempre no coot:exto de uma
t;radição nacional e 1:e.li~iosa. Mãs o e'SSeocial n:en) por isso· de-i'xa de ser
ditado ao romancista pór sµa sl_q.ca~ão; romanesca_

Os romanc1stas anteriores, na mai oria dãs veze~ não são metafísicos


senão de maneira ím.pffoitã . 5ua psicologia, su~ socio!Qgig ~ sua imagé-
ticâ n~o alcançam to.do .o seu s ignificado senão quartd9 as 'f)tblongamú,s
11a diréÇ:ão da metafísica dostoievskiana. No .nível de observação d9s-

320'
MENTIR.A ROM .i \.NTICA L VE RDADE E() M-AN ESCA
loievskian.q; romance e mefufísi'ca- não po.d.efl) .r;nais se: di~tinguir: To.-
·çiós qs _ no~ que havíãmo~atadoJ todos o.s sU:kos que havíam!S)s traqadq
eo.nvergem, pot.s, rumo.a:o apoc,:~llpse d0s1oi:evskiã.n0,. Toda a literafill:a.
:ro..rnar:ie-sea é' <Jrrasta.da pela·mesma e-nxurta(;i;a,, todos "Çis hêrójs <J.bed'ece"m
a um me.stno chijmadQ ern direçãu a0 nada e à mente. A trans<:endênçi-à
de~viada é qrn~ de-sçida verngtnosã,. (lm. merguln0 oegp· nas, trevas. Ela
tem por p0nto-d'e·chega.da -a t;nOtrstrups_ida& dtt .Stàvtõgµine, 0: or$:,u1ho
i_nfern_al de tô.do~ bs Possessos-1

O romancisl a .des.c0br~-, nó. epis.ó d.io c;l,o.s dern-6ni"o.s. dé Gerasa; a 'tr,a:


;dução escriturai da visão r:Q.rT_llJD'~Ca . .UrtJ hç,mem vivé %Gzi.rih.Q eot're
os nu~ttlos. o êSJ?Ífttp imundo que o habita é exordzadp -po:r Crtsto.
Q esp(tiro se aptésen_t~: e\e s~ cli.a:t114 Legião,, é·á um. só tempo útitco e
múltiplo: e p.e de para -se çeJ-ugiar num b~t1do 'dé pQ"I?Cós. Mal :a permis-
são ê' cQr.ice.did.a., ~ss,es.b.ichos. se p.redpi't!am pa:rc1. o fl)'.a.r e M se afó~am
até o úTti;nç/2 •

v. S. LuCâS VIU: '.:1.6-33 (N.E y

311
CÃ11ÍT!Jt.é) 1.-1 - ó ;H'OCAL;[PS·E CHJ.$,HHEVSK.IAJ'ifü
/2

A CONCLUSÃO

A verd'a de do déseJo é a rnorte 1 mas a morte não é a v~dad~ .da obra


romane·sca. Os derr:i-ônio.s, ta1 e qüa_l loucos furio·sos 1 se· jo,garn no mar e
perei:::em todos. Ma:s o doeyite se eura. Stiepan T rôtimovjtçh evoca esse
mifi'igre na hora de sua morte: "O doen.tg, p.orém, será curado é '~sséntar-
se-á aos pés_ de Je-S'4S.. .' e todos o i?n.cara.i:ã0 com espantcL ."1

O texto a.plica-se não somen te à Rússi.n tomo tamb-ém ao próprio mo-


ribundo . Stiepa'n T-r,;o;Ílmóv:itch é esse doente que ·!>e- c{Jra na morte- e
que a me rte cura_. Stiepán s:e deixou levâr p ela ·onda de escândalos, de
assassinatos-e de crimes que su~rnc-rgé a tid,a:de . Sua foga se dá .em fun,
ção da lo1,1c;tira geral mas muda ·de signi Reação tão logo· é inrciadµ. Ela s~
constitot ntrrtla v,óltã ~ terra materna e à l!.IZ Glo dia. Sua vagaburydagem
conduz o velhinho ate Ullla mísqa ~ama de albergue ond~ a vendedora
arrib.ul,anf~ .de evangelhos lhe lê o. texto de São, Lucas. O {l)OJibundé;l

l Os ·dem6nfos. p. 623, Qp..cit. (N.E)


apreende a verdade na narrativa dos demôtTios de Gerasa. É da suprema
desotdem qµe nasce a ordem sobrenatural.

Quanto·mais .Sfü;pan se àptoxitna da morte, mais ete -se afasta da meoti-


ra:_"M~ti durante avida 1nteir~. Me11tia áfé mes-mo ·q uando dizia verda:-
de. Nunési: falei visando a verdade, mas v1sandQ-J;I1e U11.i cament€. a mim.
Antes', eu sabi_a ·d};so, ·má~ é so~ne'nte a.gora crae eu o vejo.''2 Stiepan
prõ,nuncià palavras que contradizem nitidameirte s~it~ filntigas ideias.

O Áp'ocalipse não s~ria completo sem uma faceta luminosa. Há dúas


mortes antitéticas na conclus.ãb de Os l)epiônjos: uma morte que é extin-
.ça.o do e~pírito e uma mQrt~ qu~ é ~~pfrito; uma morte ,que não passa
de; morte, a de Stavr.o ~ine; e uma morte que é vida, a de Stiepan Trofi-
movit'ch. Esse du-pfo desfecho não é únic0 na obra de Dostoievski . Está
presente tamhém em Os [rm?fo.s Kar:amazo11 oude se opõem a loucura de
Ivan Karama~Qv e a conversão redentora d~ Dimitri. E está presente
novamente.em f rimé e C1~tig.o onde se ,opõ~m o sukídro d~ Sviclríga'ifov e
aconversão de-Raskolnikov. A vendtcloraarnbt!lante de evangelhos que
vela Stkpan representa: um papel mais ap·a gad9 porém ánálogo ao de
Sonia. Ela é umc1 m:écUador.a entre o peca-dor e o t~to sagrado.

Raskolnikov e Dim1trJ Karah'}_a zpv nã9 morrem fisicamente, mas nem


por isso dei>(c!,m de ressuscitar. Todas as conclús9es dostoievskianas
são começos. É urna vi.da nova que se inicia, enrr~ os homet;is otf na
eternidade...

Mas talvez séja melhor não levar mais adiante esta anáü~e. M.úitos crí-
ticos recusam deter~se nas co:ndusões religios.as de Dostoievski. l:Té;S·as
Jirfgam artificiais, predpltadas, sobrepostâs à obra romanesca. O rnman-
cista as te.tia escrito depois gue a inspiração romane!ica ti_v.e,s5.e estanca-
do, para :dar uma: la'mbuzada de ortodoxia religiosa na obra.

2
ldem, p. 620. (N.E.)

324
MENTIR.A. lWMÃN.T lCA E Y,ERD,ADE ROMA_N',F,S Ç.~
Vamos então parar por aqui com Dostoieyski e p.assar a outras conchr-
sões romanescas,. À de Üom Quixote., p.or exemplo. A agonjg. do h.erói s_e
a.ss€me.lha; bastai)te à de Stiepan T rofimovitd1. A p~o cavalhéíresca
nos é apresentaçfa corno UITJa ai1.têntica po$sessão, da qual o .mo.ribund0
se-vê felizmente, conquanto tardiamente, libertádo. Sua lucidez reconc
quis.tadá: pennjJe a .Dom QuixGt-e, como a Stie-pan Tr9fimovitch, rc;pq--
di.ar sua existência pregressa.

T.enbo um juízo já livre e c,lar0, &em as sombn1s caliginosas. ,da Ig·-


nórânéia CO!Jl que o ofuscou a minha .amarga e ,contÍllua leitura dos
détestáv~is Üvros das 93valartas, J~ conheço os sevs dis-paràte·s e os
seus embelecós e só m.e pes·a ter th~g.ado tão tarde este desengano ,
que -não me desse rempo para me emen<lar, tende out ros que fossem
luz da alma. 1

O d~sengano espa:nhol ten_1 ó n,.esmo sentido que a conyersão dostoie ..,


vs]<i_ana. Mas múitos indivíduos com bom senso· e-bo4~ intenções, m.ã is
ütna ·vez -~ôs acon~elhaxn a não nós demorarmos diante dessa conver-
são na morte. A coocfusão de DQ1'1t Qui~ote" Tjãp·-é muito mais apreciada
que .as conclusões dostoievskian:_as: E. lhe repreéndero.,.curiosamente1 os
mesmíssjm.os erros. Ela J1 taxada de artificial , conveocionàl , stq)erpo_stçi
à-obra romanesca. Ponnie os dois rnaiore~ gêoios rornanes.c osjulgaram
igualrnen~e ser bom desfigurar· as última~ págínas de suas .r.espectivas
bbTq..$·primas, Dostoievski, como vim0s, é considerado vítimà ê:Le urna
ee,n sura i,nterior. Cervantes, pel'ô cont.rário 1 sucrnnbir.ia .a nma censura
exteriorc A. 'Inquisição era hostí] aôs livros de cavaÍaria. E ós crítkos
contintlai1J conv:.e nddos -disto, que Dom Quixote é um tivrô de cavafar(á.
Cervantes se via então ria obrigação de·escrever uma conclusão "confor-
mista" para .abafar as su~peita.s ecl@?iásti'.tas.

3Dom Quixote., p. 675, OP,.cít. (N.E.)

325
CAPITULO 12 - ,6. CONCLUSÃO
Van10s então parar por aqui com C~tvàntes, j~ tjue assim tem que ser, e
passar a l,1J11 terteírn romancista. Stendhal não era ~slavófüo e não-tinha·
por qoe temer o Santo Ofício., pe'l o·menos na época· em qlte e?crevéu O
Vermelho e, o Neg'ro. Assim mesIJlq ·a c·ç,ndµsão desse romance é uma ter-
c6ra c01i11rrsão ria morte. Julien também pronu;rtcia palavras que contradizem
niUdámente suas antÍgqs ideias. Renega sua vru,tade de poder, se 'dC,".s·pr~nde
do mundo qµe o fas,clnava·;. sua ,paixãQ p.ô r Mathilde· o ·ab'andçma; voa
para a Sr9-. d~ Rênal e desiste de defender sua cabeça.

