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PLANO NACIONAL DE CULTURA – ANÁLISES E PERSPECTIVAS  1

ed.
29
PLANO NACIONAL
DE CULTURA
ANÁLISES E PERSPECTIVAS

Percursos, imprecisões e
emergências para o novo PNC

Modelos internacionais:
América Latina, Estados Unidos,
Europa e Brics

Poder público e expectativas para


as artes e a cultura
2 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

O Plano Nacional de Cultura (PNC)


2010-2020 foi construído como um dos
elementos constituintes do Sistema
Nacional de Cultura (SNC) e pretendia
viabilizar o planejamento e a gestão
compartilhada das políticas culturais
entre os entes da federação, de maneira
a garantir a todos o pleno exercício dos
direitos culturais.

Com o intuito de compreender


esse processo e seus impactos e,
principalmente, analisar se o PNC
é o melhor modelo para atender às
demandas de um país com a diversidade
e a complexidade que possuímos, a
edição 29 da Revista Observatório traz
reflexões sobre essas questões e análises
comparadas de países latino-americanos,
europeus e asiáticos. A publicação
também aponta os desafios que estão
colocados para as artes e a cultura no
Brasil e que deverão estar contemplados
no próximo Plano Nacional de Cultura.
PLANO NACIONAL DE CULTURA – ANÁLISES E PERSPECTIVAS  3
4 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL
PLANO NACIONAL DE CULTURA – ANÁLISES E PERSPECTIVAS  5
Memória e Pesquisa / Itaú Cultural

Revista Observatório Itaú Cultural - N. 29 ( jul. 2021/dez. 2021) –


São Paulo : Itaú Cultural, 2007-.

Semestral

ISSN 1981-125X (versão impressa)


ISSN 2447-7036 (versão on-line)

1. Plano Nacional de Cultura. 2. Políticas culturais. 3. Planejamento


cultural. 4. Modelos internacionais. 5. Plano Nacional das Artes.
I. Itaú Cultural

Bibliotecário Jonathan de Brito Faria CRB-8/8697




expediente
REVISTA
Ensaio artístico Produção
OBSERVATÓRIO
Marília Marz Andréia Briene
Ediana Borges
Conselho editorial Ilustração
Adélia Zimbrão André Toma NÚCLEO DE
Andréia Briene COMUNICAÇÃO E
Claudinéli Moreira Supervisão de revisão RELACIONAMENTO
Ramos Polyana Lima
Lia Calabre Gerência
Luciana Modé Revisão Ana de Fátima Sousa
Rachel Reis
Edição (terceirizada) Coordenação editorial
Claudinéli Moreira Ramos Carlos Costa
EQUIPE ITAÚ
Preparação de texto CULTURAL Curadoria de imagens
Tatiana Diniz André Seiti
(terceirizada) Presidente
Alfredo Setubal Produção editorial
Projeto gráfico Luciana Araripe
Marina Chevrand/ Diretor
Serifaria Eduardo Saron
O Itaú Cultural (IC), em
Tradução 2019, passou a integrar
Carmen Carballal NÚCLEO a Fundação Itaú para
(terceirizada) OBSERVATÓRIO Educação e Cultura, com
o objetivo de garantir
Design Gerência ainda mais perenidade às
Iara Pierro de Camargo Jader Rosa suas ações e o seu legado
no mundo da cultura,
Produção gráfica Coordenação ampliando e fortalecendo
Lilia Góes Luciana Modé o seu propósito de inspirar
o poder criativo para a
transformação das pessoas.
aos leitores
Quando a ditadura acabou no Brasil, as polí- não deixou. No entanto, meses depois, a po-
ticas públicas passaram a ser discutidas por pulação alçou ao Palácio da Alvorada um
inúmeros interlocutores. Propostas de mo- presidente, legitimamente eleito pelo voto
dernização e desburocratização, demandas direto, que tornou a extinção do MinC um
por garantia de direitos e contra desigualda- dos seus primeiros atos oficiais, sem maiores
des históricas somavam-se em uma arena repercussões além de críticas vindas quase
política marcada pela mobilização crescente que somente do setor cultural.
de agentes e propostas. Num resumo muito breve, o primeiro
Essa articulação envolveu agentes po- PNC brasileiro contou com cinco anos de
líticos e a sociedade civil, rendeu alterações priorização governamental e outros cinco de
constitucionais e teve, entre seus inúmeros perda crescente de relevância. Às vésperas
frutos, a construção do Plano Nacional de de seu encerramento, depois de praticamen-
Cultura (PNC), instituído por lei em de- te ter desaparecido das pautas do governo
zembro de 2010. Em dezembro de 2020, o federal desde 2018, o terrível surgimento da
primeiro PNC desenvolvido na história de- pandemia de covid-19, que abalou o Brasil e
mocrática da nação brasileira chegou ao seu o mundo, teve como desdobramento inespe-
décimo aniversário – momento que deveria rado um despacho do presidente da Repúbli-
combinar a apresentação e avaliação de re- ca, em outubro de 2020, encaminhando ao
sultados com a finalização do processo de Congresso Nacional um projeto de lei para
construção do plano para a década seguinte. ampliar a vigência do PNC.
Sem dúvida, o cenário mudou muito. A É viável e necessário avaliar o que essa
situação econômica do país, favorável e pro- década que deveria ser dedicada à execução
missora no início dessa tramitação, enfren- do plano alcançou em termos concretos. O
tou algumas crises no período e sobreviveu caput do artigo 215 da Constituição Federal,
bem, até começar a se deteriorar. O governo no qual o PNC foi incluído por meio do pa-
sob o qual a construção do PNC foi estimu- rágrafo 3o, afirma que “o Estado garantirá a
lada se reelegeu e fez sucessora. Embora todos o pleno exercício dos direitos cultu-
também reeleita, seu segundo governo não rais e acesso às fontes da cultura nacional,
chegou ao fim regulamentar, devido a um im- e apoiará e incentivará a valorização e a
peachment. Seu vice, assumindo a Presidên- difusão das manifestações culturais”. Em
cia, tentou extinguir o Ministério da Cultura que medida o PNC 2010-2020 contribuiu
(MinC). O setor cultural, com apoio popular, nessa direção? Mais: será que realmente é
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necessário um plano nacional para que esses de especialistas do setor cultural promovi-
objetivos sejam alcançados? Como um plano do pelo Observatório Itaú Cultural em 4 de
nacional poderia ser elaborado de maneira a março de 2020.
não ficar tão suscetível às oscilações políti- Em outro contexto governamental, essa
cas (sobretudo de gestão) e econômicas do discussão sem nenhuma pretensão estatís-
país, rumando de fato à garantia dos direitos tica ou de representatividade seria apenas
culturais para todas as pessoas no Brasil? uma entre inúmeras, espalhadas Brasil afora,
Este número da Revista Observatório es- voltadas para angariar subsídios para a polí-
pera contribuir para tais reflexões, reunindo tica cultural da próxima década. No cenário
subsídios para a análise do processo e do saldo atual, foi um esforço isolado com ganas de
até aqui, e somando referências de diversos provocação a você, leitora ou leitor destas
outros países, no intuito de conhecer seus pla- páginas, visando perguntar: se você fosse
nos nacionais ou suas formas alternativas de chamada/chamado a essa discussão, quais
organizar suas políticas de cultura. seriam as suas respostas? Note, porém, que
Nessa perspectiva, Lia Calabre e Adé- a provocação não cessa nesse chamado, mas
lia Zimbrão abrem os trabalhos, oferecendo acaba retornando aos próprios participantes
uma revisão crítica em torno do processo do encontro, na medida em que a leitura que
vivenciado no Brasil. Em “PNC 2010-2020 apresento das contribuições de cada um não
– um olhar sobre os percursos”, as autoras é o elenco das sugestões individuais, mas a
discorrem sobre o processo de construção do síntese que esta relatora fez daquele pequeno
plano, seus aspectos inovadores, o modelo de e ativo conjunto de vozes que dedicou uma
gestão dos indicadores, os aprendizados úteis manhã a examinar o saldo e as tendências
à elaboração do próximo PNC e os desafios do PNC.
do atual contexto político-cultural. Nessa perspectiva, cabe salientar que a
Frederico Barbosa da Silva, ao abordar intenção de lançar esta revista em novembro
as “Imprecisões sobre o Plano Nacional de de 2020 também foi prejudicada pelos refle-
Cultura”, situa o plano como um conjunto xos da crise sanitária, que ocasionou adia-
híbrido de apostas políticas e instrumentos mento e demandou a retomada de contato
de política pública, e aponta limites meto- com cada convidado do encontro de março
dológicos dessa construção, marcada por para verificar em que medida a proposta pre-
antagonismos e criatividade. cisava ser revista em razão da pandemia e de
Ainda focando a experiência brasileira, seus tantos efeitos deletérios.
apresento a “História e resultados do Plano Tais reflexões trazem a riqueza peculiar
Nacional de Cultura 2010-2020 e o anseio da multiplicidade de referências reunidas.
por um novo e aprimorado plano”, sob uma No entanto, até aqui, falávamos apenas da
perspectiva diferente de avaliação e levanta- realidade nacional. Será que fazer plane-
mento de subsídios, traduzida em um peque- jamentos nacionais dessa forma é uma
no exercício coletivo de balanço e proposição. especificidade brasileira? Ou uma prática
Trata-se da relatoria crítica de um encontro internacional? Como veremos, a experiência
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internacional nos mostra que a cultura está Bayardo nos mostra como a Argentina per-
na centralidade política de diferentes países, correu, a partir dos anos 1980, caminho di-
com graus de organização variados, que in- ferente dos países vizinhos, indo da redação
cluem, mas não somente, a implementação de planos nacionais e de uma política mais
de planos, estratégias e políticas nacionais totalizadora e federalista à conformação de
de médio e longo prazo. institutos setoriais de cinema, teatro e mú-
Constanza Symmes Coll, no artigo “Fa- sica com fundos próprios e mais autonomia,
bricar política cultural no Chile: entre a par- ligados ao mercado e ao setor privado, sem
ticipação setorial, os saberes do Estado e a preocupação abrangente com planejamento,
cidadania cultural”, apresenta uma revisão avaliação e memória institucional.
analítica do processo chileno de elaboração Eduardo Nivón Bolán aborda “O pla-
da Política Nacional de Cultura 2017-2022, nejamento cultural no México durante o
a partir das estratégias de construção utili- governo de Andrés Manuel López Obrador”,
zadas, em face do contexto histórico-político recuperando o histórico de inserção do tema
e da recente criação do Ministério das Cul- cultural nos Planos Nacionais de Desenvolvi-
turas, Artes e Patrimônio, em 2017. mento a cada seis anos, a partir da criação do
“Plano Nacional de Cultura no Uruguai, Conselho Nacional para a Cultura e as Artes,
um assunto inacabado”, por Hernán Cabrera, em 1988. O autor examina políticas de cultu-
traz a análise descritiva do processo uruguaio ra dos últimos 30 anos para situar as diferen-
de elaboração do PNC e da Lei de Cultura e ças do atual período, em que se verifica uma
Direitos Culturais entre 2016 e 2019. Ante a crise na política cultural caracterizada como
riqueza e as dificuldades do processo, o autor política pública.
nos leva a refletir sobre a necessidade real de “Política cultural nos Estados Unidos”
consolidar um PNC: para resolver quais de- é o tema de José Carlos Durand, que busca
mandas e organizar que instituições? recuperar as particularidades históricas do
Paula Félix dos Reis apresenta uma das país e os antecedentes do modelo adotado, a
primeiras experiências latino-americanas de partir de complexa rede de órgãos públicos e
construção de um PNC em “Políticas de cul- privados de apoio econômico e institucional
tura no longo prazo: o caso do Plano Nacional às artes, sem plano nacional e sem ministé-
de Cultura da Colômbia”. O texto analisa esse rio de Cultura. O autor mapeia instituições
processo e os principais conteúdos do PNC e mecanismos que compõem o sistema de
colombiano. Entre limites, avanços e desa- financiamento e gestão, em que a iniciativa
fios, como a falta de indicadores claros para privada contribui quatro vezes mais que as
avaliar os resultados do PNC que vigorou até fontes públicas e o poder local é o maior pro-
2010, a autora ressalta a inexistência de si- vedor de recursos.
nalização governamental para a construção O artigo de Maria Vlachou, “Plano Na-
de um novo plano. cional das Artes: para todos e com cada um”,
Em “Dos planos nacionais aos institutos analisa o Plano Nacional das Artes de Portu-
setoriais de cultura na Argentina”, Rubens gal e seus três eixos de intervenção: Política
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Cultural; Capacitação; e Educação e Acesso, territoriais e à diversidade de públicos, o


e como eles se desdobram em 5 programas e interesse em atuar transversal e estrate-
27 medidas concretas. gicamente com outros setores de políticas
“A beleza que há na diversidade: o que públicas, com destaque para a educação e
podemos apreender do caso alemão?” é o o desenvolvimento local, e a preocupação
tema que Suelen Silva adota para apresen- com a sustentabilidade econômica e com a
tar o modelo alemão do federalismo cultural, capacitação profissional no campo cultural,
baseado em uma abordagem descentraliza- visando ampliar a qualidade e o alcance do
da na política cultural interna, que confere o direito à cultura pela população e também
protagonismo da ação e da decisão aos níveis tornar o negócio da cultura mais bem-suce-
locais e responde à busca de garantia dos di- dido em favor das economias nacionais e da
reitos culturais com uma densa rede artística imagem desses países no mundo.
e cultural e com um dos maiores investimen- Os relatos apresentados dão conta de
tos públicos em arte e cultura. planos, políticas ou estratégias – diferentes
Paul Heritage e Mariana Steffen encer- nomes para a maneira como são expressos
ram os relatos das experiências internacio- os acordos sociais relacionados às políticas
nais com o artigo “Um plano britânico para culturais. Mostram que a construção desses
a cultura: um apelo ao coração e à cabeça da acordos pode ser bem-sucedida com ampla
nação”, em que examinam a estratégia do participação social e setorial. Igualmente
Conselho de Artes da Inglaterra para o de- evidenciam casos em que a consulta aos se-
cênio 2020-2030, seus principais pontos e tores e a redação a cargo dos órgãos centrais
suas implicações para a política cultural na (ou locais) das políticas culturais também
próxima década. podem gerar exemplos de sucesso. Demons-
Bruno do Vale Novais apresenta “Pla- tram, ainda, que as dificuldades acontecem
nos nacionais de cultura dos países do Brics: tanto em uma opção como na outra, sobretu-
uma possível análise comparativa”, um estudo do relacionadas a governança, financiamento
comparado de publicações sobre políticas cul- e articulação dos vários atores. Mais do que
turais que guardam similaridade com planos a defesa de um procedimento de construção
nacionais de cultura ou de artes do Brasil, da da política de arte e cultura em detrimento
Rússia, da Índia, da China e da África do Sul de outro, essas narrativas nos ensinam a
no intervalo temporal de 2010 a 2020. importância do contexto e do engajamento
O conjunto de artigos relacionados às dos diversos agentes públicos e privados e a
experiências internacionais nos mostra a necessidade de monitoramento, avaliação e
cultura inserida de variadas maneiras na satisfação do público quanto aos impactos
centralidade política de diferentes países. dessas ações.
Em comum, apesar das peculiaridades con- A entrevista que encerra o presente
sideráveis, vemos a preocupação com a escu- número da Revista Observatório traz um es-
ta dos segmentos artísticos e culturais e da forço final de escuta do poder público insti-
sociedade civil, a atenção às especificidades tucionalizado a respeito do Plano Nacional
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de Cultura brasileiro. Na condição de repre- sobre como será. Tampouco sabemos se


sentantes governamentais em exercício nos o Brasil terá um novo PNC. A cultura, em
Poderes Legislativo e Executivo investidos nosso país, nunca foi – até o momento – uma
da autoridade para o tratamento desse tema, aposta oficial contra a crise. Mais uma razão
a deputada federal Jandira Feghali, o sena- para ser a nossa aposta.
dor Eduardo Gomes e o secretário especial O que é certo é que as políticas públi-
de Cultura do Ministério do Turismo, Mario cas de arte e cultura terão de encontrar novas
Frias, apresentam suas visões e análises do maneiras de se relacionar num mundo fra-
PNC 2010-2020 e as expectativas para um gilizado e que precisará se recuperar. Nossa
novo plano nacional. esperança é que o diálogo com os diversos
Finalmente, esta publicação chega às agentes do setor, as diversas camadas da po-
suas mãos após o ano em que uma pande- pulação e os demais setores políticos e eco-
mia de reflexos globais mudou o ritmo da nômicos do país seja estimulado, na direção
economia e das relações sociais nas casas, de um acordo social que efetivamente possa
nas ruas, nas cidades e nos países do mundo. ser (e seja) implementado e que sirva para
Enquanto escrevo esta carta, após um isola- garantir a todos o pleno exercício dos direi-
mento social que praticamente nos trancou tos culturais e a chance de contribuir para
em casa e paralisou os setores produtivos do um Brasil mais justo e menos desigual. Que
planeta, neles incluído o (abalado) setor ar- muitas outras ações se somem a esta revista
tístico e cultural, são difusas e assustadoras nessa direção.
as projeções de cenário para os próximos
meses e anos. Não sabemos muita coisa Claudinéli Moreira Ramos

Agradecemos às instituições culturais Apa- exceção de “História e resultados do Plano


relha Luzia, Biblioteca de São Paulo (e equi- Nacional de Cultura 2010-2020 e o anseio
pe SP Leituras), Centro Cultural São Paulo por um novo e aprimorado plano”, de Clau-
(CCSP), Cooperifa e Pombas Urbanas, que dinéli Moreira Ramos, elaborado em outu-
nos autorizaram o uso de suas imagens para bro de 2020. Em dezembro do mesmo ano,
as ilustrações que compõem o ensaio artís- o presidente da República do Brasil assinou
tico desta edição. a medida provisória para prorrogação da vi-
Os artigos deste número foram produ- gência do Plano Nacional de Cultura (PNC)
zidos entre fevereiro e março de 2020, com por mais dois anos.
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9. Aos leitores
Claudinéli Moreira Ramos 3. Planos de cultura: análise

1.
comparada de contextos internacionais

PNC 2010-2020: América Latina e Estados Unidos


revisões necessárias
106. Fabricar política cultural
21. PNC 2010-2020 – um olhar no Chile: entre a participação
sobre os percursos setorial, os saberes do Estado
Lia Calabre e Adélia Zimbrão e a cidadania cultural
Constanza Symmes Coll
36. Imprecisões sobre o Plano
Nacional de Cultura 120. Plano Nacional de Cultura no
Frederico Barbosa da Silva Uruguai, um assunto inacabado
Hernán Cabrera

2. Emergências e desafios
para um novo PNC
132. Políticas de cultura no longo
prazo: o caso do Plano Nacional de
Cultura da Colômbia
Paula Félix dos Reis

55. História e resultados do 144. Dos planos nacionais


Plano Nacional de Cultura aos institutos setoriais de cultura
2010-2020 e o anseio por um novo na Argentina
e aprimorado plano Rubens Bayardo
Claudinéli Moreira Ramos
PLANO NACIONAL DE CULTURA – ANÁLISES E PERSPECTIVAS  15

sumário

154. O planejamento cultural 210. Um plano britânico para


no México durante o governo de a cultura: um apelo ao coração
Andrés Manuel López Obrador e à cabeça da nação
Eduardo Nivón Bolán Paul Heritage e Mariana Steffen

174. Política cultural nos 222. Planos nacionais de cultura


Estados Unidos dos países do Brics: uma possível
José Carlos Durand análise comparativa
Bruno do Vale Novais
Europa e Ásia

188. Plano Nacional das Artes:


para todos e com cada um
Maria Vlachou
4. A escuta do poder público

237. Entrevista com Mario Frias,


198. A beleza que há na diversidade: Eduardo Gomes e Jandira Feghali
o que podemos apreender do Claudinéli Moreira Ramos
caso alemão?
Suelen Silva

Os textos/entrevistas desta revista não


necessariamente refletem a opinião
do Itaú Cultural.
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Marília Marz é formada em arquitetura e trabalha com expografia e design gráfico.


É também ilustradora e quadrinista independente, com particular interesse por
narrativas que tratem da relação entre indivíduo, cidade e arquitetura. Em 2017,
realizou seu primeiro quadrinho longo, que foi também seu trabalho de conclusão
de curso (TCC) em arquitetura, com o título de Indivisível, uma narrativa sobre a
cultura negra e oriental no bairro da Liberdade, em São Paulo. A HQ foi uma das cinco
publicações ganhadoras da convocatória de publicações Des.gráfica, realizada pelo
Museu da Imagem e do Som (MIS) em 2018, e foi reimpressa em 2019 através do Catarse.
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As ilustrações para esta edição foram produzidas durante o início


da quarentena. Mesmo isolados, a cultura é fonte de alegria,
conhecimento e tranquilidade, seja através dos concertos de varanda,
filmes, livros, ou das tantas outras manifestações artísticas. Ela nos
mantém humanos em meio às incertezas e dificuldades que enfrentamos
no momento. Mais do que nunca, meus desenhos estão carregados
de esperança e de saudade, à espera dos encontros, reencontros
e desencontros proporcionados pela vida cultural de minha cidade.
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1. PNC 2010-2020:
REVISÕES
NECESSÁRIAS

21. PNC 2010-2020 –


UM OLHAR SOBRE OS PERCURSOS
Lia Calabre e Adélia Zimbrão

36. IMPRECISÕES SOBRE


O PLANO NACIONAL DE CULTURA
Frederico Barbosa da Silva
PNC 2010-2020: REVISÕES NECESSÁRIAS Lia Calabre e Adélia Zimbrão 21

PNC 2010-2020 – UM OLHAR SOBRE


OS PERCURSOS
Lia Calabre e Adélia Zimbrão

Este artigo se propõe a revisitar a trajetória das políticas públicas de cultura nos últimos
dois decênios, tendo por objeto a análise do caminho percorrido para a construção do Pla-
no Nacional de Cultura 2010-2020 (PNC). Busca fazer apontamentos críticos sobre esse
processo, a fim de trazer ao debate reflexões que contribuam para a elaboração do próximo
PNC. Ressalta-se como significativo ganho político a grande mobilização e participação
social, bem como o exercício de democracia vivenciado por diversos segmentos e setores da
sociedade, mas também são sinalizadas as implicações que poderão advir dessa iniciativa.

A
chegada do ano de 2020 para os pandêmica, o 1o Plano Nacional de Cultura,
estudiosos, gestores e ativistas cuja finalização do decênio de sua execução
do campo das políticas culturais estar prevista justamente para 2020, teve
trouxe inúmeros desafios e a inserção, na sua vigência revista. A Medida Provisória
pauta das atividades, da tarefa de refletir (MP) no 1.012, de 1o de dezembro de 2020,
sobre novas formas de produzir cultura e alterou a Lei no 12.343, de 2 de dezembro
usufruir dela, sob o contexto inesperado da de 2010, que instituiu o PNC, para ampliar
pandemia de covid-19. Foi um ano extre- seu prazo para o final de 2022. Tal MP foi
mamente difícil em todas as dimensões: convertida em lei em maio de 2021, após
da vida, para o país e para o mundo e, não tramitar na Câmara e no Senado Federal.
menos, para as questões relacionadas ao Revisitar a trajetória percorrida pelas po-
planejamento e à gestão de políticas pú- líticas públicas de cultura nessas últimas
blicas, em especial na área da cultura. O duas décadas, tendo por objeto o PNC, é o
segmento cultural foi um dos primeiros desafio central deste artigo.
a paralisar seus trabalhos em virtude da O PNC, previsto inicialmente para o
exigência/determinação do cancelamento decênio 2010-2020, resultou de processos
das atividades com aglomeração de público, que envolveram e ainda envolvem diversas
uma vez que o isolamento social foi tomado disputas, entre as quais destacamos duas
como uma das principais formas profiláti- aqui. A primeira considera que planejar
cas para combater a disseminação do ví- cultura seria um contrassenso, em razão
rus. Nesse sentido, em razão da conjuntura de sua especificidade em relação a uma
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potencialidade imaginativa. A outra está expressam lutas entre agentes sociais que
relacionada ao embate quanto ao próprio buscam preservar a hegemonia de um mo-
conceito de planejamento governamental. delo de “dominação cultural”, que legitima
O primeiro PNC forjou-se em um contexto determinada visão de mundo, e os que estão
no qual prevaleceram perspectivas teóri- voltados para questionar as categorias de
cas de que o planejamento, apesar de ter percepção da ordem social vigente (BOUR-
conteúdo técnico, é um processo político, DIEU, 2008, 2012). Portanto, como processo
sobretudo nas sociedades que ambicionam político, a produção de um plano de cultura,
a transformação das estruturas econômicas ou seja, o planejamento de políticas públicas
e sociais (BERCOVICI, 2006), assim como de cultura, opera principalmente como um
o predomínio do entendimento de que o Es- discurso aglutinador, como construção de
tado tem papel ativo no desenvolvimento do narrativa que dá sentido. E o sentido dado,
país. Nesse sentido, não se trata só de com- ancorado na Constituição vigente de 1988,
petição por recursos mate- foi o de que as políticas
riais, mas de disputas por “Como os mitos, as políticas, públicas são para asse-
ideias e valores referentes por sua vez, fornecem um gurar direitos culturais, a
à responsabilidade do Es- meio de unificar o passado cidadania cultural. Para
tado diante dos desafios e o presente, de modo a Shore (2010), as políticas
econômicos e sociais. dar coerência, ordem e públicas funcionariam de
Assim, o primeiro certeza às ações do governo, maneira similar ao “mito”
PNC precisa ser analisa- muitas vezes incoerentes, em sociedades não letra-
do considerando-se esse desorganizadas e incertas” das. Assim, para esse au-
movimento de resgate e (SHORE, 2010, p. 32) tor, da mesma forma que
ressignificação do planeja- os mitos, as políticas pú-
mento governamental no Brasil que buscou blicas proveriam uma zona de aliança e um
qualificar o plano como instrumento efe- modo de reunir as pessoas em torno de um
tivo de planejamento e gestão de políticas objetivo comum. Além disso,
públicas. Tal perspectiva visou superar a
narrativa construída nos anos 1990 – for- como os mitos, as políticas, por sua vez,
temente marcada pelo discurso “gerencia- fornecem um meio de unificar o passado e
lista”1 e pelo domínio da ideologia neoliberal o presente, de modo a dar coerência, ordem
– de concepção restrita de planejamento e e certeza às ações do governo, muitas vezes
gestão como mecanismo de cunho eminen- incoerentes, desorganizadas e incertas 2
temente técnico e normativo, a cargo de (SHORE, 2010, p. 32).
especialistas, e em que o Estado tem papel
mínimo, prevalecendo o mercado como ins- Voltando no tempo, observamos que o ano de
tância determinante da vida social. 2003 foi de grande mobilização, por parte dos
Seguindo essa linha, os embates por novos integrantes do Ministério da Cultura
sentido e as apropriações conceituais (MinC), na busca da abertura de diversos
PNC 2010-2020: REVISÕES NECESSÁRIAS Lia Calabre e Adélia Zimbrão 23

e novos canais de diálogo com o campo da consolidar e ampliar a institucionalidade das


cultura, em sua concepção ampliada, e com políticas públicas culturais. Uma das marcas
a população em geral. Foi um primeiro passo da gestão, já no primeiro ano, é o estabeleci-
na busca mais efetiva de inserir a área cul- mento de estratégias de diálogo com diversos
tural no campo das políticas públicas. Um segmentos da sociedade. Já em 2003, consul-
conjunto de projetos e medidas vinha sendo tas, seminários e escutas públicas realiza-
pensado, sendo que muitos deles já estavam dos nas diversas regiões do país começaram
expressos no programa de governo do presi- a produzir conteúdo que contribuiu para a
dente Lula e dialogavam com o que foi legal- construção do Plano Nacional de Cultura.
mente garantido em 1988. No novo organograma do Ministério da
A Constituição de 1988 reservou à cul- Cultura, aprovado em 2004, foram estrutu-
tura um lugar entre as políticas públicas, radas algumas secretarias, das quais duas,
mas faltavam mecanismos e regulamen- em especial, nos interessam: a Secretaria de
tações para fazer valer o preceito cons- Políticas Culturais (SPC) e a Secretaria de
titucional. Após um período de extrema Articulação Institucional (SAI). A constru-
guinada do Estado aos princípios neolibe- ção do Sistema Nacional de Cultura (SNC)
rais, algumas questões ligadas aos direitos ficou sob a responsabilidade da SAI. A Con-
fundamentais e à regulação da Constitui- ferência Nacional de Cultura (CNC), que
ção começaram a ser retomadas pelo Poder começava a ser planejada para 2005, tinha
Legislativo. um papel fundamental na contribuição da
No ano 2000, o Poder Legislativo, em estruturação do Plano Nacional de Cultura,
especial a Comissão de Educação, Cultura e esse último de atribuição da Secretaria de
Desporto da Câmara, iniciava as discussões Políticas Culturais. É importante ressaltar
sobre os desafios do século XXI, realizando que essa foi a primeira experiência brasilei-
a 1a Conferência Nacional de Educação, Cul- ra, de um governo eleito democraticamente,
tura e Desporto, na qual se aprovou a cons- de construção de um plano de cultura que
trução de um Plano Nacional de Cultura. A estruturasse e fornecesse as diretrizes de
regulamentação sobre o plano tramitou e foi atuação das políticas públicas da área. A
aprovada em 2003 na Câmara. Seguiu para própria ideia da necessidade de constru-
apreciação do Senado, tramitando por qua- ção de políticas para a cultura era objeto
se dois anos, já com ampla discussão com o de muitas discussões e polêmicas. De ma-
Ministério da Cultura, transformando-se neira sintética, podemos dizer que havia,
na Emenda Constitucional no 48, de 10 de por um lado, um grupo que acusava o Estado
agosto de 2005. de pretender implantar um modelo “diri-
Concomitantemente, em 2003, com o gista”, que engessaria o fazer cultural com
governo do presidente Lula, assume o Mi- normas e princípios. Mas havia também os
nistério da Cultura o cantor e compositor que defendiam que a cultura era um direito
Gilberto Gil. Tem início um processo de rees- e que, para fazer valer o que estava previsto
truturação do ministério, com o objetivo de na Constituição, era necessário fornecer à
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área cultural um arcabouço institucional variedade de tipos de fóruns, eventos e ins-


comparável ao de outras áreas de políti- tâncias participativas. Entre essa múltipla
cas públicas. Essa segunda vertente vai se origem, gostaríamos aqui de destacar o ma-
fazendo majoritária dentro do governo. A terial originado na 1a Conferência Nacional
multiplicidade de posições sobre as formas de Cultura, que tinha como principal objetivo
de condução do processo de fortalecimen- recolher propostas de diretrizes para o PNC.
to da institucionalidade na área da cultura O processo de organização da primei-
nos auxilia na compreensão das diferenças ra CNC em si era uma grande novidade; al-
de andamentos entre os vários projetos gumas áreas já possuíam experiências de
que foram elaborados com esse fim. Mui- consultas e processos participativos, mas
tos dos elementos que formam o Sistema não era o caso da cultura. Uma conferên-
Nacional de Cultura, tais como o Plano Na- cia nacional, na lógica do que vinha sendo
cional de Cultura, o Conselho Nacional de realizado pelo governo, é antecedida por um
Política Cultural (CNPC) e conjunto de etapas. Tradi-
a Conferência Nacional de Construir um primeiro cionalmente, primeiro se
Cultura, terminaram ocor- Plano Nacional de Cultura realizam as conferências
rendo, sendo aprovados e em um país com as municipais, seguidas das
implementados em tem- dimensões, desigualdades conferências estaduais, que
poralidades diversas. e diversidades do Brasil indicam os delegados locais
Buscando romper com se apresentava como um que participarão da confe-
uma tradição de desconti- processo bastante complexo rência nacional. Porém se
nuidade de políticas públi- realizaria a primeira confe-
cas, programas e ações, típica da forma de rência nacional de cultura que tinha como
governar no país, o PNC foi proposto com uma das funções estratégicas iniciar o pro-
uma periodicidade decenal. Isso significaria cesso de estruturação do Sistema Nacional
que ele atravessaria dois governos e avança- de Cultura, além de contribuir diretamente
ria mais a metade de um terceiro. Havia uma para o PNC. Para isso, os entes federados
grande esperança no tocante à construção de (municípios ou estados) que realizassem
políticas públicas mais duradouras e enrai- conferências, para ter seus delegados e
zadas nos territórios, bastante inspirada na suas propostas validados, deveriam assi-
experiência do Plano Nacional da Cultura nar o termo de intenção de adesão ao Sis-
da Colômbia, igualmente decenal e que na tema Nacional de Cultura. Tendo em vista
época estava em plena vigência (2001-2010). as dificuldades que tal processo poderia
Entretanto, construir um primeiro Pla- gerar, foram criadas outras instâncias in-
no Nacional de Cultura em um país com as termediárias de representação e discussão
dimensões, desigualdades e diversidades para a primeira CNC. Foram realizados os
do Brasil se apresentava como um processo Seminários Setoriais de Cultura (um em
bastante complexo. O PNC foi construído a cada região do país), dos quais também
partir de demandas oriundas de uma grande sairiam delegados, com direito a voz e voto,
PNC 2010-2020: REVISÕES NECESSÁRIAS Lia Calabre e Adélia Zimbrão 25

que representariam as regiões na primeira estratégias e ações previstas no PNC, que es-
CNC. Foram ainda realizadas as Conferên- tavam em áreas fora da governança do MinC.
cias Intermunicipais – no caso dos estados De maneira sintética, é necessário res-
que não aderiram ao sistema. Tal desenho saltar aqui que todo esse processo partici-
tanto produziu excelentes resultados em pativo muito alargado teve consequências
termos participativos quanto deixou como favoráveis e desfavoráveis no momento da
legado para o PNC um volume gigantesco de construção do PNC; havia uma demanda
demandas dos mais variados grupos, que as- por políticas e ações do Estado reprimida,
sinalavam a ausência de políticas públicas que aflorou, ou melhor, que “explodiu”. Isso
da cultura no país. Trabalhar com esse lega- foi bom? Sim, por um lado, pois despertou o
do, transformando-o em políticas factíveis olhar da sociedade sobre o direito à cultura e
sem criar altos níveis de descontentamento os deveres do Estado. Porém, não perdendo
e frustração, foi uma das tarefas impostas à de vista que o processo era de elaboração de
equipe ministerial. um plano que guiaria políticas públicas ideal-
Para além dos resultados na primeira mente exequíveis, dificultou muito o processo
CNC, outros fóruns e con- de delimitação do que efeti-
sultas públicas foram rea- Todo esse processo vamente poderia ser reali-
lizados. Um dos primeiros participativo muito alargado zado, ser transformado em
e grandes desafios da ela- teve consequências favoráveis meta para a execução em
boração de planos na área e desfavoráveis no momento um prazo de dez anos, em
das políticas públicas está da construção do PNC; havia um país sem tradição de
no que chamamos de trans- uma demanda por políticas execução de políticas em
versalidade da cultura. Ao e ações do Estado reprimida, cultura e, mais ainda, de
buscar trabalhar com um que aflorou, ou melhor, continuidade das ações das
conceito mais amplo de que “explodiu” gestões anteriores.
cultura, que ultrapassa o
campo das artes, que a define como conjunto Processo de construção das metas
de saberes e fazeres, o Ministério da Cultura do PNC: potências e fragilidades
extrapola o que seriam suas “barreiras” mi- O processo de construção do PNC foi mar-
nisteriais e adentra no campo de outras polí- cado pelas dificuldades que afetaram o con-
ticas setoriais. Um volume considerável das junto de projetos do Ministério da Cultura
propostas de diretrizes que obtiveram maior como um todo – as alterações e inovações
adesão dos delegados extrapola a área de go- eram muitas. A área nunca havia vivenciado
vernança do Ministério da Cultura – as duas um processo efetivo de construção de polí-
maiores áreas de políticas, fora a da cultura, ticas com qualquer grau de participação so-
para as quais as demandas foram direciona- cial. As poucas experiências de gestões que
das foram educação e comunicação. Mais à buscaram construir políticas efetivas para
frente, verificaremos um conjunto de pro- a área estiveram marcadas pelos regimes de
blemas acarretados pela incorporação das exceção democrática. Ao longo da ditadura
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civil-militar, na década de 1970, o país che- de informações consolidada (o Cadastro Na-


gou a contar com uma política nacional de cional de Museus), elementos fundamentais
cultura – que gerou poucos resultados prá- para a estruturação de uma política setorial.
ticos ou avaliações e acompanhamentos de Ao longo dos quatro primeiros anos da
seus desdobramentos – construída por téc- gestão do ministro Gilberto Gil, várias frentes
nicos nos gabinetes do governo. de diálogo com a sociedade foram abertas. Nos
O primeiro PNC foi sendo elaborado a fóruns, encontros, seminários e conferências,
partir de um amplo processo participativo, recolheram-se contribuições que, de alguma
simultaneamente a uma série de outras po- maneira, foram incorporadas ao Plano Na-
líticas, programas e ações. Não estamos aqui cional de Cultura. Havia um extenso material
querendo afirmar que poderia ser diferente. a ser trabalhado. Um dos grandes problemas
O processo de construção do plano em todas técnicos enfrentados no momento em que o
as suas etapas de aprovação levou mais de conjunto do material começa a ser reunido
cinco anos para ser concluído – tenhamos para a consolidação do plano de cultura é o da
como marco de início a construção e a rea- diversidade das demandas apresentadas pelas
lização dos seminários Cultura para Todos mais variadas regiões do país. Tal diversidade
(2003) ou a aprovação no Legislativo de sua diz respeito às múltiplas realidades regionais,
existência (2005). Havia uma série de neces- mas também se refere aos diversos graus de
sidades urgentes, de medidas a ser tomadas, capacidade de mobilização da sociedade para
de políticas a ser elaboradas, de áreas a ser expressar suas demandas. Também foi detec-
reguladas, de ações a ser implementadas, en- tada a ausência de alguns setores culturais,
fim, o ministério deveria atuar de maneira a em especial aqueles ligados às artes do espetá-
buscar consolidar uma nova forma de fazer culo mais consagrados pelo mercado, que não
política pública no campo da cultura, desde acreditam (ou não confiam) na capacidade
os primeiros momentos do novo governo. do Estado de elaborar políticas públicas de
Não era possível paralisar toda a máquina cultura. Foram criadas novas etapas e formas
pública enquanto se aguardavam a elabo- de consulta buscando um maior equilíbrio na
ração e a aprovação do PNC. Logo, algumas representação das demandas, o que resulta na
áreas desenvolveram ações de institucio- ampliação delas.
nalização mais rápido que as outras, como Segundo o MinC, o processo de constru-
foi o caso da área de museus. Já no início do ção do Plano Nacional de Cultura foi dividido
governo é criado o Departamento de Museus em três etapas: Etapa I (2003-2005): Formu-
(Demu), no âmbito do Instituto do Patrimô- lação e Articulação; Etapa II (2006-2007):
nio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Diagnóstico e Definição das Diretrizes Ge-
Na segunda gestão do presidente Lula, a ges- rais; Etapa III (2008-2010): Consolidação
tão dos museus sai da área de patrimônio, ga- e Votação. Durante a etapa I, ocorre a 1a
nhando uma instituição própria, o Instituto Conferência Nacional de Cultura. Na eta-
Brasileiro de Museus [Ibram (2009)], com pa II, ocorrem alguns importantes eventos
um plano nacional de museus, com uma base que também contribuíram para o PNC: II
PNC 2010-2020: REVISÕES NECESSÁRIAS Lia Calabre e Adélia Zimbrão 27

