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Colcçáo Tudo é História

O. Ar.lutos do Liberalismo A CiYili%:lçilo do Açúcar


Maria Helena Capdato Vera Ferlini

Cafeicultor., O Coronclismo
Homens, m11/here1 e capital Maria de Lourdesjanotti
(1850-1980) ·, .,, -. \

Vcrcna Stolckc A Economia Cafeeira


J. R. do Amar:u Lapa
Da Mo,wqula a República
Emflia Viotd A Família Brosilcira
-Eni de Mesquia Sam=
Fonmçãodo Bmil A BURGUESIA BRASILEIRA
Contcmpoclnco A Industri2li%:lçilo Brasileira
Caio Pr.,do Jr. Francisco lglksias

Hist6ria Econômica do Brosil


Caio Pr.,dojr.

1930
O silêncio dos vencido1
Edgar de Decca
Partido Republicano P:mlisa
(1889-1926)
Jost ~nio Casalecchi

A Rcvoluçiio de 30
Boris Fausto

Varg:u: editora brasiliense


O Capitalismo em Comffllfilo
Pedro Cêsar D. Fonseca
A Burguesia Brasileira 5

Cop)'ríght 11) by Jacob Gorem/e,; /98/


Ne11/11mw pane desta publicaçüopode ser gravada
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,epmd11zula por met~JS m:eâni;·r~s m1 outros quaisquer
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·i T~""BC/ y~J: /1rimeira edição, /981
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{:::,'\!it ª rfimpressão,j11nho de 1998 INDICE
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--=--..,----~VÍ.ww: José E. Andrade 7
Gênese do capitalismo brasileiro ............ .
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· Caricaturas: E,llí!io Damiani


Cap(I.: 123 (antigo 27-) A11is1as Gráficos. Duas variantes na formação do capitalismo ;, .. 15
Desenvolvimento do capitalismo na Primeira
República ..•........................ 24
Origens e características da burguesia industrial 37
Indústria e economia de exportação: qjustamen·
to e oposição ........................ . 52
A virada de 1930 .... , •................•... 62
Burguesia e Estado ..•..................... 70
Burguesia e capital estrangeiro ............. . 81
A burguesia como classe dominante principal 101
Conclusões ............................. . 110
EDITORA BRASILIENSES/A Indicações para leitura .................... . 113
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)------'
6 Jacob.Goremler A Burguesia Brasileira .7

análise com o modo de produção escravista colonial,


a cuja dinâmica própria atribuo uma determinação •
fundamental.
Uma vez quejulgo indispensável adquirir o en-
tendimento do mencionado modo de produção, não
me resta alternativa senão a de remeter o leitor à
minha obra O Escravismo Colonial, na qual abordo o
tema de um ponto de vista-abrangente e sistemático.
G~NESE DO CAPITALISMO
BRASILEIRO
Acumulação originãria do capital
e burguesia mercantil
O leitor já conta à .sua disposição com uma A constituição do modo de produção capitalista,
teoria sobre o tema deste capítulo num dos volumes qualquer que seja a via pela qual se processe, tem
da coleção Primeiros Passos, da Ed. Brasiliense. Re• sempre uma fase precedente - a da acumulação
firo-me a O Que E o Capitalismo de Afrânio Mendes originária ( também chamada primitiva) do capital.
Catani, o qual, em sua exposição, se apóia nas obras Ou seja, trata-se de uma acumulação do capital rea·
dos Profs. Fernando Novais e· João Manuel Cardoso lizada por meio de mecanismos ainda não essencial-
de Mello. Acontece que discordo da linha de pensa- mente capitalistas, não se baseando, portanto, na
mento desses historiadores e devo, pois, apresentar, produção de mais-valia mediante a exploração do
sempre no estilo de roteiro para leituras posteriores, trabalho assalariado livre. Ao atingir certo uivei e
minha própria concepção sobre o assunto. Uma vez num quadro social já transformado, a acumulação
que não me deterei na argumentação das divergên- originária do capital culmina na constituição do mo-
cias, careço de deixar claro, não obstante, a dife- do de produção capitalista.
rença do ponto de partida, pois este é um aspecto Na Europa, a acumulação originária do capital
decisivo. Tal diferença consiste em que Novais e Car- realizou-se no bojo do feudalismo. No Brasil, nunca
doso de Mello partem do sistema colonial mundial houve feudalismo, o que Caio Prado Jr. foi o pri-
como totalidade que determina o conteúdo da for- meiro a demonstrar de maneira fundamentada. A
mação social no Brasil, ao passo que eu inicio minha acumulação originária do capital se processou no
8 Jacob Gorender A Burguesia Brasileira 9'.

análise com o modo de produção escravista colonial, âmbito do escravismo colonial e tendo este como a
a cuja dinâmica própria atribuo uma determinação fonte da própria acumulação. . . ,
fundamental.
Mais ainda: a base para a acumulação ongma-
Uma vez que julgo indispensável adquirir o en- rià do capital começou a se formar na época em que o
tendimento do mencionado modo de produção, não Brasil foi colônia de Portugal. Nem toda a renda
me resta alternativa senão a de remeter o leitor à produzida no Brasil era, então, dirigida para fora,
minha obra O Escravismo Colonial, na qual abordo o conforme supõe Florestan Fernandes (v. A Revo/u·
tema de um ponto de vista abrangente e sistemático. ção Burguesa no Brasil, p. 61 e ss.), ~orém Au~a
parte muito considerável ficava na própna Col~ma,
seja para a ampliação direta da produção escrav1~ta,
em mãos dos plantadores, seja sob a forma d~ cap1!al
Acumulação originária do capital mercantil, em mãos dos mercadores, que fmanc1a-
e burguesia mercantil vam e comercializavam a produção das plantagens
escravistas.
A constituição do modo de produção capitalista, A Aber-tura dos Portos, decretada pelo Regente
qualquer que seja a via pela qual se processe, tem D. João em 1808, e a Independência política, .Cº~-
sempre uma fase precedente - a da acumulação quistada em 1822, não alteraram em nada a essen~1a
originária (também chamada primitiva) do capital. do modo de produção dominante nª-formação ~ocial
Ou seja, trata-se ele uma acumulação do capital rea- vigente no Brasil. O modo de prod~ção con!m~ou
lizada por meio de mecanismos ainda não essencial-
tão escravista e tão colonial (no sentido econom1co)
mente capitalistas, não se baseando, portanto, na
quanto o fora sob o domínio da Metrópole portu-
produção de mais-valia mediante a exploração do
trabalho assalariado livre. Ao atingir certo nível e guesa. Em 1850, quando s~ e~tinguiu_ o tráfico de
num quadro social já transformado, a acumulação escravos africanos, o quantitativo servil no Pais al-
cançou seu pico máximo (2500000 escravos, em ter-
originária do capital culmina na constituição do mo- mos estimativas). Se acrescentannos a este fato a
do de produção capitalista.
prosperidade da cafeicultura, _con~luiremos que a
Na Europa, a acumulação originária do capital acumulação do capital mercantil se incrementou, no
realizou-se no bojo do feudalismo. No Brasil, nunca Brasil independente, por conseqüência da expansão
houve feudalismo, o que Caio Prado Jr. foi o pri- do próprio escravismo colonial. .
meiro a demonstrar de maneira fundamentada. A Contudo, isto não significa que a Independência
acumulação originária do capital se processou no tenha sido acontecimento indiferente para a econo-
10 Jacob Gorender A Burguesia Brasileira li

mia. A instituição de um Estado nacional unificado mercado urbano.


sob o domínio dos plantadores escravistas, teve re'.
percussões positivas sobre o fortalecimento da bur-
guesia mercantil e, mais tarde, sobre o aparecimento Surgimento da burguesia industrial
dos primeiros núcleos da burgi;esia industrial. Tais
repercussões podem ser sumariadas nos seguintes O engrossamento da burguesia mer:canti/ ' com
.
pontos: o seu desdobramento em comerciantes e banqueiros,
a) Eliminação da intermediação parasitária do não caracterizava a existência do capitalismo nem
comércio português. A exportação e a, importação era .mcompatível com a sobrevivência prolongada' do
pass:ir~m a ser feitas diretamente através dos portos escravismo colonial no Brasil. A burguesia mercantil
bras!le1ros, sem a baldeação. obrigatória e onerosa prospera nas formações sociais anteriores ao capita-
nos.portos lusitanos.
. .
Os portos brasileiros sobretudo
o R10 de Janeiro, cresceram como centros comerciais
lismo, enquanto o agente organizador do modo de
produção capitalista é somente a burguesia indus-
e se fortaleceu a burguesia mercantil neles radicada. trial. Esta pode engendrar-se, em grande parte, na
b) A receita dos impostos de exportação e im- própria burguesia mercantil, como sucedeu no Brasil
portação, antes pertencente à Coroa lisboeta, passou e outros países, na medida em que certo número de
a integrar a receita orçamentária do Estado nacional
brasileiro, o que representou considerável acréscimo comerciantes investe na indústria e organiza a pro-
dução de artigos, que antes se limitava a comprar e
à renda circulante dentro do País.
vender. Mas o capital industrial, como diz Marx, é a
c) Os artigos de importação, tanto os bens de única forma do capital cuja função não consiste ape-
consumo como os bens de produção, tornaram-se nas na apropriação da mais-valia, pois também é o
mais baratos para os brasileiros, pois chegavam já promotor da sua criação. Somente ele, por conse-
sem gravame do comércio e do fisco de Portugal. Isto guinte, modela a forma capitalista de produção,
viabilizou e prolongou a existência do escravismo aquela em que a exploração do sobretrabalho e a
brasileiro, numa conjuntura em que os preços dos extração dó sóbreproduto se fazem com operários
escravos subiram em elevadas proporções. assalariados livres (e não com escravos ou servos)
d) As funções estatais superiores (Governo, tri- como agentes diretos do processo de criação do valor.
bunais, força militar, etc.), antes concentradas em
Lisboa,
. transferiram-se para o Brasil. Daí formar-se ' • * •
aqui, uma burocracia estatal desenvolvida contri-
buindo para o crescimento do Rio de Janeiro'e de seu Antes de abordar os começos da burguesia in-
12 Jacob Goremler A Burguesia Brc1sileira 13

rasteira do capital inglês, ao qual diversas vezes. re-


dustrial no Brasil, devo dedicar algumas linhas a um correu, antecipando um comportamento comum à
personagem certamente excepcional: Irineu Evange- burguesia brasileira posterior.
lista de Sousa, Visconde de Mauâ (1813-1889); Como O fenômeno Mauá teria sido impossível se já
situar este grande empresârio do ponto de vista da não houvesse capitais acumulados derttro do Brasil e
formação do capitalismo brasileiro? cuja disponibilidade aumentou após a cessação do
Notemos que Mauâ foi. banqueiro e quase todas trâfico de escravos africanos .. Mas o próprio Vis-
si:as _iniciativas empresariais visaram suprir serviços conde não foi mais do que um tipo de transição,
pubhcos, como concessões do Estado em condições
ainda um capitalista inserido na formação escravista,
de monopólio e, em vârios casos, com subvenções ou
empréstimos do Estado. Foi assim que organizou embora se chocasse com a estreiteza dos seus limites
empresas de transportes urbanos e de iluminação para a realização de empreendimentos modernos
pública a gâs, companhias de navegação fluvial a que, sob outro aspecto, não deixavam de prenunciar
vapor, vârias estradas de ferro e a comunicação por o advento do capitalismo.
meio de cabo submarino. Entre suas numerosas em- Do ponto de. vista da formação da burguesia
presas, quase a única de transformação industrial industrial e a da afirmação do modo de produção
direta - o Estaleiro e Fundição da Ponta da Areia, capitalista, muito maior importância tiveram as cen-
que chegou a reunir cerca de mil trabalhadores - , tenas de pequenos e médios empresários que; dos
mesmo esta surgiu do projeto de fornecimento de anos 40 aos 80 do século XIX, instalam e adminis-
tubos de ferro ao Governo, com vistas à canalização tram, em vârios pontos do País, fâbpcas têxteis e de
das âguas do rio Maracanã. Por conseguinte, os em- artigos de vestuário, de massas e outros produtos
alimentícios, de cerveja, de chapéus e calçados, de
preendimentos de Mauâ eram compatíveis com o
peças de mobiliário, de artigos·de cerâmica, de mate-
regime escravista e contribuiram para tomar viável
riais de construção, de implementos para a agricul-
seu funcionamento, num período já de declínio. Ade- tura, etc. A princípio, algumas dessas fâbricas em-
mais, umà vez que dependia do Estado, empenhou-
se em intensa atividade política e teve bom relaciona- pregaram escravos ao lado de operários livres. As
mento com vários gabinetes ministeriais do Império vezes. a força motrh. veio inicialmente da roda de
que o nobilitou com os tltulos de barão e visconde: água e só depois dn máquina a vapor. De maneira
Quando o Império se recusou a cobrir os débitos do geral, os produtos de tal indústria fabril incipiente
Banco Mauá, faliu. E faliu também porque, na cons- eram de bai.<a qualidade e concorriam com os simi-
tl1!ção da Estrada de Ferro Santos a .Jundiaf ( que lares locais de origem artesanal. Nao se trotava ainda
ve10 a se chamar São Paulo Railway), recebeu uma da substituição de importações, que tão-somente
14 Jacob Gorender

mais tarde se acentuaria, porém da substituição do


artesanato local. O "pano de Minas", por exemplo,
~----•-------,
produzido por centenas de artesãos domiciliares e
com uma tradição mercantil de meio século, quase
desapareceu de circulação nos anos 60 do século
passado.
O mercado das primeiras fábricas têxteis nacio-
nais era o de roupas para escravos e para as cama.das
pobres da população livre, bem como, o de sacaria
para os produtos agrícolas de exportação, substi- DUAS VARIANTES NA FORMAÇÃO
tuindo as caixas de madeira e os fardos de couro que DO CAPITALISMO
anteriormente os acondicionavam.
Em 1866, um relatório oficial registrou o funcio-
namento de nove fábricas de tecidos de algodão em
todo o País, sendo cinco na Bahia, duas no Rio, uma O feudalismo como meio
em Alagoas e uma em Minas Gerais, com um total de
768 operários. Fundada em 1844, a mais antiga e a
ambiente original
maior delas era a Todos os Santos, na cidade de
Valença (Bahia), com 200 operários, 4600 fusos e Ao nascer nas entranhas do feudalismo euro-
136 teares. Em 1881, já eram 44 as fábricas de tecidos, peu, o modo de produção capitalista deveria enfren'
reunindo mais de três mil operários e com a seguinte tar, no processo de sua expansão, obstáculos bem
distribuição geográfica: Bahia - 12; São Paulo - 9; • característicos da ordem feudal dominante. Veja-
Minas Gerais - 8; Rio de Janeiro (província) -6; nms, numa exposição esquemática, quais eram estes
Rio de Janeiro (capital) - S; Alagoas - 1; Pernam- obstáculos, cabendo observar que sua incidência va-
buco - 1; Rio Grande do Sul - l; Maranhão - 1. riou conforme cada país:
Com o declinio do modo de produção escravista a) Os camponeses, que represent2vam o grosso
colonial e ainda nos quadros da formação social es- da força de trabalho, estavam vinculados à terra sob
cravista, houve, portanto, um desenvolv,imento de diferentes formas. Em alguns países, como Portugal
forças produtivas sob a direção da burguesia indus- e Inglaterra, a servidão da gleba desapareceu nos
trial emergente. Com ela e o jovem proletariado, nas- séculos XIII e XIV, mas em outros, como Alemanha
cia o modo de produção capitalista no Brasil. e Rússia, persistiu até meados do século XIX. Em
16 Jacob Gorender A Bwxuesia Brasileira 17

geral, a servidão da gleba foi substituida pela vincu- pesos e medidas. Tudo isso entravava a circulação de
lação da enfiteuse - uma instituição que dava ao mercadorias.
camponês o direito de explorar a terra, transmiti-la f) A nobreza e o clero constituíam estamentos
por herança ou mesmo vendê-la, porém não o tor- privilegiados: não pagavam impostos e monopoli-
nava proprietário pleno, pois permanecia a obriga- zavam o acesso aos cargos públicos das instâncias
ção perpétua de pagar uma renda, como foreiro, ao superiores do Estado.
senhorio feudal. Com maior ou menor radicalismo, as revoluções
b) Salvo exceções pouco expressivas, a proprie- burguesas européias eliminaram os obstáculos acima
dade da terra não era a/odiai: estava sempre gravada enumerados e desobstruíram o caminho ao desenvol-
pelos tributos privados que deviam ser pagos a um vimento do modo de produção capitalista e à afir-
senhorio da nobreza, ao clero ou ao monarca. mação da burguesia como nova classe dominante.
c) O mercado de terras se submetia a extremas Assim é que, em resumo, as revoluções burguesas
restrições jurídicas. Com a vigência do instituto do desvincularam os camponeses da terra e jogaram
morgadio, os feudos s6 podiam ser herdados pelo uma parte deles (na Inglaterra, praticamente todos)
filho primogênito e, além de indivisíveis, tinham a no mercado de trabalho assalariado, onde podiam
condição de inalienáveis (não podiam ser transfe- ser livremente contratados pelos capitalistas. A terra
ridos por via de compra a um novo proprietário}. tornou-se alodial, completamente isenta de encargos
Cerca de um terço das terras da Europa, durante a privados. Extinguiu-se o morgadio e a Igreja teve os
Idade Média; pertencia à Igreja Católica e, por con- . seus dom[nios confiscados e postos à venda. Criou-se
seguinte, era insuscetível de transações mercantis. um mercado capitalista de terras. As corporações
d) Os artigos industriais,produzidos ainda com foram dissolvidas, suas regulamentações anuladas e
uma técnica artesanal, constitu[am privilégio legal das a instalação de manufaturas e fábricas deixou de
corporações ou guildas, em cada localidade. Cabia- sofrer qualquer restrição. Unificou-se o mercado na-
lhes regulamentar u número de produtores, os pro- cional e ficou estabelecida a uniformidade monetá-
cessos de produção, a qualidade e a quantidade dos ria, tributária e de pesos e medidas. Cumpriu-se o
artigos, seus preços, etc. A produção industrial se lema dos economistas liberais: laissez·faire, laissez·
achava, portanto, rieidamente controlada. passer (liberdade para produzir e circular}. Aboli-
e} O tráfego de mercadorias, além de inseguro, ram-se os privilégios estamentais da nobreza e do
sofria tributação toda vez que passava por um feudo. clero.
Cada feudo cobrava impostos privativos, cunhava
sua própria moeda e usava um padrão particular de
Jacob Gore1ufer A Burguesia Brasileira /9
/8