Todas essas analogias são notáveis. Môs somos instados, mais uma véz, a
não dar importáncia· a es.sa cotnier~ãô ·na moTte. O próprio au:wr, enver-
gonhado, apar,entemente, de seu próprio llrismo,.~e- aJ.ia.aos crftJc.;os para
denigrir seu texto. Não·sê de.ve lcv.ar a sério, nos diz ~Je, as medítasões
de )tllienf .pois '1a faha de- c-x{ttcíció começ;:iv:a a alterar sua saúde e a: lhe
d-ar o caráter exaltado e Fracn de wnjovem estudante alemão"\

Vamos permitir gue $tc:;ndl1aT fole-. Não podem mais nos enganar. Se
ficássemos <::egos d.i'ante cfa unidàdé das conclusões romancsca-s, a nos-
tjlidad~ únâ'ninie dos críticos, rnmântico_s .em s1 já seria o· suficie.-nte- para
abrir-nos os olhos,
Não são as ·c.mnclcrsôes qt1e são itisignificqntecs e artificiais, são as hi pó·
teses dos críticos'. Tem que se des_pr.ezar· un::) bocado Úostoi~vsk.i para
ver nele ·o censOT de. seus próprios romances. Tem que. se des_J)fezar um
bocado Cervantes para atteditá.-ló tap!fZ de trair seu mo.do de pensar._
A hip6t~se d~ autocensura não merece ser disci.Itid:a, Dois- a beleza dos:
textos etn si j::í constitui um desmentido. É a nós, !eitore_s, tanto quanto,
aos anügos e·aos parentes re:tmidõs ~ .s~ü redor que é d1Pigido o so-léne
esqmj.uro .d e .Dom Quixote agonl2ante: "J:m transes como este. não há
de um. homem hrlocar com "1.ra alma."5

" -<) 1,,1enne!IJ0 e o r.egro, pp.343 e 3.44, up.<,:if. 1N .E)


,; Dom Ouixote, p. 67.5 , op,d t. fN.E)

32.6
A hostiUdad~ tfos crfr;tó~ réjmânticós <:É d.e tod·o êc;impre~F1Sfv@l. Todos,
-os hen5is 'p.ronunciam, na c0r;idusàc\ i::talav.ra:s q.ü_~'Cdtitradítg/1 nitída.mfyiti
siut~,t1.ntig0;s: i·deias. e. ess..a.s icl:ela.s- contimram sendo as do.s crffrc:q:s românti-
.cos. Dltlm Quixot~ re.rHJnc;la aseus ta:valtir0s,Juli'en 5ore1 :àsua .revolta·e
Raskolnikov a seu supe;-: hoçtern_ O ·h etôi ren~g.a, é!.. ç~da vez., .a qui.rõ~a
qué S~ll, o;rgulbo·lhe :supraV:a.-É a-inda e sempre essa· quiweta qrr~·à joter;,
ptt'ftaç€i0 fomâtitica exalta. O.s crfücos n~o q.úetero· admitir (lUC se e-n_ga-
naram7 fieam, p01~ 1 9b0g,a dos a man.t ér ~mi pôsiçàb .êf(;' que. ã, co.1idüsâo.
6 :intlignà dà 0bra que ela vem coroar,

~ anaÍtJgias c;:r(tte ~s gr~ndes: condu.sões v0m~n~a\S destroem ipso Jacto


todas as. [nterpretcl:Ç©~s 11ue mí:Din);izam súa 1D)'põrttn·ciêl. Há um único
fe.nõmen0;1 deve-se ·dar 'Coa.ta dele p@r mei© de um me$ffio p:fincíp'i'o.

É<). r~n_út:rcJ_a:. ?f<) dt·S. €\jó meta'ÍísíéO ,qpe faz ã ttrtidadt das conclusões ro 0

manescas. O herói -ag-ani zan-re yeueg~ sé~ ;med.i.àffot: 'Já sou inimi.g.0, de
An.1adis de t{'}da ç-aterVra de sua linhagem( .. .)' Já ppr miSf:rf-
Caula e de
córdia cre Deüs, e ·bém eséatr:oé-0ti,df).,, as[i- <::!. as histórias da tavalari.a
,m d ante]_,' a b ommQ.
. . '" ·ó

Renegar.o. r:tt(:;'diad_or ~ ren:uoc1ar à-divindadeí é, p-oi.s, renunciar ao (i)tgµ-


lho. A dimJ:nüictão Hiicá; do netqj exj1>re:s:sa ~ dJ~sj_pmfa ao :mesino tempo
esse esmagamento dtJ orguTho'., Urna· fras·e qué se gresta ~ dupl<1. lnter-
pret:ação êm O VernttLh..o e o Ne_qro expres-sa rnaravilh0sarnente ~ssa rel_a,
<;ão <:ri~ a l)lótte e a ·ubertªç~~' 6r.ltte a..gu{lhorl:ria e a ruptura cum 0
mediadGr: "Que me intetesS:án). o~ (fü,tf'oS:? extJama Juli'eh r So.~ IJMinhé!:;
reJaç,6éS cb_m O·S' outros v.ào ser bruscamente cor.tadas."7

Ao ,r.enuncip:r: 'à ,dtvi ndâdé o h~rói renuo.êi~ ~ esçt-avidão. Y.od0s os pla~


nos de -v1da se invertem, mc±0:s ·os '.efeitos do de_se]o (t).ctaf(s;icb s:ão subs."
'títµícló.S .ROf ê'f.e}tos .c_ontrários. A rn~.ntfra dá lugar à verdade;-a ·angúsria

r, lde.m,, ib'dem.
7
Ovirmelbo é.-o,;i:e_qrr , R, ª28, :Op,,ç it. (N.E. )

32,
,C:Af'iTLIJ.;O 1'2 - ~ Cfifü lLIS,fo
·à lembrança; a· agitação ao repouso;. o ódi.o ao amo~; a J,i.µpilhaçã0 à
hlll)1Jldade; o desejo segundo o, Outro ao desejo segundo Si pr6prio,. e a
transcendência desviada à transcendência vertical.

N~o se. trata mais, dessa feira,- de uma fals_a mas de uma verdadeira c;on-
vei;são. O h.érói triunfa no fracasso.; de triunfq. porque esg.o tou seus re-
cursos;. é"'l he precisô pela primeira vez 0lhar· de tre1ife sé:u d~sesp.ero e
se'Q nada. Mas esse olhar tãd. terrrido,. esse olhar q_ue é a mo'rt~ do orgü·
lhq. é um olhar salvador. Todas as con_dusões r.0manescas Jembram .e
conto o.riental cujo herói S€ agarFa pelos deq_os à: beira de Uql -penhasco;.
exaustó 1 esse herói acaba 'deixar;ido-se despencar no ab.ismo. El~ tem.
certeza de que v.ài se esmagar no s<5lo mas os: ares o sustentam; a gra~i-
dade, está aholrda.

Todas. ·a s conclusões r~manescàs são conversões: Ninguem p'ode dwí ·


dàr di'sso . Mas -será que se pode- ir ma.is longe? Pode-se afirmar que es~as
conversões têni, :todas el~s, o mesmo semi do? Parece possfve1 distinguir,
já d~ i.nído, duas cate.goria$ rqndaJ;neotais de concl_usõe,'i: a$ que nos
mo_Stríi.llJ, um h.erói solitário junt_a ndo-sé .a.os .outros, bomens, ·as que nos
mostram um h~rói, ''gregário1.1 conquistando. asoli~ão, Os rnrnances dos-
tdievskianos perten_cem à primeira cç1.tegoria1os romances stendh~li.anos
à s:egunda. Raskolnikov rejei'ta a so'iidão e abraça os Outros, Julien Sorel
rejeita os ÜHtr~? e·âbraça a ·SOiidão.

A opos·ição parece insuperável. Entretanto ela rião o ê.. Se a tonver's.ã o


tem o significado que nela descobrimos·, se ela p0e fim ·ao desejo triah-
gular, seus: efeitos não. podem se expressar nem em termos, de s01idãõ)
absoluta nem em tennos de r'étQ:r'nQ ao mundo. O d~sejo Jnetaffsic0 .sus-
cita .uma determinada relação com butterri e uma determinada relação
ccmsigo mesmo. A co1iversâo .autêmica sc1stita uma nova relação com

318
MEN'll'R.A Rô~b.\N'fl<".A E VER.D'ADE Ró MAN'l:SCA
olitrem e uma nova, r.e'lação consigo mesmo. É o espírito român;tico .que
sugere à$ ó~osiçoes m.eç;ânTt'êls entn s0li.dão e e.spíiito gr:egârio, entre
-e-n,gajament-O e desp:v.endirttentô ..

.S.e observarmos mais. de pert0 a~ oon:dttsões st@ndha!tanas .~ ~o_stoje:--


vskianàs, ·oôMtatarérqõs que os dots ·aspectos d.a conwrs:ão autêntica· es-
tão sempre presenfoS•fllas nâo.~stã'Q \gualméí1'te desenvolvidos, $.tendhal
lns',iste mais f,)Q aspecfo 'S:1:1.bjetiva,. bostokvsld i'.ns·i~te ttiais 119 aspecto
jnt~$.ubje.tiv·ó. 'O aspec;tQ rne.no.spr:e:áado .rrun:ta fica des.car:tado . JuHen
conq_ui~ta a·s5,?Jlitl-ão, mas triUri::fa, d.o 1s:àlãmentô, St.ta fehéid·ade cQm a sra.
âe ·Rênal é a expressão suprema de uma, mudal"!.Ça p,rofo.rrda .eq1 stu rela~
cjof.iamento ço.m ·os Orurqs, No iníesiG de -s.eu pr.oc:e·S&0 1 quan:clo -o herêW
.se encontra oo ;meio: çla multidão, s:~ é_$p~ntç1. J?-9i" não rpáis e.xper-imentir
pelos Outros o ó:dí:e de ·antfga'Ql:et,te-: Ek se pei;-gµ_nta se os Oulr95 -sâp
t~tl ijfaldosos, q'Uánt:o imaginava. Não '.q uerendo ma'ifi nem seduzir ne111,
dôm'.inar ps hpm~ti:s,.JuJien p~r(ft.t .cl<; oc;fjâ-Jos.

RedpnKameat:e Raskolnikov .tr1unfa·s0br,e,seu 1·solam~n1:o ,11~ cone;Iusã:o-,


@as cón<'jlli,St,a t~tnbériJ.. a sohdão. Fo5-ihe dada a oportunida<le cle. Ier o
eva:nm~lho; r.tcup:era: a paz que lhe:: esca:páva há tn.i,ütb. t,e rppó:. S_oljdão: e
·contcüo humano exJst:em apçnas em fu.nçàÇ5 \JflJ do àtiJfO; naó S~ pod<1;.
isoláAos: s~ cair na abstra~.o r0mâ0tica.

As ·diferern;as entre a~ condusões _romatt'escas n~ó são éss~nciais. ·t.r:a~


t.am-se n"ã'o tart~0:de·oposiç-ões como de. um des.taqne qmni:mcia de Jogar.
A. fàJ tá.de t<::f_\filíbrtg ~rü.re·ôs diversos aspectos da cura metaff:sica rnvela,
ali.ás, .qyie o rnmanoista não 'êSlâ c,qmplet.amt:tn.te lib~_rad.o Úé seu. pr:óp'iib.
romantism.oi coFJti:nua prisioneiro de fórmulas c1:1Jq p~p~l ju.shpcad,or lbê
esca11,~- A~. con.dus.õe~ ·dostbie.vslcianas n.ão; és-tão inteiramente isentas
de mjs~b:ijisi;nd. Notapi-:se, nãs çondusõ~~ s:tendhaüanas,, a)g1.ms V«':Stí~
gios· d0 romantismo lmrguê·s qu~ eropçsfeava·,o salão Delédllz'e. Acéntu-
ár ess-ás Jife'ren.ça.s ê p.eràer rapidamente·de vfata a unidade .das concltr$õe~
rot_tianest;as: É só ç, que gt,r(}rem os:.çrftíç'os,, _pois a unidade,, no Ja_r~ão

3J_g
(ABfTUL.0 11 - A CQNÇ!,..l)SÀ()
deles,,. s~ châ)::rta -bãnaliclad~ e a baBaltdade 6 a maldição sopl'e;rncJ.. .Se os
ctítk:ó_S nãJ) rejtitam co.mpletamtnt~ .a ·condusào, s:e esforçam contudo
em ·pnov,1r que elã: .~ orfgi~1dt 'isto ê., que tóptr.aôiz,â.s .dernáis conclusões
rnmanescas.:Sempr~ tra:Z:!;?U\ de voJ~ o ro.rrt_ant{sta ~suas.origens român•
as. Acredi tB.m estar prestando se-rV>iço ã ·su_a, obra. E, sefi;i dlivida:, lh~
'tic_
pre~.t;:µn s~rviç,o -Clô: 1_tonto de vista do gusto rnmâmk;o .que é o gosto do
púbH<Ec>" (Zultô. Num t)fv~I rn.ai$ pfofundQ des lhe·p,restam um desservi:ç0.
Eles p rom.0vem ·~?' qttt oda. resj ~te ~ verdad;e romanesta.