Seminário Nacional de Políticas Públicas Com o PNC aprovado, os trabalhos de


para as Culturas Populares; Seminário In- construção da tradução ou da transcriação
ternacional de Direitos Autorais; I Fórum (fazendo uma alusão ao poeta Haroldo de
Nacional de TVs Públicas; e Seminário Inter- Campos) das estratégias e ações em metas
nacional de Diversidade Cultural. São ainda executáveis e mensuráveis foram realizados
dessa segunda etapa a estruturação e a posse ao longo do ano de 2011, com as metas apro-
do Conselho Nacional de Política Cultural. vadas em dezembro. O trabalho foi comple-
Um acompanhamento dos desdobra- xo, as ações tiveram de ser reagrupadas por
mentos das etapas feito a partir dos documen- proximidade de proposta e através de uma
tos produzidos na época nos dá a dimensão análise detida e cuidadosa que resultou na
das dificuldades de construção de um plano sistematização de 53 metas, que buscavam se
nacional setorial respeitando o processo par- distribuir pelas três dimensões estratégicas
ticipativo. Em 2007, o Ministério da Cultura elencadas pelo ministério como eixo de to-
publicou a primeira edição do documento Pla- das as políticas estabelecidas: as dimensões
no Nacional de Cultura: Diretrizes Gerais. O simbólica, cidadã e econômica. O processo de
documento tinha a previsão de realização da finalização das metas também foi submetido
II CNC e a aprovação do PNC em 2008 – seria à consulta pública e à aprovação do CNPC.
um plano até 2018. Em 2008, uma nova edição
revista e atualizada foi feita, já incorporando Algumas questões à guisa de
as contribuições trazidas pelo CNPC e pelo fó- uma avaliação do processo
rum virtual na internet. No mesmo ano foram Uma questão delicada que esteve sempre pre-
realizados os Seminários Estaduais do Plano sente nas consultas públicas, nos fóruns, nas
Nacional de Cultura. Havia a expectativa de conferências, nas demandas dos colegiados
aprovação do plano naquele ano. A segunda setoriais é a da transversalidade das políticas
CNC deveria ocorrer, em 2009, já com o pla- públicas de cultura. Muitas das proposições
no aprovado, porém os debates se alongaram, mais votadas nas conferências nacionais de
e tanto o PNC quanto a segunda CNC só se cultura, por exemplo, dizem respeito às áreas
efetivaram em 2010. da comunicação e da educação, que estão fora
Em um grande esforço de síntese, a equi- dos limites da governança do Ministério da
pe do MinC chega a um plano que contém 36 Cultura. Um exemplo esclarecedor é o da de-
estratégias e 274 ações.3 Uma questão então manda e do esforço para o reconhecimento
está colocada: qual é a viabilidade da imple- dos saberes oriundos da área das culturas
mentação de um plano com 274 ações nas populares, o saber dos mestres. A meta 17 do
mais variadas áreas de atuação, com um altís- PNC previa que, até 2020, o país deveria ter
simo grau de transversalidade? Uma segunda “20 mil trabalhadores da cultura com saberes
questão: como criar sistemas de monitora- reconhecidos e certificados pelo Ministério da
mento para esse volume de ações, garantindo Educação (MEC)”. O Ministério da Educação
a mensuração da eficácia e (mais complexo havia criado um programa de reconhecimen-
ainda) da efetividade, ou não, delas? to e certificação profissional – Rede Certific
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– através do qual artistas, mestres ou detento- Por outro lado, os desdobramentos territoriais
res de saberes e fazeres da tradição oral teriam esperáveis do processo foram ocorrendo.
seus conhecimentos certificados pelo MEC. Podemos exemplificar um pouco da
Ao MinC caberia definir os saberes e mapear problemática acima com o caso do Siste-
esses profissionais que seriam reconhecidos ma Nacional de Informações e Indicado-
pelo MEC. Esse programa do MEC foi rapi- res Culturais (SNIIC), cuja implantação
damente descontinuado. Tendo em vista que foi muito retardada, em especial pela
toda a meta estava calcada no reconhecimen- dificuldade de elaborar uma base de in-
to do saber, que só teria validade no mercado formações de caráter nacional que desse
de trabalho se reconhecido pelo MEC, o fim conta da complexidade do campo cultu-
do programa invalidou por completo a meta. ral, dificuldade essa tanto técnica quanto
Temos um exemplo claro operacional. O SNIIC
tanto de pleno reconhe- Questão relevante advinda seria replicado pelos
cimento da demanda da do processo participativo estados. A implantação
sociedade pelo Ministério de construção do primeiro do sistema em 100% das
da Cultura, ao construir a PNC é o reconhecimento e a unidades da federação e
meta 17 do PNC, quanto apropriação, por parte de agentes em 60% dos municípios
da fragilidade a que fica e comunidades culturais, de que era a meta, que não será
exposta uma meta cuja políticas públicas de cultura são cumprida. Porém o não
governança se encontra meios – obrigação do Estado cumprimento dessa
totalmente fora da alçada – para garantir a cultura como meta impacta na medi-
do Ministério da Cultura. direito de cidadania ção de várias outras, tais
O ato do MinC de acatar a como a meta 6 – “50%
demanda da sociedade foi perfeito, porém o dos povos e comunidades tradicionais que
mecanismo utilizado na busca de efetividade estiveram cadastrados no SNIIC atendi-
pode resultar em descrédito das ações minis- dos por ações de promoção da diversidade
teriais e do próprio PNC. cultural” – ou ainda a meta 3, que trata da
É importante ressaltar que, quando as cartografia da diversidade das expressões
metas foram elaboradas, em 2011, havia uma culturais em todo o território brasileiro.
perspectiva de fortalecimento contínuo e Assim, tal como observado no docu-
crescente das políticas públicas de cultura, mento Análise e Avaliação Qualitativa das
nos diversos níveis de governo. Fato que ocor- Metas e o Monitoramento do Plano Nacio-
reu, em parte, não no mesmo ritmo do decênio nal de Cultura (PNC),4 da Secretaria da Di-
anterior. O cumprimento das metas do PNC versidade Cultural, são muitas as questões
estava também vinculado à efetivação de ou- que precisam ser consideradas e pondera-
tros mecanismos de políticas, em especial o das nessa experiência peculiar de produção,
Sistema Nacional de Cultura, e à reestrutu- planejamento e gestão de um plano nacional
ração dos mecanismos de financiamento das para a área da cultura. Nesse sentido, há que
políticas – essa última não ocorreu até 2020. se destacar como significativo ganho político
PNC 2010-2020: REVISÕES NECESSÁRIAS Lia Calabre e Adélia Zimbrão 29

do processo de construção do PNC a grande parte de agentes e comunidades culturais, de


mobilização e participação social, bem como que políticas públicas de cultura são meios –
o exercício de democracia vivenciado por obrigação do Estado – para garantir a cultura
diversos segmentos e setores da sociedade. como direito de cidadania, para assegurar a ci-
Conforme vários dispositivos constitucionais dadania cultural e o pleno exercício dos direi-
de 1988, a participação direta da população na tos culturais, em oposição ao que os gestores
gestão pública pode se dar por diversos meios municipais costumam entender como política
e instâncias, inclusive deliberativas. cultural: um somatório de ações implementa-
Entretanto, não se pode afirmar que essa das de maneira dispersa, não planejada, sem
forma participativa de fazer política cultural relação entre si e de alcance limitado.
está consolidada. O cenário é bastante com- Outro ponto a destacar é que se tratou
plexo, e algumas decisões do atual governo de um processo e plano de abrangência na-
federal se mostram parado- cional, disseminado de tal
xais. Se por um lado o Poder No aspecto da gestão, forma que colocou o PNC
Executivo Federal editou o houve apropriação parcial como o tema da cultura na
Decreto no 9.759, de 11 de de ferramentas/instrumentos agenda pública brasileira.
abril de 2019, que extingue como o desenvolvimento Como ressalta o referido
e limita a formação de co- de diagnósticos, avaliações documento de análise e ava-
legiados na administração e definição de prioridades, liação das metas do PNC, a
pública federal, incluin- o que não era comum nessa difusão da ideia de planeja-
do-se conselhos, comitês, área, principalmente nos mento governamental para
comissões, fóruns etc., governos municipais a área cultural e os incenti-
por outro publicou a MP vos feitos pela pasta federal
no 1.012, em dezembro de 2020, que prorroga a reforçaram a atenção e o lugar da cultura na
vigência do PNC para 2022, tendo como uma agenda municipal. Nessa perspectiva, há o
das justificativas na Exposição de Motivos no reconhecimento de que o PNC possibilitou
00034/2020 a necessidade de alterações importantes no campo cultural,
promovendo a adoção de novas atitudes re-
realizar discussões em diferentes níveis de lativas ao planejamento e à gestão da cultura.
governo e sociedade para a formulação de Assim, no aspecto da gestão, houve
um novo Plano Nacional de Cultura, que apropriação parcial de ferramentas/instru-
culminarão na realização da IV Conferên- mentos como o desenvolvimento de diagnós-
cia Nacional de Cultura (CNC). ticos, avaliações e definição de prioridades,
o que não era comum nessa área, principal-
Há que observar como isso vai afetar a ela- mente nos governos municipais. Além disso,
boração do próximo PNC. pode ser considerada como ganho técnico
Outra questão relevante advinda do pro- a prática de trabalhar os instrumentos de
cesso participativo de construção do primeiro gestão de modo articulado, mesmo sendo
PNC é o reconhecimento e a apropriação, por necessária a adoção de procedimentos e
30 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

instrumentos mais claros para uma articu- documento Análise e Avaliação Qualitativa das
lação mais eficaz entre as metas do PNC e os Metas e o Monitoramento do Plano Nacional
eixos do PPA, conforme recomendação do de Cultura (PNC), aponta-se que a desativa-
documento Análise e Avaliação Qualitativa ção de instâncias de governança do PNC, assim
das Metas e o Monitoramento do Plano Na- como a não implantação de seu comitê executi-
cional de Cultura (PNC). Esse fator favorece vo, provocou a descontinuidade de ações vitais
a otimização de recursos. para sua consolidação. Pontua-se também em
Outro fator relevante é que o processo tal documento que há pouca governabilidade
participativo – tanto de construção do PNC das metas pelo então Sistema MinC (26 das 53
quanto de suas metas – permitiu a formação metas inscritas no PNC têm os entes federa-
de quadros político-culturais nas três esferas dos estaduais e municipais como responsáveis
do poder público e também na sociedade civil. por sua execução), o que demanda articulação
Ainda no que se refere aos ganhos ad- e cooperação federativa para sua consecução.
vindos do processo do primeiro PNC, com Portanto, trata-se de questões que requerem
a incorporação da cultura de planejamento, atenção especial para o futuro PNC.
aponta-se maior reconhe- Por se tratar de uma
cimento – por parte de ins- A desativação de instâncias política pública que envol-
tituições públicas e outros de governança do PNC, assim ve necessariamente corre-
agentes – da importância como a não implantação lação de forças, o processo
de cursos de formação e de seu comitê executivo, de construção do primeiro
capacitação para a área provocou a descontinuidade PNC ocorreu em meio aos
cultural, assim como o de ações vitais para sua diversos embates políti-
desenvolvimento de pes- consolidação cos em que as disputas de
quisas e estudos para a narrativas foram sendo
produção de conhecimento sobre o setor. E, travadas em direção à negociação de maior
para tanto, o reconhecimento da necessida- participação social. Tal processo participativo
de de produzir dados e informações sobre a foi conquistando espaço gradativamente. E,
área. Nesse sentido, percebeu-se também dadas a abrangência e a complexidade de pro-
como relevantes a elaboração de sistemas dução do PNC, a própria experiência partici-
de informações e indicadores voltados para pativa ganha caráter ensaístico e incremental.
o campo da cultura e o desenvolvimento de Se por um lado essa aprendizagem de prática
práticas avaliativas. democrática na gestão pública federal nes-
Apesar desses reconhecimentos como ca- sa área resulta em ampliação do espectro da
pazes de aprimorar a gestão cultural, os esfor- cidadania, há que se considerar implicações
ços de produção, sistematização e divulgação que vieram e poderão advir dessa iniciativa.
de informações sobre a cultura esbarraram em Nesse sentido, sinaliza-se como fragi-
limitações de financiamento, descontinuida- lidade técnica o número excessivo de ações
des de ações administrativas, de gestores, de sem articulação entre elas e a dificuldade de
técnicos e até mesmo de projeto do SNIIC.5 No priorizar metas, sendo estas por vezes até
PNC 2010-2020: REVISÕES NECESSÁRIAS Lia Calabre e Adélia Zimbrão 31

imprecisas. Ademais, identifica-se a possi- Lia Calabre


bilidade de perdas desse processo político Doutora em história pela Universidade Federal
como o risco de ter poucos resultados práti- Fluminense (UFF). Pesquisadora do Setor de Polí-
cos (em razão da falta de financiamento, da ticas Culturais da Fundação Casa de Rui Barbosa
dificuldade de governança, entre outros mo- [FCRB (2002-2019)]; chefe do Setor de Políticas
tivos), o que, por sua vez, pode resultar em Culturais (2002-2014); presidente da FCRB (2015-
descrença nas políticas públicas, nos seus -2016). Coordenadora e membro da Cátedra Unes-
instrumentos, como o plano, e na própria co de Políticas Culturais e Gestão/FCRB. Participou
participação social. Mas, por outro lado, não dos processos de construção das três conferências
se pode deixar de considerar que o processo nacionais de cultura e das diversas etapas do Plano
de institucionalização de políticas públicas Nacional de Cultura (PNC). Autora de diversos livros
de cultura, promovido de forma participa- e artigos sobre políticas culturais. Membro do Centro
tiva, pode ter contribuído para a maior re- de Estudos Multidisciplinares em Cultura da Universi-
sistência de setores culturais aos recentes dade Federal da Bahia (Cult/UFBA) e do Laboratório
desmontes na área. É importante ressaltar de Ações Culturais (Labac), da UFF. Professora dos
que o processo de publicização do monitora- programas de pós-graduação Memória e Acervos, da
mento do PNC está desativado desde 2019. FCRB, e Cultura e Territorialidades, da UFF.
Enfim, há muitos aspectos inovadores
envolvidos na experiência de elaboração
do primeiro PNC. Entre eles, destacamos a Adélia Zimbrão
prática da administração participativa, com Doutora em psicologia social pela Universidade
pleno uso de instrumentos de gestão como o do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Com mestrado em
planejamento e a avaliação contínua no cam- administração pública [Escola Brasileira de Adminis-
po das políticas públicas culturais. Apesar tração Pública e de Empresas, da Fundação Getulio
desses avanços significativos, vimos que Vargas (Ebape/FGV)], especialização lato sensu em
há diversos pontos que requerem aprimo- sociologia urbana (Uerj) e formação em psicologia
ramento. Ainda existem desafios no que diz (Uerj). Coordenou cursos de pós-graduação e aper-
respeito à definição de metas, à produção e feiçoamento na Escola Nacional de Administração
disponibilidade das informações, à maior Pública (Enap). Foi professora de Ensino Superior e
articulação entre instrumentos de gestão e analista de finanças e controle da Secretaria do Tesou-
à necessidade de maior clareza nas atribui- ro Nacional. Faz parte da carreira de especialista em
ções de competências e governabilidade. Mas políticas públicas e gestão governamental, atuando
tais fragilidades identificadas são esperadas, no Setor de Pesquisa em Políticas Culturais da Fun-
uma vez que o primeiro PNC é pioneiro no dação Casa de Rui Barbosa (FCRB), onde desenvolve
modo de construção de políticas culturais. estudos e assessoria relativos a políticas públicas de
O reconhecimento dessas fragilidades deve cultura [Plano Nacional de Cultura (PNC), Sistema Na-
servir de balizador desse processo de apren- cional de Cultura (SNC), Sistema Nacional de Infor-
dizagem para que sejam promovidos ajustes mações e Indicadores Culturais (SNIIC)]. Integrante da
no próximo PNC. Cátedra Unesco de Políticas Culturais e Gestão/FCRB.
32 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

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9 abr. 2020.
SISTEMA Nacional de Informações e Indicadores Culturais. Disponível em: <http://sniic.
cultura.gov.br/>. Acesso em: 9 abr. 2020.

Notas

1 Muito resumidamente, a administração pública gerencial (fundamentada na


new public management), prevista no Plano Diretor da Reforma do Estado –
1995, visou implantar na administração pública uma racionalidade administrativa
usada em organizações privadas.

2 Tradução nossa de: “Como los mitos, las políticas a su vez proveen de medios
para unificar el pasado y el presente, de tal manera que otorguen coherencia,
orden y certeza a las acciones a menudo incoherentes, desorganizadas e inciertas
del gobierno” (SHORE, 2010, p. 32). Para esse autor, a antropologia pode fornecer
uma perspectiva crítica para o entendimento do modo como as políticas públicas
funcionam, pois a visão analítica de uma disciplina sobre as práticas e premissas
de outra pode gerar novas perspectivas sobre problemas antigos.
34 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

3 Na publicação feita pelo MinC, em 2012, Sérgio Mamberti afirma que são
275 ações.

4 Esse documento resulta de um projeto que foi desenvolvido pela Universidade


Federal da Bahia (UFBA) para o Ministério da Cultura com a finalidade de analisar
e apresentar uma avaliação do monitoramento das metas do Plano Nacional
de Cultura 2010-2020. A pesquisa foi realizada de maio a outubro de 2018, por
uma equipe multidisciplinar sob a coordenação do pesquisador Antonio Albino
Canelas Rubim.

5 Idealizado inicialmente para ser um sistema de gestão, com o objetivo


de fornecer um banco de informações e indicadores voltados para o
monitoramento das metas do PNC, mas que sofreu diversos redesenhos
e alterações de finalidade.
PNC 2010-2020: REVISÕES NECESSÁRIAS Lia Calabre e Adélia Zimbrão 35
36 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

IMPRECISÕES SOBRE O PLANO


NACIONAL DE CULTURA
Frederico Barbosa da Silva

O texto discute o Plano Nacional de Cultura (PNC) como um conjunto híbrido de apostas
políticas e instrumentos de política pública. O PNC movimentou metodologias, mecanismos
de ação e informações no contexto de diversas gramáticas atuacionais e, para quem o viven-
ciou, com muitos antagonismos, mas com uma ebulição criativa rara. Claras, as direções nele
enunciadas para as políticas culturais tentam evitar a lógica de descontinuidades, fragmen-
tação e descoordenação da articulação institucional. Entretanto, algumas imprecisões e im-
provisações ali presentes apenas serão solucionadas no contexto de intensas mobilizações
coletivas e discussão democrática e participativa, de forma a alcançar os ideais de uma cul-
tura política comum e solidária.

1. Contexto analítico

A
sociologia da ação pública, ape- Distrito Federal e nos municípios implica a
sar de suas inumeráveis questões produção de significados e justificativas cer-
e modelos analíticos, se interessa tamente controversos e singulares para cada
fundamentalmente pelos instrumentos da ator do campo das artes e da cultura. O valor
ação pública como parte dos processos so- das crenças, justificativas e argumentações
ciais de negociação, conflito, participação mobilizadas é o próprio fazer coletivo, que
e decisão coletiva no contexto dos antago- envolve enunciadores, destinatários, aliados
nismos políticos. Qualquer recurso à instru- e adversários e tem caráter aberto, histórico
mentação de políticas públicas tem signifi- e socialmente indexado.
cação como escolha política, como parte de O Plano Nacional de Cultura (PNC),
contextos de inteligibilidade, aceitabilidade ao lado do Sistema Nacional de Cultura
e justificabilidade. (SNC), constitucionalizou e estabeleceu
Nada nas relações e produções sociais como dever do Estado, com participação
é neutro. Escolher um plano conectando-o da sociedade, a garantia dos direitos cultu-
ao sistema, ao conselho e ao fundo nacional rais a partir de políticas públicas. O próprio
e a estruturas homólogas nos Estados, no PNC é um instrumento de política pública
PNC 2010-2020: REVISÕES NECESSÁRIAS Frederico Barbosa da Silva 37

que se associa de forma interdependente a de cultura tratam-nos como parte de um


outros inúmeros. Os instrumentos de políti- conjunto de ideias que podem ser agrupa-
ca pública referem-se ao substrato técnico, das com noções como república, democracia,
mas igualmente a esquemas organizacio- planejamento, avaliação e monitoramento.
nais, filosofias de gestão, filosofias políticas, Os planos e seus métodos seriam revelado-
e também a metas, indicadores, sistemas res dos desejos, interesses e orientações do
de informações, de financiamento etc. Os campo cultural no que se refere a diretrizes
instrumentos de política são técnicos, mas e orientações para a ação pública. Em con-
contêm uma visão conceitual, política, junto, isso tudo significa dizer que os planos
estratégica etc., e por isso provavelmente de cultura constituem uma peça política, um
serão objeto de controvérsias no âmbito consenso provisório no quadro de conflitos
da administração pública e dos movimen- e de antagonismos políticos. Sem discor-
tos artísticos, culturais e dar, propomos uma leitura
sociais, podendo ser mais Os instrumentos de política alternativa, com ênfase na
ou menos coerentes com são técnicos, mas contêm dimensão tecnopolítica.
o conjunto de opções rea- uma visão conceitual, De um lado, os pla-
lizadas. A publicização de política, estratégica etc., e nos de cultura interpelam
argumentos, no entanto, por isso provavelmente serão ideias gerais tentando co-
tem desdobramentos im- objeto de controvérsias no lonizar as forças políticas
portantes nas molduras da âmbito da administração em torno de uma cultura
ação, nos quadros de perti- pública e dos movimentos política comum. A função
nência e nas paisagens de artísticos, culturais e sociais seria político-ideológica,
sentido da experiência. estabelecendo as condi-
Assim, para explicitar a abordagem que ções de instauração de um conjunto de va-
se fará a respeito do PNC como instrumento lores e organizando o campo das lutas por
das políticas públicas culturais e como par- legitimidades globais. Ou seja, instituições
te de rearranjos das relações entre Estado e interesses heterogêneos são unificados por
e sociedade, nos deteremos rapidamente ideias gerais, em nome de certo conceito de
no conceito de instrumentação de políticas democracia, de uma visão específica de Es-
públicas. A intenção é dialogar com dois con- tado e de uma articulação simbólico-política
juntos de ideias: a) a dos planos de cultura particular sobre suas funções e valores.
como parte das estratégias discursivas de Nesse sentido, um conjunto de ideias
legitimação da ação pública, sem maiores permite unificar forças sociais em torno de
preocupações com as suas dimensões ma- noções comuns que estariam em disputa,
teriais e técnicas; e b) a dos planos como em contradição, ou aparente contradição,
parte de estratégias concretas, discursivas com outras. Assim, Estado e mercado, arte
e simultaneamente materiais da ação. e cultura popular, cultura de elite e sentido
Em geral, as análises dos planos ou mes- antropológico, popular nacional e interna-
mo dos processos de elaboração de planos cional, tradicional e moderno, consumismo
38 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

e valores autênticos etc. opõem atores e cam- diferença é que o terreno deve ser explorado
pos políticos no quadro da elaboração e da de forma mais concreta e estratégica, geran-
instauração de planos. do informações que permitam a discussão
Nesse caso, o que é importante é a con- das opções, dos seus limites e necessidades
formação de consensos provisórios em torno de ajustamentos.
de algumas poucas ideias comuns. Embora As ideias são importantes, mas as ma-
exista a possibilidade de estabelecimento de terialidades, a qualidade das opções e os ins-
diretrizes, objetivos, metas e prazos, a razão trumentos técnicos, os esquemas de ação e
mais importante não se relaciona com a im- a filosofia de articulação das ações também.
plementação de ações específicas, mas com Analisar a ação pública por seus instrumen-
a mobilização da opinião em torno daquelas tos não é algo usual. Lascoumes e Le Galès
ideias e dos valores que elas expressam. Os definem os instrumentos de políticas públi-
efeitos de consenso criam grupos, alianças cas da seguinte forma:
e oposições relativamente inerciais. Atores
muito díspares se encontram em formula- [...] o conjunto de problemas colocados na
ções estabilizadas de política, em princípios, agenda das políticas públicas e que impli-
diretrizes, objetivos, metas etc. cam o uso de ferramentas (orçamentação,
Por outro lado, os planos podem ser técnicas, meios, operações, dispositivos,
vistos como um conjunto de instrumentos projetos) que permitem materializar e ope-
de políticas públicas. Nesse caso, ideias ge- racionalizar a ação governamental.1
rais sobre o poder e a legitimidade podem
ser deixadas de lado em benefício da reso- Em geral, leis e normas, recursos econômicos
lução de problemas singulares, de ideias e fiscais, informações e comunicações são
ajustadas a campos particulares, de inte- instrumentos, e é raro que um programa de
resses articulados em torno de questões ações públicas use apenas um instrumento
específicas e de instituições concretas. operacional. Em geral, eles são múltiplos e
Nesse sentido, mais importantes do que interdependentes.2
a adesão a ideias configuradoras de posi- Diferentes trabalhos fizeram apresen-
ções político-ideológicas gerais seriam os tações do PNC e estabeleceram reflexões
instrumentos de política acionados para com distintos objetivos e métodos. Guilher-
cada conjunto de áreas e problemas. Os me Varella (2014)3 descreve-o do ponto de
consensos e dissensos são organizados em vista jurídico; Inty Queiroz (2019)4 estabe-
torno da instrumentação de ações públicas lece os enunciados do plano na arquitetôni-
delimitadas. Diretrizes, objetivos, metas e ca da esfera político-cultural; Albino Rubim
prazos são articulados com possibilidades (2008)5 tece considerações a respeito de
concretas de ação. inconsistências teórico-conceituais; Paula
Evidentemente, também a ação pública Félix (2008)6 contextualiza-o como parte de
implica apostas, mobilização de recursos, es- estilos de governo; e não podemos deixar de
tratégias, criação de ações de viabilidade. A remeter à avaliação qualitativa das metas e
PNC 2010-2020: REVISÕES NECESSÁRIAS Frederico Barbosa da Silva 39

do monitoramento do PNC realizada pela 2. O Plano Nacional de Cultura11


Universidade Federal da Bahia (UFBA). 7 Pode-se dizer que as ações públicas ex-
Pessoalmente, fiz incursões pelas metas do pressas nos planos de cultura mobilizam
PNC: em Barbosa da Silva e Labrea (2014), objetivos, configurações institucionais e
discuti a meta 23 [15 mil Pontos de Cultura instrumentos específicos em um conjun-
em funcionamento, compartilhados entre to de princípios, premissas valorativas,
Governo Federal, Unidades da Federação crenças, culturas políticas, mas também
(UF) e os municípios integrantes do Siste- de hipóteses práticas, metodologias e ins-
ma Nacional de Cultura (SNC)]; em Bar- trumentos que expressam orientações para
bosa da Silva (2016)8 e Barbosa da Silva e a ação em um conjunto mais amplo de pos-
Labrea (2014),9 contextualizamos a meta sibilidades, ou seja, opções, priorizações e
28 (aumento em 60% no número de pessoas apostas entre alternativas possíveis. Um
que frequentam museus, centro cultural, ci- plano pode optar por reconhecer todas as
nema, espetáculos de teatro, circo, dança demandas e possibilidades teóricas, mas,
e música); em Barbosa da sem fazer escolhas e, mais
Silva e Coutinho (2016),10 Um plano pode optar importante, escolhas viá-
descrevemos o compor- por reconhecer todas as veis, perde força como
tamento dos indicadores demandas e possibilidades instrumento concreto de
das metas 12 (100% das teóricas, mas, sem fazer ação e accountability.
escolas públicas de edu- escolhas e, mais importante, Analisar o PNC como
cação básica com disci- escolhas viáveis, perde força um conjunto de instru-
plina de Arte no currículo como instrumento concreto mentos implica tratá-lo
escolar regular com ênfase de ação e accountability não somente como um do-
em cultura brasileira, lin- cumento político e discur-
guagens artísticas e patrimônio cultural) sivo de pressão, de controle, de demanda ao
e 13 (20 mil professores de arte de escolas setor público e até de mobilização coletiva,
públicas com formação continuada), e os mas como um documento que orienta a ação
relacionamos com questões conceituais da e a avaliação ponderada da ação.
arte-educação. A avaliação – e o próprio funcionamento
Em razão da existência desse conjunto do plano – tem, nesse sentido, uma dimensão
de trabalhos, apenas sumariamos na seção crítica, não remete a um cinturão de defesa in-
seguinte a estrutura do PNC e na seção 3 transigente do que está colocado no plano, mas
discutimos as metas 11 (aumento em 95% tem a função de incrementar, ajustar e mudar
no emprego formal do setor cultural), 51 os rumos quando a experiência exige. A críti-
(aumento de 37% acima do PIB, dos recur- ca nesse caso chama a atenção para o experi-
sos públicos federais para a cultura) e 52 mentalismo e a necessidade de aprendizado e
(aumento de 18,5% acima do PIB da renún- aperfeiçoamento dos instrumentos de política.
cia fiscal do governo federal para incentivo O PNC é um instrumento importante
à cultura). para orientar, direcionar e priorizar ações
40 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

no campo das políticas culturais. Mais im- evidentemente, indica o papel da sociedade
portante, entretanto, é a possibilidade de com complementaridade do Estado e de suas
dotar essas políticas de uma linha estável ações para o desenvolvimento cultural, res-
de atuação na garantia de direitos culturais. peitados os valores fundamentais.
O PNC foi inscrito no artigo 215 da Consti- Na primeira década do século XXI,
tuição Federal pela Emenda Constitucional especialmente depois de 2003, apontou-se
no 48 e regulamentado pela Lei no 12.343, de repetidamente para as três dimensões da
2 de dezembro de 2010, como mecanismo de cultura que deveriam ser objeto de cuida-
articulação da União, dos estados, dos muni- dos por parte do poder público: a dimensão
cípios e da sociedade civil.12 Está previsto no simbólica, a cidadã e a econômica.
artigo 215 que: As possibilidades de planejamento con-
junto entre os níveis de governo já estavam
§ 3o A lei estabelecerá o Plano Nacional de expressas no texto constitucional, bem como
Cultura, de duração plurianual, visando ao de- os planos plurianuais já estavam informados
senvolvimento cultural do País e à integração por diretrizes organizacionais dos órgãos de
das ações do poder público planejamento, abertos às
que conduzem à: A constitucionalização possibilidades de integra-
I – defesa e valorização do PNC em dispositivo ção de ações entre as esferas
do patrimônio cultural específico fortaleceu a governamentais. Também já
brasileiro; intenção de que o pacto estavam previstos os meca-
II – produção, promoção e federativo se estendesse de nismos de participação so-
difusão de bens culturais; forma explícita ao campo cial, direito fundamental, e a
III – formação de pessoal cultural, além do fato de ter integração das ações, aspec-
qualificado para a gestão resultado de um processo to que decorre do fato de o
da cultura em suas múl- gradual, mais intenso, de Brasil se organizar na forma
tiplas dimensões; mobilização coletiva de um federalismo coopera-
IV – democratização do tivo. De qualquer maneira, a
acesso aos bens de cultura; constitucionalização do PNC em dispositivo
V – valorização da diversidade étnica e específico fortaleceu a intenção de que o pacto
regional. federativo se estendesse de forma explícita ao
campo cultural, além do fato de ter resultado
O PNC foi elaborado com ampla e ativa par- de um processo gradual, mais intenso, de mo-
ticipação da sociedade civil e assim se serviu bilização coletiva, talvez o aspecto crucial da
da escuta das demandas no campo das polí- construção do PNC, já que este envolve não
ticas culturais. Essa ampla participação se apenas instrumentos técnicos, mas a mobi-
reflete no escopo das demandas que abran- lização ampla de atores.16
gem a cultura como “sistema das artes”,13 Na verdade, a proposta do PNC confor-
“memória coletiva” e “modos de vida, sa- ma um vasto conjunto de conceitos, valores,
14

beres e fazeres populares e tradicionais”15 e, objetivos, estratégias e diretrizes, nem sempre


PNC 2010-2020: REVISÕES NECESSÁRIAS Frederico Barbosa da Silva 41

QUADRO 1: PNC CLASSIFICADO EM ESTRATÉGIAS, DIRETRIZES E OBJETIVOS

ESTRATÉGIAS DIRETRIZES E NÚMERO DE AÇÕES OBJETIVOS

1. Fortalecer a ação do • Instituições e mecanismos de integração Implantar o SNC, instituição de marcos


Estado no planejamento (25 ações) legais e participação da sociedade
e na execução das • Financiamento (19 ações) civil; desenvolvimento de sistemas
políticas culturais de informação, indicadores de
• Legislação (13 ações) avaliação, mecanismos de regulação
de mercado e territorialização das
políticas; aprimoramento das regras de
financiamento e definição de prerrogativas
e responsabilidades das esferas de governo

2. Incentivar, proteger e • Criação, conservação, preservação e Adequar a legislação e a institucionalidade


valorizar a diversidade valorização do patrimônio artístico e à convenção da diversidade da Unesco
artística e cultural cultural diversificado (43 ações)
brasileira • Estímulo à reflexão sobre as artes e a
cultura (21 ações)
• Valorização da diversidade (19 ações)

3. Universalizar o acesso • Fluxos de produção e de formação Criar condições para a formação artística
dos brasileiros à fruição de público (30 ações) e de público, bem como facilitar a
e à produção cultural • Equipamentos culturais e circulação disponibilização de meios de produção
da produção (22 ações) e difusão

