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CAIO PRADO JÚNIOR

DO AUTOR:

EVOLUÇÃO POLfTICA DO BRASIL


z.a. edição - 1947 - esgotada

U.R.S.S., UM NOVO MUNDO


FORMAÇÃO DO BRASIL
CONTEMPORÂNEO
2.ª edição - 1935 - esgotada

FORMAÇÃO DO BRASIL CONTEfyl:­


PORANEO (COLôNIA)
6.ª edição - 1961

HISTóRIA ECONôMICA DO BRASIL COLÔNIA


6.8 edição - 1961

EVOLUÇÃO POLfTICA DO BRASIL


E OUTROS ESTUDOS
3.ª edição - -1961

DIALÉTICA DO CONHECIMENTO
dois tomos - 3.ª edição - 1960

ESBOÇO DOS FUNDAMENTOS


DA TEORIA ECONOMICA
�-ª edição - 1961 6.• EDIÇÃO
NOTAS INTRODUTóRIAS A LóGICA
DIALÉTICA - 2.a edição - 1961
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. lj Sistema Alexandria
A.L. : 1490862
Tombo . 1760128

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EDITÕRA BRASILIENSE
CAIO PRADO JÚNIOR

DO AUTOR:

EVOLUÇÃO POLÍTICA DO BRASIL


2.ª edição - 1947 - osgoladcx

U.R.S.S., UM NOVO MUNDO


FORMAÇÃO DO BRASIL
CONTEMPORÂNEO
2.a edição - 1935 - esgotada

FORMAÇÃO DO BRASIL CONTE��


PORANEO (COLONIA) 1
6.ª edição - 1961

HISTóRIA ECONOMICA DO BRASIL COLÔNIA


6.ª edição - 1961

EVOLUÇJW POL1TICA DO BRASIL


E OUTROS ESTUDOS
3.ª edição - 1961
'\:
DIALtTICA DO CONHECIMENTO
dois tomos - 3.ª edição - 1960

ESBôÇO DOS FUNDAMENTOS


DA TEORIA ECONOMICA
�-ª edição - 1961 6.' EDIÇÃO
NOTAS INTRODUTóRIAS A LÓGICA
DIALÉTICA - z.a edição - 1961

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EDITORA BRASILIENSE

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Engenho de açúcar.
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OFEREÇO �STE LIVRO A
NENA,
minha mulher
e
companheira de trabalho.
O INÍCIO do séc. XIX não se assinala para nós unicamente por
êstes acontecimentos relevantes que são a transferência da
sede da Monarquia portuguêsa para o Brasil e os atos prepara­
tórios da emancipação política do país. Êle marca uma etapa
decisiva em nossa evolução e inicia em todos os terrenos, social,
político e econômico, uma fase nova. Debaixo ....daqueles acon­
tecimentos que se passam na superfície, elaboram-se processos
complexos de que êles não foram senão o fermento propulsor,
e, na maior parte dos casos, apenas a expressão externa. Para o
"historiador, bem como para qualquer um que procure compre­
ender o Brasil, inclusive o de nossos dias, o momento é decisivo.
O seu interêsse decorre sobretudo de duas circunstâncias: de um
lado, êle nos fornece, em balanço final, a obra realizada por
três séculos de colonização e nos apresenta o que nela se en­
contra de mais característico e fundamental, eHminando do qua­
dro ou pelo menos fazendo passar ao segundo plano, o aciden­
tal e intercorrente daqueles trezentos anos de história. É uma
síntese dêles. Doutro lado, constitui Úma chave, e chave preciosa
e insubstituível para se acompanhar e interpretar o processo his­
tórico posterior e a resultante dêle que é o Brasil de hoje. Nêle
se contém o passado que nos fêz; alcança-se aí o instante em que
os elementos constitutivos da nossa nacionalidade - instituições.
fundamentais e energias - organizados e acumulados desde o
início da colonização, desabrocham e se completam. Entra-se en­
tão na fase propriamente do Brasil contemporâneo, erigido sôbre
aquela base.
Tínhamos naquele momento chegado a um ponto morto. O
regime colonial realizara o que tinha para realizar. Sente-se que
a obra da metrópole estava acabada e nada mais nos poderia tra­
zer. Não apenas por efeito da decadência do Reino, por maior
que ela fôsse: isto não representa senão um fator compfementar e
acessório que quando muito reforçou uma tendência já fatal e ne­
cessária apesar dela. _Não é somente o regime de subordinação
colonial em que nos achávamos que está em jôgo: mas sim o con-. .
junto as instituições, o sistema colonial na totalidade dos: seus ca>
t
ractetes econômicos e sociais que se apresenta prenhe de trans­
formações profundas. · obra colonizadora dos portuguêses, na
1

6 CAIO PRADO JúNIOR FORMAÇÃO DO BRASIL CONTEMPORÃNEO 7

base em que assentava e que em conjunto forma aquêle sistema, Analisem-se os elementos da vida brasileira contemporânea;
esgotara suas possibilidades. Perecer ou modificar-se, tal era o "elementos" no seu sentido mais amplo, geográfico, econômico, so­
dilema que se apresentava ao Brasil. Nem lhe bastava separar­ cial, político. O passado, aquêle passado colonial que referi aci­
-se da mãe-pátria, o que seria quando muito passo preliminar, em­ ma, aí ainda está, e bem saliente; em parte modificado, é certo, mas
bora necessário. O processo de transformação devia ser mais pro­ presente em traços que não se deixam iludir. Observando-se o
fundo. E de fato o foi. O Brasil começa a se renovar, e o momen-. Brasil de hoje, o que salta à vista é um organismo em franca e · ati­
to que constitui o nosso ponto de partida neste trabalho que o va transformação e que não se sedimentou ainda em linhas defini­
leitor terá talvez a paciência de acompanhar, é também o daquela das; que não "tomou forma". É verdade que em alguns setores
renovação. Mas ponto de partida apenas, início de um longo pro­ aquela transformação já é profunda e é diante de elementos pró­
cesso histórico que se prolonga até os nossos dias e que ainda não pria e positivamente novos que nos encontramos. Mas isto, ape­
está terminado. Com vaivéns, avanços e recuos, .êle se desenrola sar de tudo, é excepcional. Na maior parte dos exemplos, e no
através de um século e meio de vicissitudes. O Brasil contempo­ conjunto, em todo caso, atrás daquelas transformações que às vê­
râneo se define assim: o passado colonial que se balanceia e en, zes nos podem iludir, sente-se a presença de uma realidade já
cerra com o século XVIII, mais as transformações que se sucede­ muito antiga que até nos admira de aí achar e que não é senão
ram no decorrer do centênio anterior a êste e no atual. Naquele aquêle passado colonial.
passado se constituíram os fundamentos da nacionalidade: povoou-se ./ .Não me refiro aqui Uilicamente a tradições e a certos anacro­
um território .semideserto, organizou-se nêle uma vida huillana que nismos berrantes que sempre existem em qualquer tempo ou lugar,
diverge tanto daquela que havia aqui, dos indígenas e suas na­ mas até a caracteres fundamentais da nossa estrutura econômica
ções, como também,_ embora em menor escala, da dos portuguê­ e social. No terreno econômico, por exemplo, pode-se dizer que
ses que empreenderam a ocupação do território. Criou-se no plano o trabalho livre não se organizou ainda inteiramente em todo o .__
das realizações humanas, algo de novo. 11:ste "algo de novo" não país. Há apenas, em. muitas partes dêle, um processo de ajusta­
é uma exp��ssão abstrata; concretiza-se em todos os elementos que mento em pleno vigor, um esfôrço mais ou menos bem sucedido,
constituem um organismo social completo e distinto: uma popula­ naquela direção, mas que conserva traços bastante vivos do regime
ção bem diferenciada e caracterizada, até êtnicamente e habitando escravista que o precedeu. O mesmo poderíamos dizer do caráter
um determinado território; uma estrutura material particular, cons­ fundamental da nossa economia; isto é, da produção extensiva para
tituída na base de elementos próprios; uma organização social de,, mercados do exterior, e da correlata falta de um largo mercado
finida por relações específicas; finalmente, até uma consciência, mais interno :Sàlidamente alicerçado e organizado. Donde a subordina­
precisàmente uma certa "atitude" mental coletiva particular. Tu­ ção da economia brasileira a outras estranhas a ela; subordinação
do isto naturalmente já se vem esboçando desde longa data. Os aliás que se verifica também em outros setores. Numa palavra,
não completamos ainda hoje a nossa evolução da economia colo­
sintomas de cada um daqueles caracteres vão aparecendo no cur0 nial para a nacional.
so de tôda nossa evolução colonial; mas é no têrmo dela que se·
completam e sobretudo se definem nitidamente ao observador. No terreno social a mesma coisa. Salvo em alguns setores do
, Entramos então em nova fase. Aquilo que a colonização rea­ país, ainda conservam nossas relações sociais, em particular as de
classe, um acentuado cunho colonial. Entre outros casos, estas
lizara, aquêle "organismo social completo e distinto" constituído diferenças profundas que cindem a população rural entre nós em
no período anterior, começa a se transformar, seja por fôrça pró­ categorias largamente díspares; dispariaade que não é apenas no .
pria, seja pela intervenção de novos fatôres estranhos. É então o nível material de vida, já inteiramente desproporcionado, mas so­
presente que se prepara, nosso presente dos dias que correm. Mas bretudo no estatuto moral respectivo de umas e outras e que nos
êste novo processo histórico se dilata, se arrasta até hoje. E ain­ projeta inteiramente para o passado. ·os depoimentos dos viajan­
da não chegou a sen têrmo, É por isso que para compreender o tes estrangeiros que nos visitaram em princípios do séc. XIX são
Brasil contemporâneo precilamos ir tão longe; e subindo até lá, fre_qüentemente de flagrante atualidade. Neste, como aliás em ou­
o leitor não estará ocupando-se apenas com devaneios históricos, tros setores de igual relêvo. Quem percorre o Brasil de hoje fica
mas .colhendo dados, e dados indispensáveis para interpretar e muitas vêzes surpreendido com aspectos que se imagina existirem
compreender o meio que o cerca na atualidade. nos nossos dias Uilicamente em livros de his�ória; e se atentar um
FORMAÇÃO DO BRASIL CONTEMPORÂNEO 9
8 CAIO PRADO JúNIOR

Estes são apenas exemplos colhidos mais ou menos ao acaso.


pouco para êles, verá que traduzem fatos profundos e não são Por tôda parte se observará coisa semelhante. E foram estas, bem
apenas reminiscências anacrônicas. como outras considerações da mesma nahlreza, que me levaram,
Mas não é sümente isto. Coloquemo-nos num terreno prático. para chegar a uma interpretação do Brasil de hoje, que é o que
Os problemas brasileiros de hoje, os fundamentais, pode-se dizer realmente interessa, àquele passado que parece longínquo, mas que
que já estavam definidos e postos em equação há 150 anos atrás. ainda nos cerca de todos os lados. Pelo que ficou dito, também
E é da solução de muitos dêles, para que nem sempre atentamos se justificará o J)lano que adotei aqui. Faço em primeiro lugar
devidamente, que depende a de outros em que hoje nos esforça­ um balanço geral da colônia em princípios do século passado, ou
mos inUtilmente. Um dos aspectos mais chocantes do Brasil, e �ntes; naquele período que cavalga ::s dois s1culos que precedem
que alarma qualquer observador de nossas coisas, é esta atonia 1med1atamente o atual; teremos entao uma smtese do Brasil que
econômica, e portanto "vital", em •que mergulha a maior parte do saía, já formado e constituído, dos três séculos de evolução colo­
território do país. Pois bem, há século e meio, nas mesmas regiões nial; e tal será o objeto dêste primeiro volume. As transformações
ainda agora atacadas do mal, já se observava e discutia o fato. e vicissitudes seguintes, que nos trouxeram até o estado atual, virão
Autoridades representavam sôbre êle à metrópole, particulares se depois. Se esta primeira parte, que ora enceto, parecer muito
interessavam pelo assunto e a êle se referiam ·em memórias e outros longa para uma simples introdução, isto será porqne a outra de­
escritos que chegaram até nós, e cuja precisão e clareza não foram pende dela, e encontrará aí seus principais elementos de inter­
ainda, na maior parte das vêzes, ultrapassadas por observadores pretação.
mais recentes. Há outros exemplos: os processos rudimentares em­
pregados na agricultura do país, infelizmente problema ainda da
mais flagrante atualidade, já despertavam a atenção em pleno séc. ·
XVIII; e enxergava-se nêles como se deve enxergar hoje, a fonte
de boa parte dos males que afligiam a colônia_ e que ainda agora
afligem o Brasil nação de 1942. Refere-se a êles, entre outras, uma
mem6ria anônima de 1770 e tantos (Roteiro do Maranhão a
Goiás): em algumas de suas passagens, parece que estamos lendo
o relatório de um inspetor agrícola recém-chegado do interior. St.
Hilaire, quarenta anos depois, fará observações análogas, acre.sci­
das de seus conhecimentos de naturalist a que era. Inaugura-se o
Império, e o Brig. Cunha· Matos abre o capítulo sôbre a agricul­
tura de Goiás na sua Corografia histórica que é de 1824, com
a seguinte frase: "A agricultura, se é que tal nome se pode dar
aos trabalhos rurais da província de Goiás ..." Coisa que repe­
tida hoje acêrca de quase tôda atividade agrícola do Brasil, es­
taria longe de muito exagerada. As comunicações interiores do
país constituem outro problema ainda em nossos dias nos primei­
ros ensaios de solução e que já nos fins do séc. XVIII sé encon­
trava em equação quase nos mesmos têrmos de hoje, apesar de
todo o progresso técnico realizado de lá para cá (1).

