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Jean-Jacques Lebel

HAPPENING

EDITôRA EXPRESSÃO E CULTURA

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TtTULO ORIGINAL: LE HAPPENING
,
COPYRIGHT, 1966, J1:DITIONS DEN01tL E JEAN-JACQUES LEBEL
PARA LETTRE OUVERTE AU REGARDEUR. INDICE

Págs.
o Happening . 13
Alguns Happenings . 65
PRIMEffiA EDICÁO EM LtNGUA PORTUGUJ1:SA: DEZEMBRO DE 1969
D ef'lnlçao
. - - . 77
RESERVADOS TODOS OS DIREITOS DE PUBLICACÁO PARA O BRASIL.
PORTUGAL E SUAS PROVtNCIAS ULTRAMARINAS. NOS TSRMOS DA Carta aberta ao espectador . 85
LEGISLACÁO EM VIGOR.
Fotos de Happenings . 105

TRADUCÁO DE : BEATRIZ DANTON COELHO E ANTONIO TELES.


CAPA DE DARCtLIO LIMA
PAGINACAO E DIAGRAMACAO DE F. VENTURA

COMPOSIOi\.O, IMPRESSAO E ACABAMENTO


$ ARTES GRÁFICAS GOME:S. DE SOUZA SI A.

.. . . .::: ~ ~
.... • • r -: • :
.

À memória de
Jean-Pierre Duprey
e Eric Dolphy
É preciso que nos possamos
colocar acima da moral -
não unicamente com a in-
quieta rigidez daquele que
receia a cada instante dar um
passo em falso e . cair, mas
com a facilidade de alguém
que consegue planar por cima
dessa moral, pouco se preo-
cupando com ela! Dessa for-
ma, como poderíamos nós vi-
ver sem a arte e a loucura?...
E enquanto você tiver vergo-
nha de si mesmo, seja do que
[ôr, não poderá alinhar-se ao
nosso lado. .
NIETZSCHE
1 I

. O HAPPENING
r

, ~
PREFACIO A EDIÇAO BRASILEIRA
-
Êste livro é um bom exemplo de contradição fun-
damental, contradição que é uma doença de que a so-
ciedade industrial padece e que a atinge gravemente na
sua própria estrutura. Com isso, quero dizer que ela
se protege ao mesmo tempo consumindo e reprimindo
a cultura. Transformou a arte livre em crime. Recusa o
direito de existir a tudo quanto ameaça, questiona, per-
turba ou tenta .perturbar o equilíbrio do Poder. A
cultura é aquilo pelo qual o Poder controla a economia,
a utilização e a repressão do desejo (individual ou
coletivo). Isso quer dizer que todos quantos elevam
a voz, sejam êles revolucionários ou artistas (e, com
mais forte razão ainda, revolucionários e artistas), se
tornam automàticamente indesejáveis. Indesejáveis: tal
o veredicto do maire de Saint-Tropez, ao interditar, na
sua jurisdição, a peça de Picasso intitulada "O Desejo
Agarrado Pela Cauda" e os happenings que nós lá pre-
tendíamos montar, o que nos obrigou a procurar outro
lugar. Indesejável: foi êsse o mesmo têrmo empregado
pelo govêrno francês contra os líderes revolucionários
negros Malcolm X e Stokely Carmichael, que êle ex-

15
c
pulsou. Meu amigo Alain Kaprow, que foi o primeiro Mas isso 'não é tudo. Os comerciantes já fazem o
a designar pelo nome de happening uma atividade ar- possível por tirar lucros do happening. Em Miami,
tística de preferência indeterminada, crê poder afirmar houve happenings para milionários, a vinte e cinco dó-
que o "artista perdeu o seu inimigo clássico: a socie- lares a entrada. Pobres-diabos, que nem sequer mere-
dade". Basta invocar, dentre inúmeros exemplos, as cem o título, embora bem "desvalorizado" de artistas,
brutalidades policiais de que foram vítimas os membros produzem insípidos espetáculos, aos quais dão arbitrà-
do Living Theatre nos Estados Unidos e na Alemanha, riamente o nome de happening. Universitários, eterna..
as arbitrariedades às quais são submetidos os escritores
independentes na URSS, para que o otimismo de Ka- mente à espreita de "novidades artísticas" a castrar e
prow seja tido como totalmente ilusório. classificar nas suas categorias poeirentas, começam a
O happening? Como o seu nome indica, êle está fabricar teses e explicações sempre mais ou menos à
aqui e agora. É um nascimento, em que se é simultânea- margem da questão. Museus, lúgubres necrotérios das
mente a criança, a mãe, o pai, a parteira, o anestesista revoluções psíquicas, já gostariam de recuperar o happe-
e a testemunha. ning, da mesma forma que recuperaram Dadâ. Os
Qual uma carta de amor ou a narrativa de uma grandes costureiros estão prontos a lançar a "moda
experiência sob a ação do LSD, um livro sôbre o happe- happening", como fizeram com a "moda Mao" ou a
ning só dá conta da parte visível do iceberg itinerante, "moda Op-art", Em suma, o melodrama pseudocultu-
cuja porção mais importante permanece submersa. Para ral vem aumentar a desanimadora confusão deliberada-
que podem servir os livros escritos e publicados sôbre mente criada pelos mass-media em volta de um fenô-
a experiência criadora, cujo essencial é sempre irredutí- meno que perde tôda a sua significação quando sepa-
vel e. inexprimível? Confesso o meu desânimo. Além do rado da revolta, da repulsa, do desespêro e, no fim de
mais, se êsse livro não impelir à ação, se não arrancar contas, da esperança que o fizeram nascer.
o leitor da sua condição de leitor, será um livro fracas- É aqui que as coisas se complicam: é impossível
sado. reduzir os happenings em geral, ou mesmo um happe-
Como todos os maníacos obcecados pela revolu- ning particular, a uma única significação. Trata-se de
ção permanente, vou me referir a Antonin Artaud, que um meio de expressão, de um meio de exercer a vida
acusava, e com que lucidez, a indústria cultural de ter que resulta, por excelência, na descontinuidade, na si-
praticado muito mais abortos do que partos. Na sua multaneidade e no contraponto. Marshall Mcl.uhan,
introdução ao "Teatro e seu Substituto", escrevia o se- embora professor e católico, percebeu de que Se tra-
guinte: "Pode-se começar a traçar uma idéia da cultura, tava. Escreveu, em "Great Change-Overs for You": "the
uma idéia que é, antes de mais nada, um protesto . . . world of the Happening is an electronic world of all-at-
Protesto contra a idéia em separado que se faz da cultu- onceness in which things hit into each other but in which
ra, de um lado, e da vida, do outro, como se a verda- there are no connections. .. When you have interfaces
deira cultura não iôsse a maneira refinada de compre- you have Happenings; you don't have a story-line ...
ender e exercer a vida. .. Tudo o que ainda não nas- the world of interface is a world of Happenings because
ceu pode vir a nascer, desde que não nos contentemos the surfaces of events grind against each other and creat
em permanecer simples órgãos de registro." A bom en- new forms, much as the action of dialogue creates new
tendedor . . . insight."
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A ausência de story-line, o desaparecimento da
intriga, no sentido teatral ou romanesco da palavra, provoca já, a explosão do teatro. Sem falar nos miserá-
inquietam Sartre. Haverá nêle um preconceito contra veis sobressaltos da "vanguarda" mercantil, que se con-
aquilo que põe em questão e em perigo a relação clás- tenta com macaquear o happening, com macaquear o
sica suieito-obieto, a qual une, ou antes, separa o artis- Living Theatre, com macaquear a liberdade; evoco, pa-
ta do público, os "atôres" dos "espectadores"? E que ra ser preciso, a equipe do Living Theatre, cujas recen-
coloca em questão, ao mesmo tempo, a relação entre o tes criações, elaboradas coletivamente, constituem au-
"autor" e uma "obra" que se tornou coletiva? Em todo tênticos alucinodramas e são verdadeiras aplicações do
o caso, não estamos longe da alienação, denunciada happening dramático. O Living Theatre trabalha à mar-
por Marx, do indivíduo pela estrutura social contra gem das regras, à margem das complacências do tea-
a qual o artista não está, de forma alguma, imunizado. tro de direita ou de esquerda, e não se limita, pois, .como
Sartre acaso terá mêdo de que o happening, uma vez tantos dramaturgos modernos, a criticar ou a expor uma
tendo conseguido dinamitar a lógica e a segurança dessa concepção do homem que data do século XIX. A arte,
alienação, venha a instaurar a anarquia, ou seja, a cria- tanto como linguagem coletiva como modo de vida,
ção pura, a liberdade e (quem sabe?) a realização do deve, na era da eletrônica, renovar-se inteiramente. Sem
desejo? Em "Mito e Realidade do Teatro" (Le Potnt, dúvida, em mais de um aspecto, a era da televisão e dos
janeiro de 1967), escreve êle: " .. . pode-se provocar mísseis intersiderais assemelha-se à era da imprensa e
diretamente o instinto sexual; por exemplo, em Paris do fuzil de um tiro - e mesmo à do arcabuz e do
proibiu-se um happening porque aparecia em cena uma cassetete. A noção de progresso parece completamente
mulher completamente nua, coberta de creme batido, ilusória, quando se considera que a situação desespera-
que se podia lamber. Outras vêzes, apela-se para o ins- dora do homem em nada foi alterada pela industria-
tinto da morte e da violência: vi um happening onde se lização e que a relação coercitiva do homem para
degolavam galos e se jogava o sangue no público . . . com a sociedade em nada foi modificada pelo desen-
Êsse condicionamento por algo mais ou menos cruel volvimento intensivo da tecnologia. Eis porque temos,
não será o contrário do teatro, ou antes, não será o mo- mais do que nunca, necessidade dos maquis "culturais"
mento em que o teatro exploda? .. " Não discutirei ou "políticos".
com Sartre o fato de que êle se esqueceu de dizer que o
primeiro happening em questão, intitulado Ó ' Lê õ mi- Paris, janeiro de 1968.
nutos dedicados ao Marquês de Sade" foi proibido pela
polícia também porque a mulher coberta de creme, se
bem que nua, usava a máscara do General de Gaulle
e representava, por conseqüência, além de 'outras coi-
sas, o bôlo nacional, política e sexualmente consumido
pelos patriotas. Polarizava ao mesmo tempo várias
proibições, daí a reação policial,' intervindo diretamen-
te nas proibições (comendo o creme do bôlo) , o público
transgredia uma lei sagrada do teatro: a passividade.
É já evidente que o advento do happening provocará,
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· . . :

A atualidade tem uma curiosa maneira de afogar


o peixe. Os meios de . informação (na maioria dos
casos, de deíormaçãoj ; que condicionam o público,
servem-se de tudo para o desorientar na confusão ine-
rente. Vejamos o caso do Pop'Art e do happening . . .
No que diz respeito a estas duas correntes da arte atual,
os jornais publicaram montes de absurdos, pronuncia-
ram toneladas de julgamentos, deram muitos e variados
prognósticos que jamais acertaram no alvo.

Quanto ao Pop'Art, os especialistas da confusão


resolveram solucionar o caso, entoando a velha canção
do "rebaixamento de valôres". O happening, sem ter
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a

a menor culpa nisso, foi arrastado no turbilhão do Ninguém quer acreditar que, se há alguma pos-
Pop'Art; as falsidades e as incompreensões a seu res- sibilidade de mudar a vida, ela reside na transformação
peito são em número impressionante. Sempre que se do humano. Todavia, o humano prende-se tenazmen-
fala do happening (isto é, um esfôrço coletivo, entre te às suas velhas maneiras de ver, de sentir e de ser. A
outros, de sublimação de valôres) são muitas as pessoas arte, no seu caminho, seja histórica ou espiritual, é
forçada a enfrentar uma reação semelhante àquela que
que se consideram autorizadas, muitas vêzes sem jamais neutraliza a reforma das estruturas sociais. Assim, a
terem participado nem mesmo presenciado uma só pintura e a escultura, sem ainda terem esgotado tôda
dessas experiências, a falar do fenômeno ie-ie-iê, de a sua capacidade hipnótica, conseguem manter, em
campanhas publicitárias, de pornografia, de ballets grande parte, o mal-entendido da propriedade privada
roses e, na melhor das hipóteses, de "promiscuidade e do valor comercial das imagens. Mal-entendido que,
sexual". (1) a longo prazo, rebaixou para segundo ou terceiro plano
o seu próprio funcionamento psíquico.
o herói da classe média, produto da cultura oci-
dental, ainda sonha ver o seu sentido moral triunfar A relação emocional mas ridiculamente negativa
na luta contra os rebeldes. :E:sse ser medíocre tem uma e absurda que se estabeleceu entre a arte e a maioria
sombra negra que sempre o persegue: a arte livre. do seu público constitui uma autêntica tara, uma aler-
Sente-se preocupado e até ultrapassado por êsse gia à imagem, uma cegueira voluntária, uma anqui-
fenômeno. Considera-se diretamente atingido pelas lose, uma recusa de comunicação. Em virtude dêste
transformações que os jovens artistas tentam tra- estado de coisas, não é de estranhar que alguns artis-
zer à sua vida, ao mesmo tempo que transformam tas sintam uma alienação legalizada, generalizada e im-
as suas. Esse herói sempre presente, êsse filisteu posta pela própria cultura, como sendo um obstáculo
vingativo talvez pudesse considerar com certa simpa- inadmissível, um desafio que não poderia ficar sem
tia a arte da vanguarda, caso não se sentisse denuncia- resposta.
do como culpado ou leviano: não se oporia a qualquer
revolução, desde que esta não perturbasse os seus va- Assim, para lhe responder, tornou-se essencial
lôres pessoais. . criar uma nova linguagem e uma nova técnica que
tivessem um grande raio de ação. Pela sua forma de
apresentar abertamente o problema da comunicação e
da percepção, pela sua vontade de reconhecer e de atra-
vessar firmemente as terras proibidas diante das quais
(1) o happening progenitura de Hellzapoppin, parece aproximar-se de a arte moderna teve de se deter, esta nova linguagem
um dos piores perigos: a promiscuidade sexual. (André Breton, declaração foi obrigada a reexaminar do modo mais completo tôda
à revista Nouvelle Observateur, 10 de Dezembro de 1964.) Este ataque a situação cultural e histórica da arte. Essa linguagem
pelo qual se fêz ouvir a grande voz do surrealismo - e a qual teve é o happening.
eco nos aplausos dos moralistas de tôdas as côres - apóia-se sôbre
a idéia do pecado. J:: por isso queêle nos fêz rir com prazer. No que
diz respeito ao parentesco entre certos happenings e HeIlzapoppin, de- Muitos artistas, de nacionalidade e formação as
vemos dizer que nunca negamos êsse parentesco. mais diversas, sem saber bem para onde iam, encami-

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nharam as suas pesquisas nesse sentido. Sem querer- decidir se esta ou aquela imagem vista de longe,
mos julgar o mérito dessas experiências (ou, antes, os é "boa" ou "ruim", de a selecionar ou de a re-
méritos, pois não se trata nem de uma escola nem de jeitar por motivos inconfessados, êles mesmos
um empreendimento dogmático) , já podemos, desde instituindo a falsa consciência do "público";
agora, formular alguns comentários sôbre o caminho
percorrido. Tôda e qualquer pesquisa no domínio das - o abandono da relação aberrante entre o su-
idéias e dos mitos tem de enfrentar, logo que atinge jeito e o objeto (observador/observado, explo-
as causas profundas da crise espiritual, uma forte opo- rador/ explorado, espectador/atar, colonialis-
sição agindo imediatamente com repressões ferozes. ta/colonizado, alienista/alienado, legalismo /
É dêste fato que resulta o caráter de combate que. re- /ilegalismo etc.), uma separação com caráter
veste a atividade artística, chamada de vanguarda. de fronteira que até hoje dominou e condicio-
nou a arte moderna.
Desta forma , uma minoria composta de autores
de happenings desencadeou violento combate, que Podemos ver, dêste modo, que o combate se tra-
dura há cêrca de seis anos, simultâneamente em três va decisivamente em volta das terras proibidas, cuja
continentes. Êste combate tem como alvo os seguintes invasão para a arte atual, uma questão de vida ou
é, '

objetivos: de morte. Este combate pretende tornar inaceitáveis


as limitações impostas pela indústria cultural, tanto
o livre funcionamento das atividades cria- mais que os preconceitos entre a maioria das pes-
doras, sem consideração especial para o que soas se cristalizam em tôrno de temas políticos e
agrada e o que se vende, e, também, para os sexuais.
julgamentos morais proferidos com desconhe-
cimento de causa contra certos aspectos coleti- Devemos a Freud a elucidação dos mecanismos
vos dessas atividades; de transferência, de substituição e de repressão, que
agem sôbre a pessoa humana por meio da interpretação
- a abolição do privilégio de especular sôbre das leis e das obrigações sociais. " ... A proibição, es-
um valor comercial arbitrário e artificial, atri- creveu Freud, deve ser concebida como resultado de
buído à obra de arte, sem jamais se saber qual uma ambivalência aietiva . .. a proibição, sempre que
o critério; surge, deve ter sido motivada por um desejo, por uma
cobiça inconfessa da e inconsciente," C) À luz desta
- a abolição do privilégio de explorar e de impiedosa tese, a função da arte em relação à so-
sangrar intelectualmente os artistas, privilégio ciedade torna-se bem clara: mostrar, custe o que cus-
assumido por grosseiros intermediários que não tar, aquilo que está escondido do outro lado do
compreendem a arte e até a desdenham; muro.

- a abolição do policiamento cultural efetua-


do lucrativamente por esbirros estéreis com
idéias fixas, os quais se julgam capazes de (1) ln "Totem e Tabu ", edição Payot.