riais confiscados da Igreja eram chamados bens da


O escravismo colonial como meio nação. Nos di.as atuais , resta à Igreja Católica a
ambiente original propriedade residual de terrenos urbanos muito valo-
rizados, cujo usufruto costuma ceder sob o regime de
Se nos voltarmos para o Brasil escravista, cons- enfiteuse. Tal circunstância, não obstante: se tornou
tataremos a ausência dos obstáculos de tipo feudal ao indiferente ao desenvolvimento do capitalismo.
desenvolvimento do modo de produção capitalista. As corporações de ofícios existentes no Brasil
A propriedade do solo sempre foi alodial e alie- colonial eram fictícias, se comparadas às européias.
nável, motivo por que, desde o século ,/{VI, se assi- Não dispunham de força jurídica efetiva e foram
nalam operações de compra e venda de terras, tor- abolidas pela Constituição imperial de 1824.
nadas, com o tempo, bastante freqüentes. ú certo Organizado em país independente, o Brasil ad-
que os plantadores gozaram, sob o domínio de Por- quiriu um Estado nacional unificado, sob um Poder
tugal, do privilégio várias vezes renovado da impe- político fortemente centralizado, apropriado à defesa
nhorabilidade dos seus bens, mas isto, se dificultava da instituição escravista, conforme o interesse da
as operações de crédito e lhes agravava o caráter pré- classe dominante dos plantadores. Já no Primeiro
capitalista, não chegava a impedir de todo as transfe- Império, foi estabelecida a uniformidade tributária,
rências da propriedade da terra. Em 1833, ainda em monetária e de pesos e medidas. Quanto ao privilégio
plena vigência do escravismo, a Regência decretou a estamental da isenção de pagar impostos, inexistiu
extinção do privilégio da impenhorabilidade. Regis- sequer no Brasil-Colônia.
traram-se casos de morgadio, porém sua incidência Então, que obstáculos ao desenvolvimento do
não alterou -o caráter geral do regime jurídico fun- modo de produção capitalista eram específicos do
diário. Uma lei de 1835, também sob a Regência, escravismo colonial?
declarou extintos todos os morgadios. A propriedade O principal, o fundamental era a própria insti-
de terras pela Igreja Católica deixou de ser questão tuição escravista. Se as primeiras fábricas, como afir-
grave ainda na época colonial. Isto porque a Com- mei acima, empregaram escravos, isto só podia re-
panhia de Jesus, entidade clerical detentora das presentar recurso muito restrito e efêmero. O modo
maiores extensões territoriais, foi expulsa de Portu- de produção capitalista é absolutamente incompa-
gal pelo Governo do Marquês de Pombal, em 1759, e tível com o trabalho escravo. Seu desenvolvimento
teve seus bens confiscados pela Coroa lusitana. Outras depende da formação de um mercado de müo-de-
ordens religiosas sofreram o mesmo tipo de confisco. obra despossuída, abundante e juridicamente livre
Por isso, já no Brasil independente, os bens territo- para ser assalariada, sob contratos de trabalho res-
20 Jacob Corender A Burguesia Brasileira 21

cindíveis quando convier ao empregador. Esse tipo em detalhe do evento da Abolição (abordado, nesta
de mercado de mão-de-obra começou a se constituir coleção, por Suely Reis de Queiroz). O que, aqui, me
no Brasil na segunda metade. do século XIX, porém interessa ressaltar consiste em que considero a extin-
sua expansão permaneceu fortemente restringida en- ção das relações de produção escravistas, no Brasil,
quanto subsistiu a instituição servil. A persistência da um evento revolucionário. Ou, dito de maneira mais
escravidão fazia do ócio apanágio do homem livre, de taxativa: a Abo/içao foi a única revo/uçao social ja·
tal maneira que muitos despossuídos preferiam a mais ocorrida na História de nosso País.
marginalidade e a indigência ao trabalho assala- Com o desaparecimento da escravidão, desapa-
riado. Também a imigração de trabalhadores eúro- receram também o modo de produção escravista co•
peus, enquanto sobrevivesse a escravidão, encontra- lonial - dominante durante quase quatro séculos -
ria sérios impedimentos. e a formação social escravista correspondente. A pro-
Acresce que, sob vários aspectos, o .ordena- funda transformação na estrutura econômica não
mento jurídico vigente no Brasil-Império se revelava deixou de se manifestar na superestrutura político-
inadequado ao desenvolvimento capitalista. A orga- jurídica. A Monarquia centralizadora estava esclero-
nização judiciária era apropriada a um regime domi- sada e se tornara um trambolho. Daí ter sido substi-
nado por plantadores escravistas, porém cheia de tuída pela República federativa descentralizada, na
falhas graves quando se tratava de proteger empreen- qual os Estados ganharam ampla autonomia, sob a
dimentos capitalistas. Só para citar um exemplo, por batuta hegemônica dos dois Estados mais poderosos:
uma lei de 1860, parcialmente alterada em 1882, as São Paulo e Minas Gerais.
sociedades anônimas não podiam ser constituídas Pode-se objetar: mas a Abolição deixou o lati-
sem autorizaçãóiexpressa do Governo e estavam proi- fúndio intocado. e
verdade. E não poderia ser de
bidas de colocar suas ações à venda. Finalmente, a outra maneira, por dois motivos principais:
condição do catolic.ismo como religiãll oficial e as 1?) A possibilidade de efetivação da reforma
restrições à prática dos demais cultos opunham difi- agrária seria concebível somente se já existisse um
culdades à vinda de imigrantes protestantes e de movimento camponês capaz de lutar por ela em
outras confissões. aliança com o movimento abolicionista. Ora, como
se sabe, o abolicionismo não encontrou apoio em ne-
nhum movimento camponês.
A revolução abolicionista 2?) A mais elevada forma de luta dos escravos
consistiu na fuga das fazendas, o que se deu sobre-
Para os fins do meu tema, não careço de tratar tudo em São Paulo, a região do escravismo mais

l
Jacob Gore11der 23
22 A Burguesia Rrasileira

próspero dos anos 80 do século passado. Em conse- ria (Machado de Assis alude a isso no seu romance
qüência, ao abandonar as fazendas, os escravos se Esaú e Jacob) seria hostil à Abolição ou temerosa de
incapacitavam para a luta pela posse da terra, apesar suas conseqüências, uma vez que os fazendeiros
de manifestarem aspiração nesse sentido. eram os principais devedores dos bancos e a proprie-
Com todas as suas limitações, a Abolição não dade servil representava a garantia mais substancial
deixou de ser uma revolução. Pela via da luta poll- dos débitos, pode-se supor, pela lógica dos interesses
tica, deu vigoroso impulso à eliminação de formas de de classe, que a burguesia industrial deveria assumir
exploração já esgotadas. Porém não o fez para trazer uma atitude oposta. Mas a burguesia industrial ape-
o paraíso aos trabalhadores, negros ou )>rancos .. No- nas estava em formação e, na vida real, suas posições
vas formas de exploração vinham sendo instauradas não foram sempre coerentes.
e se expandiram após a Abolição, pois eram ade- Ao menos, é característico o caso de Antônio
quadas ao nivel mais elevado das forças produtivas. Felício dos Santos. Industrial têxtil em Minas Ge-
Em especial, todos os trabalhadores se tornaram rais, presidente da Associação Industrial e signatário
juridicamente livres e, com isso, a difusão das rela- do seu Manifesto de 1881, no qual defende uma
ções de produção capitalistas ficou desembaraçada. política tarifária protecionista em favor do desenvol-
A República pôs em vigor algumas medidas, vimento da indústria nacional, Felício dos Santos
que completaram a transformação abolicionista: a conciliava semelhante posição com a de antiabolicio-
Igreja Católica foi separada do Estado e ficou garan- nista. Em 1885, foi eleito para a Câmara do Depu-
tida a liberdade da prática pública de outros cultos tados como candidato dos escravocratas.
religiosos; uma lei de 1890 agilizou a organização de
sociedades anônimas, afastando a interferência do
Estado e permitindo a negociação pública de ações.
Coloquemos, no entanto, a seguinte questão:
que papel teve a burguesia em transformações de tão
grande envergadura?
No concernente à Abolição, não contamos ain-
da, em nossa historiografia, com um estudo mono-
gráfico sobre a atuação da burguesia. Há somente
referências ocasionais à militância abolicionista de
comerciantes e industriais.
Se é possível conjecturar que a burguesia bancá-
A Burguesia Brasileira 25

!ante. Ora, a agricultura brasileira não se tornou


capitalista 'em seguida à extinção do trabalho es-
cravo. Nem sequer a cafeicultura do Oeste de São
Paulo .sofreu uma transformação capitalista com a
introdução do trabalho livre, só paréialmente pago
em salários. Além do que a presença de salários nem
sempre indica, por si mesma, a vigência de relações
· de produção capitalistas. Esta é uma questão rele-
DESENVOLVIMENTO vante, acerca da qual discordo de Caio Prado Jr. e de
outros historiadores da economia brasileira.
DO CAPITALISMO NA PRIMEIRA Sem entrar em detalhes, saliento que prevalecia
REPÚBLICA no setor agrícola da economia nacional o latifúndio
plantacionista ou pecuário, em cujo âmbito vigo-
ravam relações de produção que combinavam •ele-
mentos de economia camponesa com o pagamento de
Carãter subordinado do modo salários · de modalidade pré-capitalista. As formas
mais típicas e difundidas de tais relações de pro-
de produção capitalista dução se manifestavam no colono da cafeicultura
paulista, no "morador" das plantagens canavieiras e
Se é fato que a extinção do escravismo colonial das fazendas de gado do Nordeste, nos meeiros e
retirou o principal obstáculo à expansão das forças parceiros muito numerosos no Nordeste e em Minas
produtivas modernas e das relações de produção ca- Gerais, nos vaqueiros que trabalhavam pela "quar-
pitalistas, isto não significa, contudo, que o modo de ta".
produção capitalista se afirmou de imediato como o No conjunto desta agropecuária, sobressaía a
dominante na formação social emergente. cafeicultura, que fornecia o principal produto de
Ao proclamar-se a República, a indústria reunia exportação. Ã semelhança do que ocorria à época da
pouco mais de 54 mil operários e sua produção repre- economia escravista colonial, a nova economia con-
sentava uma fração pequena do produto nacional. tinuava a ter seu eixo na exportação de produtos
Quase vinte anos depois, em 1907, cabiam à agricul• primários. Na primeira década do século XX, dois
tura quatro quintos do valor liquido da produção terços da produção agrícola nacional, em termos de
física do País, ficando a indústria com o quinto res- valor, eram exportados e, no total da exportação, o
26 Jacob Gorender A Burguesia Brasileira 27

café participava com 53% (seguido pela borracha, provocam uma febre de alta temperatura. O capita•
com 26%). Uma vez que São Paulo fornecia cerca de !ismo brasileiro foi acometido por uma dessas febres,
dois terços do café exportável, compreende-se a força entre 1889 a 1892, quando mal ensaiava seus pri-
econômica concentrada em mãos dos cafeicultores meiros avanços.
paulistas. O episódio ficou conhecido como "encilhamen-
A classe dominante era constituída, por conse- to", porque assim se· designava, na época, o mo•
guinte, pelos proprietários das plantagens ( de café, menta, nas corridas de cavalo, em que estes estavam
cana-de-açúcar, cacau, algodão, etc.) e das fazendas encilhados antes da largada e o jogo dos apostadores
de gado. A grande burguesia comercia) e bancária chegava ao frenesi. Por analogia, o termo foi apli•
associava-se intimamente aos latifundiários, além do cado aos lances dos investidores na compra e venda·
mais porque, com freqüência, procedia do meio de ações de companhias diariamente constituídas, ein
deles. escala desmedida.
Seria, no entanto, erro grosseiro identificar esta A febre especulativa começou ainda sob o Impé-
economia pós-Abolição com a do escravismo colo- rio, quando era Primeiro-ministro o Visconde de
nial, simplesmente porque, em ambas, a exportação Ouro Preto. A libertação dos escravos -provocara o
de produtos primários exerceu função primordial. súbito aumento da necessidade de pagar salários e os
Nas novas condições pós-Abolição, difundem-se as fazendeiros sentiam carência de dinheiro, cujo mon-
relações salariais e amplia-se num ritmo acelerado o tante, na economia escravista, não precisava ser ele-
mercado interno. Este acabará suplantando a_ impor- vado. A fim de atender a esta falta de liqüidez, como
tância estratégica da exportação e se converterá no dizem os economistas, o Governo imperial forneceu,
eixo do desenvolvimento econômico. Semelhante di· sem juros e com outras cpndições vantajosas, certas
namismo do mercado interno teria sido completa· . quantias aos bancos, que eles repassariam em dobro
mente inviável nos quadros do escravismo colonial. aos fazendeiros, a juros de 6% ao ano. Imediata•
mente se valorizaram as ações dos bancos existentes e
novos bancos se criaram. Numa reação em cadeia,
subiu a cotação dos títulos de toda espécie de socie·
O Encilhamento: uma loucura juvenil dades por ações, organizando-se depressa novas so-
ciedades que negociavam seus títulos com ágios cres•
A especulação é inerente ao capitalismo e faz centes.
parte do seu curso rotineiro .. Mas há momentos em Quando Rui Barbosa assumiu o Ministério da
que as manipulações especulativas se exacerbam e Fazenda, no primeiro governo republicano de no-
28 Jacob Goremler A Burguesia Brasileira 29

vembro de 1889, já encontrou o carro em movimento. Stanley J. Stein, também recebeu significativa inje-
Convicto de que a circulação monetária era· insufi- ção de capital, o que lhe permitiu dar um passo mais
ciente e, ademais, aberto a idéias de industriali- largo à frente.
zação, embora sem coerência doutrinária, estabe-
leceu um mecanismo de bancos privados· emissores, o
que incitou ainda mais a especulação. No entanto,
a grande maioria das companhias _então criadas não Particularidades regionais
dispunha de viabilidade e, nos primeiros meses de do desenvolvimento industrial
1891, as cotações da Bolsa começaram, a cair. Em
janeiro do mesmo ano, Rui já havia renunciado ao A industrialização brasileira - no que não dife-
cargo de ministro. riu da inglesa e de outros países do capitalismo "clás-
Acerca do episódio do Encilhamento, cumpre sico" - começou com a predominância da indústria
fazer duas observações. leve de bens de consumo não-durável, ocupando os
Em primeiro lugar, o investimento em ações e primeiros lugares, durante longo tempo, os ramos de
outros titulos privados, estimulado pela nova lei das tecidos e de alimentos. Os Censos de 1907 (este não
sociedades anônimas, apareceu como alternativa à oficial, promovido pelo Centro Industrial do Brasil) e
tradicional aplicação da poupança privada disponl- de 1920 nos oferecem o seguinte quadro compara-
vel em apólices do Governo. Ao descongelar a pou- tivo.
pança investida nessas apólices estatais de renda fixa
e transferir capitais disponíveis para empresas priva- PARTICIPAÇÃO PERCENTIJAL NO VALOR DO PRODUTO
das, a especulação serviu, apesar do inevitável des- INDUSTRIAL NACIONAL

perdício, de mecanismo de transmissão entre a acu- 1907 1919


mulação originária de capital e a acumulação pro-
Indústria têxtil 24,6 29,6
priamente capitalista. · · Indústria de alimentos 19,1 20,S
Em segundo lugar, dada a estrutura da econo- Total 43,7 50,J
mia da época, este mecanismo de transmissão favo-
receu principalmente os bancos e as companhias de Outro aspecto ;elevante consiste no caráter ini-
estrada de ferro e de navegação, que absorveram as cial bastante regionalizado da formação da indústria
maiores fatias do capital em títulos posto em circu- nacional. Dado o custo excessivo dos meios de trans-
lação. Mas a indústria de transformação, sobretudo porte na época, do baixo nível da acumulação de
a indústria têxtil do Rio de Janeiro, como assinalou capital e da incidência de um imposto interestadual
30 Jacob Gorem/er A Burguesia Brasileira 31

sobre a circulação de mercadorias (i111posto só elimi0 açúcar até os anos 30. Como nos esclarece Peter L.
nado em 1937), às fábricas das ·regiões mais desen- Eisenberg, o núcleo de usinas modernas se formou
volvidas conseguem, nesta fase inicial, uma espécie com substanciais empréstimos do Governo estadual,
de proteção para reservar seu próprio mercado, ao os quais nunca foram restituídos e resultaram em
abrigo da concorrência dos produtores de outras re- doações às custas do erário público. Os usineiros
giões. Com o tempo, a concentração industrial se assumiram o controle da economia açucareira e se
acentuará em São Paulo e as indústrias regionais tornaram a força politica decisiva em Pernambuco.
passarão a competir entre si num mercado já de O fraco dinamismo· do seu mercado interno re-
caráter nacional, sobrevivendo e expandindo-se aque- gional fez do Nordeste um fornecedor de mão-de-
las favorecidas por fatores como base regional mais obra e de capitais às regiões meridionais.
poderosa, abundância de matérias-primas, especiali- Extremo Sul. No Rio Grande do Sul e em Santa
zação tecnológica, situação geográfica estratégica, etc. Catarina, temos o caso único de uma acumulação
Sob tal aspecto, distinguimos quatro casos tí- originária do capital que se processa, não a partir da
picos: economia de plantagem escravista, porém a partir da
Nordeste. Sua agricultura de exportação, na se- economia de pequenos camponeses e artesões livres,
gunda metade do século XIX, encontrava-se em de- estabelecidos nas zonas de colonização alemã e ita-
cadência e, por conseguinte, proporcionou uma base liana.
fraca à acumulação originária do capital. À medida que esses pequenos produtores ru-
Apesar disso, a Bahia foi pioneira na criação de rais, cujo autoconsumo era o mais elevado do País,
fábricas de tecidos e, ainda em 1911, sua produção encontraram vazão para seus produtos no mercado
têxtil ocupava o quarto lugar no País. Mas, ao que nacional, avolumou-se a capacidade aquisitiva mo-
parece, a expansão da nova cultura do cacau absor- netária regional e surgiram numerosos estabeleci-
veu o fraco impulso da economia baiana. A indústria mentos fabris em Blumenau, Joinville, Porto Alegre,
têxtil não se modernizou e sucumbiu à concorrência, São Leopoldo, Novo Hamburgo, Caxias do. Sul e
quase desaparecendo após a Segunda Guerra Mun- outras cidades.
dial. O fio do desenvolvimento industrial da Bahia só Atuando, a princípio, no mercado regional, a
viria a ser reatado nos recentes anos 60. indústria sulina encontrou na especialização tecnoló-
A indústria têxtil de Pernambuco surgiu mais gica o fator que lhe permitiu enfrentar com êxito a
tarde e conseguiu resistir, sobrevivendo na fase de concorrência de São Paulo na fase de competição no
concorrência no mercado nacional. A par disso, Per- mercado nacional. Assim é que se reforçam e alcan-
nambuco continuou a liderar a produção nacional de çam grande porte grupos industriais sulinos como
32 Jacob Goremler A Burguesia Brasileira 33