( 1) Pessoalmente, só compreendi perfeitamente as descrições gue Esch­


wege� Mawe e outros fazem da mineràção em Minas Gerais depois que lá
estive e examinei de visu os proces:-.os empregados e que continuam, na
quase totalidade dos casos, exatamente os mesmos. Uma via gem pelo Bra­
sil é muitas vêzes, como nesta e tantas outras instâncias, uma incursão pela
história de um século e mais para trás. Disse-me certa vez um professor
estrang eiro que invejava os historiadores brasileiros que podiam assistir pes­
soalmente às cenas mais vivas do seu passado.
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E ID O D A CO L O NIZAÇ Ã
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SENTIDO DA COLONIZAÇÃO

Tono Povo tem na su: evolução, vista à distância, um certo "sen-


tido'�. :E:ste se percebe não nos pormenores de sua história, mas no
conjunto dos fatos e acontecimentos .�ssenciais que a constituem
num largo período de tempo. · Quem observa aquêle conjunto,
desbastando-o do cipoal de incidentes secundários que o acom­
panham se1!1pre e o fazem niuitas vêzes confuso e incompre­
ensível, não deixará de perceber que êle se forma de uma linha
mestra e ininterrupta de acontecimentos que se sucedem em
ordem rigorosa, e dirigida sempre numa determinada orientação.
É iSto que se deve, antes de mais nada; : procurar quando se
aborda a análise da história de um povo, seja aliás qual fôr o
momento ou o aspecto dela · que interessa, porque todos os mo­
mentos e aspectos não são senão partes, por si só incompletas, de
um todo que deve ser sempre o objetivo último do historiador,
por mais particularista que seja. Tal indagação é tanto mais impor­
tante e essencial que é por ela que se define, tanto no tempo como
no espaço, a individualidade da parcela de humanidade qne interes­
sa ao pesquisadç,r: povo, país, nação, soéiedade, seja qual fôr a
designação ap�úpriada no caso. É sàmente aí que êle encontrará
aquela unidad:e que lhe permite destacar uma tal parcela humana
para estuc!,Ua à parte.
• O _;é;,tido da evolução de um povo pode variar; acontecimen­
tos ··:cranhos a êle, transformações internas profundas do seu equi­
lí �rio ou e.Strutura, ou mesmo ambas estas circunstâncias conjunta­
, - ente, poderão intervir, desviando-o para outras vias até então
ignoradas. · Portugal nos traz disto um exemplo frisante que para
nós é quase doméstico. Até fins do séc. XIV, e desde a consti­
tuição da monarquia, a história portuguêsa se define pela formação
âe uma nova nação européia e articula-se na evolução geral da.
civilização do Ocidente de que faz parte, no plano da luta que
teve de sustentar, para se .constituir, contra a invasão árabe qué
a�eaçou num certo momento todo o continente e sua civilização.
No alvorecer do séc. XV, a história portuguêsa muda de rumo.
Integrado nas fronteiras geográficas 'naturais que seriam definitiva­
rq:ente as· suas, -constituído t�rritorialmente o Reino, Portugal se
· .vai transformar num país marítimo-; desliga-se, por. assim dizer, do
---·.-o; e
!-t!!Sl4iij

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c ontinente e volta-se para o Occa�o que se a�ria para o outrc} que damos como claras e que dispensam explicações; mas que não
lado · não tardará, com suas empresas e conquistas no ultramm, resultam na verdade senão de hábitos viciados de pensamento.
em �e tornar uma grande potência colonial. Estamos tão acostumados em nos ocupar com o fato da colonização
Visto dêste ânrru1o <teral e amplo, a evolução de u1n povo se brasileira, que a iniciativa dela, os motivos que a inspiraram e de­
Ôs po�e nores e incid �n !e � mais ou n1enos com-
torna explicável. . terminaram, os rumos que tomou em virtude daqueles impulsos
plexos que constituern a tra�a de sua h1ston� e_ que ameaçam
�0,1
ct iniciais, se perdem de vista. Ela parec_e corno um fi,COntecimento
vêzes nublar o que verdadeiramente form� cl h_:1lia me�tra qu..__, fatal e necessário, derivado natural e espontâneamente do simples
define, passam para o segun do P,. , l ano; e so cnt �o nos e . d � do al�- fato do descobrimento . E os rumos que tomou também se afiguram
cançar 0 Sentido daque" la< evoluçao' compreende-la, exphca-la. E como resultados exclusívps daquele fato. Esqnecemos aí os ante­
�ra_s1·1 . N;-ª?
,.,
.
isto que precisamos comc::çar por fazer com r�la5� 0 ao cedentes que se acumulam atrás de tais ocorrências, e o grande
ira, pm�
nos interessa aqui, é certo, o . conj�nto . da hi:tona brasile número de circunstâncias particulares que ditaram as normas a
partimos de um momento preciso ... , 1a muito adiant ado dela, e qu: e seguir. A consideração de tudo isto, no caso _ vertente, é tanto
() final do períod o de colôni a Mas e st mo � en ;o, e1:1-bor a o p osscl. mais necessária que os efeitos de tôdas aquelas circunstâncias ini­
: _ � _senao um elo �
mos circunscrever cmn relativa precisao, nao e. J
sa o.
ciais e remotas, do caráter que Portugal, impelido por elas, dai-á
mesma cadeia que nos traz desde· o nosso mais remoto_ P,ª� à sua obra colonizadora, se gravarão profnnda e indelevelmente na
Não sofremos nenhuma discontinuidade no correr da histor,i a. de formação e evolução do país.
colônia. E se escolhi um momen to dela, apenas a sua última
A expansão marítima dos países da ·Europa, depois do séc. XV,
página foi tão-sàmente porque, já me expliquei na Introdução, expansão de que o descobrimento e colonização da América cons­
aquêle' momento se apresenta como um têi;110 final ,.,e a resultante tituem o capítulo que particularmente nos inter essa aqui, se origina
ele tôda nossa evolução anterior. A sua sintese. Nao se_ compre­ de simples emprêsas comerciais levadas a efeito pelos navegadores
ende por isso se desprezarmos inteiramente aquela evoluçao, o que daqueles países.. Deriva do desenvolvimento do comércio conti­
nela houve de fundamental e permanente. Numa palavra, o seu nental europeu, que até/ o séc. XIV é quase Uilicamente terrestre,
sentido. e limitado, por via marítima, a uma mesquinha navegação costeira
, Isto nos leva, infelizmente, para um passado relativamen_!-"e e de cabotagem. Como se sabe, a grande rota comercial do mundo
l�ngínquo e que não interessa diret�mente o nos�o _assunto.. Nao europeu que saí do esfacelamento do Império do Ocidente é a
podemos contudo dispensá-lo e precisamos rec,-..rnc;titmr o con1unto que liga por terra o Medíterri\neo ao mar do Norte, desde as repú­
da nossa formação colocando-a no amplo quadro, �8om seus ante­ blicas italianas, ah·avés dos Alpes, os cantões suíços, os grandes
cedentes dêstes três séculos de atividade colonizad<::,:ra que carac­ empórios do Reno, até o estuário do rio onde estão as cidades fla­
terizam � história dos países europeus a partir do séc,,, �V; ativi­ mengas. No séc. XIV, mercê de uma verdadeira revolução na
dade que integrou um novo continente na sua ór�ita; para�_�la�e_nte arte de navegar e nos meios de transporte por mar, outra rota
aliás ao que se realizava, embora em moldes diversos� em L_:tt,ros ligará aquêles dois pólos do comércio europeu: será a marítima
continentes: a Africa e a Ásia. Processo que acabana por m,te­ que contorna o continente pelo estreito de Gibraltar. Rota que,
grar o Universo todo em uma nova ordem, que é a do mundt'l subsidiária a princípio, substituirá afinal a primitiva no .grande
moderno, em que a EUropa, ou antes, a s...ua civilizaçã?, se este�-­ lugar que ela ocupava. O primeiro reflexo desta transformação, a
deria dominadora por tôda parte. Todos estes aco,n�ecunentos sa? princípio imperceptível, mas que se revelará profunda e .revolucio­
correlatos, e a ocupação e povoamento do terntono que consti­ nará todo o equilíbrio europeu, foi deslocar a primazia comercial
tuiria o Brasil não é senão um episódio, um pequeno detalhe dos territórios centrais do continente, por onde passava a antiga
daquele quadro imenso. rota, para aquêles que formam a sua fachada oceânica: a Holancfa,
Realmente a colonização portuguêsa na An1é1�ca não é um a Inglaterra, a Normândia, a Bretanha e a Península Ibérica.
fato isolado, a aventura sem precedente e sem seguimento de uma ltste novo equilíbrio firma-se desde o princípio do séc. XV.
determinada nação empreendedora; ou mesmo um� ordem de Dêle derivará não só todo um novo sistema de relações internas
acontecimentos, paralela a outras semelhantes, mas independ�n_te . do contin_ente, como -nas suas conseqüênCias mais afastadas, a ex­
delas. É apenas a parte de um . todo, inc?mple!o sem a VI:ªº pansão européia ultramarina. O primeiro passo estava dado e a
dêste todo. Incompleto que se disfarça mmtas vezes sob noçoes Europa deixará de viver rec.olhida sôbre si mesma para enfrentar

..
16 CAIO PRADO JúNIOR FORMAÇÃO DO BRASIL CONTEMPORANEO 17


o Oceano. O papel de pioneiro nesta nova etapa caberá aos por­ aqui; mas não será, em sua essência, diferente dos outros. É sempre
h12Uêses os melhores situados, geogràficamente, no extremo desta
'
como traficantes q�e os vários povos da Europa abordarão cada
u.ma daquelas empresas que lhes proporcionarão sua iniciativa, seus
1:,
península que avança pelo mar. Enquanto holandeses, ingleses,
/\

normandos e bretões se ocupam na via comercial recém-aberta, e e�forços, o acaso e as circu1;1stâ_:1cias do momento em que se acha­
A
que bordeja e envolve pelo mar o ocidente europeu, os portuguêses vam. Os portugueses traficarao na costa africana -com marfim
vão mais longe, procurando emprêsas em que não encontrassem ouro, escravos; na í�dia irã? buscar especiarias. Para concorre;
concorrentes mais antigos e já instalados, e para que contavam com com eleA , os espanhóis, segmdos de perto pelos inglêsl)s, franceses
_s
vantagens geográficas apreciáveis: buscarão a costa ocidental da e demais, procurarão outro caminho para o Oriente; a América, .
África, traficando aí com os mouros que dominavam as populações co � que toparam nesta pesquisa, não foi para êles, a princípio,
indígenas. Nesta avançada pelo Oceano descobrirão as Ilhas (Cabo senao nm obstáculo oposto à realização de seus planos e que devia
Verde, Madeira, Açores), e continuarão perlongando o continente ser contornado. Todos os esforços se orientam então no sentido
negro para o sul. Tud0- isto se passa ainda na primeira n1etade do de encont ��r u�a passagem, ?uja existência se admitiu a priori.
séc. XV. Lá por meados dêle, começa a se desenhar um plano Os espanho1s, s1tnacfos nas Antilhas desde o descobrimento de Co­
mais amplo: atingir o Oriente contornando a África. Seria abrir lombo, exploram a parte central do continente: descobrirão o Mé­
para seu proveito uma Yota que os poria em contacto direto com xico; Balboa avistará o Pacífico; mas a passagem não será encontrada.
as opulentas índias das preciosas especiarias, cujo -comércio fazia Pro;ura-se então_ mais para _o sul: as viagens· de Sólis, de que resul­
a riqueza das república� italianas e dos mouros por cujas mãos ta'-ª-º �,,s.cob mento ao R10 da Prata, não tiveralll oµtro objetivo,
r,i
transitavam até o Meditenâneo. Não é preciso repetir aqui o que Magalhaes sera seu continuador e encontrará o estreito que con­
foi o périplo africano, realizado afinal depois de tenazes e siste­ servou o sen nome e qne constitnin afinal a famosa passagem tão
máticos esforços de meio século. procurada; . mas ela se revelará pouco praticável e se desprezará.
Atrás dos portuguêses lançam-se os espanh6is. Escolherão Enquant� :s�o . se passav � no _sul, as pesquisas se ativam para o
,
outra rota, pelo ocidente ao invés do oriente. Descobrirão a Amé­ norte; � m1ciativa cabe ai aos mgleses, embora tomassem para isto
rica, seguidos aliás de perto pelos portuguêses que também toparão o serviço de estrangeiros, pois não contavam ainda com pilotos
com o novo continente. Virão, depois dos países peninsulares, os na�io�ais basta�te prá_?cos para emprêsas de tamanho vulto. As
franceses, inglêses, holandeses, até dinamarqueses e suecos. A prrmerras pes 11msas serao empreendidas pelos italianos João Cabôto
grande navegação oceânica estava aberta, e todos procuravam tirar e seu fi!ho Sebastião. Os portuguêses também figurarãq nestas
partido dela. S6 ficarão atrás aquêles que dominavam no antigo exploraçoes do Extremo-Norte americano com os irmãos Côtte Real
sistema comercial terrestre ou mediterrâneo e cujas rotas iam pas­ g_ne descobrirão o Labrador. Os franceses encarregarão o floren:
sando para o segundo plano: mal situados, geogràficamente, com tino Verazzano de iguais objetivos. Outros mais se sucedem, e
relação · às novas rotas, e presos a um passado que ainda pesava embora tudo isto servisse para explorar e tornar conhecido o novo
sôbre êles, serão os retardatários da nova ordem. A Alemanha e mundo, firmando a sua posse pelos vários países da Europa, não
a Itália passarão para um plano secundário ao par dos novos astros se encontrava a almejada passagem que hoje sabemos não existir
que se levantavam no horizonte: os países ibéricos, a Inglaterra, a �l). �inda em princípios do séc. XVII, a Virgínia Company of London
França, a Holanda. mclma ent�e. seus principais objetivos o descobrimento da brecha
Em suma e no essencial, todos os grandes acontecimentos desta para o Pacífico que se esperava encontrar no continente.
era que se convencionou com razão chamar dos «descobrimentos", · Tudo isto lança muita lu".' sôbre � e�pírito com que ús povos
articulam-se num conjunto que não é senão um capítulo da história
do comércio europeu. Tudo que se passa são incidentes da imensa
?� _Europa tàbordam a Aménca. A idéia de povoar não ocorre
1mmalmente a nenhum. � o comércio que os interessa e daí 0
emprêsa comerciãl a que se dedicam os países da Europa a partir relativo desprêzo por êste território primitivo e vazio que'é a Amé-
do séc. XV, e que lhes alargará o horizonte pelo Oceano afora.
Não têm outro caráter a exploração da costa africana' e o desco­
(1) Também se tentou, a partir de meados do séc. XVI, a pas-­
brhnento e colonização das Ilhas pelos portuguêses, o roteiro das sagem para o Oriente pelas regrnes árticas da Europa e Asia. A iniciativa
índias, o descobrimento da América, a exploração e ocupação de cabe a:o mesmo Sebastião Cabôto, que já encontramos r.ia. América, e mais
seus vários setores. É êste último o capítulo que mais nos interessa uma vez a serviço dos inglêses ( 1553).
JúNIOR