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Ó artista deve enfrentar e vencer o contrôle cultu- nem "alcançar o que é essencial para nós". C) Não
ral que, mesmo nas socie<;iad~s cha~.adas democráti- poderíamos, também, ser cineastas, artistas ~u ~oetas,
cas subsiste de modo totalitário, policial, exato. O ar- visto que tôda e qualquer linguagem ~~ baseia sobr~ a
tist~ é o ser que desvenda. É por êle que, apesar de violação; tôda e qualquer arte se apoia na revelaçao.
tudo, se mantém o contato com o subconsciente cole- Nunca se poderá falar demasiado sôbre a natureza
tivo. dialética, por ambivalente, excelência da violação. Esta
natureza é simultâneamente nascença e não nascença,
Herbert Marcuse expôs brilhantemente a forma
o abandono e o regresso, a realização e a morte. A
pela qual nessas condições, "os problemas psicológicos
arte é feita de tal forma que não pode ser racionali-
se transformam em problemas políticos". Diz êle:
zada, nem reduzida a um só têrmo , sem deter o seu
"O regresso de tudo o que foi reprimido consti- dinamismo e interromper o seu impulso dialético.
tui a história subterrânea e tabu da civilização; e a Tôda e qualquer transmutação se inicia por
exploração dessa história não revela unicamente o se- uma violação, por um derrubamento. É sabido
grêdo do indivíduo, mas também o segrêdo da própria que Kandinsky viu pela primeira vez a sua própria
civilização. A psicologia individual de Freud é, na sua pintura num quadro de Monet (Les Meules) , colo-
essência, uma psicologia social. A repressão é um fenô- cado ao contrário sôbre uma mesa. A inversão dia-
meno histórico." (1) lética é uma constante da história da arte, sendo uma
das causas dacrise perpétua do espírito. O derrubamen-
Assim, o artista, procurando-se a si mesm~, .reali- to de Hegel por Marx,de Vauvenargues por Lautréa-
za uma verdadeira exploração em terreno proibido e mont, da mesma forma como certas reviravoltas inte-
até desconhecido.
riores na edificação de uma obra variada e antinômica
Foi Georges Bataille quem explicou muito exata- - como sucede com Picabia, por exemplo - de-
mente o caráter essencial, mas imaginário, do muro monstram até que ponto o pensamento é contraditório
que a cultura aceitou com demasiada freqüência, P?r no seu desenvolvimento, na sua própria vida. .
covardia, como limite do seu território. Este aut~r afir-
mou que "o erotismo nasceu do proibido, que VIV~ do Não existe crise de espírito que seja independente
proibido". Podemos dizer o mesmo quanto à sublima- da crise social e os artistas estão longe de ser os úni-
ção cultural do erotismo no cinema, p.a .arte e na. P?e- cos a suporta; as conseqüências e a terrível angústia
sia. Bataille acrescentou que, na ausencia do proibido do sentido perdido. Todavia, quase só êles, juntamente
(ou de um sentimento de proibição), não poderíamos
ser eróticos em um sentido que implique a violação,

(1) Citei, aqui, fragmentos da memorável conferência sôbre O Ero-


tismo e a Fascinação da Morte. proferida por Bataille, em 1957, no
Cercle Ouvert, E.ste autor voltou a apresentar a mesma tese no seu
(1) ln "Eros e Civilização", éditlons de Minuit, livro "O Erotismo".

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com os criminosos e os revolucionários, é que reagem negra, à arte demente; às quais devemos uma inten-
contra essa perda, assumindo-a e expressando-a. Isso sa necessidade psíquica que a arte branca, ao adaptar-
se ao que é proibido, perdeu por completo.
representa, exatamente, ·uma violação do estabelecido.
. A arte atual também progride e se realiza, graças
As civilizações adultas - aquelas que levaram à a uma "regressão" e a um desdém semelhantes pelos
sua mais sangrenta perfeição a ditadura do instinto da valôres estéticos, políticos ou morais encarnados pelo
morte - acusam a arfe, indissoluvelmente ligada à in- Estado. Apesar das aparências, não restam dúvidas de
fância, de ser degenerada. A afirmação de Brancusi, de que o artista tem tudo a perder se se aliar ao Poder.
que "quando deixar de ser criança, estarei morto", é a
confissão e a resposta suprema do inconformado. A Os famosos véus que o Vaticano sobrepôs aos
arte é uma regressão ilegal em relação à "maturidade" afrescos de Miguel Ângelo não são véus simbólicos, mas
da sociedade industrial. A vibração emotiva que ainda sim ornamentos que alteram o sentido da obra. Chagall
nos provoca a arte dos povos chamados primitivos e Masson, transformados em decoradores dos tetos da
(cujo animismo cheira menos a podre do que as nossas V República, sabem perfeitamente do que estou falan-
ciências e as nossas religiões modernas) e a descarga do. Não há razão para que a arte escape à doença das
elétrica que sentimos a séculos de distância provam que promoções burocráticas; Na realidade, a condição de ar-
a idéia de progresso não tem o mesmo pêso na arte tista oficial é igual à de um comerciário. No que nos diz
do que na economia política, e que não existe sentido respeito, pelo contrário, hoje mais do que nunca, acha-
histórico que se mantenha ao nível da transmissão de mos que é preciso reconquistar a função mágica da qual
pensamento; ao nível pré-lógico alucinatório, no qual a arte foi afastada pela civilização tecnocrática e pela
se situa a verdadeira arte. Esta arte, cuja potên- industrialização da cultura.
cia .reside inteiramente no regresso a si mesma ou
O artista da segunda metade do século XX - na
na crise reacionária que desencadeia, não seria mais Europa ou nas Américas - . é um homem política e
do que um processo regressivo? Não terá esta arte espiritualmente decaído em relação àquilo que certas
sido comparada, do exterior, verdade seja dita, a um utopias geniais teriam desejado que êle fôsse, mas
jôgo de criança ou de loucos? O gênio, quanto a si, também, em relação com a sua própria crise de cres-
é simples regressão, visto que já aceitamos, de um modo cimento (de 1910 a 1930). Roubado da maioria dos
geral, que é a infância reencontrada. Na verdade, não seus meios intelectuais, despersonalizado à medida' que
se trata de uma inversão de valôres, mas sim de sua "avança", que obtém o "sucesso" socialmente, o artista,
transmutação. ajoelhado diante do Poder ou da Bôlsa, não é mais do
que o bôbo da classe dirigente. Não seria certo inter-
Desta forma, a "progressão" da arte moderna - pretar esta decadência como uma vitória do apolitismo
do impressionismo ao cubismo , por exemplo - foi sôbre o espírito de revolta - embora os ideólogos ter-
causada diretamente por um regresso às fontes: a arte midorianos tenham a suprema covardia de assim o con-
dos selvagens e dos loucos. Não há dúvida de que de- siderarem. Portanto, devo responder aos defensores das
vemos Les Demoiselles d'A vignon apenas à arte tradições, perturbados pela crise geral dos valôres, que
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nós não aceitaremos limitar ou ' deter essa crise; nós, mo de inspiração. e) A indústria cultural depressa se
pelo contrário, empregaremos todos os meios para a encarregou de converter os mais ."artistas" dos seus fun-
levar ao seu máximo. E temos de o fazer por ser essa cionários em tristes caricaturas de si mesmos, em produ-
a nossa única possibilidade de acabar, de uma vez para tores de Kitsch ou em ídolos de semiluxo.
sempre, com a sociedade de exploração, com a sua men-
talidade escravizante e a sua irremediável cultura. A
arte está em grave conflito com todos os regimes e
tôdas as formas de coersão, mas sobretudo, está contra Em resposta à concepção estatal e mercantil da
os que se servem .e exigem dela um impôsto material cultura, temos de opor, quanto a nós, uma arte de com-
ou moral e que, finalmente, só a querem aniquilar. A bate, plenamente consciente da sua prerrogativa; uma
censura, não o esqueçamos, é uma manifestação do ins- arte que não recue diante de uma tomada de posição,
tinto da morte. da ação direta ou da transmutação. Uma explicação se
impõe, a êste respeito: o Pop'Art e o happening pouco
Dito isto, é preciso reconhecer que o Pop'Art, têm em comum no que se refere à sua forma e à sua
embora interrompa uma certa tradição pictórica, não se essência - a não ser que dois ou três artistas Pop
. preocupa muito com a elaboração coletiva das imagens também participem de happenings. Precisamos, por
e dos seus prolongamentos na realidade. Não nos ofe- conseguinte, diferenciar entre o estilo pictórico chama-
rece conclusões, mas sim, apenas, uma importante do- do Pop'Art, fenômeno essencialmente americano, e o
cumentação sôbre a ambigüidade da mitologia ameri- happening, que . é um nôvo meio de expressão empre-
cana na nossa época. A sua perspectiva é alucinatória gado por artistas de diversas tendências na Europa, nos
e a sua afetividade, sempre ambivalente. No que tem Estados Unidos, no Japão etc.
de melhor, de mais puro, o Pop'Art consegue oferecer-
nos uma moldura psíquica da civilização que nos cerca o Pop'Art não possui uma ideologia, conforme o
e que (até certo ponto), nos impede de viver. Existem afirmaram os seus adversários, mas não há dúvida de
vários artistas Pop que são autênticos criadores, na me- que a evolução dêste estilo, em relação com a mono-
dida em que soubermos ler as imagens que êles nos ofe- tonia decorativa da arte abstrata ou impressionista, é
recem. .. sem vidência, nada existe e nada existiu . j a- uma evolução mais psicológica do que estética. Quem
mais. . examinar o Pop'Art de perto, depressa verificará que
não foram os temas que mudaram, mas sim, as suas for-
No que tem de pior, o Pop'Art retomou por sua
conta as ninharias que levaram a abstração geométrica,
a pintura surrealista ou o expressionismo abstrato a
definhar, a caricaturar-se a si mesmo. Já existem, em ( ' ) Theodor Adorno afirma que as produç ões do espírito 110 estilo
Paris, imitadores medíocres que se contentam com subs- da indústria cultural não são "também" mercadorias,' elas o são inte-
tituir o famoso Superman por Tintin. .. e a crítica, gralmente (ver revista Communications, n" 3). Será necessário, por-
chamada séria, aplaudiu-os. Seria errado pensar que um tanto, reconhecer, mais cedo ou mais tarde, que o mais evidente da
estilo (mesmo adaptado às exigências da moda e do produção cultural - literatura, teatro, cinema, pintura, música etc.
mercado) pode dispensar artistas que tenham um míni- - faz parte desta indústria.

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dida em que ela é a linguagem dos alucinados e, além
mas e percepção. Na realidade, existe na distância am- disso, nega-lhe o seu lugar na "vida normal", conforme
bígua operada por Warhol, Rosenquist ou Lichtenstein somos obrigados a suportá-la. O espaço extremamente
uma certa afinidade com os romances de "1' école du limitado que é dedicado à arte, na sociedade, não cor-
regard". responde de modo algum à sua dimensãomítica, Passar
de um ao outro - com risco de violar a lei - é a
O happening, por seu lado, consegue fazer inter- função primordial do happening,
vir a experiência vivida diretamente do mito. O hap-
pening não se contenta em interpretar a vida, também A arte de vanguarda é a que libera os mitos la-
participa do seu desenrolar na realidade. Isto postula tentes, que nos transfigura e altera a idéia que tínha-
uma profunda ligação entre o vivido e o alucinatório, mos da vida. Se isso é um crime, não há razão para o
o real e o imaginário. É justamente a consciência dessa rejeitar; pelo contrário, devemos reivindicá-lo. As sé-
ligação que os inimigos do happening não podem tole- rias dificuldades encontradas pelos autores de hap-
rar, visto que ela poderia ameaçar os mecanismos de penings (em Paris e em Londres, nomeadamente, por
defesa levantados por êles, como uma gaiola, em volta parte da polícia ou dos controladores da cultura), co-
do seu próprio psiquismo. Merleau-Ponty, quando de- locam imediatamente no terreno político o combate pela
cretou que o "fenômeno alucinatório não faz parte, do liberdade de expressão. Isso não deve obscurecer "o
mundo e não é acessível" (l), condenou a arte na me- comportamento e o pensamento míticos" que Mircea
Eliade soube revelar na arte de vanguarda, pois êsse
conteúdo alucinatório, atacado ou neutralizado pela
cultura industrial, encontra no happening o seu espaço
vital, a sua afirmação. Esta arte fornece-nos os meios
(1) ln "Fenomenologia da Percepção", Merleau-Ponty afirma que; que nos permitem atravessar a muralha que isola o
todo o esfôrço da fenomenologia. .. é reencontrar êsse ingénuo cantata nosso subconsciente coletivo. A passagem à ação, à
com o mundo.... o qual, digamos, é o do poeta, do artista, do alu-
cinado. Todavia, prendendo-se à contradição das aparências (normal!
doente, verdade/êrro, real! imaginário), o próprio Merleau-Ponty toma
impossível êsse conta to. Não será verdade que, aos olhos de certos
racionalistas "científicos", a arte, o amor, a política, não passam de
doenças? Merleau-Ponty formula uma pergunta à qual êle mesmo dá Durante um debate recente sôbre o "marxismo atual", organizado
uma resposta: O fllásoio, se oferecer alucinações a si mesmo, por pelo grupo "Socialismo ou Barbarismo", Kostas Axelos foi atacado vio-
meio de uma inieção de mescalina, poderá ceder ao pensamento aluei- lentamente, quando declarou que a história, como a pintura, já não
nat6rio e, então, viverá a alucinação, sem poder conhecê-la, ou poderá tem motivo nem obietivo, Esta dupla ausência poderia ser interpretada,
também acontecer que conserve uma parte do seu poder de raciocínio de resto, seja como uma perda, seja como um abandono. O marxismo,
e, dêsse modo, o seu depoimento poderá ser recusado, visto não se separado do "materialismo" superficial com o qual Lênin tentou com-
tratar de o depoimento de um alucinante, totalmente "embrenhado" bater o "idealismo" de Berkley - e já se sabe com que fins Jdanov
na alucinação. Vivida e assumida, a experiência alucinatória é o que explorou êsse ridículo antagonismo - , o marxismo, nas suas fôrças
distingue o observado do observador, o agente do agido. A "filosofia vivas, reencontra o caminho da revolução permanente do ser. Isto dito,
crítica" exclusivamente analítica, como tôda e qualquer maneira de o motivo da história e da pintura não foi eliminado. segundo nos
pensar (ou de ser), sofre de uma enfermidade constitutiva. Falta-lhe parece, mas sim transformado em consciência errante, expansível, dotada
a dimensão principal: o além do motivo e do obietivo, a terceira con- de vida.
dição.
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investigação poética e à elucidação c?r:stitui a. parte po ,.que lev~>u os pintores a inventar aquilo que Kaprow
errante e de risco, essencial a tôda a atividade críadora ba.tIzo.u mais tarde com o nome de happening, Entre os
digna dêsse nome. Se a idéia de nos conhece:,.m0,s ,alJ?da primeiros autores do happening, devemos citar Red
possui algum sentido, na época da Bomba, nao e,umca- Grooms, Dine, Oldenburg, Whitman e Kaprow em Nova
mente aos etnólogos que a devemos, ~as,t~mbem aos York, Chicago, Dallas, Filadélfia etc., Vostell em Wup-
artistas. Em nome de que aberrante pnnclpl~ de aut~­ perthal e em VIm, Bazon Brock em Francforte nós em
ridade se pode proibir que os arnstas se manifestem 11- Vene~a, Paris, Londres, Cardiff, Amesterdão ~tc., Ben
em NIce e Roterdão, o grupo Gutai no Japão, Vinke-
vremente? . . noog, Hugues e os seus amigos na Holanda, Ferró,
Desde aquêle tempo em que Plcabm, Duchamp
e os seus amigos puseram a cultura a fogo e a sat;g?e, Pommereulle, Kudo e os outros membros da Oficina
as palavras arte e crise designam u~ mesI?o e umco da Livre Expressão em Paris, Londres e outras cidades
fenômeno. Em Paris, por e~emp~o! amd,a eXlste~ umas Já sou~e~os, também, 9ue se realizaram happening;
sessenta mil pessoas que se ldentlf.lcam a velha l.magem na ,Polom a e na Argentina, por exemplo. Afinal, que
do artista-pintor, como se nada t1yesse acontecIdo nos esta acontecendo?
últimos cinqüenta anos. Mas e~s~ Imagem assen:,elha-se O happening, como a música ou o cinema é uma
demasiado à idéia do funcionano ou do camelo, para linguagem à qual cada um traz um conteúdo diferente:
que se lhe dê valor. o pobre homem que passa o t~mpo assim, é necessário diferençar entre um happening de
em pé, diante de um cavalete, tranqüil~za os leltor~s Kaprow ou de Oldenburg e um happening de Ferró,
da 'r evista Connaissance des Arts, mas .so alg~ns tuns- de Pommereulle ou de Kudo, por exemplo. Recordo-me
tas param para ver o que êle está ~abr~ca~do. N~ que que o primeiro dêsses "acontecimentos" se realizou na
diz respeito aos inúmeros salões e bienais, estes eXIstem Europa, no final da exposição Antiprocesso e os artistas
. num semimundo de negociata~ e i~posturas, o qual associados à Oficina da Livre Expressão trataram, di-
está relacionado com a arte so muito .vagame~te. Os retamente, com grande coragem, de temas políticos e
autênticos criadores" aquêles que assumIram socI~lmen­ sexuaís.xlurante êsses seus happenings. Isto talvez tenha
te a função de artista, ocupam um espaço margmal, a ' criado nos espíritos mal informados uma confusão no
que somos tentados chamar de matagal. Quando sa.eI? q?e se refere a uma significação global e fictícia do
dêsse matagal, ocultos por uma espécie ?e clandestIm- genero. Na verdade, cada happening possui uma rêde
d~ signi.ficações ligada a um contexto psicológico e so-
dade intelectual e econômica - em Paris, Nova York
ou Tóquio - , o. que só sucede de tempos a ~empo~, cI.al mu~to exato. Não exis~e teoria definida do happe-
precisam de coragem para enfrentar a clvl1.lzaçao. ;Po.r ning VIstO 9ue ~ada part1cip~nte tem a sua própria
vêzes um dêles conhece o sucesso mesqumho do .di- teona e, mais ~dlante, ver-se-a como a nossa posição ,
nheir~ e do renome, mas, na maioria do~ casos, r~g~essa por exemplo, difere da adotada pelos americanos Ka-
ao matagal, esgotado e já quase sem for~a~. O gran~e prow ou Oldenburg. Em matéria de criação artística
público só teve corihecimento da sua apançao ~~r meio coletiva não é possível generalizar, partindo de percep-
de ecos distante~, . deformados pel~s falsas nOtICIa:. Os ções mais ou menos fragmentárias.
mais inspirados artistas e poetas VIveram quase toda a . O acesso ao happening requer um estado de es-
vida no matagaL Foi neste quase segrêdo que nasceu pírito especial, livre de preconceitos, de sofisticações e
a dissidência artística, em vários lugares ao mesmo tem- das idéias fixas .da indústria. Sem .êsse estado de es-
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pírito, o observador arrisca-se, .uma vez m~is, a ser ví- prejuízo do ser - a sua atmosfera permanecerá irrespi-
tima da mecânica da sua propna observaçao. Essa me- rável. O happening leva esta vantagem sôbre a pintura,
cânica tende sempre para se transformaI em dogma -. a literatura ou o teatro dos anos sessenta, de ter permi-
inclinando-se, então, com tôda a sua força de mercia, tido - e durante algum tempo ainda continuará a per-
para a incomunicabilidade, a censura e outras conven- mitir - aos artistas firmemente decididos a não se dei-
ções culturais. Muitos sistemas de percepção foram; xarem vampirizar pela indústria.
assim, desajustados e bloqueados freqüentemente por Quanto ao que nos diz respeito, a nossa intenção é
aquilo que, de início, não passava de um. simples fra- aprofundar a própria experiência da pintura. Isto
casso afetivo. Não existe julgamento estético ou moral levou-nos a suprimir temporàriamente o segundo têrmo
que não dependa estreitamente do estado afetivo de pelo qual era designado o nosso trabalho, bem como o
quem julga. Não será verdade que. a rua obscu~a e sem dos artistas que foram mais longe na ciência do ima-
interêsse se ilumina para quem VIveu, nesse d~a, algu- ginário. Assim, da nossa action-painting, só rios resta
ma emoção intensa? O mesmo s~~ede com a~ ~agens a ação. . Na verdade, queríamos ser parte integral
e os indícios aos quais a receptividade (ou indiíeren- das nossas alucinações. Existia em nós uma .sensação
ça) do observador dará um sentido exato. Tê.da obser- apocalíptica, para não dizer um nojo insuportável pela
vação é motivada previamente, antes de se ínteressar "civilização da felicidade", com os seus Hiroshima.
por um objeto e, se a,pe!cepçã? fal,!lar, a~ ca;tsas d~ssa Tudo o que não tinha cessado irremediàvelmente de
falha residem na propna motrvaçao. Nao e possível, significar, girava, e ainda o faz, em volta de dois pólos
de modo alzum falar de uma percepção objetiva. Quan- magnetizados: Eros e Tânatos. Faulker perguntava em
to mais no; fa~iliarizamos com um meio de expres.são que momento a sexualidade se podia manifestar mais
direto e sem intermediário, como sucede no happening, livremente do que em tempo de guerra, de fome, de
menos crédito damos às interpretações do mundo que inundação ou de incêndio. Artaud concebeu o seu Tea-
passam por definitivas, científicas e não partidárias. Será tro de Crueldade na atmosfera e no local da catástrofe.
que já se começa a compreender que o mc:.do de percep- Hoje em dia, o happening parece ser o único meio de
ção ao qual recorremos atua.lmente - e sob.re o qual s~ expressão capaz de representar simultâneamente a crise
fundamentam o teatro, a literatura e a pmtu~a - .e da realidade e a crise do humano, por causa ou apesar
uma fraude? Enfim, o happening oferece-nos meIOS mui- dos progressos e dos fracassos do Espírito Moderno.
to superiores a êsses processos unil~terais ..Propõem-nos Trata-se em resumo, de formular os mitos que são nos-
uma .comunicação e uma colaboraçao efetiva n~ terreno sos, caindo o menos possível na mecânica alienatória da
onde a pintura nos apresentava um eterno monologo e o indústria das imagens. Por mais afastados do êxtase e
teatro uma seqüência de disc;rrsos..: ., . por mais próximos do pânico que estejamos no século
As restrições e as sublimações ?bngatonas" 'lue XX, nenhuma chantagem, nenhuma pressão econômica
constituem o essencial da nossa tradição ~ultural vem . ou política, nenhum idanovismo da direita ou da esquer-
de longe" como se costuma dizer, mas aquilo que atual- da pode impedir os artistas de procurar na direção do
mente caracteriza a cultura é a sua falta de ar. Ep.quant? Mito e da sua Crise . E o happening confere ao errante a
o "mundo das artes", o mundo, em resumo, for domi- significação e o pêso do crime. No país dos instintos, a
nado pelos mais ignaros negociantes, enquanto a cultu- vidência e a coisa vista misturam-se. Aqui, o que é real
ra fôr mantida por êles na zona do ter - para grande .é irracional. Todo acontecimento pressentido e vivido
36 37
por vanas pessoas como um abandono dos limites do menor :possibilidade de se tornar liberdade de ação,
real e do imaginário, do psíquico e do social, poderia enquanto não se liquidar "o aparelho especial de coer-
ser chamado de happening. :e.ste nasce de um sonho ou ção:', C) constituído tanto no plano cultural, quanto
mesmo da superconsciência de uma situação histórica, no plano social pelo Estado, seus avatares, ,suas imita-
topográfica, psicológica. ções. :Atualmente, é menos possível (que antes foi)
Há muito tempo já existia uma maneira de agir reformar um , segmento limitado da vida humana
bem significativa com que o happening possui uma (mesmo aquêle a que os sociólogos chamam setor
afinidade indiscutível. Hans Arp, quando soldado, as- cultural), sem a refazer no seu todo e nos seus princí-
soava-se na bandeira, sempre que chamavam o seu pios. ,Já dissemos como e para que fins a arte é utili-
nome; Jean-Pierre Duprey urinava sôbre a chama "eter- zada pelo Poder e a Bôlsa C). Todos o sabem, mas nin-
na" do Arco do Triunfo, apagando-a. :e.stes dois grandes guém reage. Dir-se-ia que ninguém deseja verdadeira-
poetas-escultores demonstraram àqueles que ainda o mente pôr fim a essa situação, e os artistas e escrito-
queriam ignorar, que a poesia não é apenas um jôgo res ainda menos do que os outros. É verdade que até a
de palavras. E a demolição do símbolo fálico do Impé- própria pítia era remunerada nos bons tempos em
rio (a Coluna Vendôme), durante a Comuna, ainda Delfos.
é o mais belo "quadro" de Gustave Courbet. Os auto-
res dêste gênero de obra-prima sempre tiveram de pa-
gar caro a sua ousadia. Apesar de tudo, uma arte que
não enfrenta o princípio da realidade é, decididamente,
(1) , A fórmula é de Lênin (ver "O Estado e a Revolução"). O Estado
uma arte que permite ao artista enganar, falsear, ajoe- de Hegel :- "A realidade da idéia moral" - não se encontra longe.
lhar-se. Quanto aos argumentos apresentados em 1871 por Bacúnine - o ge·
Não seria de admirar que uma manifestação anti- nia( 'p recur so r do socialismo libertário - êles foram, tristemente, con.
segregacionista .que bloqueasse a circulação de uma firmados ' na segunda metade do século XX . O Estado, escreveu Bacúnine,
grande artéria de Nova York acabasse em happening. foi sempre o património de uma classe privilegiada, seja ela qual [ôr:
classe sacerdotal, classe nobre, classe burguesa e, finalmente, a classe
Mas pense-se que o happening não é necessàriamente burocrática, quando, depois de tôdas as outras classes se terem esgotado,
sinônimo de violência - isso seria reduzi-lo ao de- o E~tado cai 011 se eleva, como se quiser, à condição de máquina.
terminismo atávico de uma civilização perseguida pela C'Obras Completas".)
autodestruição - embora não haja dúvida dê que o (2) , Ver a nossa denúncia da' valorização exagerada e do aspecto po-
seu desencadeamento é a própria poesia! Tenho notado Iítico da crise de Arte, bem como o anúncio de um desfecho (iII La
Vérit é, órgão do P .C.I., nO 522, 1961). Em virtude de suas motivações
que é preciso muito pouca coisa para que as várias serem muitas vêzes as mesmas, podemos dizer que nunca consideramos
manifestações públicas em que tenho participado se a ação política como indigna de intervir na ação artística. Como sem-
tornem em insurreição. Será que é ünicamente . a pre, trata-se de uma questão de comprimento' de ondas.
ameaça de violência e o mêdo da repressão assas- , , Por outro lado, Pierre Gaudibert submeteu claramente e sem dogma-
sina que impedem a explosão da cólera coletiva? tismo a "crise" à análise marxista, que nos faltava até então (iII La
Pensée, nO 23, "0 Mercado da Pintura Contemporânea e a Crise"). Gau-
Nessas circunstâncias, 'a espontaneidade das massas dibert pediu aos criadores que se libertassem da indústria cultural para
será sempre freada, frustrada, fracassada pelos mesmos se , ' :'agruparem e elaborarem novas estruturas" que os libertassem de
que dizem dirigi-la e que, na realidade, não querem tôda e qualquer pressão econômica ou ideológica. 1:: precisamente para
associar-se a ela. A liberdade de espírito não terá a essa : direção que o happenlng encaminha os seus partidários.