Gerdau-Johannpeter, Eberle, Renner, Hering, Han- paulista uma precocidade capitalista, que dataria,
sen, Tupy e outros. segundo alguns, do início de sua formação. Exagero
Rio de Janeiro. Na antiga capital do País, ocorre flagrante costuma ser cometido, por exemplo, no
uma combinação entre a acumulação originária de referente à introdução do trabalho livre nessa cafei-
capital procedente da agricultura de exportação e a cultura. No cap. XXVII do meu livro já citado, creio
disponibilidade prévia de um mercado urbano de
haver demonstrado que as plantagens cafeeiras de
dimensões relativamente amplas. São Paulo, inclusive de sua Zona Oeste, se basea-
A cafeicultura da zona fluminense do Vale .do ram no trabalho escravo até as vésperas da Abolição.
Paraíba prosperou durante o século XlX e somente Em segundo lugar, como afirmei antes,, a cafei•
nos anos 80 é que entrou em declínio, cedendo a cultura de São Paulo,. no período pós-Abolição, ao
primazia à cafeicultura paulista. Por sua vez, o Rio explorar o trabalho de colonos, tampouco adquiriu
de Janeiro, por força da condição metropolitana, caráter capitalista. Por isso, considero errôneo cha-
tornou-se a cidade mais populosa e rica do País. Em mar os fazendeiros paulistas daquela época de "bur-
1900, sua população atingiu os 692 mil habitantes, guesia cafeeira".
quando a da capital de São Paulo não passava ainda Conquanto não-capitalista, a cafeicultura de
dos 240 mil. São Paulo, sobretudo a da Zona Oeste, formou-se e
O Rio de Janeiro se formou, antes de tudo, como prosperou na fase em que se iniciava ·o desenvolvi-
grande centro comercial e bancário. Sua situação de mento capitalista no Brasil. Acrescente-se, pois se
cidade portuária lhe deu o controle do comércio de trata de aspecto decisivo, que as fazendas de café
exportação e importação da região fluminense, de eram de propriedade de residentes no Brasil e não do
Minas Gerais e do Norte de São Paulo. A acumu- capital estrangeiro, a exemplo do que sucedia com as
lação de capital comercial e bancário, associada à plantagens de produtos tropicais em muitos países da
amplitude do mercadffurbano e rural, fez do Rio de América Latina, Ãsia e África.
Janeiro o maior centro industrial nacional até cerca Em conseqüência, a agricultura de exportação
de 1910. forneceu ao desenvolvimento industrial de São Paulo
São Paulo. A respeito da correlação entre cafei- uma acumulação originária de cap_ital e um mercado
cultura e industrialização em São Paulo, o leitor regional com um potencial superior ao das outras
encontrará abundante literatura. Todavia, penso que regiões do País. Embora só possam ser mencionados,
tal conexão - verdadeira, no geral - não foi corre- tais fatores positivos implicam outros correlatos:
tamente esclarecida sob aspectos importantes. grande disponibilidade de força de trabalho . imi-
Em primeiro lugar, atribui-se à cafeicultura grante, desenvolvimento da rede ferroviária, o porto
34 .ku:ob Goremler A Burguesia Hrasiteira 35

de Santos, localização geográfica central, etc. No o número de cafeeiros em produção no Estado de São
entanto, é preciso salientar fortemente que a corre- Paulo passou de 105 milhões a 685 milhões, com um
lação entre cafeicultura e indústria não deve ser consi- aumento de 577 milhões de pés de café, ou seja, um
derada simétrica, conforme a concepção errônea de acréscimo de 550%. Esta é, portanto, uma fase em
autores como Wilson Cano. que a cafeicultura paulista, apesar do auge de sua
Nos últimos vinte anos do século passado, a prosperidade, forneceu capitais à indústria em escala
cafeicultura paulista atravessou um período de auge. moderada.
Com o extraordinário afluxo de trabalhadores imi- Isto explica porque, em 1907, apesar da acen-
grantes, ampliou 0 se rapidamente o mercador regio- tuada decadência da cafeicultura fluminense, é ao
nal. Assim é que uns tantos fazendeiros aplicaram Rio de Janeiro que cabe de longe a primazia da
parte dos seus excedentes líquidos na montagem de indústria de transformação no Brasil. Se juntarmos
fábricas. Em numerosos casos, porém, o capital ini- os 30,3% do valor da produção industrial da Capital
cial para a indústria veio do comércio. As vezes, Federal aos 7,5% do Estado do Rio de Janeiro, temos
também os bancos adiantavam empréstimos para 37,8% para a indústria da região fluminense. Na
iniciativas industriais, como se deu com Francisco mesma data, o valor da produção industrial do Es-
Matarazzo, cujo investimento num moinho foi apoia- tado de São Paulo não ia além dos 15,9% da pro-
do por um banco inglês. De modo geral, os bancos dução brasileira.
preferiam transacionar com os fazendeiros de café, Contudo, ao· iniciar-se o século XX, caem as
uma vez que este era, então, o negócio mais seguro. cotações internacionais do café e o volume das safras
A formação de um novo cafezal, pelo sistema de paulistas configura uma situação de perigosa super-
empreitada, não exigia adiantamento de capital. produção. A solução encontrada consistiu no plano
Mas o aumento do parque cafeeiro requeria gastos de valorização adotado pelos Estados cafeeiros no
na compra de novas terras, no desbravamento e cons- Convênio de Taubaté, em 1906: uma parcela das
trução de vias de acesso, na ampliação das insta- safras será estocada e retida, com financiamento de
lações e equipamentos de beneficiamento, na cons- importadores e bancos europeus, a fim de sustentar
trução de casas para maior número de colonos, no os preços. Ao mesmo tempo, criou-se um imposto
pagamento dos seus salários antes da venda da co- sobre novos cafeeiros, o que•contribuiu para inibir o
lheita, etc. Por isso mesmo, o grosso dos excedentes plantio. Em 1917, aplicou-se o segundo plano de
líquidos gerados pela cafeicultura e concentrado pe- valorização. Tais medidas foram coroadas de êxito.
los bancos ou pelos comerciantes foi reaplicado na Entre 1902 e 1921, a quantidade de cafeeiros paulis-
expansão da própria cafeicultura. Entre 1880 e 1902, tas em produção só aumentou eP1 20%, alcançando
36 Jacob Gorem!er

r 844 milhões de pés, .com um acréscimo absoluto,


portanto, de apenas 159 milhões. Considerando as
lt
cotações internacionais satisfatórias, verifica,se, por•
tanto, que a cafeicultura paulista gerou vultosos ex-
cedentes líquidos cuja maior parte, ao invés de rea•
plicar na própria expansão, desviou, por meio dos
bancos, para o financiamento da indústria. Nas cir•
cunstâncias da época, os investimentos industri.ais
em capital fixo não eram grandes, nem exigiam pro•
Jongada maturação. Os industriais• careciam com ORIGENS E CARACTERISTICAS
maior premência de crédito para capital de giro (des• DA BURGUESIA INDUSTRIAL
pesas com matérias-primas e salários), o que o sis•
tema bancário existente se mostrou capaz de aten•
der, cumprindo o papel de mecanismo de transmis•
são entre a acumulação originária de capital na cafei- O indiscreto charme
cultura e a acumulação propriamente capitalista na dos fazendeiros paulistas
indústria.
Em 1919, por isso mesmo, as posições se inver- Num dos seus filmes mais inspirados, o cineasta
teram. O Estado de São Paulo já representava 33,1 % Bufl.uel satirizou o "discreto charme da burguesia".
da produção industrial nacional, em contraste com Ao que parece, os fazendeiros paulistas de café irra•
22,4% da Capital Federal e 6,1 % do Estado do Rio diaram um charme bem menos discreto para a nossa
(o que dava à região fluminense um cômputo total de inteligentsia. Pois não foi nos salões da oligarquia
28,5%). Dai em diante, a concentração·industrial só cafeeira que se reuniam os inquietos escritores e ar•
fez se acentuar em São Paulo, na medida em que a tistas responsáveis pela celebrada Semana de Arte
reprodução ampliada do seu capital era impulsio- Moderna, em 1922? "Decênios mais tarde, sairia dos
nada pelos mecanismos das economias externas, das círculos universitários de São Paulo uma alentada
economias de escala e dos fatores multiplicadores. literatura historiográfica, e~onômica e sociológica,
Em 1939, a produção da indústria paulista já repre• que fez dos fazendeiros paulistas os,promotores prin•
sentava 45,4% da produção industrial brasileira. Tal cipais da Abolição e da industria!Ízação do Brasil.
participaçãosobepara47,9%, em 1949, para55,6%, Já mencionei a vinculação dos cafeicultores pau•
em 1959, epara56,l %, em 1969. listas com a escravatura. Abordemos a questão· da
38 Jacob Gonmder A Burguesia Brasileira 39

industrialização. Em primeiro lugar, como frisei lo- O mito do enriquecimento pelo trabalho
go acima, não houve simetria entre o desenvolvi-
mento da cafeicultura e o da indústria. Em segundo Uma pesquisa recente sobre pequenas e médias
lugar, o número de fazendeiros de café, que assumiu empresas registra que 7% dos avós paternos e ma-
diretamente o papel de empresário industrial, foi ternos dos empresário.s, inclusos na amostra, foram
pequeno, dentro do conjunto de industriais. Quase operários e trabalhadores manuais. Embora pes-
sempre, citam-se os nomes de Álvares Penteado, fun- quisa semelhante não tenha sido feita com os empre-
sários da época inicial do capitalismo brasileiro, cer-
dador de uma fábrica de sacaria de juta, e Antônio
tamente algum percentual deles começou a vida na
da Silva Prado (não confundir com n homônimo
condição de operário ou artesão. Conhecem-se, em
Barão de Iguape). Este último, além de riquíssimo
fazendeiro de café, foi presidente do Banco Comércio especial, os casos de Scarpa, Ramenzoni e Pereira
e Indústria, atual Comind, de 1889 a 1920, e fun- lgnacio. A valorização de uma qualificação profis-
dador de várias empresas industriai.s. Não obstante, sional, um pequeno empréstimo de familiares ou de
quantos mais de tal porte, originários da aristocracia um banco e circunstâncias fortuitas ( um prêmio na
cafeeira, podem ser mencionados, que se comparem loteria, por exemplo) permitem que uns tantos traba-
a Matarazzo, Antônio Pereira Ignacio (fundador do lhadores se libertem da condição de assalariados e
grupo Votorantim), Antônio Proost Rodovalho (fun- subam os primeiros degraus da escada que leva à
dador da Compánhia Melhoramentos), Klabin-Lá- condição de capitalista.
fer, Jafet, Ometto-Dedini, Simonsen e tantos outros, Daí, precisamente, se originou o mito do capitão
cuja origem nada teve a ver com fazenda de café? Foi de indústria imigrante, que chegou ao Brasil com as
por via do mecanismo bancário e comercial, princi- mãos vazias e, à custa de uma vida a pão e banana,
palmente, que o capital acumulado na cafeicultura alcançou a justa recompensa da riqueza.
se transferiu à indústria. O percentual acima citado se relacio}la com uma
Em conclusão: reconheço que a supremacia in- amostra de 74 empresas. Isso já demonstra que, para
dustrial de São Paulo teve no chamado "complexo o conjunto de milhões de trabalhadores, o número de
cafeeiro" sua base de partida; simultaneamente, jul- indivíduos favorecidos com a ascensão ao escalão da
go que não passa de um' mito o "vanguardismo" dos burguesia só pode ser da ordem do milésimo de por
fazendeiros paulistas, cujo charme fascinou tantos cento. A regra de ouro do capitalismo se resume em
autores, às vezes até brilhantes e radicais .. que o salário não deve superar o valor da força de
trabalho. De preferência, convém que seja inferior a
esse valor e, para isso precisamente, existe o exército
40 Jacob Gorender A Burguesia Brasileira 41

· industrial de reserva. Quem pega no pesado e vive de


salário, não tem como poupar. Os próprios econo-
mistas burgueses, no seu estilo e com suas justifica-
tivas ideológicas, reconhecem esta verdade, quando
afirmam que a classe operária não tem "propensão
para poupàr".
Vários estudos revelam que, nas regiões meri-
dionais do País, inclusive o Rio de Janeiro, foi ele-
vada, provavelmente majoritária, a contribuição de
imigrantes e de seus descendentes brasileiros ime-
diatos à formação da ·burguesia indústrial brasileira.
Não pretendo, aqui, proporcionar uma explicação
1
sociológica ou psicológica para este fenômeno. O que 1.
julgo imprescindível esclarecer é que os imigrantes
bem-sucedidos como capitalistas não foram os que
precisaram assalariar a própria força de tabalho co-
mo operários manuais. Tornaram-se capitalistas uns
pouquíssimos que já vieram com algum capital (mo-
desto que fosse), que chegaram ao Brasil contratados
como representantes de firmas estrangeiras (caso de
Rodolfo Crespi) ou como técnicos e administradores,
que traziam um equipamento cultura[ favorável à
montagem de pequenos negócios comerciais e pe-
quenas oficinas, etc. Em conclusão, como indicou
Warren Dean, as linhas de classe já vinham de ante-
mão traçadas na massa imigrante.

Vias de formação da burguesia industrial


O mesmo Warren Dean é autor de importante Logotipo da Jndtístrias Reunidas Francisco Matarnzw.
42 Jacob Gorell{/er A Burguesia !Jraúleim 43

contribuição ao tema, com o estudo sobre a indus- de embrulho e, finalmente, fundou uma fábrica de
trialização de São Paulo, no qual pôs em relevo uma papel, o que a conduziu ao negócio de importação de
das vias de formação da burguesia industrial: a via celulose. Mais tarde, deixaria de importar a celulose
do comércio importador. para produzi-la no Pais.
O caso clássico é justamente o de Matarazzo, o O fenômeno não se restringiu a São Paulo, nem
maior industrial da primeira época do capitalismo a grandes importadores. Domingos Giroletti cita
brasileiro. De importador de banha americana pas- uina ocorrência em Juiz de Fora, centro industrial de
sou a fabricante do produto. Quando idealizou sua Minas Gerais que reproduziu, aliás, em miniatura, o·
distribuição em latas (substituindo as barricas ameri- processo paulista de acumulação originária do capi-
canas), dominou o mercado. Foi também importador tal pela cafeicultura escravista. O imigrante Antônio
de farinha de trigo e isto o levou a montar um moi- Meurer, estabelecido inicialmente com um loja de
nho para industrializar no Brasil o trigo bruto impor- fazendas e artigos de armarinho, pôde notar a gran-
tado. de procura de meias estrangeiras. Resolvendo fabri-
Às vezes, o importador começava a produzir car o produto no Brasil, comprou máquinas alemãs
peças componentes do produto importado como e, em sua própria residência, montou pequena ofi-
meio de oferecer serviços de manutenção aos clientes. cina onde trabalhavam seus familiares, no final do
Daí passava à produção do artigo completo. A firma século passado. Em 1914, era dono de uma fábrk::!
paulista Rádio Frigor dedicava-se, nos anos 30, ao com 300 operários.
comércio de importação de aparelhos de rádio e equi- Em suma, levando em conta que o desenvolvi-
pamentos de refrigeração. Do fabrico de peças desses mento da indústria brasileira recebeu um dos seu$
equipamentos passou à sua produção por inteiro. principais impulsos do processo de substituição de
Transferiu-se do comércio de importação à indústria, importações, é compreensível que o ponto de partida
porém manteve a marca original até hoje, apesar de de certo número de industriais fosse o comércio de
nada mais ter a ver, há muito, com aparelhos de importação. Com isto, no entanto, ao contrário do
rádio. que sugere W. Dean, não se verificou uma fusão dos
A importação, em outros casos, objetivou deter- interesses econômicos de importadores e industriais,
minada matéria-prima ou bem intermediário, inexis- considerados em seu conjunto como setores distintos
tente ou escasso no País, porém indispensável à pro- da burguesia. Conforme veremos, foram setores de
dução de certos artigos finais. A família Klabin fez interesses geralmente contraditórios.
sua primeira inversão numa tipografia, depois adqui- Nem se deve supor que somente do comércio de
riu uma máquina para fabricar livros-caixa e papel importação derivaram industriais. Também o comér-
44 Jacob Gorender A Burguesia Brasileira 45

cio interno constituiu fonte de lucros que permitiu a em 1930, montou modesta oficina de consertos de
transição para a indústria. Bernardo Mascarenhas automóveis em Santa Bárbara do Oeste, no interior
foi tropeiro e, nesta atividade, juntou o capital que de São Paulo.
lhe permitiu montar, em 1872, uma fábrica têxtil
próximo a Juiz de Fora, seguida de outros empreen-
dimentos industriais. Rodovalho, em São Paulo, co- Ideologia e organização
meçou comerciando com açúcar e sal. O grupo in-
dustrial Renner, como nos informa Paul Sínger, .teve da burguesia industrial
sua origem nos estabelecimentos comerciais criados
por Franz Trein, a partir de 1847, na zona colonial Desde que adquiriu densidade e consistência, a
do Rio Grande do Sul e, mais tarde, centralizados burguesia industrial se viu a si mesma como uma das
em Porto Alegre. · "classes. conservadoras". E tinha razões para seme-
Tampouco é correta a idéia de que a indústria lhante visão de si própria. Após as transformações
fabril brasileira, em particular a ·têxtil, não teve promovidas pela Abolição e pela República, a bur-
precedentes nas pequenas oficinas. Ali onde se mos- guesia industrial não possuía motivos para revolu-
trou mais dinâmico o processo de desenvolvimento cionar a ordem social estabelecida.
da indústria de transformação, não foram raros os Contudo, pode-se objetar: o desenvolvimento da
casos de industriais cujo início se deu em pequena burguesia, pelo menos ao despontar o século XX,
escala. Embora na história da industrialização capi- não a colocava em antagonismo com o latifúndio,
talista do Brasil não tivesse havido uma fase cronolo- segundo assevera Nelson Werneck Sodré?
gicamente delimitada de domínio da manufatura ar- Cabe deslindar a identificação entre a política
tesanal ou semi-artesanal, ao qual se seguisse o do- econômica dos latifundiários e a propriedade latifun·
mínio da fábrica mébanizada, a transição da oficina diária. Se a burguesia industrial podia chocar-se com
à fábrica representou ocorrência freqüente. Já vimos a primeira (o que nem sempre acontecia), nenhuma
o caso de Antônio Meurer. O gnipo têxtil Hering, razão tinha para combater a segunda. A idéia de que
com sede em Blumenau, começou pela iniciativa do uma agricultura de pequenos proprietários teria
imigrante Hermann Hering, que adquiriu, em 1879, constituído mercado mais amplo para a indústria
um tear circular e organizou uma oficina de tipo nacional e acelerado o seu desenvolvimento - esta
familia!, que depois evoluiu para a fábrica. A traje- idéia é desmentida pela flagrante superioridade do
tória do grupo Romi, da indústria mecânica, partiu desenvolvimento da indústria em São Paulo com re-
do empreendimento de Américo Emílio Romi, que, lação ao Extremo Sul. Ademais, a história universal
4ó Jacob Gorel/t/er A Burguesia Rrasileirll 47

no Rio, o Centro Industrial do Brasil, sucessivamente


não registra um só caso em que a burguesia houvesse
tomado a iniciativa de uma reforma agrária destrui- presidido por Serzedelo Correia, Jorge Street e Fran-
dora do latifúndio. Tal tipo de reforma agrária, mes- cisco de Oliveira Passos.
mo quando parte integrante de uma revolução bur- Em São Paulo, o Centro da Indústria de Fiação
guesa, .resultou sempre do impulso das massas cam- e Tecelagem surgiu em 1919, enfileirando-se com
ponesas. outras pequenas entidades de industriais metalúr-
A verdade, por sinal, foi que numerosos indus- gicos, gráficos, fabricantes de papel e papelão, de
triais adquiriram terras e, por conseguinte, deviam calçados, etc. No entanto, os industriais paulistas,
considerar juridicamente intocável a propriedade em geral, se filiaram, durante muito tempo, à Asso•
privada do solo. Matarazzo tornou-se latifundiãrio ciação Comercial de São Paulo, fundada em 1894,
para plantar cana-de-açúcar e criar gado de corte. nela aceitando a hegemonia dos representantes do
Não poucos industriais encontraram na especulação comércio importador. Somente em 1928, precisa-
com terrenos urbanos excelente negócio para a for- mente quando a contradição de interesses entre o
mação de novos capit!lis. A urbanização dos bairros comércio de importação e a indústria chegava a um
da Água Branca, da Vila Mariana e do Brooklin ponto crítico, foi que os industriais paulistas se reti-
Paulista, na capital de São Paulo; beneficiou, respec- raram da Associação Comercial e fundaram o Centro
tivamente, os Matarnzzo, Klabin e Pereira Ignacio. das Indústrias do Estado de São Paulo. Além das
O conservadorismo social dos industriais era Associações Comerciais, os Centros do Comércio e
Indústria, que existiram no Rio de Janeiro e em São
idêntico em todo o País. Paulistas não se distinguiam
Paulo, igualmente demonstram, nesta etapa da Pri-
de gaúchos ou cariocl)S, nem estes de mineiros e
meira República, a convivência organizativa entre
pernambucanos. De modo geral, durante a Primeira
comerciantes e industriais, bem como certo grau de
República e ainda depois, os industriais se vincu-
identificação entre uns e outros. Matarazzo, Pereira
lavam mais estreitámente com as oligarquias esta-
duais do que com os industriais de outras regiões. O Ignacio, Klabin e Luiz Dumont Villares foram em-
que dificultava a formação da consciência burguesa presários que acumularam, durante certo tempo, a
de classe com uma visão nacional. função de industriais com a de comerciantes impor-
Isto se reflete no atraso com que surgem as tadores.
entidades organizativas dos industriais. Estes filia-
vam-se às Associações Comerciais preexistentes e tar-
diamente fundavam suas organizações próprias e di-
ferenciadas. Asim é que somente em 1904 foi criado,
48 Jacob Goremler A /1111:c:uesia !Jmsileira 49