��}=��
CAIO P RAD O FORMAÇÃO DO BRASIL CONTEMPORANEO 19
18
'
\1 rica; e inver sarne nte, o prestígi� e�? Oriente] �nde ;1ão fa1 �'lV � Os problemas do novo sistema de colonização, envolvendo a
,ª ,.,- .
t • ,�1- 1.1 1e , nerca ntis.
1
A ideia de ocupcu, na.o cmn .5e_ ocupação de territórios quase desertos e primitivos, terão feição
� e�;à:
\� ,., �� t:/ 1:as estra nhas , apenas como agentes cori:1erc1a1s, f�t­ variada, dependendo em cada caso das circunstâncias particulares
donários e n11.it
. 1 . ares para a elefes•a ' orcran e . izaclos em s11npl es fei 0- com que se apresentam. A primeira delas será a natureza dos
nadas a mercadejar com os nativ os e servu - . ele.,. articulacão gêneros aproveitáveis que cada um daqueles territórios proporcio­
ri'lse . dc,sti ,

mall.,.....Llill as e· os territórios ocupados ; inas ocupai. e�1n nará. A princípio naturahnente, ninguém cogitará de outra coisa
entre
.. ',15 rotas
ngen cia, necess1&ide '
.

povoamento e[ et·1vo, 1·sto só surgiu como conti que produtos espontâneos, extrativos. É ainda quase o antigo
A •

e impr ev1s tas. Al' ias,


' nenh- um
. 1 ost" or circunstâncias
in nova s • - sistema das feitorias puramente comerciais. Serão as madeiras, de
P ' ° \ d�
0 ):ur opa estav a em condições naqu
- , que no -sec
ele mo�ento -ele su�or­
, ' . XVI
" '•1mcla nao sel ref1-
construção ou tinturiais (como o pau-brasil entre nós,) na maior
tar sarn:11:ias na sua popu1açao peste que asso , ou o
parte dêles; também as peles de animais e a pesca no Extremo­
zera d� todo elas tremendas deva staço es d a -Norte, como na Nova Inglaterra; a p esca será particularmente ativa
de ensos pre ­
. . 'ti e�te nos dois s éculos precedentes. Na falta
c
p 11u­ nos bancos da Terra Nova, onde desde os primeiros anos do séc.
que cm _ 1,500 a
���s n as melhores probabilidades indicam a do m�len10 anteno�.
o
XVI, possivelmente até antes, se reúnem ing1êses, normandos, vas­
l��, ã-� da Europa ocidental não ultra passa va conhos. Os iespaubái,;_ serão O.L!:11.Jê.is felizes: topll_rão desde Jogç,,
como aqm-
Nestas con d'1çoe - s, «coloniz �ação" ainda era enten . dida -
, mas o que IJ.aS áreas que }_l:1�3...J�9,:t!._ee��m, - -�º�-- _9_�__ metais preciosos, a prata e
fala-s e em colom zaçao
lo gue .dantes se Taticava· to de feitor ias o ouro do._ México e Peru. Mas os metais, illCenfiVo e base sufí�­
0 termo envo lve nao R_ e' m;is • qu e o estabele cimen ciente para "OiUces·ro·*m:!-qualquer emprêsa colonizadora, 'não ocu­
. ;.s, co�o s italianos vinham de longa d ata prah• can do no pam na formação da Amé1ica senão um lugar relativamente pe­
com�rcia co, mais recentemente os
Mediterraneo, a L�ig�'l Hsn seática no Bálti - . -Norte da Europa e no
queno. Impulsionarão o estab elecimento e ocupação das colônias
ü1crlê scs, holandes es e outros n o Extr - eino espanholas citadas; mais tarde, já no séc, XVIII, intensificarão
f ca e na índia . Na Amé-
�evante;__corn� portuguêses fizeram na A nintei
c,

rame nte diversa: um a colonização portuguêsa na América do Sul e a levarão para o


nea a s1tuaçao se._ apresenta de form a centro do continente, Mas é só. Os metais, que a imaginação
ç_a , m . d'ig •· apaz
te;ritório primitivo habitado por rala p opula ro_ve1
� ': 1 . ; :r a �� fins escaldante dos primeiros exploradores pensava encontrar em qual­
de fornecer qualquer coisa de realmente apaçao
ve
nao se po d"ia faze� quer território novo, esperança reforçada pelas premah1ras des­
mercanti s qu. e se tin · han1 . em vis · ta, a ocup . cumbido cobertas castelhanas, não se revelaram · tão disseminados como se
. , ,... m u1n redu zi'd o p essoa1 in
cmno nas srm]?1�s feito n. � s

apenas do negocm, sua ª mmis . '-'? tr·ação e defesa armada; era precisoe esperava. Na maior extensão da América ficou-se a princípio ex­
c�paz de •:i.bastecer clusivamente nas madeirás, nas peles, na p esca; e a ocupação de
ampliar estas bases, criar um povoamento n � a r�dução dos territórios, seus progressos e flutuações, subordinam-se por muito
assei ;1 � or
manter as feitorias que se fund
s que intere ssass em o seu come
rc10. f 1ter: d/povoar surge . tempo ao maior ou menor sucesso daquelas atividades. Viria de­
"crênero, , da1, , , pois, em- substituição, uma base econômica mais estável, mais am­
dai e so . , . e1ros. pla: seria a agricultura,
ugal foi um pion eiro. Seus pnm pass s,
' Aqm. am . da' ,_ Port c dos, pe�a
ntico post os avan Não é meu intuito entrar aqui nos pormenores e vicissitudes
neste terreno, s ao �a� 1"lha s do Atlil. vis
a
i{rnn te ame-
I. d entida ' de. de cond . 1ço es para os f·ms • a'dos, do cont . r. .a da colonização européia na América. Mas podemos, e isto muito
· cano · e isto am n o sec. d a , XV · Era p·reciso povoar e organiza to interessa nosso assunto, distinguir duas áreas diversas, além daquela
rp,rod.uç',ão·· Portugal realizou êstes objedesd tivos brilhantemente. E:d � em que se verificou a ocorrência de metais preciosos, em que a
p op -em e que uma nova e colonização toma rumos inteiramente diversos. São elas as que
dos' os problemas que se r o
rapa a part ir
ecÜnômica se começa a des enhar aosarec povos da E correspondem respectivamente às zonas temperada, de um lado;
c u_ neÍro s Ela­ tropical e subtropical, do outro. A primeira, que compreende gros­
do ! séc. XV, os portuguêses sempre ap em

bma \ \m to,. das as, s aluç,ões até seus menores &t�lt�� · Esp�nh6is . ' seiramente o território americano ao norte da baía de Delawa,e
não fizeram outra cmsa, (a outra extremidade temperada do c ontin.ente, hoje países platinas.
depois inglêses, franceses e os dema1. \ ias ácruas· mas navegaran1 e Cbile, esperará muito tempo para tomar forma e significar alguma\
duraPte muito tempo, que nlavegar e1:s \nicia'à.or:s e arrebatando� ·
t-ao '-vem, que . acabaram sup ant and ° - coisa), não ofereceu realmente nada de :qiuito interessante, e per- \
-lhe a maior parte, s e na,., o pràtiéamente tôda
s as realizaçoes e em- · rnanecerá ainda p or muito tempo adstrita à exploração de produtos \\
.;espontâneos: madeiras, peles, pesca. Na Nova Inglaterra, nos pri- \\
prês�s ultramarin as .

}
20 c.,\JO PRADO JúNIOR
FORMAÇÃO DO BRASIL CONTEMPORÃNEO
21
·
me1ros ,,11 ,,s ,J.·1 co ·lonizacão, ' viam-se até com maus olhos quai�quer perada da América. Circunstâncias aliás que surgem posterior­
t�ntatívas de agricultura que desviavam das f. e1·t onas · e_� j pe1•es, et
pesca as atividades dos poucos colonos presentes (2), Se s; P mente ao descobrimento do Novo Continente, e que não se filiam à
esta área temperada, 0 que alíás s? .ocor�?u d�po1s _do _scc.. ';�f� ordem geral e plimitiva de acontecimento s que impelem o s povos
foi or circunstância� rnnit_o especrn1s. }<., a s1�u�çao, 1:1,te1_n� :1 "-� da Europa para o ultra mar. Daí derivará um novo tipo de colo­
nização - será o único em que os portuguêses não serão os pio­
Eurfpa, em particular ela Inglaterra, as su�s lutas poht_ico: rnngrn n eiros - que tom ará um caráter inteiramente apartado dos obje­
sas, qne desviam para a América as a tern�:ocs _de p op ula ço�s �:: tivos co merciais até en tão dominantes neste gênero de emprêsas.
não se sentem à vontade e vão procurar ah abngo e p az p�r� 5 O que os colonos. desta categoria têm em vista é construir um n ovo
convie ões Isto durará muito tempo; pode-se mesmo a�s1m1 lar o mundo, uma sociedade que lhes ofereça garantias que no con­
fato, J.êntÍco 110 fundo, a um process o que se prolong ar�, mbor tinente de o rigem já não lhes são mais dadas, Seja por motivos
com intensidade variável, até os tempos modernos, o secu.!o P. ª ;- religiosos oq... meramente econômicos (êstes impulso s aliás s e entre­
do Virão par a a An1éric a puritanos e q akers da Inglate �ra , laçam e sobrepõem), a sua subsistência se tornara lá impossível ou
�:u u. enotes da França, mais tarde morávios,u. s�hwenkfeld�rs, ms- muito difícil. Procuram então uma terra ao abrigo das agita ções e
. g _ a1·1s tas e menonitas da Alemanha mend10nal e Smça, Du­
prracmn
, · a to do resíduo transformações da Europa, de que são vítimas, para refazerem
rante mais de dois séculos despejar-se-a, na Amenc nela sua existência ameaçada . O que resultará dêste povoamento,
das lutas político-religio sas da Europa. É certo que se .espa ha , realizado com tal espírito e num meio físico muito aproximado do
por tôdas as colônias; até no Brasil, tão afastado e por isso � ant� da Europa, será naturalmente uma sociedade, que embora co m
mais ignorado' procurarão refugiar-se huguenotes f�anceses . (F ran caracteres própri os, terá semelhança pronunciada à do co ntinente
ça Antártic a no Rio de J aneiro. · ) M as se concentrara . quase mteua- de onde se origina. Será pouco mais que simples prolongamen- ·
. ,
mente nas da zona temperada, de condições n�tur 1s mais f to dê!�
da Europa, e po r isso preferida para quem nao � ?scav� .<;;�!r ª� M'uito diversa é a hist6ria d a área tropical e subtropical da
Améric a" mas Unicamente abrigar-se dos ven_dava1s pohtico que América. Aquf a__ ocupação e o povoamento tomarão outro rumo.
varriam � Eur o pa, e reconstruir um lar desfeito ou ameaça Jo . Em primeiro luga r, as co ndições naturais, tão diferentes do habitat
Há um fator ·econômico que também c o1:_corre na E;1ro pa
• A
f�Jª de origem dos povos colonizadores, repelem o colono que vem como
ês d cão É a transformacao econom1ca so n a simples povoa dor, da categoria daquele que procura a zona tem-
P :;:, i?Jate�rt;:�;"iÔrre�
g do séc. XVI, e que modifica p rofun a­ , perada. Muito se tem exagerado a inadaptabilidade do branco aos
mente o eqm'J'br,·o1 1·nterno do país e a distribuicão
' de sua popu� a- tr6picos, meia verdade apenas que: os fatos têm demonstrado e
ão Esta é deslocada em massa dos campos,, qu� de cu1tiva · do s se redemonstrado falha em um sem-número de casos, O que há
çtrans· formam em pastagens para carneiros cup la 1na abastecer a nela de acertado é uma falta de predisposição, em raças formadas
nascen
' te indústria têxtil inglêsa.
. .
Constitu1-se a1, u ma,.., fonte de em climas ma is frios e por issü" afeiçoadas a êles, em suportarem os
, .
corrent es migratonas que ab and onam O campo e vao encontrar tr6picos e se comportarem similarmente nêles. Mas falta de pre­
na· América q1.1e c o meça a ser conhecida, um largo cent�o d. e af1ue" disposição apenas, e que não é absoluta , corrigindo-se, pelo menos
eia. Também êstes elementos esco lherão de preferencrn,. � .P_�; em gera ções subseqüentes, por um novo processo de adaptação.
m otivos similares, as co1onias , temperadas. Os que se dmg1rao Contudo, se aquela afirma ção posta em tênnos absolutos, é falsa,
mais para o sul, para colônias incluídas na zon� subtrop . al d não deixa de ser verdadeira no caso vertente, isto é, nas circuns­
América do N orle porque nem sempre lhes fm dado :�colhe.: tâncias em que os primeiro s povoadores vieram enco ntrar a Amé­
seu destino c o m c�nhecimento de ca usa, o farão apenas, .n? ma� s rica. São trópicos brutos e indevassados que se apresentam, uma
d as vêzes provisOriamente: o ma10 . r nu, mero dêles ref uira l mais · natureza hostil e amesquinhadora do homem, semeada de obs-
tarde' e �a medida do possível, para as colônias temperadas ... táculos imprevisíveis sem conta para que o colono europeu não
- ' estava preparado e contra que não contava com nenhuma defesa.
.f · São assim circunstâncias especiais, que nao t em reJaça- o d'_:rela
/com ambicões de traficantes ou aventureiros, que omover ª Aliás a dificuldade do estabeleciment o de europeus civilizados nes­
/ ocupação fntensiva e O povoamento em larga_ escala 1â'a zona ��m tas terras americanas entregues ainda ao livre jôgo da natureza, é
,j . comum também à zona temperada. , Respondendo a teorias apres­
sadas. e. mui.to em voga (são as contidas no livro famoso de Turner,
(2) ._, Flansen, The Atlantic Migration 1607-1680, 13.
Marcus Lºe