• Estímulo à difusão através da mídia


(9 ações)

4. Ampliar a • Capacitação e assistência ao trabalhador Formação profissional; regulamentação


participação da cultura da cultura (18 ações) do mercado de trabalho; estímulo ao
no desenvolvimento • Estímulo ao desenvolvimento da investimento e ao empreendedorismo;
socioeconômico economia da cultura (35 ações) inserção de bens culturais nas dinâmicas
sustentável econômicas contemporâneas
• Turismo cultural (13 ações)
• Regulação econômica (13 ações)

5. Consolidar • Organização de instâncias consultivas Criar condições para cogestão


os sistemas de e de participação direta (18 ações) participativa das políticas com a
participação social • Diálogo com as iniciativas do setor sociedade; criar redes, canais de
na gestão das políticas privado e da sociedade civil (9 ações) acompanhamento e transparência
culturais

Fonte: Diretrizes Gerais para o Plano Nacional de Cultura (BRASIL, 2007; 2013). Elaboração do autor.

claros, a ser acompanhado e avaliado. O plano, o melhor do ponto de vista do compartilha-


suas estratégias e suas diretrizes formam um mento de métodos, de metas e de objetivos,
texto denso e dotado de certa coesão, embo- dados o alto grau de imprecisão e a latitude
ra os conceitos trabalhados em cada parte se semântica deixada a cada enunciado do pla-
desloquem por eixos semânticos instáveis, no. Ou seja, o que é bom para a poesia, para a
ou seja, mudem, ganhando nuances novas a literatura e para a filosofia nem sempre é bom
cada novo uso. Esse caminho nem sempre é para a clareza política.
42 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

No entanto, deve-se reconhecer que, do tem por finalidade a defesa de posições glo-
ponto de vista processual, isto é, do reconhe- bais, mas a demarcação de “complexidades
cimento do campo das políticas culturais, de no quadro de complexidades”, de tal forma a
seus objetos de ação e dos atores que ali estão poder avaliá-las de maneira empírica, a par-
se movimentando, há ganhos sensíveis, so- tir das evidências.
bretudo, em relação ao amplo arco de apoio Todos esses elementos sinalizam
e de alianças que vai se configurando para a questões simples. O sentido pragmático
mudança do padrão de comportamento do e os procedimentos político-técnicos dos
Estado em relação à cultura. Destacam-se, instrumentos situam-se no espaço da polí-
aqui, as cinco estratégias e suas respectivas tica, não podem ser naturalizados nem con-
diretrizes, pois estas permitem a visualiza- siderados neutros, pois têm consequências
ção das intenções e a apresentação do senti- nos resultados e na produção de grupos e
do geral que nutre o PNC. representações sociais (imagens, crenças e
As estratégias se desdobram em diretri- argumentações). Entretanto, mantêm exi-
zes, cada uma com um número específico de gências específicas relacionadas ao acom-
ações, enquanto os objetivos detalham um panhamento e à avaliação crítica e criteriosa
pouco a linha de ação das estratégias. De modo da qualidade e do alcance das ações e opções.
geral, estratégias, diretrizes e ações, embora Em um plano mais concreto, a análise
se repitam e sejam aparentemente fragmen- dos instrumentos permite dar outro passo.
tárias, apresentam uma visão de conjunto dos Reconhecer os limites dos instrumentos
problemas e dos desafios da área cultural. permite conceber novas configurações e
A par desse conjunto de considerações e arranjos entre eles, coordenando-os e arti-
descrições, pode-se afirmar que o PNC carrega culando-os de formas diferenciadas. O pla-
elementos constituintes: princípios, objetivos, nejamento permite a produção de esquemas
valores, metas e instrumentos de políticas. O de organização e a aplicação sequenciada de
plano pretende articular de forma sistemática instrumentos variados.
um conjunto de ações para a garantia de direi- A primeira coisa que devemos inter-
tos culturais e a realização de objetivos. Narra pretar são os sentidos dos indicadores das
um conjunto de hipóteses práticas e reúne 53 metas que compõem o PNC e o que deve-
meios para o atingimento de fins determinados riam ser. Lembremo-nos que o indicador é
politicamente, sendo sua duração de dez anos. um instrumento ou dispositivo que articula
Na verdade, a instrumentação das po- elementos representacionais, conceituais,
líticas é a concretização de teorias em ação, técnicos e, simultaneamente, explicações e
envolvendo dimensões cognitivas, hipóteses normas de ação; portanto, metas, indicadores
de ação, métodos e instrumentos. Trata-se de e argumentos estão conectados. Optamos por
uma questão política porque envolve a esco- analisar algumas poucas metas e seus indica-
lha de um regime de ação e não oblitera de dores, tanto na sua medida numérica quanto
forma alguma a política. Entretanto, também conceitualmente, ou seja, como dispositivo
não é uma racionalização a posteriori. Não técnico justificado argumentativamente.
PNC 2010-2020: REVISÕES NECESSÁRIAS Frederico Barbosa da Silva 43

3. As metas De maneira mais direta, é necessário


Para exemplificar alguns dos desafios que saber que papéis jogam os atores públicos
esperam o PNC, sua avaliação e revisão, es- na produção dos fenômenos medidos pelos
colhemos três metas. Os instrumentos de indicadores. Ou seja, qual é o papel concreto
política – repetimos, os dispositivos, como das ações públicas culturais para produzir
assinala Agamben – têm elementos discur- os efeitos desejados pelas metas e aferidos
sivos, interpretativos ou simbólicos inter- pelos indicadores. Da mesma forma, deve-se
dependentes, acoplados a materialidades.17 saber como acompanhar e calcular os indi-
Um instrumento e seus indicadores têm cadores, e como interpretá-los.
sentidos diferentes para os atores, sentidos A meta 11 trata da geração de empre-
que dependem de suas posições e estratégias, gos formais no Brasil: “aumento em 95% no
mas também do conjunto emprego formal do setor
de crenças, interesses e O monitoramento e a cultural”. Além disso, deter-
cálculos articulados às avaliação só atingem seus mina quantitativos, ou seja,
práticas institucionais.18 objetivos se forem capazes criar mais de 1,3 milhão de
Entretanto, o ponto de formalizar os problemas empregos formais no setor
central da avaliação é que e as soluções esperadas, cultural. Os formuladores
os instrumentos de política estruturando interpretações, foram cuidadosos, a base de
façam sentido para quem afastando o voluntarismo cálculo é a Relação Anual
conduz a ação e não apenas e o ativismo, aproximando de Informações Sociais
sejam capazes de produzir o problema de quem se (Rais), administrada pelo
um belo texto ou discurso. responsabiliza pela ação Ministério do Trabalho. A
As metas 11, 51 e 52 meta foi otimista, talvez ex-
são acompanhadas de indicador, metodolo- cessivamente, não importa. As expectativas
gia e argumentos que as justificam. São es- eram de que a economia mantivesse níveis de
sas conexões de sentido que discutiremos. É crescimento; a crise econômica e política já
interessante que todos os procedimentos de dava sinais, mas, de fato, era impossível in-
construção e interpretação das metas estejam corporar de maneira precisa todas as variá-
bem delimitados, inclusive a reflexão sobre veis de contexto. Sem questionar as escolhas,
quais são os agentes e os fatores causais res- que envolveram mobilização e debate entre
ponsáveis pelas mudanças socioeconômicas um sem-número de atores, podemos analisar
medidas pelo indicador. os dados do dinamismo do mercado de traba-
O monitoramento e a avaliação só lho, imaginando que a partir deles é possível
atingem seus objetivos se forem capazes questionar a escolha por metas, cujo com-
de formalizar os problemas e as soluções portamento se relaciona menos diretamen-
esperadas, estruturando interpretações, te com a ação dos setores da cultura e muito
afastando o voluntarismo e o ativismo, mais com processo de regulação, normatiza-
aproximando o problema de quem se res- ção e desenvolvimento econômico de setores
ponsabiliza pela ação. de mercado. Os impactos do financiamento
44 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

público são importantes, mas não são capa- COB. É necessário, entretanto, registrar al-
zes de mudar a dinâmica dos direitos sociais guns dados e dificuldades.
do trabalho, da sua proteção e, menos ain- O primeiro é que as classificações não
da, da sua gramática própria. Também não alcançam as atividades de terreno, tanto as
atingem de forma determinante a lógica do geradas por inovações tecnológicas quanto
trabalho artístico. Dessa forma, fazemos al- as que demandam mediadores, ou seja, ações
gumas colocações rápidas sobre essas carac- de planejamento e gestão das atividades.
terísticas e nos voltamos para os indicadores Em segundo lugar, não se captam fluxos de
de mercado de trabalho. Acreditamos que a entrada e saída de trabalhadores do merca-
melhor base de cálculo para as metas é a Pes- do de trabalho medido, nas transições por
quisa de Amostra Domiciliar (Pnad-C). diferentes trabalhos e atividades, ou seja,
As fronteiras entre campos profissio- o comportamento dos agregados não tem
nais da cultura são conceitual e empirica- correspondência – e esta sempre fora nossa
mente imprecisas. Autonomia, flexibilidade suspeita – com as atividades culturais como
e criatividade foram, no contexto da regu- um todo, caracterizadas por fluxos de en-
lação das relações entre capital e trabalho trada e saída, múltiplas funções e múltiplas
e da proteção legal dos direitos sociais, ou atividades cruzadas ou mesmo simultâneas
do capitalismo organizado, negativamente dos indivíduos. Ou seja, os dados não permi-
identificadas aos negócios, às habilidades tem dimensionar fluxos de indivíduos para
práticas gerenciais, aos valores e interesses o desemprego ou para outros trabalhos nem
do capitalista. No atual contexto são, inclu- no sentido inverso. Nenhuma fonte estatís-
sive, valorizadas ideologicamente.19 tica atual permite quantificar com clareza
As artes são caracterizadas pela multi- a insubordinada dinâmica das atividades e
funcionalidade, pela flexibilidade e pela inter- carreiras culturais, suas distribuições e a
mitência. Não há dúvidas sobre ser o trabalho intermitência.20
artístico, em geral, criativo. A questão ganha Não resolveremos o problema do di-
relevância quando flexibilização e criativida- mensionamento preciso das atividades e
de se aproximam da precarização e desprote- recursos mobilizados para a dinamização
ção. Já trabalhamos em inúmeras análises a dos mercados simbólicos, considerados
respeito das dinâmicas do trabalho cultural. de maneira restrita ou ampla, ou mesmo
Em todas elas, o fato mais marcante, entre ou- abrangendo a cultura com modos de vida,
tros, é verdade, como efeitos de composição e saberes e fazeres e criatividade como um
distribuição territorial, é o grande número e todo [esta abrangendo não apenas as tecno-
participação do número de trabalhadores na logias da informação e comunicação (TICs),
cultura. Essas análises são possíveis pela posi- mas alcançando a criatividade tecnológica,
tivação estatística, sendo construídas a partir organizacional e as várias habilidades de
de sistemas de classificação padronizados; os ação no espaço social]. Difícil imaginar a
quantitativos são tomados em base fixa, isto cultura como número fechado, e a reflexão
é, nas classificações da CNAE e CBO e, agora, a seguir não tem a intenção de insinuá-lo.
PNC 2010-2020: REVISÕES NECESSÁRIAS Frederico Barbosa da Silva 45

Discutiremos os pressupostos metodológi- trabalho (formas jurídicas e organizacionais


cos e os limites das informações e respon- das empresas e sistemas previdenciários e
deremos a algumas perguntas adicionais de proteção ao trabalho). Essas relações não
relativas a dinamismos culturais. são dadas e os dinamismos de mercado não
podem responder a demandas por aumento
3.1. Limites metodológicos da formalidade, especialmente quando as re-
(meta 11): as classificações, lações trabalhistas são crescentemente obje-
a composição do mercado de to de reformas que têm como consequência
trabalho cultural e os dinamismos a flexibilização e a desproteção. O trabalho
As evidências da literatura mais recente e de freelancers, autônomos e temporários é
mais específica sobre o tema do trabalho opção apenas em determinadas situações,
nos mercados culturais sugerem dinamis- mas em geral é constrangimento das estru-
mos variáveis entre segmentos da cultura e turações das atividades culturais.
não apenas heterogeneidades. Em um bre- As opções por flexibilidade, multiplici-
ve resumo, o mercado de trabalho cultural é dade e descontinuidade de vínculos são parte
determinado por considerações específicas das motivações, sentidos subjetivos e valora-
ligadas a incertezas, intermitências, reco- tivos dos atores sociais que se movimentam
nhecimento, prestígio, gerenciamento de na área cultural, mas é necessário também
portfólio, negociação de emprego, relações ampliar as bases empíricas “previstas” por
de rede, fomento público e outras interfe- essas hipóteses.
rências que carecem de maior investigação. Se os postos de trabalho em setores di-
Pesquisas recentes também sugerem desi- tos culturais crescem mais do que a presença
gualdades internas quanto a rendimentos e das ocupações ditas culturais na estrutura
formalização do trabalho.21 Nesse caso, são ocupacional, isso pode sugerir que o cresci-
necessários aprofundamentos para entender mento da cultura como atividade econômica
o funcionamento das redes e das estratégias nem sempre significa mais emprego para os
tomadas pelos atores, inclusive para “sobre- trabalhadores da cultura especificamente
viverem” no mercado de trabalho nos perío- – esse crescimento pode estar gerando um
dos de intervalo entre projetos. Um passo aumento proporcionalmente maior de ocu-
adiante seria tentar comparar dados estrutu- pações não relacionadas à cultura do que
rais dos mercados de trabalho propriamente de ocupações culturais. Como justificativa
culturais com dados de outros mercados para e orientação para direcionar investimentos
mensurar, de forma mais precisa, até onde para a cultura, o argumento não importa. A
vão essas diferenças no contexto brasileiro. cultura tem sabido efeito multiplicador em
Nesse sentido, valeria também levantar outras atividades. O que se discute é a meta,
novos dados que permitissem compreender não sua adequação, mas seu significado: o
as múltiplas atividades exercidas simulta- que ela mede. Valeria investigar melhor esse
neamente pelos atores e o papel das políti- eventual descompasso e problematizar suas
cas culturais no fomento e na proteção do decorrências, mas não cabe ingenuidade na
46 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

GRÁFICO 1: VARIAÇÃO TRIMESTRAL DO MERCADO DE TRABALHO CULTURAL – 2015-2018

8,0%
7,0%
6,1%
6,0%
5,0% 4,9%
4,1%
4,0% 3,6%
3,0% 2,5%
2,0%
2,0% 1,2% 1,0%
1,0%
0,0%
-0,1% -0,1% -0,1%
-0,6%-0,5% -0,6%
-0,2% -1,2% -1,6%
-0,3% -2,2%
-0,4% -3,1%
-0,5% -4,6%
-0,6%
-0,7% -6,2% Informal -6,3% Formal
-0,8%

Trimestre 1 – 2016 Trimestre 2 – 2016 Trimestre 3 – 2016 Trimestre 4 – 2016 Trimestre 1 – 2017

Trimestre 2 – 2017 Trimestre 3 – 2017 Trimestre 4 – 2017 Trimestre 1 – 2018 Trimestre 2 – 2018

Fonte: IBGE/Pnad-C 2015, 2016, 2017 e 2018. Elaboração do autor.

elaboração de metas, mesmo que elas se 2015 e, apenas de maneira muito tímida,
apresentem em forma de um grande oti- vislumbram-se mudanças nas expectativas.
mismo e numa aposta de valorização das Pela Pnad-C,22 o número de ocupados na
políticas culturais. Com esses valores com- cultura era de 7 milhões em 2015 e caiu para 6,7
partimos: a cultura vale em si e tem efeitos milhões em 2018. A informalidade23 aumentou
de transbordamento evidentes. em 4% e o emprego formal caiu 7%. A queda
Vamos ao comportamento do mercado nos empregos formais girava em torno de 314
de trabalho pela Rais. Nossos resultados são mil. A informalidade representava 31% do mer-
muito próximos dos usados para a constru- cado de trabalho no primeiro trimestre de 2016
ção da meta do PNC. Em 2006, o número de e 35% no primeiro trimestre de 2018. O gráfico
trabalhadores formais era de 1,381 bilhão, 4% 1 mostra as variações positivas e negativas en-
do total. Em 2015, dez anos depois, o número tre os trimestres. A parte informal da cultura,
total atingia 1,761 bilhão, 28% maior do que cerca de 30% do total, é mais dinâmica, e a for-
em 2006, mas com participação de 3,8% no malização envolve não apenas investimento,
total. Nesse período, foram criados 383.600 mas uma complexa reorganização na estru-
postos de trabalho formal, sendo que entre tura das relações de trabalho, configuração de
2012 e 2015 a queda no número de empregos marcos legais no âmbito do direito do trabalho
foi significativa (179 mil empregos formais). e previdenciário, bem como nos arranjos ins-
As expectativas não eram promissoras em titucionais e nos modelos de negócio da área.
PNC 2010-2020: REVISÕES NECESSÁRIAS Frederico Barbosa da Silva 47

3.2. Limites metodológicos na burocracia federal. Seja como for, a meta


(metas 51 e 52): contágio 52 enuncia aumentos também para os recur-
dos excedentes ideológicos sos da renúncia ou incentivos fiscais.
As metas 51 e 52 fazem parte de um contexto Assim, a meta 51 indica o aumento dos
bastante complexo de discussão do sistema recursos orçamentários diretos em 37% aci-
de financiamento cultural. A meta 51 tem, na ma do PIB e a renúncia fiscal em 18,5%. O
redação do PNC, “o objetivo de aumentar os texto das metas é mais claro quando afirma
recursos do Governo Federal para a área da que a meta 51 deve significar, em 2020, no
cultura, sem contar os recursos provenientes mínimo, 0,084% do PIB, numa projeção de
das leis de incentivos fiscais”. que os recursos atingiriam aproximadamen-
O objetivo principal de alguns dos ato- te 4,57 bilhões de reais; a meta 52 chegaria,
res presentes no contexto político e a for- em recursos da renúncia, a um total de apro-
mulação desses objetivos não implicavam ximadamente 1,68 bilhão de reais (eram de
um cálculo de conveniência ou de custo-be- 0,028% do PIB em 2010 e deveriam chegar a
nefício em relação à estrutura pluralista de 0,033% em 2020).
fontes de recursos que organizava o finan- Em 2018, o 0,084% do PIB significaria
ciamento. Buscava-se o fortalecimento do algo em torno de 5,7 bilhões de reais, enquan-
Estado e das políticas realizadas com fontes to os dispêndios observados foram da ordem
do orçamento direto do Fundo Nacional de de 2 bilhões de reais.
Cultura (FNC), inclusive partes desses re- Também nesse ano, a renúncia observa-
cursos seriam passíveis de deliberação nos da foi de 1,2 bilhão de reais, e a “fórmula de
órgãos coletivos de participação. A crítica cálculo”, caso aplicada a 2018 – e não a 2020
recorrente era a de que a renúncia (ou os –, já indicaria um valor de aproximadamente
incentivos fiscais) não seria objeto de de- 2,2 bilhões de reais. O erro não foi pequeno,
liberação pública, já que a decisão final de sobretudo se considerarmos que tivemos re-
investimento seria das empresas. cessão e crescimento negativo do PIB, algo
Então, a ideia de que os incentivos fis- imprevisível e inusitado nas condições de
cais funcionavam em benefício das empresas elaboração da meta.
e de “atores de mercado” era mais forte do Claro, os desejos, dos quais comparti-
que qualquer cálculo de conveniência, ou lhamos, falaram mais alto nas formulações
justificativas de outro tipo, como a garantia das duas metas, 51 e 52. A realidade causou
de uma pluralidade de fontes. Os incentivos surpresas, nem todas agradáveis, com a crise
seriam justificados por lógica concentradora, política, a desorganização das finanças pú-
por benefícios privados e por concentração blicas e o forte desajustamento econômico.
nas regiões mais ricas. Há toda uma evo- Os formuladores do PNC esperavam cresci-
lução da discussão da Lei Rouanet (Lei no mento de 4% ao ano. O crescimento do PIB
8.313/93) e de sua reforma que aponta para em 2014 foi de 0,5%, em 2015 foi de -3,5%, no
essa substituição como preferência dos ato- ano seguinte de -3,3% e voltou a crescer em
res importantes do período, especialmente torno de 1% a partir de 2017.
48 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Decerto, o aumento dos recursos finan- percentual significaria 2,2 bilhões de reais
ceiros para uma área tão importante é não em 2018.
apenas desejável, mas condição fundamental Podemos constatar que as expectativas
para seu desenvolvimento e amadurecimen- dos formuladores das metas 51 e 52 eram
to institucional, e inclusive deve ser acompa- corretas para o orçamento até 2013; no en-
nhado com preocupações com a qualidade tanto, há dúvidas de que o aumento esperado
dos dispêndios. Assim, a simplicidade e o tenha sido baseado na configuração real da
desenho mais direto e objetivo das metas economia ou do próprio orçamento, mesmo
são uma boa técnica para conformá-las como que as tendências não tivessem sido con-
“bons” instrumentos de políticas públicas. traditadas pelas crises política, econômica
O gráfico 2 apresenta os recursos do sis- e fiscal. As metas foram uma aposta política
tema de financiamento federal desde 1995. energicamente otimista.
Todavia, a construção da meta 52 é
completamente equivocada. O percentual 4. Considerações finais
de 0,033% do PIB corresponderia a 1,6 bilhão Não podemos finalizar a reflexão a respei-
de reais, como indicado no texto, mas signi- to do PNC restringindo-nos aos aspectos
ficaria usar no denominador da meta prati- da racionalidade tecnopolítica, apesar de a
camente a base do PIB de 2012. O mesmo considerarmos crucial. Do ponto de vista da

GRÁFICO 2: PARTICIPAÇÃO DOS RECURSOS ORÇAMENTÁRIOS E RENUNCIADOS NO PIB NA ÁREA


CULTURAL DO GOVERNO FEDERAL – 1995-2018

0,0450

0,0400

0,0350

0,0300

0,0250

0,0200

0,0150

0,0100

0,0050

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004200520062007 20082009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

% Renúncia PIB % Orçamento PIB

Fontes: Siafi/Senado; Salic/MinC; IBGE.


PNC 2010-2020: REVISÕES NECESSÁRIAS Frederico Barbosa da Silva 49

análise dos instrumentos de políticas, o PNC formação nos leva a construir disposições,
porta fragilidades que, esperamos, tenham se internalizar recursos e habilidades diferen-
tornado evidentes. Entretanto, esses não são ciadas (teorias, conceitos, métodos de pen-
os únicos usos atribuíveis aos instrumentos samento e planejamento, procedimentos de
de políticas públicas. Eles servem para fazer levantamento de informações, capacidades
outras coisas, relacionar atores, representar de testar hipóteses e dar redação a relató-
posições institucionais, mobilizar atores ex- rios); essas experiências também se rela-
ternos, criticar etc. cionam com sistemas de disposições mais
Há uma pluralidade de gramáticas e ou menos estruturados para analisar objeti-
processos de justificação das políticas, dos vamente situações, dados, informações, in-
seus objetivos e metas. Embora o repu- formantes, documentos, fontes, técnicas etc.
blicanismo, a democracia, a justiça como Assim, pode-se dizer que o PNC se con-
equidade, a crítica ao ca- figura em conjunto híbri-
pitalismo e ao mercado Do ponto de vista da análise do de apostas políticas,
sejam representações e dos instrumentos de políticas, não sendo o resultado de
valores recorrentemen- o PNC porta fragilidades que, vontades particulares
te mobilizados, talvez esperamos, tenham se tornado colocadas em contextos
outros interlocutores evidentes. Entretanto, esses não discursivos abstratos. O
ocultos fujam ao discur- são os únicos usos atribuíveis PNC movimentou meto-
so explícito e se configu- aos instrumentos de políticas dologias, instrumentos
rem em orientadores das públicas. Eles servem para de ação e informações
práticas e das decisões, fazer outras coisas, relacionar no contexto de muitas
como a consideração de atores, representar posições gramáticas atuacionais
posições de aliados pró- institucionais, mobilizar atores e, para quem o vivenciou,
ximos, de falas públicas externos, criticar etc. com muitos antagonis-
de lideranças, de adver- mos, mas com uma ebu-
sários reais e imaginários. Fazer política é lição criativa rara. De qualquer forma, como
também mobilizar, fazer alianças e oposi- toda peça política pode e deve ser objetivada,
ções. Além disso, quando se fala de arenas criticada, monitorada e discutida de forma
públicas, de espaço acessível a todos, esta- racional em seus pressupostos, mas também
mos falando de fóruns híbridos, em que a em seus objetivos e métodos. As direções para
racionalidade tecnopolítica, organizada em as políticas culturais são claras, tentam evitar
nome do bem público, é sensivelmente com- a lógica das descontinuidades, fragmentação,
plicada de ser encontrada em estado puro. descoordenação da articulação institucional.
Nem todos os atores envolvidos em po- Algumas imprecisões e improvisações ainda
líticas públicas têm os mesmos meios, isto é, marcam o PNC, mas nada como o rico processo
competências específicas, rigor intelectual de mobilização coletiva e discussão democrá-
(no sentido técnico e escolar), dado que a tica e participativa para alcançar os ideais de
estrutura de suas experiências, interesses e uma cultura política comum e solidária.
50 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Frederico Barbosa da Silva


Doutor em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

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VARELLA, G. Plano Nacional de Cultura: direitos e políticas culturais no Brasil. Rio de
Janeiro: Azougue Editorial, 2014.
PNC 2010-2020: REVISÕES NECESSÁRIAS Frederico Barbosa da Silva 51

Notas

1 Tradução livre e adaptada de: “nous entendons par instrumentation de l’action


publique l’emsemble des problèmes posés par le choix et l’usage des outils (des
techniques, des moyens d’opérer, des dispositifs) qui permettent de matérialiser
et d’operationaliser l’action gouvernementale” (LASCOUMES, P.; LE GALÈS, P.
L’action publique saisie par ses instruments. In: Gouverner par les instruments.
Paris: Les Presses Sciences PO, 2004. p. 12).

2 Idem, p. 14: “Aplicado ao campo político e à ação pública, daremos como


definição operacional de instrumento de política: um dispositivo técnico com
vocação genérica, portador de uma concepção concreta das relações política/
sociedade, sustentada por uma concepção da regulação. É possível diferenciar
os níveis de observação distinguindo: instrumento, técnica e ferramenta.
O instrumento é um tipo de instituição social (recenseamento, cartografia,
regulamentação, taxação etc.); a técnica é um dispositivo concreto que
operacionaliza o instrumento (a nomenclatura estatística, o tipo de figuração
gráfica, o tipo de lei ou decreto); enfim, a ferramenta é um microdispositivo no
interior de uma técnica (a categoria estatística, a escala de definição da carta, o
tipo de obrigação previsto por um texto, uma equação calculando um índice)”
(tradução livre dos autores).

3 Plano Nacional de Cultura: direitos e políticas culturais no Brasil. Rio de Janeiro:


Azougue Editorial, 2014.

4 A arquitetônica da esfera político-cultural brasileira nos enunciados do Sistema


Nacional de Cultura. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, 2019.

5 Plano Nacional de Cultura em debate. Políticas Culturais em Revista, 2(1),


p. 59-72, 2008.

6 Políticas nacionais de cultura: o documento de 1975 e a proposta do governo


Lula/Gil. Políticas Culturais em Revista, 2(1), p. 73-90, 2008.

7 Ver: Análise e avaliação qualitativa das metas e o monitoramento do Plano


Nacional de Cultura (PNC) / Ministério da Cultura. Secretaria da Diversidade
Cultural. Salvador: UFBA, 2018.

8 Políticas Sociais – acompanhamento e análise – cultura, n. 24, capítulo 5, 2016.


Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/politicas_
sociais/bps24_cap05.pdf>. Acesso em: 8 jan. 2021.
52 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

9 BARBOSA DA SILVA, F. A.; LABREA, V. (Org.). Linhas gerais de um planejamento


participativo para o Programa Cultura Viva. Brasília: Ipea, 2014. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/book_web_
redesenho_programa_cultura_viva.pdf>. Acesso em: 8 jan. 2021.

10 Arte, educação e a prova do pudim: entre os direitos públicos subjetivos e a


efetividade das políticas da arte. Texto para Discussão, n. 2.240. Brasília: Ipea,
2016. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_
content&view=article&id=28765&Itemid=406>. Acesso em: 8 jan. 2021.

11 Esta síntese foi publicada em Políticas Sociais – acompanhamento e análise –


cultura, n. 24, capítulo 5, 2016. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/
images/stories/PDFs/politicas_sociais/bps24_cap05.pdf>. Acesso em: 8 jan. 2021.

12 A Lei no 12.343/10 estrutura-se em quatro capítulos: atribuições do poder público,


financiamento, sistema de monitoramento e avaliação e disposições finais.

13 Música, dança, cinema, literatura e leitura, artes cênicas e teatro.

14 Patrimônio material e imaterial, museus e museus sociais.

15 Culturas indígenas, quilombolas, populares, ribeirinhas etc.

16 Esse processo resultou do trabalho da Câmara dos Deputados e do Ministério


da Cultura (MinC) que colocou em foco diretrizes gerais para o debate público.
Decorreram desse momento diversos seminários em cidades brasileiras durante
2008. Em 2009, foi apresentado o documento Por que Aprovar o Plano Nacional
de Cultura: Conceitos, Participação e Expectativas.

17 AGAMBEN, G. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Chapecó: Editora


Argos, 2010.

18 SUREL, Y.; PALIER, B. Les “trois I” et l’analyse de l’État en action. Revue Française
de Science Politique, v. 55, n. 1, février 2005, p. 7-32.

19 Ver: SENNET, R. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho


no novo capitalismo. São Paulo: Editora Record, 1999; e ______. Respeito: a
formação do caráter em um mundo desigual. São Paulo: Editora Record, 2004.

20 A nova estrutura das pesquisas domiciliares do Instituto Brasileiro de Geografia


e Estatística (IBGE), Pnad Contínua (Pnad-C), possivelmente nos permitirá
evidenciar algumas dessas dinâmicas.
PNC 2010-2020: REVISÕES NECESSÁRIAS Frederico Barbosa da Silva 53

21 Ver Barbosa da Silva, F. A. (2007) e Vasconcelos-Oliveira (2010).

22 As classificações que utilizamos não foram as mesmas para a construção


dos mercados de trabalho cultural na RAI e na Pnad-C. Os números não são
estritamente comparáveis, mas permitem elaborar algumas considerações.

23 Informais são: trabalhadores sem carteira + trabalhadores por conta própria,


que não têm inscrição de CNPJ + empregadores que não têm inscrição no
CNPJ + não remunerados.
54 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

2. EMERGÊNCIAS
E DESAFIOS PARA
UM NOVO PNC

55. HISTÓRIA E RESULTADOS


DO PLANO NACIONAL DE CULTURA
2010-2020 E O ANSEIO POR UM NOVO
E APRIMORADO PLANO
Claudinéli Moreira Ramos
EMERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA UM NOVO PNC Claudinéli Moreira Ramos 55

HISTÓRIA E RESULTADOS DO
PLANO NACIONAL DE CULTURA
2010-2020 E O ANSEIO POR UM NOVO
E APRIMORADO PLANO
Claudinéli Moreira Ramos

“Quem poderia afirmar que a eternidade de uma alegria poderia


compensar um instante da dor humana?”
(Albert Camus, A Peste)

O ensaio traz uma análise histórica da elaboração e do desenvolvimento do Plano Nacional


de Cultura (PNC) 2010-2020 e formula uma avaliação geral de suas 53 metas. Na sequência,
apresenta um balanço qualitativo dos avanços e limitações do plano, elaborado num exercício
coletivo de revisão e formulação de propostas para um novo PNC, levando em conta desafios
da conjuntura atual e os efeitos da pandemia de coronavírus que abalou o mundo em 2020.