Paternalismo e repressão A exploração desenfreada se combinava com


da classe operária duas táticas calculistas por parte do patronato: a do
paternalismo e a da repressão policial.
O paternalismo manifestou-se h'a construção de
Pelo que acontece hoje, são imagináveis as con- vilas operárias e no fornecimento de certos serviços
dições de trabalho e de vida dos trabalhadores du- (escolas, assistência médica, etc.). Mas a benevo-
rante o longo período em que inexistiu qualquer lência de semelhante paternalismo não ultrapassava
legislação trabalhista ou em que esta mal começava a a fachada. Os benefícios assistenciais tinham a con-
ser elaborada. trapartida de descontos nos salários, não raro arbi- ·
Os salários eram muito baixos e, por sinal, se- trários e excessivos. Jorge Street, que costuma ser
gundo dados do Censo de 1920, situavam-se em São louvado pelo avançado espírito assistencial, declarou
Paulo em nível inferior ao do Rio de Janeiro e do Rio a uma delegação inglesa visitante de sua fábrica que
Grande do Sul, o que acrescentava mais uma van- os benefícios oferecidos não constituíam prática de
tagem para os industriais paulistas, A jornada de caridade, porém visavam o pagamento de salários
trabalho habitual se estendia de onze a doze horas e mais baixos, pois os operários costumavam torrar seu
as condições higiênicas e de segurança, dentro das dinheiro em coisas inúteis. Também Eduardo Jafet
fábricas, s6 podem ser caracterizadas como calami- argumentou que não adiantaria pagar salários mais
tosas. Na indústria têxtil, em particular, o proleta- altos, uma vez que os operários não saberiam como
riado era constituído, em sua maioria, por mulheres gastá-los utilmente. Convém observar; ademais, que
e crianças. Segundo testemunho insuspeito do co o assistencialismo paternalista derivava da vanta-
meço do século XX, a idade mínima para o trabalho gem que havia na construção de vilas operárias na vi-
fabril era de ... cinco anos! Numa das fábricas de zinhança das fábricas, uma vez que isto reforçava a
Matarazzo, foram encontradas máquinas de propor- subordinação disciplinada do empregado ao patrão,
ções apropriadas ao manejo infantil. Pior ainda: os numa fase em que o mercado capitalista de força· de
menores viam-se forçados a horários noturnos de trabalho era, comparativamente aos dias atuais, res-
onze horas e, com freqüência, sofriam espancamen- trito e de fraca fluidez. O fenômeno não foi s6 pau-
tos dentro das fábricas. Não havia descanso semanal lista. Em Salvador também, o industrial Luís Tar-
remunerado, férias remuneradas, seguro contra aci• quínio construiu extensa vila operária defronte à sua
dentes, previdência social, nada, enfim, que impu- fábrica têxtil, então uma das maiores do País.
sesse algum limite legal à taxa de exploração da força Mas o paternalismo não era suficiente. Diante
de trabalho. das manifestações de resistência do jovem proleta-
50 Jocob Gorem/a A Bw:r:11esia JJmsi/eim 51

riado bi:asileiro contra a exploração capitalista, o estadonovista outorgara espontaneamente aos ope-
patronato industrial não ficou de braços cruzados, e, rários brasileiros, sem conflitos e sem derramamento
desde cedo, apelou aos serviços dos órgãos de repres- de sangue, a mais avançada legislação trabalhista do
são do Estado. Operários estrangeiros, que se desta- mundo. Estudos historiográficos recentes incumbi-
cavam na liderança sindical ou política, eram suma- ram-se de revelar as vigorosas lutas travadas pelo
riamente deportados como rufiões ou sob outras acu- proletariado antes de 1930 e a conexão de tais lutas
sações infamantes. Outros eram confinados em lo- com as leis trabalhistas aprovadas também antes
cais isolados e insalubres da Amazônia. As reuniões daquela data. Entre estas, podem ser citadas a lei
de trabalhadores costumavam ser disso~vidas a pátas que criou as Caixas de Aposentadorias e Pensões
de cavalo e golpes de sabre, não raro com mortos e para os Ferroviários (1923), benefício depois esten-
feridos. O refinamento da repressão se aperfeiçoou dido aos estivadores e marítimos (1926) e que, pela
com a organização das listas negras, nas quais a primeira vez, incluiu o dispositivo da estabilidade do
polícia e as entidades patronais incluíam os operários empregado após dez anos de serviço; a lei de férias
suspeitos de "subversão" e os condenavam, dessa remuneradas, no limite de quinze dias (1925); e a lei
maneira, ao desemprego permanente. de regulamentação do trabalho de menores (1927)
Protegidos pelo Estado dos fazendeiros, os in- A tática do patronato deixara de ser a da rejei-
dustriais mantiveram-se inteiramente surdos às rei- ção liminar da legislação trabalhista em nome do
vindicações dos operários, até a explosão das grandes liberalismo - ideologia política e- econômica oficial
greves de 1917-1919, em São Paulo, Rio de Janeiro e na Primeira República. Admitida, em face das lutas
outros pontos do País. Por isso mesmo, não é casual operárias, a legitimidade da discussão do assunto, o
que, justamente em 1919, o Congresso aprove a Lei patronato procurou ganhar tempo, conceder muito
de Acidentes do Trabalho - a primeira lei traba- pouco em matéria legal e aplicar o mínimo ou mesmo
lhista do Brasil - e seja criada, na Câmara dos De- nada do que ficasse registrado na lei. Basta dizer que
putados, a primeira Comissão de Legislação Social. a lei de acidentes do trabalho só teve sua regulamen-
A persistente e maciça propaganda do Estado tação em 1~135, quando começou a ser posta em
Novo conseguiu difundir eficazmente a faláeia de que prática. A lei de férias ficou quase no papel até 1932.
a legislação trabalhista brasileira não representou
conquista do movimento operário, mas outorga do
Governo presidido por Getúlio Vargas. O ditador e
seu Ministro do Trabalho, Alexandre Marcondes Fi-
lho, inúmeras vezes proclamaram que o Governo
A Burguesia Brasileira 53

Por seu lado, os latifundiários não cessam de


proclamar que "o Brasil é um país essencialmente
agricola" e que a vocação natural de. sua economia é
agrária. Repetindo os argumentos da teoria dos cus-
tos comparativos, elaborada pelo economista David
Ricardo, afirmam que a vantagem do Brasil consiste
em exportar produtos agricolas, cuja produção lhe
sai barato, e importar manufaturados, cuja produ-
ção lhe sairia caro. Não obstante, enquanto se man-
INDÚSTRIA E ECONOMIA tinha na faixa da produção de sacaria e dos artigos
DE EXPORTAÇÃO: AJUSTAMENTO de baixa qualidade consumidos pelas camadas po-
E OPOSIÇÃO bres ou daqueles cuja im,Portação seria flagrante-
mente antieconômica (a exemplo dos materiais de
construção), os latifundiários consideram normal a
existência da indústria nacional. Esta representa ·um
Complementaridade e contradições campo de inversão de capitais sobrantes, as fábricas
compram algodão, couros e outras matérias-primas ,
Referindo-se à aliança entre fazendeiros de café de origem rural, enquanto os operários compõem um
e industriais na·Juta política de 1930, Boris Fausto mercado crescente para gêneros alimentícios. Con-
caracterizou esta aliança como manifestação de uma tudo, tal ajustamento era instável e sujeito a contra-
complementaridade básica. A meu ver, diante do dições e recomposições nem sempre de fácil arranjo.
que já expus e dos argumentos que se seguem, o f'; que a indústria, pelo imperativo da repro-
correto seria falar em complementaridade contra- dução ampliada do capital, incursiona gradualmente
ditória. nas faixas dos manufaturados importados de quali- ·
Os industriais tinham na agricultura seu prin- dade mais alta, com os quais pretende concorrer.
cipal mercado consumidor, a fonte produtora do Como, no entanto, tais manufaturados procedem de
grosso de suas matérias-primas, fornecedores de ca- países avançados, que os produzem a baixo custo e
pitais e geradores das divisas imprescindíveis à im- podem vendê-los a baixos preços, a indústria nacio-
portação de matérias-primas e bens de capital (má- nal só teria condições de concorrência se o produto
quinas, equipamentos, material de transporte) ainda estrangeiro fosse .encarecido por elevadas tarifas al-
não produzidos no País. fandegárias. Ao mesmo tempo, os industriais preci-
54 lt1cob Gon!11der 55

sam comprar matérias-primas e bens de cápital de comércio importador.


procedência estrangeira. Neste caso, interessa-lhes Argumento antiindustrialista, muito difundido
comprã-los a baixo preço e, por isso, opõem-se à na época, era outrossim o que discriminava entre
aplicação de tarifas alfandegárias elevadas. A uma indústrias naturais e indústrias artificiais. As pri-
política de comércio exterior, que atenda a seme- meiras, aquelas que consumiriam apenas matéria~-
lhantes exigências complexas, se denomina de prote- primas de origem nacional; as segundas, as obri-
cionismo. gadas à importação de matérias-primas. Na prática,
Os latifundiãrios produtores de gêneros de.ex- poucas indústrias dispensariam alguma importação
portação defendiam uma política econêmica oposta: de matérias-primas. Aliás, sob este aspecto, ocor-
a do livre cambismo. Ou seja, batiam-se pela ausên- riam contradições setoriais entre os próprios indus-
cia de barreiras alfandegárias que dificultassem a triais, o que impedia sua coesão em defesa do prote-
entrada de produtos estrangeiros. Esta é uma pol!- cionismo. As tecelagens opunham-se às fiações, uma
tica que convém primordialmente aos países indus- vez que as primeiras preferiam abastecer-se com o fio
trializados. Mas convém, por igual, às classes dos estrangeiro mais barato e de qualidade superior. As
países atrasados vinculadas à exportação de produtos fábricas de calçados preferiam adquirir o couro es-
primãrios. Exportar o máximo com destino aos paí- trangeiro do que comprar sua matéria-prima nos
ses ricos tem a contrapartida de importar também o curtumes nacionais. No geral, tudo isso contribuía
máximo desses países. O que, por sua vez, corres- para que a retórica dos políticos e jornalistas mais
pondia plenamente aos interesses do comércio im- influentes classificasse a indústria brasileira como
portador. Por isso, já no século passado, os porta- fictícia ou de estufa. . ., .
vozes parlamentares e jornalísticos dos cafeicultores Tal contradição de classe, entre lattfund1anos
e dos importadores insistem que a indústria brasi- exportadores e burguesia industrial, alcançaria, com
leira favorecida pelas tarifas alfandegárias seria a freqüência, graus de demasiada agudeza, não ocor-
responsável pela carestia. O argumento encontra re- ressem duas circunstâncias atenuantes.
ceptividade nas camadas médias urbanas, em cujo A primeira derivava do fato de que o Governo
seio fermenta, durante mQ.ito tempo, um sentimento Federal teve no imposto de importação, até os anos
de hostilidade à indústria nacional. Assim, ao con- 30, a fonte bâsica de sua receita orçamentária. Via-se
trário do que supõe N. W. Sodré, a pequena burgue- obrigado, por conseguinte, a aplicar tarifas adua-
sia, durante a Primeira República, e ainda depois, neiras relativamente altas, porém com objetivo ape-
não foi aliada da burguesia industrial, pois engros- nas fiscal. Por isso, as tarifas não eram elevadas ao
sava o coro antiindustrialista da cafeicultura e do ponto em que barrassem a importação, uma vez que,
56 Jacob Gorender A /Jwxuesia /Jrasileira

neste caso, cama a receita do respectivo imposto. tado.


Ademais, a elevação das tarifas constumava ser in- A questão do câmbio implicava, contudo, outra
discriminada, incidindo também sobre os bens de instância e introduzia uma contradição no seio da
produção estrangeiros indispensáveis à produção fa- representação politica dos próprios cafeicultores. Ao
bril nacional, o que contrariava os interesses dos · nível imediato dos seus interesses como produtores,
industriais. Apesar disso, mesmo com .tais aspectos representados politicamente pelo Governo estadual
negativos, criava-se razoável barreira protetora atrás de São Paulo, os cafeicultores advogavam sempre o
da qual a produção industrial brasileira podia. se câmbio baixo. Entretanto, como fração de classe
desenvolver. Dentro de limites, no entapto, que. logo hegemônica, controlavam também a instância polí-
adiante precisariam ser ulfrapassados. tica superior - o Governo Federal. Este devia zelar
A segunda circunstância atenuante decorria da pela estabilidade do câmbio e pela conversibilidade
política cambial, isto é, da fixação da taxa de valor do mil-réis - exigências dos credores da dívida ex-
do dinheiro nacional medido pelo· padrão, naquela terna brasileira, principalmente os bancos ingleses.
época, da libra esterlina. Aos cafeicultores convinha Tais credores opunham-se às medidas conducentes à
que cada libra obtida com a exportação de café fosse desvalorização cambial, uma vez que, em conse-
trocada pela maior quantidade possível de mil-réis. qilência, se dificultava o pagamento regular-dos em-
A isto se chamava de câmbio baixo. O que também préstimos externos. Também eram contrários à des-
convinha aos industriais, pois o câmbio baixo enca- valorização cambial as poderosas empresas estran-
recia os artigos estrangeiros· concorrentes, pelos geiras concessionárias de serviços públicos, cujas ta-
quais: seria preciso pagar uma quantidade maior de rifas em mil-réis pediam valor-ouro com a queda do
mil-réis em confronto com o preço original em libras. câmbio. Tais circunstâncias deram lugar a episódios
Se, em tal caso, coincidiam as vantagens de cafeicul- em que os cafeicultores paulistas se desentenderam
tores e industriais, os prejudicados, obviamente, com presidentes da República por eles eleitos e exem-
erani os comerciantes importadores. A fim de levar plarmente representativos dos seus interesses, como
vantagem na concorrência e vender a maior quanti- Rodrigues Alves e Washington Luís.
dade possível, estes últimos só. podiam preferir o Em todo este jogo tão complicado, a burguesia
câmbio alto, que barateava os artigos estrangeiros. industrial esteve longe de se comportar com a passi-
Prejudicados também saíam os consumidores, para vidade que lhe .atribuem alguns historiadores, os
os quais a desvalorização cambial "significava redu- quais a descrevem como beneficiária de mecanismos
ção do poder de compra, segundo o mecanismo de econômicos que funcionaram a seu favor sem carecer
«·socialização das perdas" explicado por Celso Fur- de sua intervenção política. No concernente às ques-
58 Jr/{_'o/J Gor('lufa A Burguesia Brasileira 59

tões do protecionismo e da taxa cambial, a obra de sição, em particular, da bancada do Partido Repu-
Nícia Vilela Luz é rica de informações acerca das blicano Paulista (PRP).
ofensivas e contra-ofensivas da burguesia industrial. O terceiro momento é o que veremos a seguir.
Para os fins de uma exposição introdutória, três mo-
mentos significativos devem ser assinalados.
O primeiro momento é o da ofensiva protecio-
nista consubstanciada no projeto do deputado mi-
Café e indústria na década de vinte
neiro João Luís Alves, apresentado à Câmara Fede- Jã no início dos anos 20 do século atual, o cha-
ral em 1904, precedido pela doutrinação de Amaro mado "complexo cafeeiro" deixara de ser fator posi-
Cavalcanti e Serzedelo Correia. O projeto foi defen- tivo para o desenvolvimento industrial e se conver-
dido energicamente por Jorge Street, por Vieira tera, nitidamente, em obstáculo. A expansão da ca-
Souto e pelo Centro Industrial do Brasil, durante as feicultura ganharia ritmo paroxístico, acentuando a
discussões que se arrastaram até 1907. ;,fas a opo- deformação monocultora, desviando investimentos
sição da cafeicultura paulista e de Leopoldo Bulhões, não somente da indústria como também da agricul-
Ministro da Fazenda do Governo Rodrigues Alves, tura de mercado interno e impondo outras medidas
levou a proposta parlamentar a encalhe irremediãvel. de uma política econômica que devia culminar em
A partir daí, os industriais abandonaram a pre- desastre.
tensão de alcançar a aprovação de uma ld protecio- Após o terceiro plano de valorização em 1921-
nista geral e adotaram a tâtica de lutar por obje- 1922, o Governo do Estado de São Paulo, aliado aos
tivos parciais restritos. Ã medida que a indústria governos de outros Estados cafeeiros, pôs em prática,
se desenvolvia e invadia novas faixas do mercado a partir de 1924, o que se chamou de "defesa perma-
abastecido por importações, surgia a necessidade de nente do café". A retenção de estoques para a susten-
novos ajustes tarifãrios, conseguidos por via do su- tação dos preços passava a ser aplicada sem solução
borno ou de manobras variadas. de continuidade, com financiamento de bancos inter-
O segundo momento é o da ofensiva antiprote nacionais, para os quais tal especulação vinha sendo
c1onísta de Homero Batista. Ministro da Fazenda do lucrativa. Enquanto as cotações do café se tornavam
Governo Epitâcio Pessoa, em 1919. Tal era, porém, a sempre mais estimulantes, nenhuma medida se to-
força já conquistada pela burguesia industrial que a mou para controlar o plantio de novos cafezais. Em
proposta de redução das tarifas aduaneiras (atin- São Paulo, o número de cafeeiros sobe, entre 1921 e
gindo, supostamenre. apenas as indústrias artificiais) 1930, de 844 milhões para 1188 milhões, com um
não passou na Cã,1-ara dos Deputados, com a opo- acréscimo absoluto de 344 milhões de pés de café e
(;()
Jacob Gorenda A B111xuesia Umsíleim 6/

um aumento relativo de 40%. Mas a política de valo- acuada pela concorrência dos tecidos ingleses e vinha
rização permanente induz crescimento ainda maior tendo desempenho medíocre. Nos anos 1927-1928,
em outros Estados cafeeiros, sobretudo em Minas · sofre queda brusca de 25% na sua produção. Os
Gerais e no Espírito Santo .. Com exceção de São industriais paulistas e cariocas desencadeiam uma
Paulo e no mesmo período 1921-1930, o número de campanha publicitária cautelosa no sentido da eleva-
cafeeiros sobe de 887 milhões para 1 343 milhões: um ção da proteção tarifária para certos tipos superiores
aumento de 456 milhões de pés de café, represen- de tecidos. De maneira intencional, evitam propostas
tando 51 % a mais. Entre 1924 e 1929, o café chega a de alteração depreciativa da taxa cambial, cuja esta-
alcançar a média anual de 73% do valor total" da bilidade constituía questão fechada para Washing-
exportação brasileira. Na safra agríc~la de 1931- ton Luís, pois nela residia a pedra de toque do rela-
1932, os cafezais ocupavam nada menos de 36% de cionamento com a finança internacional.
toda área cultivada no Brasil! A Câmara Federal aprovou. em 1929, uma ele-
A indústria continuou a se desenvolver neste vação parcial de tarifas alfandegárias, pleiteada e
período, porém o fez em ritmo mais lento e com formulada em projeto defendido por Manoel Villa-
dificuldades crescentes. Em primeiro lugar, a expan- boim, líder da bancada do PRP. Tal resultado confir-
são da cafeicultura absorve capitais que desvia da mará na burguesia industrial o comportamento con-
indústria, ao contrário do que sucedera no perído servador, segundo a linha de menor atrito· e final
1906-1920. Em segundo lugar, a abundante disponi- acomodação com os interesses hegemônicos da cafei-
lidade de divisas decorrentes da prosperidade da ex- cultura. Apesar de tais interesses já constituírem,
portação permite o afluxo impetuoso das importa- naquele momento, o principal entrave ao desenvol-
ções, o que repercutirá negativamente, em especial, vimento do capitalismo no Brasil.
na indústria têxtil, precisamente numa fase em que
se propunha concorrer na faixa de mercado dos teci-
dos mais finos.
Desta situação dão conta as taxas médias anuais
de crescimento da produção física brasileira, no pe-
ríodo 1920-1929: produção agrícola total - 4,1 %;
agricultura de exportação - 7,5%; agricultura de
mercado interno - 1,6%; produção industrial -
2;8%.
A indústria paulista de tecidos de algodão via-se
A !11trg11e~·ia Brasileira 63