38 39
As testemunhas da arte moderna só têm a palavra chamadas "cinéticas" ou "ópticas" já tentaram repre-
dólar na bôca; como são crentes, engraçados! Dizem- sentar aproximadamente alguns aspectos da experiên-
lhes que fechem os olhos para ver melhor a pintura e cia alucinatória. Agora, já não se trata de a represen-
êles não podem voltar a abri-los. Os missais são man- tar,. mas sim de a viver e de permitir com que os outros
tidos em dia, como seja, por exemplo, "O Guia do Es- a VIvam.
peculador:', no qual o . Belo e o Feio são manipulados
como antigamente o eram o Bem e o Mal. Nos Tem- É de lamentar que os trabalhos de Levi-Strauss
p}os _e C:atedr~is dessa r~ligião híbrida, a última palavra e os recentes desenvolvimentos da psico química ainda
ja nao e Amem, mas SIm Quanto vale? Quem poderá não tenham provocado a tão necessária perturbação
ter a bondade de responder à seguinte pergunta: se a na percepção do fato artístico e da sua correlação com
arte é mesmo a religião da sociedade contemporânea, o totemismo. Só nos restam algumas frases conscientes
quem é o seu sacerdote. .. o artista, o público, o ven- do seu animismo fundamental, das centenas de volumes
dedor, o comprador, o crítico? de estudos e de futilidades, das quais a arte foi alvo:
V ários andares mais acima, faz-se luz. Freud, que , como é sabido, era reconhecido aos romãn-
O domínio (que não pode ser localizado com exa- ticos alemães, proferiu um pensamento genial: a arte
tidão), a que se chama o domínio da magia, é o único é o único domínio em que a onipotência das idéias se
em que a arte pode existir. Tôda a arte é mágica ou, manteve até os nossos dias. . . é com razão que se [ala
então, não é arte. Quero dizer que a arte é o agente da magia da arte e que se compara o artista ao mâ-
de transmissão de certas fôrças psíquicas e que, desde gico . .. A arte, que certamente não começou como
sempre e em tôdas as culturas, ela permitiu ao homem sendo a "arte pela arte", encontrava-se. ,de início, a
manifestar e saciar urna necessidade de- magia. Como serviço de tendências que, hoje em dia, na sua matoria,
para se limitar e se boicotar a si mesma, a civilização se apagavam. É permitido supor que, entre essas ten-
regulamenta no homem a passagem de um estado para dências, se encontrava um bom número de intenções
o outro. Graças à arte, os estados múltiplos do ser mágicas. (1) •
devem poder, apesar de tudo, ter vida! A única reali- A revista Arts ilustrou um artigo importante de
dade da arte é constituída pela experiência alucinatória, Mircea Eliade com uma foto de um happening de Claes
em volta da qual se erguem os ritos (de passagem) e Oldenburg, acompanhada pela seguinte legenda: "Al-
se manifesta o nosso pensamento mítico. A comunica- guns dos nossos contemporâneos, na sua nostalgia de
ção dessa experiência é essencial à vida do espírito, sen- iniciação, chegaram ao ponto de inventar novos ritos
do evidente, portanto, que foi interrompida. Todos os e até novos cultos." Eliade, no seu ensaio, prosseguiu:
meios são válidos, para restabelecê-la, incluindo os Sonha-se com a idéia de se ser "iniciado", de
meios químicos ou artísticos que, desde sempre, foram chegar a penetrar no sentido oculto de tôdas as destrui-
utilizados conjuntamente. A era dos alucinógenos ções de linguagens artísticas, de tôdas as experiências
inaugura um nôvo estado de espírito e rompe com as "originais" que parecem, à primeira vista, já nada ter
preocupações industriais da civilização, para se con-
sagrar à revolução do ser. Embora muito timidamente,
o cubismo, o dadaísmo, o surrealismo, o expressionis-
mo, o impressionismo abstrato e mesmo as pinturas (1) ln Totem e Tabou, Payot.

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em Comum coin a arte . .. Por 'um lado, tem-se o sen- mar- contato com êle. Não obedece a uma Regra. Não
timento de uma "iniciação". .. Por outro lado, mos- há dúvida de que a sua ação condicionada pelo sub-
é

tra-se aos olhos dos outros o fato de se pertencer a uma consciente coletivo, que é a sua fôrça motriz, mas' pode
minoria secreta: já não a uma "aristocracia" (as elites dizer-se ,que a equação homem/mundo é uma equação
modernas orientam-se para a esquerda), mas sim a gnose aberta, a qual cada happening traz uma nova e evolu-
que tem o mérito de ser tanto espiritual quanto secular, tiva solução. O happening tenta desapertar o nó labirín-
conseguindo opor-se tão bem aos valôres oficiais quan- tico do Real; é, antes de tudo, uma libertação da rêde
to às Igrejas tradicionais. dos nós culturais. Cada participante de umhappening
possui um espírito interior diferente, de forma que a
Temos aí a questão, claramente definida pela ter- comunicação tenha lugar transconscientemente. Supõe-
minologia de um historiador que examina a distância a se que uma transição se opera da matéria inorgânica à
evolução da arte: iniciação e gnose. Notemos, de pas- matéria orgânica; da mesma forma, a matéria inorgâ-
sagem, que "o fato de se pertencer a uma minoria se- nica do pensamento - a pulsão - transforma-se em
creta" confirma a tese do clã dos artistas de vanguar- ideograma, em símbolo,em linguagem, em ato. Captu-
.da. (1) Na realidade, parece que ohappening, pois estas rada' pelo e no happening, no seu bruto, pré-gramati-
palavras se referem a êle, expressa um "pensamento mí- cal" o pensamento permanece livre, não destilado. Pro-
tico"; falta determinar o que êsse pensamento tem curando-se a si mesmo, o pensamento cria-se. Assim,
de racional e o que tem de eruptivo. durante a comunicação intersubjetiva, um fenômeno é
produzido: a aparição da "ligação cósmica".
. Antes de se decidir que o autor de um happening Ornette Coleman escreveu a respeito do seu disco
é um hierofante, torna-se necessário salientar uma dife- Free Jazz as seguintes palavras, que se aplicam perfei-
rença essencial. A cerimônia conduzida pelo feiticeiro tamente ao happening: "Conseguimos ouvir tão bem os
desenrola-se segundo um esquema que serve de base a outros continuarem a construir em conjunto, que a pró-
todo rito, o desenrolar dessa cerimônia obedece estrita- pria liberdade se tornou impessoal". É necessário pre-
mente a um dogma, a uma teoria cosmogônica; o artista servar a todo custo esta mediunidade fundamental do
'q ue participa de um happening, pelo contrário, procura pensamento, apesar de ' todo o condicionamento racio-
'n a ação a sua cosmogonia. Reinventa o mundo ao to- nalista, Certas exp'eriênciasrecentes revelaram que a
ingestão de certas substâncias alucinógenas cria um
ambiente em que cada .pessoa sonha os sonhos dos ou-
tro.~;
ó happening é a concretização do sonho coletivo,
(1) Estudei o totemismo particular a êste clã, no meu ensaio Un bem 'como o veículo de uma intercomunicação. Neste
regard neuf, publicado na revista Cal/age (dia/oghid/ cultura; Palermo, nível .a expressão escapa à censura; à sofisticação, ao
Março' 1964) . O artista vive a sua obra social e intelectualmente, razão negócio, ao princípio dó lucro.
pela qual se encontra deslocado, em relação à sociedade da qual depen-
de para viver. Os parasitas e exploradores permanecem alheios e mesmo
Assim, o happening estabelece um nôvo tipo de re-
hostis à criação artística independente. Na arte, mais do que em qual- lação entre o "autor" e o "espectador" por um lado , e
quer outro campo. o Ser e o Parecer enfrentam-se e acabam por se entre a "obra" e o "mundo", pelo outro. Para se conse-
excluir. . guir isso, todos os meios 'são válidos; ..
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;J
.O Cinema - que também é um elemento constitu- das pelo happening. Projeção simultânea de vários fil-
tivo da colagem de visões e de técnicas - tal como Bob mes sôbre um ou vários écrans, corpos móveis, como
Whitman , Nam June Paik ou nós mesmos o emprega- telas, cic1orama, poligrama etc. ... As possibilidades
mos, durante os nossos happenings, foi tirado do ca- alucinogêneas do cinema começam a ser exploradas:
minho medíocre em que a indústria o havia colocado. ritmos, sobreposição de projeções, permutações. .. De
Dêsse modo, o cinema enterra-se a si mesmo e a nós, na Dziga Vertov a Taylor Mead, o cinema, que vulgarmen-
terra-de-ninguém, alucinatória, no domínio da experiên- te se designa por experimental para se distinguir das
cia pura, sem nome e limite. O grande cineasta de Nova produções industriais, depende mais do pensamento
y ork, Jonas Mekas, relatou esta nova mentalidade tra- pré-consciente e da situação que da cultura. .
zida ao cinema pelo happening: Referindo-se a happenings nova-iorquinos, como
o Car Crash e Veaudeville, Allan Salomon assinalou
Hoje em dia, o que surge de nôvo no cinema, na o quanto o seu autor, Jim Dine, estava preocupado pelo
medida em que se pode generalizar, nesta fase (embora problema N9 1 da arte moderna: entrar em comunica-
já bem adiantada) , encontra-se marcado por um impul- ção mais estreita e mais intensa com o observador. Veja-
so quase místico para o movimento puro, a côr pura, mos o que êle escreveu:
a luz pura, a experiência pura. Isto se consegue com
técnicas artísticas diferentes, a pintura, a escultura, o ... Dine e Oldenburg não se contentaram em fazer
happening, o ambiente, a música, juntamente . com o o público participar mais diretamente do que já fizera
lado cinematográfico, a luz, o écran (de diversas for- o teatro convencional; mas também conferiram aos
mas), a imagem (filmada ou produzida de outra ma- objetos - que representaram sempre um papel pri-
neira), o movimento, dominam estas obras. As frontei- mordial nesses happenings - uma nova importância,
ras onde uma obra de arte começa e acaba tornaram-se resultando que os objetos se tornaram efetivamente
muito vagas. Na verdade, poderia dizer-se a respeito de protagonistas tão importantes quanto os atôres hu-
um happening de Ken Dewey, do cinema de lerry Joiiin manos. (I)
ou do "rito" de Angus MacLise que êles se fundem len-
tamente no mundo, nêle permanecendo algum tempo, Por êste lado, e só por êle se pode falar de uma
irradiando e dissolvendo-se de nôvo imperceptivelmen- interferência Pop'Artfhappening. Objetos dotados de
te. (1) uma presença imemorial, objetos condutores, objetos
habitados por nós. Aparições? Sonho acordado infli-
Essa arte é sinônima de vidência. A linguagem ci- gindo um incisivo desmentido à Materialidade do coti-
nematográfica ou televisual pode contribuir diretamente diano. Dança solar do inanimado. Átomo agindo no
para a descontinuidade das imagens e das diferent~s átomo. Vibrações e ondas. Infinidade.
realidades (psíquicas, sociais, sexuais etc.) desenvolvi-