E
screver sobre cultura, políticas de de política cultural enquanto tanta gente
cultura, planos de cultura e temas perdeu o emprego e muitos passam fome, e
afins na sequência de uma pande- a grave recessão instaurada compromete a
mia que instaurou estado de emergência em todos hoje e no futuro próximo e quem sabe
quase todos os países do mundo? Depois que até quando? Pois esta é exatamente a hora
um isolamento social se tornou mandatório de falar em políticas para a arte e a cultura.
em quase todas as cidades, como a princi- Tal afirmação não tem a ver com as lei-
pal medida de prevenção, portanto de segu- turas mais totalizadoras e generalizantes do
rança e sobrevivência, gerando efeitos sem conceito de cultura – que, numa frase, envolve
precedentes nos relacionamentos interpes- toda a produção e interação humana –, no sen-
soais e na economia das nações e alterando tido de pensar em ações culturais em todas as
a paisagem do mundo contemporâneo? Sim, áreas ou de analisar a característica cultural
isso pode parecer sem sentido num primei- de cada ação. Não que isso não tenha sua im-
ro momento. Falar de cultura quando tan- portância, mas o momento pede mais do que
tos milhares de pessoas morreram? Falar elucubrações sobre como as coisas poderiam
56 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

ser se tudo fosse diferente. Pensando numa raramente nos debruçamos em esmiuçá-la,
mirada mais pragmática e, simultaneamente, voltando esforços para transformar suas li-
mais estratégica, a perspectiva aqui proposta é ções em aprendizado e mudança planejada
a de reconhecer nas políticas públicas de cul- e posta em prática colaborativamente. Este
tura, a começar das já existentes, o potencial texto é uma tentativa nessa direção.
de contribuição para lidar com a penosa situa-
ção atual e, sobretudo, para nos organizarmos Histórico do PNC 2010-2020
melhor para o porvir de cada era, com suas e o desafio de cumprir o planejado
previsões e imprevistos, suas oportunidades e avaliar os resultados
e alegrias, dramas e dificuldades. Ainda em 2019, quando ninguém sonhava
Nestes tempos de coronavírus, é impor- que esse ano dataria a doença causada pelo
tante observar que essa hipótese incomum vírus em forma de coroa que seria conhe-
para a grande maioria dos brasileiros ganha cido pela sigla em inglês covid-2019 (de
cada vez mais adeptos entre médicos e pro- coronavirus disease 2019), o qual mudaria
fissionais das mais diversas especialidades o rumo do mundo em 2020, começamos a
do corpo e da mente, bem como das áreas idealizar um número da Revista Observa-
de segurança pública e tório que pudesse proble-
educação, e dialoga com a Falar de cultura quando tantos matizar a finalização do
necessidade de haver um milhares de pessoas morreram? ciclo decenal de um plano
repensar da formação Falar de política cultural nacional de cultura brasi-
do ser humano, do nosso enquanto tanta gente perdeu o leiro, o PNC 2010-2020.
impacto no planeta e das emprego e muitos passam fome, Tal como aconteceu
formas como as pessoas e a grave recessão instaurada em diversos outros paí-
se relacionam na condi- compromete a todos hoje e no ses, também no Brasil a
ção de indivíduos, grupos, futuro próximo e quem sabe até discussão sobre cultura
corporações e nações. quando? Pois esta é exatamente como política pública teve
A provocação aqui a hora de falar em políticas para impulso no século XX,
proposta, pois, envolve a arte e a cultura especialmente a partir da
perguntar: de que ma- Segunda Guerra Mundial.
neira a política cultural pode se tornar uma Mas as especificidades da nossa história não
ferramenta de enfrentamento da crise e uma contribuíram para que a pauta cultural fosse
alternativa de planejamento do futuro? Gi- elevada ao patamar das políticas estratégicas
rando a roda da história, a resposta buscada nem mesmo fosse considerada das pautas
passa por um questionamento sobre como mais relevantes para o desenvolvimento do
estava o mundo até aqui, pela reflexão acerca país, em termos de investimento e prioriza-
do momento em que estamos e pelo compar- ção. Antes o contrário. Mesmo quando os
tilhamento de visões a respeito de para onde discursos oficiais passaram a incluir temas
queremos ir. Essa é a velha fórmula, conhe- ligados às artes e à cultura, o que se forta-
cida por todos. Clichê, até. O problema é que leceu pelo menos desde a vinda da corte
EMERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA UM NOVO PNC Claudinéli Moreira Ramos 57

portuguesa em 1808, com várias ações sig- apropriação da cultura popular como repre-
nificativas em termos de políticas oficiais sentação de uma nação unificada.1
realizadas desde então, essa pauta foi aces- Práticas de censura a produções cul-
sória e ornamental. turais consideradas de oposição ao governo
Isso começaria a mudar um pouco nos ou prejudiciais à “cultura nacional” e ao sa-
anos 1930, sob influência da Revolução de neamento moral e ético da sociedade, asso-
1930, com a criação de órgãos nacionais da ciadas ao investimento em infraestrutura
radiodifusão educativa, do cinema educati- de telecomunicações e ao favorecimento
vo, do patrimônio histórico, do teatro e do da consolidação da indústria cultural no
livro, além da incorporação de instituições país, foram marcas da política cultural da
remanescentes do império, como a Bibliote- ditadura militar, no bojo das políticas de
ca Nacional, o Museu Histórico Nacional e integração e segurança nacional alinhadas
o Museu Nacional de Belas Artes, e também a estratégias de modernização. Esse alinha-
da criação do Conselho Nacional de Cultura. mento também levou à criação de órgãos go-
E mudaria mais na ditadura militar, iniciada vernamentais voltados para o planejamento
em 1964, com a criação do Conselho Federal e a implementação da política cultural ofi-
de Cultura (1966), e especialmente a partir cial, o que fortaleceu o controle estatal sobre
de 1975, com a Política Nacional de Cultura, a produção e a circulação de bens culturais,
implantada no bojo do segundo Plano Na- reforçando uma centralização caracterís-
cional de Desenvolvimento, com o objetivo tica dos governos autoritários.2 Ao mesmo
geral de “apoiar e incentivar as iniciativas tempo que reconhecia e dava visibilidade
culturais de indivíduos e grupos e zelar pelo ao campo cultural, a ditadura militar criava
patrimônio cultural da Nação, sem interven- mecanismos para controlá-lo ou, no míni-
ção do Estado, para dirigir a cultura” (BRA- mo, circunscrevê-lo.
SIL, 1975, p. 5). A Política Nacional definia As ações fragmentadas e as experimen-
cultura brasileira como sendo “aquela cria- tações locais e regionais que marcaram os
da, ou resultante da aculturação, partilha- períodos anteriores na área de artes e cultura
da e difundida pela comunidade nacional” eram, assim, substituídas pelo novo direciona-
(BRASIL, 1975, p. 16) e indicava o que seria a mento dado pelo governo autoritário, consoli-
política de cultura, os fundamentos legais da dando uma política cultural nacional. Por sua
atuação do governo nesse campo, especial- vez, zeloso de melhorar sua imagem enquanto
mente do Ministério de Educação e Cultu- dava início aos preparativos para conduzir a
ra, especificando os objetivos, componentes, abertura democrática, o governo ditatorial
ideias, programas e as formas de ação dessa criou e reorganizou órgãos (como a Funarte, a
política. Sob a defesa do engrandecimento Embrafilme e o Serviço Nacional de Teatro) e
do homem brasileiro, esse documento atua- conselhos (como o Conselho Nacional de Cine-
va na suavização ou mesmo no ocultamento ma e o Conselho Nacional de Direito Autoral),
das desigualdades sociais, e numa constru- que estabeleceram as bases do que viria a ser, a
ção da personalidade nacional a partir da partir de 1985, o Ministério da Cultura (MinC).
58 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Vale destacar que, apesar da atenção da legislação, da fiscalização e das políticas


dada à área cultural, o desenvolvimento da públicas nas 3 áreas” e “2) propor alterações
política de cultura no período ditatorial não na legislação que atendam às necessidades
foi linear nem homogêneo, sendo igualmen- nacionais, nas áreas de Educação, Cultura
te marcado pela característica frequente e Desporto”.
nos diversos períodos anteriores (e poste- O principal resultado desse evento foi
riores) de pouca alocação de recursos, não a divulgação da Carta de Brasília, com dez
raro seguida da retirada dos poucos recur- propostas – seis ligadas à educação, duas ao
sos provisionados. desporto, uma transversal, em prol da viabili-
Com a abertura democrática nos anos zação de políticas públicas para a diversidade
1980, a política cultural ufanista e interven- e a inclusão social nas três áreas, e uma para
cionista do período militar foi imensamente a cultura, que pretendia a “consideração da
criticada, num conjunto de movimentos que cultura como política de Estado e fator fun-
deram início ao que viria a ser o Plano Na- damental para o desenvolvimento social e
cional de Cultura. Foi uma trajetória turbu- econômico e a construção da cidadania”.
lenta. Durante a segunda metade dos anos Imbuídos desse espírito, o deputado fe-
1980 e a década de 1990, a grave instabili- deral Gilmar Machado (PT/MG), autor da
dade econômica e as crises e alternâncias proposição e presidente da comissão acima,
políticas impuseram a tônica do período, e o e a deputada federal Marisa Serrano (PSDB/
Ministério da Cultura foi rebaixado à Secre- MS) apresentaram, em 29 de novembro de
taria de Cultura vinculada à Presidência da 2000, a Proposta de Emenda Constitucional
República em 1990, na gestão de Fernando (PEC) no 306/2000, solicitando a inclusão
Collor de Mello, voltando ao status de mi- de um terceiro parágrafo no artigo 215 da
nistério em 1992, já no governo de Itamar Constituição Brasileira, para determinar
Franco. A partir de então, a estabilidade o estabelecimento do “Plano Nacional de
promovida pelo Plano Real e pelas duas Cultura, de duração plurianual, visando ao
presidências consecutivas de Fernando desenvolvimento cultural do País e à inte-
Henrique Cardoso, do Partido da Social De- gração das ações do Poder Público”.
mocracia Brasileira, pavimentou o trajeto Apresentada com 177 assinaturas, cinco
para que a organização em torno da pauta dias após a publicação da Carta de Brasília,
cultural ganhasse novo impulso. a PEC no 306/2000 tramitou por dois anos
Canalizando parte das demandas, a Co- na Câmara dos Deputados, até ser aprovada
missão de Educação, Cultura e Desporto da por unanimidade nos dois turnos em julho de
Câmara de Deputados realizou, em 22, 23 2003. Seguindo para o Senado, onde passaria
e 24 de novembro de 2000, a I Conferência a ser a PEC no 57/2003, a proposta tramitou
Nacional de Educação, Cultura e Desporto: pelas comissões dessa casa por mais dois
Desafios para o Século XXI, mobilizando anos, novamente sendo aprovada por una-
parlamentares artistas, intelectuais e in- nimidade nos dois turnos de votação em
teressados para: “1) analisar os resultados junho de 2005. É significativo observar que,
EMERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA UM NOVO PNC Claudinéli Moreira Ramos 59

nas fases de tramitação, o texto entrou e saiu Ainda em 2005, foram oficialmente
de discussão diversas vezes, com adiamen- estabelecidas instâncias consultivas do
tos por motivações variadas, sem que fosse CNPC, as chamadas Câmaras Setoriais, dos
apresentada nenhuma alteração da redação segmentos de artes visuais, circo, dança, li-
original, que acabou sendo aprovada como vro e literatura, música e teatro, no intuito
Emenda Constitucional no 48. de ampliar os canais de diálogo entre o poder
A eleição do presidente Luiz Inácio público e representantes dos campos artís-
Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, ticos na elaboração de políticas setoriais e
em 2002 trouxe especial estímulo à pauta transversais de cultura. A atuação sistemáti-
cultural nesse cenário, com um amplo con- ca dessas câmaras trouxe o segundo conjunto
junto de medidas e discussões públicas. En- de subsídios para a elaboração do PNC.
tre elas, paralelamente ao trânsito da PEC No mesmo ano, entre setembro e de-
no Congresso, o MinC realizou em 2003 o zembro, mais de 400 encontros municipais,
Seminário Cultura para intermunicipais, estaduais e
Todos, com 20 encontros Por sua vez, apesar setoriais somados a uma ple-
por todo o país, que reuni- de a discussão de um nária nacional conformaram
ram produtores, artistas, plano nacional estar em a I Conferência Nacional de
empresários, gestores e andamento, uma nova Cultura [CNC (http://cnpc.
interessados em debater proposta de emenda cultura.gov.br/wp-content/
as políticas e o modelo de constitucional foi lançada uploads/sites/3/2017/03/
financiamento da cultura. para instituir o Sistema ANAIS-I-CNC_1%C2%AA
Os registros desses eventos Nacional de Cultura -PARTE.pdf )], outro com-
compuseram os primeiros ponente previsto na PEC do
subsídios para o PNC. SNC, mobilizando nesse período mais de 60 mil
Por sua vez, apesar de a discussão de pessoas, incluindo gestores de cerca de 1.200
um plano nacional estar em andamento, uma municípios, de 19 estados e do Distrito Federal,
nova proposta de emenda constitucional foi segundo dados do Ministério da Cultura.
lançada para instituir o Sistema Nacional de A transcrição dos resultados dessa con-
Cultura, do qual o PNC seria um dos pilares. ferência deu origem à primeira proposta de
Assim, a PEC no 416 foi apresentada pelo de- PNC, apresentada pelos deputados federais
putado Paulo Pimenta (PT/RS) em junho de Gilmar Machado (PT/MG), Paulo Rubem
2005. Logo depois, em 24 de agosto do mes- Santiago (na época PT, atualmente PDT/PE) e
mo ano, o Decreto Federal no 5.520/2005 vi- Iara Bernardi (PT/SP), sob a forma do Projeto
ria a instituir o Sistema Federal de Cultura de Lei no 6.835, em março de 2006. Na sequên-
(SFC) e determinar a composição e o fun- cia, o Ministério da Cultura iniciou a elabora-
cionamento do Conselho Nacional de Polí- ção das diretrizes gerais do PNC, com base em
tica Cultural (CNPC), outro pilar previsto diversos materiais (propostas das Câmaras
na proposta de implementação do Sistema Setoriais, relatórios da primeira CNC, relató-
Nacional de Cultura. rios de seminários, documentos do ministério,
60 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

estudos produzidos por intelectuais, suges- ao texto substitutivo do Projeto de Lei do


tões de gestores públicos e privados, pesquisas PNC, que tramitava em caráter conclusivo
estatísticas e o conteúdo de oficinas de traba- na Câmara. Um novo substitutivo foi apre-
lho), que seriam condensadas na publicação sentado com seu anexo, contemplando eixos
Plano Nacional de Cultura: Diretrizes Gerais, gerais organizados em estratégias, diretri-
divulgada em 18 de dezembro de 2007. Nesse zes e ações.
mesmo ano, a Câmara dos Deputados forma- Foi então realizada a II Conferência Na-
ria sua Subcomissão Permanente de Cultura, cional de Cultura (http://cnpc.cultura.gov.br/
responsável pela realização de uma série de ii-conferencia-nacional-de-cultura/), tendo
audiências públicas para o debate de propos- entre seus principais objetivos a intenção de
tas para o PNC. “propor estratégias para a
Paralelamente, foi O conselho constituiu uma implementação, acompa-
instalado o CNPC no final comissão temática para o nhamento e avaliação do
do ano, com caráter con- PNC, produzindo um trabalho PNC e recomendar meto-
sultivo e deliberativo. O de ampla participação da dologias de participação,
conselho constituiu uma sociedade civil, que levou diretrizes e conceitos para
comissão temática para à revisão das diretrizes do subsidiar a elaboração dos
o PNC, produzindo um PNC e à publicação, em agosto Planos Municipais, Esta-
trabalho de ampla par- de 2008, de uma segunda duais, Regionais e Setoriais
ticipação da sociedade edição, revista e atualizada, de Cultura”. Ocorrendo em
civil, que levou à revisão do documento Plano Nacional março de 2010, a II CNC
das diretrizes do PNC e de Cultura: Diretrizes Gerais envolveu, segundo o MinC,
à publicação, em agosto 3.200 municípios e 225 mil
de 2008, de uma segunda edição, revista e participantes, evidenciando o crescimento e
atualizada, do documento Plano Nacional a força da mobilização dos setores culturais.
de Cultura: Diretrizes Gerais. Pouco tempo depois, em maio de 2010,
Ao longo de 2008, foram ainda realiza- o projeto de lei teve aprovação unânime na
dos Seminários Estaduais do Plano Nacional Câmara dos Deputados, seguindo para o Se-
de Cultura em todas as capitais do país, mo- nado, onde tramitou com celeridade. Em 2 de
bilizando gestores de instituições culturais dezembro de 2010, a Lei no 12.343 instituiu
públicas, privadas e civis, produtores, artis- o Plano Nacional de Cultura e criou o Siste-
tas e representantes de movimentos cultu- ma Nacional de Informações e Indicadores
rais, além de representantes do MinC e da Culturais (SNIIC). Novamente aprovado por
Câmara dos Deputados. A criação de uma unanimidade, o projeto contou com apenas
página web para contribuições nesse mes- um veto do presidente Luiz Inácio Lula da
mo ano completaria o esforço de ampliar a Silva, referente ao dispositivo que previa o
participação social no processo. estabelecimento de critérios para a valoriza-
Todas essas contribuições foram reuni- ção da diversidade cultural nos mecanismos
das e organizadas pelo MinC e incorporadas de avaliação, regulação e gestão dos meios de
EMERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA UM NOVO PNC Claudinéli Moreira Ramos 61

comunicação, especialmente internet, rádio Coordenação-Executiva do PNC no Minis-


e televisão, e que foi considerado como aber- tério da Cultura, sendo ouvido o CNPC. Para
tura de precedente para o controle dos meios viabilizar a correta análise dessas metas, é
de comunicação – pauta sempre polêmica importante observar que 16 delas são de res-
no país. ponsabilidade exclusiva do MinC, 11 depen-
A Lei do PNC 2010-2020 estabeleceu dem de parceria com outros órgãos federais
como sua finalidade o planejamento e a im- e 26 têm sua realização condicionada à res-
plementação de políticas públicas de longo ponsabilidade compartilhada entre a União,
prazo, com duração de dez anos, para o campo estados, Distrito Federal e municípios.
cultural, a partir de 12 princípios e 16 objeti- Os pressupostos de construção do PNC
vos, norteados por 5 eixos gerais: buscaram contemplar o campo cultural em
três dimensões: a cultura como expressão
• fortalecer a ação do Estado; simbólica; a cultura como direito de cida-
• reconhecer a importância da diver- dania; e a cultura como potencial para o de-
sidade cultural; senvolvimento econômico. As estratégias
• universalizar o acesso à cultura; desenvolvidas pelo MinC para sua efetivação
• promover a economia da cultura; visavam ao fortalecimento da gestão cultural
• promover a participação social na e da participação social.
elaboração das políticas culturais. Um passo importante nessa direção
foi a aprovação da PEC no 416/2005, em
Determinando que o Sistema Nacional de 30 de maio de 2012, convertida na Emenda
Cultura, a ser criado por lei específica, seria Constitucional no 71, que acrescentou o ar-
o principal articulador federativo do PNC, tigo 216-A à Constituição Federal, criando
por meio de mecanismos de gestão compar- o Sistema Nacional de Cultura, organizado
tilhada entre os entes federados e a socie- em regime de colaboração descentralizada
dade civil, a lei também fixou as atribuições e participativa, para instituir um processo
do poder público, definiu os mecanismos de gestão e promoção conjunta de políticas
de financiamento e o sistema de monitora- públicas de cultura, democráticas e perma-
mento e avaliação, e indicou a necessidade de nentes, pactuadas entre os entes federados
estabelecimento de metas prioritárias para e a sociedade, com o objetivo de promover o
contemplar a amplitude e a diversidade dos desenvolvimento humano, social e econômi-
aspectos abarcados no PNC, estruturado em co com pleno exercício dos direitos culturais.
36 estratégias e 274 ações. A emenda constitucional fundamentou
Nessa direção, uma portaria da mi- o SNC na Política Nacional de Cultura e nas
nistra Ana de Holanda, publicada em 13 de diretrizes estabelecidas no PNC, assentando
dezembro de 2011, objetivou organizar e seus princípios e uma complexa estrutura
direcionar as reivindicações, para torná-las para seu funcionamento. Determinou, ain-
viáveis, estabelecendo as 53 metas do PNC, da, que ele deveria ser regulamentado por
que foram fruto do trabalho do órgão de uma lei que também dispusesse sobre sua
62 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

articulação com os demais sistemas nacio- não prosperaram. O último tramitou por três
nais ou políticas setoriais de governo. anos apenas na Câmara dos Deputados, sen-
A III Conferência Nacional de Cultu- do arquivado em 31 de janeiro de 2019, com
ra foi realizada entre 26 e 29 de novembro base no dispositivo que permite o arquiva-
de 2013 (http://cnpc.cultura.gov.br/iii- mento de proposições da legislatura anterior
conferencia-nacional-de-cultura/), após que estejam em tramitação nos termos do
1.794 conferências municipais, intermunici- artigo 105 do Regimento Interno da Câmara
pais, territoriais, regionais, estaduais e livres, dos Deputados.
que envolveram 2.991 municípios e mais de Ainda assim, pelo menos 15 estados,
450 mil pessoas, segundo o Ministério da além do Distrito Federal, e mais de 600 mu-
Cultura. Com o tema “Uma política de Esta- nicípios criaram seus respectivos sistemas
do para a cultura: desafios do Sistema Nacio- de cultura por meio de leis próprias,3 avan-
nal de Cultura”, a III CNC reuniu em Brasília çando também na criação de seus planos
1.745 pessoas, entre delegados, convidados, estaduais, distrital e municipais de cultura.
observadores e profissionais (imprensa, ex- Certamente, além da militância de
positores e pessoal de organização e apoio), contingentes de base dos setores culturais,
com o objetivo de promover a participação o sucesso do arcabouço legal criado pelo ex-
social na reflexão, no diálogo e na construção tinto Ministério da Cultura para estados e
de prioridades públicas acerca das diretrizes e municípios teve bastante relação com a de-
estratégias para a implementação do sistema fesa institucional feita pelo MinC, associada
e do alcance e revisão das metas do PNC, va- à promessa de recursos, prevista nos meca-
lendo observar que a Lei do Plano previa essa nismos constitucionais de financiamento do
revisão periodicamente, sendo que a primeira SNC. Entretanto, a falta de regulamentação
deveria ocorrer em quatro anos, para atuali- da lei federal fez com que a articulação entre
zação e aperfeiçoamento de suas diretrizes e os vários sistemas federativos acabasse não
metas. Sessenta e quatro proposições resulta- ocorrendo, o que enfraqueceu a defesa desses
ram da III Conferência Nacional, entre elas 20 sistemas locais.
priorizações indicadas para a revisão do PNC. Em que pese o cenário de retrocesso, o
Apesar do texto constitucional e das assunto nunca foi completamente esquecido,
mobilizações subsequentes, a implantação como demonstram a tentativa de retomada
do SNC acabou não sendo efetivada na prá- do PL de 2016 como Projeto de Lei no 1.801,
tica, porque a lei regulamentadora nunca foi de 27 de março de 2019, feita pelo deputado
sancionada. Com efeito, tanto o Projeto de federal Luiz Lima (PSL/RJ), e a tentativa
Lei Complementar no 338, de 3 de outubro de de retomada do PL de 2013 como Projeto
2013, de autoria do deputado Paulo Rubem de Lei no 1.971, de 2 de abril de 2019, feita
Santiago (PDT/PE), como o Projeto de Lei no pelo deputado Chico D’Angelo (PDT/RJ).
4.271, apresentado em 2 de fevereiro de 2016, Ainda assim, a perspectiva de estruturação
pelo deputado João Derly (Rede/RS), para da Política Nacional de Cultura por meio do
regulamentar o Sistema Nacional de Cultura, SNC parecia cada vez mais distante, dada a
EMERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA UM NOVO PNC Claudinéli Moreira Ramos 63

atuação refratária do Executivo federal às Essa constatação demonstra que a resis-


políticas culturais recentes e fortemente tência dos trabalhadores do setor cultural
crítica da área cultural de modo geral. Até estatal por vezes consegue firmar conquistas
que o contexto da pandemia de coronavírus ou evitar maiores perdas, ainda que na con-
reativou uma ampla mobilização de setores tramão dos direcionamentos hierárquicos
culturais, sobretudo devido à exclusão de tra- principais. Ou, numa leitura mais otimista,
balhadores da cultura do auxílio emergencial talvez se possa vislumbrar ali a semente de
derivado das medidas excepcionais de pro- uma política de Estado capaz de sobressair-
teção social adotadas no enfrentamento do -se às políticas de governo.
surto de covid-19. De todo modo, mesmo essa avaliação
Numa articulação sem precedentes, fica prejudicada por outro fator que, somado
sobretudo pela capacidade de sensibilizar à ausência de regulamentação da Lei do SNC,
a população e o Congres- comprometeu o sucesso
so Nacional a distância, Até que o contexto da pandemia do PNC 2010-2020: a pou-
praticamente apenas de coronavírus reativou uma ca repercussão e efetivida-
por meio de recursos di- ampla mobilização de setores de de seu monitoramento
gitais, o movimento do culturais, sobretudo devido e avaliação parametrizada
setor cultural culminou à exclusão de trabalhadores da nos entes federados e em
no sancionamento da Lei cultura do auxílio emergencial todas as políticas setoriais
Aldir Blanc e na retoma- derivado das medidas de cultura ao longo dos
da de várias pautas da excepcionais de proteção social anos de implementação.
política cultural previs- adotadas no enfrentamento do Vale registrar que
ta constitucionalmente, surto de covid-19 não faltaram esforços para
como as conferências de a coleta e sistematização
cultura e a regulamentação do Sistema Na- de dados. Porém o Plano Nacional, cuja téc-
cional de Cultura. O Projeto de Lei no 3.139, nica de redação refletiu a opção por abranger
de 4 de junho de 2020, apresentado pelo se- a maior multiplicidade de vozes e demandas,
nador Jader Barbalho (MDB/PA), retomou pagou o preço dessa escolha, na forma de
no Congresso esse debate. estratégias, ações e metas de formulações
Nesse contexto, esforços irregulares variadas, por vezes genéricas ou falhas, de
foram sendo envidados nos diversos entes difícil acompanhamento. Além disso, a fal-
federados e nas distintas políticas setoriais. ta de continuidade das próprias medidas de
É válido destacar, por exemplo, que as áreas monitoramento do MinC, com destaque para
de museus e de bibliotecas/livros/leitura falhas estruturantes na construção e atuali-
mesmo no âmbito federal continuaram em- zação do SNIIC,4 contribuiu para gerar refe-
penhadas na execução de seus planos dece- renciais diversos e pontuais, não permitindo
nais, ora com maior, ora com menor apoio que séries históricas confiáveis e consisten-
governamental, mas em geral focadas no tes fossem estruturadas e disponibilizadas
cumprimento de suas metas respectivas. ao público. Novamente, o clássico problema
64 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

de tratamento dos dados comprometeu a boa independentes do Ministério da Cultura ou


gestão do monitoramento e avaliação: falta- contando apenas com o apoio institucional
ram tanto a definição qualificada e amigável deste, como as pesquisas TIC Cultura, realiza-
(para facilitar seu uso) de conceito, fonte e das pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil,
periodicidade dos dados quanto seu geren- e as pesquisas sobre os hábitos culturais dos
ciamento técnico adequado. brasileiros realizadas pela empresa J Leiva ou
Apesar disso, é necessário salientar a pelo Serviço Social do Comércio. Lançado em
quantidade e diversidade de registros dispo- abril de 2020, o Painel de Dados do Observa-
níveis para o estudo das políticas culturais no tório Itaú Cultural (OIC) avança na direção de
período, e o esforço feito pelo MinC de con- se consolidar como uma fonte confiável e con-
ciliar dados de diversas outras fontes oficiais sistente para quem busca informações atuali-
para qualificar as análises, valendo destacar zadas sobre financiamento público à cultura,
as plataformas do Sistema Integrado de Ad- mercado de trabalho e empreendimentos no
ministração Financeira do Governo Federal campo cultural e comércio internacional de
(Siafi), do Sistema de Convênios (Siconv), do produtos e serviços criativos.
Sistema de Georreferenciamento (GEOCaps) Apesar da contribuição de todos esses
e do Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à dados e estudos para a compreensão do
Cultura (Salic), essa última uma das mais campo cultural brasileiro, a falta de uma
acessadas por pesquisadores ou agentes do estratégia coesa e continuada de moni-
setor que atuam com as leis de fomento. toramento voltada para o Plano Nacional
Além disso, uma série de pesquisas de Cultura é uma das principais razões da
feitas em parceria com órgãos públicos e dúvida quanto à efetividade alcançada pelo
outras instituições ampliou a qualidade PNC em sua implementação. Mais que isso,
das informações culturais nos últimos anos, o próprio ministério parece ter sucumbido
merecendo citação, entre outras: as diversas às críticas aos problemas metodológicos da
pesquisas feitas pelo Instituto de Pesquisa elaboração das estratégias, ações e metas,
Econômica Aplicada (Ipea), como a pes- que, ainda que sejam procedentes, não deve-
quisa Frequência de Práticas Culturais; a riam ganhar mais destaque que as próprias
pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do realizações obtidas. De todo modo, o gover-
Instituto Pró-Livro (IPL); as Pesquisas de no federal elaborou anualmente relatórios
Informações Básicas Municipais (Munics) de acompanhamento das metas, e a maioria
e Estaduais (Estadics), do Instituto Brasi- deles segue disponível on-line.5
leiro de Geografia e Estatística (IBGE); e a Paralelamente a esse acompanhamento
Pesquisa do Índice de Competitividade do anual, o MinC iniciou vários trâmites para a
Turismo Nacional, patrocinada pelo Minis- primeira revisão do PNC, prevista para 2014,
tério do Turismo. abordando o assunto na III CNC, como já
Também contribuíram significativa- citado, mas também realizando várias reu-
mente para ampliar o conhecimento do setor niões internas e constituindo um grupo de
cultural iniciativas de outras organizações, trabalho para reunir, consolidar, validar e
EMERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA UM NOVO PNC Claudinéli Moreira Ramos 65

disponibilizar as informações necessárias a 2015 marcou-se sobretudo pela adequa-


à revisão, conforme previsto no parágrafo ção e elaboração dos planos setoriais, pelo
único do artigo 11 da Lei no 12.343/2010.6 No acompanhamento dos planos municipais e
entanto, a Lei do PNC previu que o processo estaduais de cultura em gestação e pela ten-
de revisão das diretrizes e estabelecimento tativa de revisão do Plano Nacional. Nesse
de metas para o plano seria desenvolvido período, foram elaborados os planos seto-
por um Comitê Executivo do Plano Na- riais de arquivos, artes visuais, artesanato,
cional de Cultura, composto de membros circo, culturas populares, culturas indíge-
indicados pelo Congresso Nacional e pelo nas, culturas afro-brasileiras, dança, de-
MinC, com participação de representan- sign, livro e leitura, moda, museus, música
tes do CNPC, dos entes que aderiram ao e teatro. Houve também grande incentivo à
PNC e de representantes do setor cultural. elaboração de planos regionais, por meio da
A criação desse comi- celebração de Acordos de
tê ficou condicionada à Apesar da contribuição de Cooperação com o MinC
publicação do decreto de todos esses dados e estudos voltados para o Sistema
regulamentação da Lei para a compreensão do campo Nacional de Cultura. Vale
do PNC, porém a minuta cultural brasileiro, a falta de uma notar que, apesar de a Lei
inicial proposta em 2011 estratégia coesa e continuada do SNC não ter sido apro-
pelo MinC sofreu várias de monitoramento voltada para vada, todos os estados e
reformulações ao longo o Plano Nacional de Cultura mais de 2.500 municí-
dos anos e acabou não é uma das principais razões pios aderiram ao acordo,
sendo publicada, invia- da dúvida quanto à efetividade principalmente devido à
bilizando a revisão das alcançada pelo PNC em promessa de repasse de
metas antes do encerra- sua implementação recursos diretos do Fun-
mento do prazo do plano. do Nacional de Cultura
Além desses esforços, em maio de para o fundo estadual ou municipal que essa
2018 o Ministério da Cultura firmou uma formalização previa.
parceria com a Universidade Federal da Já a segunda metade do período de
Bahia (UFBA) com o intuito de promover realização do PNC foi marcada principal-
uma avaliação qualitativa e uma análise mente pelos reflexos da crise econômi-
crítica sobre o PNC e seu monitoramento, ca e da instabilidade política do período,
e, também, visando reunir subsídios para a que afetaram os esforços para execução e
construção do próximo Plano Nacional de acompanhamento das metas e inviabiliza-
Cultura em 2020.7 ram a realização da IV Conferência Nacio-
Se os primeiros anos do PNC (2010- nal de Cultura em 2017. O final da vigência
-2012) foram dedicados à formulação das do PNC deveria coincidir com uma ampla
metas e ao início de desenvolvimento do avaliação de seus resultados e com a elabo-
SNIIC, simultaneamente ao início do mo- ração do próximo Plano Nacional, contudo
nitoramento da execução, o período de 2013 a extinção do Ministério da Cultura em 1o
66 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

de janeiro de 2019 e o direcionamento con- escala, museus, que conseguiram viabilizar


servador dado à pauta cultural pela atual parte de seus planos setoriais. Quando o di-
gestão federal não apontaram, até o mo- nheiro do governo federal para viabilizar a
mento, nenhum sinal nessa direção. realização dos eventos e os deslocamentos
A expressiva mobilização em torno das saiu de cena, não havia suficientes condi-
três conferências nacionais e dos demais ções criadas no conjunto de municípios e
eventos capitaneados pelo governo federal estados para dar continuidade às políticas
pelo menos até 2015, ano que marca o iní- traçadas e não havia, na sociedade civil,
cio de uma nova e grave crise econômica, grupos fortes sensibilizados para a pauta
evidencia a organização de amplos setores do PNC em curso.
ligados à cultura, afinal centenas de milhares Entretanto, é importante dizer que,
de pessoas participaram dessas discussões onde governos alinhados à política cultural
ao longo dos anos. Entretanto, justamente proposta até então continuaram no poder
por isso fica difícil entender a desmobili- ou a ele chegaram, os referenciais cons-
zação paulatina do setor nos anos seguin- truídos no período foram importantes para
tes, sobretudo no segundo governo Dilma orientar as iniciativas implementadas. Em
Rousseff, também do Partido dos Trabalhado- outras palavras, reduziu-se a “invenção da
res, e após o impeachment dessa presidente. roda”, e algumas iniciativas foram mantidas
Talvez alguns fatores não tão evidentes ou retomadas. Em que pesem as dificulda-
naquelas mobilizações ajudem a explicar des vivenciadas para a plena consolidação
esse fenômeno, passando pelo fato de que das políticas culturais, estados como o
houve considerável investimento do gover- Ceará e a Bahia, onde foram reeleitos go-
no federal na viabilização dos encontros e vernadores (ambos do PT) afetos à política
conferências por todo o país, não só político, de cultura estruturante em curso, conso-
através das articulações federativas possí- lidaram inúmeros frutos dessa relativa
veis, mas também por meio de repasses de estabilidade das políticas culturais nos úl-
recursos diversos, inclusive para o custeio timos anos.8 Por sua vez, também podem ser
de passagens e estadia de milhares de par- contabilizadas experiências em que gestões
ticipantes em eventos setoriais, estaduais de outras cores político-partidárias avan-
e nacionais. Além disso, a mobilização foi çaram na política cultural local segundo os
muito eficiente no atingimento de setores direcionamentos incorporados à Consti-
ligados às culturas populares e periféricas, e tuição a partir de 2010, como aconteceu no
aos partidos políticos aliados, mas teve pou- município de Jacareí (SP),9 embora casos
ca repercussão diante dos equipamentos e assim tendam a ser mais raros. Se esses
agentes mais fortes e consolidados do cam- são exemplos pontuais, que não traduzem
po cultural ou das gestões de outros matizes a maioria dos relatos nacionais, por outro
políticos e quase nenhuma penetração nas lado não podem deixar de ser considerados
indústrias culturais, salvo, em certa medi- um legado de todo o processo de elaboração
da, nas áreas de livro e leitura e, em menor do PNC e do sucesso, ainda que relativo, no
EMERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA UM NOVO PNC Claudinéli Moreira Ramos 67

estímulo à construção de políticas locais Os dados foram revisados pela última vez em
de cultura, passo decisivo para um plano outubro de 2020, momento em que ainda não
nacional construído como compromisso de tinham sido disponibilizados nas platafor-
todos os agentes e de todos os entes fede- mas oficiais dados consolidados de 2019
rados. Sob esse prisma, as falhas e a falta correspondentes às metas do PNC, à exceção
de coordenação federal não impediram que daqueles referentes às áreas de audiovisual
esforços fossem canalizados para que al- e leitura.
gumas importantes realizações previstas De acordo com este levantamento, o
prosperassem. PNC 2010-2020 teve execução parcial ou to-
tal de 45% de suas metas. Foram consideradas
Avaliação das 53 metas do Plano cumpridas as 8 metas (15% do total) que até
Nacional de Cultura 2010-2020 2018 alcançaram 90% ou mais dos resulta-
Entre dificuldades, avanços e retrocessos, o dos previstos para 2020 (metas: 3, 10, 18, 21,
primeiro Plano Nacional de Cultura brasilei- 22, 31, 32 e 48); 16 metas foram consideradas
ro completou dez anos. O quadro a seguir é parcialmente cumpridas (30% do total), por-
uma tentativa de contribuir para uma visão que até 2018 alcançaram entre 50% e 89% dos
mais global do que foi essa experiência, a par- resultados previstos para 2020 (metas: 2, 7, 9,
tir da consolidação dos dados disponíveis, 12, 16, 19, 20, 27, 28, 36, 37, 38, 43, 44, 49 e 53);
numa sistematização que procura mostrar, 29 metas foram consideradas não cumpridas
de maneira objetiva e de fácil compreensão, (55% do total), porque até 2018 não alcança-
um panorama quantitativo da situação das ram nem 50% dos resultados previstos para
53 metas do Plano Nacional de Cultura, se- 2020, sendo 16 metas com execução entre 11%
gundo fontes oficiais, no ano de seu encer- e 49% (metas: 1, 13, 23, 24, 25, 26, 30, 33, 34, 35,
ramento. Essa elaboração foi feita a partir 40, 41, 45, 47, 51 e 52) e 13 metas com execução
dos relatórios anuais de acompanhamento e entre zero e 10% (metas: 4, 5, 6, 8, 11, 14, 15, 17,
demais informações obtidas em portais fede- 29, 39, 42, 46 e 50).
rais e outras fontes indicadas na bibliografia.

QUADRO DE AVALIAÇÃO DAS 53 METAS DO PLANO NACIONAL DE CULTURA 2010-2020

8 METAS CUMPRIDAS (15%)*

META 3: Cartografia da diversidade das expressões culturais realizada em todo o território brasileiro

Previsto: Produzir um mapa das expressões culturais Realizado: Em 2017, 5.434 municípios possuíam infor-
e linguagens artísticas de todo o Brasil, com dados de, mações no SNIIC (97,5% do total e 139% da meta). O
pelo menos, 70% dos municípios (3.899 municípios). portal PNC relata falta de informações que pudessem ser
validadas sobre 2018. É necessário salientar que o SNIIC/
Mapas apresenta incorreções e duplicidades, carecendo
ser revisto e aperfeiçoado.
68 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

QUADRO DE AVALIAÇÃO DAS 53 METAS DO PLANO NACIONAL DE CULTURA 2010-2020

META 10: Aumento em 15% do impacto dos aspectos culturais na média nacional de competitividade
dos destinos turísticos brasileiros

Previsto: Aumentar o peso dos aspectos culturais no Realizado: Em maio de 2019, o Ministério do Turismo
desenvolvimento do turismo, medidos no Índice de informou que o índice “foi descontinuado em 2015, pela
Competitividade do Turismo Nacional, do Ministério do gestão da época”. A nota em 2015 foi 64 (14% de au-
Turismo, em relação à nota de 2010 (que foi de 55,9). mento, ou 93% da meta de 64,3). A meta foi considerada
cumprida em 2015 e o MinC repetiu o percentual de 14%
de 2016 a 2018, mas não é possível saber se o cenário
efetivamente se manteve.

META 18: Aumento em 100% no total de pessoas qualificadas anualmente em cursos, oficinas, fóruns e seminários
com conteúdo de gestão cultural, linguagens artísticas, patrimônio cultural e demais áreas da cultura

Previsto: Dobrar o número de pessoas qualificadas em Realizado: Em 2018, foram capacitadas 47.233
cursos, oficinas, fóruns e seminários na área cultural, con- pessoas (159% da meta prevista para 2020, de 36.408
siderando o total de 18.204 pessoas capacitadas em 2010. pessoas capacitadas).