lt para uma composição diferente da mesma classe de


latifundiários, na qual predominavam os segmentos
ligados ao mercado interno.
Na disputa pela sucessão presidencial de 1930, a
burguesia industrial - conforme demonstrou Boris
Fausto - optou por Júlio Prestes, candidato de Wa-
shington Luís e do PRP. Tal posição foi publica-
mente manifestada, em São Paulo e no Rio, pelas
mais representativas entidades do patronato indus-
A VIRADA DE 1930 trial.
Em contraposição, ao assumir o Poder em se-
guida ao vitorioso movimento politico-militar de ou-
Uma revolução que não houve tubro de 1930, Getúlio Vargas e sua equipe ministe-
rial não possuíam qualquer projeto de incentivo espe-
cial à industrialização. As medidas iniciais de maior
Durante muito tempo, considerou-se ponto pa- relevância do Governo Vargas destinaram-se à pro-
cífico a tese de que, em 1930, foi vitoriosa uma teção de vários setores da agropecuária, inclusive a
revolução e, ademais, uma revolução burguesa. O cafeicultura, cujos estoques invendáveis passaram a
historiador N. W. Sodré incumbiu-se de dar a esta ser comprados e queimados pelo Governo Federal.
tese o melhor de sua capacidade de fundamentação. Ainda em 1935, o Governo Vargas teria agudo
Examinemos a questão nos seus aspectos principais. confronto com a burguesia industrial, por ocasião da
Se aceitarmos a concepção segundo a qual toda discussão e aprovação de um tratado comercial com
revolução consiste na substituição de um modo de os Estados Unidos. O tratado previa tarifas privile-
produção antiquado por outro novo e pela derrubada giadas para a entrada de produtos manufaturados
da velha classe dominante do Poder político e sua norte-americanos no mercado brasileiro, com a con-
conquista por uma nova classe dominante, então trapartida da concessão de vantagens para a entrada
deveremos concluir que, em 1930; não houve revo. de café e outros produtos primários brasileiros no
lução no Brasil. Nenhuma alteração ocorreµ na es- mercado norte-americano. Uma vez que vários entre
trutura econômica da sociedade e o controle do Po- os manufaturados norte-americanos assim favoreci-
der político nacional não mudou de classe. Tal con- dos iriam concorrer com similares já produzidos no
trole passou da fração cafeicultora dos latifundiários Brasil, a burguesia industrial se opôs à aprovação do
64 Jacob Gorell(/er A Burguesia Brasileira 65

tratado comercial, maniféstando-se por intermédio ção da produção exportável pela produção para ·
de líderes tão influentes como Roberto Simonsen, o mercado interno como eixo do sistema econô- ·
Vicente de Paulo Galliez e Euvaldo Lodi. Do lado mico.
oposto, o tratado foi defendido pelos representantes Com a queda vertical do valor das exportações,
da cafeicultura, por Valentim Bouças, porta-voz dos caiu também a capacidade para importar e as forças
comerciantes importadores, e por Oswaldo Aranha, produtivas industriais avançaram com celeridade,
Ministro das Relações Exteriores. Diante do prolon- apoiadas na acumulação precedente. De 1933 a
gamento dos debates no Congresso e das pressões 1939, a taxa média anual de crescimento da indústria
norte-americanas, Vargas interveio pessoalmente a de transformação foi de 11 % , a mesma do ramo têx-
fim de apressar a ratificação parlamentar. til, que se recuperou da estagnação da década de 20.
Todavia, é inegável que, nos anos 30, a indústria Os ramos de minerais não-metálicos e de metalurgia
brasileira deu um salto à frente e se reforçou a in- - ambos do departamento produtor de bens de pro-
fluência política da burguesia industrial. Se não hou- dução - aumentaram seu produto a taxas médias
ve uma revolução, é também inegável que ocorreu anuais, respectivamente, de 20 e de 21 %. Em 1919, a·
uma virada na evolução histórica do País. composição do produto físico nacional, em termo de
valor líquido, era de 79% para a agricultura e de
21 % para a indústria; em 1939, a participação da
agricultura caía para 57%, enquanto a da indústria
subia para 43%. Mesmo no âmbito da agricultura,
Nova correlação de forças sociais no período de 1930 a 1939, a produção das culturas
e desenvolvimento do capitalismo para o mercado interno aumentou a uma taxa média
anual de 3,3%, ao passo que a taxa correspondente
O movimento político-militar de 30 realizou das culturas de exportação foi de 2,2%.
uma tarefa importante para desobstruir o caminho Refletindo a consciência mais avançada dos seus
ao desenvolvimento do capitalismo: apeou do Poder interesses de classe,. a burguesia industrial formulou
a oligarquia dos fazendeiros de café e dos seus asso- nos anos 30 um projeto abrangente e diversificado de
ciados do capital bancário e comercial, a qual gover- suas reivindicações. Sua tônica continuou antilibe-
nava o Brasil há quarenta anos. A Grande Depressão ral, como sempre fora, mas deixou de se restringir à
de 1929-1933 golpeou violentamente a cafeicultura e questão do protecionismo no comércio exterior. Os
contribuiu para que, no quadro da nova correlação porta-vozes da burguesia industrial - Simonsen;
• de forças sociais. se tornasse irreversível a substitui- Horácio Láfer, Euvaldo Lodi, Guilherme Guinle e
óó .lacoh Gorent/1:r A Bw~~1wsia Urasileim 67

outros, timbram em estabelecer· identificação entre conquista ideológica da classe operária e de discipli-
industrialização e interesse nacional, repelem as acu- namento de suas organizações sindicais sob o con-
sações de artificialismo da indústria brasileira, enfa- trole· direto do Estado. Como responsáveis pelo Es-
tizam sua legitimidade e se batem por uma política tado, Vargas e sua equipe demonstraram uma in-
explícita de intervenção do Estado em favor da ini- tuição geral da dinâmica social que faltava ainda
ciativa privada capitalista. aos líderes saídos do próprio meio burguês. Enquan-
Apesar da hostilidade ou da desconfiança mú- to estes continuavam presos a uma visão economi-
tua nos primeiros anos do pós-30; a tendência, que cista e corporativa dos interesses de classe, Vargas e
acabou prevalecendo, foi a da aproximação entre os seus ministros podiam perceber a gravidade da
industriais e o Governo Vargas. Daí que o conjunto "questão operária" e enfrentá-la com a aplicação de
da burguesia, com particular realce para a burguesia uma orientação que, se -aparentemente conflitava
industrial, houvesse apoiado sem vacilações o golpe com os interesses imediatistas da burguesia, corres-
de 10 de novembro de 1937, que instaurou o Estado pondia aos seus objetivos gerais e de longo prazo.
Novo e deu a Getúlio Vargas, durante oito anos, Além da criação do Ministério do Trabalho, .
poderes ditatoriais. Indústria e Comércio, foram aprovadas leis como as
da jornada de oito horas, salário mínimo, de regula·
mentação do trabalho de mulheres, das convenções
Atitudes da burguesia diante coletivas de trabalho e da extensão da estabilidade
da legislação trabalhista aos dez anos de serviço à generalidade das categorias
profissionais. O mais importante consistiu, porém,
Com a vitória da Aliança Liberal em 1930, inau- no fato de que, da parte do Estado, houve a percep-
gurou-se nova fase nas relações entre o Estado e a ção de que a legislação trabalhista não devia ficar no
classe operária. A valorização historiográfica das lu- papel, mas precisava ser aceita e aplicada pelo patro-
tas da classe operária não deve obscurecer este fato. nato a fim de que atingisse sua-finalidade de submis-
A tática da repressão não se atenuou. Ao contrá- são ideológica e organizativa da classe operária. Daí
rio, aperfeiçoou-se com a criação das Delegacias de a instituição da Justiça do Trabalho, dotada de ele-
Ordem Política e Social. especializadas no combate mentos burocráticos para impor certo nível de efi-
ao movimento sindical independente, ao Partido Co- ciência à legislação específica.
munista e à esquerda cm geral. Contudo, o que Confluindo para o mesmo fim, o Governo Var-
sucedeu de realmente novo foi que o Governo Vargas gas ampliou, sobretudo na fase do Estado Novo, os
, pôs cm prática uma linha coerente e sistemática de mecanismos de previdência social e deu a esta pro-
68 Jacob Corender 69
A Burguesia Brasileira

porções desconhecidas no período anterior a 30. Sur- dade ideológica com as autoridades governamentais
giram os vários institutos previdenciários, que cons- na linha da colaboração de classes e da paz social.
truíram hospitais e conjuntos residenciais para ope- Ou seja, numa linguagem desmistificada: na linha
rários e setores da baixa classe média. Ao mesmo da criação das condições ideais para explorar a força
tempo, as greves ficaram rigorosamente proibidas. de trabalho e extrair dela a mais-valia.
, Tais medidas, aliadas à repressão policial, pro- Uma posição burguesa mais avançada foi, sem
' porcionaram as condições básicas que conduziram á dúvida, a de Roberto Simonsen. Ao contrário dos .
· supressão da independência dos sindicatos e sua. es- seus pares, que ainda insistiam em qualificar os ope-
truturação corporativista de inspiração fascista, se- rários como ignorantes e preguiçosos, o líder indus-
gundo os princípios orgânicos de unicidade, vertica- trial paulista reconheceu que os salários eram baixos ,
lidade e enquadramento oficial tutelado pelo Estado. e irrisório o nível de consumo do povo brasileiro. ·
Saliente-se, a propósito, que toda esta política Com sagacidade, antecipou-se à retórica oficial em
' multilateral teve em mira somente os trabalhadores várias décadas, pois, em síntese, afirmou ser inviável
urbanos, porque somente eles dispunham de organi- dividir o bolo enquanto este não crescesse. Para tal 1
zação, realizavam lutas de massa e já recebiam a fim, reclamou a proteção do Estado ao desenvolvi- 1
influência de idéias revolucionárias. A situação dos mento da indústria nacional.
trabalhadores do campo permaneceu intocada, em
nada se alterando as formas da tradicional domi-
nação latifundiária.
No entanto, como reagiu o patronato a todo este
processo?
Seria ingênuo esperar a aceitação automática e
plena da nova política trabalhista do Estado pela bur-
guesia. A tônica das suas lideranças nãd residiu pro-
priamente na rejeição daquela política, porém na res-
trição ao suposto exagero dos "encargos sociais". O
patronato discutiu acirradamente ínfimos detalhes da
elaboração da legislação trabalhista, seguindo a tática
de reduzir ao mínimo e protelar ao máximo as conces-
sões aos trabalhadores .
. Não deixou, contudo, de eXPressar sua afini-
A Burguesio Brasifeim 71

capital muito mais fraca do que na Europa e nos


Estados Unidos.
O Segundo Império e a Primeira República se
destacaram, em particular, pela construção de estra-
das de ferro. Em 1929, quase metade da rede ferro-
viária era já de propriedade estatal.
Durante os anos 30, os porta-vozes dos indus-
triais enfatizaram dois pontos: 1? - necessidade de
financiamento do Estado para a industrialização; 2?
BURGUESIA E ESTAbO -· criação pelo próprio Estado de núcleos da mo-
derna indústria de base (ferro e aço, produtos quí-
micos, petróleo), cuja construção se achava fora do
alcance do capital privado.
O Estado como agente empresarial No referente ao financiamento estatal, o pri-
meiro Governo Vargas encaminhou-o no âmbito das
A ideologia burguesa elaborou-se na Europa no necessidades do capital de curto prazo. Em 1937,
quadro da luta contra a camisa-de-força das insti- começou a funcionar a Carteira de Crédito Agrícola e
tuições feudais e, em conseqüência, adquiriu a forma Industrial do Banco do Brasil, cujas atribuições, a
de um liberalismo extremado e intransigente. O Es- princípio muito limitadas, se ampliaram sob pressão
tado não devia ter nenhuma participação na ativi- das entidades representativas dos industriais. O fi-
dade econômica e sua função legítima seria tão-so- nanciamento estatal a longo prazo, indispensável à
mente a de gendarme, que se restringisse a impor a indústria pesada, cuja maturação costuma durar vá-
todas as partes interessadas - dos capitalistas aos rios anos, só veio no segundo Governo Vargas, com a
operários - o cumprimento das regras do jogo da fundação, em 1952, do Banco Nacional de Desen-
sociedade burguesa. volvimento Econômico (BNDE). A princípio vol-
A burguesia brasileira nasceu sob a influência tado para a sustentação das empresas estatais,
do liberalismo e do seu princípio fundamental: o da às quais, em 1964, dedicava 90% de seus recur-
liberdade da iniciativa privada ou da livre empresa. sos, o BNDE, em 1975, já destinava a mesma
Mas, se o liberalismo absoluto nunca foi realidade proporção às empresas privadas. De modo geral, por
em país algum, menos ainda o seria no Brasil, cujo exigência da própria iniciativa privada, alargou-se a
capitalismo partiu de uma 'acumulação originária do atuação do Estado na esfera financeira. Em 1979, os
72 Jacob Gorender A B111:r:11esia Brasileira 73

empréstimos dos bancos estatais representaram 65 % industrial nacional e, em nome do liberalismo, de-
do total de empréstimos dos 50 maiores bancos co- fendeu o retorno ao modelo agro-exportador, com
merciais, cabendo 41 % somente ao Banco do Brasil. admissão apenas de uma industrialização restrita.
Nos anos 40, teve início a atuação empresarial Gudin, em particular, não deixaria de advertir que o
do Estado no âmbito da moderna indústria de base. planejamento econllmico pelo Estado encerrava o pe-
Surgiram a Companhia Siderúrgica Nacional (Volta rigo de abrir caminho em direção à sociedade tota-
Redonda), a Companhia Vale do Rio Doce, a Com- litária comunista.
panhia Nacional de Álcalis e a Fábrica Nacional .de A tendência ao crescimento do setor estatal da
Motores (FNM). A industrialização nacional ingres- economia revelou-se, porém, incoercível, afirmando-
sava, decididamente, numa etapa mais alta. se com a criação da PETROBRÁS, da Rede Ferro-
Nos primeiros anos da década dos 40, o Governo viária Federal e da ELETROBRÁS. Nem mesmo as
Federal já dirigia também diversos institutos regula- forças políticas promotoras do golpe militar de 1964,
dores da produção e da comercialização de produtos apesar de suas proclamações antiestatistas, conse-
primários (café, açúcar e ãlcool, cacau, sal, mate, guiram deter essa tendência. Pelo contrário, o nú-
pinho) e formara alguns Conselhos de assessoria para mero das empresas estatais aumentou muito mais do
questões econômicas. Amadureceram, dessa ma- que no período anterior: em 1976, das empresas
neira, as condições para que, em 1944, através de estatais então existentes, 60% haviam sido fundadas
pareceres e discursos, Roberto Simonsen propusesse depois de 1966.
a idéia do planejamento da atividade econômica do Ocorre, ademais, que os governos p6s-64, justa-
Estado como instrumento de aceleração da indus- mente pelo empenho em modernizar o capitalismo
trialização. A idéia se fundava numa perspectiva de brasileiro, conseguiram colocar as empresas estatais
longo prazo, levando em conta o fim próximo da sobre os trilhos da eficiência capitalista. Decerto,
guerra mundial, ·e incluía a obtenção de um financia- não lograram livrá-las de todo dos males das admi-
mento geral procedente dos Estados Unidos. (Em nistrações incompetentes, das negociatas e dos des-
1947, o notável líder industrial, intelectual e político perdícios, ainda mais porque o regime militar põe os
propugnaria a extensão do Plano Marshall à Amé- diretores de empresas estatais fora do alcance da
rica Latina, tendo em vista o Brasil, como é óbvio). fiscalização·por parte da oposição politica. Além dis-
Da oposição às propostas de Simonsen se in- so, a lucratividade de certas empresas estatais, como
cumbiram Eugênio Gudin, Valentim Bouças e Octa- as siderúrgicas, vê-se afetada, em alguns momentos,
vio Gouvêa de Bulhões. Essa oposição momenta- pelos planos antiinflacionários governamentais, que
neamente vitoriosa apareceu como reação ao avanço impõem a contenção administrativa dos preços dos
74 Jacob Corender A Burguesia Brasileira 75

seus produtos, o que, afinal, resulta numa subvenção A primeira refere-se às campanhas antiestatistas i
do Estado ao capital privado. Feitas estas ressalvas, recorrentes, em cuja promoção se associam a bur- ',
constata-se que, em média, as empresas estatais das guesia brasileira e as multinacionais. Quais as moti- i
indústrias extrativa e de transformação e dos serviços vações dessas campanhas?
industriais (energia elétrica e comunicações) ostentam Do ponto de vista doutrinário, a burguesia bra- ·
lucratividade invejável, comparável à do capital pri- sileira e os dirigentes das multinacionais não podem
vado. Além de atuarem em condições monopolistas, deixar de sentir que a participação crescente do Es-
contam com fundos especiais criados pelo Governo e tado na atividade econômica representa uma brecha
com o acesso privilegiado ao financialllento interna- grave no sagrado princípio capitalista da livre em-
cional. Daí que a participação das empresas estatais presa. Cada empresa estatal bem-sucedida como que
na formação bruta de capital fixo (investimento na- constitui demonstração prática de que os capitalistas
cional em edificações e instalações produtivas, maqui- privados podem ser dispensados enquanto agentes do
naria, equipamentos e material de transporte) haja processo econômico. Por isso, a repetição monótona
saltado de 13%, em 1965, para25%, em 1975. de argumentos antiestatistas funciona como exor-
A longo prazo, a visão de Roberto Simonsen cismo para a consciência burguesa e para a chamada
revelou-se muito superior à do seu adversário Gudin, opinião pública. Esta má consciência burguesa foi
na polêmica de 1944. O governo Castello Branco expressivamente manifestada pela declaração de Sér-
criou um poderoso órgão de planejamento e, curio- gio Schapke, presidente da Federação das Indústrias
samente, na sua direção se sucederam economistas do Estado do Rio Grande do Sul, acerca do recente
afinados com as idéias de Gudin - desde Roberto decreto de privatização de empresas sob controle
Campos até Mário Henrique Simonsen e Delfim estatal: "O governo volta a acreditar nos emprés-
Netto. O planejamento(tecnicamente denominado de sários como os mais capazes para administrar e gerar
indicativo) não conduziu ao comunismo, mas forta- bons resultados em um empreendimento".
leceu o capitalismo. Do ponto de vista conjuntural, as campanhas ·
antiestatistas não visam extinguir o setor estatal da
economia, uma vez que a própria burguesia está :
convencida de que isso seria impossível e percebe -
Antiestatismo e burguesia de Estado o que é mais importante - que o setor estatal tem
representado formidável alavanca para o desenvol-
Definido tal quadro, cabe responder, conquanto vimento do modo de produção capitalista e, por con-
sumariamente, a duas questões. seguinte, para o fortalecimento do próprio capital
76 Jacob Gorender A B11rg11esia Brasileira 77

