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A L C E C A M O R O S O L I :\1 A

MEDITAÇÃO
SÔBRE O
MUNDO INTERIOR

195ó

L)vraria AGI R &dilôr"


RIO DE JANEIRO
Regnum Dei intra vos est

(Lc. XVII, 21)


fNDICE

Págs.
Explicação . . . .. · . · · · · · · · · · · · · · · . . · · · . . . · · · · · · · · . . ..... 9

Cap. 1.0 - Liberalismo . . .. . . .. . .. .. . .. . . . .. . . . ... .... 15

Cap. 2.o - Moralismo . .. . . .. . . . .. ... .. .. . . . . . . ....... 19

Cap. 3.o - Filosofismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . • .... 25

Cap. 4.o - Politicismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • 31

Cap. 5.0 - Economismo . . . . . . . .. . . . . . .. .. . . . . . . . . .. . . . 37


Cap. 6.0 - O Hóspede 43

Cap. 7.o- Equilibrio . . .. . .. .. . .... ....... .... ... .... 49

Cap. 8.0- O Meio . . . . . . . . . . . . . • ... . . . . . . . . .. . . ... . . . 55


Cap. 9.0 - Silêncio - I . . ...... ..... . . . . ... . . ....... 61
Cap. 10 - Silêncio - 11 . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . ... ... . . 67
Cap. 11 - Solidão . . .... .. .. .. ... .......... ......... . 73
Cap. 12 - Santidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • .. 79
Cap. 13 - Conseqüências . . . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . • . • • .• 85
Cap. 14 - Ausência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • • • . . .• 91
Cap. 15 -Presença- I .. . . . . . . • . . . . . . . . • . . . . • . . . . • 97
Cap. 16 - Presença - 11 . .... . . . .. . .. . .. ........ . . .. 103
Cap. 17 - Sabedoria . • . . . . . • . • • • . . . • . •. . . . . . . . • • . . • • . 109
Cap. 18 - Saudade . . . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . . . . . .. . . • . . • 115
Cap. 19 - Futuro • . . . . . . . . . . . • . . . . . . • • • . . . . . • • . • • • • • • 121
Cap. 20 - Meditação . . • . . . . • • • . • . • . . . . . • . . . . . . . . . • • • • 127
Cap. 21 - A Oração implicita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • 133
Cap. 22 - A Oração explicita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • .. . 139
EXPLICAÇÃO

Os capítulos que se seguem foram publicados


na Tribuna da Imprensa, durante o segundo semes­
tre de 19 53 e dela reproduzidos por sua generosa
autorização. Foram publicados sob o título de "Bi­
lhetes do Mundo Interior" que a seção continua a
ter, e em seguida aos do Velho e do Novo Mundo.
Costumamos dividir o mundo moderno em
Velho c Novo }.fundo; em mundo totalitário e
mundo democrático; países para lá e para cá da Cor­
tina de Ferro; mundo socialista e mundo capitalista;
Oriente e Ocidente; ou mais amplamente ainda, em
mundo moderno e mundo eterno.
Tôdas essas dwisões são mais ou menos legí­
timas e a última se aproxima muito da que toma­
mos por base dêste ensaio, o mundo exterior e o
mundo interior. Aqui, porém, prescindimos da pró­
pria noção de tempo e colocamos o homem perante
os dois mundos que cons tituem a sua própria natu­
reza completa, pois o mundo interior não é uma
opção, mas uma síntese. E o homem completo, isto é.
o homem normal. é aquêle que vive interiormente a
10 ALCEU AMOROSO LIMA

sua v1da exterior e não sepulta em si, egoisticamente,


a sua vr"da interior.
É certo, entretanto, que uma das marcas do
nosso tempo é a primazia da vida exterior sôbre a
vida interior, quando não o �menta desta par­
aquela. O ma;·or pengo que corremos, hoje em dia,
-em face do curso que oai tomando o progresso da
técnica, com a afJsorção do homem pela Máquina,
e a hipertrofia das instituições políticas e econômi­
cas, com a absorção do homem pelo Estad_o, pelo
Partido ou pela Fábrica, -- o maior perigo é pre­
cisamente essa anulação da personalidade pela ex­
troversão sistemática do homem e de sua vida pro­
Funda.
Um biologista materialista, JEAN RosTAND,
resumindo as conclusões do seu próximo livro, Ce
que je crois, rasga os seguintes horizontes para a
ciência biológica de amanhã, que vai tentar fazer
aquilo com que BERNARD SHAw sonhava ao dizer
que "what can be clone with a wolf, can be clone
with a man"! Isto é, se foi possível fazer de um
animal feroz como o lôbo um animal manso como
o cachorro, também será possível fazer de um ser
imperfeito, como o homem de hoje, um ser perfeito,
como o homem de amanhã. Esquecido, o sofista do
século XX, de que foi o homem que fêz do lôbo um
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 11

cachorro e não o próprio lôbo . E, portanto, só


Deus, dizemos nós os que não julgamo:l que o ho­
mem seja um deus, poderia mudar a natureza hu­
mana, como só a Sua graça pode aperfeiçoá-la, aju­
dando a própria oirtualidade dessa natureza. É
possível que t..'rnham a ser um fato êsses novos hori­
zontes que os· biologistas abrem às intervenções do
homem sôbre a natureza, inclusive a própria natu­
reza humana. JEAN RosTAND chega a crer que "apa­
rentemente se poderá prolongar, no futuro, de modo
sensível a duração da vida humana . .; outros mui­
tos problemas serão resolvidos: determinar-se-á à
vontade o sexo das crianças . . . talvez a ectogênese
ou gravidez de bocal (como ALDOUS HUXLEY já
previra, com humor, no seu This brave New
World). Pelo cmprêgo dos hormônios ou de medi­
camentos apropriados ou ainda por uma correção
cirúrgica dos centros nervosos, modificar-se-ão a

personalidade, o temperamento, o caráter. Suscitar­


se-ão artificialmente aptidões e virtudes" (sic ) .
Ssse biologista materialista, que acredita se­
rem as cirtudes conseqüências dos hormônios, como
VIRCHOW, no século passado, fazia do bem e do mal
secreções como o açúcar ou o vitríolo, não fecha,
entretanto, os olhos aos perigos dessa ditadura da
técnica biológica.
12 ALCEU AMOROSO LIMA

"Será difícil'' diz êle, "impedir que a coleti­


vidade não abuse do seu poder em relação àqueles
que a constituem. Haverá sempre um equilíbrio di­
fícil de alcançar entre a preocupação do ínterêsse co­
letivo e o respeito da liberdade individual Não
valeria a pena que a natureza fizesse de cada indi­
víduo um ser único, para que a sociedade reduzisse
a humanidade a não ser mais do que uma coleção
de iguais."
Ou, como nós diríamos, não valeria a pena que
Deus criasse o homem à sua imagc:m e semelhança,
para que o homem se red.uzisse apenas à semelhança
e imagem dos animais E que tivesse colocado no
coração humano o amor da liberdade para que êle
procurasse apenas novas formas de escrauídão.
A libertação do homem não es�á nas coisas.
Está em si próprio. Não está na vida exterior. Está
no seu mundo íntimo. Não está na técnica biológica
ou física. Está na virtude. O progresso da humani­
dade não depende da perfeição de suas máquinas,
mas da perfeição daqueles que as souberem manejar.
A técnica não é um bem ou um mal em si. É uma
arma de dois gumes, que serve cegamente ao bem e
ao mal, conforme a luz dos olhos de quem a ma­
neJar.
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 13

Mas tanto maior é o poder que essas técnicas,


.rá agora de ordem hio lógica, colocam nas mãos d o
próprio homem, quanto maior a ameaça às liber­
dades, aos direitos, às uariedades da pessoa humana.
E tanto maior a submissão do homem às fôrças por
êle próprio desencadeadas na matéria do seu próprio
corpo ott da natureza física, quanto mais precisa­
mos desenoolver em nós as potên,cias do mundo
interior.
Eis porque uma meditaçâo sôbre o mundo in­
terior me parece, a esta altura da vida e dos acon­
tecimentos, muúo mais urgente e necessária do que
tôda meditação sôbre o mundo passado, moderno ou
futuro

A. A. L.
Mosela, outubro, 1953.
LIBERALISMO

O século passado converteu aAiberdade em li­


beralismo e o nosso a confunde com licenciosidade.
Liberalismo e licenciosid:1de são duas corrup­
telas da verdadeira liberdade. O liberalismo, como
posição filosófica, com tôdas as ramificações conhe­
cidas, -- liberalismo econômico, político, moral,
religioso, etc.,
--- coloca a liberdade como valor su�
premo, sem distinguir entre liberdade de opção e
liberdade de superação. A liberdade de opção, que
nos permite escolher entre um caminho e outro sem
estabelecer entre êles qualquer hierarquia de valores,
é apenas um momento inicial no desenvolvimento
dêsse poder, que vai gradativamente distinguindo a
matéria viva da matéria inanimada, e os sêres supe­
riores dos sêres inferiores. A hierarquia dos valores,
no seio da própria natureza, já se faz pelo próprio
acréscimo do poder de liberação. Mas a liberdade de
opç ão no mesmo nível, sem distinguir valores senão
·
pelo capricho das nossas tendências. é um momento
16 ALCEU AMOROSO LIMA

inferior da liberdade. Esta só se torna realmente o


que é, quando passa ao estágio superior de sua evo­
lução. Só como superação de valores negativos pelos
valores positivos, isto é, só pela liberdade de su­
peração, é que encontramos a verdadeira natureza
dêsse conceito capital para o homem e para a so­
ciedade. A liberdade de superação não se limita a
escolher sem injunções da necessidade, mas também
sem distinção de valores, como faz a liberdade de
opção. A liberdade de superação distingue os valores
e nos integra nos que devem constituir a nossa au­
têntica finalidade, distinguindo. portanto, o supe­
rior do inferior e não apenas um do outro, como
indistintos e iguais. Eis porque a liberdade não é
o vaior supremo, se a considerarmos -como escolha
indistinta. Mas pode sê- lo se a considerarmos como
escolha que nos integra na hierarquia intrínseca dos
valores, colocando o Bem acima do mal, o Eterno
acima do efêmero. Deus como a nossa finalidade su­
prema. A liberdade se integra, pois, na verdade,
quando considerada como elemento de superação
dos valores menores c de nossa orientação para o
verdadeiro e último Fim extraterreno, de tôdas as
nossas ações.
Restaurar a 1iberdade em su� grande dignida­
de intrínseca e separá-la das suas corruptelas. eis um
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 17

dos grandes deveres de nosso tempo. Os negadores


da liberdade, os totalitários de todos os matizes,
combatem a liberdade como se ela se confundisse
com o liberalismo ou a licenciosidade. Devemos, ao
contrário, defendê-la como um dos bens supremos
do nosso mundo interior e que por isso mesmo deve
estender-se naturalmente à nossa vida exterior.
Pois o mundo interior não se opõe ao m undo
exterior e sim ao mundo superficial, ao mundo frí­
volo, ao mundo mundano, tão àsperamente conde­
nado pelo próprio Cristo. Se o mundo interior não
é apenas o pólo oposto ao mundo exterior, e sim a
síntese do efêmero, do ativista, do parcial, com o
eterno, o contemplativo, o integral, é que constitui
também uma superação. A oida interior compreen­
de também a vida exterior, mas transfigurada, trans­
cendentalizada, colocada no plano dos valores su­
premos, impregnada de eternidade. Cresce, pois,
desmedidamente a nossa responsabilidade na apre­
ciação dos acontecimentos ou das idéias, dos homens
ou mesmo das paisagens, quando tudo consideramos
do ponto de vista do nosso mundo interior, que é de
fato um mundo superior. É um ponto de elevação
que se destaca dos pontos de visão unilaterais e pu­
ramente terrenos e temporais. O mundo interior é
o da supratemporalidadc. É o dos valores, de todos
18 ALCEU AMOROSO LIMA

os valores, mas impregnados de um sentido de pere­


nidade, de substancialidade e, enfim, de sobrenatu­
ralidade. O mundo interior é aquêle onde atua pri­
mordialmente a Graça, que não destrói a natureza,
mas, ao contrário, lhe dá o seu sentido completo.
Enquanto vivemos de um modo puramente exte­
rior, vivemos apenas no plano da natureza. Viven­
do uma vida interior, o mais interior possível, trans­
cendemos o plano da natureza sem o diminuir em
nada, mas dêle tirando, pela ação da Graça, tudo o
que realmente contém.
CAP. 2.0

MORALISMO

Vimos o verdadeiro sentido da vida interior e


da sua primazia sôbre a vida exterior, porque não
se opõe a esta e sim à vida fútil, à vida fácil, à vida
superficial. A vida exterior, a nossa vida de ação,
deve basear-se na vida interior, segundo um velho
lema da filosofia perene que nos ensina que a ope­
ração segue o ente. Operatio sequitur esse. [\. ope­
ração é uma conseqüência do ser. Antes de atuar é
preciso existir. E essa atuação depende, por conse­
guinte, da existência. A qualidade daquela, da qua­
lidade desta. É precisamente a inversão dessa hierar­
quia de valores que está na base da inconsistência do
mundo moderno. Como lembrou ROMANO GUAR­
DINI, vivemos há quatro séculos, ao menos, sob o
signo do primado do Ethos sôbre o Lagos, quando
a hierarquia natural dos valores é precisamente a
oposta. O Lagos, que é a nossa relação com o ser,
deve preceder o Ethos, que é a nossa relação com o
atuar e o dever ser. O atuar é uma operação do ser.
20 ALCEU AMOROSO LIMA

Logo deve seguir-se a êle e não precedê-lo. Tôda a


tendência dos séculos modernos tem sido no sentido
contrário.
Primeiro a Moral, depois a Filosofia. depois a
Política e finalmente a Economia embargaram o pas­
so à Religião, o Ethos passou adiante do Logos, e
com isso ficou perturbada completamente a hierar­
quia natural dos valores.
Primeiro a Moral tomou a dianteira da Reli­
gião. A Religião, a partir do Renascimento e da
Reforma, se foi cada :vez mais convertendo em uma
ética, em uma norma de costumes. A relação com
Deus foi decaindo e dando lugar a uma preocupa­
ção crescente com as relações exclusivas com o próxi­
mo. ''Ama a teu próximo como a ti mesmo por
amor de Deus" eis o preceito divino. O amor do
próximo é precedido pelo amor de Deus e por êle
se justifica. A transformação gradativa da religião
em ética vai deixando cair. cada vez mais, o amor de
Deus e exaltando o amor do próximo por si mesmo,
sem referência a Deus. A moral vai, assim, quase que
inconscientemente, se substituindo à religião. A aus­
teridade dos costumes, o ascetismo, o puritanismo,
vai absorvendo a atenção e a preocupação de um
cristianismo reformado, e afastando-o da tradicional
primazia do ofício divino, da palavra divina, do
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 21

Opus Dei. A dissociação entre a Fé e as Obras, em


vez de colaborar na defesa da Fé, veio concorrer pa­
radoxa lmente para a primazia das obras, para a
preeminência da operação sôbre o ser, do E thos sôbre
o Logos.
Tive ocasião de mostrar como em certas igre­
jas protestantes dos Estados Unidos essa inversão de
valores era manifesta. A palavra do pastor torna­
va-se mais importante que a renovação incruenta do
sacrifício do Cristo. O púlpito vinha dominar o
altar. Há poucos meses o National Geographic
Magazine, tão espalhado entre nós e, portanto, de
fácil verificação, fazendo uma das suas maravilhosas
reportagens fotográficas, trazia um retrato da velha
igreja de São João, em Alessandria; pela qual tantas
vêzes passei em caminho de Mount Vernon. freqüen­
tada por Washington.
:esse pequeno e venerável templo é perfeitamen­
te simból ico dessa transmutação de valores. O púl·
pito está sôbre o altar e o domina inteiramente.
O altar como que desaparece. Passa a ser urna mesa
sem importância. O que se passa lá em cima, no
púlpito, é que conta. A palavra do pastor passa a
ser muito mais importante que o sacrifício da Re­
denção. O Opus hominis começa a predominar sôbre
o Opus Dei. E já não é mais o Côro mletivo que
22 ALCEU AMOROSO LIMA

canta, subordinado ao altar, e em tôrno dêle, como


se vê nas grandes catedrais da Idade Média e muito
particularmente nas igrejas de Espanha, onde o côro
suntuoso ocupa o centro da Igreja, - como que co­
meçando a fazer concorrência ao altar, se assim me
posso exprimir, - já não é mais o Côro, é o púlpito
isolado, do homem só, que fala, lendo e explicando
a palavra divina, mas segundo a sua interpretação
individual e humana.
O jansenismo, aliás, -com a sua insistência
contínua na moralização dos costumes, tão necessá­
ria como reação à "libertinagem" do século XVII,
mas tão perigosa quando ultrapassa os limites do
bom senso e afasta o pecador da fonte da regenera­
ção por excesso de moralismo, -coloca-se na mes­
ma linha dessa inversão de valores que vai pouco a
pouco minando o prestígio da religião e confundin­
do-a com a moral. E, à medida que nos aproxima­
mos de nossos dias, mais se nos depara essa sub­
reptícia substituição da religião pela moral, das
nossas relações com Deus pelas nossas relações com
o próximo. Da operação dominando o ser. A maior
tentativa moderna dessa substituição é o Positivis­
mo, que tenta secularizar totalmente a reli!!ião,
criando a religião da humanidade e fazendo da ·Mo­
ral a chave final da sua classificação das ciências, mas
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 23

como uma conseqüência e não como uma causa. E


com a supressão da Teologia. O eticismo tenta assim
substituir-se à Fé. E a vida exterior, a vida ativa, a
norma dos costumes passa a co�stituir o valor su­
premo em nossas vidas.
A vida interior. por falta de alimento substan­
cial, vai assim deperecendo até morrer e ser substi­
tuída pelo ativismo desordenado que domina os
nossos tempos.
CAP. 3.0