(1) A. S. Jim Dine and The Psycology of the New Art, na revista
Art lntemational, Outubro de 1964.
(1) ln Movie lou rnal, Novembro de 1965.
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Os happenings de Tóquio, Amesterdão .ou tipo de gente, quando se oferecem condecorações. Nós,
Paris (1) parecem ter um ponto comum: o advento da por nosso lado, não somos partidários da palhaçada
sexualidade. Neste domínio, mais do que em qualquer civil ou militar. A simulação não é o nosso forte .
outro, a espontaneidade é proibida pela moral coerciva Existe urna ilusão de óptica da parte dos observa-
que está na base da nossa cultura. Os puritanos .ofen- dores. Assim, aludindo aos happenings, a revista Arts
didos pelos nossos happenings deveriam meditar sôbre afirmou em letras garrafais que "as Elites modernas ten-
as seguintes palavras de Mircea Eliade: traduzir uma tam reencontrar pela iniciação um mundo perdido", e
situação psíquica em têrmos sexuais não é, de modo Jean Revol escreveu: a arte moderna esforça-se, nas
algum humilhá-la, visto que, excetuado o mundorno- suas mais honestas tentativas, em reencontrar uma co-
demo, a sexualidade sempre foi em todos os lugares munhão direta e intuitiva com o mundo. Mas nós não
uma hierofania e o ato sexual também foi sempre con- somos primitivos, temos de reencontrar a inocência dos
siderado um ato integral e, portanto, um meio de conhe- podêres originais, sem renunciarmos aos conquistados.
cimento. C) Em vez de ser uma profanação, a contri- Mesmo sem diminuirmos a importância dos arqué-
buição de TetsumjjKudo (entre outras) à nossa mani- tipos , torna-se necessário tentar responder à interroga-
festação "para conjurar o espírito de Catástrofe", foi ção fundamental da modernidade : não será a atividade
uma remagnetização do erotismo adulterado de nossos artística, no seu ponto de mais elevada tensão, a cria-
dias. J ohanna, essa quimera à Gustave Moreau, cujo ção de um mundo nôvo, nunca visto imperceptivelmente
ventre nu serviu de écran para as projeções em côres em progresso sôbre a realidade? Ou então, será a ativi-
de Ferró, foi, sem dúvida capitosa. Aos detratores da dade artística urna espécie de arqueologia subjetiva e
dança sagrada; responderei com uma pergunta: "alguma sublimatória apontada para o longínquo interior da His-
vez já viram qualquer coisa mais obscena do que dois tória?
generais se beijando?": Pois isso é corrente entre êsse
"Em contraste com a arte do passado, os hap-
penings não têm comêço, meio ou fim estruturado. A
sua forma é aberta e.iluida. Nêles, nada se persegue de
evidente e, por conseguinte; nada é ganho, a não ser
(1) Recomendamos o livro "Rotinas" de Lawrence Ferlinghetti (edi-
tôra ·N ew Directions, N.Y.). Trata-se de uma síntese de argumentos a certeza de um número de ocorrências, de acontecimen-
de happenings, de roteiros de filmes e de textos teatrais. Os Mistérlos, tos, aos quais se presta mais atenção do que habitual-
coletivamente preparados, encenados e representados pelo Living Thea- mente. Esses acontecimentos só existem uma vez (ou
tre- O único grupo teatral que teve, até agora, a coragem de aplicar apenas algumas vêzes), desaparecendo para sempre e
as idéias de Artaud ~ possuem um parentesco óbvio com o happenlng.
Graças a êles e a outros inventores como Cage, G . Brecht, o 'grupo
sendo
. substituídos por outros . . . "
.

Fluxus, B. Whitman etc., a pintura, a poesia. o teatro, o cinema e a


música fundiram-se em . uma só linguagem com possibilidades infini tas. Estas palaxras são de Allan Kaprow (inArt News ,
Os happenings são, de certo modo, o resultado dessa atitude e dessas Maio de 1961); prossigamos com êle uma conversa
experiências . Em Paris, já existem pálidas imitações do Living Theatre imaginária:
e do happ ening: trata-se do teatro de Boulevard, um pouco moderni-
zado, que se distingue pela sua covardia e pelo seu espírito porno-
- Será o happening um regresso ao "primitivo",
gráfico - . reagindo contra a pintura esgotada das Escolas de Paris
( 2) ln lm ages et Symboles . ou de Nova York?

46 47
_ Em certo sentido, sim. Todavia, a palavra re- não é praticada, ou mesmo tolerada, como veículo má-
gresso presta-se a confusões. Digamos que o menos to- gico, há muito tempo na Europa. Mal podemos imaginar
lerável, para nós, é a dessignificação ~ o têrmo ~. de 0.9ue aconteceria, se o grande público tivesse a possi-
Kostas Axelus), a estagnação e o controle do. eS~l!1to. bilidade de ver ou compreender a maneira como. em-
Nós praticamos uma espécie de regresso aos mst~nt.os, p~egar as imagens e os objetos rituais, provenientes do
sobretudo ao instinto de vida, desviado do seu objetivo TIbete, atualmente expostos no Museu Guimet, visto
sexual pela cultura. que o ambiente secreto no qual a arte tântrica nos in-
_ Sejamos mais exatos. Você falou de "exorcismo troduz é o ambiente da revolução do ser. Zona proibida!
coletivo" (cartaz/programa da manifestação para con-
jurar o espírito de Catástrofe), procurará você, .com . - Que paradoxo! Dêsse modo, a sociedade con-
isso, reintroduzir a magia para combater o estetismo sumirá imagens nas quais não acredita e de cujas fun-
não significante da pintura em voga? ções as teria desviado?
_ Sim. Portanto, o happening não é uma lingua-
gem fundada sôbre uma tradição pictórica, po~tica .ou . - Sim. Sucede muitas vêzes que um produto é
hermeticamente precisa. Existe sempre uma ligeira dife- comprado apenas para obedecer a publicidade ou por
rença de métodos entre a magia e a arte. De resto, motivos puramente especulativos. O fato de certos
Marcel Mauss já tinha respondido, antecipadamente. artistas se prestarem de boa vontade a tais práticas, o
às nossas preocupações: queé freqüente, é suficiente para desacreditar a arte
em geral aos olhos da "opinião". Portanto, :a sociedade
"Os ritos mágicos e tôda a magia são, em primeiro de exploração substituiu o potlatch, a troca pela com-
lugar, fatos de tradição. Os atos 9u,e .n ão se repetem n~o pra pura e simples; o artista, com o conhecimento de
são mágicos. Os atos em cuja eiicâcia um grupo mtelr~ todos, transformou-se em uma espécie de funcionário ...
não acredita não são mágicos. A forma dos ritos é emi- Como pretenderia, nessas condições , escapar ao seu
nentemente transmissível e é sancionada pela opinião, alto destino? Ao transformar-se em negociante, o artista
depreendendo-se disso que os atos estri.tam,t;nt.e indiyi- teve.de renunciar à sua função mais importante; trocou
duais . . . não podem ser chamados mágicos (in SOCIO- os seus "podêres" por um "bom emprêgo" na sociedade.
logie et Anthropologie, Paris, 1959) . Quanto a êste aspecto, chegamos às mesmas conclusões
do que Marcel Mauss:
_ Então, o happening não é um ritual mágico.
. " ... certos indivíduos se dedicaram à magia, de-
.,_ Para isso seria necessário que o artista ou os vido a sentimentos sociais relacionados com a sua con-
artistas (participa~tes) fôssem mágicos. Ora, o artista dição; os mágicos, que não fazem parte de uma classe
só pode ser mágico, J?-a medida eJ? qu~ a sO:Ied~de,o~ especial, também devem ser o alvo de fortes sentimentos
um fragmento da sociedade acredita nele. Nao ha dUVI- sociais."
da de que a arte e a magia sempre re~r~sentam uma
causa comum, e já nos inculcaram suficientemente a Em outras. palavras, a magia exige daqueles que a
etimologia da palavra técnica, para que nos ~ncontrem?~ pretendem praticar, que se mantenham a certa distância
compenetrados da sua importância. Todavia, a arte ja da sociedade (recusa e desafio) ; o mágico é irredutível.
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48

- -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - _ ._ -
As relações que as instituições "sempre mantivera~ com uma compensação, umaatividade de substituição, além
os artistas e os intelectuais são um exemplo perfeito do da sublimação dos instintos? O "Mudar de Vida" de
amor-ódio, ante o qual a maioria sucumbe e ao. qual ?e Rimbaud, que foi o sinal de quase tôdas as importantes
submete (como objeto àmado-odiado). Todavia. :.exls- criações artísticas, científicas (estamos quase tentados
tem algumas exceções à !egra. Mar~ Ro3hko, o píntor a acrescent.ar,.políticas) da nossa época, não será ainda;
metafísico, soube aproveítar-se da sltuaçao: para a maioria dos observadores, um sintoma de lou-
cura?
"O artista tem dificuldade em aceitar a inc~n:pre­
ensão hostil da sociedade. E, contudo, essa hostllld~de . . O ~appening a estas perguntas responde com atos.
pode ser o instrumento da sua liberação. -:tlh~io às ilu- Acontecimento extremamente raro êsse casamento entre
sões mentirosas da segurança e da solidarieâade, o a teoria ea prática, em que o Ser' em busca da sua so-
artista também pode abandonar o amontoado das con- berania, atinge a sua abertura ~áxima, o happening,
venções plásticas. O mundo das experiências transcen-
dentais abre-se diante dêle:"

combater defendendo tal causa? Não será melhor fazer carreira na


tecnocracia? Avida Dollars não negaria uma atitude tão submissa ao
. Nada pode impedir que a História da Arte venha poder estabelecido. O gôsto de aparecer, o orgulho do sucesso, a cobiça
a reconhecer como seu, êste princípio fundamental enun- das recompensas e das honras levaram um bom número de artistas,
de P?etas ou de h~mens de ação para uma posição neutra e, depois;
ciado por Robert Rauschenberg: ~anàt~c.amente contra-r;volucionária. s difícil acreditar que Kaprow possa
Identificar, como o fez nas suas recentes declarações, o produto deli-
"Ser pintor significa estar em ruptura." beradamente comercializado com a arte chamada de vanguarda. Vinda
de um autor de happenings - que também é, não se sabe ao certo
Será que a oposição espiritual do artista dispensa qual a razão, professor de História da Arte, na Universidade do Estado
de Nova York - uma tal confusão inquieta-nos seriamente.
tôda e qualquer oposição real? Essa é uma pergun- A rêde de alienações é tão densa, partindo do cultural .ao social
ta provocada pela. ver~a~eira colaboração d,e. classe, que se tomou impossível criar o quer que seja, sem voltar automàtica-
na qual se lançam lrreSlstlvelme.n~e tantos ,espmtos. pu- mente a pôr em questão o conjunto sócio-cultural no qual vivemos. Assim
ros. C) Não será essa famosa atividade artlstlca, afinal, a arte autêntica de vanguarda, em contraste com a sua civilização. .é natu-
ralmente revoluc ionária. A arte domesticada, mesmo quando coberta de
sucesso, distingue-se pela sua cobardia, revelando-se sempre incapaz de
se renovar, de acreditar em si mesma. Já vimos as revistas N ewsweek e
Art News acusar a atual arte americana de ser demasiado conciliante
(1) Allan Kaprow, por exemplo, depois de ter d~cla.rado que, gra~as para com Madison Avenue e Wall Street. Acusa-se o expression ismo
ao happening, os nossos atas se transformam em rituais e a nos.sa ~,da . abstrato e o Pop' Art, ainda em voga, de se terem tornado em produtos
cotidiana se altera (in Words, 1962) e obtido um sucesso eonsiderável comerciais (a commodity) , cuja fabricação e conteúdo se submetem
inteiramente às exigências do mercado. Em parte, o artista americano
do outro lado do Atlântico, afirma simplesmente que o artista, doravante
é responsável por esta catástrofe, visto que, encorajado pela imprensa e
se encontra privado do seu inimigo clássico, a sociedade e, por conse-
pelos traficantes de arte, passou a divertir o público. Assim, os magnatas
guinte, que a velha idéia do Clã. do grupo, já não existe (ver Art News,
Outubro 1964). Eis o fim do utopismo de Rimbaud! g melhor ganhar a da indústria cultural praticam a autocrítica e a análise marxista . Só fal-
tava isso! .
vida do que mudar -de vida, não é verdade? Para que perder o tempo em

SI
50
entre tôdas as linguagens ao nosso dispor, é o menos f?rme Duchamp comentou, a respeito ao quadro está-
alienista. John Cage e Eric Dolphy tocaram não só com tico), mas encontra-se dentro dela.
notas musicais, mas também com sons, ruídos; Picabia . V?l!a~os a falar, em outro lugar, da tendência
e Rauschenberg pintaram não só com tintas, mas tam- mais dm~nl1ca da arte contemporânea, cujo funciona-
bém com objetos usuais; Oldenburg e Ferrá fazem uma mento exige a intervenção (e não mais unicamente a
obra não só com imagens, mas também com aconteci- contemplação) do observador. Esta tendência virá a
mentos. Já não pintamos as batalhas, passamos também desenvolver-se consideràvelmente nos próximos anos. O
a travá-las. seu ponto de partida pode situar-se em volta da criação
Uma obra musical só existe, quando é tocada e Why !!ot Sneeze, de Duchamp, e o seu ponto final tem-
ouvida. Uma obra arquitetônica só existe, quando é porano encontra-se em algumas das obras de Rauschen-
construída ou funciona. A pintura, por seu lado, só exis- berg, de Fahlstrõn, de Tinguely e de Kudo (todos êles
te, quando é olhada e quando o seu conteúdo é reco- autores de happenings). Todavia em 1964 ainda exis-
nhecido e decifrado como imagem. Esta relação entre tiam alguns críticos e historiador~s de renot'ne - 'como
o sujeito e o objeto tem o grave inconveniente de colocar Harold Rosenberg - que se referiam à arte de Du-
a arte à mercê do observador ou do especialista, que champ .como sendo uma "brincadeira". Já é tempo de
podem ser míopes (ou burros), abrindo, no funciona- ?enU~CIar o enorme atraso, para não dizer a doença
mento da imagem, uma via única que conduz a um con- incurável do espectador, face à arte atual. Poucos são os
trôle,a uma censura e a uma corrupção de sentido. Isso observadores que atingiram a mentalidade aberta e dis-
não podia durar por mais tempo. ponível que, para o artista, apenas constitui um ponto
O abandono previsto pelos autores de happenings de partida.
só agora foi iniciado. Todavia, já provocou dúvidas Para que o contato intersubjetivo se verifique pela
quanto à pintura e aos hábitos de pensar resultantes substituição de um sinal, é preciso, primeiramente, que
dela, incluindo a frustração do espectador, a deforma- êle seja entendido. De nada serviria que o pôsto emissor
ção profissional do observador etc. É necessário desen- (neste caso, o artista fabricando imagens) enviasse
volver o programa de colaboração que Hegel já havia sinais, se o aparelho receptor (neste caso, o observador)
pressentido na arte do seu tempo e que só foi retardado estivesse desligado. Cada falta ou corte de contato tem
por causa do mêdo. O quadro, escreveu êle, dirige-se a sua história, mas é necessário dizer que a sociedade
mais diretamente ao espectador do que a estátua e soli- industrial predispõe grandemente ao isolamento, à asfi-
cita mais aquilo a que se podia chamar de sua colabora- xia das visões e à negação dos desejos latentes ou mani-
f~stados. Sem têrmos de falar no grande público e con-
ção,' por outro lado, o individuo encontra-se represen-
tado como empenhado nas relações mais variadas com SIderando apenas as pessoas implicadas na indústria das
outros indivíduos e com o ambiente. O happening põe imagens, constatamos comdesânimo a ínfima proporção
em ação (em vez de, simplesmente, representar) as de verdadeiros observadores entre aquêles cuja profissão
várias relações entre os indivíduos e o seu ambiente é observar. O observador (sobretudo o profissional),
psicossocial. Nestas condições, o observador, pela sua logo que percebe que a sua maneira de pensar ou de ser
própria carência, permanece alheio à ação. Com a arte foi posta em questão, prefere tornar-se cego. A arte não
de participação, o observador já não faz pintura (con- conseguiu ajudar os seus interlocutores a vencerem o
seu pavor à experiência alucinatória. Foi por isto, que
52 53
à percepção se tornou no problema principal da . arte .experiência que, como o happening, se situa em várias
contemporânea, a qual está relacionada, como:tudo o realidades ao mesmo tempo, exigindo simultâneamente
.que se refere ao ser humano, com a angústia e a sua vários modos de percepção e de comunicação. Temos
liquidação. vivido coletivamente·muitas dessas experiências; duran-
O happening ataca energicamente êste 'problema te as quais a pluralidade do Ser - de que René Guénon
na medida em que propõe o diálogo como uni fim, por falou - conseguiu, finalmente, assumir tôda a sua im-
si mesmo, em vez da transmissão unilateral (reduzindo portância.
.o espectador à passividade) . É pena que, depois de tanta Ao contrário de outros escritores, mais limitados
frustração, tantos olhos se tenham fechado, tantos ouvi- ou receosos, o romancista Jean-Marie Le Clézio adap-
dos se tenham tapado, tantos corpos e espíritos tenham tou-se fàcilmente ao happening, Fazer um happening,
murchado. Nunca é demais recomendar aos observado- escreveu êle, é extrair um fato do seu contexto: durante
res indecisos o uso de substâncias chamadas alucinóge- um passeio, por exemplo, ver automóveis não na sua
nas, indicadas para descongelar o sistema perpétuo. função utilitária, mas sim, como ·um espetáculo que
Contamos com numerosos depoimentos sôbre êsse des- nos é oferecido.
congelamento, como por exemplo, o que aqui transcre- É TER A CONSCIÊNCIA DE QUE O MUNDO É UM ES-
vemos, de um estudante de medicina, céptico por defi- PETÁCULO DENTRO DO QUAL NÓS MESMOS SOMOS UM
nição, a quem o LSD 25 abriu literalmente os .olhos. ESPETÁCULO•. (1)
:esse estudante descreveu a experiência nos .seguintes
têrmos: Assim, o tempo do happening é um espaço de tem-
po "forte", sagrado, mítico, durante o qual a nossa
"A experiência ensinou-me, pelo menos, que VER percepção, o nosso comportamento e a nossa própria
é, só por si, uma autêntica arte e que, certas significa- identidade se alteram. Finalmente, os outros que estão
ções não evidentes à superfície, podem derivar da côr, dentro de nós podem se manifestar. Já se tornou eviden-
das linhas, das estruturas formais etc., às quais pres- te, em circunstâncias favoráveis a tais alterações, que o
tamos uma atenção especialmente incisiva. Trata-se de muro artificial entre o consciente e o inconsciente pode
coisas que são muito naturais para todo o artista, mas dissolver-se, evaporar-se.
cuja experiência me tornou mais consciente. Além disso,
mais de uma vez verifiquei que olhar para um quadro, . O Terceiro estado psicofísico - ou crise alucina-
por exemplo, podia desencadear no meu espírito uma tória, provocada química ou visualmente - aterrorizou
analogia com aquilo que eu tinha visto sob o efeito do e fascinou muitos poetas e psicólogos. Raros são os
LSD." (1) pesquisadores que o viveram verdadeiramente, mas exis-
Essa vidência específica - ou, se preferirem, êste tem várias obras de divulgação que trataram do assunto.
estado alucinatório - é essencial a tôda e qualquer Wilhem Stekel afirmava que a faculdade de ver aluci-
nações é um elemento notável do talento artístico (in

(1) Paul Moser: III lhe Drug Experience, Grove Press, N.Y. e R.
Gordon Wasson: ln lhe Rite 01 lhe Magic Mushroom, the Drug Takers, (1) ln L'Express, 2 de Agôsto de 1965, citado por Otto Hahn; o
Time-Life .Books. destaque na última frase é dado por nós.