A G:iftita remãntica Tecusa sernp:re o essentjal; da se téÇ:usª à,, ulttapas.sar


ó ~seJo melaffsii::o em cliTe~âo .à ve:rdacle rn:mar:i.esça que brilha parà
a1tm çlà fuórte. O h§:t.&i .s.õcurl.lb€ ao akanç.ar a verdade 'e ·conMa a sea
crfador a f;reran'9a: de su~ darfvtd~ó:cttJ,. Dev.~~s~ res~r o ~ítuk> ·de;herói
de r0mance ·à p.e...r.sdlJ-,é ige~ éflte trionfu d:q désejo metçitisitb. m.fma çcm--
dusâo. trágica e .se toma a5Sffil c.apa.:z ,de escte'íi~r O 1fàt1lél'/1C~. Ú Óerhi ~ S{iU
.ctiador.fica.:m separ'ados ·no decro1:rer de -wdo o, romarn::e, m;_as s~ Jnntarn
·na ~onclU:são. :Q: herói se ·voJt.:1.1 <!.O. morr~r, pàra -sua existência _perdi-
.da-. Olha p~u;â da .êôrtr ·estas ''vistà} roai$ latgâ!i ~ mais long:ínguas-'' que,
a p:mvaçãu, a -doeiw.a :e .o' ~x:_í'lib p.ropi_çíam ~ sra. de Cleves e que -se
.ç_0nfu.ndem ·e::om a ·v:isão da r-om,anci~êL 'Essas 1'.vi~t.ts (hais largas ~ mais·
lohg'íflgq.M' 11ª-0 c:LJferem muito deste "teJescóprol' q.e· .gu~ fala M,arcel
Prnust ém .O J:empo nfdisco.hêiti;> -e dâ pósi_çã.o· s0bre eminente E!Ue 0 heróJ
0

ste·ndhaüa~0 ~.t:i'nge em S4à, .prfs_~ô; To&s: ~ssa,~ :irr)ag:-ens de afast'amento


e de ,ascensão expres.sat;n WA\.êl vis~Q nova e _mais dê$ptt;ndida, a ·visªti do
pn5prie çr,iado:r. É necessário não -confundir eS$e :mo:ví:mento :a;s:cens1õtial
com ·9 do ·ot~_ulho, Q .triunfo estétic.o do mmandsra -s~ co~fu_ncle com a
al~gria dç.1 hcrÕ.r qq~ :rtnunt!.o.u .a.o de$~io.

A condusâo., por.tant:o:, é s(tl\1.pre fi\ert;16ria. É trtupç~õ d~ ·µma rnem,<5ria.


m,çiis ve.rtladeira cfo ,gue o foi a pe·r~epção. -em si.· Éi!Visijo pç1ngi;~rníca"
como ~ a.~ Ana Kaf.êní.na. É "te•.rives.cênda do passaclx:t. A e,~pr~ssão é'
cfe M~rcil Proust, m.a:S nfü"J; é aqui d~ O Tcmp.o redescobert.Q,, como ]oge st;

330
,,1 r=:Nt1i~,A lfQH'Â!'l1IÇA E \ô'I~R,U.·' ülf- R0,1\1,AN.ESt.!\.
[magü,a:, que fa'la o to~qçistá, é de 'O Vermelho ea Nt4r"o. A rti>{firt.!.ção é
stmpr..e memória, e a mem<árfa, snrge .da condusã0. T odaQ ,a,S.cündt.tsõ~~
~Qm'atjest as ·$ãô iní.ç:i.Qs·.

Tod'as as co·ndusõ.es rno;i..~nesça:5 's_âb O T) m~o re4escvb.er-to .

Mãrcel Pro.u~'t Pàô faz sénão ·cks-v.endar, em sua· prcápria conclusât\ Ltm
Sêt)tidb. q!ie ficara diS_5'.l'jji.ulado,.até e!e,5.ób UJ1)._ V:~ alg"Q transpârente. de
ficção_. O n-auador. de Em-Ba,sca Jp· TtmJfo ~erd:ií:lq sé díttge- pàtâ o rqma;néc;
atr.av.é:s_dQ romance. Mas. é :o que fazem1, :~gualment-e, todos os her91~
dó~· r:àm~ne~s antéti'õfes. Sti.ep.ap t rofünovitçh -~e dtri~ paf'.<t·o- ep'isó.dro
evangéfü:0 que restnn'e 0 .s{fnti_dp qe Os D?»i8nios-. .A f:,ra. (ié Cl~v~s se
diri~e par'a ,as itvista.s mais largas e mais, 100.g,ínquas'' 1 ist0 ~. pEJra a visão
rómarie~ç:,a, Dorn Q.vi~ofe, Julle.n Sor«l ·e ·Rçiskolnikov passam. p.ela mes"'
.w.a e.J5'. p.~ ríêrlda es:pi_ritual que Màtcd em O Tro.ipo rédé~cpbei'l'ó., A es~'tica
pTaustLana nã<9 cons'i&te num de1:e1:n:únado número de re-eeitas :ou·de pre-
c.eft.os, d.a Se -Copfo:ndê com a libertação do âes.ejo rn-et-a:K<rrc..o, Nós nos
depat,a_111os 1 e1I_I O Tempõ r,edescq:héí't_ô, com todos o,s traço~,. j_á t'flúm·€I'aQ.o$.
da e.0nelus'ã.o i:orn,mesca.imas des·n.os s-ão apresenraclo~, d~s_ta vez,, cõmo.
,e~ig..ê iici?s.d'~ criação. Éda rl(ptura ,c óm tY rned:iiadur qcre brota a inspira·-
.çãq rón1a.nesça. É a ausêllçia de d'~s~io pre'stiit~ qµt 'p<;tmJtt .ressuscitar
os desfl-jo.s.·pas-sa-do5,

Pr~llst irísiste, -~m d t~in.po re.JfscQberti:!, nd obstáculo que o "mror-pr:óprio


'coottap:pe ~- ~rh1ç~.o.1"qql'àfi_e $.c_a .. O ani'or.,;_próP.rtó pr"oU:S.tlat10 eJittndra
a .i11ritaçã0 ,e faz com que 5e viv·a. sep,1ri1.d.0 de ;i 1n:fü,1n o. Esse am.or-i;,r6p'.rl o
rião: é:·<l fo!:'ç,a m.ec;ântc:a de que fitla Lá R0chefo.uca.ulc::b é um impulso em
dua? dite:çõ·es c;o_rt_tràdit.ôrias q~e- ªcaba :sémJ?fe (4sgan.do o iodivhiíUo.
Triurrf,l'f do am.or-?p,róprio. é di?tandar-se .de· si mesmo ·e ·aprcpcilnar-sê-
dos ôt.i'tr-os mas, num ,6utr:Q ·s.e ntido,, õ aproXit.ilar--,se de si mesmo e dis-
tanda_t-se dos, outros. O am~r-prppri'Q ãttedita es-c:Q1h~r·~~-â, si p.fópr'io·,
porém ele se fecha r:antn fJ- si pi;;optjo ql.J:ã.n m â outre-n1. Uma Vitót'iã
sobre ,o amo:r-própii0. no.g vYermite· de6·c er proruadamente no Eu e nos-

JJi
C\i(T.ut.O 1:! IA· t'ONC Ll:lS:Ã.O
confere, qmconjitarítemente, ·o conhecimento do Outro. Numa çerta
profundidad~, o.segredo do Outro não d,ifere de nosso pró'prio' segredo.
Ttrdo .é dado ao romancista quando ele ch~ga a -esse:fii mai-s verdadel'ro
do c;n.te aquele que cada üm viv~ exi bindo .. É esse Eu que vive de imita-
ção., ajoelhado diãnté do Mediador.

Esse Eu. profundo é um Eu universal, pois todo mundó vive de imitação,


rodo· murtdo.vtv~ ajoelhado diante do mediador. Só a rual'éOca do orgtr
lho rnetafísicp permite càmpré~nd½;- e aceitar ;a .dupla pretensãc;, -prous-
tiana à sioguiarid.ade e à universalidade.. Num contexto românt ico de
.opos-fção mecânica entre·Eu e as Outra.s essas ptéteos.oçs· são absurdas.

Marcel Pw.us11 impreS'sioàádo S'~m .d.-úvida por essa absurdez lógica,


renu,ncia à_s vezes à sua dupla pretei:rsão é tor·oa a c·air no.s clichês do
tomantismo contemporâneo. Em a[gul'ls raros ·trechos d@O Tempo rc-
de
.descobert.o, a:fiID14 qire a qbt'<l arte deve nos p:errnitfr apree1tder nos'sa·s
"diferença.s" e usufruir nossa "orj-ginaHdade;;_

T ais desvios passageiros são, devidos à insuficiêncja dq v:otabulário tçórii::o


em Proust. Mas a preocuçação cbm a cberên@ia lógica é logo sup.lantada
pela i(lspfraçã0. Proust não ignorav:a que ao descrever, sua Juventude. ele
descrevia tamb~rn a no.ssa ..Ele bem sabia que o artista verdadeiro .n~o tem
mais de escolbet enrre ~!e ·própri o e os (Jutros. A arre romqoesca gen/àJ ,
porque nasce da renunciação., aeoaba ganhando sempre.