FILOSOFISMO

Se a decadência da vida interior em nossos dias


provém. antes de tudo, da substituição da vida reli­
giosa pela vida moral. como atividade mais alta do
nosso ser, o segundo passo no sentido dessa deca­
dência foi a substituição da moral pela filosofia,
como valor supremo. À substituição da religião pela
moral. nos séculos XVI e XVII, seguiu-se a substi­
tuição da moral pela filosofia, no século XVIII. E
por uma filosofia entendida como atividade supre­
ma da razão e da "razão pura", sem qualquer liga­
ção com outros valores naturais ou revelados. moral.
teodicéia ou revelação sobrenatural. Foi a ação do
conjunto de idéias do século XVIII conhecido pela
expressão "Au fklaerung" e que podemos traduzir
para o vernáculo como Racionalismo. Pois essas
Luzes, que a ideologia daquele tempo invocava como
valor supremo, eram a Luz da razão natural.
t?.sse naturalismo racionalista é que trouxe para
o pensamento moderno o conceito da supremacia da
26 ALCEU AMOROSO LIMA

atividade filosófica sôbre as outras duas atividades


que tradicionalmente a ultrapassavam : a Religião e


a Moral, nossos deveres para com Deus e nossos de­
veres para com nós mesmos e para com o próximo.
Todo aquêle moralismo que a Reforma, no sé­
culo XVI, e que o jansenisrno, no século XVII, ti­
nham colocado no ápice de nossa atividade, passava
agora a ser subordinado a um filosofismo, que se
tornou a expressão mesma do homem e da sua posi­
ção no universo. Foi então que começou o culto do
livro. Como foi então que o filósofo ultrapassou
o moralista, como êste sobrepujara o teólogo.
O culto do livro como livro, isto é, como ex­
pressão máxima da razão humana, se traduziu, antes
de tudo, pela publicação de Enciclopédias e Dicio­
nários, onde o racionalismo tentou condensar a sú­
mula de todos os conhecimentos. Era uma reno­
vação das Summas, teológicas ou filosóficas da Es­
colástica, mas num sentido completamente antiesco­
lástico. E tinha como intenção substituir o Livro
Divino, a Bíblia, por um livro humano, a Enciclo­
pédia ou o Dicionário .. Nêle se supunha que todos
os conhecimentos podiam caber e todos reduzidos a
itens, a palavras, a conceitos, fàcilmente analisados
pela razão humana.
MEDITAÇÃO SÔBB.E O MUNDO INTERIOR 27

Sendo assim, tornava-se a filosofia a atividade


suprema do homem. A religião e a moral passavam
a ser meros capítulos da filosofia, como esta a ser
uma atividade, que se abria apenas para dois cami­
nhos : o agnosticismo ou o materialismo. Ou a con­
cessão de que há domínios trancados ao exercício da
razão, como o da religião e da moral, em que domi­
nava apenas o sentimento e a imaginação. Ou a
afirmação categórica de que a razão é apenas a ex­
pressão suprema da matéria e os dois pólos esgotam
a realidade: a realidade material fora de nós e a reali­
dade racional em nós. Mundo exterior e mundo in­
terior, no mesmo plano e aquêle conhecido por êste,
mas por seu lado constituindo a sua base e a sua
ongem.
Êsse filosofismo era uma diminuição da filo­
sofia, sob aparência de a elevar. Pois a limitava ao
mundo dos sentidos ou lhe impedia a entrada nos
domínios que ultrapassam as possibilidades da razão
natural. A filosofia passava a ser religião e moral.
E dava entrada ao surto mais exultante do arbítrio
e do cepticismo.
A vida interior, dominada inteiramente pela
razão ou pelo sentimento, passava a oscilar entre a
rigidez do racionalismo, que teve no tempo a sua
expressão máxima em VOLTAIRE, e a placidez do
28 ALCEU AMOROSO LIMA

sentimentalismo, cuja máxima express�o foi Rous­


SEAU. A vida interior do filosofismo, como a vida
interior do moralismo, representavam uma diminui­
ção da vida interior compreendida dentro de uma
hierarquia total de valores. Assim como a primazia
da moral sôbre a religião trazia a primeira pedra ao
novo edifício da natureza humana baseado na rela­
ção de homem para homem e não do homem para
Deus - a primazia da filosofia sôbre a moral e sôbre
a religião fazia oscilar tôda a estrutura da vida in­
terior, entregando-a aos caprichos da razão e do co­
ração. Desaparecia, aos poucos, a medida intrínseca
dessa vida interior, cujas raízés repousam, em últi­
ma análise, não em nós, mas na natureza das coisas,
e portanto, afinal, em Deus. Uma vida interior.
sob o domínio do racionalismo voltaireano ou do
sentimentalismo de RoUSSEAU, era uma vida inte­
rior separada do mundo exterior, separada das raízes
comuns dos valores, reduzida ao puro capricho in­
dividual. Não foi à-tôa que o romantismo sucedeu
ao racionalismo e ao sentimentalismo do século
XVIII e que a vida interior se desmandou - por
vêzes magnificamente expressa, mas nem por isso
menos precária - na extralimitação de todos os va­
lores, na extrapolação de todos os limites. E como
a hipertrqfia é, em tudo. a precursora da atrofia. e
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 29

vice-versa, a decadência da vida interior se segum


normalmente à sua super-estimação pelo racionalis­
mo e pelo sentimentalismo. O filosofismo não foi
mais feliz que o moralismo na verdadeira configu­
ração da vida interior do homem moderno.
CAP. 4.0

POLITICISMO

Ao moralismo, que pretendia superar a religião


pela moral; ao fílosofísmo, que pretendia superar a
religião e a moral pela filosofia; vinha agora suceder
o politícismo, que pretendia superar a religião, a
moral e a filosofia, pela política, pela organização
social, pelo Estado.
O século XIX ia ser o grande século teórico do
Estado. As instituições políticas passaram a desem­
penhar as funções que as instituições religiosas re­
presentavam outrora. O Estado substituiu-se à
Igreja. E a política vinha reivindicar a sua prima­
zia sôbre a teologia, a ética ou a filosofia. Tôdas
essas atividades passavam, ainda de modo tímido e
indireto, a ser função das instituições sociais.
AUGUSTO COMTE já diz que o homem é uma
abstração e o que existe realmente é a humanidade.
Cria a sociologia, ou pelo menos dá-lhe um nome,
para acentuar nitidamente que o coletivo deve pri­
mar sôbre o individual e o homem é apenas produto
32 ALCEU AMOROSO LIMA

da sociedade, como vai, ao longo do século, sustcn ··


tar todo o movimento socialista, não só como ação
revolucionária, mas ainda como filosofia da vida.
O social passa a dominar o individual. O socialismo
entesta com o individualismo. O realismo aniquila
o sentimentalismo. O naturalismo sucede ao roman­
tismo. E os grandes impérios modernos começam a
luta pelo domínio do mundo.
Foi então que se formou o novo império ger­
mânico, o segundo Reich, de que o terceiro, de
Hitler, pretendia ser um simples herdeiro, como o
quarto se está formando no seio dessa Europa Cen­
tral, hoje de novo ameaçando germanizar a Europa,
com o apoio dos Estados Unidos . Foi HEGEL, no
limiar do século XIX, que operou essa transmutação
de valores, que iria afetar de modo desastroso a vida
interior do homem moderno. Foi HEGEL que ten­
tou fundir todos os valores anteriores, numa espécie
de incêndio universal, para tudo concentrar numa
entidade nova - a idéin, que não era a reprodução
das idéias platônicas, ou das idéias criadoras, de
Deus, do tomismo, nem muito menos a expressão das
ideologias, racionalistas ou sentimentalistas, do sé­
culo XVIII. mas era uma nova expressão do pan­
teísmo e a volta àquela obsessão do elemento único,
que na aurora da filosofia grega tinha preocupado os
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 33

filósofos desde TALES DE MILETO: o ar. a água. a


inteligência. etc.
A idéia era o novo "único" , para HEGEL.
como o Indivíduo, em contraposição, ia ser o novo
"único" . de STIRNER. E assim. entre o anarquismo
e o institucionalismo, ia oscilar todo o século XIX,
mas com predomínio absoluto do segundo, contra o
qual o primeiro tentou em vão, pelo terrorismo in­
termitente, lançar as suas bombas, reais ou imagi­
nárias .
Mas foi o poláicismo que dominou o século.
Foi a formação dos impérios, o francês, o alemão,
o russo. o inglês. Foi a luta externa dos imperialis­
mos. Foi o surto das "internacionais" a primeira
e a segunda. Foi a eclosão do comunismo moderno.
Foi a fundação da sociologia, como ciência. Foi o
aparecimento dos grandes sistemas sociológicos, posi­
tivistas, socialistas ou evolucionistas, que, mesmo
quando concluindo pelo primado do indivíduo em
face do Estado, faziam-no subordinando o homem
ao determinismo ou ao mecanicismo, que eram no­
vas formas de esmagar o homem pela natureza fí­
sica ou pelas instituições políticas. E HEGEL con­
cluía a sua imensa síntese pela apologia do Estado
Prussiano, como NIETZSCHE concluía a sua anti-sín­
tese pdo desafio contra o Estado, "o mais inumano
34 ALCEU AMOROSO LIMA

dos monstros frios" mas chegando a um novo culto


do títanismo renascentista. pelo mito do super­
homem, do Prometeu moderno.
Em tudo isso era evidente o sacrifício da vida
interior. Tanto no hegelianismo, como no anarquis­
mo ou no nietzscheanismo, o homem saiu diminuído
e sua vida interior aniquilada. HEGEL a subordina­
va ao Estado, e os anti-hegelianos ao Indivíduo, um
indivíduo tão anti-humano como êsse Estado des­
personalizado de HEGE L O politicismo e o antipo­
.

liticismo davam-se as mãos para aniquilar a verda­


deira vida interior.
0 dinamismo de HEGEL, ou de NIETZSCHE, de
AUGUSTO COMTE ou de SPENCER, dos politicistas
ou dos antipoliticistas, esmagava a vida interior.
Fazia do homem um simples joguête : ou do Estado,
ou da Natureza, ou do Sistema, ou do Super-Ho­
mem. E, com isso, a luz interior se apagava ao sôpro
violento de qualquer dêsses vendavais.
Nenhum dêsses novos valores podia respeitar
a delicadeza do silêncio e a doçu ra da solidão, a
substância do indizível, a fôrça da fragilidade. O que
_
traziam, como remédio ao homem desamparado, era,
de um lado, o seu enquadramento em instituições
onipotentes corno o Estado, ou em limites intrans­
poníveis corno a Sociedade: de outro. o neo-gigantís-
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 35

mo do super-homem nietzscheano ou o individualis­


mo da industrialização spenceriana. Para qualquer
lado que se voltasse o politicismo. por si ou por suas
antíteses, asfixiava a vida interior e projetava o
homem no dinamismo da mais inexorável exterio­
rização.
CAP. 5.0

ECONOMISMO

Veio enfim o século XX. "Enfin Malherbe


vin t" E com êle o fruto de tôdas essas decomposi­
ções anteriores.
O moralismo tinha usurpado a primazia da
religião.
O filosofismo pretendeu substituir-se à religião
e à moral.
O politicismo fêz da religião, da moral e da
fiLosofia, meras conseqüências das instituições sociais
e nelas do mais perfeito instrumento de unificar a
sociedade: o Estado soberano e onipotente.
Êsse conjunto de idéias vinha produzir no sé­
culo XX uma restrição ainda maior no quadro da
hierarquia dos valores. Já a gora não era a Política,
que pretendia absorver a Religião e a Moral, era a
Economia, que por sua vez absorvia a política. E a
absorvia também. como o fizera o politicismo no
século anterior, sob duas·modalidades iguais e con­
trárias : o comunismo e o capitalismo.
38 ALCEU AMOROSO LIMA

Ambos vinham do século XIX, como ambos


vinham do reconhecimento da primazia dos valores
políticos sôbre os valores filosóficos, morais ou reli­
giosos. Ambos se apoiavam sôbre uma base comum:
a Técnica. Ambos recomendavam um remédio co­
mum para a sol ução dos males do mundo: a Pro­
dutividade. Ambos faziam, a seu modo, a apologia
da Máquina. Ambos subordinavam, ou explícita ou
,

implicitamente, os valores religiosos, morais e filosó-


ficos, aos valores econômicos. Comunismo e capi­
talismo empolgaram o século XX. A luta dos dois
grandes titãs políticos do século, a Rússia e os Es­
tados Unidos, é apresentada , por uns e por outros,
ora de modo simplório, como na Rússia, ora de
modo elaborado, como nos Estados Unidos, como a
luta de dois sistemas econômicos antagônicos, o
que se baseia no primado da iniciativa individual
sôbre a coletiva (capitalismo) e o que se baseia no
primado da coletividade sôbre o indivíduo ( comu­
nismo ) . Mas são tantos os traços comuns entre am­
bos, inclusive o fanatismo anti-capitalista de uns e
anti-comunista dos outros, como conseqüência na­
tural do neo-inquisitorialismo, que podemos ver,
nessa luta de irmãos siameses. as bases comuns que
possui. E ssas hases não s�.o suficientes, sem dúvida,
'
para nos levar ao neutrahsmo dos braços cruzados.
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 39

Mas tambê1n não nos devem iludir no reconheci­


mento dos males comuns que afligem os dois cam­
pos antagônicos. E êsse mal comum é aquêle que
há 20 anos procurei analisar numa tese de concurso,
Esbôço de introdução à economia moderna, em que
sustentava que a primazia do economismo sôbre a
sacralidade era o sentido dessa economia moderna,
tanto capitalista como socialista, que não se apre­
sentava a nós como uma opção, mas como um de­
ver de superação, por aquilo que CHERTESTON cha­
mou de "dístríbutísmo" e costumamos hoje chamar
de humanismo econômico.
O economismo veio operar, no século XX, o
mesmo desequilíbrio de valores, que o moralismo, o
filosofismo e o politicismo exerceram nos séculos
anteriores. O homem que tentava superar a Deus,
como a sociedade que tentava superar o homem,
eram agora envolvidos na mesma onda q ue tudo
reduz ao primado da máquina e da sua utilização
pela técnica. O tecnicalismo é tão anti-humanista
como qualquer das formas anteriores de desumani­
zação. E a nova escravidão dos tempos de hoje vem
pôr em perigo de morte, mais uma vez, a liberdade.
Essa liberdade, que o liberalismo tinha deformado
no século XIX, que o libertinismo já havia corrom­
pido no século XVII e que no século XX é absorvi-
40 ALCEU AMOROSO LIMA

da pelo totalitarismo, sob tôdas as suas formas.


O economismo é, pois, a expressão mais atual do
totalitarismo. E o totalitarismo, a negação comple­
ta da vida interior, como se vê naquele fenômeno
que DAVID RoUSSET, por experiência própria e por
meditação apropriada, chamou de "concentracionis­
mo" O campo de concentração, como as torturas
moderníssimas das injeções que fazem os condenados
falar e convertem os inocentes,em culpados por con­
fissões falsificadas, - representam o que há de mais
requintado no processo de supressão da vida inte·
rior. O indivíduo se torna um autômato. O ho­
mem reduzido a coisa. O mundo interior é total­
mente aniquilado. Os dir�itos, como os deveres, se
anulam. A vida profunda se torna equivalente à
vida animal. O homem se torna realmente um sim­
ples instrumento de uma coletividade. que, por sua
vez, desconhece qualquer espécie de estabilidade.
O mundo interior, a vida interior não são sequer
pensáveis nessa nova espécie de escravos de um auto­
matic;mo impessoal e genérico.
Eis aí como atuam as autênticas alienações.
Não as que MARX elaborou, mas as que a lógica dos
erros preparou para o nosso tempo.
A restauração dos direitos do mundo interior
é, portanto, uma das peças fundamentais da recupe-
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 41

ração do tempo perdido em que nossa geração se vem


empenhando, sob pena de desaparecer também no
turbilhão nivelador da nova escravidão pessoal e
coletiva.
CAP. 6.0

O HóSPEDE

A vida interior depende de três condições pre­


liminares: _uma correta concepção de Deu.s. a har­
monia psicológica e as circunstâncias do meio.
Uma reta concepção da divindade é a condic;;io
fundamental de uma vida interior, rica c fecunda.
Pois o que faz a fôrça da vida interior não é o iso­
lamento. É o encontro de Deus em nós . Somos
apenas a casa do Hósp ede. O isolamento, como tal.
poderá ser apenas mau-humor, desespêro ou misan­
tropia. E nada de mais alongado dessas formas de
negação da vida do que a vida interior. Esta. ao
contrárioL é uma intensificação da vida. Para ter
vida interior é preciso, antes e acima de tudo, ter
vida , crer na vida e viver a vida do modo mais in­
tenso possível.
Ora, só pode preencher essas três exigências ou
mesmo qualquer delas quem crê em Deus e encontn
a Deus não apenas à distância ou de modo. abstrato,
mas dentro de si mesmo. O ateísmo pode provoc..r
44 ALCEU A MOROSO LIMA

uma intensificação da vida exterior, mas jamais um


aumento de vida interior. Para quem não crê em
Deus, só há vida no movimento, na agitação, no
mundo das ações e dos fatos. O ateu encontra em
si o vazio. Pois se vê, naturalmente, como uma
conseqüência e um motor. Mas jamais como a habi­
tação da própria vida. Crer em Deus é, portanto, a
condi� ão. essencial da vida interior. E ter de Deus
uma noção que permita essa intimidade com o mis­
� êsse diálogo interior. q ue não anula a Deus
ex:n nós, nem nqs aniquila em Deus, é a exigência
imediata. E por isso é que duas concepções correntes
da Divindade, o deísmo e o panteísmo, são também
tão contrárias ao rr..undo interior como o ateísmo.
O deísmo coloca a Deus como uma categoria
abstrata ou então a urna distância tal que o isola do
mundo, tanto exterior como interior. Para o deís­
mo Deus é uma "categoria do ideal", como dizia
RENAN, ou o "arquiteto do universo", como dizia
VoLTAIRE, ou um Allah inacessível e sem com uni­
cação com o mundo, como quer o fatalismo muçul­
mano. Essa concepção abstracionista de Deus, como
uma pe�a na geometria do universo, aparta Deus de
tal maneira do homem que não há meio de o en­
contrarmos, quando nos fechamos em nós m esmos.
O mesmo se dá com o fatalismo maometano, para
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 45

quem a linha da Divindade é como que paralela à


linha da Humanidade, sem que entre elas existam
quaisquer coordenadas. Por mais puro que seja o
monoteísmo, desde que separa Deus do homem, não
permite que a vida divina se insira na vida humana
de modo a alimentar o mistério e a abundância da
vida interior.
O mesmo se dá com a concepção oposta, com
-
o panteÍsmo� ·se dissolvemos Deu's no universo, o
Criador nas êriaturás. se apenas vemos Deus em tôaa
parte, encarnado na criação, é como se o tivéssemos
solitário e separado no céu geométrico ou fatalista.
Os dois contrários se encontram. No panteísmo Deus
se perde no universo e não podemos encontrá-lo em
nós. No teísmo fatalista ou abstracionista, Deus se
fecha em seu mundo, estranho a nós, como se Êle se
tivesse desinteressado da sua própria obra, por cul� �
-
rnrstralções do homem.
Para que a nossa vida interior represente a viCia
de Deus em nós e o encontro com Ele no fundo de
nós mesmos, é preciso que se resguarde simultânea­
mente a distinção entre Deus e o mundo, contra o
panteísmo e a união de Deus com o mundo, pelas
idéias criadoras, pelos sacramentos e pela graça cons­
tantemente animando a natureza, contra o deísmo.
Só assim podemos ter a Deus em nós. sem que seja
46 ALCEU AMOROSO LIMA