·54 55
Die Traume Die Dichter) e não será a obra de Bosch A êste respeito, pode dizer-se que a vida cotidiana,
que o poderá contradizer. Jarry fala do interior dêsse muitas vêzes, é dadaísta. Permutada, a realidade se
estado: ser jogado do burro de Berkeley e reciproca- transforma em obra "aberta".
mente, não perceber ou ser percebido mas que ocali- Certos autores de happenings, embora não o fa-
doscópio mental irisado SE pensa (in Étre et Vivre) . f: zendo como regra geral, desenvolveram êsse tipo de
para estas grandes profundezas, para a fonte das ima- teatro de participação. Citarei o grupo do Living Thea-
gens, longe da arte e da poesia da superfície, que o tre (criador das obras The Connection e The Rrig),
happening conduz . bem como o Théâtre Total du Niçois Ben. Durante as
Só os participantes que se lançaram espontânea- duas horas do happening Publik - a peça que . Ben
mente para fora do tempo cotidiano é que conhecem apresentou no segundo Festival da Livre Expressão, em
o Terceiro estado. ~ PRECISO SER OBSERVANTE, NÃO Maio de 1965 - êle ficou sozinho em cena, sentado
OBSERVADOR. Não creio que a simples observação exter- numa poltrona, contemplando o que se passava na sala,
na, como no teatro, com realidades à sua volta, possa depois de ter distribuído pelos espectadores prospectos
fazer com que o observador saia de dentro de . si em que convidava o público a agir. O resultado dessa
mesmo. inversão de papéis foi apaixonante. Todavia, o limite
A arte da participação responde a um desejo cons- entre o espectador e a ação não foi abolido. Em contra-
tante, embora geralmente frustrado, de todo empreen- partida, certos happenings, como "Déchirex" Happe-
dimento cultural. Se, por um lado, Hegel se contentou ning Postal, Miroirs, ampliaram o círculo mágico, per-
em formular êsse desejo, os dadaístas, por outro lado, mitindo que tôdas as pessoas presentes participassem
fizeram tudo para que o desejo se tornasse realidade. dêle.
Kurt Schwitters disse-o em uma carta a Raoul Convém assinalar que a nossa vontade de consi-
Haussmann : derar o menos possível as proibições e os imperativos
sócio-culturais está longe de ser compartilhada ou apro-
Em Utrecht, êles (os membros do público) subi- vada por todos. A seqüência de Kruschev e Kennedy no
ram à cena e ofereceram-me um ramo de jlôres sêcas e banho de sangue internacional (MPCLEDC, 1963), a
ossos ensangiientados, começando a representar os .do triunfador político urinando sôbre os seus eleitores
textos em nosso lugar, mas Doesburg jogou-os para cima no happening Gold Water, de Ferró (Oficina da Livre
da orquestra e todo o público se tornou dadâ, como se Expressão, Maio de 1964), e mesmo o "Entêrro da
o espírito dadá tivesse influído em centenas de pessoas, Coisa" (Veneza, 1960) foram consideradas incompatí-
fazendo-lhes compreender subitamente, que eram sêres veis com a neutralidade que se exige de nós.
humanos. Neil)' acendeu um cigarro e gritou que, como O happening é, antes de tudo, um meio de expressão
o público se tornara dada ista, nós teríamos de ser o plástica. Ao colocar fisicamente a pintura no (e não, à
público. Assim, sentamo-nos para olhar as nossas belas maneira de Pollock, por cima do) seu verdadeiro con-
[lôres e os nossos ossos ensanguentados. (1) texto subconsciente, o happening efetua transmissões,
introduz o observador diretamente no acontecimento.
Trata-se de uma solução de pintura a um problema de
(1) ln Pin and lh e Story o/ Pin, de Raoul Haussmann, Kurt Schwitters pintores. Não se pode esperar que um crítico ou os apre-
e Jasia Reichardt, Gab erbochus Press, Londres. ciadores de arte apreendam sem dificuldades a urgência

56 57
·de uma:substituição da pintura; visto que já têm grande Faça êle com que as imagens se ponham verdadei-
' dificuldade em compreender a própria pintura de hoje. ramente em andamento, ou faça êle sonhar em voz
De resto, o happening não se dirige especialmente à arte , alta, conte êle uma história, ou se situe êle em uma
embora trate das suas dificuldades tradicionais. Daniel perspectiva objetiva, seja êle improvisado ou perfeita-
Pommereulle, por exemplo, conseguiu com o seu happe- mente encenado, o happening jamais dá uma resposta
ning Kiss Me (Oficina Livre Expressão, 1964) levantar preconcebida aos problemas que apresenta. Não impõe
o problema da visibilidade da imagem obsessiva. Encon- qualquer restrição à ambivalência afetiva.
tramo-nos na presença de um mundo de exploração O happening não é uma teoria irrefutável, nem
·ideal, apto a atingir e a expressar as segundas intenções um sistema infalível. Os seus únicos critérios são subje-
da pintura. Com Incidents (Paris, 1963), realizamos tivos. Não se pode falar de "sucesso" a êste respeito,
uma colagem-acontecimento, no gênero história em qua- .como se o happening fôsse uma luta de boxe, corrida de
drinhos, tendo como heróis Christine Keeler, o Cosmo- touros ou uma peça de teatro, seja qual fôr a importân-
nauta Crucificado, a Pin-Up de Seios Pisca-Pisca, a ciada receita e do talento dos "atôres",
Estátua da Liberdade empoleirada sôbre Ford, a Inspi- Tudo depende do estado coletivo de vigília e da
radora, o Pescador de Recordações etc. No universo pa- ocorrência de certos fenômenos metafísicas. Ora, êsses
rapsicológico de Fahlstrõm, acentua-se aquilo que o fenômenos, podem ser "de retardamento", podendo tam-
happening traz de mais nôvo - a intensificação da per-
bém escapar ao observador fechado ou pouco atento.
cepção _ . e, por isso, êle extrai os seus temas da reali-
dade (a morte de Yves Klein, a vida da atriz Ingrid O observador, com idéias preconcebidas, motivadas por
Thulin, o canto dos pássaros, uma controvérsia sôbre a décadas de pintura de cavalete ou de teatro literário, fica
·cerveja sueca etc.): Nos happenings de Fahlstrõm, o colado à sua cadeira e condena-se a si mesmo por "ficar
menor ruído deve ser entendido como sendo um sinal. °
de fora", passivo e frustrado. Ora, happening não é
Cada palavra dita, abre-se como uma caixa cheia de uma cerimônia invariável, mas sim uma atitude , uma
significações; os seus personagens, símbolos e vibrações, vidência, um poema em ação, sôbre o qual cada partici-
exigem uma leitura. O acontecimento, em si, apresenta- pante dá um movimento ou uma paralisia, uma pulsão
se como um enigma multidimensional, que tem de ser manifestada ou reprimida, uma sensação de festa ou de
decifrado em função do lugar real onde se desenrola desespêro.
(neste caso, o Museu de Arte Moderna de Estocolmo, Entretanto, com o happening, a arte corre finalmen-
1962 e 1964). te o risco de ser mais do que uma tela onde cada um
Oldenburg, em contrapartida, emprega a relação projeta sua angústia, o espelho das travessias possíveis.
·física no seu "teatro de imaginação". Otto Hahn, jus- Ninguém poderá obrigar a passar para o outro lado
tarriente, sublinhou a respeito dos happenings organi- aquêle que, fascinado ou aterrorizado pelo reflexo da
zados por Oldenburg, no seu Ray Gun Theater que ao sua própria imagem, desejasse permanecer .aquém do
repetir incansàvelmente o mesmo acontecimento com espelho: Duchamp que inventou o espelho moderno,
variações ínfimas, êle procurava quebrar as relações julga-se sujeito às miragens "artísticas". Segue um frag-
utilitárias, com o fim de introduzir uma atribuição oní- mento inédito de uma entrevista concedida a Otto
rica nas relações entre o homem e o objeto. Tratava-se, Hahn, por Duchamp, onde êste se refere a dois happe-
assim, de um sonho reconstruído ou provocado. nings nova-iorquinos de Kaprow:

58 59
O.H. o que pensa dos happenings? quisado. Não há mais monólogo, mas diálogo, troca e
circulação de imagens. Não é mais possível retirar-se
M. D. - Interessam-me muito . . . Assisti a um, onde com chistes, trejeitos no espelho ou a assinatura no livro
um dos participantes se jogava sôbre os es- dos visitantes. Neste caso, morre-se como os outros.
pectadores com um cortador de gramas. Fa- O vaguear, o desrespeito aos tabus, o espírito aber-
zia um ruído infernal. Os ruídos me agradam. to, a inquietação permanente da evolução são reações
Assisti a outro, no segundo subsolo de um contra a civilização e as regras de vida, impostas por
teatro, entre relógios de gás e caldeiras . . . ela a todos - salvo.aos guerrilheiros. Mas isto explica
Não .aconteceu nada, havia apenas uma mu- de modo incompleto a eterna luta entre a arte e a socie-
lher nua, aparência vaga, sob uma pilha de dade. Seria 'necess ârio analisar a não-disponibilidade,
carvão. .. É o nojo por excelência. Mas agressividade e a impotência (para aprender e partici- .
obrigar as pessoas caminharem dentro de par), onde se refugiaram certos "responsáveis da cul-
vinte centimentros de água para vê-la; é ad- tura'.' (1). Arte e sociedade tentam profanar-se mü-
mirável. Destrói o mito da arte.
O . H. Tudo não passa de uma miragem,. . .
. '

M.D . - A beleza da miragem, só ela existe. (1) Se o público, em geral, tem reagido bem ao nosso empreendimento,
os comentadores profissionais reagiram negativamente . A propósito dos
inúmeros ataques que a imprensa internacional tem dirigido contra o
happening, é preciso voltar-se ao cornêço do cubismo ou do Dadá, para
se .ver semelhante manifestação de ódio contra um movimento criador.
Apesar de seu poder ofuscante, a arte contempo- Naturalmente, nenhum pintor escutou gentilezas da parte dos escrivães
rânea ficou, de um certo modo, estacionada no meio do empenhados que se julgam a elite dos condutores de opiniões, mas- nin-
caminho. Não conseguiu ir além do "senso único", a guém havia ousado, antes de M. Pierre Restany - "o crítico da avant-
contemplação unilateral. Em 1910, iniciou-se uma revo- garde" - comparar os artistas a ratos. Eis, para a história, urna amostra
do pensamento de M. Restany, tão célebre como Lois Vauxcelles, e
lução . do olhar, a partir da qual, os espectadores, pelas mesmas razões :
assim como os pintores "fizeram pintura". Admitiu-se ." . Os beatniks foram pouco a pouco reabsorvidos pela sociedade
enfim, que a origem e o conteúdo psíquico da arte não americana. Surgiram novamente de suas cavernas e esgotos, à medida que
permitiam o esteticismo, a propaganda, o comercialis- os happenings tinham necessidade de performers.
P.R. in Arte americana, Crônica da nossa Civilização, Plan ête,
mo (sinais exteriores da falsificação). Sem Picabia, Du- n Q 24, 1965.
champ, Schwitters e os surrealistas, estaríamos ainda em Conheço os colaboradores de Kaprow, Dine e Whitman; e, neste
Utrillo e nos potes de flôres. Não se tratava de perma- sentido, M. Restany comete equívoco grosseiro. Não compartilho em
necer sôbre uns ou outros. A idolatria é inadimissível. nada com o 'santo terror do burguês, diante do beatnik (como teste-
munho em meu prefácio na "Antologia da Poesia da Beat Generatlon",
Uma nova mutação se impunha a partir daquele ins- Denoêl éd. Paris), mas se Ginsberg trabalhou com Stockhausen, du-
tante. rante a Originale (Judson Hall, 1964), nem êle nem seus amigos, fo-
Portanto, o happening estabelece uma relação de ram"reabsorvidos pela sociedade americana", ao contrário. Por outro
indivíduo para indivíduo; não se é mais (exclusivamen- lado, posso testemunhar por ter participado pessoalmente dos happenings
ocorridos em seu Store (1961-62). Oldenburg não teve senão como colabo-
te) contemplador, mas contemplado, observado, pes-
60 61
tuamente, aqui se demole, lá ~~, negocia ou se 'abafa. temente, fronteiras intransponíveis (aqui não se trata de
Com a experiência da ,"porta 'aberta ou fechada", por uma interdição moral e de uma vontade autodestrui-
mais violenta que tenha sido, (1964), aprendemos que dora, ' imposta ao espírito pelo teatro clássico-moderno
nada 'provoca tanta hostilidade e negação como o con- e uma sociedade estritamente hierarquizada). '
vite ao diálogo. O desejo de atacar, sabotar e destruir, A participação em um happening, envolve proble-
é provocado tanto (ou mais ainda) pelo desejo vergo- mas ,sociais. Não se sabendo onde, nem como um
nhoso e repetido de avançar num terreno proibido, happening termina, sabe-se, entretanto, o que é neces-
como pela açãoque se desenrola. Na verdade, êste sário para que tenha desenvoltura e contato, intersub-
problema tem .sua origem na rotina maniqueísta e sim- jetivo. Desta forma, negamos que a qualidade do hap-
plista do, teatro, e 'não do happening, Quanto ao que pening esteja em explosões banais de violência. É muito
nos diz respeito, terminemos com os mal-entendidos; delicado iniciar muitas vêzes contra suas vontades; in-
não existem bons ou maus, '"comediantes" ativos e tes- divíduos que não têm intenção de participar, receber
temunhas passivas; não há mais cenário e, conseqüen- ou comunicar, encontrando-se no local apenas para gra-
cejar estupidamente. É necessário inventar uma manei-
ra de .iniciar o jôgo, de modo que não os,atinja violen-
tamente, nem os traumatize; criar um comportamento
radares, artistas tais como Letty-Lou Eisenhower, Carolee Schneemann intensamente receptivo, a partir do qual o happening
Lucas Samaras, Gloria Graves, cientistas como Billy Kluver e conserva-
dores de museus como Henry Geldzaler. Onde está, portanto, a' fauna
possa desenvolver-se. Aconteceu-nos certa vez distribuir ,
do desgôsto de M. Restany7 Em sua própria cabeça e nas dos 'leitores a cada pessoa, dois sapatos desiguais. Em breve, tôda a
de Planête, :e. o que resta. Visto , que M. Restany é considerado um sala pôs-se a trocar sapatos' esquerdos por direitos, nú-
especialista, não se ousa avaliar o nível de críticos menos "esclarecidos'! meros 38 por 42 etc. O desenvolvimento ocorreu ràpi-
do que êle:: Para concluir o capítulo do observador especializado, achamos
útil inserir aqui uma declaração coletiva, publicada no France-Obser-
damente. Em Cardiff, pedimos que os convidados trou-
vateur, em 11 de junho de 1964, em resposta à estranha descrição do xessem um objeto de sua própria escolha, para ser trans-
I Festival de Livre Expressão, exemplar no seu gênero, aparecida nesse formado durante o happening, Alguns trouxeram ár-
jornal :
vores" outros um porco onde haviam escrito em tinta
O artigo de Pierre constitui, com efeito, uma verdadeira [alstft-
cação dos acontecimentos. Ele mentiu, falsificando uma experiência co- vermelha: VIETNAM PIG. Em outra ocasião, no decor-
letiva. Ele preencheu sua função de empregado fiel da Indústria Cultural,
e foi incapaz de inventar uma atitude critica correspondente à, nova
situação, criada pelo happening, A idéia de critica, como a idéia de
espetâculo ou de criação artística, está para ser inventada de nôvo. O
crítico dramático, bem como o de arte, são anacronismos, parasitas. Há se trata do eterno pingue-pongue intelectual tão apreciado pela crítica.
nêles uma recusa de sonhar que é uma falha de espírito. O , crítico A "frustração do espectador" sá preocupa os inválidos. O happening
racionaliza sua prâpria inércia, sua impotência, sua vergonha de sonhar, lião pode, nem deseja, substituir uma greve, um ato sexual, uma psi-
sua nulidade. E: vão aplicar ao happening (como fazem certos comen- canálise; não é um espetâculo, mas um sonho coletivo. Para apreender
tadores chamados "sérios") os cllchês da crítica jornalística, porque o hap- tal experiência, é preciso alcançar U11I esfôrçn mental que faça saltar
pening coloca em questão, não sõmente a sociedade industrial, mas seus as portas da percepção. Há na natureza do happening, qualquer coisa
resultados pslcolágicos. E 'em vão projetar-se sôbre artistas e pesquisa- que denuncia a mistificação, o jornalismo parasitário e suas mentiras.
dores os conflito e as insuficiências do teatro e da literatura de con- Ferrá, Jean-Jacques Lebel, Iocelyn de Noblet, Daniel Pommeureulle,
venção. N6s nos entregamos a uma experiência psíquica coletiva. Não Carolee Schneemann,

62 63
rer de uma sessão banane (1), cuja duração ultrapas-
dêres econômicos. Durante dez anos não cessamos de
sou um mês (contando as interrupções), pintamos uns
denunciar os in!e~me?iários e as c~nseqüências dêste
vinte quadros coletivos cujo "resultado" plástico foi
p~der. J?- n~cessarIo d~zer _que o happening na Europa
bem maior do que os "talentos" em [ôgo, degenerando
f?I a primeira concretização artística de uma consciên-
muitas vêzes em danças rituais. Sabe-se que os índios CIa nova, au~entada pela adversidade. Jamais ganha-
Navajos, assim como os habitantes de Sepik, na Nova m_os um ~ostao com nossos happenings, e muitas vêzes
Guiné, atribuem a criação coletiva das imagens a uma nao cobrimos os gastos, o que não se constitui aos nos-
função mágica. É evidente que estas técnicas, como tudo
sos olhos, ~n: obstáculo à comunicação psíqui~a, muito
aquilo que abrange o sagrado, importa em riscos que pelo contrano. A transformação estrutural do .relacio-
poucos estão dispostos a correr. Em Milão, a polícia na~ento humano. começa a ser metõdicamente pre-
invadiu a manifestação Antiprocesso de 1960, para conizada. Tomarei por exemplo a seguinte declaração
apreender quatro telas (entre elas o quadro antifascista de. Alexandre Trocchi, a qual apoiamos sem reservas
coletivo de 6m X 5m), e processar na "justiça" os pOIS co!re~ponde às medidas que do Antiprocesso no~
autores do delito. Por sua vez, a polícia de Londres conduziu ao happening, isto é, à eliminação dos inter-
contentou-se em interditar nosso décimo-segundo hap- mediários:
pening, no Dennison Hall (1964).
. Direi simplesmente que no que concerne a meus
Na delinqüência generalizada da cultura e da po-
associados europeus, americanos e a mim mesmo a
lítica, o happening surgiu como um intruso, como a frase-chave é a seguinte: " . ... Os artistas controla;ão
interrupção do contrôle exercidosôbreaarte pelos po- os seus próprios meios de expressão." Quando o conse-
guirem "sua comunicação com a comunidade" transjor-
mar-se-â num problema repleto de sentido, isto é, num
(1) Ser arrogante, desbaratado, embriagado. Segundo o pintor haitiano
problema passível de ser formulado e resolvido ao nível
Jacques Gabriel. : êste têrrno é empregado também. ' no vodu. Para se da inteligência e da criação.
participar realmente de um happenlng é necessário ser :banane jlambée,
A ingestão de certas substâncias (em inglês mlnd-openersy pode facili-
Desta forma, devemos interessar-nos pela conquis-
tar o estado, principalmente para os introvertidos, puritanos e catatô- ta e pelo exercício dêste contrôle no contexto social. Nos-
nicos. A arte, o teatro e o cinema quase sempre consideraram o especta- sa primeira ação será a seguinte: eliminar os agentes e)
dor como um objeto inerte - não como um colaborador. Predispôs e corretores."
êste espectador à passividade, à não-percepção, à paralisia mental. Sem
os alucinatórios, a arte pré-colombiana do México e a da Nova Guiné
não teriam sido o que foram. · Essas mesmas substâncias alucinatórias
A ação artística; seja para onde se vire, é obrigada
abrem atualmente, a grandes penas, a nova era das investigções mentais. a u!t~apassar os limites ridículos da legalidade. O fator
Esperamos que estabeleçam simultâneamente uma mudança radical na político do seu combate, determinante que seja não
percepção dos fenômenos artísticos. A arte permanece indecifrável. sem deverá jamais substituir os seus desígnios psíquicos: Não
a . intensificação e o alargamento do campo da consciência. Sabemos que
a psicoquímica já alcançou, de Michaux a Ginsberg, uma .reorientação
da poesia contemporânea. A pintura alimenta-se da . mesma fonte ener-
gética, desde sempre (a linha interrompida passa por Jeronimus Bosch),
e o happening não faz senão beber nela. (1) A Revolutionnary Proposal in City Lights Journal, n 9 2.