'\--
, -
The fronµer in American History), um recente escritor norte-ame-
FORMAÇÃO DO BRASIL CONTEMPORÃNEO 23
C .\ 1 0 P F. A D O J CKIOR
22
l,alho físico. Viria como dirigente da pro dugiio de gêneros de
a colo-
- .,
Iicano ana lisa cste f ato , �on , l oT:i.ncle ntcncão, e mostra aque zon a tem-
grande val or comercial, como empresário de um negócio rendoso;
n� s·1 11'1 Amenc a re-c
oT'e,_L ,':J :1--1.l.anc.-lo- se . ., embora num mas só a contragôsto como trabalha dor. Outros trabalhariam pa­
rnz• açao . H
de sele ção d e que
. �· �lc um. proc esso ra êie.
~
peracla, so prn gre · 'd;iu �� c1, 1�tc yan kee , que dot ado
o o c·,1 rac , terís tico
rcsu lto�1 �1m tiJJO . " p10, ne1r
,: , .- de - tlct
-· t Lrcs ' :foi marchando na vangua� <; e d .. Nesta base se realizaria u1na primeira seleção entre os colonos
de apt i dao e lec 111 ccl p,u , .
1s, J-oc, ·1•1-1-"'S ,1 ,, colono.s c1ue aflm
am que se dirigem respectivamente para um e outro setor do novo
· o can 1m l
· •1 10 par1 '•is· C\"1 S 1na � L'-'• , • •
mundo: o temperado e os trópicos. Para .êstes, o europeu só se
abrind .r
0
': numa zon,1, que_ , afora' O fato de _ esta
ela En � ropa_ \'- : . m fm
r�), . .S e� ',1ssí <lo mm o dirige, de livre e espontânea vontad e, quando pode ser um diri­
., o J?�I. s1;as condic., ões nat ura is
indcvassada, se aproxr�na tanttrop1cos : gente, quando dispõe de cabedais e aptidões para isto; quando
europeu, que não sena elos conta com outra gente que trabalhe para êle. Mais uma circuns­
europeu tinh. a de encontrar tância vem reforçar esta tendência e dis criminação� É o caráter
P.ara e.,,, tabelecer-se aí, o co�lono , q 8 0 nnpelem p�ira as que tomará a exploração agrária nos trópicos. E sta se realizara
estímulos diferentes e m�1s . fort s
z onas ternper�c�a s . D e f�t?, . ass::ibé ���) n�:ce� embora e1n circuns­ em larga escala, isto é, em grandes unidades produtoras - fazen­
1
n p a rt i�ula rizarão
o tipo d e das, engenhos, plantações (as plantations das colônias inglêsas) -,?
tâncias cspecia1s que , P?I isso diversidade de condições naturais, que reúnem cada qual um número relativamente avultado de tra
A
colono branco d os trop 1cos . acabamos de ver como um balhadores, Em ontras palavras, para cada proprietário (fazen
em co:11p ar ação com a !ur�!� ielae1i; por ou tro l a do um forte deiro, senhor ou plantador), haveria muitos trabalhadores subordi­
ilho ao pov oamen ' e .
em pec, lo. E- que tais condições p roporcionar-ao aos pm' ses da Eu- nados e sem propriedade"' Voltarei em outro capítulo, com mais
estimu aze m falt a.
ç_ao d ·g'neros que lá f vagar, sôbre as causas que determinaram êste tipo de organização
rapa a possibilidade da obte:i t C�l o euemo-no s n a q u ela Eu rop a da produção tropical. A grande maioria dos colonos estava assim
E gêneros dt; P��\ulf: :�: �Z; tr6pic1s, s 6 indireta e long�q ua- nos tr6picos condenada a uma posição dependente e de baixo nível;
01
antenor ao s,ec.. , . ag1. e o-1a como de fato estava, privada ao trabalho em proveito de outrós e Unicamente para a subsis­
inente acess1ve1s, e 1
� � ,u s e hoje pela sua ban alidade,
m
tência própria de cada dia. Não era para isto, evidentemente, que
quase inteirame1;-t� de pro to qp r�zado s c�mo requintes peq de lux o. . se emigrava da Europa para a América. Assim mesmo, até que se
parecem secundano s, e�am ��� ue e bora s cul tiva sse e m uena \ adotasse universalmente nos trópicos americanos a mão-de-obra
Tome-s e o ��s� do açuc�r, q
e
t cur a;
\ escala na Src1h�, era º �n de raridade e mu i a pro pre­ escrava de outras raças, indígenas do continente ou negros africa­
mo dot e nos importados, muitos colonos europeus tiveram de se sujeitar,
ª�la s 1íe. �hegou a figurar c
o
até nos enx ova1s de
ram Oriente, cons­ emb ora a contragôsto, àquela condição. Ávidos de partir para a
A y t a, ·m ort ada do
cioso e altament� prezado. . · 1pal r� o d[ c omércio da s repúblicas
1 en I
América, ignorando muitas vêzes seu destino certo, ou decididos a
tituiu dnrante seculos o p11nc erviu um sacrifício temporário, muitos partiram para se engajar nas
e _ar�ua rota das 1ndias não s a.
in er.cad ora s italianas, e a gr�nde
a mais que abªstecer dela a
Europ plantações ttopicais como simples trabalhadores. Isto ocorreu ):'ar­
111tnto tempo p ara outra coIS , . . norado antes do desco- ticularmente, em grande escala, nas colônias inglêsas: Virguúa,
por r. sso rg
0 tabaco oriainário da A_menca e conheci do m enor 1m , portância. E Maryland, Carolina. 'I Em troca do transporte, que não poç!iam
brimento,' na~bo teri• a, d-ep ms
não será êste também , mais tarde, trop1ca1s .
· de
i
o ca�o' . d ani do arroz' ,
·1 , do pagar, vendiam seus serviços por um certo lapso de tempo. Outros
partiram como deportados; também menores abandonados ou ven­
algodão e de tant os outros gêneros , . didos pelos pais ou tutores eram levados naquelas condições para
, a me d"d 1 ª d 0 9. ue rep resentariam
os tr op1cos como a América a fim de servirem até a maioridade. É uma escravidão
nos da
Isto
. a. da tao - 1onge dêles . A América temporária que será substituída inteiramente, em meados do séc.
atrativo para a fn· a Europa ' situ nso s, territórios que só . espera-
11ie p on•_a . ª. . sição em tratos hime
, d íspo rou1ª:ª, a
XVII, pela aefinitiva de negro s importados. Mas a maior parte
vam a irncrntiva e o ,esf'o 1ç�
o :t isto que esti daqueles colonos s6 esperava o momento oportuno para sair da
. do mem. ag u do inte-
. M-r as tr azendo êste condição que lhe f6ra imposta; quando não conseguiam estabele­
ocup ação dos trópicos am�ncanos co '1 a dis osicão de pôr-lhe cer-se como plantador e proprietário por conta pr6pria - o que é
rêsse, o colono eur�peu... n ao },r�f1;:t � �:o ' a e�ergÍa do seu tra-
e es a a exceção naturalmente -, emigravam logo que possível parn as
a serviço, neste me10 tao d 1c1 colônias temperadas, onde ao menos tinham um gênero de vida
ry - ve- mais afeiçoado a seus hábitos e maiores oporhmidades de pro-
Imm:igrant in American IIistv
(3) Marcus Leo Hansen, The Exp .
ja-sc o capítulo Immigtation and answn
24 CAIO PRADO JúNIOR FORMAÇAO DO BRASIL CONTEMPORANEO 25

gresso. Situação de instabilidade do trabalho nas plantações do mundo uma organização e uma sociedade à semelhança do seu
sul que durará até a adoção definitiva e geral do escravo africano. modêlo e origem europeus; nos trópicos, pelo contrário, surgirá
O colono europeu ficará então aí na única posição que lhe com- um tipo de sociedade inteiramente original. Não será a simples fei­
/ petia: de dirigente e grande proprietário rural. toria comercial, que já vimos irrealizável na América. Mas con­
Nas demais colônias tropicais, inclusive o Brasil, não se chegou servará no entanto um acentuado caráter mercantil; será a em­
nem a ensaiar o trabalhador branco. Isto porque nem na Espanha, prêsa do colono branco, que reúne à natureza pródiga em recursos
aproveitáveis para a produção de gêneros de grande valor comercial,
nem em Portugal, a que p ertencia a: maioria delas, havia, como na
Inglaterra braços disponíveis, e dispostos a emigrar a qualquer o trabalho recrutado entre raças inferiores que domina: indígenas
preço. Em Portug al, a população era tão insuficiente que a maior ou negros africanos importados. _, Há um ajustamento entre os
parte do seu território se achava ainda, em meados do séc. XVI, tradicionais objetivos mercantis que assinalam o início da expansão
inculto e abandonado; faltavam braços por tôda parte, e empre­ ultramarina da Europa, e que são conservados, e as novas condi­
gava-se em escala crescente mão-de-obra escrava, primeiro dos ções em que se realizará a emprêsa. Aquêles objetivos, que ve­
mouros, tanto dos que tinham sobrado da antiga dominação árabe, mos passar para o segundo plano nas colônias temperadas, se man­
êõmõaos aprisionaaos nas guerras que Portugal levou desde prin­ terão aqui, e marcarão profundamente a feição das colônias do nosso
cípios do séc. XV para seus domínios do norte da Africa; como tipo, ditando-lhes o destino. No seu conjunto, e vista no plano mun­
depois, de negros africanos, que começam a afluir pa ra o reino dial e internacional, a colonização dos trópicos toma o aspecto de
desde meados daquele século. Lá por volta de 1550, cêrca de uma vasta emprêsa comercial, mais complexa que a antiga feitoria,
10% da população de Lisboa era constituída de escravos negros mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar
(4). Nada havia portanto que provocasse no reino um êxodo da os recursos naturais de um território virgem em proveito do co­
população; e é sabido como as expedições do Oriente depaupera­ mércio europeu. E êste o verdadeiro sentido da colonização tro­
ram o país, datando de @tão, e atribuível em grande parte a esta pical, de que o Brasil é uma das resultantes; e êle explicará os ele­
causa, a_ precoce decadência lusitana. mentos funda1nentais, tanto no econômico como no social, da for­
mação e evolução_ históricas dos trópicos americanos.
Além disto, portuguêses e espanhóis, particularmente êstes últi­
mos, encontraram nas suas colônias, indígenas que se puderam k É certo que a colonização da maior parte, pelo menos, dêstes
aproveitar como trabalha dores. Finalmente, os portuguêses tinham territórios tropicais, inclusive o Brasil, lançada e prosseguida em
sido os precursores, nisto também, desta feição particular do mund_o tal base, acabou realizando alguma coisa mais que um simples
moderno: a escravidão de negros africanos; e dominavam os terri­ ''contacto fortuito" dos europeus com o meio, na feliz expressão de
tórios que os forneciam. Adotaram-na por isso em, sua colônia Gilberto Freyre, a que a destinava o objetivo inicial dela; e que
quase que de início - posslvelmente de início· mesmo -, prece­ em outros lugares semelhantes a colonização européia não conse­
dendo . os inglêses, sempre imitadores retardatários, de quase um guiu ultrapassar: assim na generalidade das colôni as tropicais da
século (5fi' África, da Ásia e da Oceânia; nas Güianas e aliumas Antilhas,
aqui na Amé,i:i_Sl!,., Entre nós foi-se além no senti o ae constituir
Como se vê, as colônias tropicais tomaram um n1mo inteira-:­ nos trópicos uma "sociedàde com característicàs nacionais e quali­
mente diverso do de snas irmãs da zona temperada.\ Enquant(o dades de permanência" (6), e não se ficou apenas nesta simples
nestas .se constituirão colônias pràpriamente de povoamento o emprêsa de colonos brancos distantes e sobranceiros.
nome ficou consagrado depois do trabalho clássico de) Leroy-Beau­
lieu, De la colonisation chez les peuples modemes , escoadouro Mas um tal caráter mais estável, permanente, orgânico, de
· para excessos demográficos da Europa que reconstituem no novo a
� sociedade própria e definida, só se revelará aos poucos, do­
mmado e abafado que é pelo que o preaede, e que continuará man­
(4) História da Colonização Portugu&sa do Brasil, Introdução, vol. III,
tendo a prjmazia e ditando os tra ços essenciais da nossa evolução
pág. XI. colonial. ;se vamos à essência da nossa formação, veremos que na
(5) Não se sabe ao certo q_uando chegaram- os primeir?s_. r..egros ao realidade nos constituímos para fornecer açúcar, · tabaco, alguns
Brasil• há g"randes probabilidades de terem· vindo já na exped1çao de Mar­ outros · gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois > algodão, _ e
tim Áfonso de Sousa em 1531. Na América do Norte, a primeira leva
de escravos africanos foi introduzida por traficantes holandeses em Jarnes­
town ( Virgín_ia) em 1619, (6) Gilberto Freyre, Casa Grande & Senzala, 16.
f,
i
26 CAIO PRADO JúNIOR

em seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isto.


É com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e
sem ate;oção a considerações que não fôssem o interêsse daquele
colnércio, que se organizarão ã socied.-.lde e a economia brasi leiras.
Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura bem como as ativi­
dades do país. Virá o branco europeu para especular, realizar um
negócio; inverterá seus -cabedais e recrutará a mão-de-obra que
precisa: indígenas ou negros importados. Com tais elementos,
articulados numa organização puramente produtora, industrirn1, se
constituirá a colônia brasileira. Êste início, cujo caráter se man­
terá dominante através dos três séculos que vão até o momento
em que ora abordamos a história brasileira, se gravará profunda e
totalmente nas feições e na vida do país. Haverá resultantes se­
cundárias que tendem para algo de mais elevado; mas elas ainda
mal se fazem notar. O "sentido" da evolução brasileira que é o
que estamos aqui indagando, ainda se afirma por aquêle caráter
inicial da colonização. Tê-lo em vista é compreender o essencial
dêste quadro que se apresenta em princípios do século passado, e
que passo agora a analisar.
POVOAMENTO
- -.. :�-�"'�.�
.
1-;;;�é,:;e��::���-:\'.:·-:.�::.���,�;;....��-: -- .�,� ·

ti

POVOA:tvJ:ENTO
1
1
·1-
As ESTATÍSTICAS demográficas que possuímos da colônia são extre-
mamente escassas. Não havia coleta regular e sistemática de
dados, e faziam-se levantamentos apenas para dois fins específicos
e restritos: um eclesiástjco, outro ;11ilit�r. Os párocos organizavam
listas paroquiais' que se destinavam a recensear os fiéis slljeitos à
desobriga pascal, e que serviam também para a divisão e formação
das paróquias. A outra fonte de dados que possuímos é dos cole­
tados para fins do recrutamento militar. Ambos processos têm, para
:n:osso objetivo, um grave defeito; a ·sua finalidade é restrita, e in­
teressam-se por isso apenas por determinadas categorias da popu'
lação. O primeiro, só às pessoas sujeitas ao preceito pascal, isto é,
aos maiores de sete anos. O outro, aos homens capazes de pegar
em armas. Nos dois casos também, a sonegação tem fortes estímu­
los, e por isso os levantamentos são eivados de grandes falhas. Quan­
to às listas paroquiais, a relutância dos fiéis diante de uma
obrigação onerosa - pagava-se então a c'desobriga" -, bem como
o interêsse dos párocos, temerosos do desmembramento de suas
paróquias e procurando por isso dissimular às autoridades .supe­
riores o' número exato de fiéis. No caso das listas para o recruta­
mento, a relutância em se. apresentar é óbvia.
Acresce a tudo isto o geral desleixo e relaxamento da admi­
nistração pública, tanto civil quanto eclesiástica. Parece que só
muito tarde, já pelos últimos anos do séc.. XVIII, a metrópole co­
·gitou da organização de estatísticas gerais· e sistemáticas.
tal objetivo, segundo as aparências, as instruções dadas em 1797
ao governador da Paraíba, Fernando Delgado de Castilho, cujo
texto possuímos, e que teriam sido o padrão de uma- circular sôbre o
1 assunto, enviada na mesma ocasião a todos os governadores da co­
1 lônia (1). Solicita aí o govêrno central dados estatísticos de na­
tureza vária e que deveriam ser coligidos anuahnente: movimento
demográfico (nascimentos, casamentos,. óbjtos), ocupações, comér­
cio,._ preços. Tal recenseamento completo se realizou pelo nténos
uma vez; não conhecemos seus resultados, que possivelmente dor-

(1) Documentos Oficiais, Vários assuntos, 456.