META 21: 150 filmes brasileiros de longa metragem lançados ao ano em salas de cinema

Previsto: Aumentar o número de filmes de longa metra- Realizado: Foram lançados 160 filmes brasileiros de lon-
gem brasileiros no circuito comercial de cinema. ga metragem no circuito comercial de cinema em 2017
(107%), 183 em 2018 (122%) e 167 em 2019 (111%).

META 22: Aumento em 30% no número de municípios brasileiros com grupos em atividade nas áreas de teatro,
dança, circo, música, artes visuais, literatura e artesanato

Previsto: Ter 30% mais cidades com grupos e coletivos Realizado: Com base na pesquisa 2014-2015, a meta foi
artísticos locais nas áreas citadas em relação ao número superada em 100% ou mais nas áreas de circo, orquestras
total de municípios, com base na pesquisa Munic/IBGE. e associações literárias e atingiu pelo menos 91% nas
áreas de dança, conjuntos musicais e artesanato. Nas
áreas de teatro e artes visuais, até 2015 foram cumpridos
45% e 38%, respectivamente. A média dos indicadores
informada pelo MinC foi de 96% de percentual de alcan-
ce da meta em 2015 em relação ao previsto para 2020.
Não há dados posteriores.

META 31: Municípios brasileiros com algum tipo de instituição ou equipamento cultural, entre museu,
teatro ou sala de espetáculo, arquivo público ou centro de documentação, cinema e centro cultural

Previsto: Aumentar o número de cidades com espaços Realizado: Em 2018, o percentual de municípios com os
culturais, considerando o número de equipamentos equipamentos previstos (1.741 em 2020) foi atingido em
culturais mínimos, conforme a faixa populacional 100% ou mais, em todas as faixas populacionais, segundo
(entre pelo menos um e pelo menos quatro tipos de a pesquisa Munic/IBGE 2018, que levantou 2.956 municí-
espaços culturais). pios adequados à meta.

META 32: 100% dos municípios brasileiros com ao menos uma biblioteca pública em funcionamento

Previsto: Ter pelo menos uma biblioteca pública ativa em Realizado: Em 2018, o desempenho da meta foi de 99%
cada uma das 5.570 cidades brasileiras. do planejado para o ano. Na média dos indicadores, hou-
ve um alcance de 98% da meta de municípios prevista
para 2020, considerando 5.458 municípios com 6.057
bibliotecas públicas em funcionamento em 2018.
EMERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA UM NOVO PNC Claudinéli Moreira Ramos 69

QUADRO DE AVALIAÇÃO DAS 53 METAS DO PLANO NACIONAL DE CULTURA 2010-2020

META 48: Plataforma de governança colaborativa implementada como instrumento de participação social
com 100 mil usuários cadastrados, observada a distribuição da população nas macrorregiões do país

Previsto: Ter uma plataforma na internet que permita o Realizado: O percentual de alcance da meta prevista
acompanhamento das políticas culturais por parte de, no para 2020 foi de 95% até 2017, considerando 95.051
mínimo, 100 mil usuários de diferentes regiões do país. usuários cadastrados em quatro “plataformas de
governanças colaborativas”**, observada a distribuição
populacional pelas cinco macrorregiões do país até 2017.
Não há dados posteriores.

*Foram consideradas cumpridas as metas que atingiram 90% ou mais dos resultados previstos para 2020.
**São elas: http://pnc.culturadigital.br/; http://culturadigital.br/; http://sniic.cultura.gov.br/ e http://cultura.gov.br/votacultura.

16 METAS PARCIALMENTE CUMPRIDAS (30%)*

META 2: 100% das unidades da federação (UFs) e 60% dos municípios com dados atualizados no SNIIC

Previsto: Obter e divulgar informações atualizadas sobre Parcialmente realizado: 24 estados e o Distrito Federal
a área cultural de 26 estados e do Distrito Federal e so- (93%) e 493 municípios (9% do total e 15% da meta)
bre a área cultural de 3.342 municípios (60% de 5.570). atualizaram informações no SNIIC até 2017. Na média
dos indicadores, o alcance da meta prevista para 2020
foi de 54%. O portal PNC relata falta de informações que
pudessem ser validadas sobre 2018.

META 7: 100% dos segmentos culturais com cadeias produtivas da economia criativa mapeadas

Previsto: Mapear as cadeias produtivas dos seis seg- Parcialmente realizado: O portal PNC relata mapeamen-
mentos da economia criativa definidos pela Unesco: tos de cinco cadeias produtivas (83%): música (2005);
patrimônio natural e cultural; espetáculos e celebrações; economia do Carnaval (2009); jogos digitais (2014);
artes visuais e artesanato; livros e periódicos; audiovisual inserção do design nos eventos Copa do Mundo 2014
e mídias interativas; e design e serviços criativos. e Olimpíadas 2016 (2012); e museus (2014). A meta foi
considerada cumprida em 50%, porque as cadeias de mú-
sica e Carnaval citadas foram mapeadas antes do início da
vigência do PNC (2005 e 2009).

META 9: 300 projetos de apoio à sustentabilidade econômica da produção cultural local

Previsto: Desenvolver ao menos 300 projetos de apoio à Parcialmente realizado: Considerando que a meta é glo-
sustentabilidade econômica da produção cultural local. bal, até 2018 foram beneficiados 257 projetos de apoio à
sustentabilidade econômica (86%), embora nenhum em
2017 e apenas 3 em 2018.

META 12: 100% das escolas públicas de educação básica com a disciplina de arte no currículo escolar
regular com ênfase em cultura brasileira, linguagens artísticas e patrimônio cultural

Previsto: Ter a disciplina de arte em todas as escolas Parcialmente realizado: Em 2018, das 141.298 escolas pú-
públicas de ensino básico do país (100%). blicas de educação básica do país, 109.689 ministravam a
disciplina de arte (78%), segundo os dados do Ministério
da Educação (MEC).
70 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

QUADRO DE AVALIAÇÃO DAS 53 METAS DO PLANO NACIONAL DE CULTURA 2010-2020

META 16: Aumento em 200% de vagas de graduação e pós-graduação nas áreas do conhecimento relacionadas
às linguagens artísticas, ao patrimônio cultural e às demais áreas da cultura, com aumento proporcional
do número de bolsas

Previsto: Triplicar as vagas de graduação e pós-gradua- Parcialmente realizado: Em relação a 2010, houve
ção nas áreas de arte e cultura em relação à quantidade aumento de 173% no número de vagas de graduação
existente em 2010. (86,5% da meta) e de 46% de matrículas na pós-gradua-
ção (23% da meta). Na média dos indicadores, segundo
o Relatório Anual 2018, a meta foi 53% cumprida.

META 19: Aumento em 100% no total de pessoas beneficiadas anualmente por ações de fomento a pesquisa,
formação, produção e difusão do conhecimento

Previsto: Dobrar o número de pessoas que recebem Parcialmente realizado: O número de beneficiados
apoio para pesquisa, acadêmica ou de linguagem, aumentou até 2015, tendo superado a meta prevista em
nas áreas da cultura, de 481 pessoas (em 2010) para 2012 e 2015. Houve um decréscimo a partir de 2016. Em
962 (em 2020). relação a 2010, os dados de 2017 sofreram uma queda de
19%; e os dados de 2018, uma queda de 36% (apenas 307
pessoas beneficiadas). Porém, no período de 2011 a 2018,
a média anual foi de 757 pessoas beneficiadas (78,7% da
meta), dado relevante no decênio.

META 20: Média de quatro livros lidos fora do aprendizado formal por ano, por cada brasileiro

Previsto: Aumentar o número de livros lidos fora da Parcialmente realizado: Citando a 4a Pesquisa Retratos
escola por ano, por cada brasileiro com 5 anos ou mais, da Leitura no Brasil (2015), o portal PNC informa que o
de 1,3 livro (2010) para 4 (2020). número de livros lidos fora da escola, nos últimos 12 me-
ses, por brasileiro acima de 5 anos foi de 2,88 livros (72%
da meta). A 5a Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil,
publicada em 2020, mostrou que esse índice baixou para
2,73 em 2019 (68% da meta).

META 27: 27% de participação dos filmes brasileiros na quantidade de bilhetes vendidos nas salas de cinema

Previsto: Aumentar a venda de ingressos de filmes com Parcialmente realizado: O portal PNC indica que, dos
produção ou coprodução brasileira em salas comerciais 181,2 milhões de ingressos vendidos nos cinemas do
de cinema para 27% do total de ingressos vendidos. país em 2017, 9,6% foram para filmes brasileiros (35% da
meta). Segundo a Agência Nacional do Cinema (Ancine),
dos 163,4 milhões de ingressos vendidos em 2018, 14,8%
foram para filmes brasileiros (55% da meta) e, dos 176,4
milhões de ingressos vendidos em 2019, 13,7% foram
para filmes brasileiros (51% da meta).

META 28: Aumento em 60% do número de pessoas que frequentam museu, centro cultural, cinema, espetáculos
de teatro, circo, dança e música

Previsto: Aumentar o número de pessoas que vão a mu- Parcialmente realizado: A média dos resultados
seus, centros culturais, cinemas e espetáculos artísticos para cada prática cultural indicou 84% de alcance
em relação à situação de 2010. da meta prevista para 2020 em 2013 (última pesquisa
Ipea indicada).
EMERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA UM NOVO PNC Claudinéli Moreira Ramos 71

QUADRO DE AVALIAÇÃO DAS 53 METAS DO PLANO NACIONAL DE CULTURA 2010-2020

META 36: Gestores de cultura e conselheiros capacitados em cursos promovidos ou certificados pelo Ministério
da Cultura em 100% das unidades da federação e 30% dos municípios, entre os quais 100% dos que possuem
mais de 100 mil habitantes

Previsto: Formar gestores e conselheiros em 26 estados Parcialmente realizado: Segundo o portal PNC, em
e no Distrito Federal (100%), em 100% dos municípios média, houve alcance de 85% da meta prevista para
com mais de 100 mil habitantes e em 30% dos municí- 2020, considerando que foram capacitados gestores e
pios com menos de 100 mil habitantes. conselheiros em 26 estados e no Distrito Federal (100%),
209 municípios com mais de 100 mil habitantes (70%) e
1.419 municípios com menos de 100 mil habitantes (85%).

META 37: 100% das unidades da federação e 20% dos municípios, sendo 100% das capitais e
100% dos municípios com mais de 500 mil habitantes, com secretarias de Cultura exclusivas instaladas

Previsto: Ter secretaria de Cultura exclusiva em todas as Parcialmente realizado: Em 2018 houve alcance de 64%
UFs e em 1.113 municípios. da meta prevista para 2020 na média dos indicadores,
considerando existência de secretaria de Cultura exclu-
siva em 20 estados/Distrito Federal (74%), 11 capitais
(42%), 13 municípios com mais de 500 mil habitantes
(33%) e 787 dos demais municípios (75% da meta). Com
base nas pesquisas Munic e Estadic/IBGE, em 2018 houve
diminuição do total de estados e municípios com secreta-
ria de Cultura exclusiva.

META 38: Instituição pública federal de promoção e regulação de direitos autorais implantada

Previsto: Criar uma instituição pública federal para regu- Parcialmente realizado: 50% da meta: o instituto previs-
lar, mediar, promover e registrar os direitos autorais. to não foi criado, porém foi criada no MinC a Secretaria
de Direitos Autorais e Propriedade Intelectual – atual-
mente vinculada ao Ministério do Turismo –, responsável
pela elaboração de políticas públicas e regulatórias em
matéria de direitos autorais, porém sem a autonomia e a
independência necessárias, segundo o portal PNC.

META 43: 100% das unidades da federação com um núcleo de produção digital audiovisual e um núcleo de arte,
tecnologia e inovação

Previsto: Criar em 26 estados e no Distrito Federal um Parcialmente realizado: Em 2018, o desempenho da


núcleo de produção audiovisual e um núcleo de arte, meta foi de 57% do planejado para o ano. Na média dos
tecnologia e inovação. indicadores, houve um alcance de 50% da meta prevista
para 2020, considerando 22 UFs com núcleo de produ-
ção audiovisual (81%) e 5 com núcleo de arte, tecnologia
e inovação (19%).

META 44: Participação da produção audiovisual independente brasileira na programação dos canais de televisão

Previsto: Aumentar a exibição de produções audiovisuais Parcialmente realizado: Na média dos indicadores de
independentes nacionais nos canais de TV aberta e por 2017, último ano com dados reais disponíveis, houve um
assinatura, chegando a 25% nos canais de TV aberta e a alcance de 75,5% da meta para 2020 (com 20,46% de
20% nos canais de TV por assinatura. participação da produção nacional independente nos
canais de TV aberta e 13,84% nos de TV paga).
72 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

QUADRO DE AVALIAÇÃO DAS 53 METAS DO PLANO NACIONAL DE CULTURA 2010-2020

META 49: Conferências Nacionais de Cultura realizadas em 2013 e 2017, com ampla participação social
e envolvimento de 100% das unidades da federação e 100% dos municípios que aderiram ao
Sistema Nacional de Cultura

Previsto: Garantir a participação da sociedade na Parcialmente realizado: A III CNC ocorreu em 2013, com
elaboração e avaliação das políticas públicas de cultura, a realização de conferências estaduais por 100% das
com amplo envolvimento dos estados e das cidades nas UFs e municipais por 77% (1.432) dos 1.866 municípios
Conferências Nacionais de Cultura de 2013 e 2017. integrantes do SNC. A IV CNC, prevista para 2017, não
foi realizada, porém 3 estados e 22 municípios fizeram
conferências estaduais e municipais. O alcance da meta
foi de 50%.

META 53: 4,5% de participação do setor cultural brasileiro no Produto Interno Bruto (PIB)

Previsto: Aumentar de 2,46% para 4,5% a participação Parcialmente realizado: Crescendo apenas 6% em rela-
do setor cultural no PIB brasileiro (aumento de 83%). ção a 2010, a participação do PIB Criativo produzido no
Brasil em 2017 foi de 2,61% do PIB (58% da meta).

*Foram consideradas parcialmente cumpridas as metas que atingiram entre 50% e 89% dos resultados previstos para 2020.

29 METAS NÃO CUMPRIDAS (55%)*

META 1: Sistema Nacional de Cultura institucionalizado e implementado, com 100% das unidades da federação
e 60% dos municípios com sistemas de cultura institucionalizados e implementados

Previsto: Regulamentar o SNC por lei e ter sistemas de Não realizado: O Relatório Anual 2018 indica média de
cultura com conselho, plano e fundo em todos os 26 63% de cumprimento da meta, porém o SNC não foi
estados e no Distrito Federal (100%) e em 3.342 cidades regulamentado por lei. De acordo com o portal SNC, 26
do Brasil (60%). estados e o Distrito Federal (100%) e 2.709 municípios
(48,6% do total e 81% da meta) firmaram acordos de
cooperação relativos ao SNC até outubro de 2020. O
portal PNC mostra que, até 2018, apenas 17 estados/Dis-
trito Federal instituíram seus sistemas por leis próprias
(63% da meta), e só 11 criaram por lei conselho, plano e
fundo (41% da meta). Entre os municípios, apenas 512
(15% da meta) criaram seus sistemas por lei, e 128 (4% da
meta) instituíram por lei conselho, plano e fundo.

META 4: Política nacional de proteção e valorização dos conhecimentos e expressões das culturas populares
e tradicionais implantada

Previsto: Ter leis que valorizem e protejam as culturas Não realizado: As duas principais leis identificadas para
populares e tradicionais. essa meta não foram aprovadas ainda (PL no 1.786/2011,
que institui a Política Nacional Griô, apensado em 2013
ao PL no 1.176/2011, que institui o Programa de Proteção e
Promoção dos Mestres e Mestras dos Saberes e Fazeres
das Culturas Populares). Após arquivamentos e desarqui-
vamentos, a matéria permanece em trâmite na Comissão
de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC),
da Câmara dos Deputados (última ação realizada
em 4 de junho de 2019).
EMERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA UM NOVO PNC Claudinéli Moreira Ramos 73

QUADRO DE AVALIAÇÃO DAS 53 METAS DO PLANO NACIONAL DE CULTURA 2010-2020

META 5: Sistema Nacional de Patrimônio Cultural (SNPC) implantado, com 100% das unidades da federação
e 60% dos municípios com legislação e política de patrimônio aprovadas

Previsto: Implantar o SNPC; ter leis e políticas de Não realizado: Embora 25 estados/Distrito Federal
patrimônio cultural aprovadas nos 26 estados, no (96%) e 1.768 municípios (32% do total e 53% da meta)
Distrito Federal (100%) e em 3.342 municípios (60%), tenham legislação de patrimônio aprovada, o SNPC
com coordenação das ações pelo SNPC e sistema de não foi implantado, e não há informações das políticas
financiamento. de patrimônio de estados e municípios nem coorde-
nação entre elas, tampouco sistema de financiamento
correspondente.

META 6: 50% dos povos e comunidades tradicionais e grupos de culturas populares que estiverem cadastrados
no Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC) atendidos por ações de promoção
da diversidade cultural

Previsto: Garantir que um número maior de povos Não realizado: Em 2018, não foi possível aferir o desem-
e comunidades tradicionais e de grupos de culturas penho da meta de atendimento a cadastrados no SNIIC.
populares seja atendido por ações públicas de promoção Em 2017, dos 1.268 povos, comunidades e grupos cadas-
da diversidade cultural, considerando a existência de 26 trados no SNIIC, 76 foram atendidos (2%). O percentual
povos e comunidades tradicionais com 4,5 milhões de de alcance da meta prevista para 2020 considerando
famílias e a existência de grupos populares em todo o a média de todos os anos foi 4%. O portal PNC informa
país, sem quantificação ou mapeamento-base. que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan) não consegue mensurar a quantidade
de povos e grupos atendidos pela política de salvaguarda
do patrimônio imaterial e, por isso, tais dados não
foram considerados.

META 8: 110 territórios criativos reconhecidos

Previsto: Reconhecer 110 territórios com requisitos Não realizado: Nenhum território criativo foi reconheci-
que os qualifiquem como criativos, por meio de uma do, o selo previsto não foi criado e não foram realizadas
chancela (selo). atividades que contribuíssem para a meta.

META 11: Aumento em 95% no emprego formal do setor cultural

Previsto: Criar 1.453.060 empregos formais a mais no Não realizado: Em 2018, foi registrada a existência de
setor cultural, de acordo com dados da Relação Anual de 1.520.418 empregos formais no setor cultural (apenas
Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e 5% da meta prevista e 1% a menos do que em 2010).
Emprego (de 1.529.535 empregos formais em 2010 para Em lugar de crescer em mais 1,4 milhão de empregados
2.982.595 em 2020). formais, o setor cultural perdeu 9.117 empregos formais
em 2018 em relação a 2010.

META 13: 20 mil professores de arte de escolas públicas com formação continuada

Previsto: Proporcionar aperfeiçoamento profissional Não realizado: Foram atendidos 3.700 professores
a 20 mil professores que possuam licenciatura em artes em 2015 e 98 em 2016 (totalizando 19% da meta).
e que atuem no ensino médio em escolas públicas. Não houve registro de atendimento nos demais anos.
74 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

QUADRO DE AVALIAÇÃO DAS 53 METAS DO PLANO NACIONAL DE CULTURA 2010-2020

META 14: 100 mil escolas públicas de educação básica desenvolvendo permanentemente atividades
de arte e cultura

Previsto: Oferecer atividades de arte e cultura em 100 Não realizado: Em 2014 foram beneficiadas 5.069 esco-
mil escolas públicas de ensino básico em horário com- las pelo edital Mais Cultura nas Escolas de 2013 (5% da
plementar ao turno escolar, por meio do programa Mais meta). Sem dados posteriores.
Cultura nas Escolas.

META 15: Aumento em 150% de cursos técnicos, habilitados pelo Ministério da Educação,
no campo da arte e cultura, com proporcional aumento de vagas

Previsto: Ter 1.047 novos cursos técnicos em arte e cul- Não realizado: O indicador da meta foi alterado no
tura, passando de 698 (2010) para 1.745 cursos (2020) portal PNC (de cursos para matrículas) e retomado no
técnicos de arte e cultura oferecidos pelo MEC. Relatório Anual 2018, que informa o cumprimento de 5%
do planejado para o ano e de 2% da meta, na média dos
anos, em relação ao previsto para 2020.

META 17: 20 mil trabalhadores da cultura com saberes reconhecidos e certificados pelo Ministério da Educação

Previsto: Reconhecer os saberes de 20 mil trabalhadores Não realizado: Até 2018 o reconhecimento de saberes e
de todas as áreas da cultura e dar a eles certificação a certificação dos trabalhadores da cultura não foram ini-
profissional, por meio da Rede Nacional de Certificação ciados, e ações para viabilizar essa meta foram realizadas
Profissional e Formação Continuada (Rede Certific), a somente até 2016.
partir de 2011.

META 23: 15 mil Pontos de Cultura em funcionamento, compartilhados entre o governo federal,
as unidades da federação e os municípios integrantes do Sistema Nacional de Cultura

Previsto: Ter 15 mil Pontos de Cultura em funcionamento, Não realizado: Em 2018, 3.956 Pontos de Cultura recebe-
entre pontos e pontões estaduais, distritais, municipais ram apoio do Ministério da Cultura, o que corresponde a
e intermunicipais, pontos e pontões por convênio direto, 31% do planejado para o ano e a 26% da meta.
pontos indígenas e pontões de bens registrados, que re-
cebam apoio do Ministério da Cultura no país, até 2020.

META 24: 60% dos municípios de cada macrorregião do país com produção e circulação de espetáculos
e atividades artísticas e culturais fomentados com recursos públicos federais

Previsto: Ter, em cada região do Brasil, mais cidades que Não realizado: Em 2018, 474 municípios foram beneficia-
produzem ou recebem espetáculos e atividades artísticas dos por projetos de produção e circulação de espetá-
financiados com recursos públicos federais, oriundos do culos e atividades artísticas e culturais fomentados com
Fundo Nacional de Cultura e do orçamento direto do recursos públicos federais (8,5% do total de municípios
ministério e de suas instituições vinculadas, chegando a e 19% da meta anual). Considerando os resultados dos
3.342 municípios em 2020. demais anos, a média dos indicadores foi de 13% do
previsto para 2020.

META 25: Aumento em 70% nas atividades de difusão cultural em intercâmbio nacional e internacional

Previsto: Aumentar o intercâmbio nacional e internacional Não realizado: No lugar do aumento previsto, em 2018
de atividades que divulguem as manifestações culturais foram realizadas 391 atividades, havendo, assim, uma
brasileiras, considerando a quantidade anual de atividades redução de 38,6% em relação a 2010, num alcance de
apoiadas pelo governo federal para intercâmbio nacional apenas 36% da meta prevista.
ou internacional com finalidade de difundir as expressões
culturais, em comparação com 2010 (637 atividades),
chegando a 1.083 atividades realizadas em 2020.
EMERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA UM NOVO PNC Claudinéli Moreira Ramos 75

QUADRO DE AVALIAÇÃO DAS 53 METAS DO PLANO NACIONAL DE CULTURA 2010-2020

META 26: 12 milhões de trabalhadores beneficiados pelo Programa de Cultura do Trabalhador (vale-cultura)

Previsto: Distribuir vale-cultura a 12 milhões Não realizado: Em 2018 foram beneficiados 551.760 tra-
de trabalhadores. balhadores (5%). Somando todos os beneficiados entre
2011 e 2018, houve um alcance de apenas 20% da meta
prevista para 2020.

META 29: 100% de bibliotecas públicas, museus, cinemas, teatros, arquivos públicos e centros culturais atenden-
do aos requisitos legais de acessibilidade e desenvolvendo ações de promoção da fruição cultural por parte das
pessoas com deficiência

Previsto: Garantir que as pessoas com deficiência Não realizado: Em 2018, foram registrados apenas
possam ter acesso aos espaços culturais, 40% dos museus, 9% das bibliotecas públicas e 8% dos
seus acervos e atividades. centros culturais atendendo aos requisitos legais de
acessibilidade. Sem informações de cinemas, arquivos
públicos e teatros. Na média dos indicadores, segundo o
Relatório Anual 2018, o desempenho previsto para o ano
foi de 12% e o percentual de alcance da meta foi de 10%.

META 30: 37% dos municípios brasileiros com cineclube

Previsto: Aumentar o número de cidades com cineclube Não realizado: O número cresceu apenas até 2014,
de 682 (2010) para 2.060 (2020), por meio de editais chegando a 701 municípios com cineclube (12,6% do
e parcerias da ação Cine Mais Cultura ou programa total de municípios e 34% da meta). Segundo o Relatório
equivalente. Anual 2018, não houve instalações de novos cineclubes
desde então.

META 33: Mil espaços culturais integrados a esporte e lazer em funcionamento

Previsto: Criar mil espaços com atividades mensais a Não realizado: Em 2018, o desempenho da meta foi de
partir de 2011, como as Praças dos Esportes e da Cultura, 24% do planejado para o ano (40 espaços culturais). Na
posteriormente denominadas Centros de Artes e Espor- média dos indicadores, houve alcance de 19% da meta,
tes Unificados (CEUs). com um total de 189 espaços culturais do governo fede-
ral em funcionamento até 2018.

META 34: 50% de bibliotecas públicas e museus modernizados

Previsto: Melhorar instalações, equipamentos e acervos Não realizado: Até 2018 foram modernizadas 1.932
de bibliotecas e museus. de 6.057 bibliotecas públicas (32%) e 255 de 3.769
museus (7%). Na média dos indicadores, houve alcance
de 39% da meta.

META 35: Gestores capacitados em 100% das instituições e equipamentos culturais apoiados pelo
Ministério da Cultura

Previsto: Formar pelo menos um servidor ou gestor de Não realizado: Em 2018, 2.657 das 6.275 instituições
cada equipamento ou instituição cultural apoiada pelo apoiadas pelo MinC tiveram gestores ou servidores capa-
órgão federal gestor da cultura. citados (42% da meta). No total, 14.602 pessoas recebe-
ram capacitação. Em 2018, houve redução do número de
instituições e equipamentos com gestores capacitados.
76 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

QUADRO DE AVALIAÇÃO DAS 53 METAS DO PLANO NACIONAL DE CULTURA 2010-2020

META 39: Sistema unificado de registro público de obras intelectuais protegidas pelo direito de autor implantado

Previsto: Criar um sistema unificado para registro de Não realizado: O sistema unificado para registro
obras musicais, literárias, dramatúrgicas, visuais de obras musicais, literárias, dramatúrgicas, visuais
e audiovisuais. e audiovisuais não foi criado.

META 40: Disponibilização na internet dos conteúdos que estejam em domínio público ou licenciados

Previsto: Disponibilizar na internet o acervo das insti- Não realizado: Em 2018, o desempenho da meta foi
tuições vinculadas ao MinC: 100% das obras do Centro de 13% do planejado para o ano. Na média dos anos, o
Técnico Audiovisual (CTAv) e da Cinemateca Brasileira; percentual de alcance da meta prevista para 2020 foi de
100% do acervo da Fundação Casa
de Rui Barbosa 25%. Foram disponibilizados na internet: 0% do acervo
(FCRB); 100% dos inventários do Iphan; 100% das obras do CTAv; 1,7% do acervo da Cinemateca; 16% do acervo
do acervo da Fundação Biblioteca Nacional (FBN); 100% da FCRB; 30% do acervo do Iphan; 100% do acervo do
do acervo iconográfico, sonoro e audiovisual do Centro Cedoc/Funarte.
de Documentação da Fundação Nacional das Artes Obs.: Os dados da FBN não permitiram identificar
(Cedoc/Funarte). o percentual de obras disponibilizadas.

META 41: 100% de bibliotecas públicas e 70% de museus e arquivos disponibilizando informações
sobre seu acervo no SNIIC

Previsto: Disponibilizar informações na internet sobre Não realizado: Em 2018, o desempenho da meta foi
o acervo de 100% das bibliotecas públicas e 70% dos de 28% do planejado para o ano. Na média dos anos, o
museus e arquivos. percentual de alcance da meta prevista para 2020 foi de
23%, sendo que a disponibilização de informações sobre
acervos no SNIIC foi feita por: zero das 6.057 bibliotecas
públicas cadastradas; 1.712 dos 3.550 museus cadastra-
dos (48%); e zero dos 33 arquivos cadastrados no SNIIC.

META 42: Política para acesso a equipamentos tecnológicos sem similares nacionais formulada

Previsto: Criar política para facilitar a importação Não realizado: A política não foi formulada, e a última
de tecnologias usadas em atividades culturais. ação referente a essa meta foi realizada em 2016
(elaboração de projeto de isenção fiscal temporária
para importação de bens sem similares no país).

META 45: 450 grupos, comunidades ou coletivos beneficiados com ações de comunicação para a cultura

Previsto: Atender 450 grupos com ações Não realizado: Somando os atendimentos em 2012 e de
de comunicação para a cultura. 2014 a 2017, foram beneficiados 211 grupos, comunidades
ou coletivos, e 47% da meta foi alcançada. Não houve
atendimento em 2011, 2013 e 2018.

META 46: 100% dos setores representados no Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) com colegiados
instalados e planos setoriais elaborados e implementados

Previsto: Instalar colegiados e elaborar planos de Não realizado: Segundo o Relatório Anual 2018, o per-
cultura para todos os setores representados no CNPC centual de alcance da meta em relação ao previsto até
com sistemas de acompanhamento, avaliação e controle 2020 foi de apenas 7%. O portal PNC indica alcance da
social em funcionamento. meta de 42% em 2017 em relação ao previsto
para 2020. A ausência de memória dos cálculos
dificulta a verificação.
EMERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA UM NOVO PNC Claudinéli Moreira Ramos 77

QUADRO DE AVALIAÇÃO DAS 53 METAS DO PLANO NACIONAL DE CULTURA 2010-2020

META 47: 100% dos planos setoriais com representação no CNPC com diretrizes, ações e metas voltadas
para infância e juventude

Previsto: Incluir políticas culturais para jovens e crianças Não realizado: Até 2018, foram elaborados 14 planos
em todas as áreas da cultura, considerando o número de setoriais, 2 deles com diretrizes, ações e metas para
planos setoriais de cultura elaborados no âmbito do MinC infância e juventude (os planos setoriais de museus e de
com diretrizes, ações e metas para infância e juventude cultura afro-brasileira). O percentual de alcance da meta
em relação ao total de planos. em relação a 2020 foi de 13%.

META 50: 10% do Fundo Social do Pré-Sal para a cultura

Previsto: Definir 10% dos recursos do Fundo Social do Não realizado: Segundo o Relatório Anual 2018, não
Pré-Sal para a área da cultura. existem dados disponíveis para aferir o indicador da
meta. Não há informação sobre destinação de recursos
do pré-sal para a cultura.

META 51: Aumento de 37%, acima do PIB, dos recursos públicos federais para a cultura

Previsto: Aumentar os recursos públicos federais Não realizado: De 2011 a 2018, o percentual de recursos
para a cultura de 0,032% do PIB em 2010 para federais para a cultura em relação ao PIB foi sempre in-
0,043% em 2020. ferior ao alcançado em 2010, chegando a 0,008% do PIB
em 2018, num alcance de apenas 18,6% da meta prevista
e 25% do percentual atingido em 2010.

META 52: Aumento de 18,5%, acima do PIB, da renúncia fiscal do governo federal para incentivo à cultura

Previsto: Aumentar a renúncia fiscal do governo Não realizado: Embora tenha alcançado 60% do previsto
federal para incentivo à cultura de 0,0246% do PIB para 2020, a meta foi considerada não cumprida porque,
para 0,0291%. de 2012 a 2018, o percentual da renúncia fiscal para a
cultura em relação ao PIB foi sempre inferior ao alcança-
do em 2010 e 2011, chegando a 0,0175% do PIB em 2018
– número acima apenas do percentual de 2017 e 29%
menor que o atingido em 2010.

*Foram consideradas não cumpridas as metas que atingiram menos de 50% dos resultados previstos para 2020.

Fonte: elaboração da autora a partir dos dados divulgados pela Secretaria Especial da Cultura, do Ministério do Turismo, nas páginas sobre
metas disponíveis em: http://pnc.cultura.gov.br/; dos relatórios anuais do PNC localizados em: http://pnc.cultura.gov.br/biblioteca-de-
documentos/; dos dados referentes ao Sistema Nacional de Cultura divulgados em: http://portalsnc.cultura.gov.br/estatisticas/; da quinta
edição da Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, em: https://prolivro.org.br/5a-edicao-de-retratos-da-leitura-no-brasil-2/a-pesquisa-5a-
edicao; e dos dados referentes ao mercado audiovisual disponibilizados em: https://oca.ancine.gov.br. Consultas realizadas entre 20 e 24
de outubro de 2020.