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faltam, lastimàvelmente, artistas ' para pretender apenas recebem nas suas cabeças e a luz se faz no seu espí-
êste fator na ausência do outro. rito (risos) ... " (Bernard Devries, in Le Point,
Das antigas manifestações Dadá, que se realizaram 1967.) Evidentemente que a brutalidade não é exclu-
na praça pública do Teatro Guerilla, aos muitos hap- sividade da polícia holandesa; ela existe em todos os
penings desenrolados na rua, verificamos uma tradição países, ,:;ob todos os regimes. A violência éa própria
mais subversiva que cultural; uma tradição que se situa expressao doEstado e de sua vontade de assumir
em oposição à vida cotidiana - ao mesmo tempo que constantemente, num drama sádico-masoquista, o se~
nela se insere - fazendo intervir o imaginário direta- papel de algoz e carcereiro. Hitler e Stalin não fize-
mente no campo "real" do contexto social. A festa cons- ram outra coisa senão aperfeiçoar o sistema já em vi-
titui um elemento desequilibrador; as relações huma- gor em muitas "democracias". O mundo que se diz
nas ou sociais que ela subverte e que ela cria evidenciam livre não tem o apanágio de "estado policial"; segundo
mais a análise social que a arte no sentido convencio- provam as informações que nos chegam de Praga:
nal da palavra. Durante o "Carnaval do Rio", como no "todos os happenings organizados em plena rua, aqui,
teatro, ou no happening-de-rua - ' que organizamos terminaram com os participantes nas delegacias poli-
na pequena cidade de Cassis, em que se reuniram alguns ciais, presos no mínimo durante tôda a noite. Knizak,
milhares de pessoas, em 1966 - todos os participantes um dos participantes da tentativa de organização em
podem mudar de papel consoante a sua vontade e, por Mariembad das "manifestações .da comunidade", quase
conseqüência, transgredir o regulamento impôsto pela que ficou louco após um mês de internamento num
estrutura sócio-política. A gratuidade dessas festas é hospício. .. Em Praga, submeteram recentemente à
fundamental, constituindo um importante movimento justiça um jovem que fizera um happening num jardim
criador, aliás, emanado até do comércio que, normal- barroco. Embora se tratasse de um happening inocen-
mente, separa, da vida, a arte, a fim de poder explorá- te, julgaram-no porque os "hooligans profanaram o pão
la. A festa provoca a libertação de gigantescas fôrças que é o resultado do esfôrço dos trabalhadores" .. . Tra-
latentes que o trabalho alienante e a vida na "sociedade ta-se de um escarnecimento da justiça assaz instrutivo
industrial" repudiam. Mas a festa consolida ou ameaça e resultante do conflito entre a necessidade de ritual
a ordem social? Uma coisa e outra. É claro que o hap- dos jovens e o racionalismo retilíneo da polícia. O amigo
pening-de-rua afronta a ordem diretamente. À parte o tcheco que nos escreveu estas linhas definiu perfeita-
que se desenrolou nas ruas e no pôrto de Cassis, o qual mente a grande constante da sociedade industrial con-
terminou com a explosão de uma bomba anônima de- tra a qual se levanta e levantará sempre o esfôrço ar-
baixo de um caminhão do Living Theatre, citemos o tístico ou revolucionário: o racionalismo retilíneo.
exemplo dos provos. Um dos seus corifeus declarava, Exprimo, aqui, uma opinião que não envolve meus
em Amesterdão: "os happenings têm freqüentemente amigos americanos, entre outros Kaprow e Oldenburg,
uma significação política graças à ação da polícia. Esta com quem tive ocasião de trabalhar em Nova York.
conduz-se com todo o material que lhe é característico: Entretanto, é inegável que os nossos happenings, por
cassetetes, brucutus etc., ... e faz seu próprio happe- mais diferentes que sejam, possuem algo em comum;
ning, Quer dizer que a polícia castiga sem distinção devolvem à atividade artística aquilo que lhe foi ar-
os provos e os pacíficos burgueses que olham. Os es- rancado: a intensificação da sensibilidade, o jôgo ins-
pectadores vêem estrêlas por causa das marretadas que tintivo, a festividade, a agitação social. Antes de tudo.
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no Yam Festival, que se desenrolou na fazenda do
o happening é um meio de comunicação inte~o, trans- escultor George Segal, em Nova Jersey, em 1963. Em
formado incidentemente em espetáculo. Extenormente, 1964, Oldenburg organizou um dos seus espetáculos
o essencial não é inteligível. noturnos Aut Abodys, num vasto estacionamento de
O princípio de integração cena/auditório, a pri- carros em Los Angeles. Foi com o mesmo sentimento
mazia da criação artística sôbre o exame racional, a de expatriação total que utilizamos o espaço dos estú-
importância. dada ao qu~ .nos cerca e ao .ambiente, co~s­ dios de cinema de Boulogne. (Manifestação para ex-
titui a qualidade específica do happening, em relaçao conjurar o espírito da Catástrofe, 1963), do Museu de
ao teatro e ao psicodrama, tal como o definiu M<:.reno. Arte Moderna de Paris (Incidents, 1963), ou do Cen-
Se a matéria-prima alucinatória é a mesma, nao se tro de Artistas Americanos (Festival da Expressão
trata de reduzi-Ia a palavras ou argumentos, mas de Livre, 1964 e 1965). Dick Higgins do grupo Fluxus
transmutá-la em linguagem visível e imediata. O teatro montou um event num ringue de boxe (1965). Pre-
e o psicodrama não atuam .sôbre o me~mo campo de tendemos agir nas estações, nos estádios e aviões. Estar
ação; o happening, menos ainda. Julgo ISSO certo. J?e- em todos os lugares. Ser radar. Estar lá. Os teatros
vemos guardar as distâncias considerando o esfôrço de tradicionais e as galerias de arte cessaram de ser (por
sedução do teatro comercial e as preocupações tera- elas mesmas, jamais o foram) lugares sagrados. Por
pêuticas do psicodrama. . que isolar-se? A atividade artística baseia-se sôbre uma
Entretanto, esta não é uma opini~~ generaliza- alta telepatia, um contact high. - tudo que se encontra
da. Certos dramaturgos e cineastas pans~enses come- debaixo do campo magnético torna-se sinal, fazendo
çaram a plagiar as descobertas do ha~p'emng. É desne- parte da arte.
cessário dizer que traíram o seu espm~~. ~abe.se que
a maior dificuldade do teatro comercial e encontrar Portanto, A QUESTÃO MAIS URGENTE DA ARTE CON-
um "mercado". Seus animadores tentam recrutar um TEMPORÂNEA É A RENOVAÇÃO E A INTENSIFICAÇÃO DA
público , até mesmo nos subúrbios, vão até aquêles que PERCEPÇÃO.
não desejam vir. Nós fazemos exatamente o op~~to.
Na ocasião do happening de Kaprow, para o Theatre Interrogando-se a. especialidade cultural, no seu
des Nations, em 1963, apanhamos os "espectadore~" po ponto de maior intensidade e no seu nível de per-
Récamier, para levá-los a quiphen~o~ metros de distãn- cepção mais baixo, percebe-se que suas bases racha-
cia fora do meio cultural, ate o décimo-segundo andar ram. Há um abismo, entre o pensamento e a ação,
do' Bon Marché! O ambiente é o elemento essencial entre o interior e sua objetivação. Daí, o SALTO MORTAL
do happening. A arte deve descer lit~ralmente até 3:s do happening,
ruas sair do zoológico cultural para ennquecer-se daqui- Há muito tempo, a arte contemporânea vem ta-
lo q~e Hegel chamou, não sem hu~or,. da "MANC!IA teando e continuará a fazê-lo, antes de encontrar na-
DO ACIDENTAL". Desta forma, o pnmeiro happening
turalmente a função mágica que lhe foi dada outrora.
europeu (no final do décimo-segundo antiprocesso, Enfim que renove suas técnicas, a fim de participar
junho de 1960), realizou-se nas ruas e no canal de efetivamente da transformação do mundo. Pois a nova
Giudecca, em Veneza. Em 1963, Wolf Vostell or- geração não se contentará em apenas falar desta trans-
ganizou um happening ambulante através de Colo1?ne, formação.
Cityrama. Colaborou também com Kaprow e Geniver
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ALGUNS
"HAPPENINGS
o CANTO DE FAHLSTRÓM

Um happening de Oyvind Fahlstrõm, no museu


Moderno de Estocolmo, novembro de 1964, produ-
zido pela sociedade de concertos Fulkingem. Duração:
uma hora.
Na cena, diante de um pano branco: seis amplia-
ções fotográficas (3 metros de altura) de pregos divi-
didos em pedaços e colocados separadamente. Os cem
primeiros lugares foram dispostos em grupos de 10,
separados por uma distância de 80 cm. Cada cadeira
completava-se por uma cantoneira de um metro de
altura, de espuma de plástico, prêsa nas costas do as-
sento.
73-
Os textos: são quatro os grupos destinados aos chezar
o a uma velocidade máxima. Ao todo, ocorrem
textos. Cada um se compõe deuma cobaia (com T shirt uns trinta testes.
- branca) e de um técnico clínico (com blusa branca Os protagonistas andam em círculo sôbre uma ór-
de laboratório). Os grupos A e B agem como máquinas bita aproximativa, semelhante a uma pintura de Pollock.
a vapor humano. No grupo A, um homem sopra cuida- Pouco a pouco, com maior freqüência, êles apresentam
dosamente todo o seu fumo num balão vermelho, con- sintomas de fadiga. Uma das cobaias anti-sono, morre
tlnuamente medido por um técnico. No grupo B, uma de esgotamento sôbre o W.C. (B. E. Johnson, a subs-
fumante se entrega a um esfôrço físico (corrida a pé, titui ) . Os técnicos comparam resultados, aceleram o
pular corda), depois de ter fumado energicamente. Os tempo e tornam-se mais brutais e imprudentes. De-
Grupos C e D destinam-se aos testes de resistência do sejam provocar o espírito de competição entre os gru-
sono. As duas cobaias são machos e fazem uma série pos. Os sintomas de fadiga tornam-se mais repetidos e
de atos breves que podem resumir as atividades de um intensos: as cobaias tossem, tremem, transpiram, vo-
dia: acompanhar os técnicos, visitar os W.C., dançar mitam, esbarram em tudo, confundem o W.c. e a pis-
o twist etc. ta de dança, estragam as roupas, prêsas de pânico. So-
Após terminar uma série de atos, voltam ao sofá. frem de paralisia nas pernas, soluço e coceiras, e ficam
Lá entregam-se a um sono pesado, sendo imediatamen- quase cegas pela luz. Aniquilam-se, confundem pessoas
te acordados por um dos técnicos. As cobaias do Gru- e objetos, escondendo-se embaixo da mesa. Grandes
po C possuem fios ligados à cabeça, presos a uma pe- agulhas ficam espetadas nas costas das cobaias, salvo
quena caixa no pescoço, que, por sua vez, se ramificam na da fumante, que se mostra extremamente irritada
a uma outra caixa: o Estímulo elétrico do Cérebro. O com o menor contato.
técnico do Grupo C apóia-se sôbre um botão que envia No final da primeira parte, um homem A, vestido
eletricidade ao cérebro da cobaia, acordando-a. Esta de escuro, chega trazendo B, um outro homem também
sorri continuamente, como uma máscara. Ao fim de vestido de escuro: A bate em B, enfiando-o num saco
cada teste, os técnicos anotam os resultados, estudam branco. Levanta-o e o coloca num forno de lenha,
acendendo o fogo de madeira artificial. O médico, ao
os reflexos e espetam os pacientes com agulhas, para
observar A, dá-lhe o mesmo tratamento.
avaliar-lhes a sensibilidade. : O fim de cada teste, Durante todo o happening; B. E. Johnson (que
é assinalado pelos técnicos, através de um toque de substitui o morto) é seguido por uma "sombra" que
campainha. Com outro, chamam um médico munido o imita de modo inábil. De vez em quando, .a "som-
de estetoscópio. O médico possui também um micro- bra" comporta-se como um cachorro, deitando-se no
fone que antecipa os ruídos imprevistos do teste. chão (quando Johnson dorme no sofá), ou urinando
A primeira parte é acompanhada por um trecho contra uma das ampliações, levantando a pata.
do crescendo .lento da Metástase de Xenakis, por ses- Durante todo êste tempo, Fahlstrõm encontra-se
senta instrumentos de corda (separadamente), mais um deitado no sofá, ao fundo da cena. Fios elétricos ligam
trombone e blocos de madeira. O arranjo é de Fahls- sua cabeça a uma caixa de madeira, colocada numa
trõm, ~m quatro esferas sobrepostas de tempos dife- cadeira. Seu rosto parece deformado como o de um
rentes. Os testes são repetidos em tempos que vão ace- rato ou de uma cobaia. ~le se apóia num dos botões
lerando gradativamente, de rápido a muito rápido, até da caixa, apertando uma campainha, e recebe uma cor-
74 7S
rente estimulante no cérebro. Pouco a pouco, seu corpo
é envolvido pelo prazer; após cada orgasmo, acorda;
apoiando-se novamente sôbre o botão; para recomeçar
tudo novamente. Procede dessa maneira, até o fim do
happening. As experiências de estímulo elétrico no cé-
rebro sôbre os ratos demonstram que elas separam a
descarga da corrente, durante semanas a fio, reduzin-
do ao mínimo a alimentação e o sono.
O último instante do crescendo de Xenakis é
executado de um modo freneticamente alto e na es-
curidão. (A cena está vazia.) O crescendo extingue-se
com a exploração de um balão repleto de fumo.