privado. Nas circunstâncias brasileiras, só o Estado Assim é que a Vale do Rio Doce, a PETROBRÁS e
disporia de condições para concentrar com rapidez as grandes siderúrgicas estatais criaram suas pró-
os imensos recursos requeridos pela construção da prias subsidiárias especializadas em projetos e ser-
infra-estrutura da moderna produção industrial e pa- viços de engenharia. Por motivos óbvios, isto não
ra o financiamento do capital privado a longo prazo, agradaria a Henry Maksoud, proprietârio da Hidro-
com juros baixos ou mesmo negativos e outras vanta- service, uma das maiores empresas privadas do ramo
gens decisivas. O que tais campanhas questionam da engenharia e para a qual, em decorrência, o mer•
• são os limites admissíveis do setor estatal da eco- cado interno se contraiu sensivelmente. Sem omitir
nomia. respeitáveis razões doutrinárias, não se pode deixar
Com o fortalecimento recente de alguns grupos de suspeitar que este fato tão palpável impeliu Mak-
privados do capital bancário, surgiu, por exemplo, a soud a assumir o papel de campeão do antiestatismo.
campanha contra a "estatização do crédito", mani- Aliás, a pregação antiestatista não é incompatível com
festada em pronunciamentos de Magalhães Pinto e · o privilégio de receber subsídios do Estado, como o
Olavo Setubal, ex-presidentes, respectivamente, do demonstra a noticia de .fevereiro de 1981 segundo a
Banco Nacional e do Banco ltaú. f: evidente que os qual os proprietários do Jornal do Brasil e de O
bancos privados cobiçam os gordos recursos do Pro- Estado de S. Paulo aceitaram o financiamento de
grama de Integração Social (PIS) e do Programa de 70% dos investimentos e a participação acionária do
Assistência ao Servidor Público (PASEP), fundos BNDE na fábrica de papel de imprensa que preten•
criados pelo Estado e administrados pelo BNDE. dem instalar no Paraná.
Porém semelhante pretensão do capital bancário pri- Os decretos do Executivo acerca da contenção
vado em absoluto coincide com os interesses da bur- da criação de novas empresas estatais e de privati-
guesia industrial, antés agravando as contradições zação de certo número de empresas sob o controle do
entre ambos. Estado, promulgados em julho de 1981, provocaram
Como não podia deixar de ser, as empresas esta- nova onda de publicidade antiestatista. Deram-lhe
tais, por.seu caráter capitalista, não escapam à ne- apoio empresários de posições tão divergentes em
cessidade da reprodução ampliada do capital. Por face do capital estrangeiro quanto Antônio Ermirio
isso, crescem e ultrapassam os limites aos quais deve- de Moraes e Augusto Trajano de Azevedo Antunes.
riam obedecer, segundo o consenso da burguesia ou O primeiro, atual superintendente do grupo Voto-
até mesmo por lei expressa. Em conseqüência, ge- rantim, elogiou o Ministro Delfim Netto porque sua
ram-se áreas de atrito e contestação que, vez por administração na Secretaria do Planejamento serviu
outra, inflamam as campanhas contra a estatização. para "( ... ) segurar o avanço das estatais". E Azevedo
Jacob Gore1uler A J1w:r:11esia Rrasíleira 79
78

Antunes - magnata da exportação de minérios, s6• camada de administradores de empresas estatais que
cio da Bethlehem Steel e da Hanna - elogiou o perseguem a expansão destas como um fim próprio e
Presidente Figueiredo pelo fato de, em dois anos e até se propõem a hegemonia no sistema econômico-
meio de governo, não haver criado nenhuma nova . social.
empresa estatal: um recorde há muito não verificado. A meu ver, a intensificação da atuação econô• ,
Ê explicável que, a partir de 1975, o clamor mica do Estado lhe atribuiu, no Brasil, elevado grau ,
antiestatista da burguesia ganhasse um tom estri• de autonomia de decisões, nas condições de militari• ,
, dente. Tornados mais escassos, os recursos ec9nô- zação do aparelho estatal p6s•64. Tal autonomia ex• '
j micos passaram a ser objeto de di~puta acirrada plica, por exemplo, empreendimentos desastrosos
entre empresas privadas e estatais, de tal maneira como o da Transamazõnica, no Governo Médici, ou
', que a contenção destas últimas pareceu solução im- que o Governo Geisel decidisse, entre quatro paredes
. perativa imediata para o empresariado. A par disso, e por conta própria, aprovar o acordo com a Ale•
o poderio alcançado por vários grupos da burguesia manha Ocidental para a execução de um programa
brasileira incitou-os a cobiçar a absorção de algumas tão irracional e de intenções tão suspeitas como o da
empresas estatizadas com perspectiva de lucrativi- instalação de oito usinas nucleares, implicando des·
dade por demais atraente. perdício clamoroso de recursos que o empresário An-
Ê improvável, contudo, que as intenções pri~~ti- tônio Ermírio de Moraes jã criticou mais de uma vez.
zantes ora acesas consigam reduzir o peso espec1flco Apesar disso, a autonomia do Estado não lhe confere
do setor estatal na economia brasileira. primazia sobre a classe dominante, nem tampouco
. Por fim, a segunda questão: teria o setor esta~al daí cabe deduzir que se tenha gerado uma "burgue- ,
; engendrado uma "burguesia de Estado''., º': seJa, sia de Estado" com objetivos especificos ou divergen- !
· uma burguesia juridicamente não-propnetãr1a dos tes da burguesia propriamente dita. .
. meios de produção, diferenciada pelos interesses e Os altos administradores das empresas estatais :
pelo comportamento? são servidores do capitalismo ao mesmo titulo que os ;
A tese sobre a existência da "burguesia de Es· altos administradores das empresas privadas. Uns e \
tado" tem sido defendida, no exterior, por Charles outros são profissionais cujos ordenados e mordo•
Bettelheim, com relação à União Soviética, e por mias contêm uma parcela de mais-valia, o que, en-
Sarnir Amin, com relação a países do Terceiro Mun· tretanto, não lhes tira o caráter de empregados do
do. Aqui, no Brasil, argumentaram a seu favor Fer- capital, seja privado ou do Estado, corri as limitações
nando Henrique Cardoso e Carlos Estevam MarHns, e a instabilidade próprias da condição de quem é
autores que apontaram para a formação de uma empregado e não patrão. Uns e outros obedecem à '
80 Jacob Goremler

..
i mesma lógica da eficiência capitalista resumida, em
última instância, na taxa de lucro. Demais, acham-
se ligados por múltiplas conexões e são intercambiã-
. veis, isto é, podem passar com facilidade do setor
· esta tal ao privado ou vice-versa. É certo que os admi-
nistradores das empresas· estatais costumam ser afe-
tados por injunções pollticas, porém estas decorrem
do jogo de forças na classe dominante em cujo rn,eio
se resolvem.
Para encerrar, penso que o conceito de burgue- BURGúESIA E CAPITAL
sia se define por determinado tipo de propriedade ESTRANGEIRO
dos meios de produção e não pela/unção de controle,
qualquer que seja o nome que lhe atribuam. Nas
condições da dominação de classe da burguesia, as
empresas estatais constituem uma propriedade cole· Padrão de investimento estrangeiro
tiva dos capitalistas, entregue ao controle e adminis-
. tração de seu representante concentrado e supremo
antes de 1930
-o Estado. Na vastidão do tema deste capítulo, devo res,
tringir-me a alguns tópicos. Um deles concerne à mu-
dança dé atuação do capital imperialista no decorrer
do século XX. No caso do Brasil, em particular,
tendo como marco divisor a Grande Depressão de
1929-1933.
No período que começa no século passado e vai
até 1930. o grosso das inversões estrangeiras no Bra-
sil coube ao capital inglês. A maior parte delas assu-
miu o carãter de investimento indireto, isto é, veio
sob a forma de empréstimos contraídos pelo Estado.
Os investimentos diretos, sob a forma de empre-
sas de propriedade estrangeira, concentravam-se na
ãrea dos serviços bãsicos de utilidade pública: estra-
82 Jacob Corender 83

das de ferro, companhias de navegação, portos, e Lênin pensavam de maneira oposta, ou seja, consi-
transportes e comunicações urbanas, fornecimento deravam que as inversões dos países industrializados
de energia elétrica, etc. Tais serviços absorveram deviam provocar o desenvolvimento do capitalismo
59% do investimento direto estrangeiro, entre 1860- nos países coloniais e semicoloniais. No entanto, tal
1902, e 62%, entre 1903-1913. idéia desses autores clássicos - aliás, por eles pouco
Contudo, mesmo naquela época, já aparecem elaborada, diante da escassez de material empírico
empresas estrangeiras na esfera da indústria de - foi abandonada e prevaleceu, nos meios marxis-
transformação. Em 1883, um consórcio inglês mon- tas, a corrente teórica que culminou na tese de Paul
tou, em Juiz de Fora, a Companhia -de Fiação e Baran (v. A Economia Política do Desenvolvimento):
Tecelagem Industrial Mineira, que, em 1914, empre- o capital imperialista não podia ter qualquer espécie
gava 637 operários. O grupo industrial Moinho In- de interesse na industrialização dos países atrasados
glês iniciou suas atividades no Brasil em 1886. Mas e constituía o principal obstáculo a essa industria-
as empresas industriais ·estrangeiras, durante muito lização.
tempo, tiveram pequena significação. De 1860 a
1902, representaram 4 % do investimento direto es-
trangeiro; de 1903 a 1913, atingiram 7%.
Até a Segunda Guerra Mundial, o tipo de inves- Mudança de padrão, suas causas
timento do capital imperialista nos países atrasados, e consequenc1as - A •

amplamente dominante em escala mundial, visava a


extração predatória de matérias-primas, os emprés- A obra. de Baran tem sua verdade, porém é uni-
timos financeiros escorchantes e a exploração mono- lateral. Refere-se a determinado período da econo-
polista de serviços públicos. No referente a artigos ma- mia.mundial e faz uma generalização que, na década
nufaturados - sobretudo bens de consumo durável e dos 50, quando foi escrita, já era inadequada para o
bens de produção -, as potências imperialistas pre- Brasil e mais uns poucos países do chamado Terceiro
feriam exportá-los de suas matrizes para os países Mundo.
atrasados do que produzi-los neste últimos. Tivemos Com vistas apenas ao Brasil, a verdade é que .o
ai o quadro geral que veio a inspirar a conclusão capitalismo nele se desenvolveu desde o século pas-
teórica sobre a incompatibilidade entre capital impe- sado e não por indução das inversões estrangéiras -
rialista e industrialização dos países com variados como suporiam Marx, Luxemburg e Lênin -, mas
graus de dependência. pela criação de fontes internas de acumulação origi-
E curioso observar{!ue Marx, Rosa Luxemburg nária do c_apital, a partir do escravismo colonial,
84 Jacob Gore,u/er
A Burguesia Brasileira 85

conforme expus no começo deste volume. As inver-


nacional e só por ele explicáveis.
sões estrangeiras certamente exerceram alguma in-
fluência no processo, mas secundária. Ultrapassado o período 1930-1945, que abrange
Nos anos 40 do século XX, o peso especifico da a Grande Depressão e a Ségunda Guerra Mundial,
produção industrial no Brasil já era substancial. Nos quando se manteve estagnado o fluxo de capital im-
anos 50, tornou-se por demais evidente que o País perialista em direção aos países atrasados, o capital
representava considerável mercado para produtos in- norte-americano, no auge da sua hegemonia mun-
dustriais, o qual seria rapidamente ampliado pelo dial, passou a fazer consideráveis investimentos in-
chamado processo de substituição de importações, se dustriais no Brasil. Na década dos 50, a recuperação
entendido nas suas múltiplas repe·rcussões diretas e da economia européia e japonesa começou a trazer
indiretas, reveladas pela análise de Maria da Concei- ao Brasil o investimento de concorrentes dos Estados
ção Tavares (Da Substituição de Importações ao Unidos. Em 1955, tanto a economia brasileira quan-
Capitalismo Financeiro). Por conseguinte, a• mu- to a dos países avançados já se encontravam em
dança do padrão de investimento do capital imperia- condições de disponibilidades e padrão de comporta-
mento recíproco que .viabilizavam o célebre Plano de
lista com relação à industrialização brasileira não
Metas do Governo Kubitschek. O Plano de Metas
pode ser encarada unicamente como conseqüência de não só facilitou o afluxo de volume concentrado de
uma nova divisão internacional do trabalho, determi- capital estrangeiro, como contribuiu para mudar o
nada pelo capital financeiro das grandes potências, perfil dos seus investimentos diretos no Brasil.
seguindo a interpretação corrente dos adeptos da Se acompanharmos a evolução do capital norte-
teoria da dependência. Verificá-se, aqui, um pro- americano, teremo~ o seguinte quadro:
cesso de interação, cujo pólo dinâmico se alterna
entre o capital brasileiro e o capital imperialista. A INVESTIMENTOS DIRETOS DOS ESTADOS UNIDOS NO BRASIL
internacionalização da economia mundial, impulsio-
nada pelas forças produtivas modernas e promovida, Anos Total Percentual na Indústria
no mundo capitalista, pelas firmas multinacionais, (em milhões de dólares). de Transformarão
produz efeitos muito diversos conforme seja o meio 1929 194 23
interno de cada país. Brasil, Barbados e Camarões 1950 644 44
são todos países dependentes e, no entanto, profun- 1955 l 107 Sl
damente diferenciados. O processo de internaciona- 19$9 1301 75
fü:ação da economia adquiriu no Brasil caracteris- Em 1971, do capital estrangeiro total aplicado
ticas peculiares, decorrentes do seu desenvolvimento sob a forma de empresas, 82% se situavam na indús-
86 Jacob Gore11der A Bw:r:uesia Brasileira 87

tria de transformação e apenas S% nos serviços pú- !aram-se no Brasil para a produção em escala de
.blicos. Em 1980, a proporção na indústria de trans- massa cujo mercado inclui, no fundamental, os
formação continuou de longe prioritária, mas bai- assalariados das camadas médias e de faixas não
xou para 74%, principalmente em virtude do espeta- negligenciáveis dos trabalhadores manuais.
cular aumento de 12 para 23% nas aplicações no A questão, para a qual desejo chamar a atenção,
item serviços, que inclui comércio, finanças. seguros, é outra. São por demais conhecidas as análises e
consultoria, turismo, publicidade e correlatos. Mas, denúncias que caracterizam o capital estrangeiro pe-
nos serviços públicos, o capital estrangeiro qu.ase la metáfora da "bomba de sucção": num lapso de
desapareceu. Não posso deter-me, aqui, nas conse- tempo suficiente para compensar as variações con-
qüências da forma específica que assumiu o investi- junturais, suas remessas de amortizações e rendi-
mento industrial do chamado capital multinacional. mentos para as matrizes, sob modalidades diversas,
Os rumos da industrialização· brasileira foram afe- algumas ocultas e de difícil quantificação, superam
tados pela concentração fortemente desproporcional com flagrante exorbitância o montante original apli-
dos investimentos estrangeiros, diretos e indiretos, cado no país onde se localizam as subsidiárias. Em
nos ramos produtores de bens de consumo durável conseqüência, o capital estrangeiro absorve pa~cela
(segundo definição corrente, bens cujo uso mínimo é de renda criada no país que o recebe e, com isso,
de três anos): automóveis, aparelhos eletro-eletrô- reduz incessantemente suas fontes nacionais de act•.-
nicos, utensílios diversos e bens complementares. mulação de capital. Quando se trata de país em
Considero, todavia, uma ilusão de 6ptica a afirmação processo de rápida industrialização, como o Brasil,
de que a economia brasileira passou a ser coman- as remessas do capital estrangeiro provocam desequi-
dada pelo "departamer.to de bens de consumo para líbrios graves no balanço de pagamentos, o que afeta
capitalistas", o que me parece aplicação simplista e a taxa cambial da moeda nacional, induz efeitos
impertinente do esquema de reprodução do capital inflacionários, etc. Manifestação de semelhante me-
elaborado pelo economista polonês Michal Kalecki canismo espoliador é a enorme dívida externa que
(v. Afrânio Mendes Catani, O Que É o Capitalismo, mais uma vez onera a economia brasileira e constitui
p. 124 e segs.). Ê concebível que a economia do um dos seus mais perturbadores pontos de estrangu-
Principado de Mônaco possa ser comandada por um
lamento.
"departamento de bens de consumo para capitalis- Apesar de tudo isso ser verdade .comprovada,
tas", nunca a de um pais como o Brasil. Já se seria unilateral limitar-se a focalizar tal aspecto da
tornou excessiva a evidência de que as firmas estran- atuação dô capital estrangeiro, nas condições do nos-
geiras fabricantes de bens de consumo durávpi insta- so País. Aliás, deve ficar claro que s6 me refiro ao
88 Jacob Gorender A Burguesia Bra.\·ileira 89