uma ilusão ou uma palavra vã. Só assim podemos


encontrar, dentro de nós, o próprio criadÔr da vida.
E por isso mesmo é que não bastam as virtudes mo­
rais para que tenhamos uma vida interior intensa.
É mister que as VIrtudes teologais. a Fé, a Es­
perança e o Amor, transfiguradas pelos dons do Es­
pírito Santo, venham permitir que encontremos, no
fundo de nossas almas, a presenç_a divina. E essa
presença é que fãi· a riqueza da vida interior. É
porque há em nós mais do que nós mesmos, que o
mundo interior tem um sentido tão grande. É por­
que Deus pode habitar em nós e pela vida interior
podemos mais de perto conviver com Êie, que ir a
Deus não é sair de nós e sim, pelo contrário, entrar
t:!m nós. A vida religiosa só se torna exterior como
uma conseqüência e não como uma causa. Os dois
m.qdos de manifestação exterior dessa vida, a oração
e o a postolado, só se justificam, quando alicerçados
na vida interior. Pela oração é 9ue nos unimos pro­
fundamente a Deu�. E a oração coletiva, a oração
em união com todos os fiéis, a oração do nosso eu
em união com a Igreja, Corpo Místico de Cristo, só
�em valor quando precedida e acompanhada, simul­
tâneamente, pela oração interior, pela intimidade
com Deus no fundo de nossas almas. De outra for­
ma se opera apenas uma mecanização, uma ritua-
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 47

lização da prece, que não possui valor espiritual


nenhum. O mesmo ocorre com o apostoladq. Só
há fôrça de irradiação e de contaminação no apósto­
lado, como extensão do Reino de Deus, a que cada
cristão está moralmente obrigado, quando essa irra­
diação parte de um foco ardente que não pode deixar
de expandir-se. E, portanto, de uma vida interior
que extravasa naturalmente e por isso mesmo de
modo mais fecundo para a extensão da vida sobre­
natural em nós, que é Deus em nosso mundo in­
terior.
Uma falsa concepção da Divindade é, por con­
seguinte, um elemento de enfraquecimento, corrup­
ção e aniquilamento de nossa vida interior. Uma
verdadeira concepção de Deus, ao contrário, permite
que, dentro de nós, encontremos a Fonte de tôda a
vida, a própria ·Vida em sua cratera ardente e lu­
rnmosa.
Não há, pois, vida interior autêntica sem uma
profunda vida religiosa. Deus em nós é a condição
primeira e maior dessa reverência que devemos ter
para com a nossa vida íntima, de modo a expurgá-la
de todos os elementos de desagregação e mantê-la na
limpidez e na limpeza com que nos preparamos sem­
pre para receber um hóspede. E Deus é mais, muito
mais do que um hóspede em nossa casa íntima. É o
48 ALCEU AMOROSO LIMA

próprio dono da casa. E quanto mais nos tornar­


mos hóspedes do nosso Hóspede, tanto mais veremos
crescer e florescer o nosso mundo interior.
CAP. 7.0

EQUILlBRIO

Vimos que a primeira condição da vida interior


é u ma correta concepção de Deus. Outra condição
é a que podemos chamar a h_a rmonia psicológica ou
a sã hierarq uia de nossas faculdades. Há três m o­

mentos capitais de nosso contato com o mundo,


tanto exterior como interior: a sensibilidade, a inte­
ligência, a vontade. Pelo primeiro, recebemos do
mundo exterior as impressões que representam como
que a matéria-prima para a atividade criadora das
nossas faculdades. Pela inteligência elaboramos essas
formas primárias e tôscas da nossa sensibilidade, e
desenvolvemos em nós as formas superiores com que
iluminamos, qinto a ação inicial da sensibilidade
COfllO a operação final da vontade. Esta última, en­
fim, dirige as nossas ações para a sua finalidade co_ll­
veniente, sob a direção orientadora do intelecto.
TQ.dQ. Q � f.QJ.Iilíbrio psicológico depende
do funcionamento normal dessas w � funda­
mentais de nossa natureza.
50 ALCEU AMOROSO LIMA

O sadio funcionamento de nossa sensibilidade


esrá intimamente ligado às condições do nosso corpo.
"Não somos um piano tocado por um anjo"
nos diz MARITAIN, advertindo do perigo de uma
cisão cartesiana ou racionalista do corpo e do espí­
rito. Segundo a mais velha tradição hilemórfica,
somos um composto vivo, em que o corpo está tão
intimamente ligado à alma que a separação entre os
dois elementos, se não representa a extinção d<respí­
rito, é, pelo menos, uma red ução tão profu- n da- de
rnrnamm.r;··qu"ê 6'1to�a da ressurreição da carne
vem ajustar-se, como uma luva, a essa reduçao subs­
tancial da natureza do espírito separado de seu ins­
trumento natural, o corpo. Do funcionamento nor­
mal dêsse último depende, pois, de modo direto, o
normal funcionamento daquele. SANTO ToMAS
chega a dizer que a perfeição de um depende do
outro. Quanto mais perfeito o corpo, mais perfeita,
em tese, a alma. Con tra a posição platônica de que
a alma e o corpo estão ligados por ,wna união me­
ramente acidental, SANTO ToMAs sempre defendeu,
contra a maioria dos pensadores do seu tempo, a
união substancial da alma e do corpo , um natural­
mente inclinado ao outro. Uma sã psicologia de­
pende!._ pois, de uma sã pi()Jpgg� A vida interior.
portanto, não representa uma antítese à vida física.
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 51

Representa, apenas, a colocação da sensibilidade fí­


sica em seu lugar inicial mas essencial, para o equi­
líbrio geral das funções.
O mesmo sucede com os dois outros elos da
corrente psíquica que o homem representa. Aliás o
próprio movimento dos sentidos internos, o senso
comum, a imaginação, a memória, a estimativa, está
diretamente ligado à pureza dos nossos sentidos ex­
ternos, que são como que a janela aberta para que
o mundo exterior penetre em nós e ponha em mo­
vimento as potencialidades que ficarão estáticas sem
essa excitação exterior.
Quando passamos dos sentidos, externos e in­
ternos, ao intelecto, tomamos pé no que representa
o centro vivo e irradiante da própria natureza huma­
na. A atividade intelectual do homem é apreensão de
formas e julgamento. Apreendemos a verdade pela
inteligência e caminhamos de uma idéia a outra pela
razão. A razão, nos ensina SANTO ToMÁS, é a im­
perfeição da inteligência. Esta, à custa do caminho
discursivo das abstrações racionais, pode chegar à
intuição das coisas mais recônditas e sutis, aproxi­
mando a racionalidade da na tureza humana, da in­
tuitividade da natureza angélica, nesse caminho da
ignorância dos sêres sem vida ao conhecimento puro
que só exis�e em Deus. Nessa ascensão é que a inte-
52 ALCEU AMOROSO LIMA

ligência opera, no homem, a passagem da matéria


morta ao mundo das formas imateriais, ao mundo
a ngélico e daí ao mundo sobrenatural, à própria vida
divina. O exercício normal da inteligência, no
homem, é, portanto, a condição sine qua non para
aquela correta intuição de Deus, sem a qual não
existe a possibilidade de urna sadia vida interior.
Assim designa SANTO TOMÁS duas grandes etapas
da nossa vida psicológica : "É natural ao homem que
pelo sensível chegue ao inteligível, já que o conheci­
mento tem a sua fonte nos sentidos" (I. I, a. 9)
E daí "da experiência sensível, interpretada pela in­
teligência, o espírito se deixa conduzir à intelecção
mais elevada das coisas divinas" (I O Ver. a. 6,
ad 2 ) .
Finalmente, à posição passiva da nossa sensi­
bilidade que recebe o universo, à posição ativa da
nossa inteligência que conhece a universalidade das
coisas, da pura potência ao Ato puro, corresponde
a irradiação da sensibilidade e da inteligência por
meio da vontade, que é a nossa tendência à realiza­
ção dos nossos fins, à plena operação da nossa na­
tureza. De modo que, assim como a inteligência é
a fôrça que nos leva naturalmente à verdade, ao que
é, - a vontade é a fôrça que, iluminada pela inte­
ligência, nos leva naturalmente ao bem, ao que deve
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 63

ser a nossa perfeita realização, à satisfação suprema


dos nossos dese jos. Daí uma hierarquia de bens
particulares que não satisfazem senão de modo pas­
sageiro o nosso ser, até a apreensão suprema do Bem
u niversal, do Bem total, do Bem em si, único, como
nos diz SANTO AGOSTINHO, que pode satisfazer ple­
namente e pacificar a nossa insaciável sêde de abso­
luto. E o nosso coração não tem sossêgo enquanto
o não alcança. Ou então o perde, muitas vêzes, na
loucura das posses parciais e na angústia do Ínãca­
bado.
Só quando essa tríplice condição do nosso equi­
líbrio psicológico está preenchida, - a sensibilidade,
a inteligência, a vontade, - só quando êsses três
elementos indissociáveis da nossa natureza estão bem
distribuídos, bem colocados e em perfeito funciona­
mento, é que podemos possuir uma vida interior
abundante e fecunda,
CAP. 8."'

O MEIO

Examinamos as duas condições essenciais para


a existência de uma vida interior sadia. Há uma
terceira, entretanto, que completa as outras duas : as
condições do meio.
O ser humano, mesmo em sua vida psicológica,
não pode ser abstraído dos outros sêres humanos e
das condições físicas que o circundam, por duas ra­
zões : uma tirada da observação da própria natureza
humana e a outra das condições de funcionamento
da sua vida psicológica.
É dos sentidos que tiramos os materiais com
que trabalha a inteligência e com que opera a von­
tade, não só para conhecer o mundo exterior, mas
ainda para de�cer às profundezas do mundo inte­
rior e aí alcançar a Verdade ·última e suprema, que
não é uma abstração, mas uma realidade, uma pes­
soa, a mais perfeita das realidades e das pessoas, o
.. .- próprio Deus, nosso Senhor e nosso Pai. Ora, os
,

sentidos buscam êsses elementos no meio em que vi-

....
56 ALCEU AMOROSO LIMA

vemos, meio físico e meio humano. Êsse meio, por­


tanto, é uma condição preliminar para o funciona­
mento do nosso cu. É impossível abstrair do meio,
ao considerar o homem. Como é impossível abstrair
dos sentidos, isto é, do contato do homem com o
meio, para considerar a vida intelectual e a volição,
elementos capitais da nossa vida interior. O meio,
portanto, as condições que cercam o nosso corpo e o
nosso espírito, o alheio, o outro, o não-eu, são notas
indispensáveis para o perfeito movimento interior do
nosso eu.
Outra razão é a própria natureza social do ser
humano. A observação nos revela que o homem
vive sempre em contato com os outros homens e,
quando perde êsse contato, algo de estranho se passa
com êle : ou melhora muito ou piora muito. Piora,
em regra. Melhora, por exceção. Mas, normalmen­
te, perde. Já· que, naturalmente, o homem é neces­
sário ao homem para que a vida humana se desen­
volva normalmente. O contato com os outros ho­
mens é, portanto, uma condição de humanidade
sadia, de aperfeiçoamento natural de uma na tureza.
que recebemos não formJda e perfeita, mas apenas
com uma soma de potencialidades que nos cabe
atualizar. A sociedade é, portanto, o elemento na­
tural ao homem. como a água é o elemento natural
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 57

aos peixes e o ar aos pássaros. Os animais vivem em


simbiose com os elementos inferiores, por possuírem
uma natureza infinitamente mais simples que o ser
humano. Ao passo q ue o homem, que é uma na­
tureza racional, só pode viver bem em contato com
outras naturezas racionais. E a sociedade é o ele­
mento dessa convivência.
Por êsses motivos, pelo menos, não pode haver
vida interior sem haver vida social, já que o meio
mais à altura das exigências do homem todo é o
meio social. Só da sociedade, pois, é que nasce a
possibilidade de uma verdadeira vida interior.
Isto, porém, é apenas uma primeira etapa. Já
vimos que a vida social é uma condição natural ao
homem e ao seu aperfeiçoamento, mas também pode
ser uma causa de sua diminuição. E o será sempre
que, em vez de permanecer .um meio, se converta em
um fim. A sociedade é o meio natural do homem.
Mas, quando de meio se transforma em fim, em vez
de servir ao aperfeiçoamento da natureza humana,
tolhe o seu desenvolvimento e concorre até para a sua
degradação. O homem que vive para a sociedade,
isto é, que faz da vida social o seu fim último, é um
homem diminuído. E é particularmente u m homem
incapaz de viver interiormente. A vida interior su­
põe duas coisas a êsse respeito : supõe a vida social.
58 ALCEU AMOROSO LIMA

como preliminar, e supõe, depois, a retirada da vida


social. A vida social se sobrepõe à vida interior ou
impede a sua eclosão, quando não s e dá êsse duplo
movimento. Não havendo vida social preliminar, o
homem permanece um ser bronco, incompleto, pré­
humano se pode dizer. E não pode haver vida in­
terior sem haver. previamente, uma vida humana
normal e completa. A vida interior não é uma mu­
tilação, é uma plenitude. E como plenitude supõe
u m ser humano que alcançou o melhor e se possível
o maior desenvolvimento de tôdas as suas faculda­
des. Não é um refúgio dos mutilados ou dos im­
potentes. É uma eclosão total dos que receberam da
vida exterior, da vida psicológica e da vida social,
tudo o que estas lhe podiam dar. É um aperfeiçoa­
mento, não é uma evasão ou uma mutilação. De
modo que a vida social - onde, pelo conhecimento
e pela educação, pelo hábito de viver, o homem chega
à sua plena humanidade - é uma condição sine qua
non para a vida interior. Mas . há urll momento
em que o próprio dinamismo da vida s6cial se pode
voltar contra a vida pessoal. E a vida interior não
é, em si, vida social (nem anti-social, naturalmente)
mas vida pessoal. Se a vida social se torna exage­
rada, se transborda de suas margens naturais, se se
transforma, de instrumento de nosso aperfeiçoame n-
MEDITAÇÃO SÓBRE O MUNDO INTERIOR 59

to, em tirania dos nossos hábitos, então a vida so­


cial absorve o homem, socializa-o completamente,
torna-o um escravo de seus encantos ou de sua fôrça
e com isso tolhe tôda a vida interior. É o que cha­
mamos o mundanismo, sob tôdas as suas formas.
O mundanismo é o grande inimigo da vida interior,
justamente porque subverte a hierarquia natural dos
valores e converte o mundo exterior em medida do
mundo interior. Quando a verdade é o oposto : o
mundo exterior existe para o mundo interior. E o
meio, físico ou social, só é urna condição fecunda
para a nossa vida interior, quando se respeita a or­
dem natural dos valores. Quando o meio permanece
meio. A sociedade, então, estimula em vez de tolher
a expansão livre da vida interior. E esta se realiza
então através dos três grandes SSS : o silêncio, a so­
lidão e a santidade.
CAP. 9.0

SILÊNCIO - I

O primeiro dos três SSS, fundamentos do mun­


do interior, é o Silêncio.
Há dois silêncios que se completam, mas que
não exigem reciprocidade : o silêncio exterior e o si:.
lêncio íntimo. O primeiro, como o nome indica, é
a ausência de rumor físico. Vivemos, mormente em
nossos dias e na vida das grandes cidades, cercados
de baruiiio . Há mesmo, em cidades como o Rio, um
desperdício de sons, que toca as raias da verdadeira
psicose. Nas cídàdes mais movimentadas do mundo,
­
como Nova York, os automóveis transitam como se
se as buzinas não existissem. Na capital do México,
barulhenta como o Rio, encontrei uma campanha
sistemática contra os abusos dos clacsons. E assim
no Canaciá- como em França, em Portugal como na

Itália.
Por tôda a parte se começa a reagir contra a
tirania das buzinas. Só no Rio os motoristas con-
62 ALCEU AMOROSO LIMA

tinuam alucinados pelo som . Mas, sem dúvida,


o mal é muito mais grave e extenso. É um mal uni­
versal dos nossos tempos, agravado ao extremo pelos
progressos mais modernos. Os alto-falantes nas
ruas, os rádios nas casas, o cinema falado, o rumor
das usinas ; tudo vem somar-se à estridência das bu­
zinas para tornar as cidades de hoje verdadeiros
antros de ensurdecer. E o silêncio exterior, no entan­
�. é. uma condi� prelim.i.nal'- pM-a e--eqailíhfio_ da
..

vida.
O rumor contínuo das çidaQes. modernas, o
ma"lll ar .da.-fábricas .o.u. dos estaleiros durante oito
horas por dia, quando não durante a nQÍt� Ç.Como
uma fábrica de pregos bem �- de .mwlu. casa., .que .

em tempo trab�lhou de sol a $ol e de sombu a som­


bra e me fêz fazer a experiência in anima nobili de
quanto o silêncio físico é indispensável à vida hu­
mana) , a onda de som estridente, sem sentido ou
harmonia, que invade continuamente o nosso ser, é
uma destruição lenta, mas implacável, do nosso do­
mínio sôbre nós mesmos.
Até a música em excesso é um _mal. como
observou WILLIA M JAMES, em seus estudos psico­
lógicos. Vejo hoje, com o rádio, muita gértte que,
inutilmente, por simples prazer1 trabalha ou repou­
sa em casa, aó som do mais contínuo estridular de
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 63

samba&,. anúncios comerci ais e· notícias articuladas


..eor locutores, t� nto niais perniciosos, para a vida
interior, quanto mais avelu dada e redonda a sua voz
àesencarnada de oráculos . Tudo isso é uma ver­
dadeira insurreição contra o espírito.. Nossa vida
mental tôda ela se forma por sensações que recebe­
mos do mundo ambiente.
Se vivemos com os ouvidos continuamente so­
licitados por essa _polifonia enlouquecida, só pode­
mos criar! den.tro de nós. a confusão. a desordem e
o entorpecimento. A mais diab'ólica conse q u ência do

barulho é a passividade do espírito. Solicitado, a


cada momento, pelo ruído, de fora, o nosso espírito
se vai acomodando a não sentir, a não reagir, a não
pensar. Ficamos em um estado de pré-hi p notísmo
que pode ser o prelúdio da mais insidiosa debilidade
mental. O silê ncio exterior é uma condição essencial
para a atividade da inteligência e da vontade. A pró­
pria sensibilidade se anula por uma contínua soli­
citação do som. E o homem se torna um autômato,
quando o ouvido trabalhe demais.
O silêncio exterior é a primeira condição para
a vida interior. Mas não é a última. Muito mais
importante é o silêncio interior. Podemos obtê-lo
e,tn pàrte, mesmo cercados pelo rumor do mundo,
iJReera não por muito tempo. Ao menos à noite
64 ALCEU AMOROSO LIMA