ESPELHOS
Um happening de Allan Kaprow, maio de 1962
Um labirinto de espelhos da altura de um muro,
como nas antigas feiras. Fileiras de ampolas piscando,
nas côres amarelo, azul e branco. Néon silencioso. Os
presentes passeiam sem fazer ruído. Detritos no chão
da passagem. Chegam cinco faxineiros com aspiradores
e levam os restos.
Os faxineiros partem. Do alto, assobiam uma ária
popular, triste como Don't play it no more. Novos de-
tritos são jogados na passagem. Mais estalos. Os fa-
xineiros se precipitam, distribuindo vassouras. Todos
varrem. Muita poeira: tosse-se. Os espelhos balançam
76
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e tremem. Assobia-se cada vez mais forte e ouve-se o
som de uma sirena. Trazem pás e carrinhos de mão.
Carregam-se os destroços nos carrinhos, frenética e
ruidosamente. As vassouras são retiradas das pessoas,
para serem colocadas em frente aos espelhos e obser-
vadas.
Um homem entra com uma escôva tôsca e um
balde de água com sabão. Enxuga os reflexos nos es-
pelhos.
Os faxineiros varrem de uma extremidade a outra
do corredor, descompondo-se.
Tôdas as palavras empregadas são ditas às aves-
sas.
Gritam cada vez mais alto e mais rápido. Traba-
lham.
Finalmente, o ruído cessa e a poeira assenta. Tra-
zem garrafas de cerveja para todos. Os trabalhadores
bebem um gole, arrotam e despejam a cerveja no chão.
Desaparecem. Silêncio total ...
Voltam trazendo três picarêtas. Começam a utili-
zá-las. Furam o assoalho. O barulho é ensurdecedor!
Os espelhos se partem .
DESPEDAÇAMENTO
Um happening de Jean-Jacques Lebel que ocor-
reu em Paris, no dia 25 de maio de 1965, no Segundo
Festival da Expressão Livre.
O público está de pé na sala. Uma passarela liga
o palco à sala.
A cena está dividida em duas partes : a esquerda
é ocupada por um vasto cubo branco aberto na fren-
te; a direita, por uma tela de cinema rente ao chão.
Escuridão total. Uma banda sonora começa a tocar Eric
Dolphy. A parte esquerda é iluminada por uma luz pre-
ta. Duas mulheres aparecem. Vê-se apenas que jogam
badmington. Apenas os voadores pintados com flúor e
circulando como cometas fluorescentes são vistos clara-
78 79
mente. Chegam dois h?mens com c~pacetes e óculos macarrão. Ouve-se acima da banda sonora, Maiakows-
courreges isualmente pintados com fluor. Nota-se que a ky lendo um dos seus poemas em russo, o disparo de
partida c;m~ça lentamente, animando-se POl!CO a pouco, um canhão e de metralhadoras. Carros de bombeiros
até desenfrear-se. Os homens vestem camisas brancas correndo para apagar um incêndio. Continuam os ruí-
iluminadas pela luz preta. . dos de uma corrida louca e a música de Eric Dolphy,
Do lado direito , começa a pr~jeç~o de um cme- e,. na parte final, ouve-se um importante trecho de um
ma-colagem em côres. Cinco ou seis f~lm~s aparece!U discurso de Castro (sua voz é reconhecida, e os pre-
simultâneamente na tela. A natureza, técnica, duração sentes aplaudem espontâneamente).
e côres dêstes filmes diferem. Uma colagem que d~rara Movimento na multidão : alguns sobem ao palco.
renovando-se sempre, durante mais ou menos uma ora, As jogadoras de badmington, agora nuas e superexci-
(por exemplo: o filme de Michaux sôbre a "mescalma, tadas, continuam dando golpes de raqueta eempurran.
um sôbre a feitiçaria em Dahomey e outro sobre.partos do as pessoas em volta do carro, que é oferecido ao pú-
- a Conduta Ativa do Parto, projetado às avessas, de blico . Alguns convidados começam a destruí-lo a gol-
modo que os bebês entram novamente ~o ventre, ~as pes de enxada e machado. Ferlinghetti inicia a leitura
mães em vez de saírem. Filmes de atualidade política do seu poema The Great Chinese Dragon, enquanto
no Vietnã, em São Domingos etc.).. . um imenso tubo de plástico transparente se enche len-
Durante tôda a duração do happening, o filme-co- tamente de ar, desenrolando-se na sala, no meio das
lagem continua com o acréscimo da banda sonora e os pessoas e, finalmente, se enrola como uma jibóia em
atos espontâneos que se desenrolam na ~ala. M" tôrno do carro, onde dois casais da mesma raça se abra-
Banda sonora: Olé! Olé! Uma corrida no eXICO. çam: O tubo alcança proporções enormes e paralisa o
A multidão grita em côro. . mOVImento da sala. A motocicleta continua correndo
Detrás da tela surge uma enorme motocicleta, no meio da multidão. O filme termina. Às 22h e 45m
re entinamente. Uma linda môça nua, com cabelos anuncia-se por três vêzes, o final do happening, mas à
lo~ros a dirige. A motocicleta desce do pa}co e at~ca meia-noite e meia, ainda permanecem centenas de pes-
impetuosamente, como um touro, a m~ltldao. A moça soas na sala, que não querem deixar os lugares. Apa-
esmaga cerejas no rosto de todos aqueles que tentam gam-se as luzes. Fim.
aproximar-se. No mesmo instante, as Jogadoras .do bl!d- Mais ou menos 400 pessoas assistiram a êste hap-
mington, cujas roupas de repolhos, f~ram comidas, )0- pening, que teve a duração de uma hora e trinta. Custou
gam-se na platéia, atirando-se ao público com golpes de 1.500 francos ao autor. A parte técnica foi garantida
raqueta. A multidão excitada, move-se ao redor de um por Dominique Serreau.
carro Renault estacionado no centro da ~ala. bé Os principais participantes foram: Marianne, Ma-
Outra môça, com máscara de caveira, tam em rie-Claude, Sophie, .Frédérique Pardo, Gérard Rutten,
nua erzue-se sôbre o teto do carro..Um homem a cobre Jack Hatfield, Jocelyn de Noblet, Lee Worley, Ted
co~ mÔlho de macarrão, ela se agita .c~mo uma esc~l­ J oans, Lawrence Ferlinghetti, J ean-Jacques Lebel.
tura histérica, jogando sôbre a multld~o o ~acarrao
que lhe envolve o corpo. Urna crianç~ le a? .mIcrofone
um texto sôbre a puberdade, seus efeitos fISICOS e mo-
rais , do Larousse Medicinal.
. Dança fúnebre, banho de
80 81
DEFINIÇ.ÃO
Onde colocar o "Espírito Moderno" diante da Per-
cepção ou da Comunicação? Esta é a primeira questão
posta pelo happening.
Vivemos o dilaceramento anunciado por Valery,
em "A Crise do Espírito". Entretanto, não se pode dizer
que andamos às voltas,' desde 1919. Acreditamos que
não exista evolução sem crise, mesmo no domínio cul-
tural.
No que diz respeito à arte, esta só pode também
entrar na crise, provocada pelo condicionamento in-
tensivo, ao qual a indústria cultural submete suas víti-
mas. "Produzir Primeiro"! Esta palavra de ordem é
seguida por todos, até pelos artistas, sem saberem como
nem por quê: tornam-se produtores de Kitsch, A arte
está em crise à medida em que ela é o resultado da crise
85

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geral da civilização. O artista depara-se diante de uma Por que não dar a esta atividade artística o sen-
visão terrível: o futuro num mundo onde a vida psíqui- tido pleno de um combate? Por que não reexaminar
ca será simplesmente abolida. sua eficácia, suas intenções, seus motivos?
Se o pensamento mítico fôr realmente necessário
ao ser, como a coletividade, o diálogo das imagens deve _ Últirr:a manifestação da linguagem, o happening
ser retomado através das fronteiras psicológicas e so- nao se afirma somente na arte. Articula os sonhos e
ciais, apesar da convenção da arte em indústria espe- a~ ações"coletivas.. Nem abstrato, figurado, trágico ou
cializada. Nosso primeiro objetivo é transformar em cormco, ele se recna sempre. Tôdas as pessoas presen-
poesia a linguagem que a sociedade de exploração re- tes num happening dêle participam. É o fim do concei-
duziu a comércio e a absurdo. A necessidade de mitos to de atôres, público, exibicionistas e observadores da
novos se faz sentir cada vez mais, e o happening orienta ação e passividade. Num happening, pode-se mudar de
a busca nesta direção. estado à vontade. A .cada um, suas mutações ou aci-
Se é verdade que a arte deve ser vivida por todos dentes. Não existe mais o sentido único como no teatro
e não por um, isto é, vivida não como espetáculo aceito ou no museu. Não existem mais feras atrás das grades do
passivamente, mas como um jôgo onde a própria vida zoológico. É necessário sair da condição de espectador
é arriscada, é preciso eliminar o que a corrompe. Em e,m ,que a cultura ou a política nos colocaram.
primeiro lugar, os'comerciantes e os detratores profis-
sionais. A sua missão não é de transmitir, mas de defor- O happening cria uma relação intensa com o mun-
mar, oprimir e controlar, Alheios por definição à ação do que nos cerca, pois faz prevalecer em plena reali-
criadora, êsses ladrões de idéias e de sangue constituem dade os direitos do homem, na vida psíquica.
um obstáculo e não um acessório da cultura. Acabemos
de uma vez por tôdas com os intermediários e os pesos O sagrado, as interdições cotidianas, a criação das
mortos. '\ imagens e a livre expressão do sonho, a linguagem e a
O happening exige ;uma abertura libertadora do pul~ação alucinatória, a festa dos instintos e a ação
SOCIal, a expansão dos nossos estados de consciência e
espírito. Repõe em discussão o mundo sensível, como
o mundo real. É indecente nós o sabemos, ao exaltar de subconsciência, a elucidação do inconsciente cole-
tivo, a gestão política da nossa própria existência tudo
a arte de participação (tal : como alguns povos ditos isto pode ser conciliado no momento em que co~quis­
primitivos a conheceram), visto que, atualmente, só tarmos a multiplicidade soberana do ser, isto é, quan-
uma pequena e irrisória parte da humanidade goza a do ultrapassarmos a arte, atravessarmos o teatro e al-
vida. Pensamos justamente que a arte digna dêsse nome cançarmos a vida.
contribui para transformar a situação intolerável, onde
o gênero humano se colocou.
Marcel Alocco
De Tóquio a Amesterdão, de Paris a Nova York, George Andrews
de Londres aEstocolmo, chegam os ecos de uma luta Ben
esparsa ou coletiva, apoiada na pretensão de ultrapas- Joseph Beuys
sar os limites da moral, da consciência e da percepção. Oliver Boelen
86 87
Mark Boyle Johnny the Selikicker
Jean-Jacques Lebel Pete Stevens
Didier Léon Simon Vinkenoog
Peter van Lieshout Wolf Vostell
Allard van Lenthe Fred Wessels
Vahur Linnuste Allan Zion
Constant Nieuwenhuis
Robert Bozzi Todos os artistas e os poetas que assinaram esta
definição participaram de happenings na Europa após
Bazon Brock 1959. .
Lex de Bruyn
Jean-Pierre Charles
Jean-Jacques Condom
Jed Curtis
Eric Dietman
Gudmundur Ferrá
Peter Fiorentini
Louis van Gasteren
. Danny Govert
Robert Jasper Grootveld
Hiroko Kudo .
Tetsumi Kudo
Anton Kosthuys
Piet Kuyters
Théo Niermeyer
Jeff Nuttal
Serge Oldenburg
Frédéric Pardo
Daniel Pommereulle
Simon Posthuma
Renê Pietropoli
Angela Reynolds
Claude Richard
Gérard Rutten
88 89
Carta aberta
ao espectador

e à truta
Que se confunda, hoje, a Arte com a cozinha, pa-
rece-me ser uma razão suplementar para metermos o
pé no prato. Há algum tempo, já, que todo o mundo se
pôs de acôrdo sôbre a existência de uma crise geral da
cultura, e mesmo até do espírito. Tentamos esquecer-nos
de que o mundo é composto de um yin e um yang, de
um quente e um frio, para chorarmos, cada um no om-
bro do vizinho, a crise que se "instalou". Contudo, desde
que qualquer coisa nova surja, aconteça, é imediata-
mente, e brutalmente, asfixiada, e o volume do côro-de-
gemidos-e-soluços aumenta, de forma a encobrir a ope-
ração. da polícia. Dir-se-ia que é .proibido incomodar a
crise, status quo de uma civilização perfeitamente à de-
riva. Dir-se-á que isso já não é da nossa competência,
que isso não nos diz respeito.
93
E, no entanto, há contracorrentes que, apesar das ' . Quer dizer: a nossa visão da obra dearte, como
palavras-de-ordem, se alimentam da intensidade ineszo- cooperação do "criador" e do "espectador", institui-se
é
tável, essencial, dos contrários. O nosso propósito o contra uma cultura fundada, precisamente, sôbre a não-
de elucidar êste conflito, tal como, apesar de' tudo, êle participação, a passividade e a repressão dos instintos;
se manifesta na atividade artística. Nada esclarece me- But that is another story : . . ' (1) " "
lhor a alta dissidência, que é a da atual contracorrente, Assim, o próprio conceito da obra sôbre o 'qual
qu~ tomar posição a seu lado. E tomar posição sôbre o repousa o fresco de ' Chagall, é inteiramente ultrapassa-
que? Sôbre uma das questões que determinam o espí- do. , O happening é uma resultante da revisão integral
nto do tempo; a questão da obra de arte, por exemplo. dêsse conceito. ' ..
Sejamos precisos. O teto da Ópera, encomendado a
Chagall pelo ministro da Cultura da República Fran- Tal como a concebemos hoje. em dia, a obra de
cesa é uma obra de arte? É, se entendermos que nada arte é contrária à decoração de tetos, na medida em que:
mudou desde a Renascença, se a nossa perspectiva do
mundo (ou do Real) continua sendo a mesma. Não é, :- transborda das 'belas-artes sôbre a vida,
se le~a;mos ~m cont~ as agitações e transformações que - recorre a técnicas até aqui dissociadas, porque
permítiram a arte dita moderna a elaboração de uma consideradas incompatíveis,
consciência e de uma posição novas, face a um Real - faz do "espectador", sobretudo, um receptor
já de si mesmo perturbado, atomizado. ativamente engajado na descoberta ' e apreensão das
Aos meus olhos, uma tal pintura tem, em 1966, polivalências, uma espécie de criador, que utiliza diver-
pouco interêsse. Em primeiro lugar, porque ela resta sos modos de percepção e de associação, simultânea-
invariável, petrificada; e depois, porque a opção que mente,
ela J.10s propõe é indigna: consumi-la como objeto de - faz do "autor", antes de outra coisa, um inter-
el1f~It~ (com tudo o ,que isso implica de passividade e
ventor, um parteiro, um pilôto, '
trivialidade) ou fechar os olhos. É sim ou não. Quais- - é tirada, coletivamente, de um fundo psíquico
quer possibilidades de jôgo ou de alteração foram desde supra-individual,
o .in!cio, eliminadas. "O gôzo estético", tão ca'ro aos - recusa despersonalizar-se para se integrar numa
pSIcolo~os; da arte antiga, ficou reduzido a uma espécie
cultura reduzida a produzir bens de consumo,
de plebiscito, ou 'de voto restrito, demasiado -restrito - se concebe como uma abertura do ser, como
que força a clientela 'eleitoral (neste caso os espeeta~ experiência psicofísica e não como indústria.
dore~) a elege~ um Benejactor, um Pai do Povo, único
c~ndIdato. Várias 'gerações após Why no! Sneeze? e
Todos os esforços no sentido da desestruturação e
Finnegan's Wake, uma tal proposição é miserável de- da reestruturação da cultura convergem para o maior
mais para ser tomadaem consideração. ", " dos erros. Philippe Sollers testemunha-o com lucidez, a
propósito .de Requichot:
' . Hoje, tei;1~s o ;,dii~ito de ~sperar de qualquer obra
mais que um umco ponto de vista": uma estrutura real-
mente aberta ' à',colabÓl'ação (sem o que, deixa de haver
gôzo e sim frustração) ;"um campo ilimitado de inter-
pretações, de alternativas e de intervenções. (1) Em inglês, no original. (N. do T.)

94
Ele tinha, como muitos dos seus contemporâneos, Esta atividade criminosa chama-se adquirir uma
suponho, a sensação de avançar não em direção, mas
no interior de qualquer coisa. . . Neste interior, mesmo linguagem. Assim, não há distinção a fazer entre escri-
a situação do artista se torna ambígua: êle tem que, tor e leitor, uma vez que a experiência de ambos é idên-
simultâneamente, intervir no sentido de criar aproxima- tica (in Atternative. Tel Quel 1966).
ções, de suscitá-las e tornar-se parte integrante dêsse
discurso, vivê-lo nas suas analogias e rupturas, deixá-lo Embora seja um meio de transformar e de revelar
mover-se por si próprio, perder-se nêle, fazê-lo sair de o que é interdito, esta. forma "experimental", ou sub-
si, para fora de si, em si mesmo, apesar de si mesmo . . . versiva , de atividade criadora não é confinada à litera-
.