Do PNC 2010-2020 ao PNC 2021-2030: socialmente participativa na história da na-


subsídios de um exercício coletivo de ção brasileira, o PNC atual chegou ao final de
revisão e propostas seus dez anos em 2020.
O Plano Nacional de Cultura 2010-2020 ma- Qual é a avaliação qualitativa que temos
terializa a política pública de cultura consti- a respeito de todo o processo, a experiência e
tucionalmente prevista e em vigor no Brasil. os resultados do Plano Nacional de Cultura
Primeiro planejamento de cultura desenvol- 2010-2020? Que propostas deveriam constar
vido de forma estruturada, interfederativa e de um PNC 2021-2030? Uma reflexão dessa
78 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

envergadura sobre um plano construído par- • Antônio Grassi, ator e gestor cul-
ticipativamente e que envolve a todos não tural, atualmente diretor do Instituto
pode prescindir de diálogo. Inhotim;
Por isso, como parte do processo de • Bel Santos Mayer, educadora so-
construção da análise do PNC, além da im- cial e mestranda em bibliotecono-
portância de examinar histórico e dados mia, atuante na área de bibliotecas
oficiais disponíveis e de ampliar o conhe- comunitárias e participante do pro-
cimento acerca de experiências de outros cesso de construção do Plano Nacio-
países – trazidas nos demais artigos desta nal do Livro e da Leitura (PNLL);
publicação –, ficou logo clara a necessidade • José Castilho Marques Neto, ex-
de compartilhar a reflexão. Sem nenhuma -secretário-executivo do PNLL e pro-
pretensão representativa, mas apenas como fessor universitário da Universidade
ilustração de uma demanda premente de Estadual Paulista (Unesp), tendo
abertura ao diálogo, surgiu a ideia de pro- dirigido a Editora Unesp por 27 anos;
mover um encontro para debater os desafios • Jurema Machado, arquiteta e con-
postos para as artes e a cultura no Brasil na sultora independente, foi presiden-
próxima década, a ser contemplados no even- te do Iphan e atuou no escritório de
tual próximo PNC. representação da Unesco no setor
Assim, com atenção aos eixos estrutu- de cultura;
rantes e partindo dos 16 objetivos do Plano • Leandro Valiati, economista, pro-
Nacional de Cultura com olhos voltados fessor de economia da cultura na
para a próxima década, o Observatório Itaú Universidade Federal do Rio Grande
Cultural reuniu um grupo pequeno porém do Sul (UFRGS) e da Universidade
diversificado de ativistas da pauta artísti- Queen Mary de Londres;
co-cultural para debater quais objetivos de- • Pablo Ortellado, filósofo e profes-
vem ser prioritários para a área e ponderar sor do curso de políticas públicas da
acerca de algumas questões: faz sentido a Escola de Artes, Ciências e Humani-
feitura de um novo PNC no cenário atual? dades da Universidade de São Paulo
Como ele deveria ser feito? Quais pessoas (EACH/USP);
deveriam estar envolvidas? Como seria rea- • Paula Gomes, produtora de cinema
lizado o engajamento de diferentes atores da Bahia e integrante da comissão do
no processo? Rumos em 2019 e 2020;
Sob o tema “O Plano Nacional de Cul- • Paulo Roberto Ferraz von Zuben,
tura: análises e perspectivas”, a discussão foi músico e compositor, presidente da
promovida em 4 de março de 2020, antes ain- Associação Brasileira das Organiza-
da que a pandemia de coronavírus assumis- ções Sociais de Cultura (Abraosc) e
se a dimensão que adquiriu e sem que fosse diretor artístico-pedagógico e musi-
possível, naquele momento, imaginar como cal da organização social Santa Mar-
isso se daria. O encontro reuniu: celina Cultura;
EMERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA UM NOVO PNC Claudinéli Moreira Ramos 79

• Vincent Carelli, cineasta, indige- compõe uma análise e uma proposição ao


nista e secretário-executivo da or- mesmo tempo única e coletiva.
ganização de produção audiovisual
indígena Vídeo nas Aldeias. Um balanço de avanços e limitações
Quando se faz uma avaliação coletiva, pre-
O Itaú Cultural esteve representado pelo sencial, dialógica de uma política pública,
diretor Eduardo Saron e pela equipe do Ob- mais do que a precisão das respostas corretas
servatório Itaú Cultural, nas figuras de seu – será que existem num caso assim? –, o que
gerente, Marcos Cuzziol, da coordenadora se pode colher é a repercussão das ações na
Luciana Modé e da produtora Andréia Brie- soma das vivências reunidas, considerando o
ne. Os trabalhos contaram com a facilitação quanto cada um dos presentes participou (ou
de Saulo Bonassi e Fernanda da Costa, e com não) de sua elaboração e de sua execução e
a relatoria de Agda Sardinha. o quanto testemunhou, usufruiu, foi afetado
A metodologia adotada pautou-se pela (ou não) pelos seus sucessos e insucessos.
combinação de rodadas de discussão, inicia- Entre os avanços identificados pelo
das com a apresentação dos participantes, grupo reunido pelo OIC, o primeiro destaque
cada um apontando um balanço próprio e cabe ao próprio processo de elaboração do
aqueles que, em sua visão, seriam três as- plano, que foi também um período de diag-
pectos positivos ou avanços e três limita- nóstico e avaliação, no qual cada setor de arte
ções do PNC 2010-2020. Em seguida, teve e cultura teve a chance de refletir sobre suas
lugar uma dinâmica para formular um mapa demandas, infraestrutura e políticas. Foi um
de grandes tendências que impactam ou im- momento pedagógico, que permitiu uma
pactarão a cultura na próxima década. Por ampla discussão dentro do próprio campo
meio do método Pestel (que analisa fatores cultural e também com gestores públicos e
políticos, econômicos, sociais, tecnológi- lideranças políticas acerca do que é a cultura
cos, ambientais e legais), cada participante e sua afirmação como uma política pública
somou ao debate três oportunidades e três – como área que também demanda organi-
ameaças que despontarão nos próximos dez zação, planejamento, governança, conselhos
anos. A partir desses resultados agrupados representativos e pensamento prospectivo.
de forma bem visual, os participantes avan- O reconhecimento e a valorização da
çaram para a reflexão em torno das priori- diversidade brasileira entraram em pauta,
dades do novo PNC, discutindo, afinando, mobilizando milhares de pessoas, espe-
confrontando perspectivas e buscando cialmente muitos agentes – como jovens
construir um consenso. das periferias, grupos populares, indígenas,
O texto a seguir é a minha leitura desse comunidades tradicionais – que não esta-
trabalho, a partir da articulação das falas, vam integrados às discussões estruturantes
mescladas e ressignificadas numa cons- das políticas públicas e desconheciam essa
trução que abandona a autoria individual possibilidade para o campo cultural. Pela
em favor de uma orquestração de vozes que primeira vez, algumas iniciativas, como o
80 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

projeto dos Pontos de Cultura e a política perspectiva de planejamento mais estratégi-


de cotas, chegaram ao Brasil profundo e co de atendimento às demandas. Ao mesmo
promoveram encontros de mundos. Foram tempo, esse movimento tornou mais visíveis
criadas ilhas de iniciativas e pontes para o as deficiências de gestão, de capacitação e
intercâmbio. O conhecimento tradicional em de infraestrutura do meio cultural, permi-
algumas universidades virou pauta, e tecno- tindo a identificação de possibilidades para
logias chegaram a mãos inéditas, permitindo saneá-las.
novas experimentações. A diversidade social No entanto, ficou evidente a falta de
aumentou nas universidades, mais cores de uma estratégia de ação territorial e de evolu-
pele e mais faixas de renda tiveram acesso ao ção gradativa, que fosse mais coerente com a
ensino superior, atraindo novos atores para diversidade da situação dos municípios, com
o campo cultural e para as políticas públicas foco no nível local, o que permitiria resulta-
de cultura. dos mais visíveis e motivadores, porque mais
A construção e a implementação do concretos e eficazes.
PNC ampliaram em diversos públicos (so- Também ficou clara na formulação do
bretudo de agentes culturais e de agentes plano a ausência de bons indicadores de
políticos) uma visão sistêmica da cultura e desempenho e de resultado que pudessem
criaram uma dinâmica de participação es- servir de norteadores de aonde pretendemos
truturada e dialógica (por meio de encontros chegar, bem como a necessidade de ampliar
e conferências) na construção de políticas o conhecimento e a compreensão acerca dos
públicas de cultura, que se estendeu em impactos socioeconômicos das políticas cul-
vários segmentos culturais e promoveu si- turais e de incrementar a transversalidade do
multaneamente o empoderamento de grupos campo da cultura, no sentido de maior inte-
que não tinham visibilidade, como os grupos gração com a educação, a saúde, a geração de
tradicionais e periféricos, e o engajamento emprego e renda e outras esferas públicas.
dos entes federativos. É consensual o entendimento de um
A existência de eixos e metas nacio- conjunto de falhas na formulação do PNC,
nais discutidos no âmbito dos municípios que comprometeram sua execução. O ex-
permitiu que a cultura se tornasse uma rei- cesso de ações, estratégias e metas, a falta
vindicação prioritária, não mais acessória de foco e dificuldades de formulação con-
ou complementar, em várias localidades. ceitual e metodológica resultaram em um
Pela primeira vez diversos grupos começa- plano complexo, em alguns aspectos muito
ram a pautar e demandar a cultura como genérico ou de difícil, até inviável, monitora-
um direito humano, reconhecendo suas mento e avaliação. Embora tenha sido muito
dimensões simbólica, cidadã e econômica. importante a ampla participação dos setores
Isso contribuiu para problematizar a neces- culturais, não houve a necessária integração
sidade de diminuir a chamada “política de entre eles, na medida em que os encontros e
balcão”, de solicitações de ajudas pontuais conferências eram organizados de maneira
para eventos específicos, estimulando uma a manter as pautas setoriais agrupadas. O
EMERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA UM NOVO PNC Claudinéli Moreira Ramos 81

resultado foi a falta de coesão e priorização, ainda é considerável a quantidade de pessoas


um composto fragmentado de demandas pa- que não reconhecem o gasto com cultura e
ralelas de difícil conciliação. arte como objeto de política pública. Muitos
A articulação pretendida com a área são os que consideram gastar dinheiro com
educacional – uma das mais estratégicas fruição, emoção, alegria ou tristeza como
para o sucesso do PNC – não avançou. O algo da esfera do eminentemente pessoal,
distanciamento entre educação e cultura privado, e não social. O PNC não avançou
é um contrassenso que prejudica ambas as quase nada na reversão dessa visão, na medi-
políticas públicas. A desarticulação com da em que pouco contribuiu para demonstrar
políticas de outros setores, como saúde e a importância social e econômica das políti-
turismo, foi outra falha que prejudicou o cas públicas de arte e cultura.
alcance esperado. Ao mesmo tempo, o pouco conheci-
Parte dos problemas identificados se re- mento dos diversos públicos que compõem
laciona com a falta de bons mapeamentos. A a sociedade brasileira em termos não só de
começar da necessidade de dados confiáveis, hábitos culturais, mas de demandas e desejos
abrangentes e atualizados do próprio setor de arte e cultura, de visões e preconceitos,
cultural: que segmentos o compõem? Como de necessidades e vontades relacionadas à
se relacionam? Que usos fazem das tecnolo- construção de repertório artístico e cultural
gias? Quantos empregos, quanto trabalho e também constitui uma limitação que inter-
quanto de renda geram? Que envolvimentos e fere no engajamento social e, consequente-
apropriações e pertencimentos criam na so- mente, no sucesso da cultura como política
ciedade? A falta dessas informações dificulta pública, requerendo esforços de pesquisa
o estabelecimento de políticas específicas, a e mapeamento em favor da construção de
identificação de gargalos e a demonstração novas formas de lidar com a realidade en-
de eventuais bons desempenhos e impactos contrada. É necessário saber como a cultu-
sociais e econômicos obtidos. ra está presente na vida das pessoas, como
O PNC não conseguiu lidar com uma elas gostariam que estivesse e quais outras
dificuldade inerente ao setor cultural: como possibilidades podem ser pensadas.
há uma parte considerável da produção e Nesse sentido, embora tenha aumenta-
fruição cultural que aparentemente não tem do a produção nacional, pouco se avançou em
preço para a população, ou seja, cujo acesso direção a tornar os canais de comunicação,
não passa por uma relação comercial direta, como televisão e rádio, espaços de diversida-
ainda é difícil para uma enorme parcela da de no sentido mais plural do termo; e o uso
sociedade compreender os custos da cultura. da internet, especialmente nas plataformas
Os recursos (de tempo, dinheiro, qualificação oficiais, ficou restrito a aspectos de gestão e
técnica) necessários para garantir a criação não logrou alcançar um público fora do pró-
artística, a preservação de patrimônio, as prio setor cultural. O mapeamento do setor
apresentações e tudo o mais na difusão cul- cultural feito nessas plataformas foi parcial,
tural são desconhecidos para a maioria, e datado e pouco eficiente.
82 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

É importante registrar que não só as- na íntegra. O golpe em termos financeiros


pectos inerentes ao próprio PNC foram é triplo: o pequeno recurso não aumenta; o
dificultadores do seu sucesso. Questões con- pequeno recurso diminui; o pequeno recurso
junturais de natureza política e econômica, diminuído é investido pela metade ou menos
como mudanças de governo e crises orça- nas demandas culturais do país.
mentárias, representaram desafios quase in- Ao longo dessa década, não houve
transponíveis para o atingimento de algumas diversificação das fontes de recurso nem
metas, na medida em que minaram a força desburocratização aos meios públicos de
política que liderava o processo e secaram financiamento. Apesar do papel estraté-
os recursos que tornavam o plano exequível. gico na ocupação do tempo livre dos bra-
Nesse sentido, a ausência de estratégias mais sileiros, de atuar de forma não agressiva ao
bem resolvidas e viáveis de financiamento foi meio ambiente e de ser relevante gerador
um dos defeitos capitais do PNC. de trabalho e renda – com 6,2 milhões de
Recursos previstos para a cultura his- trabalhadores no segundo trimestre de
toricamente (como o da loteria) ou no pró- 2020 e mais de 147 mil empresas criati-
prio arcabouço do plano (como o do pré-sal) vas em 2017, de acordo com o Painel de
continuaram indisponíveis, e aqueles que se Dados do Observatório Itaú Cultural –, o
pretendia aumentar (como os percentuais setor cultural continuou tendo acesso a in-
do PIB), ao contrário, foram drasticamen- centivos fiscais pífios quando comparados
te reduzidos. Em 2010, o orçamento federal com os de setores que empregam e ocupam
previsto para a cultura foi de 3,66 bilhões de menos e que poluem muito mais, devido a
reais, com uma execução de apenas 39% des- uma visão equivocada de desenvolvimento
se total, ou 1,43 bilhão. O cenário ruim piorou econômico, que não traz benefício efetivo
ao longo da década. Em 2018, o orçamento nem faz mais sentido no cenário da quarta
federal foi de 2,22 bilhões e, embora a execu- revolução industrial.
ção tenha sido um pouco maior, de 49%, não Também a falta de tradição nacional
atingiu sequer o montante de 2010, ficando de realização de políticas de Estado, e não
em 1,09 bilhão. Os anos de 2019 e 2020 vi- somente políticas de governo, foi um difi-
ram a previsão orçamentária cair ainda mais, cultador, já que mesmo a sucessão de gover-
para 2,02 bilhões e 1,88 bilhão. A execução nos similares e a alternância democrática
em 2019 voltou ao patamar de 39%, baixando não garantiram a manutenção de políticas
o total de recursos federais aportados na cul- de Estado, com raríssimas exceções. Prova
tura para 780 milhões de reais.10 Vê-se, pois, disso é que o Ministério da Cultura, que era o
que o que ocorre é mais grave do que não au- responsável principal por promover as mobi-
mentar os recursos para a cultura; é mais gra- lizações e prover a estrutura e os meios para
ve até do que, em lugar de aumentar, diminuir organização sistêmica do setor cultural, foi
ano a ano os recursos federais destinados à um dos primeiros alvos das forças políticas
cultura. O que acontece é que nem sequer os de oposição ao governo que impulsionou
diminuídos recursos orçados são aplicados o PNC. A extinção provisória do MinC no
EMERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA UM NOVO PNC Claudinéli Moreira Ramos 83

governo que sucedeu o impeachment da do PNC evidencia sua construção e parte


presidente Dilma Rousseff foi revertida da execução durante um período em que o
pela mobilização do setor cultural, porém governo federal deu centralidade à política
viria a tornar-se definitiva, pelo menos até cultural. O período entre 2000 e 2010 foi
o momento, quando o governo conservador marcado pelo processo de ascensão dessa
seguinte chegou ao poder, em janeiro de ideia, e ela perdurou na primeira metade
2019. O campo cultural não teve força para do decênio seguinte. Com os governos Dil-
resistir. Apesar de algumas ocupações e mo- ma Rousseff e Michel Temer, teve início o
bilizações, na prática não foi difícil dissolver processo de gradual decadência da política
tudo, o que demonstrou, de maneira triste, de cultura, o que se acelera fortemente na
que não se pode esperar que a mobilização gestão de Jair Bolsonaro. O momento atual
social resolva tudo. A política cultural re- é pontuado não só pelo declínio da centra-
quer um grau de institucionalidade com lidade política da cultura, mas também por
controle social que a proteja das instabili- um forte antagonismo com o setor cultural
dades políticas. e artístico. A concomitância desse aconteci-
Tais fatores inviabilizaram a consoli- mento com as consequências de uma grave
dação da cultura como política pública de crise econômica, que corrobora e serve de
papel relevante na agenda nacional, ainda pretexto para a perda de espaço do campo
que seja inegável que sua importância au- cultural, torna mais complicado o cenário.
mentou na última década. Apesar da fragi- A extinção do Ministério da Cultura e
lidade e do desmantelamento, mesmo hoje, a rotatividade de gestores à frente da Secre-
estamos em outro momento, o que é sentido taria Especial de Cultura que foi criada para
especialmente em alguns setores, como o de substituí-lo (e atravessou seis mudanças de
livro e leitura e o do audiovisual. Há tam- titular só nos primeiros 14 meses de gestão)
bém municípios com ações que foram muito somam-se à ausência de mobilização em tor-
mais bem estruturadas nesses últimos anos. no da conclusão e avaliação do PNC vigente
Em que pese o cenário ser longe do ideal, o e da formulação do próximo, configurando
avanço da última década não pode ser des- apenas alguns dos dilemas instalados. Por sua
prezado. Ao contrário, é preciso aprender vez, proliferam discursos preconceituosos,
com aquilo que, apesar de tudo, resistiu, críticas a artistas e medidas polêmicas, que
combinando escuta, mobilização social e vão da imposição de valores conservadores
ação local, nas cidades, para que o próximo para o desenvolvimento de projetos culturais
PNC possa ter outra estratégia, outro enga- à redução ou eliminação de ações afirmati-
jamento, outro resultado. vas, passando pela censura de conteúdos
artísticos. A política cultural atual é ofensi-
Mapa de contexto e tendências: vamente dirigista e caminha na contramão
oportunidades e ameaças do respeito à diversidade. Se não tem causado
Não há como falar em planejamento de polí- maior prejuízo, é por desorganização e baixo
tica pública sem contextualização. O exame investimento. Muitos movimentos artísticos e
84 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

culturais, para sobreviver, têm buscado arran- do conservadorismo religioso intolerante,


jos de sustentabilidade longe do poder público. associado ao acirramento de preconceitos
A mobilização social e política que deu diversos, como aqueles voltados para as reli-
origem ao PNC 2010-2020 desarticulou-se. giões de matriz africana ou os manifestados
Ao mesmo tempo, os avanços do período cor- contra imigrantes, como tem sido verificado
roboram o potencial de realização e impacto com venezuelanos e haitianos, entre outros.
da área, o que também é demonstrado pelos Nesse caldo, a tendência ao desrespeito em
inúmeros estudos e pesquisas realizados nos todos os níveis se amplifica, a liberdade de
últimos anos, ainda que estejam dispersos e expressão e o direito à privacidade são cons-
não sejam utilizados pelo governo. tantemente ameaçados, e a censura a pautas
Nessa perspectiva, a questão financei- consideradas imorais, supostamente contrá-
ra é vital e preocupante. O orçamento para rias à família ou ao país, é retomada.
a cultura segue em queda nos últimos anos, Por outro lado, há também uma série de
mas, pior que isso, a execução orçamentária oportunidades que precisam ser reconheci-
nunca atinge o patamar orçado na íntegra. das e aproveitadas, a começar por reconhecer
Em muitos anos, nem sequer a metade dos a importância dos movimentos sociais e que
recursos previstos para a cultura foi aplicada. a mobilização social pode ser retomada, es-
É necessário garantir uma institucionalidade pecialmente pelo fortalecimento de redes lo-
ao setor cultural que tenha lastro orçamen- cais, regionais e temáticas, pela ampliação de
tário e financeiro, com um marco regulatório uso de novas tecnologias e pelo crescimento
que assegure sua execução integral. É preciso da conscientização referente ao lugar de fala
pensar novas formas de compor a questão das periferias, onde também pode ser obser-
econômica, respondendo primeiro às de- vado o surgimento de novos espaços cultu-
mandas setoriais mais graves, que se relacio- rais.11 O desafio é dar continuidade à inserção
nam a segmentos que correm o risco de não das periferias, tanto urbanas quanto rurais e
continuar. Mais do que nunca, o enfoque em regionais, e de grupos alijados do poder po-
pequenos projetos pode ser uma saída viável. lítico-econômico nas políticas culturais, em
Considerando a gravidade da con- termos tanto de usufruto quanto de partici-
juntura, além dos aspectos já tratados, as pação decisória, indo além do que foi iniciado
maiores ameaças identificadas no cenário na década passada, quando uma tônica foi a
atual estão relacionadas a questões mais democratização do acesso. Conquanto con-
gerais, como o aumento da pobreza e da de- tinue primordial, o acesso já não é suficiente.
sigualdade decorrentes da crise econômica Muitas pessoas querem fazer parte, tanto nos
e política do país; o aumento do populismo setores progressistas quanto nos conserva-
e da retórica difamatória, que estigmatiza dores, das esferas decisórias. A questão da
o campo cultural como elitista; a fissura participação surge como tendência em to-
social ocasionada pelo aprofundamento da dos os aspectos: social, econômico, político,
polarização, dos atritos e conflitos entre con- tecnológico, legal e ecológico. O novo plane-
servadores e progressistas; e o crescimento jamento cultural deverá, necessariamente,
EMERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA UM NOVO PNC Claudinéli Moreira Ramos 85

ter a participação social como eixo matricial fruição que contempla muito mais do que
e o uso de ferramentas digitais para a demo- entretenimento e passatempo.
cratização do acesso, da produção cultural Por sua vez, é necessário conseguir avan-
e da participação decisória como uma das çar na construção de sistemas baseados em
estratégias centrais. evidências, que promovam a mensuração de
Nessa direção, é essencial estimular o impactos e evidenciem os valores envolvidos
diálogo entre interlocutores variados, como nos processos e os ganhos sociais e econô-
universidades, coletivos e organizações da micos, ainda que seja necessário construir
sociedade civil, e intensificar a construção de métricas diferentes das convencionais. Da
pontes, intercâmbios e trocas interculturais, mesma maneira, mais do que nunca o finan-
no sentido da valorização da diversidade e na ciamento privado para a arte e a cultura pre-
contramão das polarizações, bem como fo- cisa ser considerado em novas perspectivas, a
mentar a aproximação das demandas locais começar da potencialização das iniciativas de
com pautas transversais agregadoras, como a financiamento coletivo. E as transformações
questão ambiental, a saúde mental e as metas tecnológicas que a economia contemporânea
do milênio. Há que se levar em conta também o tem sofrido e que têm levado ao surgimento de
questionamento aos conceitos do imediatismo novas concentrações e monopólios precisam
e do isolamento que pontua as sociedades con- ser objeto de atenção regulatória também no
temporâneas – características que o avanço da campo cultural, com atuação estatal em defe-
pandemia de coronavírus alçou a um patamar sa da qualificação e atualização tecnológica de
dramático de necessária ressignificação. profissionais para o novo contexto produtivo.
Da mesma forma como a arte e a cultura Esse movimento é determinante do sucesso
desempenham papéis estratégicos, por vezes econômico do campo cultural e da expansão
antagônicos, em momentos de mudança de dos impactos sociais positivos, internos e in-
paradigma como parece ser o atual, as políti- ternacionais, pela alavancagem do softpower
cas artísticas e culturais precisam acompa- brasileiro, entretanto não haverá avanço se o
nhar e participar proativamente da busca de setor cultural não se organizar e promover as
novos caminhos. A proteção da história, da devidas medidas de advocacy.
memória e do patrimônio cultural não deve Por fim, é justamente quando a cultu-
aparecer apenas como preservação do pas- ra e a arte se tornam indesejadas por tantos
sado, mas como uma necessidade absoluta que fica mais evidente a falta que fazem para
da civilização e do convívio presente, sus- cada um e mais fundamental cada esforço de
tentável, tanto quanto o acesso a diferentes formação e de ampliação de repertório. A re-
repertórios e a meios de criação. As políticas dução do vasto patrimônio cultural da huma-
de arte e cultura podem protagonizar o es- nidade ao estreito conjunto de valores de um
forço pela construção de uma nova tempo- grupo, seja ele qual for, é sempre negadora da
ralidade das relações, que não se paute pelo história, limitadora de potenciais e desuma-
consumismo, imediatismo, superficialida- nizadora. O crescimento do número de esco-
de e descartabilidade, numa concepção de las em tempo integral, o surgimento de novas
86 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

formas de distribuição da literatura e da pro- Aqui, o desafio é enfrentar a tendência


dução cultural, o desenvolvimento de novos a tentar contemplar todas as pautas e todas
recursos de acessibilidade e as perspectivas as vozes individualmente, o que é inviável na
crescentes, graças às novas tecnologias, de in- esfera das políticas públicas – incapazes de
teração mais individual com essa produção dar conta de todas as demandas específicas
cultural (interação criadora, contemplativa simultaneamente – e acaba acirrando as
e transformadora) apresentam possibilida- tensões. Sem de modo algum ignorar as de-
des de estabelecimento de novos canais de sigualdades de condições e oportunidades, as
comunicação com os diversos públicos, de políticas culturais precisam contrapor o dis-
criação de vínculo e de valorização da arte e curso ufanista de uma só identidade nacional
da cultura, aspectos que precisam ser mais a uma proposta que não reforce a ruptura e
bem compreendidos e experimentados. a fragmentação. Eis a questão que se colo-
Tudo isso sinaliza o imperativo de refun- ca, pois: é possível ter um plano nacional de
dar a política cultural brasileira, por meio da cultura que, de fato, seja um plano de cultura
concertação de novos acordos sociais, a par- capaz de ser abraçado pela grande maioria
tir dos quais os planos e projetos de políticas das pessoas do país?
públicas devem emergir. Um dos maiores de-
safios nesse sentido é garantir a elaboração Prioridades para um novo PNC
de um planejamento que seja efetivamente O PNC 2010-2020 pode ser lido sob uma
mandatório às gestões que sucedem sua cria- considerável gama de seus defeitos e irreali-
ção. Há que se pensar numa propositura mais zações. Essa, porém, não deve ser a única nem
simples, objetiva e sensibilizadora dos diver- a principal leitura. Primeiro, porque não será
sos atores sociais, lidando com a diversidade justa, já que houve méritos e avanços resul-
cultural brasileira em toda a sua extensão, o tantes tanto do processo de feitura quanto da
que envolve não só o próprio pessoal do setor própria execução do primeiro Plano Nacio-
cultural, mas também a sociedade de manei- nal de Cultura do Brasil. Além disso, é preciso
ra geral, incluindo as parcelas expressivas de romper com a tradição de sempre começar
setores conservadores que ganharam visibili- do zero, ignorando os aprendizados possíveis
dade especialmente a partir de 2016. Exemplo tanto dos erros quanto dos acertos do período
disso, o crescimento do número de evangéli- anterior. Fazer política pública de Estado e de
cos entre os jovens aponta a importância de sociedade passa pela construção da continui-
estabelecer um novo diálogo. Também é ne- dade, da correção, do aprimoramento.
cessário garantir que esse planejamento con- Aprender com os equívocos do PNC
sistente e participativo se transforme em um 2010-2020 passa por reconhecer a necessi-
plano vivo e real, com execução técnica e or- dade de um planejamento mais focado e uni-
çamentária acompanhada, monitorada e ava- ficador, mais conciso e mais exequível. Um
liada como efetiva política pública de Estado, planejamento que seja participativo tanto na
ultrapassando os limites de gestões de órgãos concepção quanto no monitoramento e ava-
públicos com continuidade e estabilidade. liação e que envolva mecanismos garantidores
EMERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA UM NOVO PNC Claudinéli Moreira Ramos 87

do orçamento e da continuidade de execução, • objetivo I – reconhecer e valorizar


para além das gestões políticas periódicas. a diversidade cultural, étnica e regio-
No qual o compromisso de transparência e nal brasileira;
visibilidade seja pressuposto, garantindo a di- • objetivo VI – estimular a presen-
vulgação de processos, resultados e impactos ça da arte e da cultura no ambiente
periodicamente. educacional;
Aproveitar os acertos do PNC 2010- • objetivo IX – desenvolver a econo-
-2020 requer consolidar a avaliação coletiva mia da cultura, o mercado interno, o
e oficialmente. O quadro de avaliação das consumo cultural e a exportação de
53 metas do PNC apresentado neste artigo bens, serviços e conteúdos culturais;
se move nessa direção, mas é fundamental • objetivo XIV – consolidar proces-
que os dados sejam validados pelos agen- sos de consulta e participação da so-
tes competentes, para permitir uma visão ciedade na formulação das políticas
compartilhada acerca dos ganhos e das li- culturais (bem como fortalecer a ins-
mitações dessa empreitada, viabilizando, titucionalidade da cultura).
consequentemente, um horizonte mais
visível de onde estamos e de para onde é Na intenção de evitar reproduzir novo exces-
preciso rumar. so de ações e consequente ausência de foco,
Numa reflexão que é também um ma- buscou-se elaborar um rol sucinto e viabi-
nifesto, o entendimento aqui defendido é lizável de metas. Assim, se o grupo reunido
de que é possível e necessária a elaboração pelo OIC fosse instado à responsabilidade de
amplamente participativa do novo Plano elaborar o Plano Nacional de Cultura 2021-
Nacional de Cultura, de maneira organiza- -2030, essa carta náutica teria 4 grandes
da, objetiva e capaz de promover um acordo objetivos centrais e as seguintes 20 metas, a
nacional que valorize as dimensões simbó- ser detalhadas em prazos, quantidades e im-
lica, cidadã e econômica do fazer artístico pactos pretendidos, para tornar mais preciso
e cultural em favor do povo e do país. Nessa e fácil o seu acompanhamento, eventuais re-
direção, o exercício proposto nesta publica- visões e ajustes e sua avaliação.12
ção traz uma última contribuição, na forma
de uma reorganização de prioridades – mais I – Reconhecer e valorizar
que tudo, uma provocação final para a con- a diversidade cultural, étnica e
tinuidade do debate. regional brasileira
Considerando os 16 objetivos presentes
na Lei no 12.343/2010, que instituiu o Plano 1. Realizar e divulgar, por meio de uma
Nacional de Cultura, e analisando o cenário plataforma digital pública, com cura-
atual e os desafios que se impõem hoje para doria de especialistas e gestores da
a próxima década, foram definidos quatro informação, um mapeamento do
objetivos prioritários, a ser foco do PNC setor artístico e cultural brasilei-
2021-2030: ro, identificando: manifestações
88 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

culturais; linguagens artísticas; ar- e expressões tradicionais e assegure


tistas; agentes culturais (trabalhado- o acesso público e os direitos de seus
res remunerados e não remunerados, detentores.
tais como realizadores, produtores
e gestores); espaços culturais; or- II – Estimular a presença da arte
ganizações públicas e privadas for- e da cultura no ambiente educacional
malizadas; movimentos e coletivos
informais; patrimônio imaterial. 6. Implantar a disciplina de arte no
2. Aumentar os recursos públicos fede- currículo escolar regular com ênfa-
rais para a cultura, garantir a desti- se em cultura brasileira, linguagens
nação de percentual legal da loteria artísticas e patrimônio cultural em
e promover transferências regulares 100% das escolas de educação básica
para os fundos estaduais e munici- no país.
pais de cultura de entes federativos 7. Proporcionar aperfeiçoamento pro-
que atuem no reconhecimento e va- fissional aos professores de arte na
lorização de suas produções artísti- educação básica das escolas públi-
cas e culturais. cas e produzir material pedagógico
3. Promover editais de fomento: a) relacionado a temáticas artísticas e
à produção artística e cultural e à de diversidade cultural, com ênfase
universalização do acesso aos bens na ampliação do conhecimento a res-
artísticos e culturais, assegurando peito das culturas indígenas, africa-
a participação de projetos de base nas e demais formadoras do país em
comunitária e a diversidade de se- cada região.
lecionados; b) a estudos e pesquisas 8. Oferecer atividades de arte e cultura
relacionados à diversidade cultural no contraturno escolar em 100% das
brasileira, que viabilizem conexões e escolas públicas de educação básica e
autorias compartilhadas entre insti- fomentar programas que viabilizem
tuições de ensino e pesquisa e grupos a presença mais frequente de estu-
culturais detentores de saberes não dantes da educação básica e superior
formais; e c) a festivais regionais e em espetáculos artísticos e visitas a
nacionais de diversidade cultural. equipamentos culturais.
4. Estimular a criação de programas 9. Ampliar a oferta de cursos de mes-
e campanhas de divulgação e valo- tres de saberes tradicionais em uni-
rização da diversidade cultural nos versidades.
diversos meios de comunicação.
5. Desenvolver o Plano Nacional de III – Desenvolver a economia
Preservação do Patrimônio Cultu- da cultura, o mercado interno, o
ral, que promova reconhecimento e consumo cultural e a exportação de
registro de saberes, conhecimentos bens, serviços e conteúdos culturais
EMERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA UM NOVO PNC Claudinéli Moreira Ramos 89

10. Mapear as cadeias produtivas de to- estratégica, sistemática e continua-


dos os segmentos da economia cria- mente avaliada.
tiva, promovendo a mensuração do
valor e do impacto socioeconômico IV – Consolidar processos de
das atividades de arte e cultura e o consulta e participação da sociedade
cálculo do retorno social derivado na formulação das políticas
do investimento em políticas públi- culturais, bem como fortalecer a
cas culturais. institucionalidade da cultura
11. Desenvolver projetos de apoio à
sustentabilidade econômica da pro- 14. Aprovar a lei do Sistema Nacional
dução cultural local que criem em- de Cultura (SNC) e consolidar sua
pregos formais no setor cultural e efetiva implantação, articulando
que qualifiquem e profissionalizem e integrando os demais sistemas
agentes e gestores culturais no setor estaduais e municipais de gestão
público e no setor privado. cultural.
12. Estimular a diversificação dos me- 15. Realizar as Conferências Munici-
canismos de financiamento para a pais e Estaduais de Cultura bienal-
cultura (por meio de orçamentos mente e a Conferência Nacional de
governamentais; renúncia fiscal Cultura a cada quatro anos, mobi-
atualizada e ampliada; incremento lizando sociedade civil, gestores
dos fundos públicos e incentivo ao públicos e privados, organizações
estabelecimento de fundos priva- e instituições do setor e agentes ar-
dos; incentivo a doações e patro- tísticos e culturais.
cínios de instituições e empresas 16. Garantir a instalação regular dos
públicas e privadas e ao financia- colegiados e a elaboração dos pla-
mento facilitado, por parte de ins- nos de todos os setoriais do CNPC,
tituições bancárias e de crédito) bem como estimular a criação e
e promover a coordenação entre atuação de conselhos paritários
os diversos agentes econômicos, democraticamente constituídos
visando elevar o total de recursos nos demais entes federados.
destinados ao setor cultural de for- 17. Criar uma plataforma digital para
ma descentralizada e atenta às suas consulta, acompanhamento e ma-
especificidades. nifestações referentes ao PNC, que
13. Estruturar programas permanen- seja periodicamente atualizada
tes de divulgação e valorização da para assegurar a transparência e
diversidade cultural brasileira no visibilidade das ações e resultados
exterior, ampliando a presença e o e para facilitar o controle social.
intercâmbio da cultura nacional no 18. Criar mecanismos de participação
mundo contemporâneo de maneira e representação das comunidades
90 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

tradicionais, indígenas e quilom- refira à pandemia como um marco, sinalizando


bolas na elaboração, implementa- um antes e um depois do vírus. Existem expecta-
ção, acompanhamento, avaliação e tivas positivas de que uma nova lucidez se disse-
revisão das políticas de proteção e mine entre as pessoas, renovando a consciência
promoção das próprias culturas. de que não podemos mais viver assim nem ex-
19. Estimular a ampliação da participa- plorar o planeta assim. Despontam temores de
ção da sociedade civil organizada na retrocesso e acirramento de desigualdades, em
realização das políticas culturais, face da crise econômica que é o primeiro mais
por meio dos mecanismos legais certeiro legado de todo esse cenário emergen-
disponíveis, como as leis de Pontos cial, colado ao mal maior causado – a perda de
de Cultura, do MROSC e das orga- incontáveis vidas. Todas essas possibilidades
nizações sociais. estão abertas e mudaram o caldo das reflexões
20. Apoiar, por meio de recursos do e proposições que víamos pela frente quando
Fundo Nacional de Cultura e ou- começamos nossa jornada de produção desta
tros, a implementação dos planos publicação. Foi inevitável perguntar: toda essa
de cultura municipais e estaduais formulação continua válida?
e dos planos setoriais das áreas de Uma vez que fomos impelidos a um mo-
arquivo, artes visuais, artesanato, mento de radical repensar do presente e do
circo, culturas populares, culturas futuro, coube refletir se o que imaginávamos
indígenas, culturas afro-brasileiras, para o novo Plano Nacional de Cultura se man-
dança, design, livro e leitura, moda, tinha, se havia mudado e, nesse caso, em que
museus, música e teatro, bem como consistiriam as possíveis mudanças. Por isso,
estimular a elaboração dos demais os convidados presentes no encontro de março
planos setoriais de arte e cultura. foram novamente provocados a contribuir e,
por meio de contatos virtuais, realizados via
Emergências e desafios e-mail ou videochamadas, sete dos nove par-
de um plano nacional de cultura ticipantes originais se posicionaram: Antônio
em tempos de pandemia Grassi, José Castilho Marques Neto, Leandro
A terrível crise sanitária que mudou o curso Valiati, Pablo Ortellado, Paula Gomes, Paulo
de 2020 atingiu esta publicação quando ca- Roberto Ferraz von Zuben e Vincent Carelli.
minhávamos para uma conclusão, trazendo O entendimento de que ainda faz senti-
uma longa, dura e imprevista interrupção. O do pensar na construção coletiva de um novo
exercício tinha sido realizado, a avaliação fei- PNC é unânime. A verdade é que a pandemia
ta e as propostas elaboradas. Então, o mundo e suas consequências apenas aprofundaram
iniciou a travessia desse apocalíptico revés. as observações e as recomendações formu-
Essa forçosa pausa trouxe mudanças ex- ladas. Cresceram a intensidade e a urgência
pressivas para todo mundo, em todo o mundo. dos problemas, todavia continuaram perti-
Não são poucos os que defendem o aflorar de nentes as críticas e sugestões apresentadas,
um novo normal a partir dessa crise. Há quem se os objetivos e metas apontados.
EMERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA UM NOVO PNC Claudinéli Moreira Ramos 91