é preciso que o homem se cerque de uma auréola de


silêncio para que se sinta realmente viver.
O silêncio interior se abebera em fontes humil­
des ou transcendentes. Abebera -se na noite, a_ grande
e cotidiana companheira da nossa renovação coti­
diana. Abebera-se na solidão. Abebera-se na lei­
tura, como na meditação e, acima de tudo, na graça.
O silêncio interior é o que nos leva a deixar viver
9 espírito em nós. Ao contrário do fogo, o espírito
se alimenta do vazio.
QuaRiii IRIAIMI8 a Rossa vida de sensações ou
de sons, continttanteft�e abser o ides pele ftesse eOftt ­
tate exageraào com o mundo de fora, a vida do
�ro -eomeça a decair. Fi�mos nesse estado de
passividade que caracteriza os automatismos. • f)et­
xamo-nos viver. Não vivemos. É preciso fazer o
silêncio em nÓS', parcr qtreo o esptrtco tomece a viver.
É como .w: a luz espiritual se ati:meur.tsse l!o vacuo.
À medida que nos retiramos ao centro de nós
mesmos, à medida que cresce êsse silêncio profundo
da alma, vão-se delineando as formas do pensamen­
'to, tr passado ressmge � etrm � esqaettmento,

a atenção se ap'tiTa-, cres-c� ':1 �eza dos jll�o s, os


sentidos interiores gant1am f\5rma a IIredida que se
tornam mais discretos os sentidos exteriores, a lu z
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 65

da inteligência se torna mais viva, o calor do espírito


se torna mais ardente e a vontade mais firme.
Começamos então a sentir melhor o nosso cu,
o que fica tantas vêzes escondido em nós, por falta
de silêncio, emergir da sombra e cantu então o cân­
tico da alegria que o encontro com as grandes ver­
dades nos leva a entoar. O silêncio então se torna
Canto. O silêncio de5abrocha em palavras que só os
anjos escutam, mas que os postos de silêncio das
outras almas interiores e ardentes escutam com muito
mais profundeza do que os postos de escuta das an­
tenas loquazes das almas extrovertid ::s.
Pois, se a plenitude da pJlavra é o silêncio,
como a da emoção, a plenitude do silêncio é a pala­
vra humana que acaba entendendo o mistério do
Verbo e dialogando com Deus, como o fazia o Cura
d' Ars nas _ madrug_adas da su;, humilde ta pela.
CAP. 10

SILÊNCIO ·- II

É n o silêncio que ouvimos a voz das coisas,


como ouvimos as vozes profundas do nosso pró­
prio eu e como chegamos a ouvir a voz de Deus.
Ouvimos a voz das coisas e dos animais, ouvi­
mos o sentido que têm as árvores e os rios, o mar e
os passarinhos. O silêncio a pura em nós a acuidade
dos sentidos e da inteligência. Enquanto o rumor
pode ser um estímulo à vontade e à ação, só o silên­
cio abre os nossos poros sensíveis e a nossa razão e
nos torna passíveis, portanto, de penetrar o segrêdo
das coisas, pois as coisas guardam consigo o segrêdo
de suas origens e a marca invisível que nelas deixa­
mos em nossa passagem. Guardam consigo, na sua
imobilidade ou na sua irracionalidade instintiva,
muito da Fonte de que provêm. Deus fala pelas coi­
sas quando nos cercamos de silêncio. Por qu(' razão
os "coe/i erraram gloriam Dei" (Ps. 1 8 , 2) , senão
porque as coisas guardam consigo, mais intatos do
ALCEU AMOROSO LIMA

que nós homens, os sinais dos dedos d ivi nos ? Por


que se refugiam no silêncio dos desertos e das mon­
tanhas. dos cla ustros ou de si próprios, aquêles que
querem ouvir a voz de Deus ? É porque o silêncio
nos torna sensíveis ao segrêdo das coisas. Porque o
silêncio nos permite ou vir a voz de Deus nas coisas.
o sinal do Criador nas suas criaturas. Sem o silêncio.
passamos por elas dis traídos, como se fôssem real­
immilR1'8Cf
!MMe-lttft a--nta têria -t,rttt a .- llt ft aznti do.
qtte ftaàa · tem a nos contar. Cotn -e-s-tlêrtei-6; ao con-·
trária; rs &otM& &ltMif&flt"'a-fl.ltlr;· ffm'teçMil a -eo!ttM·
nos histórias maravilhosas, que n ão estão apenas em
nossa imagi naç ão, que não lhes são apenas comu ­
�as� aós--mesmos·mas·�-eMão conti das nelas.
trancadas em sua i mo�de d" pedra, eln....ua vet-.
satilidade de águas, em sua mudez de pássa ros, pre­
cisamente porq ue são criaturas de Deus. Foi SÃO
FRANCISCO DE Assrs, mais do que qualquer outro
poeta do mundo, que soube falar às coisas e aos ani­
mais e melhor ouvir as suas vozes ! E como o alcan ­
çou ? Fazendo o silêncio em si e vivendo no silêncio
interior. Foi quando deixou a cidade, o tumulto dos
prazeres e dos negócios, que começou a dialogar com
todos os sêres. E com isso enriquecer para sempre,
não só a sua vida ou a daqueles que despiram as ves­
tes do mundo, em todos os séculos para o seguirem ,
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 69

mas a todos os que amam o silêncio e nêle encontram


a chave de tôdas as vozes.
Porque as coisas, se g u ard am o sinal do seu
Criador, em seu silêncio, guardam também a marca
das c riatura s que por ela s passaram. Os acontecimen­
tos, humildes ou convencionais, históricos o u sem
história, deixam nas coisJs o sinal da sua passagem
E é da contemplação silenciosa que êsscs sinais co­
m eçam a vir à ton a e a nos ensinar a lição do seu

passado. O sil ê ncio em que contemplamos as coísaE


nos traz a voz de D e u s c a voz dos homens, do tempc
e da eter nid a de .
Com o n os traz também o segrêdo das próprias
almas, o mistério do Outro. Só em siWncio podem o s
�8gar à i&Mf)f@IJR&áo.-li g,a..m.'i:dida sm ..q.ne fazemos
em nós a depuração pelo silêncio. que podemos ven ·:.
cer um pouco das barreiras que nos separam uns dos
outros. O Amor nasce do silêncio e só êle o leva de
novo à plenitude. Quando K.A TERIN MANSFIELD
morreu, o seu viúvo, o grande crítico MTLDDETOK
MURRY, escre \re u uma página inesquecível em q ue fa ­
zia, entre outras coisas, essa reflexão tão verdadeira,
que a plenitude do amor conjugal é o silêncio lado a
lado, e a sintonização sem palavras é a vivência
muda, como a convivência dos anjos.
70 ALCEU AMOROSO LIMA

O silêncio é que aproxima os homens que o


ruído separa, como é também o caminho da nossa
própria compreensão interior. É pelo silêncio que
nos encontramos a nós mesmos. Quem não sabe si�
lenciar não se encontra jamais. Há homens que
vivem divorciados de si mesmos porque nunca fa�
zem em si o silêncio. Não se conhecem porque não
procuram ouvir a voz da sua consciência, do seu pas�
sado, da sua experiência, do seu mundo interior.
I gnoram-se porque falam todo tempo, mesmo quan­
do se calam. Pois o silêncio não é apenas a ausência
de palavras ou de ruído, não é apenas uma omissão,
uma supressão, uma ausência, um valor negativo,
mas, ao contrário, um valor essencialmente positivo.
É no silêncio que se constrói a nossa vida interior.
E o sílê,ncio que edífica o nosso mundo interior, de
modo que a vida sem silêncio é uma vida mancada,
como o silêncio sem vida é uma negação do silêncio,
é um falso silêncio.
Quanto mais temos de viver num mundo mar�
telado pelo Ruído, mais precisamos fazer o silêncio
em nós. Não apenas aquêle que nos esvazia para
recolhermos a mensagem dos pássaros, das flores, das
estrêlas e das cascatas, de tudo o que só fala quando
se cala a alma humana, mas ainda aquêle que nos
enche, que nos renova, que nos eleva, o silêncio que
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 71

nos leva à descoberta de nós mesmos, ao amor do


próximo, ao diálogo com Deus.
Os poetas e os místicos, mais que todos, conhe­
cem o valor do silêncio, porque só nêle podem en­
contrar o que procuram. Mas não há privilegiados
do silêncio. São todos os homens, é cada um de nós,
é a própria vida humana, para ser bem vivida, que
tem sêde de silêncio, porque só nêle encontra o ca­
minho para a paz e para a sabedoria, para perdoar,
para esquecer e, acima de tudo, para amar.
Quando procuramos. pois, o silêncio e a solidão
e nêles encontramos o que nos nega o tumulto do
-

mundo. é que a nossa alma precisa de silêncio, como


o nosso corpo precisa de alimento. E não há vida
interior fecunda sem que, em tôrno de nós se possí­
vel e sempre dentro de nós, o Silêncio fôr a raiz da
Solidão e da Santidade.
CAP. 1 1

SOLIDÃO

Há uma solidão ínumana e infecunda. Há


mesmo vanas. A solidão forcada da prisão só muito
raramente inspira u m S_fL_'[�9 P?!:.ICO ou, no extre­
_
..

mo oposto, u� Qsc�� _yy�_LDE. E só quando unida


-
à santidade, dá ao mundo um JoÃo BATISTA ou um
PAULO. Em regra, produz apenas amargor e revol�
ta, quando não o servilismo.
A solidão da loucura fecha o homem num uni ­
verso sem o próximo. O outro deixa de existir. Ou
então existe como inimigo, como perseguidor. O ho­
mem se fecha em seu próprio universo, voltado pan
dentro de si mesmo, num círculo vicioso sem saíd;�.
seja n a imobilidade da catatonia, seja na projeção
dolorosa da esquizofrenia, sejã no mundo negro das
depressões e das perseguições.
A solidão da misantropia ainda é mais triste.
A loucura pode levar à euforia e à megalomania, mas
o pessimismo leva à negação. O homem se fecha en­
tão voluntàriamente. Foge do mundo e dos demais.
74 ALCEU AMOROSO LIMA

Vê em tudo o lado mau das coisas. Projeta sôbre a


vida a sombra que lhe cobre a alma. Rejeita o rumor
das cidades, mas não se alegra com a paz dos cam­
pos. O silêncio lhe pesa, como pesa a companhia.
Em nada encontra o que louvar, a não ser em si
mesmo. E mesmo assim se volta con tra si próprio,
pois quem se insula sistemàticamen te dos homens
acaba inimigo da sua própria humanidade. Só a so­
lidão do fariseu, a mais inumana das solidões, torna
o homem satisfeito de si mesmo . . .
A solidão do desespêro é trágica, pois invade
de surprêsa um coração desamparado e leva-o ao
pecado sem remissão, a duvidar da própria Miseri­
córdia Divina. É a solidão que leva ao suicídio.
Apodera-se de uma alma, por vêzes, em plena feli­
cidade, sobretudo quando as almas acreditam demais
na felicidade trazida p'elas coisas terrenas. E abate-as
como um raio abate um cedro, na tempestade. É
assim que o amor se transforma violentamente em
crime. A vida, em um deserto sem sentido. É a
solidão dos que não aprenderam a viver sós.
Há a solidão disfarçada das cidades, que arran­
ca o homem de si mesmo para o entregar ao anoni­
mato dos prazeres, dos rumores, da agitação, do
"mundo quebrado" de que fala GABRIEL MARCEL.
É a solidão da vida medíocre do campo, que endu-
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 75

r.e.c:.e as almas. torna-as �cas e vegetativas, dimi­


nuindo no homem a capacidade de se renovar, mi­
neralizando, pouco a pouco, a sua humanidade.
_ São .tôdas elas formas infecundas e inumanas
..

da :Wlirlão perspw inadequadas.à sua verdadeira na­


t ute za O homem não foi feito �a solidão, mas
. .

a solidão existe para que Q-homem se. encontre a si


mesmo. E encontre em si Aquêle que explica o seu
mistério. Quando o homem procura a solidão pela
soli.dio....o u esta lhe é jmpai.ta como m. penali4ade
ou coma.. uma moléstia, .passa da �n.t.ão lr ser uma
diminuição e um absurdo, já que. o. homem é....w.u
animal naturalmente sociável. E só na companhia
dos outros homens encontra o seu verdadeiro cami­
nho. Mas, quando abusa dessa companhia, quando
só sabe yjyer em sociedade qnapda só encontra pra-
. . -

zer P? 'OP'rersa PO dJlrett'


' mqpto, 92 28't?Ç?O; PQ

ruído, na atividade, quando não sabe gozar da com­


panhia do silêncio e não sabe conversar consigo mes­
mo, então é o caso de abrir os olhos ao perigo dêsse
desperdício, dêsse esvaziamento, dessa defecção, pre­
lúdio certo do aniquilamento ou da diminuição da
personalidade.
�ó na solidão encontramos o nosso verdadeiro
eu. Só na solidão descobrimos c verdadeiro sentido
da vida. Só na solidão nos abeberamos na fonte da
76 ALCEU AMOROSO LIMA

verdadeira renovação. A vida interior não existe


sem o amor da solidão. A vida ativa não tem sen­
uao se nao se renova na solidão. A vida apostólica
se deturpa quando não procura na solidão as rique­
zas que deve levar ao próximo. Todos os 2:randes
�antos, como o Cristo, se refugiaram n.o deserto an­
tes de pregarem a salva�o. "O solitudo, sola beati­
tudo" O solitário encontra na solidão alguma coisa
que está para além da solidão, pois esta, para ser fe­
cunda e humana, tem de ser um meio e não uma __

finalidade. O verdadeiro solítário encontra na soli­


dão a beatitude. Encontra a felicidade que não
passa, porque não é dêste mu ndo. Encontra o sen­
tido da vida, que só se explica quando não o pro­
curamos apenas nos valores da vida efêmera.
Podemos viver solitários em plena multidão,
como podemos VIver perdidos em plena solidão.
Podemos levar ao mundo a nossa solidão fecunda,
como podemos trazer, para a solidão, todos os pe ­
cados do mundo. Pois não basta viver só. É pre­
ciso saber viver a sua solidão. Não basta ter cons­
ciência de que cada alma é um mundo fechado, im­
penetrável aos outros mundos fechados, o das almas
que nos são mais próximas. É preciso não se deixar
vencer pelo desespêro dessa solidão das almas. · É pre­
ciso vencer êsse isolamento, tr�mspor os mu ros que
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 77

fecham as almas uma das outras, para que a con�


vivência das solidões individuais possa levantar en­
tão, de modo surpreendente. _ o nível de uma comu­
nidade doméstica . profissional e sobretudo religiosa.
É quando sabemos amar a Yida solitária que a vida
social começa a se tornar fecunda. É quando sabe­
mos fazer da solidão uma participação ativa nos
sofrimentos e nas alegrias alheias que o nosso deserto
se povoa e se explica então que aquêles homens que
foram a primeira vez para o deserto, sem serem fi­
lhos do deserto como os nômades, vivam até hoje
para edificação e �levação das almas de gerações e
gerações sucessivas. É q ue a sua solidão não era uma
fuga, mas uma ablução da alma para receber a visita
de Deus. E essa solidão nós todos a podemos ter,
CQ_m o podemos levar conosco o silêncio para o ru­
mor do mundo. Essa solidão assim vivida não é
nunca uma ausência. É uma presença. É um en­
contro do homem consigo mesmo, como condição
para o encontro do homem com Deus. Os grandes
solitários são os verdadeiros mestres da sociabilida­
de, pois o amor do próximo se nutre dos frutos do
deserto. _ E sg _9 silênçio é a voz de Deus. a solidão
é a Sua presen_ç_a .
C.I\P. 12

SANTIDADE

Os santos não falam da santidade. Vivem-na.


Isso nos põe mais à vontade para falar dela. Há,
realmente, certos têrmos que infundem mais do que
respeito, veneração. Mais do que veneração, uma
espécie de intimidação que pode tocar às raias do
terror. A santidade é, certamente, um dêsses têrmos
e um dêsses temas.
SÃO FRANCISCO DE A SS I S chegava a proibir a
comemoração das virtudes heróicas dos santos. "Pra­
tiquem-na", dizia êle a seus companheiros. E come­
çava por si, demonstrando assim a própria essên.dª­
da santidade que é ser um ato, uma vida em atos e
nao em palavras. E atos que ponham as potências
humanas na uiiíâo maior - possível com o 1\ to em
si. c.om o Ato puro que é Deus.
Pois se a santidade, muito mais do que o silên­
cio e a solidão, é a condição fundamental da vida
mte nor , e que vem de Deus e volta a Ele, sendo, ao
mesmo tempo, urna causa, uma condição e um fim ,
80 •
ALCEU AMOROso LIMA

a que podemos fugir ou ser indiferentes ou de que


nos podemos aproximar em todos os graus, dos mais
elementares aos mais sublimes. Por isso é a santi­
dade, ao mesmo tempo, tão humana e tão sôbre­
humana. Por isso a Igreja a pede a todos os fiéis,
por p1ais q ue sintamos a nossa mediocridade, e no
entanto eleva tão poucos à glóri a dos altares, que os_
Santos representam.. DJ.,a..Í..s. do � os. Heróis QU os
Gênios, os tarots soli tários que guiam a humani­
dade. Iluminam de tão alto, q ue nos habituamos a
considerá-los como sêres de outra espécie, que vivem
no passado, de que só temos notícia quando já se
encontram em regiões inatingíveis, no espaço e no
tempo, c assim nos desculpamos fàcilmente de não
os imitar. Como imitar Elias. raptado w..se.u,. carro
de fogo a regiões misteriosas, que os exegetas colo­
cam entre o tempo e a eternidade? Como imitar SÃO
PAllL.Q.. .levado ao terceiro céu e ouvindo palavras
que a voz humana não pode reproduzir ? Camci imi­
tar, no �xtremo oposto, :um SÃo .SIMÃO EsTILITA ou
um SÃo BENEDITO I .AzARa g,w:._se_<:s;mfun.dem de.
tal maneira com a imobilid.a.de....das _çoisas_o.u. a...p etri­
ficação da miséria, que os pássaros faziam ninho nos
cabelos dos discípulos de SÃ.O PATRfcro?
E para não ir tão longe, um dia, ali no .Pili.­
cio.....Sio Joa quim.. D... SEBASTI.!o.LEME recebeu a · vi-
MEDITAÇ'ÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 81

sita de_DoM ÜRIO�E . a u e voltava do Chile e da


...