Ele está ligado a tudo o que faz por laços múltiplos, em tura: ela define a contracorrente em que se lançaram
que tôdas as atitudes de espírito, em face do sujeito, se corpos e bens de pintores, de músicos, de cineastas, e
transformam no próprio sujeito. É como se a referência onde o happening nasceu. Contudo, o problema não é
exterior não [õsse mais que a luz de um farol, luz em exatamente o mesmo, no que diz respeito à música e ao
que. o "leitor" e o "autor" poderiam confundir-se (in happening, quando um terceiro elemento - o execu-
Logique de la Fiction. Tel Quel, 1963). tante - se vem acrescentar aos dois outros. Apenas a
solução é análoga. John Cage, que foi um dos prímeiros
Agora, ultrapassemos as últimas fronteiras da Cul- a pôr em prática a nova teoria da obra de arte, a Isto se
tura e penetremos nas terras interditas, "não-civiliza- refere, a propósito de um trecho de Karlheinz Stock-
das", como os jornalistas, embaraçados, designam as hausen:
terras da arte "experimental"; mas, o que será uma arte
que já não é experimental, que já não procura nem No caso de Klavierstruck XI, a função do execu-
pesquisa, senão um produto da sublimação industrial? tante não é a de um colorista; ela consiste, sobretudo,
É aqui que o "espectador", assim como o "criador", na elaboração de uma forma, quer dizer, em fornecer a
. deve decidir se vai até o fim da experiência ou se re- morfologia da continuidade, o conteúdo expressivo (in
gressa, timorato, para agarrar-se às saias da Cultura.
A maioria, evidentemente, breve retorna ao redil, Composition as Process, Indeterminacy, 1958).
e põe-se a fazer Bodygraph, isto é, pintura, música ou
literatura de confecção. São raros os que se dispõem a Enfim, o círculo mágico abriu-se: nós situamos,
tudo para tentar sair do poço negro da alienação cul- como ponto de partida (da obra) a abectura do ser; ~,
tural. E são ainda mais raros os que conseguem modifi- como ponto de mira, a sua transformaçao. O qu.e, eVI-
car as regras do jôgo. Philippe SoIlers decidiu correr déntemente, só é possível na medida em que o. s~stema
êsse risco. perceptivo e a mentalidade de c~da um_ se decidirem a
uma revolução permanente. E eIS a razao: o ~1har que
Acreditamos, escreve, poder comunicar através dos colocarmos sôbre um sinal, o modo de o decifrarmos,
mitos fundados na repressão. Mas a literatura é, justa- ou de o recusarmos, o funcionamento ou ~ pane da
mente, uma luta constante contra a repressão e as inter- nossa percepção, o nosso desejo de eomurucar ou de
dições, lutando nas fronteiras onde o indivíduo se trans- fugir, tudo isso constitui o nosso retrato, o r,etrato do
forma em algo proibido. estado em que estávamos antes, durante e apos a expe-
96 97
riência. Não há 'dúvida alguma: ' a obra é o que se passa orgulho é sem fundamento. Êle crê nadar, e é uma cor-
dentro de nós. O "valor" dela é determinado pelo nosso rente invisível que o empurra para diante. Esta indica-
grau de participação. O objeto da experiência é o ser. ção de Jung é confirmada em cada happening. .
Umberto Eco, cujas miras racionalistas nos são Cometeríamos um êrro, se rejeitássemos êste estado
fundamentalmente estranhas, chegou, entretanto, a con- de espírito com~ a última "originalidade da vanguarda"
clusões temporárias semelhantes às nossas. Analisando - estimada pelo ôlho podre de Jdanov ou de Carmen
o que chama, com justeza, uma obra musical aberta, Tessier - porque, antes de tudo, esta mentalidade é
êle distingue o modo como o executante (A) e o auditor nietzschiana. Ela data do Nascimento da Tragédia:
(ou "consumidor") (B) procuram, cada um diferente-
mente, apreendê-la.
(A) Numa obra como os Scambi, de Pousseur, o o HOMEM JÁ NÃO É ARTISTA,
leitor executante organiza e estrutura o discurso musical, É ÊLE PRÓPRIO OBRA DE ARTE
numa colaboração quase material com o autor. Ele co-
labora na execução da obra. .. ( ... ) Pousseur explica Isso significa, entre outras coisas, que a experiên-
que a obra constitui menos um trecho do que um campo cia tem, em si mesma, um valor distinto do seu resul-
de possibilidades, um convite à opção. tado (estética 'e comercialmente apreciável, ou não) ~
'(B ) ... Reagindo à constelação dos estímulos, A experiência criadora é o seu próprio objetivo. Emis-
tentando apreender e compreender as suas relações, cada sor-receptor, autor-leitor etc ., a obra é esta identificação
consumidor exerce uma sensibilidade pessoal, uma cul- psíquica estabelecida entre o Um e o Tudo, entre si e
tura determinada, gostos, tendências, preconceitos, que si mesma, aquém da linguagem. A arte invade a vida à
orientam o seu gõzo estético para uma perspectiva que medida em que o ser retoma a possessão da sua sobe-
lhe é própria (U.E. in L'Oeuvre Ouverte, ed. du Seuil). rania.
Acharemos, em Le J eu Comme Symbole du
Isto é o mesmo que dizer que, quando julgamos Monde, de Eugen Fink (ed. de Minuit, coleção Argu-
uma obra, nós não pensamos verdadeiramente nela, mas ments) uma tentativa teórica de que a arte participa-
no resultado de uma troca entre ela e nós. Ternos, ge- cional poderia ser uma aplicação: ". .. O homem rea-
ralmente, tendência para dizer que a obra é "má" quan- liza-se, escolhendo-se, de múltiplos modos, no decurso
do a nossa percepção é defeituosa ou quando a troca da sua vida: quando escolhe, êle escolhe sempre, e no
fracassou (isto é, foi recusada ou pelo "autor", ou pelo fim de contas, a si mesmo. .. O jôgo liberta-nos da
"espectador"), e que a obra é "boa" quando uma troca liberdade, mas de um "modo irreal". E, contudo, essa
consciente, tranqüilizadora e explicável aconteceu. "irrealidade" do jôgo é uma relação essencial do homem
Os muros e as interdições com que a cultura nos com o mundo." .
aprisiona estão aí para serem transpostos, derrubados, A isto eu acrescentaria que o principal ínterêsse
não para que os respeitemos. Assim, a clausura mental do Real - como do Tempo - reside na sua elastici-
do "leitor" não pode mais ser admitida. Por outro lado, dade, na sua mobilidade. Qual a linguagem que pode
é evidente que a solidão do "autor" é uma ilusão e o seu veicular o jôgo sem impedi-lo ou matá-lo?
98 99
H~ um parentesco profundo entre uma obra musi e sem "experiência". Agora, pedem-nos para colaborar-
cal ~o tipo dos ?cambi e um happening tal como Péchi mos ·na construção da imagem, para participar na ela-
rex ( ) , n~ medida em que uma e outra não cessam de boração da obra, de que cada um (por sua vez ou simul-
ser u~a lmguagem em ação, procurando-se a si mesma tâneamente) é o autor e o receptor. Se é absolutamente
uma línguagem cuja forma e conteúdo abertos são fun necessário achar uma definição para êste nôvo estado
dados ~o .JÔ~o dialético imediato de três elemento: de espírito, que está na origem do happening, ela está
permutáveís a vontade: o (ou os) "autor (s)" os "exe em John Cage:
cutantes", o "público". Allan Kaprow, de que~ estamo:
longe de part~Ih"ar o espírito apolítico, comentou êste
Jogo com pertinência:
NEW MUSlC: NEW LlSTENING (1)
Originalmente , o happening era concebido come
arte de justaposição, uma colagem de acontecimentos É evidente que, nem os hábitos intelectuais ou fí-
Mas .m uit~ ràpidamente esta concepção, apesar do sei sicos, nem as idéias feitas, se deixam fàcilmente trans-
real z'!tere!se, foz superada pelo caráter irrresistível di formar. A Spring Happening inspirou a Susan Sontag
com~l1:açao dos acontecimentos: tudo se passa come a seguinte reflexão: "2sse engajamento abusivo do pú-
se, subztan;ente, acontecimentos imprevistos, simultânea blico parece fornecer ao happening o esqueleto dramá-
m~nte sofisticados e primitivos, se substituíssem ao ro tico que lhe falta" (in Happening: an art oi radical jux-
teiro original.
taposition, ensaio publicado em Against Interpretation,
Nova York). Parece que Susan Sontag se aproximou
dêsse happening com a atitude, demasiado clássica, da
espectadora em busca de uma narração ou estrutura
teatral convencionais. E não viu nêle senão fogo. Esse
Assim, a questão não é mais "É belo?" ou "Que engajamento "abusivo" do público, a sua promoção
é q~~ re?,rese?ta?" m~s poderia ser "Que é que pilota a desempenhante ativo, marca uma transformação
o pilôto? ou S:0mo.e que vou participar?". radical: o fim do feudalismo cultural e o início da era
" 1st? n~~ distancia, como vêem, do tempo em qUE anunciada por Lautréamont e os libertários. Também
os . realIsta.s . nos apre~entavam paisagens, frutos ou es a -arte deve ser feita por todos, e não por um.
tadl~tas. DIZIam-nos: Aqui está. Aqui está, diante de
voces, sem problema: um prado, uma vaca, uma maçã. Quando se fala da crise da pintura, do romance,
um chefe. Consumam-nos." A imaaem era acabada do teatro etc. - e não se fala de outra coisa, em tôda
estática, fácil, como uma pílula que s: toma sem esfôrçc a parte - , dever-se-ia ter a coragem de examinar uma
das suas causas principais: a carência da percepção. Por

.(1 ) .. Cf. o relato desta obra em Le Happening de J.-J. L., nas Edições
Denoel, coleção Lettres Nouvelles, Paris. (Z) Em inglês no original. (N. do T.)

100 101

..
que pretendem ler Finnegan's Wake como uma narração que se desenrola normalmente . . . Estou farto de obras
linear ou olhar um happening de fora, como se se tra- que vão de um ponto de partida até um certo fim , sem
tasse de uma natureza morta? Será porque a cultura - ir em tõdas as direções possíveis. " Quando trabalho,
através de seus "representantes qualificados" e seus ins- penso: mas quando falo do que eu faço, só posso falar
petores - reage contra o desnuda~ento provoc~do. pel~ do meu pensamento." Esta música, esta abertura do ser
.arte livre, fechando os olhos? Sera porque o pubhco .e à vida, exige não só uma virtuosidade na execução, mas
vítima da camuflagem e das cortinas de fumaça const í- uma virtuosidade no escutar - e no olhar - análoga
tuídas pela indústria cultural e seus meios "de informa-
°
ção"? condicionamento psicossocial, que visa ao cole-
tivo tanto quanto ao particular, foi aperfeiçoado com
ao "puro poder de entender", evocado por Blanchot, a
propósito de Freud.
método. É dessa forma que a civilização se protege A percepção e a passagem à ação do espectador
contra a liberdade de expressão ou de ação : negando-a, podem, de certo modo. tornar-se o tema da obra. Isto já
estrangulando-a. Afogaram o peixe que, aliás, era solú- se produziu muito freqüentemente, em happenings: quer
vel. Tem que se recomeçar tudo de nôvo. porque idealmente confrontamos o espectador com a
sua própria posição, enquanto está engajado na percep-
°problema mais grave da arte atual é, pois, o da
PERCEPÇÃO, e o happening ataca-o frontalmente, co-
ção do que se passa à sua volta (graças a um sistema de
televisão em "circuito fechado" que lhe devolve, como
locando o espectador em situação e em questão, real- um sinal, a sua própria imagem modificando-se, ou
mente. O círculo mágico deixa de lhe ser interdito. Já graças a grandes planos tomados por uma polaroid e
não está mais diante do quadro, levado (ou não) pela projetados por um episcópio, na parede), quer porque
sua imaginação a sonhar que participa do aconteci- todos os seus feitos e gestos, tôdas as suas reações,
mento pintado. E.le está no quadro e tal como o aconte- sejam simplesmente considerados como parte integrante
cimento, acontece, e faz-se, com êle, E com êle. da obra coletiva. Conquanto linguagem alucinatória e
meio de expressão coletivo, o happening exige um modo
Assim, por ocasião do nosso happening intitulado de percepção plurivalente, uma total abertura dos ins-
120 Minutes dediées au Divtn Marquis, os espectadores tintos.
e suas imagens foram incluídos nas 'projeções de filmes
e na ação numa colagem aberta. Em Nova York, Ro-
bert Bree~, que colaborou com Kap~ow, Ginsbe:g e É-nos proposto um nôvo tipo de relação com Black
Paik no Origina/e, de Stockhausen, serviu-se de um filme Market, de Rauschenberg, com um quadro variável
de televisão rodado e projetado no local. Por outro lado, de Fahlstrõm, com um happening de Kudo ou Whitman,
Stockhausen deixando inacabada Momente, de 1962 a com um event de Brecht ou de Paik, com o teatro total
1965, integ;ou nessa obra frases de cartas recebidas, de Ben, com certas obras musicais de Cage, de Pousseur,
assim como reações (gritos, ruídos, palavras) de seus de Stockhausen, de Earle Brown. É evidente que as
primeiros espectadores. No decurso do filme espantoso técnicas empregadas transpõem as fronteiras conven-
que Patris e Ferrari consagraram a Momente, Stock- cionais da pintura, da música, do teatro, da dança, do
hausen declarou o seguinte: "A minha música, tal como cinema: elas alargaram seus campos respectivos. Esta
a vida, é impossível de explicar como um acontecimento ampliação incidiu tanto sôbre a linguagem como sôbre
102
1Q3
o seu conteúdo desde que a comunicação e a troca foram portante, e necessário precisar que entendemos por
pesquisadas, ou realizadas, em diversos níveis, simul- happening não s6 os happenings propriamente ditos,
tâneamente. mas também as diferentes experiências que se situam
na mesma corrente de idéias: o teatro total, o event
o happening, por exemplo, é uma arte plástica, de Fluxus, a dança e o concêrto (segundo Cage): Pro-
mas a sua "natureza" não é exclusivamente pictórica. pomos aqui documentos, não uma definição, nem um
ela é também. cinematográfica. poética. teatral, aluci- balanço. :E: inegável que o surgimento do happening
natória, sócio-dramática , musical, política, erótica, indica um nítido avanço na realização de um projeto
psicoquímica. :E: diurna e noturna, como Pierrot le Fou. muito antigo: a reintegração da arte na vida, a fusão
Quero significar que esta danca sagrada não se dirige do psíquico e do social. :E: cedo demais, evidentemente,
somente aos olhos, mas a TODOS os sentidos. Ao ouvi- para estimar os "resultados" do happenlng, sobretudo
do, ao olfato, ao paladar. à vagina, à glândula. ao ânus. quando as noções inadequadas de êxito e de fracasso .
ao corpo astral. ao emissor-receptor de vibracões, à aplicadas às artes plásticas e dramáticas, perderam todo
fluidez, aos duplos. Passou o tempo em que a obra de o significado. Nenhum juízo (moral ou estético) pode
arte se dirigia simplesmente à razão, unicamente ao ser vàlidamente pronunciado. sem ser fundado sôbre
bom-senso. um reexame espectral das relações entre o que julga e
o que é julgado. Vale isto dizer que o próprio processo
É evidente que uma exposição. mesmo de um gê- do "gõzo estético" é, assim, pôsto em questão.
nero nôvo. como esta. não pode substituir um hanne-
nine, Ela. é.o aue indica o seu título: um documentário.
Procuramos estudar uma tendência dinâmica. e relativa- Mesmo o inquietante Marshall McLuhan é, a seu
mente difícil. aue orienta arnalmente as vanguardas ia- modo. partidário de uma mudança. A situação humana
nonêsas. americanas (do Norte e do Sul), européias . total deve ser, segundo êle, considerada como uma obra
Pela primeira vez, esta tendência se presta a um prolon- de arte, e isso conduz, inelutàvelmente, a transformá-la
gamento lisível e organizado, como urna seqüência de em situação mais livre e mais habitável. E também ê1e
grandes planos. viu na descontinuidade dos happeninús e na ausência
Dois tipos de obras figuram nesta exnosicão, De de narração tradicional no cinema, não uma desordem
um lado, os "utensílios" que foram criados nara ou desprovida de sentido , mas, pelo contrário. uma nova
durante um hanpening, Por outro lado. os obietos de sintaxe. Mais atraente para o espectador. ~le compre-
funcão simbólica e os quadros. esculturas. desenhos. endeu que o artista, cineasta ou escritor não podiam
roteiros, fotos, cuio esnírito é tributário do hap p.enin(1, continuar a contar. mais ou menos primorosamente,
Há na maior parte dêsses obietos Qualquer COIsa de uma história [â conhecida e que o papel dêles consistia,
rudimentar, de primitivo, de não-sublimado, que os dis- pelo contrário, em desvendar e refazer as ligações dos
tingue dos produtos aprimorados, exigidos pelo bom- fios condutores do subconsciente coletivo - seus en-
zôsto. É que nós escolhemos êsses objetos como coisas contros e suas interferências - no coração mesmo do
habitadas, como personagens, segundo o papel que de- vivido. É isso que pretende Ben, com a sua Arte Total.
sempenharam neste ou naquele happening, Aliás, é im- É isso que nos ensinou Cage: a olhar, a escutar, a viver.

i04 165
A tourada, por exemplo, só me interessa quando planning (1) , para nos introduzir, como que malgré
há transgressão das interdições e transposição das fron- nous, no domínio da sobreconsciência. Para lá do sujeito
teiras sócio-culturais. Quando o touro não respeita mais e do objeto : o terceiro estado.
as regras do jôgo: salta para fora da arena consagrada,
salta a barreira, salta para o público que agride psíquica
e fisicamente. Ou então quando êsse público toma a Colocada assim, sem compromisso, esta manifes-
iniciativa de invadir a arena e de participar diretamente tação internacional constitui uma questão, um sinal, um
na ação, apesar do perigo e da lei. Jean Duvignaud con- apêlo. No contexto preciso da cultura e da sociedade
ta que, durante uma representação ao ar livre do T.N.P., industriais, uma tal questão, pela fôrça das coisas, tor-
em Avignon, o público permanecera em seu lugar, ape- na-se um repor em questão, um instrumento de escolha
sar de uma terrível chuvarada. A questão da passagem e de transformação. Assim como Antonin Artaud, no
da inação à ação e dos diferentes modos de participação México, o afirmava, a propósito de L' H omme Contre
- ligada a uma radical transformação do sistema per- le Destin:
ceptivo do homem "industrial" - é consubstancial a
tôda a obra plástica ou dramática, a todo ritual. Digo HÁ HOJE EM DIA UM MOVIMENTO PARA
que, sem esta polivalência, não há mais obra de arte IDENTIFICAR A POESIA DOS POETAS COM A
possível. Desde que no teatro, no concêrto, numa gale- FÕRÇA MÁGICA INTERNA, QUE FORNECE UM
ria de arte ou na vida, sejamos confrontados com uma CAMINHO À VIDA E PERMITE AGIR SÕBRE A
situação que não nos deixa qualquer alternativa, ficare- VIDA.
mos reduzidos ao estado de objetos. g dêsse estado,
dessa situação - de tipo militar - que a participação Sim, êsse caminho está, de ora em diante, aberto.
total em uma "obra de arte", ou num [ôgo "artístico",
nos pode arrancar. O que pedimos ao espectador, em
suma, é que participe na insurreição da arte e que deixe
de espreitar, em vez de olhar, que deixe de ser uma
testemunha passiva, um consumidor resignado.

Uma vez que a teoria da forma e da intenção -


na medida em que intencionalidade não é sinônimo de
mercantilismo nem de servilismo em relação ao Estado (1) Em inglês, no original. (N . do T.)
- , urna vez que qualquer teoria está condenada a ser ~ste texto é tirado, em grande parte, de uma separata da revista Les
superada pelo acontecimento que ela formula, ela tem Lettres Nouvelles,
que levar em conta a ambigüidade fundamental do nosso
ser presente. Eu quero dizer que o que faz o preço de Os nossos agradecimentos endereçam-se, pois, a Gene viêve Serreau,
qualquer experiência é, justamente, o que escapa ao a Maurice Nadeau e a OUe Granath, assim como a Gait Frogé, que é
nosso contrôle, à nossa vontade, a qualquer espécie de o depositário desta carta aberta.

106 107
FOTOS DE
HAPPENINGS

-~
Em cima: Happening Postal, de Jean-Jacques lebel.
(foto de Ferró)

Ao lado: a chantagem, a guerra de nervos, a co-


e~ção do Papai Noel Nuclear, a miséria. moral e sua
exploração cultural, a miséria física e sua exploração
política, a Arte Moderna ajoelhada diante de Wall
Street, a Comuna de Paris relegada em proveito de
uma Universidade de Cretinização justificaram a ma-
nifestação intitulada Pour Conjurer l'Esprit de Ca-
tastrophe, apresentada ao público por seu autor,
J.-J . lebel; direção técnica de Allan Zion e partici-
pação de Ferr6, Hiquily, Kudo, liliane, Désirée, 110
e outros.
L' Antiproces, o primeiro happening na Europa, ' o rg a niza d o por
J.-J . Lebel, em Veneza, em 1960. À esq., o ritual de um assassinato;
em cimo, o funeral, pelos ruas de Veneza, que ter-minou em grànde
pompa, com o lançamento do cadáver no Grand Canal.
,i

Stoned in the Streets, um happening em Amesterdão, 1966.


Mark Boyle, jovem pintora ingiêsa, no seu desenvolvimento clucl-
natório sôbre um cenário representando a Primavera de Botticelli.
ztiÍ
( ,

Um happening de J.-J. Lebel, St, Tropez, 1967: Sunlove, o rito


do Sol. Em cima, os ' participantes se recolhem antes da dança. Em-
baixo, enchimento da serpente a9uótica após o pôr do sol.

Coro lee Schneemonn, em um dos seus happenings : Meat Joy,


Novo York, 1965 (foto de Ferrél,

Happening Postal, de J..J. lebel, 1963/ e Guitar Piece, de Robin


Page • um happening de rua, executado em Paris, 1966.

-Dechirex,
..
happening de J.•J. Lebel, quando do Festival da Livre
- .-.-

J
Myst.rles, executado pelo grupo do L1vlng Theatre: o fim da
humcnldcde, na dor e na catóstrofe. Soberbo exemplo de teatro
de crueldade, tal como Artaud o concebera. Myst,erles constitui
um hClDPenlng dramótico. ccroorcl. desooiado. "

BIBLIOGRAFIA

DECOLLAGE 4: número especial da revista de Wolf Vostel,


consagrado ao happening, Colônia, janeiro,
1964.

HAPPENINGS,
FLUXUS,
POP, ART: documentos e manifestos escolhidos por J. Be-
cker e W. Vostel. Verlag, Hambourg, 1965 .

HAPPENINGS.: por AlIan Kaprow, no prelo. Textos de Ken


Dewey, Dixie Nimmo e Lebel, no prelo de
John Calder, Londres.

A PRIMER Of
HAPPENING ~ND
TIME/SPACE
ART : história dos happenings nova-iorquinos, por
John Cage. Something Else Press, N. Y.

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