Brasil e não pretendo generalizar minhas observa- "bomba de sucção"; o outro, o da dinamização do
ções a quaisquer outros países. mercado interno. Uma fábrica de automóveis carece
Uma coisa é o capital estrangeiro aplicado em de aço, metais não-ferrosos, vidro, borracha, mate•
inversões puramente financeiras ou em unidades pro- riais plásticos, tintas, peças e componentes. O au-
dutivas (mineração e plantagens) voltadas para a mento da massa de empregos nos ramos produtores
exportação. O mercado interno do país onde se loca- de tais bens de produção repercute no crescimento
lizam tais inversões não interfere na lucratividade dos ramos produtores de bens de consumo, o que
dos investimentos. Outra coisa é o capital estrangeiro volta a estimular o departamento produtor de bens
investido em fábricas de automóveis, ,de produtos de produção.
químicos ou de cigarros, cujas vendas devam ser Impõe-se, em conseqüência, a seguinte conclu-
realizadas no mercado interno do país onde se locali- são: com a característica de sua duplicidade e le·
zam as fábricas. Neste último caso, os investimentos vando em conta as formas contraditórias de sua atua-
tornam-se parte integrante da organização produtiva ção, as empresas industriais estrangeiras,. objetiva·
dirigida com caráter específico ao mercado interno. mente, não podem deixar de contribuir para o desen·
Além disso, mesmo operando em condições de oligo- volvimento do modo de produção capitalista no Brasil.
pólio, as subsidiárias das muitinacionais enfrentam-
se numa concorrência feroz, que as obriga a escalas
cada vez maiores de produção e de vendas. A posição
das empresas industriais estrangeiras é, por isso, Uma gradação que vai.do nacionalista
dúplice: continuam sob o comando da matriz (norte- ao testa de ferro
americana, alemã, inglesa, japonesa, etc.) e devem Tem a burguesia brasileira uma posição geral e
subordinar-se aos planos mundiais da matriz no que constante diante do capital estrangeiro?
diz respeito a remessa de rendimentos, esquemas de Se remontarmos ao passado, veremos que os
investimentos, reserva de mercados de exportação, porta-vozes da burguesia se alternam no louvor à
etc.; mas fazem parte também da economia brasi- presença do capital estrani;e.iro e na crítica a certas
leira, o que lhes impõe o objetivo imediato de vender formas de sua atuação. Acontecimento típico foi o do
o máximo no mercado brasileiro e as torna interes- confronto, em 1937, no qual oito frigoríficos nacio-
sadas no crescimento dele, com a perspectiva, está nais se aliaram aos pecuaristas contra a política dos
claro; de dominar suas melhores fatias. sete frigoríficos estrangeiros então instalados no Bra-
O investimento industrial estrangeiro apresenta, sil. Estes últimos, associados sob a forma de cartel
assim, dois aspectos combinados. Um aspecto é o da mundial, haviam praticamente af~~tado o Brasil do
90 Jacob Gorell{/er A Burguesia Brasileira 9/

mercado internacional de carnes e concentraram tuação ambígua, assim se manifestou José Mindtin,
suas vendas no mercado interno, com a aplicação de presidente da Metal Leve: "( ... ) achamos que o capi-
um processo de verticalização, que ia c!a criação e a tal estrangeiro deve ser disciplinado, porque senão
invernagem do gado à produção de conservas. A ficaremos numa situação de dependência excessiva.
posição dos frigorificos nacionais e dos pecuaristas Porém, ele não deve ser combatido". Os investimen-
foi a de reclamar medidas contra este processo de tos estrangeiros, conforme opinou, devem ser aceitos
verticalização e exigir que os frigoríficos estràngeiros segundo critérios seletivos e direcionados para seto-
se voltassem para a tarefa específica de exportaçiio e res prioritários.
deixassem o mercado interno reservado aos frigorí- Se nos voltarmos para o comportamento dos
ficos nacionais. · empresários individuais, não encontraremos uma po-
No episódio, já se esboçava o princípio básico da sição única, mas uma gradação de atitudes. Numa
posição da burguesia brasileira como classe, em seu ponta, colocar-se-ia o falecido José Ermírio de Mo-
conjunto: o da aceitação seletiva do capital estran- raes, sucessor de Pereira Jgnacio na liderança do
geiro. grupo Votorantim. Nele encontramos a expressão
Tal princípio se tornará mais claro e consoli- empresarial mais avançada do nacionalismo bur-
dado na fase recente de investimentos estrangeiros guês. O interesse do seu grupo pela extração e indus-
maciços na indústria de transformação. Convém à trialização de minérios (alumínio, ferro e aço, zinco,
burguesia, por exemplo, facilitar a entrada no Brasil níquel, cimento) levou-o a prolongado confronto com
das chamadas indústrias de ponta, montadoras de os cartéis internacionais, enfrentados com êxito e
artigos finais que compram bens intermediários de sem aceitação de acoinodações associativas. De tal
outras empresas. A Ford tem cerca de dois mil forne- posição não-associada, em que se situam também
cedores e a IBM recebe peças e componentes de mais grupos de produção especializada como Brahma e
de trezentos. Os grandes fabricantes nacionais de Romi, passamos aos grupos empresariais cuja asso-
autopeças, como a Braseixos (grupo Vidigal) e a Me- ciação com o capital estrangeiro é significativa, po-
tal Leve (grupo K!abin-Láfer), prosperaram de ma- rém secundária, a exemplo de Villares, Gerdau-
neira fabulosa em companhia da indústria automobi- Johannpeter e Bardella; em seguida, aos grupos es-
lística. Se, por conseguinte, é do seu interesse a treitamente associados com o capital estrangeiro, a
expansão desta indústria multinacional no Brasil, exemplo de Vidigal, Morteiro Aranha, Klabin, An·
simultaneamente se vêem obrigados à vigilância in- tarctica e Ultra (Peri !gel); àqueles que, em todos os
cessante contra os propósitos de verticalização das empreendimentos importantes, estão fortemente as-
fábricas montadoras. Refletindo certamente tal si- sociados ao capital estrangeiro, como Azevedo Antu-
92 Jacob Gorender A Burguesia Brasileira 93

nes; até chegar à figura do testa-de-ferro, que Antô- hora de valorizar o poder de atração do mercado
. nio Gallotti, ex-presidente da Light e da Brascan, brasileiro, através da fixação· de uma política de en-
personificou da maneira mais completa e bem-suce- trada de capitais de risco. Devemos definir com pre•
dida. cisão regras disciplinadoras do ingresso das empresas
Todas as gradações reproduzem-se nas instân- estrangeiras, a partir das conveniências nacionais,
cias decisórias do aparelho de Estado, constituindo estabelecidas .Pela política industrial ·em seu con-
as correntes profundas que provocam turbulências junto. Não se trata, apenas, de estabelecer restrições,
mais ou menos vigorosas na superfície visível. . senão de oferecer princípios duradouros que permi-
A verdade da posição da burguesi;l, como.clas- tam um convívio proveitoso para a nação entre par-
se, não se fixa em nenhum desses graus isolada- ceiros, salientando-se o caráter complementar da
mente, mas se condensa em certa posição consensual contribuição estrangeira ao nosso próprio esforço de
reiterada com variações através dos tempos, na qual desenvolvimento nacional".
se aliam o protecionismo alfandegário à aceitação do A conclusão a tirar é que o capital estrangeiro
investimento estrangeiro dentro do País, uma vez que não entrou no Brasil por manobra solerte de uma
se subordine a critérios seletivos e condições especiais "camarilha" ou de um "grupelho" de entreguistas,
de operação. Precisamente nesse sentido se manifes- embora não faltem entreguistas para servir aos inte-
taram o Primeiro Congresso Brasileiro da Indústria, resses das multinacionais. Foi a própria burguesia
realizado em 1944, e a Conferência das Classes Pro- brasileira, como classe, que precisou do capital es-
dutoras, no ano seguinte, da qual resultou a Carta trangeiro e o incentivou a vir ao Brasil. O naciona·
Econômica de Teres6polis. Também foi esta a posi- lismo da burguesia brasileira não implica a rejeição
ção do documento assinado pelos oito empresários do capital estrangeiro, mas sua cooperação demar-
eleitos, em 1977, como os mais representativos entre cada pelas conveniências do capital nacional.
cinco mil dos seus pares, numa pesquisa da Gazeta As relações entre a burguesia brasileira e o capi-
Mercantil: Cláudio Bardella, Severo Gomes, José tal estrangeiro são, ao mesmo tempo, associativas e
Mindlin, Antônio Ermírio de Moraes, Paulo Vil- contraditórias. Ora se acentua. um ·aspecto, ora ou-
lares, Paulo Velinho, Laerte Setubal e Jorge Gerdau- tro, seja no conjunto da burguesia, seja em segmen-
Johannpeter. No referido documento, afirmaram os tos particulares. Mas, ambos os aspectos sempre têm
empresários:"(. •. ) a empresa estrangeira tem desem- coexistido. E, embora tantas empresas nacionais iso-
penhado um papel inegável na construção da econo- ladas já hajam sido absorvidas pelas multinacionais
mia de mercado no Brasil. E nem desejamos pres- ou caído na concorrência com elas, é equivocado
cindir de sua participação no futuro. Mas já está na supor que a burguesia brasileira, em seu conjunto e
94 Jacob Gorender A Burguesia Rrw:ileira 95

representada pelo Estado, não dispõe de poder de


oposição e de barganha quando lhe interessa enfren-
tar o capital estrangeiro. Este poder de oposição e
barganha tem sido tanto mais eficaz quanto a bur-
guesia brasileira já possui longa prática.de explora-
ção em seu proveito das contradições interimperia-
listas. '

O Tripê e seu equilíbrio instável


Do desenvolvimento recente da economia brasi-
leira emergiu uma situação que inspirou a teoria
chamada do "tripé". Constatado o fato real de que,
hoje, a economia brasileira funciona sob o comando
de três setores diferenciados - o setor das empresas
estatais, o setor do capital privado nacional e o setor
do capital privado estrangeiro-, aquela teoria pro-
põe a divisão de tarefas, a cooperação e o equilíbrio
entre os mencionados parceiros.
Se há uma tendência para variadas combinações
entre os três setores, às vezes até na constituição de
empresas conjuntas em que todos comparecem com
uma participação acionária (joint ventures), também
se verifica a tendência oposta à disputa das possibi-
lidades de investimento e de faixas de mercado. Por
isso, a correlação de forças não atinge o equilíbrio
supostamente ideal, porém é instável ao extremo.
Daí a reivindicação de Antônio Ermírio de Moraes,
O tripé e o proletário
aliás pouco praticável, de que se fixem claramente as
áreas de atuação qe cada um dos três parceiros.
96 Jacob Gore1Uler A Burguesia Brasileira 97

No referente à empresa privada nacional, cabe suco de laranja e do café solúvel. Assenhoreou-se do
salientar que a nova etapa do desenvolvimento eco- moderno comércio varejista (supermercados e shop·
nômico lhe impôs profundas transformações tecnoló- ping centers) e, por conta própria ou em associação
gicas e organizacionais. Nem todos os grupos mais com o capital estrangeiro, penetrou em ramos de
antigos conservaram as posições conquistadas. Os tecnologia avançadá, a exemplo da petroquímica, da
grupos Pignatari, Morgan ti e Soares Sampaio perde- produção eletro-eletrônica e da indústria mecânica.
ram o lugar entre os grandes, enquanto o grupo Na esfera bancária privada, à exceção talvez do
Matarazzo, liderado por Maria Pia, atravessa u.ma Mercantil de São Paulo e do Comind, os maiores
fase de agudas dificuldades. Em compensação, cres- grupos - Bradesco, Iritú, Nacional, Unibanco,
ceram vigorosamente grupos como Votorantim, Vil- Real, Bamerindus, Safra e Econômico - conquis-
lares, Vidigal, Brahma, Antarctica, Gerdau-Johann- taram .sua posição atual após a Segunda Guerra
peter, Ometto-Dedini, Romi, Bonfiglioli, Hering e Mundial.
Lundgren. Projetaram-se grupos de evolução re- Qual a correlação de forças entre os três setores
cente, çomo Mariani Bitténcourt, Barreto de Ara~- na fase em curso?
jo e Paes Mendonça, na Bahia; Azevedo Antunes, Pei- Apresentarei duas formas de avaliação, ambas
xoto de Castro, João Fortes e Sendas, no Rio de Ja. referentes ao ano de 1974.
neiro; Feffer, Civita, Cutrale, Confab, Machline- Em primeiro lugar, vejamos o que se passa no
Sharp, Gradiente e Pão de Açúcar, em São Pau)o; universo restrito das duzentas maiores"empresas não-
Café Cacique e Hermes Macedo, no Paraná; Sadia, financeiras, com a seguinte participação numérica:
em Santa Catarina; Ipiranga e Olvebra, no Rio 69 estatais, 76 de capital privado nacional e 55 de
Grande do Sul. Existem ramos que constituem ver- capital estrangeiro. Pelo critério do patrimônio lí-
dadeiras "reservas de caça" do capital estrangeiro, quido, as participações percentuais seriam as seguin-
onde a presença do capital nacional é residual tes: estatais - 67,3; capital privado nacional -
ou praticamente inexistente. Aí se incluem os ra- 16,1; capital estrangeiro - 16,6.
mos automobilístico, farmacêutico e de produção Em segundo lugar, vejamos o que se passa no
de cigarros. Mas o capital privado nacional con- universo de 5113 empresas que, em 1974, possuíam
serva presença destacada ou dominante nos ramos um capital acima de 8 milhões de cruzeiros (também
chamados tradicionais, como o têxtil, o de produtos exclulda a esfera financeira). A participação numé-
alimentícios e o editorial e gráfico.Além disso, ocu- rica é aí a seguinte: estatais - 246; capital privado
pou espaços recém-abertos como crs de novos produ- nacional - 4 326; capital estrangeiro -:- 541. Pelo
tos de exportação, 'a exemplo de derivados de soja, do mesmo critério do patrimônio líquido, a participação
98 Jarob Gorender A Hw:r:uesia llmsi!eira 99

percentual seria a seguinte: estatais - 36, 9; capital suma,a sólida presença do capital multinacional na
privado nacional - 48,3; capital estrangeiro - 14,8. indústria de transformação constitui o elo mais deci-
Se, no mesmo universo de pouco mais de cinco sivo do entrosamento da economia brasileira no sis-
mil empresas, focalizarmos em particular a indústria tema capitalista mundiai. Porém este processo de
de transformação, teremos a seguinte participação internacionalização não ocorreu, nem ocorre com o
percentual no patrimônio líquido: estatais - 20, 1; desaparecimento da burguesia brasileira. Bem ao
capital privado nacional - 50,6; capital estran- contrário, ela conservou sua identidade de interesses
geiro - 29,3. e ainda conseguiu se fortalecer.
Este levantamento tem uma participação muito A correlação acima exposta, referente ao ano de
pouco representativa da agricultura e exclui dezenas 1974, sofreu alterações posteriores. Estas reforçaram
de milhares de pequenas empresas, o que contribuiu as posições do capital estatal em detrimento mais do
para diminuir, em alguns pontos, o peso específico capital estrangeiro do que do capital privado nacio-
do capital privado nacional. Por fim, como foi assi• nal. Basta ressaltar que, em 1979, passou para a
nalado, exclui a esfera financeira; na qual é bem propriedade estatal a Light, até então a maior em·
minoritária a presença do capital estrangeiro. Com presa estrangeira no Brasil. Essa transferência, so-
tais ressalvas importantes, podemos extrair as se- mada a outras evoluções, já se reflete no quadro das
guintes conclusões: no patrimônio capitalista exis- duzentas maiores empresas não-financeiras de 1979.
tente no Brasil no ano de 1974, o mínimo de 85% era Sob o aspecto da participação numérica, temos: esta·
de propriedade nacional, com predominância da tais - 83; capital privado nacional - 78; capital
propriedade privada; o capital privado nacional de- estrangeiro - 39. Pelo :ritério do patrimônio lí-
tinha a metade do patrimônio da indústria de trans- quido, a participação percentual era a seguinte: esta·
formação; o capital estrangeiro dominava cerca de tais~ 77,9; capital privado nacional - 13,8; capital
30% da indústria de transformação, o que, por si só, estrangeiro - 8,3.
lhe dava uma posição estratégica fundamental. Os dados acima, extraídos dos levantamentos da
Acresce ainda que as grandes unidades produtivas de revista Visão, confirmam-se, sob outro aspecto, pelos
capital privado nacional possuem dimensões meno- levantamentos da revista Exame. A partir de 1976 e
res do que as grandes unidades produtivas do capital até 1980, durante quatro anos seguidos, observa-se
estrangeiro. A favor deste pesa· também a vantagem uma inflexão favorável à empresa privada nacional
qualitativa da superioridade em matéria de tecno- em sua correlação com a empresa estrangeira. Na
logia, fontes de financiamento, organização geren- lista das quinhentas maiores empresas privadas .não-
cial e atuação em ramos modernos e dinâmicos. Em financeiras pelo critério do volume de vendas, o nú-
Jacob Gorender

mero das estrangeiras, no i:eferido período, caiu de


.-----,)
ano a ano, passando de 184, em 1976, a 159, em
1980. Ao mesmo tempo, seu percentual.no volume de
vendas baixou de 52,S para 46,5 - uma significativa
redução de 6%. Com esta alteração, o maior volume
de vendas passou do capital estrangeiro para o capi-
tal privado nacional.
Assim, no âmbito das maiores empresas, que
lideram o desenvolvimento da economia, ocorreu·, de
1974 a 1980, forte avanço do capital estatal. O capi-
tal privado nacional cresceu a um ritmo mais ace-
A BURGUESIA COMO CLASSE
lerado do que o capital estrangeiro. Se, por en- DOMINANTE PRINCIPAL
quanto, nada há que indique tratar-se de tendências
irreversíveis, tampouco seria correto omitir sua rele-
vância para a anâlise da conjuntura atual.
Golpe militar de 1964 e modernização
conservadora
Ao iniciar-se a década dos 60, o modo de produ
ção capitalistajâ prevalecia na formação social_bras:
leira. A burguesia constituía a classe domman!e
principal, ,·om os latifundiârios tradicionais em posi-
ção secundãria e influência decrescente. ..
Do ponto de vista de classe, o golpe m!l1tar de
1964 foi obra da burguesia brasileira. Já são supera-.
bundantes as provas da decisiva participação do em•
presanado, representado por todas~ suas gr~~aç~,
na preparação e deflagração do movtmento c1vil-milt·
tar que derrubou o Presidente da Repúblic~. A es:e
respeito um episódio exemplar é o da família Erm1•
rio de M.o~aes. Enquanto o velho José Ermírio, então
senador. mantinha relações estreitas com o Governo
102 Jacob Goremler A Burguesia Brasileira 103

Goulart, do qual chegou a ser Ministro da Agricul- po de Serviço (FGTS), o que facilitou a manobra da
tura em 1963, seu filho homônimo - atual presi- rotatividade da mão-de-obra e forneceu os recursos
dente do grupo Votorantim - financiou e liderou o básicos às operações do Banco Nacional de Habi-
IPES, um dos centros articuladores da derrocada do tação, no qual se apoiou o grande surto da cons-
mesmo Governo Goulart. trução civil; elaboração de uma legislação estimu-
O empresariado brasileiro teve a aliança dos lante para o ingresso de capitais estrangeiros, no que
latifundiários, a colaboração das multinacionais, a se refere à remessa de lucros, sistema de taxação,
ajuda do Governo norte-americano e contou com a isenções tributárias, garantias contra risco de na-
intervenção executiva das Forças Armadas. Estas, cionalização, etc.; estruturação do mercado de capi-
por sua coesão institucional essencialmente conser- tais, o que deu lugar à diversificação e agilização do
vadora e antidemocrática, não apenas se incumbi- sistema financeiro, à revitalização da Bolsa de Valo-
ram da execução do golpe, como assumiram o Poder res, ao lançamento de títulos governamentais como
de Estado, militarizaram suas instituições e impri- fonte não inflacionária de recursos e à canalização
miram um estilo militarizado à tomada de decisões da poupança privada para o financiamento da com-
na esfera da política estatal. pra de bens de consumo durável, sobretudo automó-
O Estado, apesar disso, não se colocou acima veis; reformulação do sistema tributário e dos órgãos
das classes ( da chamada sociedade civil), porém se fazendários, elevando a carga fiscal em termos abso-
tornou mais burguês. O que pode e deve ser aferido lutos e com relação ao Produto Interno Bruto (PIB);
tomando como referência a polltica aplicada pelo instituição de incentivos fiscais, subvenções e cré-
Governo Castello Branco e por seus sucessores. Esta ditos subsidiados à produção para exportação, sobre-
política, que tem sido definida pelo conceito de mo- tudo de produtos industrializados; isenção de impos-
dernização conservadora extraído da obra de Bar- tos, crédito subsidiado e outros incentivos à venda de
rington Moore, Jr. (The Social Origins of Dictator- tratores, máquinas agrícolas e fertilizantes, o que
ship and Democracy), se consubstanciou nas seguin- beneficiou as multinacionais e acelerou a capitali-
tes medidas principais: arrocho salarial, com vistas à zação da agricultura latifundiãria; criação de nume-
elevação da taxa de lucro em declínio por motivo da rosos fundos, dotando o Governo de recursos canali-
fase depressiva do ciclo econômico entre 1963-1967, zados para o capital privado e para a realização de
tornando-se medida permanente como forma de con- obras de infra-estrutura, o que agigantou um pu-
trole da taxa de exploração da força de trabalho; nhado de firmas nacionais do ramo da construção
extinção da estabilidade no emprego após dez anos pesada (Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Men•
de serviço e criação do Fundo de Garantia por Tem- des Júnior e Norberto Odebrecht).
104 Jacob Gore,u/er A Burguesia Brasileira 105