Contudo essa renúncia é alg.o d o.I0r0so. O romancista não CQ(;ga â.o


romance .s_e nã0 quandO' recortfotte um próximo em ·seu mediador. Mar·
cd t~m de. renuaciar, por exemp.Jo, :a fazer do ser aai~do uma divindade
monstruosa é a colo.cara -si próprio como uma eterná vítíma. Ele t em de
reconhecer que aS· mentí_ras do ser -amado são semelhantes a suas pró·
p~as .mentir.as.
Essa vüótja sobre o "amor-pr.ó pno", essa renúnda à f.asd nação e ao ó.dio
é ó momento Cc;\pital da ériação ro~nes<:a. Logo, ele está· presente et;n

331'
MENTI RA RóMÃt-lTI CA' E VERDADE ROMANESCA
t0d0s os rnmancistas. de gênio. É o _p r&prio -roman0ist:a que~-~ recoQfre-
e.e, -pela vo::z; ·de s,eú n.~-rói,, .semelhante ao· OuJro q~t.e fascina ,. É a -sra_ de
(..a'Fa:yette qqe se ree:oohec;e semeJhan.te às mti.lhét~s tj_u;@s,e pérd.em por
·am_or'.. É Ste,m:lh~l Q 11-ü'mJgb dti:s 'h ipótdta_s, ,qµe. .~e trata ~ s1 próprje
çte hipócrita. r-ia c~ndusão de O Vertntln,f e· o ~e_grp· ;É: Dqstê;)1_evs.ki que-
renuncta a tomar,.,se erapo.r Ltro sup.er~homem', or.rpor um s14b-b"o01em,
na êo,fldusão ·d.e Crim·e.e Cªsfrgo, O rnmancista·s.e reconhece cu]p.adn pelo
pê~?do do qµal ele acusa sêõ_me_diadJ).t. A maJdl-Çãô q~í:e Êdipó lançou
e:;bntra qs-C)utro·s r~qi sóbre :s;ua c;;tb~çã,

Ê essa maldição que exµressa 0 famos0 gri.to d:e Flaube,n: ºMadaJne Bo-
vary sou êü!'' A sva. Bo~acy fot inicialmente, co.nGebúda ·c omo esse Outra
de_s~rezível ç9111 .O ~uàL Haãhert tinha jurado qu~ ia aeert'.ar ás :éontas.
A sra_13,ovafy é ih'içíalment.e a _
inirn.tà'a de 'Fla,ubi:;tj éOni.o Jujjen Sotel é
o 'i nim_i:go ~e Stendbat. tomo 'Rà:skolnik~v é q lhi_tni;go dê Dó~oievski.
Mas o heró-i de romance, se,m"n un·ca .deixar de ser o Outr.ó11 se une po{Jco
.a p.0uco a.o. romancista no ,c urso da criação. 1Quando Flaubert exdama:
''Mf!d?.m.e: l3ovary sóü {.1:l', -ele tiã'o quer ,-d.:i:4'.er qu~ a sra:. Hovary pàss.ôu a
sêt a -p·artJt daí nmêr e:spééi~ de, se,g'Uhdo ect lisoô.Jeiro d'e· ctue os (;Sçrjj:otes
ro~Qticç,~ 'a.·do-r,ai:n, se cefcar. Ele qtt~r .q.J;zM q~ ·q E~ e o Outro· s·ão ÜV'Jcl
coisa, só dentro d.o mila,gre mmane:sco..

As ~ n cl:e5 étj_ações J'omanescas são ·S.ernpre .fnitb ·d~ úmá fasclnaçãó


supeyaéfa_ O herdi sé ·rétonl,ece np l'iyàl abomrn·~d9; ele re_oµridà ~s
(/'djf~renças"· que p. ótjfo s~tgete; ~eçonh·e ct\ i!-'S ptóptias cU:!;ta$, .á pte ~
,sença d.0 drcule p-sico-ló.gko_ O 0lhar qtr.e o romancista·.µ.eha sobre sT
mesmo se une, à atenção m:órbtda que pre-s ta .em seu mediad.0r_ Tadas
·aS: p o t~n6~,S d'e µrn espírito- llherado de süas ,_c_ ovtradfç:õ,es se junmm
num m.esrno 'ittW~tlso, 'C.rêador. Um [foro Quf~-ot~., Umá Emmil BQ\lê1Jy
çiu urn Charlus nâo -scri aro tão gra;Qdes se n!q. loss'êp:i E5 fruto dé wn_a
sfntese entre .as duas metades da- existência. que 0 : orgrrl ho quas-e s~m-
pre ·coni;egue manter s:eparadas_

33·~
ÇAPÍÚJL,Q 1;!- A_ Ç()r{Ç_l.U,SÃO:
Es:sa vit6ri.a ~obre o de.s~io é infinJtamente penosa. É preciso re-núncta:r,
nos diz Proust, à convers.? ção àpaixoriada que~cada um de nós pross~gue
1
na superfície de si mesmo- É preciso ·Tévogar suas mais caras ilusões".
A .a rte dó· romancista é uma epokhê, uma red.uçãQ fenomenol'óg1ca. Mas
a ún1ca epokhi ê,ütêntica -é aquela da qual t>s Hlósofos modernos não aos·
f-alar.n nunc~; ela constihJ,i_·s·e sempre numa vitória sobre o de.c;e-jo,.é sem-
pre.uma vitóda stíbre o ótgtdho promete1có.

Alguns.. textos i'mediat amentê anJeriores ao grande p<!ríodo criativo de


Marcel Prnust lançam uma luz mµito vivida so.br~ a} correspondências
eritr.½ Ó Tcm,Po·redescobeito·e a.s condusõe:s romanescas dássícàs. O:.triâis im-
portante, talvez, c;l.esses tem:os, é üriJ artigo publicado no jdriial Le Fíg,1ro em
15107 sob q .título "Sen tiinentos fil'ifliS de um p-artici da" . O artig0 versa ·S0-
bre o drama ,de UlI!p família que rnaptinha éorn os Proust relações bastante
di'stàntes. H enri Van Blarenberghe ti nh.a se matadó depois de hav~r assas-
sinado· a mãe . Proust narra rapidamente- essa dupla tragédia sobre a quaf,
é visív.el, ele não pQssui nenhuma informação particular. Na condusãó à
perspect,va se am-pli-a e o tom se bz maís pessoal. O caso Van Blarenber-
ghe se toma-o símbolo da~ r~laçpes entre as m?es·e os fiÍhes,. Os defeitos e
a.ingratidão d0s filhos provocam o envelhecímen10 precoce dos pais. Este
Já é um tema da c.o nclusão de Jean Sa11teuiÍ. Depcíi_s de haver descrito, etn
s~u artigo, o h·ediondo espetá.c:uld da ·decrepitude que <!_presenta êf.o filhô
uma mãe desgastada pelos sofrimentos, Jviarcel Proust exelama:.

... mlve.z aquele que sounesse vêi'' isso, na '>nomento tardio d{ .luciâir 1fu e.,1s v'idas
mais ,mf{itiçadas 'l>or q1(1m_ert1S podem mr a ter, j!i 4u.c a dr Dom d111''Xtlte me~,na te,;,e o.
mJ, taJvez aquele- s~r., c_omo Henri Va.n BJarenberghe· quando já pusera
flm à vída da mãç a pwn1~ladas; -recua!.se, diante da horror de sua vida e
se jogasse sobre um Íuzlf para morrer ilaqpeJe.instanxe.

·334
MENTIRA ROMÂN TICA E VF.-Rf}AD~ Rl1M'ANF.:S CA
b parr:idda recobra .sua luc~Jde:2 e>t,pt.ar seu aritrr~, e)tpra s.ê1,htrltriç _a()
~Q
r€c.Qbtát :~ua, ltic:;ídtz. A visão horrorosa do passad@ é a vis'ão da verda-
de; ~J.,_ se o:páe ra:dícc!'.1meii.te à vi.eia "e·nteit_içJida por (;ruim.era/. O d tma
"ed(piand' dessas.Hn:has·é ,.<iffgno de nota. Esta.mps .em l 907. Pro.uft fi'.n}h:i
acab.adQ de perde.r-a mãe e estava torta:rado: por remoTS9$- Entrevemos,
nes:s.e b:reve pàr~àtQ , ó próc~sso. que permite a um St:en<lh.a:l, a um Hau ·
bert,. um Tolstô.i, 01I\ Dpstõiévski q1~ãrn.tr süa expettên.é;fa en.quant0
hurf1em e e-scrit0r· numa o.codência :c riminal .€Jualguar.

O pê9'J'ieicfa ch_eg;i ao-rn~S:tnõ po:n.to, ~m seu ''m0merihr tardio de· luai:-


de2"1 qu:e .todos os: .herçS'_i.s dos ro..m.ances a_nterfo~es. C.0tno põderia;mos
;dmr1da:r ·disso, )ti que ,r-o pr.6pri.o Prowit 4ue põe em paraLeto ,essa ,agônia c.0111 i/
~ Do1n Quixote. "Os ·s~ntim.e~ntos ôlíais :d e um parricida" Í.OTnece o elo
que ·fal!!ava entre as c,o'.nclu~ões dás.sicas ~-O Tçmpp red)sçóhrta, Não sera
dá.d.a çon:tinlt'idadtc a essa. tentati.v a de manei'l·a' direta .. Proqst desi~tí_rá_·
trad.ic.tonal de transposi~o. roma0.esc.a. Seu heró.i nio.
d.ô p'rõc~dtrtri:ftito
cometerá suiçfdio., ele se tor'rí:~r~ fG:!rna()t_ísta. Mas, de ç_üi(llqJ.Jer foTina, é
·da morte qu.e a iEJ.Spiraç_ã o surgirá, dessa morte ,qu~ Man::.: d Proust .êstá
vivé.ndandQ, em 19'()7, t:·cujo hortor: fl'Ca, r:eflet ido para :n0s em to.d as os.
t~tos daqµela f poe-a.

Es"târíanms· d~11,dó dema:sjada iin.port!âocia a, um punhãdo de linha·s quê·


,cafram nó. esqueômentdJ Talvez. h~verã:o· di nos di-zer que esse text0-
não. p.ossui qualquer m,êrjtp. Iiterárlb, qtte: foi e~crítõ às. pres;;a§ pata um
jornal mu:ndaflo e que sua conclus·ão se at0la.em lugar~s-co_mqns de n}é•
'lodtatvai f>'Qdé $:er, mas t:aís c,onsidefaç;0es n.ão têm muito peso frent:e ao
te~tetru,rnho cl:e· Marcd Pró~st .em: pe~so?. Num.a ca_tta a Cahn@tte que
seguia com o arti.g0, Proust €onferia ao Fi!}am o direiw se.ti_T reservas de
editar é c·9 rtar :s.eü texJo,. e.x,:cetuando-s.e os úft.imos parágrafos, que ele
~x:1gfa serem ·gubl_it~d~s riã íqte~.(a·..

A alusão à lu.c.rde.z tardia de Dom Qllixot-e: é tão pre.dosa q1:1e efa


·t9mã' a ap_a rét·e:r ná.S· nbtç1s pt,1hli.ça.das .oo-.awêridic.e a0 'Contra $aJn.tf-..,

33.S
.c':"AffTÓ.L() 12' .. A Ci:;{).{'ÍOU:ts.~o
J3eiitJe 8 , e p,u m contexto desta fei:ta puratflJ:!íte literário , Nessas mesma.s
notas, m:ujtas das obse n rações acer.ça d~ Stendhç1t Flaubert., Tolstói,
Georgé Eliot e Uos"toievsk.i revelam .a consciê;ncia qu·e Proust tiAhâ
da unidade. do gênio rorn.a nesco. To.das a_s obras d e Dostoievski e
de Flaubert./ assinala Proust,, pod~tiam intituJ_ar-si Crime e Cast(40. O
pri.ncípiq ·da unidade das o bras.-primas fica claramente aôrm.a.do no
€apjtulo que trata .de 8.âlzac: 'Tod os ·os grandes· se µi)em etti certos
pontos, e são como os difçrentes mome.ntos, co.ntrad.Ltórios às vezes,
de um. tínico homem do,tado de ,gê nio.9 "

Proust potou - não se pode ter dúvidas a respeito - as rela:ções entré


O Tempe redescoberto e as 0o nclu·sões romanesc.as clássicas.. Ele poder-ia
ter es.c;rit_o ,, sobre a Ut'1i-dade do gênio romanesco, ó livro único que esse
as.sun.to, ç,rutial mereçe. Só o qtrn:. estamos. fazendo é, em eerto,sentido,
dese,wolver suas iJ1tuiçôes.