30 CAIO PRADO JúNIOR
FORMAÇÃO DO BRASIL CONTEMPORÃNEO
31
mem ainda O sono dos arquivos em Portugal, mas temos ��tíci�s parte há de ficar com que atualmente possui", reza
dêle através do Cons. Veloso de Oliveira, que na sua memona so­ do acôrdo fixando a forma com que se faria a dema o preâmbulo
bre a Igreja do Brasil, que é de 1819, se_ refere a um :.�,ce�searncnto se procedeu, e a linha que envolve o território brasil rcação. Assim
� ,. 1797 /8 que é co1n tôda a probabilidade, consequenc1a daque­ te princípio do uti possidetis, como se dirá, perm eiro, saída dês­
���" instrucõcs acima referidas. Pela mesma _citação_ cl? Veloso de mente a mesma até nossos dias. aneceu pràtica­
Oliveira, infere-se que o cálculo ela populaçao brastlcn,�a ultrap as:
sou ent•ao " ele rnu 1·to" , 3 · 000 ·000 · Na data em que ele escreve, Isto já nos mostra, a priori, que de fato a colonizaçã
orçava-a em cêrca de 4.400.000, incluindo os 111cl10s , . nao_ - e1omes- sa ocupara tôda esta área imensa que co nstituiria o nossoo portuguê­
ticados que se avaliavam, sem grande base, em 800.000. nos pertenceria, aliás, se assim não fôsse. Porque só país. Não
ocupação militava em nosso favor. O direito deriv o fato dá..
ava ainda do
S-ao e·'>stes , em suma' os dados mais . ' . seguros que possuímos
, l � passado
famoso tratado das Tordesilhas, velho de dois sécul
os e mei
sôbre O conjunto da colônia em pnnc1p10s do secu _ - ocasião do de Madri, e que outorgara ao soberano o por
Excluamos os ín dios bárbaros - que por enqua��o na? n?s,, m­ sucessores uma nesga apenas daquilo que ocupamos português e seus
e
teressam, porque êles ainda não fazem ?arte da colomzaçao , e hoje. Obra considerável, não há dúvida, daquele punh possuímos­
só re resentam alguma coisa neste sentido, _ co mo reserva _futura voadores capazes de ocupar e defender efetivamente, ado de po
que va1 P · sendo por ela absorvida em co ntmgentes sucessivo s, e ram· muitas vêzes antes e depois de 1750, e co ntra preten como o fize­
Contribuindo assim para o crescimento da popu1- _açao efºe!iva da ridas e exigentes de forte rivais, um território de oito sões aguer­
colônia _ façamos esta exclusão e podemos avaliar em ce�ca de e meio mi­
lhões de quilômetros quadrados. Obra considerável
3.000.000 'de habitantes a população brasileira no dobrar do da grandeza futura do Brasil; mas ao mesmo tempo, e fat or básico
século XVIII. do que pesará sôbre a colônia e depois sôbre a ônus tremen­
nação , provocando
" A sua distribuição pelo te,:ritório da colônia é, como logo como provocou esta qjsseminação pasmos� e sem paralelo
que apar-
se vê, grandemente irregular. Núcleos apenas, al&uns bastante _ta e isola os indivíduos, -cinde o povoamcwto em
d_e contacto e comunicabões _d.ifíceis .muitas vêzes até núcle os esparsos __
densos mas separados uns dos outros por largos vacuos de po­ 7 impossíveis.
voame�to ralo, se não inexistente. O seu asp�ct� gera},. gu�rda­ Vários fatôres determinaram esta dispersão do
das naturalmente as devidas proporções quantitativas, e mais ou O primeiro é a extensão da costa que coube a Portugpovo amento.
al na parti­
menos O mesmo de hoje. Há uma flag�an!e . semelh�nça entr lha de To rdesilhas, o que obrigou, para uma ocupação
a distribuição do povoamento naquele prmc1p10 do sec. XIX : e defes
cientes, encetar a colonização simultâneamente em vários a efi­
a de nossos dias. Salvo O adensamento poster10r, a estrutura dela. Foi tal o objetivo da divisão. qo território em capita pontos
geral do povoamento continua mais ou menos a mesma; exce­ nias, o
que ele fato, apesar elo fracasso do sistema, permitiu
garanti r à
. ---·-··~
tua-se apenas a remodelação que sofreu o Sul e o Centro-Sul do Coroa _portugrresa·eqIDsre.ef.e.tiya ,lo_.long_oJil:oral.
aís bem corno esta região dos altos afluentes do Amazonas, que
ho•; forma O Território do Acre, e que não fazia ain,da parte Concorreràm em seguida, pa ra a expansão interior, dois
do] Brasil nem se achava ocupada. Afora isto, pouca e a d1fe­ res essenciais: o bandeirismo preador de índios e prospectorfutô".:-,. de
"',.,,,.,..._
-----...,.__
renca. Já então a população br�sileira se . ,espalh�va ,Pºr to do metais e pedras preciosa,s, que abriu caminho, expl�rou a terra
repeliu as v anguardas da colonização espanhola concorrente 'e '·,
território que hoje constituí o pais. Isto ahas me10 seculo , an­ ; mais
t 1750 já era o caso, e quando se redigiu o tratado lusa­ tarde, a exploração das minas, descobertas sucessivamente
a partir
-�:�t!lliano daquele ano (tratãclà de Madri) _(2), em_ 91;e. se deh­ dos últimos anos do · séc. XVII, e que fixou núcleos estáve
is e defi-
nearam efetivamente pela primeira vez, as lmh_as , �IVIS�nas entr: nitivos no coração do Continente (Minas Gerais, Goiás, Mato
possessões portuguêsas e espanholas ne�te hem_1sfe_r10, lmhas � so.) No Extremo-Norte, ná bacia amazônica, intervém oub·o Gros-
fator,
seriam grosseiramente as mesmas de hoJe, o cnteno q1:e d�!-1 a­ de caráter local: são as missões católicas catequizador
quelas fronteiras tão . atuais não foi senão o da ocupaçao. Cadª
a s do gen-
tio, sobretudo os padres da Companhia de Jesus;
seguidas de perto
p�la colon3zaçfo leig�, provocada e anirnàda
tropole, tao ativa neste seto r, e sustentad pela política da rne-
(2) Sôbre êste trata do, vejam-se os voIs. 52 e 53 dos· ·:Anais da .Bi- a pela exploração dos
blioteca Nacional, onde se encontram os documento� que lhe dizem res­ produtos _naturais da floresta amazônica_ : o
peito, precedidos de uma introdução de Rodolfo Garcia. outros. cacau, a salsapa rrilha e
32 CAIO PRADO JúNIOR FORMAÇÃO DO BRASIL CONTEMPORÂNEO 33

Um rnitro Fator, também local, atua no sertão do Nordeste, nes­ sua maior .parte, de seus legítimos senhores, os espanhóis. Caberia
ta hinterlúmlia dos maiores centros agrícolas do litoral da colônia, aos conquistadores e ocupantes efetivos dêle, os porlucruêses
0 e seus
Bahia e Pernambuco, consumidores de carne que viria dos rebanhos sucessores brasileiros, tão avantajados pela geografia.
que avançam por aquêle sertão e o vão ocllpando. Fixou-se assim e como vimos desde meados do séc. XVIII
Todos êstes fatôres são condicionados, cm grande parte, por o territóiio que constituiria o Brasil. Analisemos pois a estrutur�
outro negativo, que é a inércia castelhana. Fixaram-se os espa­ que dentro daqueles limites, em princípios do século passado, terá
nhóis, sobretudo, nos altiplanos andino:), onde a presença <los me­ o povoamento nêle instalado pela colonização portuguêsa, no m6-
tais preciosos, mola mestra da sua colonização, bem como de popu­ me_n�o em que �s disputas territoriais já se tinham transferido de­
lações indígenas densas, sedentárias e aptas para o fornecimento de fimtiva e exclusivamente para as zonas fronteiriças. Cêrca de 60%
mão-de-obra abundante e fácil - circunsttmcias estas que não ocor­ da população coloniai ou sejam quase 2.000.000 de habitantes
reram no litoral do Atlântico, ocupaclo pelos portuguêsc_s - escusa­ concentram-se numa faixa litorânea que não ultrapassa para O in�
ram aventuras exploradoras e internação pelo cora�,ão do continen­ terior, nos seus pontos de maior largura, algumas dezenas de quilô­
te. Os obstáculos físicos também não são de desprezar: o inte­ metros. Sobra para todo o resto do território noventa ou mais
rior do continente sul-americano abre-se para o Atlântico; não para por c ento da área, menos da metade do total. ' :E:ste desequilíbrio
o Pacífico, de que o separam o grande acidente dos Andes e a entre o litoral � o !nterior exprime muito bem o caráter predomi­
,
densa floresta intransponível que reveste as fraldas orientais da n �nte, d � colomzaçao: agn�ola - donde . a preferência pelas fér­
cordilheira (3). A colonização portuguêsa não encontrou por isso teis, um1das e quentes -baixadas da mannha; e comercialmente
pela frente, de castelhano, senão os inermes jesuítas e .suas redu­ volta�a para ,° int�r(º:' onde estão os me�cados para seus produtos.
ções indígenas. Os padres, que procuravam outra coisa que rique­ Lo�ahza�o �1 de inic10, o povoam�nto so começa a penetrar o in­
zas minerais, tinham-se adiantado a seus compatriotas espanhóis; t�r'.or propn�mente, no s�gundo seculo. O nosso cronista de prin­
deixando aos colonos as minas do planalto andino e sua densa po­ cip10s dos seiscentos, Frei Vicente do Salvador, acusa então ainda
pulação indígena, a matéria-prima e o trabalho que aquêles que­ os colonos de se contentarem em '�andar arranhando as terras ao
riam, foram-se estabelecer lá onde não chegava a cobiça do con­ li� longo do :"ªr con:10 caranguejos." (4.) Mesmo no segundo século,
quistador e onde esperavam não ser perturbados na sua conquista a pen traçao é tímida. Excluo as bandeiras, está visto, que andara� ·
espiritual, prelúdio do domínio temporal que aspiravam; e vão-se l!.' I p or to�da P rte, mas que expl ram apenas e não fixam povoadores .
/. . .'.' _ _ ? "'/
fixar na vertente oriental e baixada subjacente dos Andes. Daí l De ocupaçao efetiva do mtenor, à parte o caso excepcional de S.
esta linha ininterrupta de missões jesuíticas espanholas, estabeleci­ Paulo, plantado de início no planalto e arredado da costa encon­
das no correr dos sécs. XVI e XVII, e que se traça de Sul a Norte, t'.:amos ape�as a marcha progressiva das fazendas de gado' no ser-
do Prata ao Amazonas, pelo interior do continente: missões do tao nordestino e a lenta e escassa penetração da bacia amazônica.
Uruguai, do Paraguai; a efêmera Guaíra; dos Chiquitos e dos Mo­ A , dispersão pelo interior, intensa e rápida, é da primeira metade do
xos, na Bolívia; missões do Pe. Samuel Fritz no Alto-Amazonas. sec. XVIII, quando o ouro, descoberto sucessivamente em Minas
Não contavam os jesuítas com êste outro adversário que lhes G�rais (último. decênio do séc. XVII), Cuiabá, em 1719, e Goiás
viria pelo oriente: os portuguêses. E fracamente apoiados pelo seis anos depms, desencadeia o movimento. Afluem então para o
seu Rei, abandonados às suas próprias fôrças no mais das vêzes, coração do Continente levas sóbre l evas de povoadores. Alguns são
achando mesmo no soberano de sua pátria terrena um adversário colonos
_ novos q:1-e vêm -�iretame�te da Europa.� 0Utr9s , os escravos
que faz causa comum com seus inimigos - como se deu na exe­ b·az,1dos da Afnca. Mmtos porem acorrem dos estabelecimentos
cução do tratado de 1750, em que as fôrças castelhanas se unem às agncolas do ht�ral, que sofrem co�sideràvelmente desta sangria de
,
portuguêsas para arrancar-lhes os Sete Povos do Uruguai -, os ge_ nt � e cabedais. . 1': est� um penado sombrio para a agricultura
missionários são repelidos e fracassa o seu plano grandioso. Não Htoranea, que assiste entao ao encerramento do seu piimeiro ciclo
seria dêles o interior do continente sul-americano, como quiseram de prosperidad e, tão brilhante até aquela data. Terras abando­
num belo sonho que durou dois séculos; mas não seria também, na n�das, engen1: os em ruína; a vida cessara aí quase, para renascer,
vigorosa e pupnte, no eldorado das minas.