Argentina, depois de ter espalhado por lá a obra da


Divina P_!Qvidên_c ia, onde milhões de des�rdados têm
encon_gad9, no . �un�o. a _lÍnic� J.-Ier�!I:ÇJ que não se
dissipa : o Amor e o Pão. Qual não foi o assombro
do nosso Cardeal quando o h u mílimo religioso saca
do bôlso da batina uma discip lina, '!.) o dha_� s e _antes
de falar e COI!leça a flagelar-set dizendo : ' 'Bminê_ncia,
eu não sou mais do que um pobre pecador ! " Lou­
cura, d1ráo tàcilmente os bem pensantes. E realmen­
te a santida�l.e, quando vence a tal ponto o respeito
humano, toca as fímbrias daquela "loucura_ _da
Cruz" ,. de q ue falava SÃO PA U LO e é a plenitude da
-�abedoria.
Mas justamente por não ser unívoca a santi­
dade, é que tem levado aos altares as extravagâncias
.
çle SÃo fELIPE NÉR I e a vida igual çlaquele Irmão
,
jesuíta, de Majorca, que tm apenas portetro do seu
convento e viveu por meio século a sa11tídade coti­
diana e humilde da renúncia perfeita , dêsses santos
sem nome cujo altar devia existir em tôdas as igrejas
e que aliás comemoramos no dia da Comunh ã o dos
Santos, a 1 .0 de novembro. Não é santidade a velei­
dade de ser santo. E sim a vontade expressa e sobre.:­
tudo impressa. Um PQ!Jlem d� letrqs, _sem ser teó­
logo. GEORGES DUHAl'viEL, o demonstrou muito
82 ALCEU AMOROSO LIMA

bem no tipo de Salavin, o homem que quis


-· .
ser santo
... --
sem o ser. E alcans�u apenas a caricatura da santi-
dade. Porque ela é, acima de tudo, �-1Jla eleicão. uma
vocação. E a vontade, que adere à Graca divina, não
é a veleidade que pode apenas - seguir a tentação
.. . .... da
vaidade, como os falsos profetas.
--- - - ..
)\.�sa nt}d ªdé �:-·p��s� üiii a causa, uma condição
-� Upl fim da vida interior. E UfD.ª Ç<ll!$ª--Q9rque vem
-de··neus e rel're.s enta uma�.leç�o a que todos são
chamados - pois não há pnvtlegiados, que se isen­
tem dessa mobilização para a guerra santa, senão fu­
gindo a essa vocaçao umvers � l - mas a q ue fugimos
a cada momento, pela nossa mediocrida_de e pela
nossa fraqueza. E�§a graç_� sautificante é a causa da_
nossa vida interior. �ua ongem, po1s, transcende
infinitamente ao nosso simples desejo. É um cha­

ma_çio a que d evemos atender, e a que geralmente não
atendemos ou atendemos mal. E__por isso é tão frá­
gil. geralmente, a nossa vida interior. E tão tumul­
tuosa. Tão reduzida apenas àquelas trevas biológi­
cas e psicológicas que FREUD examinou com ��a
pinça, como os cirurgiões exploram as larvas de um
tumor . . A vid a interior que vem de Deus é clara
e silll p les como um dia de céu azul e sol de fo_:Gl_._ Ou
nítida e pur9 como essas noites estreladas, segundo
os temperamentos solares ou noturnos·. Pois a vida
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 83

interior, como a santidade, é tão irredutível como a


.
personalidade a um tipo único e in�'ari ável. É o pró�
prio domínio da liberdade e da variedade.
A santidade é também uma condição da vida
interior, como o silêncio e a solidão. É a fôrça da
renúncia, da mortificação, da hUJnildade, do espírito
<k sacrifício q ue, se não é a essência da santidade, é
..S... liçã_p. Não é a renúncia à felicidade. É muito
<!...Ua
mais do que isso. É a ale2:ria do sofrimento. É a
rjg_ueza do despojamento. É a vitória dos malogJ,:Q$.
É a presença da Ausência. O fogo do batismo pela

água. A vida da morte. "Ero mors tua, o mors"


'

( 1 Cor. 1 5, 5 5 ) . ó morte, eu serei a tua morte,


disse o Santo por excelência, Cristo Senhor nosso.
Êsse o paradoxo supremo da santidade. a conquista
da pleai,tllde pela renúncia, da vitória morrendo e
não matando, da_ riqueza dando e não _guardando,
da. \cid. ,m liiOL te.
E é por isso que a santidade é um fim. Todos
devemos procurá�la, humildemente, por maís que te�
nhamos consciência da nossa indignidade, da nossa
insuficiência, da -nossa pobreza espiritual. Todos
devemos procurá� la na vida de cada dia, pois _é mais
difícil fazer a vontade de Deus nas coisas pequen<}�
que nqs grandes feitos. E o que Deus quer, dos
homens, é apenas a santidade. Apenas . A vida
84 ALCEU AMOROSO LIMA

interior é, pois , uma preparação para a santidade,


como esta é uma condição daquela. Assim como a
santidade, por sua vez, é uma preparação para a
beatitude, para a visão de Deus na eternidade.
CAP. 13

CONSEQüÊNCIAS

Examinamos a natureza e as condições da vida


interior. Vejamos agora alg_u mas das su_as conse�
qüências.
Uma vida interior bem vivida aguça a sensi�
bilidade, ala� ajnteligência e fortalece a vontade.
Aguça a sensibilidade porque poupa os senti­
dos. A vida exterior ·é feita na base da hipertrofia
e do exercíci'o contínuo dos sentidos. A vida voltada
para fora exige dêles uma a tividade incessante, tra­
zendo para o espírito a todo momento as impressões
colhidas lá fora. Ora, o exercício exagerado de um
órgão ou de uma faculdade produz o mesmo efeito
que a sua inatividade : a atrofia. Os sentidos se em­
botam com a paralisia e com o excesso. A vida em
exterioridade, abusando dos sentidos, provoca a sua
petrificação. A vida interior, ao contrário, poupan­
do os sentidos, conserva e aumenta a sua agudeza.
O envelhecimento prematuro é sempre a conseqüên�
cia de um desperdício. A mocidade. uma contenção.
86 ALCEU AMOROSO LIMA

A vida interior é� pois! J.l!l}a_çpng_kiQ de rejuvene�ci:­


__

mento e de preservação e intensificação da nossa sen­


sibilidade. E. portanto, serve a tôdas as vidas, in­
clusive à vida extrovertida. Quanto mais agudos os
nossos sentidos, na percepção dos elementos que for­
mam a base da nossa vida do espírito, mais ganha o
nosso mundo oculto.
Uma vida interior bem vivida alar2:a a inteli­
gência.
Alarga-a, não só porque as imagens com que
t�al?alha �hegam com mais abundância e mais reais,_
mas ainda porque se intensifica a faculdad� dg pe­
netração do intelecto agente. A inteligência é uma
luz. Quanto mais intenso fôr o foco, mais provável
a possibilidade de penetração no âmago da realidade.
Ora, é na vida profu nda do nosso espírito que se
forma a luz da inteligência. Sempre que vivemos
voltados para fora, prejudicamos a formação e a re­
novação dêsse foco de luz. A inteligência aumenta
na proporção direta da interiorização. E na inversa
da dispersão. A formação da atividade intelectual.
como um dínamo stti-generi.s, exige a concentração
da energia mentaL Quanto maior fôr a preservação
da interioridade, mais provável a elaboração dessa
energia. E com ela é que podemos melhor conhecer,
tanto o mu ndo do não eu como o do próprio eu e,
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 87

acima de tudo, o mundo próprio do Criador do eu


e do não eu, o mundo de Deus, a vida sobrenatural.
Só a vida interior intensa permite dar calor, lumi­
nosidade, penetração à inteligência. Esta se embota,
quando nos perdemos na vida exageradamente ativa.
Cresce, ao contrário, quando entramos em nós mes­
mos. Quantas verdades nos são reveladas pelo pró­
prio sono ! Basta que fechemos o circuito com as
coisas externas, para que o laboratório secreto dos
nossos sentidos internos comece a trabalhar : um
nome esquecido volta à tona, a solução de um pro­
blema matemático se encontra, um êrro se descobre,
só porque deixamos em paz as nossas raízes bioló­
gicas. Ora, se isso ocorre com a base física do nosso
espírito, que o sono preserva tôdas as noites ( quan­
do preserva . . . ) do esquartejamento pela extrover­
são, quanto mais à medida que passamos ao psíquico
e ao espiritual. É então que se processa o verdadeiro
encontro com nós mesmos. E que a inteligência des­
cobre o clima necessário para se preparar à grande
aventura cotidiana de descortinar o desconhêcido.
E, com tudo isso, é a vontade também que se
fortalece. Tudo está ligado nessa unidade tra nscen­
dental que constitui a nossa �ersonalidade. Nada se
processa em qualquer dos nossos órgãos que não en­
contre repercussão nos outros. Nada, tão pouco.
88 ALCEU AMOROSO LIMA

ocorre com qualqu�?r clo:z nossas faculdades, que não


reaja sôbre J S d e m a is e delas receba também qualquer
impulso. Tudo está intimamente ligado em nosso
mundo pessoal . A agudeza dos sentidos exteriores
enriquece a inteligência através da movimentação dos
nossos sentidos internos. E a fôrça da inteligência é
que dirige a vontade e comr: nica- lhe vigor e tenaci­
dade. A operação acompanha o ser, não o precede.
Mas por sua vez volta a agir sôbre o ser, numa con­
tínua circulaç5.o de energi:ts, físicas, psíquicas � pneu­
máticas. A sensibilidade alimenta a inteligência, a
inteligência alimenta a vontade e a vontade alimenta,
de volta, a sensibilid2de e a inteligência. Ora, êsse
circuito vit<1l é diretamente derivado da riqueza, do
equilíbrio, da fôrça, da profundidade da vida inte­
rior, sem a qual n-zm os sentidos se conservam sensí­
veis, nem o intelecto preserva a inteligência, nem a
vontade sabe discernir o bem. Sem vida interior, os
sentidos destíbrn apen2.> sensualidade, a inteligência
se converte em esperteza superficia l e a vontade em
veleidade. Dá-se uma corrupção geral da nossa vida
do espírito e, com isso, da nossa vida de ação. Pois
a vontade, orientando tôda a nossa vida, exterior e
interior, para a sua finalidade própria, vai receber as
conseqüências finais da deturpação da vida sensível
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 89

e da vida intelectual que a precedem e perde comple­


tamente o vi gor e o senso da orientação.
A ausência de vida interior, portanto, é a causa
mais freqüente do desequilíbrio total de nossa vida,
em qualquer dos seus momentos, original, central ou
final. A preservação, ao contrário, de uma vida in­
terior profunda e pura atua sôbre tôdas as nossas
faculdade�. sôbre todo o nosso ser. Quanto mais
lucidamente entramos nas raízes profundas do nosso
ser, mais conseguiremos espantar de lá os morcegos
que FREUD encontrou, e que só se refugiam nas gru­
tas desertas ou nas casas abandonadas.
A verdadeira psicanálise é uma vida interior au­
têntica, pois os demônios e os ídolos só se instalam
nos lugares de onde Deus deserta. Ora, Deus não
deserta de lugar algum, a não ser que nós de lá O
expulsemos. E o homem, para o seu mal e também
para a sua grandeza, possui, em si, até mesmo êsse
estranho poder !
CAP. 1 4

AUSÊNCIA

Entre as propriedades acidentais do ser que a


vida interior permite sentir, conhecer e querer com
mais ou menos intensidade está, sem d úvida, a opo�
sição presença�ausência.
Comecemos por esta última. A ausência é uma
privação. Ê, portanto: uma propriedade negativa.
Mas, como tôda privação, implica a existência do
contrário. O mal só existe porque o bem existe.
O feio só existe porque o belo existe, confundido ou
não com o bem. O êrro só existe porque a verdade
existe. Assim também com a ausência. Não é uma
inexistência. Ê uma negação : a negação da presen�
ça. Não é, portanto, n�m um valor em si nem uma
fantasia. É uma falta que supõe uma realidade. Há,
pois, em tôda ausência um reflexo do ser. Uma
sombra. Um sinal. E a percepção dêsse reflexo,
dessa sombra. dêsse sinal. é que exige de nós uma
agudeza de espírito que o grau de vida mtcrior au�
menta . diminui ou mesmo suprime.
92 ALCEU AMOROSO LIMA

O homem privado de mundo interior é o ho­


mem insensível à ausência. Vive satisfeito com o que
vê ; sente apenas com os sentidos externos. Vive per­
dido nas coisas. Vive, como as pedras ou as plantas,
perfeitamente integrado no mundo exterior. Porque
o próprio animal já sente, por vêzes, a falta do dono.
É o sinal de uma vida que se aperfeiçoa. E o homem
é o animal que sen te falta. Quanto mais vive inte­
riormente o homem, mais sen te a ausência das coisas
e dos sêres. A aus�ncia deixa de se confundir com a
inexistência, como ocorre com os sêres inanimados,
para pertencer àquela categoria intermediária a que
fizemos alusão : o sinal de uma existência oculta ou
remota.
A ausência, que é qualquer coisa de puramente
passivo para os sêres insensíveis - como a ausência
de sol para uma planta, que pode provocar a morte
- passa a ter nos sêres sensíveis, c particularmente
no homem, uma existência rela tivamente positiva. É
uma privação, sem dúvidél, mas uma privação que
supõe uma existência e, portanto, leva consigo algu ­
ma coisa ou mesmo muito do ser que representa.
A medida que nos aproximamos do homem,
vai a ausência perdendo a sua passividade. No ho­
mem adquire um sentido positivo e até criador. E
adquire-o, como dissemos. na razão direta de sua
MEDITAÇÃO SÔBRF. O M UNDO INTERIOR 93

vida interior. A insensibilidade à ausência é sempre


o ·sinal do homem absorto pela vida exterior, pelo
trabalho, pelo prazer, pelas paixões, pelo sofrimen­
to, pelas anomalias de sua natureza, por tudo o que
a rranque o homem de si mesmo. E, ao contrário,
• quanto mais o homem entra em si mesmo e cultiva
as riquezas secretas do seu eu, mais sensível se torna
ao que lhe falta, ao que já teve, ao que tem ao longe,
ao que deseja. A ausência vai aumentando então o
grau de sua positividade. Até, por vêzes, ultrapas­
sar o limite e absorver o próprio homem, aniquilan­
do-lhe a própria vida interior. E provocando uma
inversão de valores por excesso, que pode levar ao
desespêro, - como nos homens sem vida interior,
insensíveis, frios, secos, indiferentes, absorvidos pelo
mundanismo ou por qualquer forma de e��teriorida­
de, provoca uma supressão de valores por deficiên­
cia, que os leva a merecer o qualificativo dos salmos :
"nati qHasi non nati"
Há três séculos, um grande moralista fêz da
ausência, numa sentença, a mais perfeita análise que
já vi. Disse LA RocHEFOUCAULD que -- "a au­
sência é como o vento, que apaga as velas e a tiça os
incêndios''.
A fôrça ativa da ausência e o seu duplo efeito
nas paixões hum anas, frágeis ou fortes. estão aí
94 ALCEU AMOROSO LIMA

admiràvelmente resumidos. A ausência aparece en­


tão, nesse nível, como uma realidade, uma forma
secreta de realidade que poderíamos chamar simbó­
lica, pois se manifesta como um sinal, como aviso de
uma realidade remota, passada ou futura. Por vê­
zes, como a realidade que nos recobre por tôda a
parte, quando saímos do campo limitado dos nossos
sentidos e da nossa razão : a realidade do mistério.
O mistério é a mais generalizada das ausências.
É a que se contém no fundo de cada coisa, quando
queremos chegar às suas raízes mais remotas. E por
isso é que a sensibilidade mais apurada, a inteligên­
cia mais aguda, a vontade mais firme, não se satis­
fazem com as aparências. Sentem, compreendem,
conduzem para lá das superfícies, para lá do imedia­
to. E tocam então êsse mundo secreto das ausências,
que nos permite vislumbrar o verdadeiro mundo in­
terior das coisas, do não eu, que corresponde, fora
de nós, ao nosso próprio mundo interior. E chega­
mos então à maior das ausências do mundo, à Au­
sência em si, a ausência de Deus ! É pela ausência
que chegamos à presença de Deus, como é pela au­
sência que chegamos à presença de tôdas as coisas,
abaixo de Deus, e de modo particular às criaturas.
E de modo particularíssimo às criaturas que nos são
mais caras. Tocamos então a ausência, como se fôsse
MEDITAÇÃO SÕBRE O. M U N DO INTERIOR 95

realmente qualquer coisa de positivo. de real. de


imediato. Carregamos conosco essa ausência. Dialo­
gamos com ela. Vivemos c.om ela. E jamais nos
sentimos sós. Deus, o grande Ausente, está sempre
conosco. E os ausentes queridos, especialmente
quando vistos através do grande Ausente, tornam-se
para nós os mais vivos dos companheiros. E é por
isso que aquela religiosa do Carmelo de Santa Te­
resa, a filha de Capistrano de Abreu, pôde escrever
um admirável poema de sua presença a todos os
movimentos da cidade, da madrugada à noite, tudo
através da ausência, tudo através da presença da au­
sência. Ai dos insensíveis ao calor das coisas ausen­
tes ! Ai daqueles para quem a ausência é o sinal de
morte ! Quando a ausência, ao contrário, se a sabe­
mos entender. é o grande sinal de vida, o caminho
pelo qual os poetas nos levam ao coração das coisas
e os corações anulam o pêso intolerável das distân­

cias ou transpõem os muros intransponíveis das


barreiras que nos isolam uns dos outros. Pode ser.
a té mesmo e a cada momento, o sinal mais vivo da
existência de Deus.
CAP. 15

fRESENÇA - I

Se a ausência é uma privação, a presença é mais


do que uma existência : é uma coexistência. Mais do
que uma coexistência, é uma corwioência. S e a au­
sência é um sinal negativo, a presença é uma reali­
dade duplamente positiva. Se a ausência, portanto,
possui, apesar disso, uma riqueza própria, para
quem viva uma vida interior profunda, quanto mais
a presença, que não só suprime a ausência mas du­
plica a existência !
Pois a presença não é apenas um sinal de exis­
tência. Isso é o privilégio da ausência, já que as
aproximações do ser são : a inexistência, a potência,
a ausência, o caos e o ser definido e existente em ato.
A inexistência é o não-ser, é êsse néan t que os exis­
tencialistas querem confundir com o ser, agregar ao
ser, constituindo êsse être-avec-néant, que nega o
princípio de contradição e chega a um panteísmo
mais absoluto que o de SPINOZA. Êste ainda afir-
98 ALCEU AMOROSO LIMA

mava que "omnis determinaria negatio est" Ao


passo que SARTRE diria : ' 'omnis determinatio ne­
gatio non es r ' '
A po tência é o ser imperfeito em vias de atua li ­
zação. A ausência é o ser não presente, mas atuando.
de longe. por um sinal que é a � rópria ausência
consciente, pois a ausência inconsciente se confunde.
em nós, com a inexistência .
O caos é o ser vago e indefinido, que os antigos
opunham ao cosmos. E só quando chegamos ao ser
determinado, é que a categoria da Presença pode
surgir, como uma plenitude do ser, o ser em face de
outro ser. Pois a presença é uma relação e não ape­
nas uma noção. É uma relação de contiguidade. É
uma existência dupla e próxima e por isso mesmo
agindo e reagindo reciprocamente uma sôbre a outra.
Se o homem é um animal naturalmente "polí­
tico" como dizia ARISTÓTELES: isto é, sociável, a
presença representa para êlc uma necessidade natural
do seu ser. E se o homem é um ser elevado à ordem
sobrenatural. quando dele não temos uma concepção
mutilada, a presença sobrenatural é para êle tão ne­
cessária quanto as presenças naturais. E por isso a
primeira necessidade de nossa vida sobrenatural é a
presença de Deus, como a primeira necessidade de
nossa vida natural é a presença do Próximo .
MEDITAÇÃO SÕBRE O MUNDO INTERIOR 99