N essas cQndições, ·é !feito esl}antar-se que o ço{Jianc'ista mrnq1 ten&a


abordado' o t ema d.a unidade romanesca em sua própria conclusãot n~s,
se O Tempo redescoberto que se desdqbra e.m med..ítação sebre a cri.açã©
romanesçª. Es·se silêncio é. tanto mais surpreendenté que o f9rt:1ancistç1
se cerca de referências Jite~ri~s- Ele reconhece ter por prect.Itsores, n·o
tocante à memória afetiva , Jean-J~cques R9uss·eãu, Chateaubri-and e é .é :
tprd_ de Nerval. Mas ele não menciona nenhum romancista. As intuições
çlo Contra Sa1)1te-Bêuve nã:o são nem retornadas, nem 'desenvolv1das. O
que, afinal , ter-ia acontécidó?

Em Marcé] Proust tomo em todos os seres qu~ vivenc'iam umcá experi-


êrtçia espiritual rnuíto lntensa e soJitária, 0 receio de parecer extràva.,.
gante ·só _perde para o de tor'nat -se ridículo pela ré-petição de verdades

a. Edjção, brasileira, MaFcél Proust, Ccmtre· Sa.inte-Btuve. 1.ed. s·ã<i Paulo: Iluminuras,
1988. (N.E.)
!I PROill>"f, éuntú Sainfe-Beuvc, p.. i LO.

3:36.
MENTI RA ROMÂN TI CA E VtlID:AD E RÔMANESÇA
universalmente a:cejta:s. Atreditamos qµç- o destjo de evi'tar ·esses dois
p'1:ri$OS contraditórios trouxe a Març:el PrótJSt a s\1gestãq .de :um.a solução
dê mei'o,termõ que ele ac;abou adotando. T em<mdo ser acusado de des-:.
prezar, as vias, reais da. literatura. témendo, p ,OJ· o.utro lado,, S<'tr a_cusadç:Y
de piagiar as ·grandes obras romanescas, Proust esçolh('su p.ara si alguns
ancestrais {ite:rários, mas pôs cuidadosamente de l.adq os roman(istas·.

Corno é sab\do, Marcel Proust .não vivia mais.se-não para sua obra. Léon-
Pierre· Qaiot mostrou qual~ o~ recursos de que ele s.01.1.be tirar proveito
n·a ar'te da e.s tr.a tégia literária. Essa última idol'a.trfa. não des.mantha a per-
fei·ção de O Tenípo redesi:óbcrto, conquant.o limite, em certa medida, seu
alcance. (),autor rk Em Búsca du Temjlo pérdiJo não faz questão de destacar
os parentescos de estrut ura entre as obras_..primas romanesc<;1s. Ele rec~ig
estar d..ando a seus críticos uma pista demasiadamente féniL Conhe<:.:f o
v,a1or que sua época attibui à origiiialídqde e rece1~ qµ~ se tome dele uma
pçirte da gl,6Tia. lit_erária· que lhe: e-abe. Pa§sa para ,o· prlm.dró p'lí;lnO e ·dâ
habilmente especial clest:âque aos elementos mais "originais" de sua reve-
lação romanesca, em part_ia.i.lar àrmemóría -~fetiva ~obre a qual um exame
msl_ís atento dos textos anter1ore:s de G Tempo· reâescobeíto dernoostra qui!z
ela não oC,trppva il posi.ção absolutamente-centrá! que lhe é conferida n·a
ree.ação definitiva 10•

Com,o ejç_plíc:.é:1-r. s:enão pela "estrarég\a literária", o sil~ncio âe .Mar~e.J


Proust? Cçirnó exp licslr a ausência, em reflexões sobre a arte romanes~
ca, des-sa conclu-sâo steT)dhaliana de que Proú'$t levantava, na época·
d.o Co11trq Saint--e-Beuve, todos o.s traços típicos, .mçl..os os tr:aço~ êom que
nõs deparamos em O Tempo redescoberto: nCosto exclastvo pel.ás sensa-
çe.es .da alma,, revivist ·ê ncta do passado, desapego às ambiçôei. e tédi-o,

IQ Long_e de n6s, aliâ.s, a ideia Je ver ness~ posiçã9 central um ''er,rd' do romancista oti
Uma lraiçãp da experi~ncia de origem·. Essa posi~ão se justifica por razões de :econo~!ª
romanesqi. que nós nos esfor~aremos em ex-plicitar num se·gund'o, yolume. Queremo~
apenas ebmentarqoe Prousr.saube combin~rcom,extr!mla bªpilidade .as eiüiênciassup_e-
riores da revelação ~ornaoesepc9rn asexigcm:ias pr-á'tkas.cl.a.,.estratégia literária". (NA)

337
CAPITULO 12 - A C9"NCLUSÃO
da intriga_" Com.o não ficar impressiona.do com o fato de que Marcel,
Proust é o ún'ico a perceber o pâpd. da .m emóri.a· na agotiia dç Julie~
e que _percebe essç papel no perfodo rnesmo em que -se- prepara para
es.cJ:e:ver O Tempo,redescoberta?

Prqast se interessâva t~mbém, no mesmQ período e ne..ss.a mesma con-


clusã0, pela visita EJ.Ue faz a Julrên µm aqãde Cbélcin basrante debilitado.
pela lCÍade, "EnfraQuecimento de uma grande inteligência e de um grao 0

de coração ligado a'o ertfraqu~tjme_n to do corro. A velhice d0 homen).


vlrtuoso: pessimismo moral." A morte lúcjda de Julien s~ de-staca mara-
vilhosamente sobre o pano de fundo que essa le_rtta e terrível' decompo-
.slçãp carnal propic:iâ. -ao .romancista.
Aqui tampouco .a atençã0 de M_
arc_el Proqst é desinteressãda. És.obre um.
contrast~ semelhante entre duas mortes antitéticas que está arquitetado,.
em seu todô, O Tempç, redescoberto. Ô herói morre lúcido para renascer n_a·
ob:ca mas eonti'nua-se rrrorr.endq:à..sua· volta sem esp,ê raoça de n~ssurrn-r 0

ç°?o. A morte espiritualrneate fecunda do .narrad0t se ópõe ao espetáculo


atroz d.a recepção .Guennant~s· é-·â:o .horrível e inútil envelhedmento da:s
pessoas da alta sociedade. O contrãSte já estava presente em Os Sentimerr-'
tQ$ Jfüais de urn pamcida 1 ' mas ·adquire a partir de· então seu sentido dàssi-
camente romanesco. Equivale ao Apocalipse dostoievski~no. É preci,so,
de fato 1 reconhecer em O Vemtelho e o-Negro e em O Trnipo Fedescoberto, as
duas fac.es inseparáveis e opostas do ap:ocalips~ romanesco, tai~ como
nos· foram r~veladas primeiro pela obra d.e Dostoievski. Em todas éfs
conclusoes- romantscas autênticás, a tno,rte que é -espírito se opõe vito~
riosamente à morte do espírito.

Strá qut esJanios sendo.levados pela 1mà~inação? Para ditrimir as dúvidas


inv-0caremos um ultimo tçstemµnho a fa;vor da J.Inidade das conclusões

' Edi~ão ~m portu.,~s:. Marcd Proust, A raça maldit.i. Lisboa: Hleliã; 1989. Tíw J·o ~ri·
1

gjr1al: Jo1m1êts deLedurt: La racflna.udite, Ser.timrnts ftliaux d'un pan-Ipde. (N.-É.. )

338
MENTIRA R,ÓMÂ N TICA E VERDAD I;'. 'RO.MANESCA
romanescas: o de Balzaç.. Não. [rrc,Jufma~ e~:;'é ff)h1a11.êist,i erri nosso-.grupo,,
nià\> ~a.ex_períência•criiativa, nã0 deixa de ,e.sta:rmwtó pró~im,à, {ob de(er. 0

minados aspêctos; da qt:re .es.tàmo:s·estudao_do. Ba-seamo-nos: parti prbvat


~5sas analogia5 ·a_-penas no trecho s-egurme, tqmaifo da côn.elusão de O
Prím.o Po11i2 . Balz_aG"d.esc;reve él a:go11ia: de 'seµ: betói:-~, ~o fá,zê~lQ,, .define â
dup-la fac~ dó ~po~~pse ro.fnanes~o:

fauiltores antigM e . wo<lec'no.i f:reqµe-nt~merit~ pµ!içram,. t{e ca<la lado


cio ru.mu:lo. :gên.l"o.s que empunham,tt:lclías.ac·esá~ E_sses clarê:ie.s-iluminaro
a~ a.:,,o'j:m han tlfs .o g_w;idro âe suas fol~ª"S; dltseus.er.ros, acla:rantlô-lhe~,ôs
camínho~ dá 1\lõrt1:f. Nt~o, a e5CUltura· rra-d,9-z gra11dt.:-:> idef'as., rep.todttz
1

um-:leuÔtn<mo human0. A.agonia tem d ~êu €.(lgénho. Vê-~e rriui_t;,is v~zrs


?imj>.'I~ mpça5., niJ mais, tenr.a rdade1 .ad.quirlréhi, um radotínió q:htérui~
"ri:0, torrí.ãr_em-·sê P.i'ljtera.$,ju)garem s.u.a. famfli-a, não s'e deixarem: iludir
pur n.enhn01a,com~dia. É ã poe'si_a ~a t0:.PttêJ 'Màs,,çoiJa e~l:ránb;:i ~ digna
.d~ FlQt al ivtQrre:-s.e de d0fa nmdos ·difei:entes. fasa poesia pr6Í;ttcia, ~J~
-qõn; ,d:é ver j:lerf<i:itamt-f.lte; s_ej~ o fqturo,, :s.eia Q pass-ad~. SÓ· pél'terK-e acrs
,agon12ante·s qlíe foram áfmgidj:>s ape.n·a.s na carne, i;j'ue p!,:re~trn. dev'i:dP'
-~ destru.içãq dos üt,g:âos- da vida- côrperaL De·ssa mâneiiã -a s .oíatttra~
at~c·aêlas, c§nJ~) Luís XIV , pda ./!l"angrena. ·os. ttther.culosos, os ·doentês-
que rn.orteii'I .conip ~oris\ por cau's,;j do tfgado, ou,. CQmp il ' senhora de·
Monsacrt devi:do: ao estôúia-g'õ, todó·s estes g.ôzãm d~sà Íucid6. sa0Ü-
_rnê, ~ são mortQs sur_pre~ndt}nte~ e- a-dmirávd1,_..Ao1 na:~ o qu~ as. pesst'las·
qae m·ô rtem êm cáofaeqü~çi_a çl.e ªoe.nç9s p-or·assim di.zeJ \nteleçrnais,
cu.10 mal es_fá nc> cêi·ehrq1 no sistema· liéMtosà ·q~1c ·serve de inte:rrn1:diário
ao cprp0 par.a. fome_c.e r o .tJnribustivel d'o pénsa!'.nentõ,., esses niorrei:ri
cbmpletarri'ente. Nes:tes', 9_ espírito_. e Q çqr,po Si:: ç.~s1'ro~m Jmttc>"s, Os
pti.mciros,.almas sén:i có.tpôS:1con.stiru:~ití qs el\pe$ós bfü)i~Qs; 0S: QutF.o s
,!ião cad~veres_. Ess~ hqmm;n virgem, es-se Carão ,guloso, esse Jtisto "(Jl..l;aS~

'~E<l.'i-ção:braslle:tra, lrfo:nor-é & Balzat;, Ó priiti(l,Po»s Ri.o d:.eJa!l~fro, Ediow~. 19~7, pp.
269, 27 0, (N '.E.)