“Este momento de perdas em tantos âmbitos diversos níveis – municipal, estadual e fede-
evidenciou ainda mais a importância da po- ral – precisam de uma atuação mais intensa e
lítica pública cultural. Afinal, foi assistindo coordenada nacionalmente, para que os esfor-
a filmes, lendo livros ou escutando o vizinho ços não se fragmentem e gerem mais perdas. A
tocar uma música da janela que muita gente atuação forte e inteligente do Estado é decisiva
amenizou suas dores ou encontrou a forma nesses momentos. Por isso, a União Europeia
de manter-se saudável, física e mentalmen- aprovou um enorme pacote de auxílios públi-
te, durante os dias tão difíceis de confina- cos para o setor cultural.” Leandro Valiati
mento”, afirma Paula Gomes.
O novo golpe acabou reavivando a mobili-
Paradoxalmente, a pandemia que fez a produ- zação do setor cultural brasileiro. Os canais
ção cultural ser tão valorizada acentuou a crise digitais testemunharam a movimentação da
de desvalorização do setor de arte e cultura. A área em busca de socorro, numa rearticulação
crise imposta pela impossibilidade do exercí- que ultrapassou as barreiras do isolamento e
cio presencial das atividades culturais ao vivo, conseguiu acionar o Poder Legislativo, culmi-
que afastou as pessoas dos espaços de convívio nando na Lei no 14.017, de 29 de junho de 2020,
e fruição coletiva, lançou uma enorme quanti- conhecida como Lei de Emergência Cultu-
dade de artistas e produtores numa situação de ral Aldir Blanc, em homenagem ao brilhante
calamidade e quase penúria. As mesmas pes- letrista, compositor e cronista brasileiro que
soas que consumiram avidamente arte e cul- relatou dificuldades financeiras agravadas
tura pelos canais digitais demonstraram muito pela pandemia e padeceu vítima de covid-19.
pouca sensibilidade ao drama do setor cultural, A pandemia afetou a todos, mas apenas
exacerbado quando o governo federal excluiu o setor cultural teve de correr atrás de uma lei
artistas e trabalhadores da cultura do auxílio de auxílio emergencial específica. O aumento
emergencial para os trabalhadores brasileiros. do consumo cultural por meio dos canais di-
Diferentemente do que aconteceu nos gitais foi imenso, e nem assim o desprestígio
países mais desenvolvidos do mundo, o go- da classe artística foi revertido ante o gover-
verno brasileiro tentou se eximir de qualquer no federal. Mesmo consumindo mais arte e
apoio ao setor cultural. Enquanto a União cultura durante o isolamento, de modo geral,
Europeia aprovava um enorme pacote de au- a grande maioria da sociedade permaneceu
xílios públicos para o setor cultural, o Estado alheia aos destinos do setor de cultura e arte.
brasileiro rumava na contramão da defesa da Os acontecimentos de 2020 evidenciaram
importância cultural para o país, numa visão que, mais do que nunca, o Brasil precisa de
que prejudica tanto o desenvolvimento social um projeto nacional para o setor cultural, na
quanto a economia. forma de uma política cultural consistente e
democraticamente construída.
“Na história da economia mundial, momentos
de grandes crises só foram superados com pla- “O desafio acima de todos os outros envolve
nejamento e atuação consistente do Estado. Os não apenas a cultura, mas toda a sociedade,
92 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

que cada vez mais terá que decidir se segue do setor como cadeia produtiva. É preciso
pela via democrática ou se criará um Esta- inserir a pauta das políticas culturais no
do vassalo e subordinado, necessariamente mesmo rol de defesa e fortalecimento dos
autoritário, que exercerá um poder apenas demais polos geradores de emprego e renda,
aparentemente democrático. A essa encruzi- o que requer o conhecimento e reconheci-
lhada política, que depende de muitos fatores, mento da importância da arte e da cultura
devemos ficar atentos e, sempre que possível, como vetores estratégicos de desenvolvi-
vigilantes, para não pensarmos que o setor mento social e econômico.
cultural flutua acima do Brasil autoritário e
excludente que está em marcha e que a so- “Minha maior lição na área cultural foi a de
ciedade civil precisa recusar.” José Castilho que não se pode disputar com a área de se-
gurança, educação, saúde. Será sempre mais
Primeiro, porque as antigas necessidades se importante construir um hospital do que um
mantiveram e agravaram. Ficou mais eviden- teatro. Nesse grau de disputa, perdemos. Por
te a urgência de uma atuação consistente e isso, mais importante do que ter uma secre-
ampla, capaz de ir além das divisas do próprio taria de Cultura dedicada é ter uma área de
setor cultural, sensibilizando a sociedade para o cultura em cada secretaria, para que a im-
entendimento de que a política cultural do país portância da cultura seja observada em cada
se refere a todos em nosso território. Ela tem a campo e possa ser pensada de maneira mais
ver com educação, saúde, segurança. Envolve transversal.” Antônio Grassi
o aprendizado e o exercício da cidadania, em
direitos e deveres que passam pela expressão de A conjuntura adversa demonstrou ainda que
diferenças, pela prática do respeito e pela cons- essa construção precisa ser não só coletiva,
trução de convívio democrático. Afeta campos mas plural, mais plural do que antes, na pers-
simbólicos, sentimentos, emoções, tanto no pla- pectiva de ir além da mobilização corporativa
no individual quanto no coletivo, e certamente do próprio setor cultural e do setor político. A
tem muito de entretenimento. Para que tudo participação coletiva na construção do PNC
isso seja possível, uma complexa rede de pro- foi decisiva para dar voz a muitos agentes
fissionais e instituições precisa ser mobilizada. culturais excluídos da formulação das polí-
É preciso que todos entendam que o que para ticas públicas para a cultura no país, e essa
muitos é pura diversão, experiência informal, conquista histórica não pode ser perdida.
ocupação do tempo livre e até aquela agradável Entretanto, é essencial que a construção do
companhia enquanto se faz outra coisa, para plano de cultura do Brasil se volte para a so-
outros muitos, é vocação e trabalho árduo. ciedade brasileira, mais do que para a área
Não se trata de pretender favoreci- cultural nacional.
mento em relação aos demais setores pro-
dutivos, mas de ser considerado como um. “É essencial compreender que o objetivo
Sobretudo, trata-se de não ser prejudicado principal de uma política cultural mais
por preconceito e pela ausência de aceitação abrangente não deve ser os fazedores de
EMERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA UM NOVO PNC Claudinéli Moreira Ramos 93

cultura, os artistas, mas sim a sociedade. E impacto social que a cultura tem na vida das
também é quase impossível se a sociedade pessoas.” Paulo Zuben
não abraçar esse entendimento, se não reco-
nhecer a necessidade do setor cultural. Mui- A pandemia deixou mais exposto o abismo
tas vezes ficamos fechados na nossa própria de desigualdade social no Brasil, manifesto
‘bolha’, até na própria linguagem com que a também na diferença gigantesca em termos
gente trabalha. Nosso grande desafio conti- de acesso e capacitação para o uso adequado
nua sendo descobrir como trazer a causa da das ferramentas tecnológicas de informa-
cultura para o interesse das pessoas. Entre ção e cultura, tanto no cenário macrossocial
outras coisas, precisamos de uma linguagem quanto no campo especificamente cultural.
mais direta, acessível sem desmerecer a in- O isolamento foi imposto a todos, mas alguns
teligência de ninguém, voltada para quem não puderam ficar em casa ou tiveram de re-
está fora da nossa ‘bolha’. Lembrando Gil- tornar mais cedo ao trabalho, quando ainda
berto Gil: o povo sabe o que quer, mas também não era seguro. Na ausência de espaços de
quer o que não sabe.” Antônio Grassi convívio social, as tecnologias de informa-
ção e comunicação eram a alternativa que
Além disso, a multiplicidade de vozes envol- permitiu a continuidade do trabalho, do es-
vidas não pode acarretar a construção de um tudo, do lazer e da fruição cultural para mi-
documento complicado demais. Esse plano lhões de pessoas. Não para todos. Não para
precisa ser simples, efetivamente estratégi- a maioria. Ao mesmo tempo que cresceram
co e popular, nos sentidos mais amplos do vertiginosamente a venda e o uso de ferra-
termo, tanto de pertencimento geral quanto mentas e plataformas digitais, muita gente
de conhecimento generalizado. É preciso in- ficou de fora da única interação social pos-
dicadores objetivos para metas viáveis, uma sível no momento, a virtual, justamente pela
análise de risco e um cronograma bem cons- ausência de equipamentos, conhecimentos
truídos, além de clara definição de papéis e e acesso à internet.
responsabilidades, para que a realização des-
ses objetivos possa ser alcançada. “Apesar do desastre humanitário provocado
pelo vírus, o Brasil que temos ainda é o mes-
“É fundamental que se leve em conta que mo de antes. As carências estruturais que
a discussão do PNC precisa ser conduzida temos ainda são as mesmas, as consciências
com os entes federativos, com a participação das elites mandantes são as mesmas, o des-
do Legislativo e da sociedade, para que a cul- prezo generalizado dos governos à cultura
tura possa ser um eixo central na elaboração e à educação é o mesmo. Há uma situação
das políticas públicas. Para isso acontecer, geral do setor cultural neste ‘mundo real’,
é necessário um mapeamento extensivo do que é a situação da absoluta maioria dos
nosso ecossistema, uma análise confiável do brasileiros, que vive em condições de pe-
impacto financeiro do nosso setor na econo- núria econômica, impossibilitada da maior
mia e, principalmente, o cálculo estimado do parte dos direitos de cidadania. O cenário
94 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

pandêmico aprofundou e desnudou, ainda capacitação para o uso das novas tecnologias
mais, o que já era dado.” José Castilho despontou como uma das principais tarefas
do setor cultural pós-pandemia. É um desafio
A questão digital foi simultaneamente um ga- duplo, que envolve a democratização dos bens
nho inesperado e a confirmação de uma in- digitais no âmbito do próprio setor cultural
feliz tradição. De um lado, demonstrou que o e da sociedade em geral, para garantir tanto
trabalho remoto, a educação a distância, a co- aos fazedores quanto aos públicos culturais
municação para os mais diversos fins e mes- o ingresso e a participação nesse universo
mo a fruição cultural podem ter muito mais novo. A área cultural agora precisa lidar mais
possibilidades, vantagens e adeptos do que atentamente com as questões de acesso à in-
se imaginava. De outro, exibiu a duplicação ternet, qualificação para o uso dos recursos
da desigualdade que historicamente assola o tecnológicos, suporte técnico para criação e
país do mundo real para os meios virtuais. A compartilhamento de conteúdo, apropriação
covid-19 não causou a exclusão digital, apenas de novas linguagens e formatos para produ-
revelou o tamanho do problema e os prejuízos ção e distribuição de conteúdo, construção de
enormes que ele causa, como um ano letivo meios de monetização de seus produtos, com-
praticamente perdido para a rede pública de preensão das demandas e hábitos desse novo
ensino do país. No âmbito cultural, apontou público, que poderá ter contato com aquela
a dificuldade de um sem-número de artistas, criação tanto no momento de sua exibição
coletivos e instituições que, de um dia para como, a depender dos formatos desenvolvi-
o outro, praticamente ficaram sem público dos, no dia seguinte ou muito tempo depois.
e sem condições de sobrevivência e que não Tudo isso sem deixar de buscar responder a
faziam ideia de como utilizar as novas janelas, todas as demais necessidades que já faziam
ou não tinham a mínima condição de fazê-lo. parte do universo presencial, físico, no qual se
pretende continuar a atuar e a crescer.
“Ensaiamos uma nova era, em que o mundo
virtual ocupará um espaço cada vez maior na “A primeira lição da pandemia para o setor
informação e comunicação, reconfigurando cultural é que não estávamos preparados
a educação e a produção e difusão da cultura. para a mudança na maneira como as pes-
Assim como a pandemia revelou a necessi- soas passaram a consumir cultura com o
dade de uma renda mínima para a população isolamento social. Não antecipamos a pos-
sem renda, a marginalização dos milhões sibilidade de que a fruição presencial de arte
de jovens estudantes das populações mais e cultura poderia não ser possível e, por isso,
fragilizadas que não têm internet em casa poucas foram as instituições que estavam
clama pela universalização desse acesso.” realmente preparadas para migrar para
Vincent Carelli o mundo virtual de maneira consistente.
Por outro lado, isso trouxe para todos uma
A superação das desigualdades virtuais pela perspectiva positiva de que podemos alcan-
garantia de acesso qualificado à internet e pela çar um público muito maior, mas, para isso
EMERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA UM NOVO PNC Claudinéli Moreira Ramos 95

acontecer de maneira efetiva, vai ser ne- marcados por dinâmicas partidarizadas. Sem
cessário repensar o formato, o conteúdo e o ignorar o legado dessas práticas, internacio-
tempo que as pessoas terão para consumir nalmente reconhecidas, é fácil perceber que
cultura no futuro.” Paulo Zuben elas tendem a ter mais sucesso quando existe
alinhamento entre os entes governamentais
A tentativa de realização de conferências po- e os representantes da sociedade civil. Em
pulares de cultura ainda no cenário pandê- tempos de desacordo, é comum ver as ins-
mico de 2020, entre diversos outros eventos tâncias participativas ser esvaziadas ou so-
relacionados às políticas culturais, demons- frer intervenções controversas. O desgaste
tra que o setor começa a se apropriar dessa desses períodos tende a ser maior do que os
possibilidade como uma alternativa concreta avanços. Essa reflexão é necessária para que
para encurtar fronteiras, evitar grandes des- se avaliem as reais possibilidades de conso-
locamentos (e os respectivos gastos) e pro- lidação das políticas públicas a partir de me-
mover novas ações conjuntas. A elaboração canismos de participação social, seja para
do PNC 2021-2030 poderá se beneficiar mui- fortalecê-los de maneira a evitar partidari-
to desse aprendizado, desde que se observe a zações e desaparelhamentos, seja para rever
necessidade de novas estratégias de aproxi- a estratégia de ação, utilizando, por exemplo,
mação e diálogo, que permitam a escuta da conselhos compostos por meio de sorteio.
diversidade de vozes, o estabelecimento de
pontes entre realidades bem diferentes, o “Será que podemos começar a experimen-
intercâmbio de experiências e a construção tar no Brasil formas de participação como
coletiva de propostas e de um consenso. os modelos de democracia deliberativa ba-
seados em conselhos compostos por meio
“A gente tem um desafio grande nesse con- de sorteio? Experiências internacionais
texto pós-pandemia, que é, por um lado, nes- têm mostrado que formas de participação
te país onde o abismo social só aumentou, na qual representantes são sorteados entre
assegurar que as diferentes vozes estejam os membros da comunidade favorecem a
contempladas nesse pensamento por uma indicação de pessoas comuns, em vez de li-
política cultural. E, por outro lado, entender deranças políticas, levando a processos de-
como democratizar o acesso a essa produção liberativos menos conflitivos. Isso poderia
cultural tão diversa para que ela de fato cir- favorecer a aceitação das políticas públicas
cule, chegando aos públicos dos seus terri- que venham a ser deliberadas por forças
tórios, mas também cruzando as fronteiras político-partidárias mais amplas, colabo-
para além deles.” Paula Gomes rando para que se consolidem como ações
de Estado, e não de governo.” Pablo Ortellado
Nessa direção, também cabe propor outras
formas de fomento à participação, para além De fato, é urgente pensar novos formatos
dos mecanismos legais previstos, como as de relacionamento, participação, produção
conferências e os conselhos, por vezes e fruição de arte e cultura, considerando o
96 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

legado do PNC e o aprendizado deste doloro- britânico do Arts Council, que conta com
so 2020, para que suas lições não persistam recursos da loteria, e as leis da França e da
como ameaça de novas tragédias. As oportu- Inglaterra, que permitem que as instituições
nidades e desafios mais evidentes envolvem possam receber recursos ininterruptos por
as novas janelas digitais e uma aproximação alguns anos, entre outras referências interna-
maior com a educação e a saúde. A histórica cionais, poderiam servir de inspiração para o
questão do financiamento igualmente se re- modelo brasileiro.” Leandro Valiati
coloca com ênfase, reforçando a importância
de aprovação de leis estaduais e municipais Mesmo a Lei Aldir Blanc (LAB), talvez a
de fomento regular, que beneficiem editais maior mobilização do setor cultural na his-
das diversas linguagens artísticas e cultu- tória do país, tão importante para assegurar
ras populares, além de um trabalho perma- direitos e evitar uma catástrofe ainda maior
nente de pesquisa e divulgação relacionado do setor cultural brasileiro em 2020, não é
à economia da cultura. A inovação também política indutora, simplesmente compensa
precisa ser experimentada, para gerar mais grandes perdas do setor. Ela nos permitiu
equidade em termos de financiamento e lidar com um dos grandes desafios da pan-
acesso ao mercado, de maneira que mais demia e fator de constante risco do setor:
agentes tenham capacidade de ser susten- a necessidade de proteção do trabalhador
táveis economicamente, mesmo que seja por informal, num contexto em que a transfe-
meio de auxílios públicos, o que é legítimo rência de renda simultaneamente comba-
para as artes e é o que acontece em vários teu a pobreza e apoiou os rendimentos do
lugares do mundo. Não podemos depender trabalho informal. Para ir além de medidas
apenas de leis de incentivo, sobretudo con- sempre mitigadoras ou compensatórias e
siderando a assustadora crise econômica que iniciar um ciclo de desenvolvimento conti-
se avizinha na sombra da pandemia. nuado, no entanto, é necessário transformar
essa experiência pontual imprescindível,
“Precisamos gerar mais equidade nos mer- advinda de um contexto dramático, numa
cados culturais brasileiros. Só sobreviveu na conquista estruturante, de implementação
pandemia quem tinha algum poder de merca- de um mecanismo de proteção permanente.
do, quem teve capacidade de ser sustentável Mas algo tão impactante não será consegui-
economicamente. O setor cultural brasileiro do sem que uma extraordinária mobilização
é muito frágil estruturalmente, em termos de seja mantida.
financiamento e de acesso ao mercado. Nosso Por isso, e porque não há como iniciar
modelo de financiamento público com base uma nova e massiva luta a cada pauta, é de-
na oferta final, de ‘produtos na vitrine’, como cisivo que a mobilização que deu origem à
no caso da Lei Rouanet, simplesmente é um Lei Aldir Blanc avance para uma construção
modelo que faliu. O PNC precisa dedicar mais estruturante. A convergência dos me-
grande atenção a novos mecanismos de fi- canismos de transferência de recursos dessa
nanciamento, que criem induções. O modelo lei com os componentes do Sistema Nacional
EMERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA UM NOVO PNC Claudinéli Moreira Ramos 97

de Cultura já serviu para impulsionar a reto- por acaso, Vincent Carelli chama a atenção
mada da discussão de sistemas de cultura em para a responsabilidade que temos nessa
diversos entes federados. A regulamentação nova era que ensaiamos viver, em que cabe
do SNC voltou à pauta do Congresso Nacio- a todos nós, como sociedade civil, propor e
nal, e a Presidência da República se mani- difundir o mundo que queremos.
festou em outubro de 2020 num despacho Mas como aproximar as pessoas que
ao Congresso solicitando a prorrogação da não atuam diretamente no setor cultural?
vigência da lei do PNC. Certamente a recente Precisamos demonstrar que cultura é edu-
movimentação da área cultural teve influên- cação, observa Paulo Zuben. E apontar a
cia nessas medidas. cultura como direito e cidadania, para que
Por sua vez, todo o processo de cons- possamos ter um novo PNC civicamente
trução da LAB, usando as redes sociais, os são e generosamente humano, ressalta José
encontros virtuais e acionando fortemente o Castilho. Por sua vez, Leandro Valiati des-
Poder Legislativo, foi uma injeção de ânimo taca que cultura gera bem-estar em distin-
e um vetor de unidade do setor e sinaliza um tos níveis, e o que a pandemia nos mostrou
caminho promissor para a rearticulação em é que precisamos sofisticar o que nos gera
prol de um movimento forte de implantação bem-estar. Afinal, como bem lembra Antô-
do SNC, de construção do novo PNC e de no- nio Grassi, a cultura é um bem de todos, não
vas reivindicações coletivas. é só de quem a faz, e, por isso, sempre fará
sentido pensar num PNC, mesmo sabendo
“A Lei Aldir Blanc é a retomada de uma ar- que muitas vezes ainda estaremos longe de
ticulação do setor cultural com um socorro conseguir executá-lo plenamente.
emergencial aos trabalhadores da cultura, e Todos concordamos com isso. Esta-
nos mostra também que a via do Legislativo mos dispostos a esse empenho de diálogo,
é importante para impor ao governo compro- elaboração e realização coletiva. Conside-
missos, num momento em que instituições rando que a leitora ou o leitor que chegou
culturais são desarticuladas.” Vincent Carelli até aqui também esteja, vale a pena terminar
esta reflexão com uma provocação de Pablo
Tal como no caso da LAB, o setor cultural Ortellado ao próprio setor cultural: o que
precisa se articular na direção de um novo podemos fazer para ampliar a legitimidade
PNC e, mais que nunca, fazer isso em diá- das atividades culturais que estão sendo tão
logo estreito com a sociedade, para que atacadas por algumas forças políticas? Que
nossas muitas vozes possam se encontrar possamos juntos responder a essa questão
no compartilhamento de uma construção nos próximos encontros de construção do
conjunta, na qual, como diria Paula Gomes, Plano Nacional de Cultura.
a partir da sabedoria ubuntu, “eu sou porque
nós somos”; ou haverá uma política cultural Finalizando: por um novo PNC
ampla e capaz de abraçar toda a nossa diver- Os resultados aqui sintetizados não têm a
sidade ou não haverá política cultural. Não pretensão de relatar cada atividade feita e
98 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

conclusão apontada ou de externar com exa- graus, de todas essas possibilidades e outras
tidão as vozes presentes, seja no encontro mais. O desafio está em promover uma cons-
promovido ou na consulta em face da pande- trução que aproveite a contribuição da diver-
mia, mas, sim, de apresentar, a partir do diá- sidade, que mobilize e permita a expressão de
logo estabelecido, o consenso que foi possível todos os interessados de maneira estruturada
construir nesse experimento de dedicação e produtiva, que não se pretenda exaustiva,
de alguns profissionais do campo cultural. resolvedora das complexidades do setor e da
Foi um pequeno exercício de uma tarefa sociedade, mas viável, consensual, significa-
bastante ambiciosa e complexa, dessas que tiva, e dotada de afinidade com os diversos
em geral constituem somas em que há per- públicos. Que posicione a cultura nas pautas
das e transformações; acordos formados em estratégicas com centralidade, com institu-
cima de divergências e, não raro, conflitos. cionalidades adequadas e sustentáveis, com
Numa escala infinitamente menor, essa for- envolvimento público na gestão e na viabili-
mulação compreende – tanto para seus par- zação, avaliações que façam sentido e mais
ticipantes como, e principalmente, para seus fruição e repertório.
leitores – o mesmo desafio de um PNC: é pre- Foi essa a conclusão possível antes que
ciso muita abertura, diálogo, compreensão um novo personagem entrasse na história.
de limites, interação e disposição para criar Então nos perguntamos: será que o resultado
pertencimento e compromisso de realizar. apresentado aqui seria igual se tivesse sido
Eis uma lição a mais a ser considerada produzido após a pandemia de coronavírus?
para a elaboração do próximo Plano Na- A pergunta agora é: de que tipo de Plano Nacio-
cional de Cultura, que nos leva a observar nal de Cultura o Brasil necessita para esse novo
nossos próprios limites – não só de tempo cenário que ainda não descobrimos qual é?
e quantidade de pessoas, mas mesmo de di- Este registro conclui um trabalho que
versidade. Apesar das inúmeras diferenças talvez seja muito transformado, em direções
de lugares de origem e atuação, o grupo que que ainda não há como precisar de dentro do
deu origem às formulações aqui expostas era furacão de onde escrevo. Um novo encontro
todo oriundo do campo cultural. Essa dis- e novos diálogos serão necessários até que
cussão precisa chegar àqueles que ignoram possamos apresentar uma conclusão mais
sua existência e importância. adequada ao novo (desconhecido?) compas-
Atividades assim mostram a riqueza e a so em que gira a roda da história. Todavia, a
complexidade do trabalho coletivo. Os artigos velha convicção que se mantém foi testada
internacionais que completam esta publica- muitas vezes durante esse complexo cená-
ção indicam várias maneiras de compor o rio: teremos mais chance de superar bem
planejamento pretendido: com participação a crise se alinharmos planejamento cons-
popular em reuniões e conferências, com truído junto, engajamento dos agentes do
participação popular virtual, com comitês de setor, ampla participação social e a atuação
gestores públicos, com comitês de acadêmicos consistente de um poder público ciente de
e especialistas, com a mistura, em diferentes suas responsabilidades.
EMERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA UM NOVO PNC Claudinéli Moreira Ramos 99

Claudinéli Moreira Ramos


Historiadora, mestre em filosofia da educação e doutoranda em informação e cul-
tura pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Foi
coordenadora das unidades de museus e de monitoramento e avaliação da Secretaria
da Cultura do Estado de São Paulo e atualmente é consultora da Unesco e professora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

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Notas

1 AZEVEDO, Sônia Cristina Santos de. Ditadura militar brasileira e Política Nacional
de Cultura (PNC): algumas reflexões acerca das políticas culturais. Revista
Brasileira de Sociologia, v. 4, n. 7, p. 317-339, jan.-jun. 2016.

2 FERNANDES, Natalia Ap. Morato. A política cultural à época da ditadura militar.


Contemporânea – Revista de Sociologia da UFSCar. São Carlos, v. 3, n. 1, p. 173-
-192, jan.-jun. 2013.

3 Mais informações sobre leis de sistemas de cultura podem ser obtidas em: http://
portalsnc.cultura.gov.br/legislacoes/.
102 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

4 Idealizado como uma plataforma de coleta e sistematização de dados, o


Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais passou por diferentes
concepções de desenvolvimento. A que mais prosperou, chegando aos dias
atuais, perfaz um mapeamento autodeclaratório de agentes culturais diversos,
com deficiências conceituais, metodológicas e informacionais que, apesar
de valiosos esforços coordenados pelo MinC até 2016, não lograram ser
resolvidas. Contrariando o que seus idealizadores pretendiam, hoje o SNIIC
é uma base desatualizada, não raro com páginas fora do ar, com duplicidade
de informações ou graves lacunas, sem checagem e sem validação das
informações disponíveis e praticamente inútil para aferição de quaisquer
indicadores. Apenas a título de exemplo, em consulta feita ao endereço
http://mapas.cultura.gov.br – atual repositório do SNIIC – em 23 de outubro
de 2020, foram localizados 88.591 agentes (entre individuais e coletivos), 21.415
espaços culturais (incluindo 2.232 “espaços sem localização”) e 3.013 projetos
na plataforma. Se considerarmos apenas o número de participantes pessoa
física da III CNC, estimado em 450 mil, segundo o Ministério da Cultura, vemos
que até mesmo os agentes que contribuíram ativamente para a construção do
Plano Nacional de Cultura estão, em sua maioria, ausentes do SNIIC. Mas, se
quisermos uma abordagem com dados mais contemporâneos, basta dizer que
a própria Secretaria Especial de Cultura do Ministério de Turismo, que mantém
a plataforma, não defendeu sua utilização para o cadastramento para repasse
dos recursos previstos na Lei Aldir Blanc.

5 Os relatórios de acompanhamento das metas de 2013 a 2017, publicados entre


maio de 2014 e dezembro de 2018, pelo Ministério da Cultura, e o relatório sobre
2018, datado de dezembro de 2019 e publicado on-line em fevereiro de 2020,
estão disponíveis em: http://pnc.cultura.gov.br/biblioteca-de-documentos/.
O relatório sobre 2012, publicado no início de 2013, não está disponível on-line.

6 Esse trabalho resultou numa consulta pública disponibilizada pela plataforma


virtual http://pnc.culturadigital.br/revisaodasmetas entre 1o de setembro de 2015
e 15 de fevereiro de 2016.

7 MINISTÉRIO DA CULTURA; UFBA. Análise e avaliação qualitativa das metas


e monitoramento do Plano Nacional de Cultura (PNC). Ministério da Cultura.
Secretaria da Diversidade Cultural. Brasília/DF: Ministério da Cultura; Salvador:
UFBA, 2018.

8 O Ceará criou seu Sistema Estadual de Cultura (Siec) por lei em 2006. A
política cultural do estado conta com conselho, plano, fundo e a plataforma
Mapa Cultural, de mapeamento do cenário cultural cearense – todos em
funcionamento. Vale dizer que a versão cearense da plataforma dos Mapas
Culturais, software-base do Sistema Nacional de Informações e Indicadores
desde 2015, é a mais desenvolvida e atualizada do país, tendo se tornado uma
instalação de referência. Legislação disponível em: https://www.secult.ce.gov.
br/legislacao-cultural/. A Bahia instituiu sua Lei Orgânica da Cultura em 2011,
EMERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA UM NOVO PNC Claudinéli Moreira Ramos 103

criando o Sistema Estadual de Cultura, com conselho, fundo e sistema de


indicadores culturais em funcionamento. O Conselho de Cultura da Bahia, criado
em 1967, foi o primeiro do Brasil a realizar amplo processo eleitoral para a escolha
dos representantes da sociedade civil, seguindo os parâmetros da Lei Orgânica,
alinhados à política nacional de então. Legislação disponível em: http://www.
cultura.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=78.

9 Sob gestão petista, Jacareí estabeleceu em 2012 a sua legislação cultural, com
sistema, fundo, conselho e plano, esse último aprovado por lei em 2016. A atual
gestão (PSDB) regulamentou em 2019 a lei do fundo, atualizou a lei do conselho
e realizou uma série de pré-conferências, fóruns e conferências setoriais pautadas
na revisão do Plano Municipal de Cultura. Na prática, a gestão peessedebista
revisou e aprimorou iniciativas estruturantes idealizadas ou iniciadas pelas
gestões petistas anteriores, dando continuidade à política pública de cultura
como política de Estado, e não apenas de governo. Legislação disponível em:
http://www.fundacaocultural.com.br/leis-culturais.

10 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL. Financiamento público. In: 10 anos de


economia da cultura no Brasil e os impactos da covid-19: um relatório a partir
do Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural (out. 2020). São Paulo: Itaú
Cultural, 2020.

11 Toda a movimentação pela Lei Aldir Blanc durante a pandemia de covid-19


confirmou essa afirmação feita em março de 2020 e reforça o entendimento
aqui apresentado, ao mesmo tempo que expõe a necessidade de que as políticas
públicas sejam direcionadas à superação das imensas desigualdades de acesso
às tecnologias de informação e comunicação e à internet de qualidade.

12 Não é demais lembrar novamente que o registro apresentado é fruto de um


exercício de um grupo pequeno em poucas horas. Ainda assim, é notável o
alinhamento das conclusões percebidas com demandas prioritárias efetivas,
numa clara demonstração do potencial de processos de produção coletiva para
a construção de políticas públicas mais consistentes e factíveis.
104 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

3.
PLANOS DE CULTURA:
ANÁLISE COMPARADA
DE CONTEXTOS
INTERNACIONAIS

AMÉRICA LATINA E ESTADOS UNIDOS

106. FABRICAR POLÍTICA 144. DOS PLANOS NACIONAIS


CULTURAL NO CHILE: ENTRE AOS INSTITUTOS SETORIAIS
A PARTICIPAÇÃO SETORIAL, DE CULTURA NA ARGENTINA
OS SABERES DO ESTADO Rubens Bayardo
E A CIDADANIA CULTURAL

154. O PLANEJAMENTO
Constanza Symmes Coll

120. PLANO NACIONAL


CULTURAL NO MÉXICO DURANTE
O GOVERNO DE ANDRÉS MANUEL
DE CULTURA NO URUGUAI, LÓPEZ OBRADOR
UM ASSUNTO INACABADO Eduardo Nivón Bolán
Hernán Cabrera

174.
132. POLÍTICAS DE CULTURA
POLÍTICA CULTURAL
NOS ESTADOS UNIDOS
NO LONGO PRAZO: O CASO DO José Carlos Durand
PLANO NACIONAL DE CULTURA
DA COLÔMBIA
Paula Félix dos Reis
PLANOS DE CULTURA  105

EUROPA E ÁSIA

188. PLANO NACIONAL DAS ARTES:


PARA TODOS E COM CADA UM
Maria Vlachou

198. A BELEZA QUE HÁ NA


DIVERSIDADE: O QUE PODEMOS
APREENDER DO CASO ALEMÃO?
Suelen Silva

210. UM PLANO BRITÂNICO PARA


A CULTURA: UM APELO AO CORAÇÃO
E À CABEÇA DA NAÇÃO
Paul Heritage e Mariana Steffen

222. PLANOS NACIONAIS DE


CULTURA DOS PAÍSES DO BRICS: UMA
POSSÍVEL ANÁLISE COMPARATIVA
Bruno do Vale Novais
106 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

FABRICAR POLÍTICA CULTURAL


NO CHILE: ENTRE A PARTICIPAÇÃO
SETORIAL, OS SABERES DO ESTADO
E A CIDADANIA CULTURAL
Constanza Symmes Coll

O presente artigo oferece uma revisão analítica do processo de elaboração da Política Nacional
de Cultura 2017-2022 no Chile, a partir da perspectiva dos modos de construção utilizados.
Aborda a questão de uma especificidade nas formas e nos mecanismos participativos do setor
cultural. Também considera a influência do contexto político-histórico e, em particular, sua
correspondência com a recente criação do Ministério da Cultura, Artes e Patrimônio (2017).