A Ausência é apenas um derivativo da presen­


ça. É uma aproximação. É um caminho. É um
sinal. Só conhecemos a Deus através da Sua ausên­
cia, pelas coisas criadas, isto é, por aquilo que não é
Deus, mas indica a Sua existência. Daí dizermos que
Deus está presen te em tudo. Está presente, sem pa­
radoxo, por Sua ausência. Está presente, não por­
que tudo seja Deus. como dizem os panteístas, mas
porque tudo é uma ausência de Deus, isto é, um sinal
de Sua existência, embora não de Sua presença real.
Essa, a presença real, a Fé no- b dá como um dom,
como um presente divino, que torna Deus presente
misticamente no mundo pela Eucaristia, como o tor­
nou presente pelo Verbo incarnado.
São presenças sobrenaturais que alimentam a
nossa condição de ser elevado a uma ordem que
transcende substancialmente a ordem da natureza de
todos os outros sêres. Só o homem foi elevado à
ordem sobrenatural, e por isso mesmo só êle, com
tôda a sua iniqüidade, pode gozar dêsse privilégio
único de uma Presença Real de Deus em si, que ul­
trapassa tôdas as possibilidades naturais do seu ser e
só existe pela pura gratuidade de um dom divino.
Essa é, pois, a maior das presenças de que po­
rl�mos gozar na terra. 1\hs a exigência da presença
é uma sêde de todo ser, desde os seus mais elemen -
100 ALCEU A M OROSO LIMA

tares aspectos. A existência chama a existência e atua


sôbre a existência. A ação de presença é um fenô­
meno químico, a catálise, que ex iste, pois, no pró­
prio mundo dos sêres inanimados. À medida que
subimos na escala dos sêres, vamos encontrando um
valor novo que aumenta na medida da cspirituali­
dade : a presença. Simples coexistência no mundo
vegetal, passa a gregarismo no mu ndo animal e a
sociabilidade no mundo humano. E nesse mundo
do homem, a ação e o valor da presença crescem,
então, na proporção direta da vida interior. Passa
então a ser mais do que uma coexistência. uma pre­
sença puramente passiva, para ser, ou pelo menos
poder ser uma presença irradiante, e por conseguinte
extremamente ativa. A medida dessa passagem da
presença, da passividade catalítica, à atividade con­
vivente, é a vida interior. Para o homem privado
dela, a presença é indiferente. Ou simplesmente ma­
terial e acidental. Permanece no plano da presença
puramente biológica ou social, que pode ser menos
do que a própria ausência. A ausência, para quem
vive profundamente, é alguma coisa de muito maior
do que a presença para quem vive superficialmente
Em si, a presença é mais do que a ausência. Mas em
nós, pode ser menos. Quando carregamos conosco
uma ausência querida. estamos muito mais ausentes
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 101

dos presentes em tôrno de nós, do que presentes ao


ausente S ão, por exemplo, as abstrações e as dis­
trações do amor. A mãe que tem o filho na - guerra,
ou mesmo no estrangeiro ou longe de si , está muito
mais presente ao seu ausente querido do que aos pre­
sentes em tôrno dela. É a realidade que comunica a
êsses valores o grau de vida interior.
Para quem vive realmente, a presença é a ple­
nitude do ser. A presença tem sempre qualquer coisa
de divino. Ê um aumento de intensidade do ser. É
uma aproximação do Ser em si. É uma ante-sala da
Visão beatífica. Por isso nada supre a presença. E
ela com unica, ao concreto, uma superioridade intrín­
seca sôbre o abstrato.
CAP. 1 6

PRESENÇA - li

Dizíamos que a presença comunica a o concreto


uma superioridade intrínseca sôbre o abstrato. É
porque a presença é uma propri edade do ser deter ­
minado e sin gular. E a abstração é precisamente o
esfôrço do espírito para passar do singular ao geral.
A abstração, pois, é um método que abole as pre­
senças para nos levar ao conhecimento das essências,
dos universais. E com isso nos transporta natural­
mente, do terreno das presenças singulares e da co­
existência ou da convivência, para o plano das ver­
dades ausentes, isto é, das verdades que transcendem
o plano das existências singulares e sensíveis para nos
entregar às categorias do universal, físico, matemá­
tico ou metafísico. É a abstração que nos leva a
subir do simples plano existencial das singularidades
a êsses planos superiores, onde tocamos as raízes, as
matrizes, as essências dos sêres. É uma ascensão, é
um enriquecimento, é um caminho que nos leva a
verdades cada vez mais amplas e profundas. mas que
104 ALCEU AMOROSO LIMA

se faz à custa de um tremendo ascetismo : a pri vação


da presença.
Temos de sacrificar o presente, isto é, o con­
creto, o singular, coexistente ou convivente, o próxi­
mo, o tangível, o conversável, o visível, para subir­
mos ao conhecimento das essências transcendentais.
É um ascetismo, sim, mas um ascetismo compensado,
quando essa separação das presenças é provisória e
se faz para chegar a uma Presença suprema ou para
voltar à convivência incomparável com as presenças
humanas e mesmo menos que humanas. A filosofia
é a base da vida ou não é filosofia. A abstração é
uma volta à presença ou não é verdadeira abstração .
Tôda filosofia, tôda ciência, tôda ação, tôda idéia,
que nos arranca às presenças para nos levar à abstra­
ção pela abstração, à ciência materialista, à ação de­
sumanizante, à idéia puramente ideológica, é uma
diminuição do nosso ser. E diminuição porque nos
arranca ao mundo da presença para nos levar a um
mundo sem vida, em que as coisas e os homens vivem
apenas como elos passivos de um determinismo cego.
Um mundo em que a presença individual perde todo
sentido.
Quando, ao contrário, o mundo verdadeiro é
povoado de presença. É o mundo em que cada coisa .
já não digo cada pessoa , cada coisa tem um valor de
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 105

presença efetiva, que nenhuma abstração, nenhuma


lei, nenhuma idéia pode substituir.
É o inefável que a presença comunica às coisa s
e às pessoas e que nada substituí. A idéia de uma
maçã é coisa comple tamente distinta de urna maçã.
Não que o c o n c e i to não nos dê urna noção exa ta da
coisa. Dá-nos. Chegamos à essência do oh jeto e não
apenas ao seu "fenômeno" , como pretendem os idea­
listas. Mas urna coisa é conhecer a essência de uma
maçã, ou tra _coisa é ter presen te a sua existência. Foi
isso o que perturbou os existencialistas ao ponto de
confundirem todos os valores no valor existencial.
Mas todo extremo é igualmente falso. O conceito de
maçã não nos satisfaz inteiramente, porque, como
dizia SANTO ToMAs -- "a realidade transborda do
conceito" E essa realidade não é outra coisa senão a
presença da maçã. Esta maçã , em minha mão, em
meu olfato ou em minha bôca, dando-me a plenitu­
de do conceito e da realidade, é que representa total­
mente a maçã. Êsse é o mistério da presença, que
enriquece a nossa vida interior, corno é por ela enri­
quecido e nos transporta dessa maçã, que trouxe à
humanidade tantas dores de cabeça, ao mais sublime
dos presentes que eb permitiu a essa mesma humani­
dade receber : o dom da Presença real !
106 ALCEU AMOROSO LIMA

Nada supre a presença. Uma das cenas mais


patéticas do teatro de I BSEN é aquela de Brant,
quando o pastor obriga a espôsa a desfazer-se dos
brinquedos que pertenceram ao filhinho morto. Os
oh jetos vivem uma vida a seu jeito, mas uma vida
a que nós ligamos um valor por vêzes infinito. Ou
um valor de ausência , como sinal de uma existência
querida longe de nós, ou para sempre desaparecida ,
e representada por aquêle objeto que tanto guarda da
sua presença, - ou a própria presença do ohjeto em
si, que tem uma ação catalítica e psicológica miste­
riosa sôbre o nosso ser. Por isso carregamos conosco
tantos objetos que os ou tros não podem com­
preender
Se isso acontece com as coisas, quanto mais
com as pessoas. Basta, às vêzes, a presença física
sôbre o nosso sono. Acordamos, quando alguém se
aproxima de nós. Nem sempre pelo ruído. Pela
simples ação da presença de um corpo humano, de
uma vida perto de nós. E na medida em que sabe­
mos sentir, conhecer, agir, viver o nosso mu ndo in­
terior, aumenta essa ação da presença. O homem
exteriorizado sente fracamente, ou não sente o valor
da presença. Ao passo que a vida interior profun­
da torna a presença do ente querido uma transfigu­
ração, uma iluminação, uma renovação das próprias
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 107

fontes da vida. Os poetas e os gênios musicais nos


contam ou nos fazem sentir a ação do amor sôbre a
presença. Os místicos ainda mais. Lembremo-nos do
primeiro ato de Tris tão e /solda. quando o filtro co­
munica o amor e aquêles dois que, mesmo presentes,
não se haviam visto, começam a ter pelo olhar
(o tema musical em tôrno do qual gira tôda aquela
genial orquestração) a revelação da presença do ou­
tro. Lembremo-nos de SÃo JoÃo DA CRUZ a nos
contar a ascensão da alma à presença crescente de
Deus.
Tudo é a revelação concreta de que a Presen­
ça é uma plenitude a que nada se compara.
A abstração pode privar- nos momentâneamente da
presença, mas é para no-la restituir, se é verdadeira
abstração, em sua plenitude, do íntimo dos sêres
onde há sempre urna presença , à própria presença de
Deus, que é o sentido infinito da nossa própria vida.
O final da No na Sinfonia é um Hino à Ale­
gria e é, por isso mesmo, um Hino à Presença. Pois
a esperança do encontro, na terra como no céu , é a
alegria suprema que renova continuamente os nos-­
sos corações.
CAP. 17

.[\ v id J i nterior é a s<:bcdoria a quatro dimen­


sõ.:: s : a C\'OC.:\ç�o ou p:.ssado ; a antecipação ou futu­
ro ; a profu ndidade ou meditação e a elevação ou
prece.
É, antes de tudo, um equilíbrio entre essas
quatro dimensões. Não um equilíbrio qualquer.
É um eq ui líbrio d� forças c não de fraquezas. Con­
fundimos. muitas v�zes. equilíbrio com timidez,
moderação com mediocridade, temperança com mor­
nura, medida com acad cmismo, prudência com pu­
silanimidade. Essas virtudes de equi líbrio, modera­
ção, temperança, medida, prudência, à luz da vida
interior, têm tôdas um só nome : sabedoria. E essa
sabedoria se manifesta como um e q u i l í brio entre
essas quatro dimensões, cJda uma das quais com
fôrça própria su ficiente para arrastar a nossa von­
tade e por ela fixar o sentido de nossa vida. Se
viver interiormente não é viver em surdina ou em
câmara lenta . n ão é tão pouco viver descompensada-
l lO ALCEU AMOROSO LIMA

mente em qualquer das quatro direções a que nos


arrasta o mundo exterior, o mundo superior ou o
próprio mundo interior. Quando qualquer dessas
direções atrai, com exclusividade, o nosso espírito.
com isso arrastando também o nosso corpo, uma
coisa perdemos pela certa : o equilíbrio. Não se trata
de manter o equilíbrio à custa da intensidade de
qualquer dêsses apelos. Trata-se, ao contrário, de
desenvolver ao máximo todos e cada um dêles sepa­
radamente. A vida interior é uma vida em intensi­
dade. Sendo uma vida intensa e não extensa e muito
menos cutânea, exige por natureza que tôdas as
direções a que é chamada mantenham uma atração
considerável sôbre o nosso eu. Há, portanto, duas
atitudes negativas e uma positiva no sentido de de­
senvolver o nosso mundo interior.
A primeira atitude negativa é impedir o en­
fraquecimento de qualquer daquelas quatro iman­
tações, se assim nos podemos exprimir. Se assim
devemos proceder, preliminarmente, é qqe existe essa
tendência natural a conservar o equilíbrio à custa das
fôrças de atração. Se assim procedemos, então, é que
nos deixamos levar por aquelas confusões a que aci­
ma ai udimos.
É falsa a virtude alcançada à custa de qualquer
espécie de mutilação. Não é suprimindo a tentação,
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 111

mas vencendo-a que realizamos o nosso destino. E


nosso destino é não pecar. Não é suprimir o pecado,
coisa que escapa ao nosso poder, pois é da alçada
divina. De nossa alçada é evitar o pecado. Assim
também, só conseguimos manter o clima de nosso
mundo interior se começarmos por não mutilar
nenhum dos quatro apelos que, constantemente, re­
cebemos, do passado, do futuro, do fundo da alma
e do alto, para nos dirigirmos a essas direções. A so­
lução fácil é, na turalmente, diminuir a a tração para
facilitar o equilíbrio e até suprimi-los para alcançar
a ataraxia. Mas o equilíbrio só é sabedoria se não
fôr ataraxia, se não fôr uma parada ou uma redução
de ritmo. Êsse é, portanto, o primeiro esfôrço ne­
gativo.
O segundo é impedir que um dos apelos seja
atendido com exclusividade. em preju ízo dos demais.
É também um meio fácil de obter o equilíbrio in­
terno. Ou diminuir a tensão das quatro fôrças ex­
teriores ou conservar apenJs uma debs, com exclusão
das demais. Ainda aí, se assim o fizermos, haverá
desequilíbrio. No primeiro caso será por atenuação
da intensidade dos apelos. No segundo será pela mu­
tilação ou supressão de u m apêlo, em benefício dos
outros. É uma segunda tentação a vencer. Nem
enfraquecimento de todos, nem supressão de alguns
1 12 ALCEU A M OROSO LIMA

em benefic1o dos demclÍ!i. Sao dois cuidados prelimi­


nares. em sentido negativo. para podermos pa ssa r
então a uma ação posi t i va .

Pois o equilíbrio, essência do mundo interior.


não é uma inação. ou uma supressão, ou uma re­
dução. É, ao contrário. a conservação de uma in­
tensidade máxima em cada um dos quatro sentidos
a q ue somos solicitados continuamente, se queremos

manter não só intata a nossa integridade, mas desen­


volver ao máximo as nossas virt u al i dades .

Dá-se então a intervenção positiva de nossa


vontade na elaboração do nosso mundo interior.
Os dois passos negativos são preliminares. Prepa ­

ram apenas o terreno. Limpam as ervas más. Aplai­


nam. Purificam. Impedem a vitória das soluções
fáceis. Mas a vida in terior só começa com a posição
positi va e const ru t iva. Construímos a nossa vida
interior. como Santa Teresa construía os seus cas­
telos espirituais, na direção de Deus.
E a primeira tarefa nessa construção íntima é
pr ecisa me n te ter uma noção dinâmica e não passiva
do equilíbrio. f� q u i l í bri o só é sabedoria quando é
atividade. Qu a ndo BERGSON comparou a mística
oriental e a mística cristã e concluiu. - êle que vi­
nha do puro evolucionismo n a turalis t a ou quando
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 113

muito de um hebraísmo hereditário e subconscíentP.


ou racial- pel a superioridade dessa última, encon­
trou nela como elemento capital o que foi para todos
uma surprêsa : a ação. E. no entanto, tinha razão
o filósofo. A mística, que é um grau supremo de
vida interior, baseia-se também na sabedoria e .
portanto, no equilíbrio íntimo. Equilíbrio entr�
faculdades e, acima de tudo, equilíbrio entre dimen­
sões e fôrças. Pois o que distingue essas dimensões
é serem gravitacionais. É possuírem fôrça própria e
atraírem, cada qual para seu lado, de fora para den­
tro. A sabedoria não é, portanto, diminuir ou su ­
primir essas at r a ç ões É compensá-las, sem qualquer
.

atenuação. É interpenetrá-las, sem prejuízo da in­


tegridade de cada uma. É realizar, não um encontro,
uma encruzilhada, urna soma passiva ou uma coexis­
tência, mas uma verdadeira resultante, uma convi­
vência de que deriva a mais perfeita das vivências.
A sabedoria é, por conseguinte, um equilíbrio instá­
vel e dinâmico, que exige uma contínua vigilância.
Pois vive em estado de risco. É uma fôrça de equi­
líbrio e um equilíbrio de fôrças. E a vida interior é
o único meio humano de alcançar a sabedoria, con­
fundindo-se com ela.
CAP. 18