( 3) Paradoxalmente, é vindo de ocidente para oriente que se realizaria


a primeira incursflo pelo Amazonas: é a expedição de Orellana de 1541. (4) Hist6ria ifu Brasil, 19.
32 C,\1O PRADO JÚNIOR FORMAÇÃO DO BRASIL CONTEMPORÂNEO 33

Um outro L:üor, também local, atua no sertão do Nordeste, nes­ sua maior .parte, de seus legítimos senhores, os espanhóis. Caberia
la hintcrl<l. ml ia dos maíorcs centros agrícolas do lítoral da colônia, aos conquistadores e ocupantes efetivos dêle, os portuauêses 0 e seus
Bahia e Pernambuco, consumidores de carne que viria dos rebanhos sucessores brasileiros, tão avantajados pela geografia.
que avançam por aquêle sertüo e o vão ocupando. Fixou-se assim e como vimos desde meado s do séc. XVIII
Todo.s Gstes fatôres são comliciona<los, cm grande parte, por o território que constituiria o Brasil. Analisemos pois a estrutur�
outro negativo, que é a inércia castelhana. Fíxaram-se os espa­ que dentro daqueles limites, em princípios do século passado, terá
llhóis, sobretudo, nos altiplanos andinos, onde a presença dos me­ o povoamento nêle instalado pela colonização portuguêsa, no m6-
tais preciosos, mola mestra da sua colonização, bem como de popu­
lações indígenas densas, sedentárias e aptas para o fornecimento de
1:1en_ �o em que �s disputas territoriais já se tinham transferido de­
Ílmtiva e exclusivamente para as zonas fronteiriças. Cêrca de 60%
mão-de-obra abundante e fácil - circunsttmcias estas que não ocor­ da população colonial, ou sejam quase 2.000.000 de habitantes
reram no litoral do Atlântico, ocupado pt:los portuguêscs - escusa­ co�centram-se numa faixa litorânea que não ultrapassa para O in�
ram aventuras exploradoras e internação pelo cora�•ão do continen­ tenor, nos seus pontos de maior largura, al gu mas dezenas de quilô­
te. Os obstáculos físicos também não são de desprezar: o inte­ metros. Sobra para todo o resto do território noventa ou mais
rior do continente sul-americano abre-se para o Atlântico; não para por cento da área, menos da metade do total. ' :E:ste desequilíbrio
o Pacífico, de que o separam o grande acidente dos Andes e a entre o litoral � o !nterior exprime muito bem o caráter predomi­
densa floresta intransponível que reveste as fraldas orientais da ,
n �nte, d � colomzaçao: agn�ola - donde . a preferência pelas fér­
cordilheira (3). A colonização portuguêsa não encontrou por isso teis, umidas e quentes baixadas da mannha; e comercialmente
pela frente, de castelhano, senão os inermes jesuítas e suas redu­ volta�a para ,° int':'r (º:' onde estão os me�cados para seus produtos.
ções indígenas. Os padres, que procuravam outra coisa que riqu_e­ Lo�ahza�o �i de inic10, o povoam�nto so começa a penetrar o in­
zas minerais, tinham-se adiantado a seus compatriotas espanhóis; t':'�or propn�mente, no s':'gundo seculo. O nosso cronista de prin­
deixando aos colonos as minas do planalto andino e sua densa po­ cip10s dos seiscentos, Frei Vicente do Salvador, acusa então ainda
pulação indígena, a matéria-prima e o trabalho que aquêles que­ os colonos d e se contentarem em "andar arranhando as terras ao
riam, foram-se estabelecer lá onde não chegava a cobiça do con­ li� l ongo do :;1ar con:10 caranguejos." (4.) Mesmo no segundo século,
quistador e onde esperavam não ser perturbados na sua conquista
espiritual, prelúdio do domínio temporal que aspiravam; e vão-se j, pen�traçao é tímida. Excl uo as bandeiras, está visto, que andara�
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fixar na vertente oriental e baixada subjacente dos Andes. Daí
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do mtenor, à parte o caso excepcional de S.
esta linha ininterrupta de missões jesuíticas espanholas, estabeleci­ Paulo, plantado de início no planalto e arredado da costa encon­
das no correr dos sécs. XVI e XVII, e que se traça de Sul a Norte, t:amos ape�as a marcha progressiva das fazendas de gado' no ser-
do Prata ao Amazonas, pelo interior do continente: missões do tao nordestino e a lenta e escassa penetração da bacia amazônica.
Uruguai, do Paraguai; a efêmera Guaíra; do s Chiquitos e dos Mo­ A dispersão pelo interior, intensa e rápida, é da primeira metade do
xos, na Bolívia; missões do Pe. Samuel Fritz no A,.lto-Amazonas. ,
sec. XVIII, quando o ouro, descoberto sucessivamente em Minas
Não contavam os jesuítas com êste outro adversário que lhes G�rais (último . decênio do séc. XVII), Cuiabá, em 1719, e Goiás
viria pelo oriente: os portuguêses. E fracamente apoiados pelo seis anos depms, desencadeia o movimento. Afluem então para o
seu Rei, abandonados às suas próprias fôrças no mais das vêzes, coração do Continente levas silbr e levas de povoadores. Alguns são
achando mesmo no soberano de sua pátria terrena um adversário colonos _ novos q�e vêm d_iretamente da Europa.� ◊-útros, os escravos
que faz causa comum com seus inimigos - como se deu na exe­ traz,idos da Afnca. Mmtos porém acorrem dos estabelecimentos
cução do tratado de 1750, em que as fôrças castelhanas se unem às agncolas do ht�ral, que sofrem co?siaeràvelmente desta sangria de
,
portuguêsas para arrancar-lhes os Sete Povos do Uruguai -, C?S f;ent� e cabedaIS. . É est� um penado sombrio para a agricultura
missionários são repelidos e fracassa o seu pla�o grandioso. Não 1toranea, que assiste entao ao encerramento do seu primeiro ciclo
seria dêles o interior do continente sul-americano, como quiseram de prosperidade, tão brilhante até aquela data. Terras abando-
num belo sonho que durou dois séculos; mas não seria também, na n�das, engenh_os em ruína; a vida cessara aí quase, para renascer�
vigorosa e pupnte, no eldorado das minas.

( 3) Parndoxa1mente, é vindo de ocidente para oriente que se realizaria


a primeira incursflo pelo Amazonas: é a expeaição de Orellana de 1541. (4) Hist6ria do Brasil, 19.
CAIO PRADO JúNIOR FORMAÇÃO DO BRASIL CONTEMPORÃNEO 35
:rdas a febre seria de curta duração. Já em meados elo século, nos, que abrem suas águas neste setor da costa, conservam as
ns minas começam a dar sinais de cansaço; a decadência franca é barras desimpedidas e garantem um fácil acesso elo interior.
do terceiro quartel do século. Cessa então a corrente ele povoa­
mento para o _interior; e até, em muitos casos, ela se inverte. Re­ A estas circunstâncias favoráveis, quis a natureza acrescer um
nasce o litoral e a agricultura recupera a primazia. t <;_rrit?rio litorii.neo avantajado - solo fértil, relêvo propício, abun­
danc,a de matas fornecedoras de combustível e bom material de
Êsse escasso meio século de interregno da mineração, apesar construção. Apresenta-se por isso êste setor como um dos pontos
da violência com que irrompe no cenáiio econômico e demográfico ideais, no difícil litoral brasileiro, para a vida humana. Tomou-se
da colônia, revolucionando sua estrutura e o caráter da sua evo­ t�mbém J?ºr isso um dos de ;11ais elevada concentração demográ­
lução, não bastou contudo para fazer pender a balança em pro­ fica. Cmsa qu� se perpetuara, e que ainda boje é o caso. Segu­
veito definitivo do interior. Como vi:n;los, em fins do século, quan­ ramente um qumto ela população da marinha colonial, neste co­
do já cessara ele longa data o deslocamento para êle, o litoral mêço do séc. XIX que nos ocupa, estava aí fixada. Sejam cêrca de
ainda o ultrapassa sensivelmente em número de habitantes. Na 300.000 habitantes.
sua expressão econômica, seria a mesma coisa. Segne-se para o sul o Recôncavo Baiano: Uma larga baía, um
Aquela faixa de povoamento costeiro, cuja origem e evolução verdadeiro mediterrâneo de águas encravadas na terra e com mais
acabo de sumariar, se distribui com muita irregularidade. Nada de mil quilômetros quadrados de superfície. Vários rios abrem
tem de contínua, e sobram nela tratos largos inteiramente desertos, nel_a, seus estuári�s largos e profundos , navegáveis por dezenas ele
alguns em que nem o tri\nsito por terra é praticado. Os fatôres qmlometros e articulando uma zona extensa de terras férteis. Não
naturais que construíram a costa brasileira intervêm aí claramente. era_ p:eciso ma�s para se tornar êste ponto, desde o início da colo­
Em conjunto, nosso litoral se apresenta pouc? favorável ao �st�be­ n12açao, o mais densamente povoado e o ma.is rico da colônia.
lecimento do homem; desenvolve-se numa lmha regular e lllllfor­ V�en�1 professor_ régio e observador contemporâneo meticuloso
me, quase sem sinuosidades ou endentações. Os abrigos, 1nesmo e mteligente da cidade e comarca que habitava atribui ao Recôn­
para pequenas embarcações, são escassos; além disto, a oria ma­ cavo mais de 100.000 habitantes. Duzentos e' sessenta engenhos
rítima é bordada, em regra, quando não por terrenos alagadiços - de açúcar nêle trabalhavam (6).
os mangueirais, invadidos pela água salgada na preamar e pelo des­
pejo dos rios na vazante, - por grandes depósitos arenosos que A êst_ �s dois núcleos dem�gráficos de primeira ordem do lito­
obstruem as brechas abertas para o interior das terras: a barra dos ral brasile1ro, acrescenta-se mais um de ignal categoria: O Rio de
rios ou as lagunas. Os raros pontos favoráveis foram por isso àvi­ Janeiro. Da foz do rio Itabapoana para o sul, estende-se uma
damente aproveitados, e nêles se condensou a população. O mais baixad� espr�midà entre a serra e o mar, baixada que se vai estreie
interessante dêstes pontos, pela extensão que abrange e curioso tandó a. medi,cJa que avançamos para o sul até o limite da capitania,
fenômeno natural que o avantaja, é tôda aquela extremidade Nor­ e que amda e o atual do ·Estado, onde desaparece e a serra abrupta
deste do país que se alonga do cabo Calcanhar (Rio Grande do limítrofe mergnlha cliretame'{te no mar. Neste arco de círculo ir­
Norte) até a altura de Maceió (5). Acompanhando a costa, para­ regular que inclui terras. pla11as - interrompidas apenas por peque­
lela e muito próxima, alinha-se uma cadeia de recifes, que na prea- nos con'.'afortes e cabeços isolados, e que forma o que se denomi­
1nar se nivelam com as águas, e na maré baixa se levantam como nou Baixada Fluminense, concentrou-se desde muito cedo, mea­
muralhas cuja espessura vai de uns poucos metros até mais de cem. dos do �éc. XVI, um dos pr!ncipais contingentes demográficos
Atrás dêste quebramar, dom gracioso da natureza, abate-se a fú­ da colôma. Em 1789 era avahaclo em 168.709 pessoas, incluindo
ria das ondas e se atenua o arrasto de areias, que para o norte a cidade, capital nominal da colônia, o Rio de Janeiro (51.011
e sul dêle é o grande responsável pela falta de abrigos utilizáveis. A habs.) (7). Em princípios do século passado seria superior a.....
navegação costeira encontra aí um mar sereno, enseadas calmas e 200.000. De engenhos de açúcar, principal riqueza, havia em 1799,
ancoradouros seguros. O grande número de rios, embora peque- segundo um Almanaque daquele ano, 616; e 253 de aguardente.

(5) Para a descrição da costa brasileira, veja-se Alfredo Lisboa, VWS (6) Recopilação, 48.
de Comunicação - Portos do Brasil no Dicionário Histórico Geográfico e (7) Memórias do Rio de Janeiro para uso do Vice-Rei Luís de Vas­
Etnográfico do Brasil. concelos� com censo p�r categorias e freguesias da ca itania.
p
CAIO PRADO JúNIOR FORMAÇÃO DO BRASIL CONTEMPORÃNEO
36 37