)3:9
(;APfTULO · 1.2 ac- A.€ {:JNClUS-Âf:.)
se.rn pecados, 11enetróu tardiamente cta.s bolsas de f~I que form,ayam. ô

coração da pTeSldenta. Descobnu o mundo no m omeJ?lO de abandqnâ-


lo . .~sim, desde agµmas h(')r~, toma,a a1e~eménte nma decisão, co111Q
.um artista joviàl par.a quem tudo é ,prete.xw pal'a caricatura e zombarias_
Os ó.ltirn.e s laçosq1,1e o µ,nlam à. vidt1,1 as·correntes de admiração, e nós.ô,s
poderosos que ligavam.ô conhecedor às obra1;cj:1rímas da ;me, acabavam
de desamr-se aqJ.Je.la manhã. Ven.d o-se t0ubado pela Çibot, P.ons crista•
ruente dis~-era adeus às pompas e às vaidades da arte ..:

Os maus críticos'têm serilpre como ponto de parrida o.mundo éh amad·o


de real e eles submetém a criação rQma.nesca às normas desse mundo .
.Balzac faz a contrário. lu.ís XlV ~~ã )ado. a lado c·om Pons e a ,sra. d·e
Mortsauf. E por trás- do véu de pS'eudofrsiologia, égmo em outros con-
t€xtos por trás da frenol.ogia, da:doutrina, de S>aint~Ma.rtin 9u do magn~-
Tism o ,_ Balzac n'os·Fala interminavelmente de sua experiência romanesca.
Ele resume aqui,, ·g;t) uma!;> poucas· fras~s, ·0s .traços essenciais da conclu-
são ra.manesca: a dupla fac:e da nl'Qrte, d pàpel dQ sofrimento, o desape-
go à pa.i:xào, o simbolismo cri-stão e essa !acidez subUm~. ao mesmo tempo
memória e profecia, que, ilumina -por i.gual a alma do herói e a alrna das
-0utras. personagens.

Em l3alzac 'C0ffi0 em Cervante~, em Stendhã.1 como em: Dostoievski·, .o


évent9 trágiço traduz o advento estéttco. É por isso que Balzac compara
o estatlo de espírito do, moribundo a:o- de um "arti.sta t::heio .de q:mtenta·
.rnento". A conclusão de Ó Prima Pons é um Tempo. redescoberto.

Prova-se facilmente a unidade dás conclusõ,e s romanescas ao compa:çar


O$ text0.s. Mas essa última prnv:a,, pelo!Ilenos em t½se, rjão·era necessária.

Nos.sas an_álises levavam inevitavelmente par-a a mensagem proclamada


a uma :SÓ "'º'!- por todas as conclusões· ~eniais. Ao renunêiãí à diviod~de
enganosa do orgulho. o herói se liberta da escravidão e s~ apoqe-ra final-
m~nte da .ve,rdade de, sua 'in'felicídade. Es.sa rénunciação :não se distingue

340
MENTIRA R.OMÃNTIÇA E' VER.0AD1; RO~A(si!:SC:A
da renunc::iaçâo·-c:riad.t;>ra. Ê'!Jm~ Vit:Qtiq. $Obre o de{é;iQ rõ-e.têi.físiçp :que:faz
.de um-escfrtor nJmântko am verda:de\ro rnmanci$t~.

N~o fa_ziamos senãô pre·s.septi.t ~S:~.a v..exclqd~ n1as éis que a akanç!3-mos,
a t ocamos, a p0ssuírnqs .finairQênte \làS ú{timas p'çÍ~}n~- do nJtri~né;e., Só-
r:i,os faltava a .àprov.ação· 0.ficial do prõpr-.io mmanêista, d _a nos foi agora
ó~t~r~~Ôà: '1~ .s.0u lniii:J.igo :d~ Amadis d~ Gaula t1' da infinira. ca,rerva de
sua linhagem ... " $ão ç,s pt'çtp(tQS tt:imáneis~~s,. pd<l boçã, -<le. seus: h_eró.is,
~u~ c.oAfirroam, enfim, .o que ·nãçy par.a:m~s d~ aflrma.r ao Tôt'.J,g.ó déste e~-
CíHO.: é no otglJ,lho. <!;l!Jf· esv.1.o mal, ·<}b, unive-rso romanesco é um univer-
so de p:Qsse.ssos .. A·cof).d4são é p eixo. iínóvél dessa roda :conslfü):ída pelo
romance. É dela que depençt~· o'. çáleidpscópip das a;par?m:::ras. A cqntlu-
são: <i1,Q$ rQITI.an_ç~S: é também a co-ndusão ,de no5s-as prôprias b1::1sca~.

A verdade in.t~rv!!m:atiyamenté ~lQítódçl'pan~ na obl'a romq11.~sc;a 1


porém
ela se detém má.is especialmente ,na ·.c0ndus'âcs>. A oonclasãp é o templo
d~~~á veydade. Lu~ar onde a verdade marca su.a pre.senç;a., a' <.mndusã© é.
o lugar çte.Ç):Q'cte o 'e(f() $ê ç~'$Via- Sé ç:i ~o n~o çons~g4e negara urudade
,d as conclusões :romanescas, ele· s~ empenha em totn;á-'la in0petànt~- Ele
se eJnt>etJha em tbndenâ ~la à ester.ilidade.-chamando-.a de bm1ali.dade_ N~o
~e: dt\Ve r-en.egar :~~.Sá hànali'd~d·½ e ~irtl. reivi'o.dicã-la energi,c;:arncr-ite_ D ~
mediata-que era no co.p:q.do, rornance, a unidad.e rúrhanesGLS.~ f~ iroç•
diafu. Qá conclUsão., Ás ronch:m0es_romanescas são forçosamç:nte batiais.
já qt.re rep~t~rtl.., tód,as,_literlllmen_fei à me~ma coi:s-a.
1

·Ess-a banalidade das conclu~õ·~~ romanescas. I),:âo é ~ hanat'i_ô;?de loc;a."l


e 11efãtiva do q'üe o.!l.tr01'a foi "arJ~inal" e pode voltar a sê-lo cpm a
éo labôJaç_ã:af pftttie1tamen(e., çl(;j es.qu~çiment.Q ~. d~poi-s1 de uma ~'re-
descQberta" e de uma "r-eab1litaçâo"_ É a banalidade, àb,;sóh.it~ d,Q Çfue é
es'.~e·a_çia_l _tià cJviliz'açã:0 oddentaL O d~sfeeho romanesco é unt~ t~-
cohciliaçâ'b '~.n tre ·01n:div.fduJ} .ê ,Q mundo, en.tr~ o. homem~ o -sa~rado_ ,
O lmiverso rnúltiplp· da_s pai~&~s se decótr-i:põe e réto.rna ~ simpliçi,êla~
de. É a_41:1a.li1sís dós gre~ros e o segundo Nascimento. d<;?s :crísta.o-s qq,e ~

3'4·i
CAl?hULO 12 - A C0'NCLUS.À0.
conversâp r001àne~cç1 nos lembra .. O roman'Cista se une ncctsse último_
rnoniento a todos os c(.rme-s da litératma ocidental,. ele _seun'ê-a tod-~ as:
grandes rp,orai_s reli:giosas e <JO~ humanismos S.tJPe.riores, os que elegem
a parte menos atessívd do homrn1.

O tema d<1 reconciliaçãp sehdo tncessantemente martelado por bocas


indignas,. che!@-se facilmente à convkção, numa época votada à indig-
nação~ _ao esdndalo, de que ele .n unca teve, d.e que: e!eJunais pode ter
um conteúdo concreto. Fica-se pérsuaclido de que de. emaná dás regiões
rna'is superficiais da c.:onsciêocia romanesç:a. Para ·s ituar a reconciliação
numa perspec::ti,va ffié\i S cnrreta, tl'eve~se -encará~l·a como· a conquista de
uma possibilidade por rnuit.Ç} tempo vetada ao escfitor. De.v t-se tnc;a-
rar a conclusão como uma superação da frnnossibil.idade de cooduir: A
obrí! crfri"ca dé Maurice Blancho.t pode nos ajud~ o~ss·a tai:efa1\ Maurice
Blanc.bo1: nos :mo~ erõ. Franz. Ka&a ·o representante exemplar de uma
litera;tc.u-a fadada ao interminável. Como Me:üsés, o herói kafkiano n-ão
verá. jamai~ q. terra promet\da. A unpo_ss1bjlidade .d e conc'luiT, nos diz
Maurrce Blandio.t, é uma impossibilidade de 1J]Offéf ria ()ora e de se
(ivrar de si mesmo. na morté.

Ao ca:réit~r inacal5ado da narrativa contei;nporânea - não-acabamento


este que reflete, nos melhores, não uma moda passageira, mas uma si·
tUêlç;io histórica e nreia}:ísica particular - op,õe-se o caráter acabatlo d.à
pbra rorn~riesca.

A conclusão impossivd defin~ um "e,spaço literárioº que nã.ó esfá pàra


além. e sim para aquém q.a reconciflação. Qu~ esse espaço ,, e _somente
e'le, seja o Çm'ico -ac_éssfve·I à nossa época ·d e angústia é um fato inquie.-
-ta ote co.r.iquanto oão ~urp.reend,mte para quem conS"enra na lc:;mhranç.a.
à evolitc;ao dâ es.tr.utura tomanesca. O fato não surpreenderia Dos-
w ievski que já né;>s apres-enta personageO$ votados aq interminável e

I} Màurice Bl<1nchm. De Kafka tr Kà]ka. Pàrisi 'Galiiin.àri:l., f994., (N.E)'

342

MENTI RA ROM}.NTICA E: VE[tDADE Rü/tl~N~SCÀ


1
!

Levamos detl{ro de nós uma hierarquia dQ superficial e do p:roNndô,


do essencial ~ d.o aces·s61·io,. que aplicamos in~intivamente à obra ro-
tuan~scâ. Essa hierarquia, de natureza ''româmica", ·'1indivjdualista" e
uprorm;teica", esconde <le nós derer.rninád(;)s aspectos básicos da cr_iação
artística. Temos ·o hábito, p.or exemplo, çl..e nunca levar a sério 0 sim-
b(>lismo cristão .talvez por ele 5,~r comum a, ml.)itâs obras rnedíoe_res .e
subiim.es. Atribuímos a esse sJmqoli~o u,_m pap.el puram!!nte decorat,vo
quando o. rorpancistâ não. é cristão, e puramerfü~ a.pologético quar;ido o
romancista é cristã.o. Unw crítíéa autenticamente "cíeofífica" renu.aciaria
a todos. ê$Sés julgamentQs.ii -prior;i .e obsey-\laria convergências espantosas
entre as divérsas. conclu:sões romanescas. Se nosso.s preconceitos -pro et
cqntra 1' não estabele:çessem uma sep_aração estanquê e11fre a experiência
es_tética .ea exp.eri~n<da teligiosá, Q.~ prnbJe.mas da. cria:ção nos -apareci·
riam soo, uma nova luz. Não amput'~ríamôs a obra destoievskiana de tq-
da,s suas meditaç;õés: rehgiosas. Descobri.ríamos em Qs Tr:1n-aos K~r:amazev,
por .exemplo-, textos tãd preciosos para· o e_studo çl.a. cr_i~çQo romanesca
(Jl.Jalito os de O Tempo redescoberta:. E tompreenderfamos ·noalmenté que o
simbolismo cristão é univers:a.l, pois é o .úmco capaz de· infonn.ar sobre·a
experiência romanesca.