SAUD1\DE

A sabedoria é, portanto, um equ ilíbrio criador,


a quatro dimensões : para trás, para frente, para
baixo e para cima. Examinemos cada uma dessas
fôrças de atração que atuam sôbre a nossa v ida in­
terior. e representam para ela elementos essenciais de
sua fecundação. Pois já vimos qu e a vi da in terior
não é uma cisão com o mundo exterior, mas um
aproveitamento de tôdas as energias s3dias que dêle
recebemos para as transformarmos, pela sabedoria.
em personalidade.
A primeira dessas fôrças é a do passado. Para
cada um de nós o passado não é o que passou ;
é o que não passou. É o que ficou em nós do que
passou. O que foi por nós vivido, ou passa de todo,
ou fica esquecido ou continua a viver.
Se passa de todo, é que morreu. Há um pas­
sado morto. Tão m Ó rto, por vêzes. q u e nem mes­
mo a sua evocação consegue despertá-lo de sua
116 ALCEU AMOROS<l LIMA

imobilidade de pedra. É como se jamais houvesse


existido. Êsse é realmente o passado que passou.
Há, em seguida, o que esquecemos. É o que
permanece em nós no subconsciente. Dêle temos, por
vêzes, uma suspeita vaga, como que um rumor lon­
gínquo de vagas que ainda se movem, não sabemos
em que praia deserta e selvagem do nosso mundo
interior, já esquecido, j á retomado pelas novas pre­
senças que destroem todo sinal de passagens ante­
riores, como essas picadas das montanhas por onde
ninguém passa e que, em poucos anos, são comple­
tamente recobertas pela vegetação selvagem, como se
por ali j amais tivesse passado alma viva. Mas seu
desaparecimento pode ser apenas aparente. Fica, às
vêzes, por baixo da erva rasteira, o caminho trilha­
do e, se algum dia limparmos o mato, a trilha res,.
surgirá como outrora. Assim se dá com as coisas
esquecidas. Ficam na sombra latentes. E um dia,
por uma circunstância fortuita ou por um esfôrço de
evocação, tudo volta à tona, como se tivesse ocor­
rido ontem. E as emoções renascem, como se nas­
cessem de novo . . Evapora-se o tempo, como se não
tivessem passado anos, por vêzes, de esquecimento,
e êsse passado esquecido volta a fazer parte ativa do
nosso presente mais vivo.
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 117

E há o p assado presente, há o passado que,


-

longe de ficar esquecido em nós e reviver a um toque


qualquer das circunstâncias acidentais, vive conosco
a cada momen to como o mais vivo dos presentes.
,

Dêle se não distingue, às vêzes, senão por ser mais


vivo. O presente é que nos parece por vêzes baÇt>
e longínquo, como o passado. Enquanto êste nos
-dá de tal modo a ilusão de viver conosco, hic et n unc,
que nos surpreendemos, por vêzes, falando em voz
alta aos mortos ou aos ausentes, como se estivessem
aqui conosco. Êsse passado vivo é que constitui uma
das quatro grandes dimensões da nossa vida inte­
rior. Por êle é que se processa a continuidade de
nosso ser. Nada do que foi nosso, um dia, deixa de
o ser, quando teve razões de viver e não cai na vala
co:n'\um do passado morto. Se teve razões profundas
de ser, jamais se perde e continua a atuar sôbre nós.
para o bem ou para o mal. Porque o passado em
si, mesmo o passado vivo. mesmo essa fôrça que nos
afasta do presente, é em si mesmo i ndiferente ao
nosso progresso ou à nossa decadência íntima. Pode
ser fecundo, pode ser indiferente e pode ser nocivo.
Nocivo se a êle nos prender a evocação do mal.
"Nossas obras nos acompanham", diz o Apo­
calipse. "Opera enim illorum sequun tur illos"
( A poc XLV, 1 3 ) . As boas e as más. Essas últi-
.
118 ALCEU AM OROSO LIMA

mas podem prender-nos como se fôssem pa1xoes


presentes. A saudade não é apenas um sentimento de
doçura, um dos mais fecundos da nossa vida inte­
rior. Pode também ser uma paixão entorpecente.
Aí daqueles que não conhecem e curtem a poesia pro­
funda da saudade. Ai daqueles, também, no extre­
mo oposto, que se deixam vencer por ela. A saudade
é um es t í m u lo para a vida interior bem vivida. É
o meio de têrm o s sempre vivos, em nós, as pessoas
e os sentimentos, as lições e as coisas que um dia
constituíram as fontes da nossa vida. O homem sem
saudade é o homem sem vida interior. É o homem
que vive para si, escraYo do presente. É o homem
que desperdiça as riquezas da vida. É o solitário, no
m1u sentido do têrmo. O separado, o secionado, o
desmemoriado mesmo que te nh a memória, m;r� a
memória nêle é um simples reflexo condicionado. Ai
do h-:Jmem sem sauda de !
Como a i daquele que se deixa devorar pela sau­
dJ.dc. A s:mdade não é apenas uma melancolia sem
conseq üência. É uma paixão tremendamente ativa,
que pode abrir à nossa vida i nterior novos rumos,
com a colaboração dessa presença misteriosa do pas­
sado e de tu do o que nêle nos enriqueceu e sp i ritual
­

mente. -- como pode levar-nos à mais triste das mor­


tes à morte em vida. Quando nos deixamos devorar
,
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 119

pela saudade, corrompe-se tôda a nossa vida interior.


Ficamos envenenados, amargos e até síderados pelo
desespêro. O presente perde todo sentido. E a pró­
pria vida se torna absurda.
A evocação é, portanto, uma fôrça viva quan­
do torna o passado presente e trazendo a êsse pre­
sente novas razões de ser. Quando, ao contrário, o
passad Ó se converte em uma saudade selvagem que
enlaça o presente e o asfixia como um ma tagal, en­
tão essa evocação se volta contra nós e destrói tôda
vida interior. É o que acontece quando essa dimen­
são se torna tão absorvente. que destrói as demais .
Viver só no passado, como viver só de saudades, é
um dos meios de aniquilar a nossa vida interior.
Ao passo que viver com o passado, como ter se_mpre
conosco a inspiradora companhia da saudade. é re­
novar constantemente o calor dessa vida.
Não há, portanto, vida interior fecunda sem a
cottvivêncía do que passou, sem a continuidade no
tempo, sem a presença contínua do que, em qual­
quer momen to, foi para nós a alegria da vida.
CAP. 19

FUTURO

Se a primeira dimensão da nossa vida interior


é o passado, a segunda é o futuro. Para que o pas­
sado seja em nós uma fôrça viva, é mister não nos
tolha os movimentos para o futuro. Pois a direção
normal de nossa vida é para a frente. Não me canso
de citar aquelas palavras de Cristo : "Nemo mit tens
manum· suam ad aratrum el respr cicns retro ap tus est
regno Dei" ( Luc. IX, 6 2 ) . Aquêle que puser a mão
no arado e olhar para trás, não está preparado para
o reino de Deus.
O futuro é o norte da nossa vida interior. E
esta não é nem uma água parada, nem uma onda
revôlta. É uma corrente. Í:! um movimento que se
dirige para alguma coisa que fica à nossa frente. É
alguma coisa que cresce. O mundo interior, como o
mundo�as sementes, é o próprio domínio da finali­
dade. Como cresce uma semente? Não no sentido
de onde vem, mas no sentido para onde vai, isto é, no
da realização de sua própria natureza. A sémente de
122 ALCEU AMOROSO LIMA

trigo cresce no sentido da espiga . Esta é o seu futuro.


Êste é o seu destino. Para êle tendem tôdas as suas
potencialidades. A ssim ocorre com a vida puramen­
te animal. No germe mais informe, sem a menor
intervenção exterior, já está preformada a sua con­
dição. E, quando se dá qualquer intervenção gené­
tica, não é para mudar de espécie. É para aperfeiçoar
a espécie. Êsse aperfeiçoamento pode dar-se mesmo
depois de nascido. Como pode ocorrer uma degra­
dação, uma parada, uma volta. E sempre que isto
se dá, é sinal de que o animal não realizou plena­
mente a sua forma. Ou não se formou. Ou foi de­
formado. Na realização de sua forma está a sua
finalidade.
Com mais razão do que sucede na escala da
vida animal, ocorre outrotanto com o ser humano.
De todos os sêres vivos, o homem é o que começa
mais informe e pode chegar à maior plenitude de sua
forma. A escal a a ser percorrida pelo homem, no
caminho de sua finalidade, é a maior de todo o reino
animal. É o que parte de mais baixo, pois o recém­
nascido não pode sobreviver, fisicamente, se não re­
ceber qualquer amparo exterior. E é o que chega
mais alto, pois o destino do homem é mover-se no
sentido de uma imortalidade. que só a êle toca entre
todos os sêres criados, exatamente porque ultrapassa.
MEDITAÇÃO SÕBRE O MUNDO INTERIOR 123

por natureza, o mundo animal na mesma proporção


em que êste ultrapassa o mundo vegetal e êste o
mundo mineral.
Mas aqui não é dessa dimensão ( a elevação)
que me quero ocupar e sim da que leva o homem
ao seu futuro, no tempo. O futuro é uma dimensão
temporal, como o passado. É na linha do tempo que
ambas atuam sôbre a nossa vida interior. E o fu­
turo atua em nós sob a forma de vocação. O fu­
turo é um chamado à frente, como o passado é um
eco do que ficou para trás. É um chamado à res­
ponsabilidade. Como a responsabilidade é a cons­
ciência do dever. Tudo isso são apelos do futuro em
nós. É porque ouvimos, em nós, alguma coisa que
nos chama à frente e nos obriga a olhar para dentro
de nós mesmos e considerar o sentido da nossa mar­
cha, que sentimos tão vivamente, se temos vida in­
terior, o problema da vocação. É na medida da
intensidade dessa vida que tomamos consciência do
nosso destino e da própria existência de um destino,
de um sentido para a nossa vida. É no mundo in-
. terior que essa consciência se desenvolve e sentimos
mais vivamente o dever de olhar para a frente, e o
problema da vocação. O homem sem vida interior
deixa-se viver, isto é, deixa-se levar para a vida.
O futuro não o preocupa pqrque não o ocupa. É
124 ALCEU AMOROSO LIMA

o fatalismo ou o determinismo que o arrasta, como


uma fôlha morta deslizando com o rio. Há uma
sadia despreocupação com o futuro, como veremos
ao nos ocuparmos com a terceira dimensão do nosso
mundo interior. Mas não é a que provém de uma
recusa ao destino, da surdez ao apêlo da vocação.
Devemos, sempre, ao contr�rio, estar atentos ao fu­
turo. Porque todos temos uma missão a realizar no
tempo. Todos temos de descobrir a adequação de
nossas faculdades com a nossa finalidade. É o pro­
blema, central em nossa vida, da vocação, do cha­
mado do destino, da terceira dimensão do nosso
mundo íntimo.
Há três modos de atender a êsse chamado, como
há só um de não atender : o de fechar os olhos ao
futuro e deixar-se absorver, completamente, ou pelo
presente ou pelo passado. É uma das mutilações da
nossa vida interior a que já nos referimos anterior­
mente.
O primeiro dos modos de atender ao chamado
é o da displicência. É atender mal. É a indiferença
para com o futuro. É a meia tinta, é a água morna,
é a preguiça ou o mêdo de corresponder ao chamado.
Quantas vêzes fechamos os olhos à evidência de um
dever, pelo mêdo das responsabilidades, pelo temor
de não estar à altura. pelo respeito humano. Há mo-
MEDITAÇÃO SÔBRE O MU NDO INTERIOR 125

tivos, muitas vêzes, justos nessas recusas. E há o


problema das hesitações, da dúvida , que é um dos
males mais cruciantes de nossa vida interior. O pri­
meiro modo, pois. é a indiferença, si ntoma de uma
fraca vida interior. O segundo é a absorção. Assim
como o passado pode apoderar-se, ilegitimamente, de
nós, assim pode o futuro. O desespêro da saudade,
que pode levar ao suicídio, é como a garra da am­
bição que pode levar ao crime. O ambicioso é jus­
tamente o homem que se deixa oprimir pelo futuro.
Transforma essa segunda fôrça em fôrça única e só
pensa em vencer, em ser rico, poderoso, forte.
O amor da gloríola vence nêle tôda a vida da glória,
quarta e suprema fôrça de nossa vida interior. É a
negação desta pela escravização ao orgulho e à ido­
latria do poder ou da posse.
Quanto à maneira justa e fecunda de atender
ao apêlo do futuro, é procurar ser fiel à sua vocação.
E a virtude que atua para isso é, acima de tudo, a
coragem, a fortaleza moral. É a virtude da ação. É
a virtude da obediência ao dever. É o heroísmo que
vence todos os obstáculos que nos vêm do mêdo e,
sobretudo, do amor. Pois assim como a perfeição
do ascetismo é renunciar aos prazeres lícitos, a per­
feição da fortaleza é vencer a doçura dos afetos mais
queridos e mais santos, sem cair na rudeza do cora-
126 ALCEU AMOROSO LIMA

ção nem no jansenismo. Eis um dos momentos em


que o equilíbrio da vida interior m ais e melhor ilu ­
mina os nossos passos, n o dever d e fidelidade a o fu­
turo sem traição ao passado.
CAP. 20

MEDITAÇÃO

A terceira dimensão da nossa vida interior é a


direção em profunQ.idade. É a densidade dos nossos
sentimentos, dos nossos pensamentos, dos nossos
atos.
Há, em primeiro lugar, uma densidade, por
assim dizer física, que obtemos sobretudo pelo apêlo
ao tempo. Não devemos jamais viver precipitada­
mente. A impaciência é a inimiga nata da densida­
de. Precisamos parar, antes de pensar ou depois de
sofrer. Essa detenção do tempo é uma condição tão
essencial à densidade de nossa vida interior, como
uma barragem é indispensável à retenção e ao apro­
fundamento das águas de um rio. Tudo, em nós,
tem a tendência a passar depressa. Se não contraria­
mos essa inclinação, passamos a viver em superfície
e renunciamos à vida interior. Se a queremos ter, é
preciso começar por obter essa densidade física , pois
os sentimentos se tornam mais sentidos se os conte-
128 ALCEU AMOROSO LIMA

mos ; os pensamentos mais pensados se os retemos


pela atenção ; as ações mais ativas se as acumulamos.
Refrear os movimentos desencontrados e precipita­
dos do nosso afã de viver é o primeiro meio de tornar
mais espessas tôdas as manifestações de nossa vida,
servindo assim à terceira dimensão do nosso mundo
interior.
A essa densidade física, questão de demora e
retenção do movimento, vem somar-se uma densi­
dade mais profunda : a intelectual. Não basta �iver
maís lentamente, para que se viva em profundidade.
A lentidão pode ser até um sinal de pobreza interior,
de ausência de reação profunda, ou mesmo de pre­
guiça mental. A sonolência tira o sono e só o sono
é reparador. Assim também uma densidade física
que não seja acompanhada de uma densidade psí­
quica, é inútil ou contraproducente. Se devemos re­
duzir a velocidade natural dos nossos atos e entre­
atos, não é para descansar e sim para viver mais,
para viver em profundidade. E para isso há urna
elaboração intelectual de cada momento de nossa
vida, com a qual enriquecemos a sensação do me­
mento, a idéia, a decisão, com tudo aquilo que as
outras três dimensões nos fornecem. Eis porque o
nome próprio dessa terceira dimensão interior é -

Meditação.
MEDITAÇÃO SÓBRE O MUNDO INTERIOR 129

Meditar é aprofundar, pela análise e pela sín­


tese, pela observação e pela comparação, pela apli­
cação da inteligência e também pela descida ao sub­
consciente, pelo isolamento e pelo silêncio, pela
marcha ou pela imobilidade. Meditar é entrar em
si. É deixar que o trabalho misterioso da natureza
e da graça, em nós, se faça por si, como que inde­
pendente de nossa vontade e de nossa· atenção. Eis
porque a meditação exige certas condições exteriores,
de silêncio e imobilidade (por vêzes de uma mobili­
dade regular, como andar de lá para cá, no mesmo
local e de preferência na penumbra, ou deixar que a
paisagem passe por nossa imobilidade, como num
veículo em velocidade) , e certas condições interiores
de paz e de despreocupação.
A preocupação é a inimiga da meditação e a
obsessão é a preocupação doentia, transformada em
idéia fixa. Tudo isso pode ser vencido pela medi­
tação, em estado transcendental, como a que os
iogues procuram realizar, mas normalmente pertur­
ba e impede a meditação como norma comum de
vida. Pois o defeito do ioguismo é transformar a
meditação num estado extraordinário ou num mala­
barismo, que pode chegar a grandes alturas, mas
não corresponde ao homem normal. A meditação,
que a vida interior supõe - como centro de tôdas
130 ALCEU AMOROSO LIMA

as suas dimensões, pois dela deriva diretamente aquê­


le equilíbrio, a que nos referimos preliminarmente -·
essa meditação é a que cada um de nós, simplesmente,
cotidianamente, normalmente, pode e deve aplicar a
todos os seus atos e pensamentos, até durante a agi­
tação ou o trabalho, como centro de gravidade de
sua vida interior. Como essa vida interior, já o
vimos, é o centro de gravidade de tôda a vida exte­
riorizada.
'-
Há ainda uma terceira medida de densidade que
a completa : a densidade· moral. Não basta parar.
Não basta meditar. É preciso avaliar. A densidade
moral é a aplicação de medidas de valor a cada ex­
pressão íntima de nossa vida. Os filósofos chamam
de sindérese a essa sensibilidade aos valores morais.
E SANTO ToMAs a compara à sutileza e ao ardor
de uma chama. É a centelha, diz êle, que escapa à
intuição dos anjos e com ela ilumina a inteligência
e a faz ver e sentir os valores supremos, de ordem
moral e metafísica, que a razão simples, não ilumi­
nada, não percebe. Essa densidade moral é essa sin­
dérese, que dá à vida interior uma energia especial e
aprecia cada movimento de nossa vida à luz de uma
responsabilidade total (com o passado e com o fu­
turo) e, sobretudo, no sentido da quarta direção, que
os completa.
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 131

Devemos, pois, procurar sempre viver em pro­


fundidade. Reduzir a nossa pressa, para que cada
coisa adquira e revele o seu pêso próprio. Meditar
intensamente, a cada passo de maior responsabili­
dade, de modo a que cada coisa aproveite da riqueza
de tôdas as outras coisas, cada ato e cada pensamen­
to, da experiência e do calor de todos os outros
pensamentos e atos. E finalmente pesar tudo isso,
na balança dos valores morais, cujas cifras são por
vêzes um mistério e uma contradição para a pru­
dência da carne e para as medidas do mundo, de
modo a viver em profundidade n:ão só física e inte­
lectual, mas espiritual.
Só essa vida em profundidade, física, intelec­
tual e moral. pode dar-nos o clima interior indis­
pensável para sofrer sem desesperar e também para
suportar a boa fortuna sem se corromper, pois é tão
difícil ser infeliz como ser feliz, sorrir corno chorar .
CAP. 2 1