Podemos dividir êstc trecho litorâneo em duas regiões naturais. jam portos naturais on simples abrigos, brechas que abrem acesso
A primeira compreende o percurso extremamente endentado que 1;1a�s ou menos fácil para al_é1;1 da orla praiana ou· quaisquer outros
inclui a baía de Guanabara e o mediterrâneo c_1ue se estende 1?ara uters ao homem e suas atividades, todos êles infelizmente escas­
oeste, entre a terra firme de u1n lado, a restinga de �Iaramba1a, e sos em ,:elação ao l�ngo percurso daquela linha, tornam-se p6los
a i1ha Gramle do outro. Nesta regifw, já sem falar na nnensa baia. de atraçao para a vida humana. Cada qnal dará origem a um
com seu conthrno de 131 km onde, coiri.o no Hccôncavo Bai:.rnu, pequeno ou minúsculo núcleo, compartimentado por áreas desertas
embora em menor número, se abrem os estuários de alguns rios que se es�endem par� todos os lados olhando exclusivamente para
o m ar e isolado mterramente, por via :
navegáveis, multiplicam-se os portos : abrigos be11í. prolegid �s P.��­ terrestre, dos seus vizinhos
las terras fronteiras da restinga e da ilha Grande (Augra dos ReJ.), mais :prox1mos. Numa simples carta física, um observador atento
Parati, Mangaratiba ... ) podena rep:o�uzir com rigorosa fidelidade os pontos habitados do
litoral brasileiro. Os trabalhos humanos nada tinham realizado
A outra reO'ião
b
é a elos Camr10s dos Coita.cases. Embora afos- ainda para suprir o que a n atureza negava : condições naturais fa­
taclos do mar cêrca de 30 km, e clêlc apartados por uma zona lic voráveis. Onde elas falt am, onde tudo não é pôsto à disposicão
lagunas e terras baixas e alagadiças, �ão_ só inaproveitáveis mas, dêle, o homem está ausente. "
ainda de difícil trânsito sem obras prehmrnares de certo vulto, os
Campos oferecem tais condições favoráveis - relêvo unido, solo Acompanhemos êste litoral, qnase sempre ingrato, de norte a
fértil, vege tação natural que não obstrtíi a passagem_ ou dificulta sul, saltando apenas aquêles trechos que já analisamos acima. Um
a ocupação -, que desde o séc. XVII começam � s�r 1ntens��ente primeiro percurso vai do extremo setentrional da colônia, o rio Oia­
aproveitadas, primeiro pela pecuária, que constitui sua ativrd�d� p_oque, ao Araguari; é a �am?sa região do Amapá, disputada ao Bra­
econômica pion eira, servindo de abastecedouro do_ mercado pro:;1-­ sil durante séculos por mgleses, holandeses e finalmente franceses,
mo do Rio de Janeiro; depois pela agricultura, vindo a cana t�o e q_u� . s6 se incorporou definitiva e indisputadamente no nosso
bem no seu 'Darro fino, branco ou loiro" (8), como nos massap.es temtono em 1899 (12). Formada no sen litoral de terras baixas
baianos ou pernambucanos. Na segunda metade do séc. XVIII e alagadiças
_ onde a navegação costeira é mnito difícil pela falta
seu progresso é acelerado: 55 engenhos em 1769; 168, dez anos de­ de abngos, e :' penetração interior quase impossível, o Amapá
.
pois; 278 em 1783 (9) e finalmente, 328, compreendidos 4 de se conserva praticame nte despovoado. Algumas missões francisca­
aguardente em 1799 (10.) Os ?bstáculos que os arredam d? mar nas, maior número de jesuíticas, tinham estendido para aí a sua
não são para os Campos dos Gmtacases de grande monta; o no Pa­ catequese dos indígenas no séc. XVII. Seus resultados foram mí­
raíba francamente navegável por pequenas embarcações nos 42 km nimos, se não nulos. Restariam delas, em fins do séc. XVIII, al­
que separam do mar seu centro principal, a vi�a. de S. Salvador, gumas miseráveis e vegetativas aldeias de índios semicivilizados
hoje cidade de Campos, põe-no: em contacto ,facil com o . mund� e degenerados.
exterior; cêrca de 50 embarcaçoes andavam ai a carga, tian�p�r­ Logo ao sul dêste trecho in6spito, abre-se o imenso delta do
tando para o Rio, de, onde se reexportav�m para �ora da colonia, Amazonas. Aí o povoamento encontrou fácil acesso, não só Jocal,
as 8.000 caixas de açucar da sua produçao exportavel (11). mas para o coração do Continente, mercê desta admirável rêde hi­
A par dêstes três grandes núcleos de povoamento - Rio de drográfica de comunicações que oferecem o grande rio e seus tri­
Janeiro, Bahia e Pernam.buco, - d1ssemmam-se ao longo do htoral butários. O qne de início favorece o povoamento da região, é o
alcruns ouh·os de segunda ordem, e em muito maior
número, urna fato de sua soberania duvidosa. Os portugú.êses se instalam na
sé�ie de ínfimos estabelecimentos de vida mais ou menos ve getativa foz do rio em 1616, expulsando daí inglêses e holandeses, os pri­
e sem hmizontes, de expressão econômica e demográ
fica quase_ 1_:u­ meiros ocupantes, embora sem direito algum. As dúvidas eram
la. Todos êles, maiores, médios, pequeno s, ligam-se a ;�nd1çoes com a Espanha, mas a união das duas coroas adiou qual quer ques-
e locais da linha costeira ; os acidente s geog r afrcos, se-
particul ares
( 12) Tôda a parte histórica relativa a esta regiao encontra-se, admi­
(8) J. Carneiro da Silva, Memórias dos Campos dos Goitacases, 13. ràvelmente documentada na: -Mémoire présenté par lés États Unis du Brésil
(9) Memórias, cit., 49. au Gouvernement de la Confédération Suisse, arbitre entre le Brésil et la
(10) Almanaque histórico . . . , 159. F'_rance, da lavra de Rio Branco, e L'Oyapoc et l'Amazon:e,_·.qvestion brési­
(11) Memórias cit. 8 e 53. lienne et française, por J. Caetano da Silva.
FORMAÇÃO DO BRASIL CONTEMPORANEO 39
CAIO PRADO JúNIOR
38
pescoço", refere um contemporâne o (14); pode no entanto abri­
a independência, Portugal , já
o e stava pela p osse ?-ª
tão para mais tarde . Ao recobrar sa1da gar-se nas elevações e ilhas de bosques, onde também se protege,
fJrmara sua soberania, avantajado com o, fech a � o p � ? nte

no verão, contra os ardores do sol. Zona de fácil penetração e
única dêste imenso território amazônic ntes. Fm-lhe faci
a r c1de
l estender ocupação, estendendo-se por vasta área que alcança o rio Pindaré, os
norte ond e se situ a vam seus conc orre Perizes, se povoam regularmente - em confronto bem entendido
aliás não s� pouparam esfo
rç os ,
sôbre êl e seu domínio, para o queiosa s num ativ o trab a lho de �olo­
com o que vimos mais para o norte. O rio Piracumã e a baía de
unindo-se O govêrno e ordens relig ame nt o Con
_
tme nt e , e, na
Cumã, onde está Guim arães, o principal centro da rebcrião' nave-
nizacão. l\,ias embora penetrando fundelta, que s e concentra ra o
.
e
g
,
aveis em qualqu er estação do ano, servem para as comunicações
d
zon; litorânea, nas proximidades do locais e articulam os Perizes com o exterior.
povoamento. . Alca nçamos assim as ba ía s conjuga das de S. Marcos e S. J osé,
. �rien tal _ do grande r�o (o
E:l e se agrupa sobretudo no braço 1hda de sao 1:1ms favo� ave1�, vasto estuári o de grandes rios navegáveis até o alto sertão. _O sí­
rio Pará), onde as condiçõ es de navegab alto mar e o no Guama, cup tio reúne por isso condições excepcionalmente favoráveis, e-- nêle
e no quadriláter o limitado por êle, o povoadora n s suas margens. se centraliz ou o qu e a capitania do Maranhão possui de mais con­
navegabilidade permitiu a fixaçãoo povoamento 3:e escasso � �ene­ sideráve l, inclusive a capital. Tanto na ilha, em que ela se edifi­
Pela costa marítima pràpriamente, gança, situada no estuano �o cou, como no continente fronteiro, e muito para o interior, s obre­
tra muito p ouco; alcança ape nas Bra a; ai se adensa a Po]?ulaç�o, 1 tudo pelo rio Itapicuru acima, a coloniz ação se fixou solidamente,
rio Caité, três léguas acima da barr diça, a brecha prov1denc1�l e no momento que aqui nos situamos, princípios do séc. XIX,
aproveitando num a costa
ba ixa e alaga achava-se em vias de se tornar um dos centros mais importantes
lo mesmo no
, que se prol onga para o interior p e
daquele estu�rio rt g l, don de uma estra�a ter­ da colônia.
Caité, navegável até o pôrt? d e T e ,u a
nucleos pov o a o �as m�r gens Para leste dêste ponto voltam a predominar condições desfa­
restre alcanca o rio Guama e os circ
d s
uito que pelo - no Para, alto voráveis, e nada há que estimule o estabelecimento do homem.
dêste últimc;'. Encerra-se assim o principal núcleo do povoamen­ Isto até o delta do Paraíba, em que se concentram cêrca de 15.000
mar rios Caité e Guamá contém o (hoje Marajó), será sua z�na habitante s. Não são aí só as ,.,.condições locais favoráveis à nave­
to ;mazônico . A ilha 'de Joanes ém d os reb anhos do umco
,
gação do delta, que se abre pá"ra o m ar por dois canais praticáveis,
tributária forn ec e dora de car ne que prov
Tutóia e Igara çu (dos cinco que possui), que permitiram o pro­
território' local favorável à pecuária.
ça p ara les,te, . atraves_s3:-s� gresso da região. É que para aí conflui a produção de todo o
Acompanhando a costa de Bragan curso navegável do rio Parnaíba, que alcança o alto sertão atraves­
a por escassos 1nd10s sem1c1v1-
uma re gião quase deserta, habitada1, pe1os "furos,, nurnero sososq ue . sando um a região re gularmente povoada e v alorizada. O maior
lizados· as comunicações se fazem . M s ram r_n
_
,p ouco desenvolvimento da vila de Parnaíba, que centraliza o comércio
tico
abund�m n este territóri o semi-aquármente, s�o o correm do Ma1;a­
e mto

s, re gula
do rio, data de 1770, quando um c omerciante da vila, João Paulo
utili z das, serv ind -s e dela
do séc. XVIII (13.) E assim
o
a Diniz, levantou oficinas de carne-sêca nas margens do alto Par­
nhão estabele cido nos últimos anos
vai ; costa até O rio Turiaçu, entãonhão limite administrativo das duas naíba, bem no centro de importante z ona criadora, tr azendo daí
, e o pequeno p ov oado do a carne embarcada pelo rio até a vila, donde se reexportava para
capitanias do Grão-Pará e do Marao estuário e habitado por uns a B ahia, Rio de Ja neiro e Pará (15.) Em fins do séc. XVIII tor­
--..._c_,.. 0 nome,oresitu ado no fundo d
mes tiços. .
nara-se aquêle pôrto principal forne cedor, no N orte, de carne-sêca;
pobres lavrad s , . m nte nao _ , mais favo­ o Ce ará, que ocupara da ntes tal lugar, afligido pelas estiagens
iaçu , a cost a pr pn a � e
Além do rio Tur o
ant rior . M aco mp anha;1- tr emendas que o assolam, de�aparecera do merca do, deixan do ape­
c� 3:_
rável ao povoame nto que a do tr�t1m
o e s
er s ­ nas o seu nome ligado ao produto, que continuará até hoje chaman­
do da orla man a, apare�m es:_es carac� �
do-a , pou co af a st a s
ta_ ? f vor ve1s , do..se came-do-ct:ará. Deze sseis ou dezessete e mbarcações vi­
en se, os Pen zes, a a
ticos campos do noroe ste m a ranhele cime to da cn.aç ao. Alagados nham anualme nté do Sul buscar carne em Parnaíba (16).
a c ertos re speitos, para
o estab � rrega;Ias
gam por êles sem obstaculos, . can oas ,ca
n o inve rno, nav e
ido na agu a ate o
do pasta met
com 50 sacos de algo dão , e o "ga (14) A. B. Pereira do Lago, Itinerário da província do Maranhão, 402.
(15) Roteiro do Maranhão, 64.
(16) Southey, HistortJ, III, 801.
(13) Martius, Viagem, 11, 560.
40 C A l O P R .\ D O ] C :\ l O R FORMAÇÃO DO BRASIL CONTEMPORÂNEO 41
Pass:u1 (.lo-.se-, \1 º,'" 1',l o Ceará, entra-se cm outro tipo,
, . inteiramente tações e a intensidade da evaporação nesta atmosfera seca e
diverso, ele zona litorânea. A feição l oca l caractensbca e, o gran- aquecida, contribuem para a alta salinidade naquele ponto super­
de acúnrnlo arenoso que o arrasto das correntes .m '.uítimas dep osita águas do mar, e fazem da região o maior produtor de ·sal da das
em tó<la esta costa setentrional do Nordeste brasileiro, do ponto em nia (19.) Na mesma costa, po uco m ais adiante e começan colô­
que nos achamos até o cabo Calcanhar, no _Tlio Grancl c do Norte. ponta dos Três Irmãos, uma linha de banco s de areia, do na
_ em q ue
O efeito clêste arrasto é a singular unífonnülaclc da �:osla, dos recifes da costa oriental, conc ede a]O'uma [)rotecão precu rsore s
ao litoral,
desaparecem os acidentes eiitupidos pela arcía; deito _agr avado ate, ai' desabriga do, e o povoamento reaparece emb_ora ralo,
h ,

pela baixa e irregular pluviosi<lade local, o ciuc �� n�na os nos c::,cas-• pequeno trecho. ) num
sos e intermitentes; suas águas são de todo msuftc1cutcs para deter
e varrer, mesmo em parcela mínima, o acúmulo arenoso 1 � as su � s Alcançam os assim o primeiro dos grandes núcleos
barras. 1'.-I as uma outra característica elo litoral cean�nsc: u�r cdm mento da faixa costeira do Brasil, e que já analisei acimado povoa­
; é aí, na
que -sua faixa costeira permanecesse inteiramente _ deserta . Sao as costa oriental 'elo ·Rio Grande do N arte embora tlmidamente
serras, que em maciços isolados se aln. :liam sucessr :,r1� cntc ao lon­ que êle se inicia. Saltemo-lo para chegar ao s eu limite meridainda
go da costa e captam u� pouco da u:111Uade �trnosfe �·ica; des �,��a� na altura de Maceió. Daí para o sul, interrompe-s e a linh ional:
,
-se por isso estas elevaçoes como oas1s �le tcna fértc _ s e cultn .tv 1s� tínua de recifes que é a principal causa, para o norte, da a con­
� � tração do povoameIJ,tO A navegação já não encontra o concen­
em meio da aridez que as cerca. Tais serras (Ibiapaba, S obral, que contra a impetuosida )' abrigo
Uruburetama, Bahffitê) atraíram e fLxaram algum povoamento que de do mar oferecem os recifes. Também
o arrasto de areias, resultado também da falta de cobert
procura sua saída pelo mar próximo, dando lugar a pequenos p_or­ rece como no Ceará e no litoral setentrional do Rio ura, reapa­
tos que se arranjaram como puderam_ nesta co st� d1!1cil: Cam9 c11�, Norte, obstruindo as endentações da costa,' uniformizanGranddo
e do
Acaraú, Fortaleza - que •será a capital da capitama graç as a . Slhl marítima e dificultando o seu acesso . E à medida qu a orla
posição central, à pro teçã o, embora f eg_ue�a, que lhe prop orciona e se desce
para o sul, em direção da baía de Todos os Santos, tais dificu
a ponta de M ucuripe, e sob\etudo a fo,rti_hdade, da serra de Ba­ se agravam. Também as terras já não são as mesmas e osldades
turité que forma a sua hinterlandrn. O ultimo porto ce�rense para de culturas escasseiam. Em Sergipe, ainda simples comar solos
leste, e também o mais notável, Aracati, tem outros fatores ':anta­ Bahia, salvam-se alguns rios acessíveis pelo mar para peque ca da
josos: é por aí a saída da extensa zona ban� ada, e:mbora so nas barcações: o S. Francisco, o Japaratuba, o Cotinguiba, nas em­
_ o Vaza­
chuvas, pelas águas intermitentes do Jaguanbe, cup bacia com­ -Barris, o Real com seu afluente da margem norte, o
preende, em 1810, quase 60.000 habitantes, (17) produtores de Cotinguiba em Particular, que banha os campos do mesmPiauí. O
gado e algodão. Explica-se portanto o porto, apesar de suas famosos pelo açuca , o nome,
r que produziam (20): dos 140 engenhos ser­
péssimas condições naturais. gipanos, a grande maioria localiza-se aí. Apesar
Afora êstes núcleos, o litoral cearense é de�abitado. A larga mento decresce consideràvelmente, com relação ao disto, setor
o povoa­
ao norte e forma o núcleo pernambucano; e escass que fica
planície arenosa que o const!tui, árida? ?�spr<:_teg1da � capaz ape­ eia de todo no
na s de suportar uma vegetaçao rala e 1nuhl, nao se prestava ao _ es­ .litoral baiano que se estende até o Recôncavo.
tabelecimento do homem. O mesmo prevalece no trecho qu e o su­ A êste já me referi como sendo o principal núcleo de povoa
cede para leste, a cost': s etentrional do Rio Grande do N �rte. Kos_­ mento da faixa costeira da colônia, graças a fatôres estrita ­
ter percorreu esta regiao e1n 1808, viapndo de Natal _ par,1 Aracati, mente
locais. Para o sul dêle, começa um setor litorâneo de caracterí
e so freu consideràvelmente da sua aridez e falta de á�ua, p�távcl. especiais e particulares, sem paralelo até o ponto em que sticas
Encontr ou um povoamento escasso, algumas raras e m1seraveis ha­ contramos. A costa que achamos até agora é sem exceçã nos en,.
bitações que apareciam distantes muitas léguas umas das_ ou�ras o baixa,
_ or: alagadiça e com uma vegetação intrincada, mas de peque
(18.) Koster seguiu um caminho mais arredado para o mten te até o Maranhão, arenosa e árida daí por diante, vestid no por­
na fímbria marítim a, a extração do sal marinho deu �lguma v�_ d� manto florestal, já bastante desbastado pelo homem, entre a de um
ao trecho que vai da foz do Moçoró à do Açu: as baixas prec1p1 - e Alagoas; mas sempre rasteira e plana. Agora ela muda a Paraíba
inteira-

(17) Castro Carreira, Descrição elo Ceará, 129.