É, pois, necess~rio encarar esse sirubol{sroo de um ponto de vista roma-


nesco. A tarefa ê tanto mais difícil ·que o próprio romancista procura às
\rezes nos enganar. ~1:en:dháJ lança ã. conta de uma cela demasladàmente
úmida o "mlsticismo alemã011. de Julien SoreJ. A conclusão de O Vmn.e-
lho ,e·o N~gro , contud'o , p.em~anece sendo urp.a meditaç'â,o sobre temas e
símbolos ei:ri-stãos. Nela, o roin?nq-sta reafirma seq ce-trcis-roQ mas nem
por fssp temas e símb.olos deixam de C$tar presentes ·para ·s er etiyo ltq:s-
ern negaçõe~. ~les ·d~sempenham exat'amentt;:' 0 roesmo papel que €m
Pro:ust ou. em Do~toiev.ski. Taclo Q qu.e toca ·a esses te~s, indusive .a
vocação monástica dos h erq!5 stendhafi anos, vai nos aparecer sob uma.

u 1:11} latim, no 9dgii:ial.(N.Ê.)

3-44
MENT IRA R.ÚMÂtfr! C~ E VERDADE ROMANESCA-
n.ova luz cujo fulgor Q.à'o cf~vemgs pertnitit que ~ jf0lira do rórfiil)lci ~ta
vrriha .à .s::ncldbrir.

Torqa-se i_nâi'spensh~el,. nç·s-se pç,nto C:e;n:no, ne,s d~rnais. interpretar: os


romancistas uns por 01~içr tlo-s "O\Jttos. A 'qLte!itâb re'líg;k:i~~ nãçi &ve ser'"
ah.ordada.·de tor.a m.às transfoTmada, na medida do passive],, nµm 'J).rohk-
TQ? pút'am~nte: rõman~s.to,. O proble-ma.do. cr:is.franism0 em S.tendhal, os 1

problema& do ,,.mi:stipsmo. ptõustiªn.o1' é dó "tní.stícis;nQ_d0stói~skJãn<>''


n_ão podem s.er esdarecidos·sen'ã0 rnedi,ante corejam~mps.

Se o g1·ão dê r,riJJo. .ct.indQ 11fl. fert{l nãQ morri'.r. _ffe,a, e:k s.ó, mas se mP.trer, .diá muito
Jrute./ 6 A fras.e de· Sâq João reaparec.::e em mttltos ep.i~ó4iô:s cruciais de
bs fol:l:tiQs, Ka.mmatb.v. Ela expressa: as relacões misterifü;as entre af . duas
mort~.s i'onianes~~: ª- ligaçã1:>·éntre .a prisão ·~ a.çura esp:Lritua1 ·de Oi,mi.
rrl, a: ligaçãn entre a çloe_n~a 1;no_rt~l e â c0.r1B,ssão.téde·ntpta do "v~srtarHe
desconh.eddo", a Jjga:ção entre a morte. de Uiu.cha e "êl dl?ra dé ·cafidad.e'
deA1l"i:lCCT~-
É à m<csma frase de São.Jóão q_tt,é !;JróUS:t recorte .quando .qti'©' no:s eX'pll-
C'áf. o papel que. desempenha ,a d0enç_a 1 a Lrmã· caçula da morre,, em su;:i:
próptiç1 cri~çã\:,, "A e_nfuri:n.i:dâde que .. t~ t.J.'.m sev,e ro .diret0r de ~onsci-
ênçfa, mit ohrigava a tnprret 'pat·a -0: mttl)dd., 1n~ fora Cftil (pois $.é 9.. ,gr~o
de centeio não. morrer depois de semea:cfa,. p.erman-e<!erá útric:oi ·to.as, se-
rnptter, ftu.tihéaráY,.i'7

·também a sem. de La Fayett~ podeyiç .çitar s·ão João, r:,ois- e_ncôntt~-se


n.ovam,e nte; em Á Pri.nçt$,f de [lêves,. a dmmça d0 na,r:rador· pt9u~fa119,,
fas~ dóença se siJuii .no· me,'smb pont.0 do deserrvct.11\!irrr.entó· romanesco
que em Proust ·e ;sua~ con_sequ~ncjas espiritutús__s.ão ~-x.a_taménte às:·ines-
mas; "A proxunidad.e ·inelutáv-el da mrnte fê-Ta atastar~se da reàHdade ~

ii;·s. Jo~oJ(Jt:24 Obs. Essa 'é a Jrase. c;0m que·Cfüto expli11:a a:impoftârtt-iil .da ~ua rtmr-
te, a qual Ele c.ons:idéí'a X:> mómento-de·.gl·orlfiêação tV. G. Joã,q Xll ,23) .. (N.'E.)"
17
Ôtwpu r~tia~'eitp, p: 190, gp,.çit_(~ ,E)

~'4$
CA-P. ÍTUl.O ' f2 - -A CONCl,LlScÀO
o prolongamento de sua mõlésti-a se l:he- tornou um hãó~tó ... As ,pai-
·gões e os ê'o(j1p1_:omissos sociais pare,:ciam-lhe fazer parte .de um mundp
·completamente áf.asta.do do seu (ta,is, como ·parecem à$ pessoas· que têm
vistas ruais amplas c ·mais fongínquas,J"~ Essas vis.tas mals am.pias e,mdJs lon-
gíuqua~ pertencem a.o novo ser que nasce, hteralniente, da morte.-

A fr.ase de S~o João seroe de epígrafe o Os ,frmliês Káramaiov, -e poderia


servir êk: epígrak a· todas ~s concbJsõ~s r;or.nanescas. O repudio d0 me-
diador humané> e a renúncia à transcéndência desviada chamam i;rresis-
tivelment'e .os símbolos da transcendência vertical, quer o tomancista
sejâ cristão, quer nâd. Todos os. grandes fOmancisfas·Tespoód~m a esse
ch;m1ado fundamental mas ~es conseguém às vezes esconder cre si mes-
mos a signi.fic·aç~o de sua resposta. Stendhal irô!liz.a , .Proust maS'~ra a
vérdadeira..cara da experiênc:ja romanesca por trás de ch?.vôes romãntí ·
cos, Porém de devolve a esses sírpbqlos ressecados um viço profu~do ~
secr~to .. Os símbolos de imortalidade e de ressutreiçã,0 1 nele, aparecem
num conrext9· putamente ,e stético· e eles só tr-an.scecndem subrépticia-
mente o significado banal ao qoal ficaram re_,duzidos pelq r"Qmantismo.
Não são ·t ndivfduos fantasiados de ·príncipes,- sã.o príncipes de ve-rd.a!3,e
fantasiados de prfrtcipe$..

Esses símbolos aparecem, bem antes de O Tempo redeswberto , em todos. os


trecho~ que sã'ó ao mesmo tempo o eco e a animei.a ção da experiência de
origem. Um desse_s trechos é centrado na morte e no funeral d.o grande
escritor Bergotte:·

Í:ntetrararn -no, mas durante toda a noite fúnebre., nâs vit,rjnas iluminadas,
,0s selíiS Hvt0s, élij)qstosnê~ a três; velavam como anjos ele asas ei palm~das e·
pareciam., para a.quele qu~já não e~istia, o iiúnbolo da sua ressutreiçã~.i!>

18
A prínt.csa de OevtS, P., J-41,, op.cit.. Obs. Na rradução qµe util\'z~mos para esta ediçàô.
não consta o t!recho entre colchetes,
19
A prisioneira (v .5) p. 174;, ô p,,clt. (N.EJ

346
.M ENTIRA ll.OMÂNTI.CA E Vlill.D_ALÜ: R0M /\ NE:SC.o\
lforgot.t.e ·é t&:mosu :G P·must obviamente- pensa em sua g)6rja p·óstutn~,
1 11
h·.é$sa ' q1!)st5Jadora horrontsam~.nte lâurea.da.' :com a q,ual Va1éry-se 1r-
rit,i Ma$ o cliché ton;iâritico 6 ç1qui a.penas um j:>J~téxto;. ele dá margem
à· pres.ença da. .palavra: ressurréi~ãó. N~o .é' i)'ela "t>os,te,ricla:d;g q.ue Pro:i.is.t s·~
i.n-teressa 1 ,i por essa pa:lavra ressurrii&â'ó gu:ç:,, .grç.ç_a:s ap chavão, ele co"ns.e-
gue wtroilu:z;1r cl.iscr.e tamente em seu texto sem ,t01hê-1p d:e ,sµa. prcfena-
ção exte.rior,. pQ~ittva e "r·eahsta". A mo.r:te é· a r,~surreiçã(i de Rergone
pr.e~gutaríJ, t1- iJlOft~ ê' à :tes_~eiÇã'P. d,ç;.1 própri.o ri'.i)mauc.ista,1 o segundo
nascimento <le qne ~4rg:e Em Busctl do.Te»JP.'6 perdido. f a ~~pera ·de;sa rce s-
surreiçã0 que dá à, frase · €{ue a6abartms de çhat sua verdâdéilç, resso-
n~riçra,.. Ao lado- .das ·imagens ·da trans:cendênda desviada vemos, pnis.,
tsbo1,;3.r-se lJl11. :fünbolr~m.Qda t:ransc~ndêncla vetticaLA0.s íd:olos demo-
o.íacos qq~ ~astavatn ó. r1.arrad.or _para dentro. .do, a,_bismo contrapõemc
se os anjos d@: as-as .ap~~s ... É:~ la:z. de o 'Ternpo :fédesod,erto. que .~e, a~v..~
rriterp.r e~r éssé sl.mbolismo,: "A ,grandeza .d.e Prpµst - bb~etv,â ac,erta-
d~II)ên~ Andri Malraux:- tomou-s~ evident~ quamlo a publ.ieaçáo· de
O Tein/10 te~e,st db~rto. deu sel'lti·do .a r~<-:u.rsos tjue; atéceúfa.0, nã:0. pareutam
~ .perar .qs d~ Ditk.ét1s_Y

Ê Ô Tf-n.1po .redem~.heito. com toda a cern~2:a-1 mas 5:ão taptb.~m il.S deftl'âjs
1

ço,ncl'üsões soman~s.ca.s.que d.ão s.eu sen tLdo. à criação prpµstia:rt;a. ·Os


frmif:ós Katqn1at,dv, rr0s· t!'f!Jl!;:.dem .d~ v~f. na ress_ürreiç,ã;o de B-ergette um
mero luga,r-~nml:Iá;tl romântlç<J. E-, rédpr9Camente. O Trnipo;redes.r.:o.-
b.er:to, ·que P1'.0usí intituloµ priJIJêi.rawe·nte de ;;A Aqótaç.ãó pCTpétµa" ,
IlOS ii:np.ede ·de y;er nas me.àifaçees religJosas. d~ Q~ J}1nâos· KarettnliZOV

ni~r(5.s h,i,ijfn€,n't.Qs de propaianda religiosa, exteriores; à ohra rom~-


n~~ca. Se Do.stoi'ev.$Ki s.0freu tar!Jo p·.iJ·a, ~s.c r.e ver essas. p.ág-inas, não
é p:or 'lê-Ja:s .cocmo uroa o'prigação é't}fadonbã, 'é por~tdbtüt-lhes,urna
irn por-târrcia pr.imo.rdia,I.