A ORAÇÃO IMPLtCITA

A quarta dimensão de nosso mundo interior,


finalmente, é a que nos eleva a Deus. É a oração.
Mais do que uma dimensão em si própria, é a sín­
tese das outras três e a sua transcendência. a fixação
do seu destino final. Sendo o nosso caminho para
Deus, é a oração a medida de todo o nosso mundo
interior. E por isso mesmo podemos nela distinguir
o momento implícito e o momento explícito.
A oração implícita é o espírito com que vive­
mos, em todos os sentidos, tanto em nossa vida
interior, em qualquer de suas dimensões, como em
nossa vida operativa. Tudo o que sentimos, tudo o
que pensamos, tudo o que fazemos, deve ser sentido,
pensado e feito em espírito de oração. Tudo o que
é sentido, pensado ou feito com perfeição é uma
prece, é um meio implícito de união com Deus. E só
nos unimos a Deus pela oração. Como esta se en-
.
134 ALCEU AMOROSO LIMA

contra implícita em tudo o que realiza a sua fínali�


dade. Todo trabalho bem feito é uma oração. Todo
pensamento profundo é uma oração. Tôda sensi­
bilidade aguda e bem ordenada é uma oração. Po�
demos assim viver a nossa vida interior em sua ple�
nitude --- que é o contato mais íntimo com Deus,
desde que vejamos a Deus em tudo o que é bem sen�
tido, bem pensado e bem feito. Podemos assim
chegar a uma convivência perene com Deus e viver
in teriormente no meio do mais penoso dos trabalhos,
da mais ruidosa das agitações, da mais perplexa das
contradições. E ter sempre o coração em paz e a
alegria na alma, qualquer que seja o pêso da vida e
a própria aridez do nosso deserto interior. Pois não
é necessário sentir para rezar. Basta viver, viver
sempre em união, consciente ou inconscie.nte, explí­
cita o u implícita com o Pai. Essa fixação interior é
que vence todos os tumultos e tôdas as areias do
nosso mar ou do nosso Saara interior.
Há uma forma ainda mais perfeita da oração
implícita, que é : o sofrimento. Se, normalmente,
podemos viver em oração, isto é, na plenitude de
nossa vida interior, desde que vivamos os nossos
meios em perfeita adequação com os nossos fins, -
podemos, pelo sofrimento, que é uma anomalia per­
turbadora, viver ainda mais profundamente em
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 136

união com Deus. O sofrimento é uma anomalia, é


uma perturbação no funcionamento de nossa vida
física ou moral. Tanto o sofrimento físico como o
sofrimento moral constituem a mais perigosa das
tentações : a tentação do desespêro. O sofrimento é
uma interrupção entre os meios_ e os fins. É uma
descontinuidade. É uma desconformidade. E por
isso mesmo é um convite a perdermos a noção do
sentido da vida. E. com isso, a nos desligarmos de
Deus, como de tudo o que constitui a ordem do
universo, por conseguinte, a nossa própria ordena­
ção, orgânica ou psíquica. O sofrimento é uma
alienação de nós mesmos. É o outro que nos con­
quista, que nos torna estranhos a nós mesmos. Q ue
nos separa do nosso próprio eu. Daí a facilidade
com que a dor nos leva à loucura e a essa antecâmara
da loucura, que é o desespêro.
Eis porque a vitória sôbre o sofrimento é o
caminho mais perfeito da oração implícita. Se con­
seguimos vencer a tentação do desespêro, se conse­
guimos vencer a tenfação do acaso, se conseguimos
superar a perda do sentido da vida e conseguimos
encon trar um sen tido para o sofrimento, teremos
então alcançado um plano superior de oração. a ora­
ção da vitória, da conquista, da superação. E o
próprio sofrimento, então, se converte em oração e
136 ALCEU AMOROSO LIMA

torna -se um meio de subir, de aperfeiçoar-se, de se


parecer mais com o próprio Cristo, não só imagem
de Deus, mas o próprio Deus na terra e cuja vida
só adquiriu sentido completo pela Paixão e Morte,
isto é, pelo sofrimento. Transfigurar o ·sofrimento,
encontrar nessa anomalia, nessa diminuição da nossa
natureza física ou moral, um sentido de elevação, de
transfiguração, é urna forma ainda mais perfeita de
rezar, do que a oração implícita da felicidade terre­
na, do trabalho cotidiano, da monotonia da vida,
vivida em união com a vida obscura de Nazaré, onde
Deus se preparava, no silêncio e na oração, para o
sofrimento e para a glória. Pois é a Ressurreição que
dá sentido à Cruz, é o repouso que dá sentido ao
trabalho, é a Paz que dá sebtido às agonias da vida.
Quando vivemos assim os nossos sofrimentos, é que
alcançamos já uma vida de oração mais perfeita e
nos aproximamos da fonte de tôda alegria, que dá
sentido à própria privação da alegria, da saúde, do
confôrto, da justi�a na terra, de companhia dos que
nos são mais queridos. Tudo isso é fácil de dizer.
Mas é terrível de viver. Merece, pois, um perdão
muito grande todo aquêle que não consegue chegar
a êsse plano de oração, pois só as virtudes heróicas
çonseguem alcançar a essa perfeição, que SÃo FRAN-
MEDITAÇÃO SOBRE O MUNDO INTERIOR 137

CISCO DE AsSIS traduziu, tão belamente, na parábola


da Perfeita Alegria. Já é muito viver a oração im­
plícita em nossa vida normal e cotidiana.
CAP. 22

A ORAÇÃO EXPLtCITA

A oração implícita é a base da oração explí­


cita. É preciso viver, em espírito de oração, o máxi­
mo das operações de nossa vida, para podermos fazer
da oração consciente não só a cúpula, mas o funda­
mento e a estrutura de tôda a nossa vida, interior e
exterior.
Quando a oração explícita e consciente não
assenta nessa base preliminar e fundamental da
oração implícita e subconsciente, caímos em pleno
formalismo. Rezar não é pronunciar certas fórmu­
las. Essas fórmulas são necessárias, são mesmo
essenciais, mas como a Regra é essencial à perfeição
de uma vida monástica. A regra pela regra não vale
nada. Como a fórmula pela fórmula não tem sen­
tido algum. A Regra só se torna fecunda e funda­
men�al, para a vida de perfeição monástica, quando
vivida segundo o seu espírito, como um meio e não
como um fim em si.
140 ALCEU AMOROSO LIMA

Assim se dá com a vida de oração, com essa


quarta dimensão· do nosso mundo interior, que for­
nece a chave do segrêdo de nossa vida total.
Se excluímos a oração explícita, ca imos no falso
misticismo, no subjetivismo autocêntrico, que faz da
oração uma ginástica mental ou uma espécie de ado­
ração de si mesmo, num panteísmo que representa o
cúmulo do orgulho, a negação de Deus e a falsa
deificação do homem. A oração explícita é a con­
clusão, natural e sobrenatural, da oração implícita.
Viver em Deus os nossos atos cotidianos e, mais do
que êles, os nossos sofrimentos, físicos e morais, é a
preparação para a nossa união explícita com Deus,
tanto em nossa vida individual como em nossa vida
coletiva.
Pois são êsses os dois momentos básicos ou an­
tes as duás expansões substanciais da nossa vida de
oração explícita : a oração individual e a oração
coletiva.
A oração individual é a entrega expressa e ex­
plícita de tôda a nossa vida a Deus, como quem
restitui a seu dono aquilo de que é depositário. Não
somos donos de nossas vidas. Somos apenas guar­
diães. Temos de dar contas continuadas, cotidianas,
minuciosas, ao seu verdadeiro dono. Temos de con­
tar a Deus o que estamos fazendo dêsse imen so te..
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 141

souro que Êle confiou a cada um de nós, como ima­


gem que somos do próprio Criador. A responsabi­
lidade de cada criatura humana não é apenas a do
valor de uma alma, de sua alma, de um pequenino
fragmento da Criação. A responsabilidade de cada
alma é de tôdas as almas, de tôda a criação. Cada
alma que se perde, é o mundo todo das almas que
se sacrifica. Daí a comunhão dos méritos, como a
comunhão dos pecados. .Merecemos por todos e pe­
camos por todos. A responsabilidade de cada um é
total.
A oração individual, portanto, não é apenas
um colóquio seueto da alma com Deus. É isso e
mais alguma coisa. É a confidência, é a intimidade,
é a confiança, é o repouso, o pedido, a gratidão. É
a colocação de nossa maior intimidade nas mãos do
nosso Amigo, a revelação explícita daquilo que Êle
já conhece, mas que deseja ouvir de novo de nosso
próprio coração, no silêncio augusto da prostração
pessoal do homem no seio do seu Criador. E é ainda
mais do que isso, porque é a entrega de tôda a espécie
humana representada, em cada caso, por uma alma
individual, nas mãos de Quem a criou e a escolheu
para a incarnação do seu próprio Filho.
De modo que a oração secreta está intimamen­
te ligada à oração pública, a oração individual se
142 ALCEU AMOROSO LIMA

completa naturalmente na oração geral, na prece co­


letiva, em união com os outros fiéis, com os verda­
deiros irmãos em carne e em espírito. E é por isso
que a oração individual explícita, fruto da prepara­
ção preliminar da oração implícíta, normal ou ex­
cepcional, se realiza plenamente na Missa. na forma
mais perfeita de oração, que é a participação dos
orantes, uns nos outros e de todos, em comunidade,
no próprio Cristo, na renovação incruenta do Seu
sacrifício único e cruento.
A Missa é, pois, a plenitude da vida interior.
Nela as exterioridades são meras aparências. Os si­
nais visíveis, na côr, na mesa, na fumaça. nos
gestos, nas palavras rituais, no canto, no Pão e no
Vinho, são apenas símbolos da realidade invisível -­
na qual se transformam pelo mistério da Transubs­
tanciação -. da verdadeira realidade do Sacrifício do
Verbo, que tem, ao mesmo tempo, um sentido total­
mente individual, para cada participante, e. um sen­
tido universal, de renovação do mistério singular da
Incarnação, que vale pela espécie humana, tôda ela.
A oração coletiva, por conseguinte. especial­
mente no Côro e na Missa, é a plenitude da vida
interior de cada fiel, de cada comungante, de cada
participante. Ali a vida exterior se confunde com a
vida interior. Desaparece tôda separação. Dentro e
MEDITAÇÃO SÔBRE O MUNDO INTERIOR 143

fora se interpenetram nessa transfiguração em que


vida interior e vida exterior se tornam uma só vida,
a Vida do homem oferecida a Deus pelo Cristo, o
corpo e o sangue de Cristo recebidos pela humani­
dade na pessoa de cada homem, de cada fiel que leva
ao altar a oblação de sua vida interior, como de sua
vida exterior, para receber a Vida, pela comunhão,
e levá-la ao m undo, ao próximo e a si mesmo, nessa
rotação perene de Deus ao homem e do homem a
Deus, que só cessará na plenitude dos tempos e será
substituída então pela Visão na Glória ou pela per­
pétua privação do Amor.
}:i " um doa maiR harmurlio!'Ofl rl·�
rntth rtrufunrloA Uvr•;lf "'"' t J U ».ntu• f'5•'rf"Vf"U
A l.t'�:t.· A �IO}IOSO LDI .\ . n � r..nJP- Nltl«>
J i l t·t,i i'Ío •�llf" !-t' !HIJif'foll f'fll f'j j {,�l'r'J .. u.
t f. r. t ko P se rc-:di?.I)U Pnl lldt•r trateiPd U tt l ,
r u i a ir,fl u?.m·ia (o. a maior j A Ah:urua w... z
f:' '( � rl'idu por um JlNI �!HI"r trn n·t�sf\ pátria,
l •o i s �f f'�tf'Olh:· RO lniiJ{.-f fi� 1 U atro SE'fR..
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t u lo:o\ .. j á 1•lahCII· ndn!l t h· J 1 f ru •lt• u rn plano in..
t r nl�lons.l 'l·l urridud.... . A ,,J,r" t·� t A fi\IIJrue·
t i t lu. a uma rota fidm•·r•tf! � t· g uitht f a um
ri t llul qu.� �e \'Ai tornaruh� í':.uh \'eJ. rnnlr•
i u l t•rHm, à Jn('c:ilda c1ue ::u p;\giu;,s ee a u·
l't"tlt•m .
H e �llm�ço, n A u t .)r faln-noA do!\ erh stA4
c·u lus que :-:.e n n l f'JIÚE'rn. em no�srrs cHaa, l
rtnllzação do IIIUnfio hatf'rior. �iln flp� te•
l •r<sent.ltclus I·• • " llberallern� � n lloenalotl·
dade, duas ••orruplela• d:t verdadeira llber•
• l acltt, .,ne ti•·' , .. s••r cf,·f<>ndlfla corno um do!l
lu·ns suprrmn:o- •lo no��o mundo Interior i pelo
moralismo. ,., p,. �,. f"Xt�rlm� 1111 primada das
ohr:tl'l, r1:L ph·� m i n .�nf'iR da opero� .!lo 11ôhrf' o
,,,., d<• Eth�s ,.-,hre o Logoe 1 l'<lo IIIOIOfllmo,
diminui�.. da fllnsofh <oh a aporêncla fie
a ··1..-nr ; '"·I·• polltlolarno, que n• fl x in a ,·Ido.
iutt-rior, Prll1�1Adntntlo o hnmem e m in�t 11 ui�
�· iíe� un l p ut ... utf'� C•)mo n 1·:!'-tndo \lll (•m 11�
m i tes intran!"\JH nrn·lf; rom 1l n Socit<>d:ulc : f!'

pttl•• econ:lmlsmo, q uP rf'dmo: o homem a um


autômato, a. 11111:\ ("f,j�a. a simples iul"lru.
uu• n t u d·· l l lllil i'lll··1 h i f l ad �' .
.\ ,•lt('tria C(,r,tr:t st·mrl1!antf'l� ohst ..tcnloR
•ó se ohtr•:í � � ra••é• <ia restauração doe
direitOI do mundo interior, n (!Uc- deprnd•'
do urna t ri�Jiit'C ('l lnd•ç;i o : tlt uma reta ('nn�
r•·pr._•;io tia d h inthdf', que Rl' opnnhn, a um
t ··rnpo, :w deiemo, no panteismo f' an atelemu ;
ela J.., r-munifl J•�koJ:,�i .-- :t (tU · fia �;i. hi.•r:ur1 1 1 i l'l
t l u � I r i' � nJQillf H tO!; ,':\ f tif ai� ri� fiO!'\'\•• �ou­
: a l o rum 11 lfl hr,cln. t n n t o l·\tC'rior C'umo ir•·
l l 'rinr a inh•li!:i·nria, a �f'n .;; i h i l i d :td� ,,
a \'tlnt adr ; " do llli'Ín ou ri:•� con tl i\'•;,... qtw
�,·r· n·am " noM-o <'OI'(IO r n HO!i\!'ifJ E"Splrito. u
a l hPio. I"J outro. o n h�(· l i . r•(tl a� intli�pf'nltá·
v..�is a•• nui'in fH· r (d l n rnovimf'ut•l i n t rr lor.

(continua na 2.• orelha)


(continuaçlo da 1.• orelha)

Estahelecidao a••im a8 exieências pal'ft a


expansão l i v re da vida de intimidade da pea·
•oa, .H.Cf:l' A MOJIO�O LUfA fala doa f,_
darnentoe do n1undo interior : o. Sljfnclg_.
a
�olidão e R Snntidnd<•. Sàu 08 qllill'o .pl­
tulo� rf'ntr:li� da uhra, e o!=! mais bêlos: · Por
i:;�o. nãu I h€' anteciparE>mo� o cnnttddo. a fi m
f'
llt- que: o leit.frr (:Xfl�rimf"ntr·, Pm pl nitude, o
�PU s abor .
Após referir-me às con•eq!lências da vida
jnt PJ'ior bt>m \'h·idA. -- ela aguçft ;t eensi..
bili�ade, alarga o inteli�ênda e fortalece a
l'ont.nde -· ') autor romn qw� BE' deixa trans·
portar pel" in•piração de al�:umas constao·
tes de 1un p rt: p riot meditação. esrrevendo, en­
tão, sôh re a opn!:-i«;ão pr-nça•aUIIncla, pro­
priednde acidr·ntnl <In ser '''"' a vida Interior
permite sentir. cnnherer r querer, tr�• a­ c
pltulos que. flOr •i s<\, hn•tarlam para colo­
cá-lo ao nh·o•l dos m niores r:J ósof<os de nosso
tem(IO. F: n tom dr •·ivênrin e profundidade
é mantido att< final da "'""· mesmo quan­
do, num '"':õifõrçcr por retom ar n exposlçio
q u1111e racional , ,\ f,('El' .4 MOROSO LIMA
tenta expor, mas n a verdade trans mi te ao
l eitor e fA7. que ôste viv,� com o �tutor a
Sllbedoria tia ' iola i nt e rior n quatro dimen·
sllea : a evoeaçi\o ou passado, � aqtf!eflll!á< .
ção .U futuro, a profu�de ou "'f.Jt�.
�llo, a elevaçllo ou prece.. 1� · " · ,�
. :
Mas da rlnmo• uma fala& ld�io: ··""- obra''
se não :�rrP�r�ntás�r"'ns que é �tvro para
todo J!Pn�r'l dr Jpitort>�. qnR1q ue1· qu(• seja
o grsm ctr r.nnhrcimf'nt.o :iP rarla um. pois
a rnlt.ura ('! n. f'xprrit'nrra que lhe servem
de ali�erce "tiln f!p tlll modo assimiladas.
que o pra1.�r i n tele rt ual de sun leitura é
s upPntrln pe lo Nlft�ôlo (' •• t"dlfirac:ão que pro­
pnr,•innam a� rPfiPxõrs intimA.�. as comp ra.. f
(ÔPA, OS E'!X('ffi�l{OS ,rln YicJa. C'<•tidiRRR., � en ..
trete,:em suRs p � J;!: m n s . • -��-
A verrlacle é <1ue .-tas Mel!ltaçõee e6bre
o mundo interior d•svrnilam-no•. •rm que. o
Rutor rJp rprto o pro('ura�,h� oU · o de�ejas . 1

»
'' mi•t érin dn ôx i to. de ' " "' própria vi��
ria fr<•undiil�rlr d� " '" ' a t ua�ilo.
he, rnm tal minúrin e de modo tão nmple,;
Quem fllluf#
'"m••• o "·''"'" ;•"""'· •••
' '
suas condiçõPs. suaf' conseqüência�. s
...
.
men�õc-s, 8P.J;tUrRmf-ntf' já o realiz9.11 ,
lllravés do Silêncio. tln Sol id ão e i1
·
'
humi lde, ten:t?. e �on•tante d a Sant di ,-:'"
a�sl � t:rr� pndirio ff'\'A r ao� outroa n frti ��
sua mt un:(latlt• Mm a �:,hf'rlori..._
,

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