(18) Koster, Vo yages I cap. VI. ( 19 ) Veja-se o capítulo abaixo sôbre as Produções extrativas, nota final.
(20) Vilhena, Recopilação, 604.
42 CAIO PRADO JúNIOR FORMAÇÃO DO BRASIL CONTEMPORÃNEO 43

mente de aspecto. Da baía de Todos os Santos para o sul, as ter­ de correio, anotava tais obstáculos que segregam vilas e povoações
ras altas do interior aproximam-se do litoral e terminam nêle, a umas das outras: rios invadeáveis, praias de areia fina em camadas
pouca distância da praia, por uma serra íngreme e coberta de ve­ espêssas que fazem a marcha sumamente penosa, interrompidas a
getação florestal densa. De espaço em espaço, a praia desaparece, cada passo pelos promontórios abruptos que avançam do interior
interrompida por um último contraforte da serra que avança em para o mar e tinham de ser escalados (21.) Vegetaram assim êstes
promontório pelo mar. Urna série de rios paralelos, alguns de núcleos, formando pequenos compartimentos estanques, com saída
certo vulto, abrem neste setor da costa barras acessíveis à nave­ Unicamente para o mar, e cuja vida precária se sustentava com a
gação. A lentidão de suas águas neste {tltimo trecho plano em que produção de alguns gêneros que se exportam para a Bahia e o
correm antes de atingir o mar, fá-los ramificar-se em canais e la­ Rio de Janeiro: farinhas, peixe, algum café.
gunas de águas paradas que tomam o lugar malsão. Apesar dis­ Acresce ainda um óbice ao desenvolvimento desta infeliz re­
to, na -desembocadura de cada um daqueles rios ou canais formar­ gião: a hostilidade do gentio. A serra e mata que a perlongam a
-se-á um pequeno núcleo: Camamu, Barra do Rio de Contas, Ihéus, pouca distância serviram de abrigo e são o último reduto dos in­
Canavieiras, Belmonte, Pôrto Seguro, Caravelas são os principais. dígenas que não se submeteram nesta parte da colônia, ao avan­
Caracteriza-se êste povoamento pela sua concentração exclusiva na ço e ocupação dos brancos. í!:stes, num amplo movimento de te­
orla marítima; não penetra aí além de poucas léguas, em regra até nazes, atacam simultâneamente as nações indígenas no litoral e em
menos, e se aglomera exclusivamente na foz dos rios e na sua re­
dondeza imediata. A mata densa que acompanha o litoral a pou­ Minas Gerais; acossados de ambos qs lados, os remanescentes, que
ca distância, formando uma larga faixa ininterrupta e de passagem são numerosos, se refugiam nesta área intermediária de florestas
difícil, bem como relêvo acidentado, sobretudo de Pôrto Seguro indevassadas ainda pela colonização; e assim permanecerão até o
para o su\ onde atinge a linha de grandes altitudes da Serra do séc. XIX. Daí êles descerão periàdicamente sôbre a costa, saquean­
Mar, são os fatôres que isolaram o litoral, separando-o por com­ do e destruindo (22.) Entre êles destacam-se os ferozes Aimorés
pleto do interior. O povoamento se desenvolveu, neste e naquele conhecidos vulgarmente por Botocudos, devidos ao círculo de pau se­
setor, independentemente um do outro, formando compartimentos melhante a um batoque que usavam engastado no lábio inferior. São
entre si estanques. E isto se pode dizer tanto das antigas capita­ os mais térríveis, e respeitados por tôdas as demais nações indí­
nias de Ilhéus e Pôrto Seguro, incorporadas mais tarde à Bahia (a genas vizinhas, com que estão em hostilidades contínuas. São
última s6 nas vésperas da Independência) como da do Espírito também os que mais freqüentemente "visitam" o litoral. Tinham­
Santo. As primeiras comunicações e;ntre o litoral e o sertão, nesta -se aquietado depois das campanhas e investidas do Capitão-mor
altura do território- brasileiro, só foram abertas em princípios do João Domingoi Monteiro, no terceiro quartel do séc. XVIII, e hou­
séc. XIX: pelo rio Doce e sua variante por terr�; pela estrada do ve um hiato de hostilidades que durou até 1786, quando recomeçam
Mucuri, de S. José de Pôrto Alegre a Bom-Sucesso, em Minas Ge­ com tal insist&ncia que muitos sítios se despovoam e outros de­
rais; o caminho de Belmonte, e o de Ilhéus para aquela mesma ca­ caem consideràvelmente. Em 1808, informa o sargento-mor de
pitania interior. Voltarei a estas vias em outro capítulo. Mas até Caravelas, que acossados pelos bárbaros, tinham sido os morado­
a data de sua inauguração, como depois dela, pois as novas comu­ res obrigados a abandonar as férteis terras mais entranhadas para
nicações não supriram senão parcialmente e muito tarde as defi­
ciências do litoral, os núcleos que nêle se formam, isolados na cos­
ta, vegetam. Explica êste isolamento, em grande parte, o peque­ (21) Itinerário da Bahia ao Rio de Janeiro.
(22) Note-se que estas incursões indígenas são intermitentes, o que aliás
no progresso das capitanias de Ilhéus, Pôrto Seguro e Espírito permite aos estabelecimentos coloriais do litoral sul da Bahia e do Espírito
Santo, em contraste com as do Rio de Janeiro, Bahia, Pernam­ Santo respirarem e se reconstituírem depois de cada assalto. Esta intermi­
buco e outras para o Norte. A causa já era notada pelo arguto tência, que se verifica em caso semelhante em Goiás sugere a hipótese,
autor anônimo do Roteiro do Maranhão a Goiás, já citado acima: ao par do temor que d epois. de cada assalto rechaçado mantém os índios
aqm�tados, de causas mais profundas e gerais das periódicas incursões. É
O isolamento dêstes núcleos da costa não é aliás apenas com P?Ss1vel que o cr�sc��n!o vege �ativo das nações �dígenas provocasse perià­
relação ao interior, mas dêles próprios entre si, mercê dos obstá­ dicamente certa dimmu1çao relativa dos recursos alimentares da floresta, úni­
culos opostos ao trânsito por terra. O Desembargador Luís Tomás cos de que se sustentavam; as incursões, seguidas naturalmente de grande
mortanda-de entre êles, restabelecia o equilíbrio. Vicissitudes climatéricas tam­
de Navarro, incumbido em 1808 de percorrer o litoral da Bahia ao bém teriam· possivelmente seu papel. São. pontos êstes ainda totalmente
Rio de Janeiro, a fim de estudar o estabelecimento de uma linha obscuros, mas que, merecem a atenção dos historiadoreS.
44 CAIO PRADO lúNIOR FORMAÇÃO DO BRASIL CONTEMPORANEO
45
0 interior, contentando-se em lavrar as áreas~ estéreis e pantano a Chegamos assim à capitania do Rio de Janeiro, que constitui
· · J1<15 (lo ,n·i,· ("3 ) O Espírito Santo nao sof_re menos. Nos ; �
V1Zll1 i '- .... •
o terceiro e último, em direçã o ao sul, dos três maiores núcleos de
rimeiros anos do século passado os selv�1gcns amela e1_1ega� am
'
povoamento do litoral brasileiro. Daí por diante, de Parati, limi­
�as suas tropelias até duas iéguas apenas distantes ela cap1:�1 ( ? .) te da capitania para o Sul, o povoamento se toma de n ovo escasso.
É isto cmc determinará O govt"·rno cm 1808, �1 ckcbrar_ guerrn._ ofen­ 2:
A cara cterística essencial de tôda esta marinh a meridional da colô­
siva aot Aímorés, matéria sôbre que volto.rei com mais vagai nou­ nia é a grande proximidade, mais que em qualquer caso anterior,
tro capítulo. da Serra do Mar, erguendo-se paralelamente e cosida a ela numa
Btfüornemos
• , ao 11osso
- eassunto
· · · No trecho cs11írito-santcnse dês- barreira abrupta de altitude contínua superior a mil metros, e que,
t e setor do litoral que nos ocupa - espírit:1<.;antcnsc scgund :) baixando embora ligeiramente, se estende até o paralelo de 30. 0,
os limites atuais do Estado; em princípios do seculo pa_ssaclo a di­ isto é, quase o limite meridional extremo da colônia. Ela separa
visa entre esta capitania e a de Pôrto Seguro cn: pelo no Do;e, - do interior a marinha de três capitanias: S. Paulo, que inclui o
atual P araná, então comarca paulista de Paranaguá, Santa Cata­
do rio 1-1ucuri para O sul, e em particular além da barra elo S. :Ma­
teus a costa se abaixa sensivelmente, e penetra-se numa zon,a . de rina e parte d o Rio Grande do Sul. Espremido contra o mar pelos
terr�s alagadiças e uma linha costeira pejada de extensos depos1tos contrafortes da Serra, quase isolado do interior pelo o bstáculo da­
quele forte aclive, o povoamento dêste trecho do litoral da colônia
aren osos. o povoamento desaparece inteiramente neste lugar on­ estacionou, apesar dos portos numerosos e bem abrigados, como
de falta até água potável; e depois de S. Mateus, pequeno p oado S. Sebastião e Santos em S. Paulo, e da grande articula ção da cos­
de índios e mestiços, marcha-se por um deserto de 18 a 20 r eguas . ta no Paraná. Outr a circunstância que desfavorece êste setor da
o Desembaraador Navarro, acima citado, �ntendia "qu� P ra � .Pº
t
co_lônia é sua posição excêntrica, afastada como está do foco e das
der fazer pafsar aí O correio e t ornar poss1vel o tra:1s1to _d e via n : fontes da colonização brasileira, bem como dos mercados para os
tes era preciso cogitar, antes de mais, do estabelec1�e�to at
. gt�-
; ovoação que servisse de pouso e recurso. <? Pnnc1pe � ax1m1-
grandes produtos coloniais, que se acham na Europa. O desenvol­
vimento da agricultura local foi sêriamen_te desfavorecido por ês­
�;n; sofreu neste trech o, por oc!sião de sua _viagem . e:° 1816, a te. afastamento; e embora tenha sido S. Vicente o primeiro, e du­
maiores atribulações, inclus ive sede (25.) Tais cond1çoes se pro� rante algum. tempo, importante centro açucareiro, êle perde muito
1oni;am at,e a barra do Sta· Cruz' onde re aparecem terras a itas e cedo esta posição de destaque em favor de seus concorrentes mais
a Serra do Mar se aproxima novamente do r1tora1. A' . 1 com:ça. a bem situados do Norte; já antes do fim do primeiro século acha-se
parte prõPriamente povoada do Espírito Sant,o, em ?ll'cun:tancias num plano bem medíocre e secundário. Quase todos os estabe­
que se assemeIharo a's de Pôrto Seguro e Ilheus. Senam cerca de cimentos coloniais desta marinha meridional, que não ultrapassam
19.000 habitantes em 1813 (26), concentra_dos e a,gru ad nas aliá s, em conjunto, uma dezena, ficaram restritos a uma vida local
barras e abrigos do litoral, que com a exceçao d a b aia ,J'o ;,s spírito
. e vegetativa, Com escassas comunicações para o interior, e por ca­
S�n;o em cujo contôrno e ilha, onde está a ca�ital, s� re1;1n� a .n:iamr botagem com o Rio de Janeiro, centro principal de consumo de
parte' da população da capitania, são todos nucleos de ms1g�1fic�n­ seus produtos: um pouco de açúcar e aguardente, farinhas e ma­
tes ro orções· êste povoamento penetra ligeiramente o 1nte:1or deiras. Destaca m-se apenas Santos e Paranaguá, sobretudo o pri­
meiro, em maiores comunicações com o interior que por ali expor­
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das lerfas apr�veitando alguns rios navegáveis �um curto t a :
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por pequenas embarcações; particularmente o J e u, o tava a produção crescente do planalto paulista. No litoral cata­
Maria o Benevente e o Itapemirim. No Doce, m esta o 1;s A.,- d rinense a população se adensa; em particular na Ilha de Santa Ca­
1norés' quase nada havia senão o quartel de Linh res, f?-n � o nos tarina, núcleo principal da capitania e sítio da capital, então ainda
primeiros anos do século passado para a defesa la capitania . Nossa Senhora do Destêrro. A sua densidade, nos 540 km2 da
ilha, atinge um índice notável para a colônia: 25 habs. por km2
(27.) Saint-Hilaire aponta esta concentração, em 1820, como uma
(23) Cit. p. Navarro, Itinerário da Bahia ao Rio de Janeiro, 431.
(24) Francisco Manuel da Cunha, Informação sôbre O Espirita Santo
( 1811) 246. (27) Isto em 1820, tomando os dados que apresenta St: Hilaire, Voya­
(25) Voyage, I. 342. ge aux provinces de St. Paul et de Sainte Catherine, II, 320: 14.000 habs.
(26) Notas para a hl'st6ria do Espírito Santo, co1ig1'das por J • J Ma- - João Antônio Rodrigues de Carvalho, mais preciso, dá para 1824, 15.533
chado de Oliveira, 197. habs. Pro;ecto de uma estrada de Destêrro às Missões do Uruguai, 508.

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