Na ~êgi;tn.da parte desse último rb.mance, o pequeno 1liucha morre _por


todos os _h~r6is d0,~ ron;ia.tices .dos:toi~vskia.nos e -a çomuflhão que brota

s47'

CA'P-ÍTU LO I Q - .A. C<JN:C!2USÃQ


dessa morte é urrfa 1-ucidet sublime. na escala do grupo. A esµ-utura do cri-
me e d.o cistigo redentor transcende a consciência solitária. Ja111ais um
rnmaocista h'?vta rompido tão radica·lmén1é coqi ·o individualismo ro-
m.ântico @· pro.metei<!::o.

É ã última e a mais elevada onda do gêriio dosto.ievsk1aoo que ~ssa


C:;onclusâo d.e Os lrmizgs Ka:ranl~tot• levanta. As últimas· distinções entre
a experiência romanés.ca e a experiência religiosa .ficam abol'idas: Mas
a estrutura da experiência não mu.dou. Nas palavras de .merr1ód.a e de
morte , d~ amor e de res1-urreição que sobem aos lábios das crianças,
re,onhe·cem-se sem dtficµl.da.de os temas. e símbolo~ suscit'ados pdo fer.
vor .c riador do rmrranéista agnóstiço de O TemPo·.red'escobertó;

- Karamázov, aóa o amamos! - repetiram· em com. Muito? tinham lágti-


mas nos olh0,s.

- Viva Karamáczov! prociambu Kóüa.

- E lembrança eterna para o pobre me nmo! - acre1,êe_n fou de novo Alió-


cha, com emoção.

- lem_b ran~ eternal

- Karamázov - exda.rpou Kolia - É .verda:de o que diz a: reli,gião, qµ.e re~-


soscitaremos- dentre os mortos, que nos_ tomaremos a ver. tms é outro_s,
e todos é lliadü!i'

_._ Oeç~o ressusc:itàfemõs, tornaremos c1 ver-nos. c.ontaremós uns aos óµ-


frps a)egr,emente mdo quan:to se passou ... 20

~0-0s irmã.os Kar.ãma.:ov, p,670. op.dt. (N.E.)

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Concorrência, 32, 70, 139, 148, t64:- L48. 1&2-S'3-, 185-86, 192, 20.7,
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Coquefte,. 13 3 2,52,, 2:67, 1:6 9-711, ,2 84, 287, 294,
C oque-tismo (toqu~teria) , 13~,34 296, 297, 2'99, 3-0fr,08, 3 13,, 327
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Dâodi, 1~5, 152, ·190-92, 194 -961 3 t O 15, 2 17, '130-3 1, 51.6, 266,268,
Dandismo , 190-9 L 195 30 I , 306., 308, 31 3, 327, 332,
Dante Aligh\eri, 172 340
Democracia, 149-49. 152-53, 157-58 Doen~a ont0Ió~ca11 1 13,, 124, 176·
Desejo esporitâmw, 40, 43-, 45, 52., 77, 242 , l57, 268-6~, 272, 274,
175-76, 3©] 277-78,283 , 3 10,313
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3l8, 320, 327~28, 330-3 1, 341 O idiota, 80,, 94-, L20, t 16',. 19 1...92;,
Desejo prou~tian:o, 46, 4~-p'O, 56-7, 257, 31 1
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D esejo .triangular, 26-7 , 19, 40, 43, 2.18, 2.57
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K(?ck, Paul d~, 280 264. 267-71 , 273, 278-'!:W, 282-
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153', 156, 158·, 160, H54 -65, 174, Me'diaÇãà {;nÔogâroiea. ô5'
188,, 19Q., l~ó-37, 277~78, 28:1- Medi ação. externa, 19, 3-3.- 4, 46, -58,
82, 287-90, 297, 320 67, 75, 87, 131, l4p-48, 150,
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J 3, 16, 28 Mediação interná, 17', í9,21 , 3'3-6.,
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Mal oritológj_co, 100, 124.-25, 145, I 1'8~ q6, 13.1, 13.4-35,. (39, 147-
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Ma.! raux, André 176, 179, 182, '1'85. 187, l89c.90,
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200, 245,249, 274,177,329, Rival, L7, 30·1 , 35-6, 47, 67-70, 99,
346 f'06, 124, i27, .129, 1-32, '154, 159,
Ajag'itit>4 (v.6}, 47, 197, 200, '.H5 181, 1_83, ;2 IQ, i52,. 30~, 314. 333.
Ü terr,po· rédesco'berto fV .:7) 1 47, 5 L1 Rivalidade, 19-21, 33, 35-"7,, 58, 6J,
54, -57, 60-2, &3, 101, 105, 107 73., 11 t-12 , 129, l4ó-47, 16-9,
Jem1 Santeuil,, 60, 6.~, 94, l 99. 216, 164. 166; 192,.:_2: 301i32, ?.34, 2'44,
230,334 254-.55
''OsSentiníento:s_fitiais de .um parriciâa 1'; Robbe-Gril1et, Aiain, 2o4
335,338 Romanesco(a.1, 4Q,. 42, 46, 48, 5Q, 52,
57, 61, 68~9, 72-, 75, 80', 8.3-4, 90-1 ,
Q 94, 99-lQO, 102-03, 105,109, t l'.2,
Quim, Léon-Pierre, 337 J21, 125/ 13'7-39., 142, 144, 153,
Quintana, Mário., 249, 317 160, 168, ] 70-78, 183, 18q, 191,
194., 19·1 -.99, 201-03, 2 to; 219,
R 21 \ 1 226; 233c34, 24'.2-43,. :245-47'.,
Rabelais, François, 18.§ , 315 251 1 52,. 254, 1;5~-57, 260-óQ, 16~,
Racim:, Jean 271, 273, 275-76, 278-83, 188.,
Andrôtnaca , 20 1-02 290, '.299.300; 396, 308-09·, 3l2-
Britár.iico, 20J l3, 118, 320-2 l , 323-48·
Fedra, 53 RQmântico, -27, 38-41, 52, 60·2, 72,,
Racionalismo, 1.55, 291' 90. 111-12, 1"23, 127, 13'6, l42,
Re<lemfão,, ~08-09 144, 169, 171-74, 1'90, 208-10,
RelitJiâo, 53, 90; lOA, 185-87., 231, 23 3,, 140, 27S-79, 284.,. 291, 295-
30:2, 347 96. 301-03, 326-27, 329, 330,.
Repo.blicanos, 161-62.., 179 :B3.],3'.3, ·341, 346-48

361
1-:fENTIRA '.ROMÁNTl<'.:A E VE~·!)ADE R Ç) MANJ!SÇ A
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, ué:ien
O •11!'º' e o Oc#enle., 71., 19 ~-, 207',. 147, 15.s; rn t-:<ri. r95. 199
1'.1(1', 236, 3-T 6, 3 Lí') N1em6rias .Jt iim t'tll'Í.S~ -. 3.g;
):<nqss_ea-q, Je~11-Jacqué$, :o ·mmiilho e oNe.qta., 19., 32,. 4,s, "fl,
Cdnhsõrs,, 29 52, 11:1.. 139, 141-4~, 15'7}
! 60-61, 15~_,<54, i 70, 1'89,
s J97-9.9, _299, $20.:27, 33 L,
Saêdfído~ 22 1 7.; , -í36, 2.02 3·S3, 3Ja, }44
Sadismo, 1111, 205,- :2..J ~-) $:
Safov'S.irnon, Duq-m:e-d.e, L46, 2S4 'f
S·a,nt0 Ofício, 3'2:6 Tal_L€.yt,a_n,f- Pé:,gorcl, Charles-
gâ:o,Joâo:,. 34.i5-4'6, . . . de, ..162
Mauriée
Sãa· Luca5; -3":2~ T0t,qµ~vil.Je, Alexfs-de
Sã(.) Paufo, ap.ó.stdo,1100' ,4 ~emQcr,td~ ·ná h11Mõa, 149
São Petersburgo, ,6f{1 96 O. A:n tigo-~]lime ta Rc1,qlu~ãq, 151
São Tomé, 116 ToI-stÔ.i, Líév
8ar:r-aure, Nathalie 1 3:0 r Gui!-rtil e, Paz., 1921:-,95
-Sanrer)ean-Paul Ttl'anscen dência,
.O ser e'f! ·fiada, 13'2
A nâitsea , (7 3, 1:s91 3CL1 '(J,
5cheler, Ma'( Unamul'IO, :Miguel ,d~. 12.-5.
O homem âo,msentimmto, 35,. 3J3'.
.Século. das, Luzes; i-4.2 V
Segunda Guerra· M1.1ndial, 2:36, 293 Vaidade, 29-3'1,, 38,."9,, .41-.q , 4:~-9.,
SteJJdha1 51,, 62; 89-91, 9.7, 126:-.2.7,. 13~,
A Ggr.(u:xq de :Ptl.rrnlti 41 11 199 f45-4'.i\ 149-50, 153,, 15:5, 162,
A.nnq;,cr, t.sa-·, 199· 1'.64, 16'.8', l7Õ, ,J18, 190., 1921
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(qf.tas aYrtttii;rze, 140 Vaidade stendhaüana, 46, 47, 49,
Cormp_oridanÇ,e i.niáit<, ,J 49 64, 89, 9i ,. 95, 9-6, L r.2, 138,. 144.;
C,.611/c.0:S. it,ilia.iias.43.,'91 1 1.4 5 108
_l3idr-{o, l 41' V.:1léry, Paul
Da:atnor, 42, 4{ Monsieur Teste, 289, 304.-05
.Efluça_ çlfo 5e:ntimental,. l63!M Veb'leri, Tho,rstein; '153
Filosofia. 'IJÓ1?.a-, 1.4j Vigny. Alfre.d de, 17-3
ú1111ie/, 3.2, 44., 9.) ,. 152-53, 175, f99 Yír~rlio1 15'

365
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nçq, E .ONQ'M ASTIJ:p
Vogüé, Eug~ne-.Me.lchio.r
O romm1s;e. rnsso. 66
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Voyeur, 190

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Zofa, f:mi le
Os R.ougon -Macq1,1art,. 2.46,

3é6
•MÉ1'1TIRP. RB.MÂN'TI CA E VERviADÉ ROrvli>.NESCA
l FF~'lJC- l\later.ial Lh rn
Z.Ol&'.\E80045i Pr1.1(iiJ\ IS)l6
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Ffr'nio tXrr(> C"tt111frçio.tli l.in~;
Notú. h ~c.:il~~ !f,,;'1 Prt,u !{( li ,1, :.i.;~

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(G"'IA'RA BW'il.E!RA oq Livw,.SP, Bil.4<;rr.)
~.
Gamrd Re'tlt
'· . M e~tira r~rriântica e ~rdade r9mar.1esc11 ! Ren€ Girard,
rradnçào Lília L:edon chi -Silva- '~o Paulo :' É lfeali:zaçõet 2009

13ibltografla
ISBN 978-R5-8S06J.-76-,l

1. Critiç~ llterána 2. Literatura - Histâria e crítica


,1
3 Roma_nce - H rstói:1ae crítica .LTímlo.

lDt)-8()9.3

ÍNDICE~ P.<\&/\ ÇAT/ÍW C...O.SISTEMÁTICO;


r. Romance , H 1st6Tic1 e crftic_a 809.3

Este l,vrn l;oi impresso peia


Prol 1:ditora Gráfica para
É' R'.ealizaçõêS, em outubn:>
de 2009,. O.s tipo~ usadqs ~ão
da família Weiss BT e Jane
Austen. Ó papel do mie i.e
é éhamcils bulk duna,s 9Óg,
e da caP.a çuprerno. 3008.~

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