Novos aspectos do desenvolvimento


·capitalista no Brasil
Irei expô-los de maneira esquemática, com fina-
lidade não mais do que indicativa:
a) Em 1980, o PIB brasileiro alcançou 210 bi-
lhões de dólares, o que o coloca como o décimo PIB
nacional no mundo. A renda per capita foi avaliada
em 1750 dólares, situada em quinto lugar na Amé-
rica Latina. Do ponto de vista da composição do
produto físico nacional, medido em valor lfquido, o
produto industrial correspondeu, em 1980, a 82% do
total, tendo sido 4,5 vezes maior do que o produto
agrícola. O Brasil é o mais industrializado dos países
dependentes e se aproxima do. patamar inferior dos
países desenvolvidos.
b) O rápido desenvolvimento do capitalismo
pós-64 não se faz senão com a exploração implacável
da força de trabalho, fim para o qual a politica
repressiva do regime militar representou instrumento
plenamente eficaz. Daí a queda brusca da partici-
pação dos salários na renda industrial. Em 1961, esta
se dividia em 29% para os salários e 71 % para os
lucros. Em 1973, cabiam aos salários 23 % e aos
lucros, 77%.
A concentração da renda e a deterioração da
qualidade da vida de grandes massas da população
justificaram que se chamasse o capitalismo brasileiro
de selvagem. Mas se trata de uma designação pura- Juscelino e o capital multh1acio11al
mente moral, sem valor científico. Qualquer que seja
o país. inclusive os da revolução burguesa clássica,
/06 Jacob Gon•nder A Bw:~uesia Brasileira 107

todo capitalismo, por suas leis imanentes, tende à resultante da fusão do capital bancário com o capital
exploração da força. de trabalho até o limite das industrial. As conexões ora existentes entre bancos e
possibilidades físicas. O que o impede de chegar a indústrias, em nosso País, estão ainda longe de confi-
este limite e lhe impõe formas civilizadas de explo- gurar uma fusão, que implicaria a formação de um
ração é a luta de classes dos operários. capital simultaneamente bancário e industrial, com
c) A estrutura do parque industrial passou por os bancos assumindo os riscos e a orientação do
profundas modificações, resultantes do crescimento investimento industrial. Por enquanto, o que ocorre,
mais rápido dos ramos produtores de bens de produ- em uns poucos casos, é apenas que grupos industriais
ção e de consumo durável. As indústllÍas metalúr- possuem uma ramificação bancária, a exemplo do
gica, mecânica, de material elétrico e comunicações grupo Vidigal (Banco Mercantil) e do grupo Bonfi-
e de material de transporte elevaram sua partici- glioli (Banco Auxiliar). Em contraste, o grupo ban-
pação conjunta na produção industrial total de cário Moreira Salles (Unibanco) perdeu o fôlego e
13,2%, em 1939, para 32,3%, em 1969. Ao mesmo fracassou na tentativa de liderar um consórcio petro-
tempo, as indústrias têxtil e de produtos alimentícios qulmíco. Se focalizarmos os dois maiores grupos
tinham sua participação conjunta diminuída de bancários - Bradesco e Itaú - , verificamos que o
46,4 % para 23, 1 % . primeiro até agora só incursionou na esfera de servi-
Em 1980, a produção de bens de capital repre- ços e· o segundo tem suas ligações industriais limi-
sentou 23% do produto industrial total, contra 7%, tadas à Dura tex.
em 1969. Somada à produção de bens intermediá- Se bem que o crescimento do capital nacional já
rios, já se pode efirmar que o comando da indústria se manifeste no seu transbordamento para o exterior,
brasileira pertence; hoje, ao departamento produtor carecem de fundamento as especulações sobre impe-
de bens de produção. No âmbito da indústria de bens rialismo ou subimperialismo brasileiro. Contudo, o
de capital, o capital privado nacional ganhou posição ovo da serpente está chocando. Se houver tempo,
majoritária, apoiado nos maciços financiamentos do ainda veremos um imperialismo brasileiro.
BNDE. Note-se que o grupo Votorantim, com cerca e) Cresceu impetuosamente, nos últimos tem-
de 50 mil empregados em 1981, aparece atualmente pos, o envolvimento de grupos industriais com em-
como o maior empregador privado do País. preendimentos na esfera agropecuária, o que incen-
d) Julgo precipitada a afirmação de que já exis- tiva o desenvolvimento capitalista da agricultura pela
te um capital financeiro brasileiro, considerando sob via da grande propriedade fundiária. Entre os grupos
o conceito de capital financeiro - conforme Hilfer- industriais ligados a iniciativas ·agropecuárias, po-
ding, Bukharin e Lênin - o capital monopolista dem ser mencionados - numa relação longe de
108 Jacob Gorender A Burguesia Brt.1sileira 109

exaustiva :_ Votorantim, Ometto-Dedini, Klabin, 31 % do valor da transformação industrial. No Es-


Bonfiglioli-CICA, Matarazzo, Jafet, Parahyba e Pas- tado do Rio de Janeiro, as empresas médias empre-
manik, de São Paulo; Monteiro Aranhá e Guinle de gavam 37% do pessoal ocupado e produziam 29% do
Paula Machado, do Rio de Janeiro; Hering, Gaid- valor da transformação industrial.
zinski e WEG, de Santa Catarina; Bezerra de Mello, Deve ser enfatizado que não há qualquer razão
de Pernambuco. Grupos bancários, igualmente, in- para classificar a média burguesia, nas condições
vestiram na esfera agropecuária, destacando-se, nes- atuais, como representante da chama.da burguesia
te particular, Bozano-Simonsen. O processo de sol- nacional, atribuindo-lhe supostas virtudes antiimpe-
dagem da burguesia com a propriedl?de territorial rialistas e antimonopolistas. O caso da Fábrica de
avançou também na esteira da organização de .em- Molas Sueden, de São Paulo, pode ser considerado
presas de exploração florestal, multiplicadas pelos típico de um segmento expressivo das empresas mé-
incentivos fiscais. f: evidente que a burguesia tem dias. Com pouco mais de duzentos empregados e em
hoje, mais ainda que no passado, razões imperativas excelentes condições financeiras, domina 25% do
para se situar na linha de frente de defesa da grande mercado nacional de molas helicoidais, gozando,
propriedade da terra. com mais três empresas do ramo, de uma situação
f) A média burguesia continua a representar oligopolista. Já há 27 anos tem sido fornecedora da
importante camada da burguesia brasileira: O pró- Ford, à qual ultimamente vendia 40% da sua pro-
prio desenvolvimento da grande indústria suscita a dução, destinando outros 40% à General Motors.
formação e prosperidade de médias empresas dota- Durante todos estes anos em que Molas Sueden pros-
das de tecnologia moderna, fornecedoras de peças e perou à sombra das montadoras de .automóveis, sua
componentes. Algumas dessas médias empresas - presidente, Myrian Lee, jamais se manifestou contra
dada sua especialização tecnológica e a escala do o capital estrangeiro. Nem tinha motivos para isso.
mercado brasileiro - chegam a gozar de posição No entanto, em julho de 1981, anunciou-se que a
monopolista. Ford projetava produzir molas em sua fábrica de
Do ponto de vista estritamente econômico, po- Pernambuco e dispensar os fornecedores de tal auto-
demos ter idéia do peso especifico da média burgue- peça. Só então Myrian Lee revelou insuspeitados
sia pelos dados do Censo Industrial de 1975. Se pendores nacionalistas e veio a público para denun-
considerarmos como empresas médias aquelas que ciar a intromissão do capital multinacional numa
empregam entre 50 e 249 operários, constatamos área indevida.
que, no Estado de São Paulo, elas reuniam 30% do
pessoal ocupado em toda a indústria e produziam
A IJ111J.:11esio Hmsilém li/

extremos e identifica na burguesia brasileira um parti-


cipante ativo do processo histórico, sem, contudo, lhe
atribuir conotações revolucionárias. Manifestação de
semelhante tendência é a obra de Eli Diniz e, recente-
mente, a de René Armand Dreifuss. Este autor teve
o mérito de comprovar a atuação primordial do em-
presariado na preparação e deflagração do movimen-
to civil-militar que derrubou o Governo Goulart, se
bem que, no afã de fundamentar sua tese já por si cor-
CONCLUSÕES reta, incorresse no erro de depreciar a significação da
forma militarizada adquirida pelo Estado pós-64.
No curso deste volume, evitei chamar a burgue-
A abordagem teórica da burguesia brasileira os- sia brasileira de nacional, embora isto fosse semanti-
cilou entre dois extremos. camente acertado, porque nacional, na literatura po-
Num deles, que tem sua origem nas teses da lítica, quando conjugado ao substantivo burguesia,
Internacional Comunista, elaborou-se a concepção se tornou sinônimo de revolucionário. Não obstante,
de que existiria em paises como o Brasil uma bur- considero que, enquanto houver capitalismo no Bra-
guesia chamada nacional. Esta, apesar de sua fra- sil, existirá uma burguesia brasileira, isto é, uma
queza e inconseqüência, seria dotada de um poten- burguesia cujo centro de interesses se situa na eco-
cial revolucionário antifeudal e antiimperialista. Não nomia nacional. A ela pertence o Poder do Estado,
há dúvida de que N. W. Sodré se esforçou por expli- por mais que não o exerça diretamente, porém por
car a história do Brasil sob o ponto de vista da intermédio da instituição militar. As difusas mani-
existência dessa chamada burguesia nacional. festações de líderes empresariais e de seus intelec-
No outro extremo, colocam-se autores que con- tuais orgânicos em favor de um novo Pacto Social só
sideram nula ou quase insignificante a participação indicam que segmentos da burguesia já não têm
da burguesia brasileira nas modificações históricas confiança integral na eficácia do Estado militar e,
do País, mesmo quando delas foi beneficiária. Entre cautelosamente, inclinam-se em favor de uma domi-
tais autores, podemos citar Fernando Henrique- Car- nação menos repressiva e mais consensual (hegemô-
doso, Luciano Martins e W arren Dean. nica) das classes subordinadas. Todàvia, é muito
Ultimamente vem se afirmando uma tendên- duvidoso que o capitalismo brasileiro consiga pres-
cia mais objetiva de abordagem, que evita ambos os cindir tão cedo do Estado militar.
112 Jacob Goremler

Se é fato que a burguesia brasileira não se com-


portou como espectadora passiya dos acontecimentos
históricos, também é verdadeiro que não precisou
realizar uma revolução para se tomar classe domi-
nante principal. Dadas as características da sua for-
mação econômico-social, a revolução burguesa é
uma categoria inaplicável à hist6ria do Brasil. A este
respeito, nenhuma importância tem a ressalva acerca
das revoluções democrático-burguesas de novo tipo,
das revoluções burguesas "passivas" ou "por cima" INDICAÇÕES PARA LEITURA
do '.'caminho prussiano", etc. '
Florestan Fernandes empenhou-se em explicar
as causas da frustração da revolução burguesa pela
pr6pria burguesia brasileira. Como, porém, falar em Fontes documentais
frustração do que nunca foi necessário? Ainda se-
gundo Florestan, a revolução burguesa em atraso De acordo com a norma desta coleção, evitei
está num beco sem saída. O que se dá, simples- quase sempre mencionar, no curso do texto, fontes
mente, é que o beco está vazio. Por isso mesmo de dados estatísticos e de elementos fatuais. Não
Octávio Ianni não encontra outra maneira· de carac'. obstante, devo concluir com uma referência às prin-
terizar o ciclo da revolução burguesa, no Brasil, se- cipais dentre estas fontes, além das obras relaciona-
não como uma "contra-revolução burguesa perma- das na Bibliografia recomendada.
nente". Esta contradição 16gica seria evitada se se Afora inumeráveis edições de jornais e revistas,
dispensassem ambas as categorias - as de revolução documentos e informações colhidas pessoalmente,
e contra-revolução - e se falasse apenas em domi- recorri às seguintes fontes: Relat6rio da SUMOC,
nação burguesa, tal como surgiu e tem se apresen- I 956; Re/at6rio do Banco Central do Brasil; 1.980;
tado nas condições peculiares do nosso Pais. Anuário Estatístico do Brasil, 1980 - IBGE; Censo
Para a própria burguesia brasileira, tudo isto Industrial de São Paulo, 1975 - IBGE; Censo ln,
jamais foi mistério, Daí que tenha tido bastante rea- dustrial do Rio de Janeiro, 1975 - IBGE; ABDIB -
lismo para não se introduzir nos imaginários modelos Relatório da Diretoria, 1980; O Capital Estrangeiro
revolucionários que para ela construiram ideologias no Brasil, 1961 - Ed. Banas; Conjuntura Econô·
míopes. · mica, fev. 1981; edições Quem· É Quem na Economia

L
114 .Jaco!, Gon~nda A Bw:i:ue:âa !Jrasileira / 15

Brasileira da revista Visão, 1975, 1978, 1980; edições Burguesia Nacional e Desenvolvimento; Henrique
Melhores e Maiores da revista Exame, 1977, 1978, Rattner e outros - Pequena e Média Empresa no
1980. 1981; Brasil em Exame, 1980, 1981; Annibal Brasil; Liana Maria Aureliano - No Limiar da ln·
Villanova Villela e Wilson Suzigan - Política do dustrialização; José de Souza Martins - Empresário
Governo e Crescimento da Economia Brasileira, e Empresa na Biografia do Conde Matarazzo; Fer-
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Vinhas de Queiroz, Maria da Conceição Tavares, e Evoluçiio Urbana (estudo comparativo dos casos de
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da Concentraçiio Industrial em Siio Paulo; Sérgio
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Reuni obras de iniciação ao estudo da burguesia Industrialização de Juiz de Fora: 1850 a 1930.
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merosos casos, vários temas sejam abordados na Castro Gomes - Burguesia e Trabalho.
mesma obra. Burguesia, Estado e capital estrangeiro: Eli Di-
Hist6ria e sociologia do empresariado: Stanley niz - Empresário, Estado e Capitalismo no Brasil,
J. Stein - Origens e Evolução da Indústria Têxtil no 1930-1945; Peter Evans -A Tríplice Aliança; Carlos
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doso - Empresário Industrial e Desenvolvimento Estevam Martins - Capitalismo de Estado e Modelo
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J /6 Jacob Gorender A Burguesia Brasileira 117

Estado, Burguesia de Estado e Modo de Produção


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A burguesia em dois momentos históricos: Boris
Fausto -A Revolução de 1930; René Armand Drei-
fuss - 1964: a Conquista do Estado.
A revolução burguesa na história do Brasil: Caio
Prado Jr• .....; A Revolução Brasileira; Florestan Fer-
nandes - A Revolução Burguesa no Brasil; Nelson
Wemeck Sodré - História da Burguesja Brasileira;
Octávio Ianni - O Ciclo da Revolução Burguesa no Sobre o Autor
Brasil (revista Temas, n? 10). Além de artigos e ensaios em jornais e revistas. escreveu:
- O [iscravismo Co!onio/, Ática, I 978 (3' cd., I 980).
- O Conceito de Modo de Produção e a Pesquisa Histórica, inclu-
so na coletânea Modos de Produção e Realidade Brasileira, Vozes,
1980 - (Amaral Lapa, org.).
- Gênese e Desenvolvimento do Capitalismo no Campo Brasileiro,
conferência na 31 ª Reunião Anual da SBPC, publicada na coletânea
Trabalhadores, Sindicatos e Política, CEDEC/Global, 1980.
- 1964: o Fracasso das Esquerdas, artigo em Movimento, Número
299, 29/3/81.
4f'1
~ 1 ? semestre de
tudo é história
1992 ~
~
HISTÓRIA DA AMÉRICA MODERNA IMPÉRIO
(Séc. XV a XVIII) {1822-1889)

ANTIGA A Comuna de Paris 24 *


A Eti• A Abolição da Escravidáo 17 ,-,
(Perlodo PuJ.Colombíano)
queta no Anligo Regime 59 ,., *
A Balaiada 116 A Crise do Es•
O Iluminismo e os Reis Fi!óso- c<avismo a a Grande lmigraçâo
A Pré-História 135
los 22 *A Inquisição 49 * 2 n A Economia Cafeeira 72 *
A América Pté•Co1ombiana 16
Mercan!lllsmo e Transição 7 * A Guerra Contra o Pa,aguai 131
,1 A Guerra do Paraguai: 2~ vi•
Movlmenlo e Pensamento Opa•
MODERNA rár!os antes de Mane 139 As * *
sáo 138 Nordeste Insurgente
(Séc. XV a XVIII) Aevoluçõ&s Burguesas B A * *
(1850-1890) 10 Os Quilombos
Revolução Inglesa 82 e a Rebe!ll'io Negra 12 A Re- *
A!ro-América 44 *
A rebelião
vo!!ados Parceiros 110 AAe• *
de Tupac Amaru 119 Guerra * CONTEMPORÂNEA
voluçáo Farroupilha 101
Civil Americana 40 (Séc. XVJ/1 a XX)
REPÚBLICA
{1889· )
CONTEMPORANEA *
Apartheld 102 Argélía: A guer•
(Sêc. XIX e XX) ra e a Independência 73 *
A Di- A Burguesia Brasileira 29 ~ A
*
!adura Salai:arlsta 106 AFot• Campanha do Pat1óleo 109 í>
Cariba 108 *
O Caudi!hismo mação do 3~ Mundo 35 *
Guf- A Cidade do São Paulo 78 f, Ci•
118 *
Haíti 104 *
As lndepan• nt~•Blssau 77 *
História da Or• ·dadelasdaOrdem 128 *
A Co-
dências na América Latina 1 * dem Internacional 126 *
Lon• luna Ptes!as 103 ,:, ConstillJin•
O Militarismo na América Lati• dres e Paris no sée. XIX 52 A * 10s o Constltuiçõas Brasileiras
na 46 *
Movimento Operá.rio Luta Contra a Me!tópo!e 3 O * 105 * O Coronolismo 13 ,:, O
Argentino 95 *·O Populismo na Nascimento das Fábricas 51 * colidiano de lrabalhadores 130
Oriente Médio e o Mundo dos
América Latina 4
* * Cultura e Participação nos
Árabes 53 Paris 1968: As Bar•
* Anos 60 41 *
A Escola a a Ao•
SêRIE NOSSA AMêRICA
rlcadas do Desejo 9 O Perlo-
* püblica 127 *O Estado Novo.
dodo Entre-guetras 141 A Po-
114 * O Governo Gou!art e o
Bolívia 137 * Chile 136 * Uru• esia Árabe Moderna e o Brasil 50
fi A Aedemocralizaçl'io Espa•
Golpe oe 64 48 *
O Governo Jâ-
guai 140 nhola 58 *
A República de Wei-
nlo Quadros 30 *
O Governo
Juse&!ino Kubllschock 14 <, HIS·
mar e a Ascensão do Nazismo
HISTÓRIA GERAL 58 * A Aevoluçao A!eml'i 90 ~'r
tória da Música Independente
t24 * AlnclustrializaçáoBrasi•
Revolução e Guerra Ch1il na Es•
* leira 98 * Juventude Operária
ANTIGA panha 31
*
A Revoluçl'io !ndus• Calótica 97 *
A Ube1dade Sin•
(Até o s6c. V) lfial11 ARevoluçl'iôRussa61 dica!no8rasi!t13 *
MataGa•
1egos 129 * MOllimento Grevista
O Egilo Antigo 36 O Mundo * HISTÓRIA 00 BRASIL no Brasil 120 *
Panido Repu•
Anligo: Economia e Sociedade
* A Reforma Agrâria na Ro- blicano Federa! 115 *
A Procla-
39 COLÔNIA mação da Repôb!ica 18 Ro- *
ma Antiga 122 (1500.1822) voluçl'io de 30: A Dominaçào
Oculta 42 * São Paulo na Pfi.
MEDIEVAL Bandeltantismo: Verso e Rever• ITleira Aopüb!ica 125 ,-, A Segu•
{SBc. V a XV) so47 *
BarrocoMineiro123 * rança Nacional 112 *
Tio Sam
AClvifü:açãodoAçúcar88 O* chega ao Brasil 91
A Caminho da Idada Média 117 Continente do Rio Grande 111
* As Cruzadas 34 O Fauda•* *OEscravoGaúcho93 AFa- * BIOGRAFIAS
!ismo 65 *
O Império Bizantino mília Brasileira 71 *
Formação
* Sig•
107 1'l A Inquisição 49 * O do Espaço Agrário Sr asilo iro 132 Friedrich Nietzsche 134
Mundo Caro!ingio 99 *OFumonoBrasl!Co!0nia 121 mund Freud 1i33

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