Introdução

S
em dúvida, nenhuma política pública examinar a estrutura organizacional da vida
começa do zero. Cada uma traz em cultural existente, fazer um inventário das
si um longo horizonte de processos instituições participantes e reorganizar seus
anteriores que vão consolidando aprendiza- aspectos normativos.2
gens, tanto institucionais quanto do mundo
social e associativo. Nesse sentido, exami- E a Comissão Ivelic (1997), com a tarefa de
nar uma política cultural implica entrar
em um processo que engloba uma rede de atualizar os diagnósticos e estudos dos seto-
atores, discursos, trocas complexas, produ- res artístico e cultural, estudar as políticas
ção de acordos e propostas que se encaixam de fomento às atividades artísticas e cultu-
nessa espécie de resultado final. rais, revisar as instituições culturais e pro-
por uma estrutura organizacional de acordo
Quadro político-institucional com o desenvolvimento atual do país.3
(1990-2017)
Desde o retorno à democracia chilena, em 1990, Culmina com a apresentação do relatório Chi-
vale mencionar a organização de duas comis- le Está en Deuda con la Cultura [O Chile Está
sões consultivas presidenciais em cultura. A em Dívida com a Cultura], propondo a criação
Comissão Garretón1 (1991), cuja missão foi: de uma instituição orgânica para o setor.
PLANOS DE CULTURA Constanza Symmes Coll 107

Nesse mesmo ano, o artista visual e governo, e institucional, por coincidir com o
dramaturgo Claudio Di Girólamo foi no- processo de criação de uma nova morfologia
meado chefe da Divisão de Cultura, depen- institucional, sendo elaborada durante esse
dência do Ministério da Educação. É uma trânsito de CNCA a ministério.
entidade cujos resultados chamam atenção Correspondendo a um terceiro exercí-
pelo desequilíbrio entre o tamanho de sua cio de política pública, esta tem como antece-
equipe e a abrangência do trabalho desen- dentes dois ciclos anteriores de formulação e
volvido: a Cartografia Cultural, um diretó- implementação, os documentos Chile Quiere
rio completo dos criadores nacionais, que Más Cultura. Definiciones de Política Cultu-
constituirá um banco de dados em primeira ral 2005-2010 [O Chile Quer Mais Cultura.
mão para gerar políticas futuras. Ou a inau- Definições de Política Cultural 2005-2010],
guração, em 1999, dos Cabildos Culturales4 o primeiro do período democrático, e Política
[Conselhos Culturais], sob Cultural 2011-2016.9
o lema “Do Chile vivido ao Em 2003 foi criado o A atual carta de nave-
Chile sonhado”, com o ob- Conselho Nacional de Cultura gação, apresentada publica-
jetivo de receber propos- e Artes, por meio da Lei no mente em janeiro de 2018,
tas das bases de cidadania. 19.891, órgão que dirigiu, por foi aprovada por unanimi-
Finalmente, após essa 14 anos, a atividade cultural dade pelo novo Conselho
trajetória, em 2003 foi nacional, até a fundação do Nacional.10 Com esse ato, é
criado o Conselho Nacio- Ministério da Cultura, Artes dada a ela continuidade de
nal de Cultura e Artes,5 por e Patrimônio, em 2017 Estado, reconhecendo-a
meio da Lei no 19.891, órgão como a política oficial do
que dirigiu, por 14 anos, a atividade cultural ministério, o que não é pouca coisa.11
nacional, até a fundação do Ministério da O Mincap, criado por meio da Lei no
Cultura, Artes e Patrimônio, em 2017.
6
21.045,12 reúne duas culturas institucionais
diferentes: a Direção de Bibliotecas, Arqui-
Política Nacional de Cultura 2017- vos e Museus (Dibam), criada em 1929 e que
-2022. Cultura e Desenvolvimento tem uma longa história de marcos culturais,
Humano. Direitos e Território7 como a fundação da Biblioteca Nacional,
Para analisar os modos de construção des- em 1813; e o CNCA, uma instituição jovem
sa política, focaremos em três aspectos: criada em 2003. Esse processo de cocriação
os níveis de participação dos cidadãos em de um novo órgão para a cultura nacional,
sua elaboração, o tratamento técnico-ins- juntamente com a modificação de funções
titucional e o mapa de conteúdos e orien- e competências e a incorporação de novas
tações estratégicas que a constituem. Suas áreas, aumenta a complexidade de seu tra-
peculiaridades a tornam particularmente balho, (re)definindo os contornos da ação
complexa e interessante como objeto de pública em cultura no Chile. Isso, encarna-
estudo.8 Isso do ponto de vista político, ao do em seu próprio nome, de modo plural,
estar atravessada por uma mudança de como um legado do processo de Consulta
108 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Indígena,13 é um reconhecimento da diver- públicas. E essa participação deve ser reco-


sidade de culturas e expressões artísticas que nhecida como um direito.
o país possui. A participação dos cidadãos assume
A declaração de “uma política para o forma própria conforme cada setor. É evi-
reconhecimento da cidadania cultural”14 se dente que não é a mesma coisa participar da
justifica precisamente na passagem de uma política habitacional e da política de saúde.
relação preponderante com a comunidade Dois casos que apenas mencionaremos, mas
artística, como eixo central do trabalho de- que explicam como os mecanismos partici-
senvolvido até aquele momento, para outra pativos se adaptam conforme a missão e a
que compreende a cidadania em sentido natureza de cada ministério. O Ministério da
amplo. Com base em um conceito ampliado Justiça, por exemplo, implementou como fer-
de cultura,15 que incorpora outras formas de ramentas o acesso a informações relevantes,
participação cultural, agrega ao seu trabalho as consultas aos cidadãos, as contas públicas
novos sujeitos e grupos de cidadãos: migran- participativas e os conselhos da sociedade
tes, povos nativos, territórios criativos, cul- civil.18 Por sua vez, em dezembro de 2019, o
turas populares e comunitárias, ampliando recém-criado Ministério da Ciência e Tec-
e fortalecendo suas linhas de trabalho, por nologia anunciou que sua primeira Política
exemplo, naquilo que o patrimônio implica. Nacional abria a participação dos cidadãos
por meio de mesas autogerenciadas, habili-
Participar a partir do campo tando uma plataforma.19 Embora seja muito
cultural: singularidades, cedo para avaliar esse processo, observamos
pontos fortes e dificuldades iniciativas que buscam direcionar os meca-
Como sabemos, as políticas públicas bus- nismos para o seu trabalho concreto. Seria
cam a modificação de um estado de coisas necessário explorar até que ponto é uma
percebido como problemático ou insatisfa- resposta a certa “convicção institucional”
tório. Nesse sentido, a dimensão da partici- com relação à relevância de contar com os
pação dos cidadãos ainda é relativamente cidadãos em seus processos de construção de
jovem no Chile, propiciada especialmente políticas públicas ou simplesmente porque
pelo Decreto Presidencial no 002,16 inseri- constitui uma obrigação legal.
do no processo de modernização da gestão Se considerarmos que as políticas cul-
pública iniciado nos anos 1990,17 e pela Lei turais têm certas características únicas em
no 20.500, sobre associações e participa- seu modo de produção, em virtude de sua
ção dos cidadãos na gestão pública. Com própria constituição como campo, pode-
base nela, cada órgão da administração ríamos nos perguntar em que o seu ethos
do Estado pode estabelecer seus próprios influencia o modus operandi da gestão pú-
mecanismos. Vemos que, gradualmente, os blica como sistema geral. Toda expressão
cidadãos começam a ser considerados – de cultural possui uma dupla condição: uma
forma diferente e com diferentes níveis de material, ligada ao modo como se (re)apre-
contribuição – na elaboração das políticas senta como prática única e, ao mesmo tempo,
PLANOS DE CULTURA Constanza Symmes Coll 109

reproduzível; e uma simbólica, como pro- época, a geração de espaços participativos


dutora de senso individual e coletivo. Desse criativos e consistentes foi possível e eficaz.
modo, a função social da cultura está associa- A partir da revisão dessa experiência, en-
da a uma compreensão do mundo em que o contramos práticas de gestão institucional
desenvolvimento das capacidades humanas menos rígidas e tecnocráticas, atravessadas
é central e à (res)significação de um passado pelo voluntarismo e sustentadas por um
em um presente. olhar reflexivo e dialógico.
A partir dessa aproximação, pesquisa- Como apontamos, cada setor possui di-
mos que eles constituíram uma experiên- nâmicas e problemáticas próprias. Também
cia participativa sem paralelo. Nascidos da varia quem, como e para que se participa,
necessidade de revitalização após 17 anos conforme fatores setoriais e/ou territoriais.
de “apagão cultural”,20 fundamentam-se na O mundo da cultura historicamente tem exi-
noção de “cidadania cultural”, produzida e bido uma capacidade única de aglutinação
colocada em circulação nesses anos. Di Gi- e mobilização, contando com um notável
rólamo a concebe desta forma: capital simbólico e legitimidade perante os
cidadãos (em que sua visibilidade pública
[...] entendo a cultura como o processo que provavelmente desempenha um papel não
desencadeamos ao transformar o nosso negligenciável), autoconcedendo-se como
ambiente. Em seu decorrer, modificamos agentes com responsabilidade moral perante
irremediavelmente os nossos comporta- a sociedade.22
mentos e, ao mesmo tempo, o nosso modo Com a criação do CNCA, integra-se des-
de pensar. Portanto, a qualidade dessa deter- de o início a comunidade artística em suas
minada cultura dependerá exclusivamente instâncias de representação, resultando sua
da nossa capacidade de praticar o nosso re- participação em maior institucionalização.
lacionamento com os outros e com o mundo Isso, além da experiência participativa an-
próximo e distante, como uma unidade har- terior dos conselhos (cabildos), marca uma
mônica que precisa de constantes revisões característica constitutiva diferencial. Seus
e cuidados.21 agentes possuem certa musculatura partici-
pativa, treinamento na geração de trocas e
Esse reconhecimento da qualidade de ci- acordos, em que provavelmente a instabilida-
dadãos culturais das pessoas que exercem de característica do setor (do ponto de vista
essa categoria sociopolítica em seus terri- trabalhista e previdenciário) desempenha
tórios teve um componente representativo um papel, tornando-o especialmente envol-
de caráter soberano: um representante por vido e dinâmico.
município com direito a voz e voto. No entanto, ele não é organizado como
Acreditamos que, precisamente pelas um movimento social, mas como um grupo
próprias lógicas subjacentes ao projeto in- em que cada subsetor artístico tem seus
corporado pela Divisão de Cultura, bem como próprios interesses, com diferentes níveis
pela precariedade orgânica e de recursos da de organização, associatividade, coesão e
110 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

maturidade. Não existe “um” setor cultu- abertos, entre múltiplos atores, visando ao
ral constituído como um todo uniforme. levantamento de insumos. Tanto a metodo-
De nossas pesquisas extraímos que o nível logia da convenção quanto a das políticas
de maturidade dos agentes que compõem culturais e sua estrutura foram elaboradas
o ecossistema da escrita não tem nenhuma pelo Departamento de Estudos25 do CNCA e
relação, por exemplo, com as dinâmicas co- validadas pelo Comitê de Políticas do Dire-
letivas do setor das artes visuais, que é mui- tório Nacional. Esse trabalho técnico consi-
to mais desagregado e tem baixos níveis de derou a geração de uma matriz de processos,
trabalho conjunto. documentos de apoio para os moderadores
Outro fator que acreditamos que pode de mesas, metodologias para o levantamento
influenciar em sua disposição de participar e a sistematização de informações, constru-
e mobilizar-se através de múltiplos canais ção de diagnósticos, trabalho sobre pontos
é a fragilidade política23 do setor cultural. críticos e para a consolidação e redação de
Isso em termos de seu peso constitutivo di- propostas em um documento final. Con-
ferencial em relação a outras pastas, como a centrou-se em um modelo combinado, res-
da Fazenda, a da Defesa ou pondendo à organização
a da Economia. Como veremos, a ênfase institucional em transfor-
participativa foi colocada mação e, ao mesmo tempo,
Um desenho no desenvolvimento de uma procurando incorporar a
metodológico metodologia de participação relativa tradição partici-
institucional centrada nas competências pativa e a aprendizagem
com pertinência técnicas da equipe de projeto, institucional, embora esta
de campo? para garantir a promoção tivesse sofrido mutações
Fernández e Ordoñez, 24 adequada de debates abertos, e ajustes, e a progressiva
em seu estudo de 2007, entre múltiplos atores, visando institucionalização vinha
definem três modalida- ao levantamento de insumos contendo e enquadrando
des de participação: ins- esses modos participativos
trumental, informativa e empoderadora. em direção a formas mais convencionais e
No caso do antigo CNCA, observamos que instaladas. Como aponta Delamaza:
há uma combinação das três, embora a úl-
tima fosse praticamente inexistente para os espaços e mecanismos de participação
além do “acompanhamento acordado” con- estão enraizados (embedded) em uma trama
templado na Política Nacional de Leitura institucional mais ampla. Suas possibilida-
e Escrita 2015. des de avanço, sustentabilidade, apropriação
Como veremos, a ênfase participativa cidadã, aumento de impacto (scaling up) e
foi colocada no desenvolvimento de uma me- capacidade transformadora estão direta-
todologia de participação centrada nas com- mente relacionadas à coerência e articula-
petências técnicas da equipe de projeto, para ção interna dos desenhos institucionais da
garantir a promoção adequada de debates gestão pública.26
PLANOS DE CULTURA Constanza Symmes Coll 111

Dessa perspectiva, consideramos que não um setor pequeno como este, na realidade não
houve acompanhamento de uma decisão dizem muito sobre a abrangência e a qualidade
política que fosse além no fortalecimento dessa participação nem sobre a idade, o gênero
de uma participação mais deliberativa, vin- ou a presença de pessoas de outros países pro-
culante e habilitadora dos atores sociais, no venientes de povos nativos ou outras comuni-
âmbito federativo, mas também no individual. dades cultoras.30 Em vez disso, eles falam sobre
As convenções se propuseram revigorar a par- a eficácia do desenho institucional, o acompa-
ticipação dos cidadãos e a transparência do nhamento de um cronograma e um plano de
Estado, mas é necessário abri-las e diversifi- trabalho que foram efetivamente cumpridos
car sua composição para além dos sindicatos. e conseguiram reunir um amplo repertório de
agentes da sociedade civil organizada. Não há
Canais institucionais de participação participação de pessoas individuais interessa-
Em relação às instâncias institucionais que das e​​ m temáticas culturais, é uma participação
estruturaram e alimentaram a PNC, exis- que privilegia a presença de corpos federados.
tem as convenções (nacional, regionais e No que diz respeito à estruturação in-
macrorregionais), 27 as contas públicas e terna, é pertinente destacar que, embora
diálogos participativos e os encontros se- em exercícios anteriores de renovação das
toriais (e aqueles com foco em patrimônio). políticas as regiões e os setores artísticos
Em 2014 foi iniciado um processo participa- tiveram como base uma Política Nacional
tivo que atingiu seu auge em 2017 e contem- previamente aprovada, na versão atual se
plou a intervenção de mais de 5 mil pessoas trabalhou a partir de uma lógica inversa: “de
em 90 encontros.28 cima para baixo”. Primeiro, foram formuladas
A Convenção Nacional é uma instância as Políticas Setoriais a partir dos territórios e
de debate, de caráter anual (desde 2004), de setores artísticos e, em seguida, as Políticas
todos os órgãos colegiados do CNCA: o Di- Regionais, para depois, com esses insumos,
retório Nacional, os representantes do setor alimentar a PNC. Esse ponto é relevante, em
artístico e cultural, o Comitê Consultivo Na- termos estratégicos e de sustentabilidade da
cional, os Conselhos Regionais, os presiden- política, uma vez que se optou por operar com
tes dos Conselhos Consultivos Regionais e a lógica consagrada no novo quadro jurídico
dos Conselhos Setoriais (Escrita e Leitura, ministerial que entraria em vigor.
Música e Audiovisual), autoridades e expo-
sitores convidados, corpo diretivo e funcio- Abordagens constitutivas presentes
nários do CNCA. A partir desse conjunto O conteúdo da PNC está associado a duas
de instâncias, levantaram-se os conteúdos abordagens: a abordagem de direitos, basea-
temáticos, que foram constituindo o substra- da nos direitos culturais,31 e a abordagem
to conceitual e os diagnósticos trabalhados dos territórios, que considera o território
tecnicamente a seguir pelo CNCA.29 como uma relação social, identitária e cul-
Os números de participação apresenta- tural, além do desenvolvimento humano,
dos acima, embora sejam consideráveis ​​para da perspectiva do Programa das Nações
112 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Essas orientações estratégicas são


Elas foram trabalhadas com o apoio exter- coerentes com os eixos estratégicos insti-
no de especialistas da Comissão Econômica tucionais oferecidos para levantar proble-
para a América Latina e o Caribe (Cepal).32 máticas e propostas no âmbito das políticas
Por sua vez, a PNC possui 10 orien- regionais e setoriais: fomento das artes e
tações e 46 objetivos estratégicos que de- das culturas, participação e acesso a estas,
finem a ação pública em cultura durante formação e sensibilização artística e patri-
esse período de cinco anos: 33 a cultura monial dos cidadãos, resgate e difusão do
como pilar do desenvolvimento sustentá- patrimônio cultural, valorização dos espa-
vel; uma criação livre e diversificada, indi- ços culturais dos cidadãos e reconhecimen-
vidual e coletiva, socialmente valorizada, to dos povos indígenas.
respeitando a proprieda-
de intelectual e os direitos Da ação pública na cultura, Mapa de desafios
autorais; um campo artís- existe uma necessidade Observamos que, a par-
tico-cultural fortalecido, estratégica de trabalhar tir da ação pública na
estável e sustentável que de forma coordenada e cultura, existe uma ne-
respeite os direitos tra- articulada, tanto da perspectiva cessidade estratégica
balhistas de seus traba- interinstitucional quanto da de trabalhar de forma
lhadores; cidadãos ativos intersetorial. Essa necessidade é coordenada e articula-
com influência na ação uma condição sine qua non para da, tanto da perspectiva
pública em cultura; um a efetiva implementação das interinstitucional quan-
tecido social coeso através políticas culturais to da intersetorial. Essa
da participação cultural de necessidade é uma con-
todos, sem discriminação; a interculturali- dição sine qua non para a efetiva implemen-
dade e a diversidade cultural como fontes tação das políticas culturais.
de riqueza cultural para a sociedade como Isso considerando que as políticas en-
um todo; o patrimônio como bem público volvem um conjunto de dimensões que ex-
e construção social, em que as comunida- cedem o campo estritamente cultural, mas
des colaboram com aqueles referenciais que determinam a garantia de obras e patri-
significativos que lhes dão sentido e iden- mônios, dos quais o ministério é garantidor.
tidade; memórias históricas e coletivas re- O que a Receita Federal, a Alfândega ou o
conhecidas, valorizadas e (re)construídas Ministério de Minas têm a ver com o cam-
em equilíbrio com a institucionalidade e as po cultural? Na verdade, têm muito a ver se
comunidades; uma educação integral que pensarmos em políticas públicas integrais.
considera as artes, a cultura e o patrimô- Por exemplo, se nos referirmos às condições
nio como componentes fundamentais no de produção nas quais se encontram os cria-
desenvolvimento das pessoas e da comuni- dores, a reprodução material de sua vida, a
dade; e processos inovadores e diversos de previdência social, a saúde, o acesso às ma-
mediação cultural, artística e patrimonial. térias-primas ou os direitos de propriedade
PLANOS DE CULTURA Constanza Symmes Coll 113

intelectual. Tudo isso exige um trabalho impacto públicos. Da mesma forma, contri-
conjunto com instituições do Estado cuja buiria para adaptar desenhos e instrumen-
missão diz respeito a esses outros aspectos tos institucionais, torná-los menos rígidos
específicos. Isso com responsabilidades cla- e dar-lhes maior robustez setorial.
ras associadas a metas e indicadores. Talvez seja “propriamente cultural”
Da mesma forma, a profissionalização pensar nesse campo como uma estrutura
dos agentes culturais e seu ecossistema, o em permanente diálogo com outros seto-
fortalecimento de capacidades, o estabele- res, em que a cultura – representando toda
cimento de tarifas equilibradas e a circulação a atividade humana criativa e transforma-
internacional de obras, entre dora – toca múltiplos espaços.
outros aspectos, exigem ir A organização e Pensemos, por exemplo, na
além de uma abordagem cen- a coordenação temática ambiental, na vio-
trada somente no potencial de de instâncias de lência de gênero, na cultura
mercado. O objeto e a prática participação requerem científica, na saúde mental,
cultural são inseparáveis, ​​e a um esforço e entre outras esferas, em que
proteção da obra depende di- capacidade institucional as questões culturais são de-
retamente da salvaguarda de significativos, tornando safiadas, podendo contribuir
seu criador. a experiência da PNC para a construção de políticas
Em terceiro lugar, acre- particularmente valiosa públicas com maior entrela-
ditamos que é necessária çamento e coerência estatal.
uma melhor articulação interna dos três Para concluir, diremos que a organiza-
níveis de desenvolvimento governamen- ção e a coordenação de instâncias de parti-
tal existentes: as políticas, os planos e os cipação requerem um esforço e capacidade
programas. Essa orquestração pode ajudar institucional significativos, tornando a ex-
a conciliar os planos de gestão institucio- periência da PNC particularmente valiosa.
nal com os programas, ampliando e forta- Apesar da riqueza desse processo, resta
lecendo as possibilidades de participação como tarefa ter maior diversidade de atores
das comunidades artísticas, cultoras e dos locais e territoriais, fortalecendo as possi-
cidadãos em geral na gestão de seus patri- bilidades de desenvolver cidadãos ativos e
mônios, das ofertas programáticas e na de- empoderados em assuntos comuns. Nesse
finição de fundos concursáveis, dotando-os sentido, o ministério tem um grande desafio
de maior pertinência territorial, eficiência e e uma possibilidade histórica.
114 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Constanza Symmes Coll


É doutora em sociologia pela École des Hautes en Sciences Sociales (EHESS), Paris.
Tese Indépendante dans un Contexte de Transition Politique au Chili (1990-2010): Mobili-
sation Locale d’une Définition Transnationale, sob a orientação do professor Yves Dezalay.
Mestre em estudos latino-americanos pela Universidade do Chile e bacharel em governo
e gestão pública pela mesma universidade. Atualmente, trabalha como pesquisadora em
assuntos culturais e acadêmicos na Universidade de Santiago do Chile. Suas linhas de
pesquisa se centram na sociologia da cultura e dos bens simbólicos (principalmente do
livro e da edição), nas políticas culturais, no patrimônio e na gestão cultural. Foi chefe do
Departamento de Estudos do antigo Conselho Nacional de Cultura e Artes no período
de 2016 a 2018.

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Notas

1 Dirigida pelo sociólogo e ganhador do Prêmio Nacional de Ciências Sociais


e Humanas 2007, Manuel Antonio Garretón.

2 Propostas para a institucionalização da cultura chilena. Ministério da Educação,


Comissão Assessora de Cultura. Santiago, 1991.

3 Relatório Ivelic, p. 6.

4 O cabildo era uma instituição colonial através da qual os criollos [crioulos


(descendentes de espanhóis nascidos na América)] representavam os
moradores, cuidavam da administração local, da manutenção e do planejamento
da cidade, da saúde pública e de aspectos judiciais, legislativos e políticos.

5 Doravante denominado CNCA.

6 Doravante denominado Mincap.

7 Doravante denominada PNC.

8 Por razões de ética profissional, a autora deste texto deve salientar que teve um
campo de observação privilegiado. Isso por trabalhar na época de 2016 a 2018
como chefe do Departamento de Estudos do CNCA.
116 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

9 Desde o retorno à democracia no Chile, em 1990, tivemos três políticas


nacionais. A primeira foi em 2005. Antes disso, havia orientações gerais (como
o documento Cultura, Estado e Cidadania, de 1996, publicado pela Divisão de
Cultura, ou o documento Nossa Diversidade Criativa, de Javier Pérez de Cuéllar),
mas não uma “política” como tal. Existe um Plano Nacional de Leitura, mas este é
o declínio ou “rebaixamento” da Política Nacional de Leitura e Escrita.

10 Conforme a ata da sessão ordinária número 2, de 6 de junho de 2019.

11 Isso deveria ser, mas não é totalmente evidente nos contextos chileno e latino-
-americano, em que, a cada mudança de administração, ocorrem movimentos de
entrada e saída de funcionários públicos. Isso dificulta a continuidade da função
pública, as diretrizes e a ênfase dos programas em andamento e a solidez da
gestão estatal. Embora nos últimos anos tenham sido feitos avanços nos níveis
de institucionalização e profissionalização acima dos critérios político-partidários,
ainda há um longo caminho a percorrer.

12 Promulgada em 3 de novembro de 2017.

13 Realizada no período de 2014 a 2015, em conformidade com a Convenção 169 da


Organização Internacional do Trabalho (OIT).

14 Política Nacional, p. 36.

15 Nesse sentido, a definição de cultura emanada da Conferência Mundial sobre


Políticas Culturais, realizada no México em 1982, marca um ponto de inflexão,
ampliando-a: “A cultura [...] engloba, além das artes e das letras, modos de
vida, direitos fundamentais aos seres humanos, sistemas de valores, tradições e
crenças e dá ao homem a capacidade de refletir sobre si mesmo [...]”.

16 De 6 de agosto de 2014.

17 Veja o trabalho: OLAVARRÍA, Mauricio (ed.). ¿Cómo se formulan las políticas


públicas en Chile? Tomo I. Santiago: Editorial Universitaria, 2012.

18 Órgão colegiado, de natureza consultiva, composto de representantes da


sociedade civil organizada, relacionados às políticas, programas, serviços ou
planos executados pelo Ministério da Justiça.

19 Nesse site, as pessoas podiam inscrever sua mesa, colocando-a em um dos


quatro eixos propostos pelo ministério: Relação com a Sociedade; Fortalecimento
do Ecossistema de Ciência, Tecnologia, Conhecimento e Inovação; Futuro do
Chile; e Capacidades Institucionais. O processo compreende, além dessas mesas,
a realização de workshops presenciais e mesas técnicas.
PLANOS DE CULTURA Constanza Symmes Coll 117

20 Termo usado no Chile para descrever a situação vivida pela cultura como
resultado da ditadura militar.

21 Claudio Di Girólamo, na Conferência Seminário CNCA Experiências Comparativas


em Ação Pública na Cultura, em março de 2017.

22 Mencionaremos o papel desempenhado pelos artistas na campanha “Não


a Pinochet”. E, mais recentemente, em 2018, no caso do então ministro da
Cultura, Mauricio Rojas, novamente demonstraram sua força e capital simbólico,
convocando um grande ato cultural nos arredores do Museu da Memória e dos
Direitos Humanos. Rojas havia afirmado em um texto, reproduzido pelo jornal La
Tercera, que esse museu era uma “montagem”. Essa ação levou à sua imediata
destituição, antes que assumisse formalmente sua pasta.

23 Lembremos o caso argentino em que, com uma mudança de governo,


o presidente Mauricio Macri rebaixou o ministério à categoria de secretaria
dentro do Ministério da Educação (renomeado como Ministério da Educação,
Cultura, Ciência e Tecnologia). Por sua vez, no Brasil, o governo do presidente
Jair Bolsonaro, em seu primeiro dia de governo, eliminou o Ministério da Cultura.
Ambas as decisões são preocupantes em termos de continuidade da função
pública e, sobretudo, devido ao sinal claro de que a cultura constitui um
campo prescindível.

24 Participação dos cidadãos na Agenda Governamental de 2007. Caracterização


dos compromissos. Programa de Cidadania e Gestão Pública. Disponível
em: <http:// www.innovacionciudadana.cl/portal/imagen/File/barometro/
Informe%20final%20S.E...pdf>.

25 Unidade técnica formada por profissionais que, em um nível importante, possuía


especialistas temáticos. Estava organizada em duas seções: Estatísticas Culturais,
a área mais especializada, que produzia estudos baseados em medições culturais
e alimentava o Sistema de Informações Culturais (SIC), e Políticas Culturais,
com uma composição disciplinar mais heterogênea: jornalistas, uma engenheira
industrial que conhecia bem o desenho de processos e fluxogramas, uma
profissional formada em estética com um trabalho relevante no âmbito territorial
e uma socióloga com experiência prévia na formulação da Política Nacional de
Leitura e Escrita, além de uma cientista política especialista em metodologia e
nas áreas de acompanhamento e avaliação de políticas.

26 DELAMAZA, 2005, p. 68.

27 As regiões decidem se organizar em macrorregiões ou espaços que


compartilham certas características e problemáticas para dialogar sobre suas
preocupações e desafios.
118 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

28 Fonte: CNCA.

29 O Chile possui uma divisão político-administrativa que atualmente se baseia


na existência de 15 regiões. Em cada região existia uma Direção Regional
(atualmente são Secretarias Regionais Ministeriais de Cultura), representante da
ministra na região.

30 De fato, este é um termo usado especialmente no Chile. A Unesco fala somente


das “comunidades”. Dizem que no Brasil se fala mais de “portadores”. Isso se
refere às comunidades que realizam práticas culturais associadas a um território,
tradição e história, como danças, festividades e ritos. Em suma, o que constitui o
Patrimônio Cultural Imaterial.

31 Baseados fundamentalmente no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,


Sociais e Culturais (Desc).

32 Em um convênio de colaboração entre a Cepal e o CNCA, foi feito um trabalho


com os especialistas Alicia Williner, Guillermo Sunkel e Ernesto Espíndola.

33 A partir da administração pública, distinguimos três níveis ou estágios: políticas,


planos e programas. A política é a principal carta de navegação, o plano é um
nível intermediário e mais concreto e o programa é uma unidade de trabalho que
vincula projetos ou áreas de intervenção de base.
PLANOS DE CULTURA Constanza Symmes Coll 119
120 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

PLANO NACIONAL DE CULTURA


NO URUGUAI, UM ASSUNTO
INACABADO
Hernán Cabrera

Este artigo procura esclarecer o processo que ocorreu no Uruguai no que diz respeito à elabo-
ração de um Plano Nacional de Cultura e de uma Lei de Cultura e Direitos Culturais entre os
anos de 2016 e 2019. Centra-se em sua análise descritiva, com ênfase nos eixos orientadores
propostos pela Direção Nacional de Cultura do Ministério de Educação e Cultura para a
discussão cidadã e dos setores artístico-culturais organizados.

Antecedentes e contexto geral do Plano Nacional de Cultura no Uruguai

E
m toda a América Latina, muitos • dando preferência aos aspectos
países têm ou tiveram vários pro- territoriais;
cessos de discussão, mais ou menos • priorizando as vozes dos setores
centralizados nos poderes do Estado, sobre artísticos e criativos;
o futuro de sua diversidade cultural, elabo- • considerando mais os cidadãos or-
rando diferentes rotas ou visões de longo ganizados ou grupos ou coletivos
prazo por meio de Planos Nacionais de Cul- agrupados por critérios identitários;
tura (PNCs). México, El Salvador, Colôm- • consultando grupos de especialistas
bia, Equador, Chile e Brasil são alguns dos para traçar as principais diretrizes a
países que realizaram seu PNC. Cada um ser seguidas;
utilizou suas próprias formas de participa- • gerando espaços para a participação
ção de acordo com os contextos nacionais, de cidadãos não organizados através
regionais ou locais. de plataformas digitais construídas
Na maioria dos casos, é o Estado, atra- para cada caso.
vés do Poder Executivo, que lidera o proces-
so de discussão, possibilitando espaços de Além disso, alguns desses processos con-
participação cidadã com múltiplos critérios: taram com a parceria do Poder Legislativo
PLANOS DE CULTURA Hernán Cabrera 121

e resultaram em leis que organizam o que A partir dessa última assembleia e de


está culturalmente institucionalizado, para outras instâncias consultivas promovidas
moldar esses PNCs de forma mais potente pelos governos da Frente Ampla, a cultu-
no longo prazo. ra organizada começou a adquirir maior
O fator comum em todos esses casos vigor. A institucionalidade floresceu e foi
foram os processos consultivos que, de uma reorganizada; criaram-se leis relaciona-
forma ou de outra, resultaram em uma apro- das à cultura; o Ministério de Educação e
priação que possibilitou encerrá-los com Cultura (MEC) esteve presente em todo o
documentos apontando uma perspectiva território nacional; foram criados vários
futura, planejando o que fazer para atingir os tipos de fundos concursáveis; retomaram-
objetivos elaborados coletivamente de modo -se incentivos e estímulos para os artistas
a organizar o que existe e com a intenção de e criadores, ou foram criados novos, acom-
antecipar alguns acontecimentos dos pró- panhando os novos contextos.
ximos anos que afetarão o Entre 2012 e 2013, a
setor cultural. Alguns desses processos preocupação voltou impul-
A estrutura dos proces- contaram com a parceria sionada por alguns setores,
sos dos planos desses países do Poder Legislativo e com a demanda a partir do
é, em termos gerais, muito e resultaram em leis território, que entendiam
similar: diagnóstico situa- que organizam o que que era necessário orga-
cional, processo consultivo e está culturalmente nizar melhor os recursos
elaboração dos objetivos de institucionalizado, para existentes com a intenção
longo prazo, aprovação, exe- moldar esses PNCs de forma de eliminar ou diminuir as
cução e acompanhamento. mais potente no longo prazo lacunas causadas pela dis-
O Uruguai é um dos tância de Montevidéu (ca-
poucos países da região que não têm um Pla- pital do país). Durante esses anos, a Direção
no Nacional de Cultura fechado. Mas isso Nacional de Cultura (DNC) do MEC come-
não foi por falta de tentativas. De fato, pelo çou a realizar reuniões com autoridades lo-
menos nos últimos 25 anos, foram realizadas cais nos 19 departamentos (equivalentes a
inúmeras iniciativas que não conseguiram estados) do país. O resultado desse trabalho
chegar a um documento único que servisse foi um compromisso assinado pelas 19 dire-
de pacto nacional a esse respeito. Entre 1995 ções departamentais de cultura (que fazem
e 1999 foram feitas cinco reuniões (San Gre- parte da Rede de Direções de Cultura) e pela
gorio de Polanco, Las Cañas, Rivera, Trinidad DNC, no qual foi estabelecido um acordo so-
e Maldonado) de diretores de cultura em nível bre oito pontos estratégicos de longo prazo: 1
nacional para traçar objetivos comuns. Em
1996, foi realizada a 1a Assembleia de Cultura, • fortalecimento da institucionalidade
em Montevidéu, e, em 1998, a segunda, em cultural;
Durazno. Em 2003, foi realizada uma em • democratização da cultura;
Paysandú e, em 2006, mais duas em Salto. • promoção do patrimônio;
122 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

• promoção do desenvolvimento econô- complementá-lo com um fechamento de


mico sustentável na cultura e nas artes; caráter jurídico.2
• incentivo à presença da cultura uru-
guaia no exterior; Sobre o diálogo Hacia el Plan
• fortalecimento da territorialidade e Nacional de Cultura do Uruguai
descentralização; e o Projeto de Lei sobre Cultura
• profissionalização da cultura; e Direitos Culturais
• promoção da participação cidadã. Esse processo envolveu mais de 1.500 agen-
tes culturais dos 18 departamentos do inte-
Em março de 2015, um novo governo tomou rior do país (sem contar Montevidéu) em 21
posse em nível central e, em maio desse jornadas diferentes,3 com os quais também
mesmo ano, em nível departamental. Com se deu continuidade ao trabalho por meio de
as novas autoridades, iniciou-se um período consultas e trocas via plataforma web. Além
de revisão do que havia sido feito até então e disso, em Montevidéu, foram desenvolvidas
de elaboração de um plano de trabalho para 12 instâncias de trabalho setoriais, nas quais
consulta aos cidadãos em todo o território participaram mais de 300 representantes
nacional. Nesse sentido, a DNC fez um acor- dos coletivos e grupos artísticos, sindicatos
do com a Faculdade de Ciências Sociais da e dos cidadãos organizados.
Universidade da República (FCS/UdelaR) Esse trabalho também envolveu a rea-
com o objetivo de liderar conjuntamente o lização de 45 entrevistas com especialistas
processo de diálogo denominado Hacia el ligados a várias instituições culturais do país,
Plan Nacional de Cultura [Rumo ao Plano bem como a sistematização de insumos qua-
Nacional de Cultura]. Paralelamente, dois litativos, a elaboração de um levantamento
grupos de especialistas de todos os parti- de agentes e a atualização do mapa de in-
dos políticos, alguns agrupados em torno do fraestruturas culturais realizado4 em 2012
Poder Legislativo e outros do Ministério de e 2013, além de um espaço de consulta aos
Educação e Cultura, foram elaborando um cidadãos através de uma plataforma intera-
Projeto de Lei sobre Cultura e Direitos Cul- tiva que teve aproximadamente 15 mil visitas
turais que procurava ser uma síntese-resul- (DNC-FCS, 2017a, p. 3 e 4).
tado do anteriormente exposto. Cada uma das jornadas de trabalho nos
A seguir, vamos nos aprofundar no refe- departamentos se centrava no aspecto terri-
rido processo de diálogo, que, embora tenha torial, com dados de cada um deles e o obje-
avançado em relação a iniciativas anteriores, tivo de pensar territorialmente sobre como
não conseguiu chegar a um consenso sobre funcionam atualmente e quais são os possí-
um documento único que estabelecesse veis futuros dos eixos estratégicos propos-
claramente o que era o Plano Nacional de tos para o PNC. Foram utilizadas diferentes
Cultura. Também abordaremos alguns as- abordagens para as jornadas setoriais, dado
pectos adicionais que foram trabalhados no que os níveis de consolidação e desenvolvi-
projeto de lei acima mencionado, tentando mento entre elas são muito díspares. É fácil
PLANOS DE CULTURA Hernán Cabrera 123

ver a reflexão que os participantes fizeram infraestruturas, particularmente em algu-


em relação aos eixos estratégicos propostos mas regiões do interior do país. Finalmente,
traduzidos em algumas questões que pare- em termos de profissionalização e valori-
cem (pelo menos a partir de uma constru- zação de artistas e criadores, foi conside-
ção teórica) ser transversais ao setor cultural rado fundamental melhorar os registros
como um todo. existentes com a finalidade de que estejam
Nesse processo, foram definidos seis em constante crescimento, especialmente
eixos ou condutores, muito similares nos no que diz respeito à informação estatísti-
pontos nevrálgicos aos oito previamente ca disponível sobre cada setor, que deverá
acordados pelos diretores de cultura, sinte- constituir uma parte crucial do sistema de
tizados da seguinte forma: informação cultural do país.
Vale destacar que a concepção a partir
1. Arte e Criatividade de uma lógica de indústrias culturais e criati-
As discussões foram férteis no reconhe- vas é uma das grandes ausências no tocante a
cimento do papel da arte e da criatividade este eixo, não sendo utilizada como categoria
como motores de expressão da diversidade analítica nem em termos de organização da
cultural. Em termos de inclusão, foi deci- discussão para gerar ou aprofundar as polí-
dido sintetizar ou articular pensamentos ticas públicas em cultura existentes nesse
de modo a separar a produção e a difusão sentido. A criatividade e a arte se limitam às
da arte comunitária e os setores artísticos duas abordagens acima descritas (setores
profissionais. Para os grupos comunitários, artísticos profissionais e setores comunitá-
reconheceu-se com alguma facilidade que rios), em que a dimensão econômica ligada
existe um panorama rico e variado em todo a elas não é mencionada de forma alguma.
o país, que carece de melhor distribuição
territorial dos fundos existentes para faci- 2. Cultura e Inclusão
litar o seu acesso. No que diz respeito aos Este eixo se centrou no valor da cultura como
setores profissionais, uma das principais ur- reconhecimento dos outros, como gerador de
gências detectadas é a situação de trabalho espaços de encontro e de diferenciação que
dos artistas – embora ela tenha melhorado nos permitem pensar juntos sobre o futuro a
notavelmente com a Lei dos Artistas,5 con- ser construído, mas também como elemento
tinuam existindo a precariedade e a infor- diferenciador e espaço especialmente carre-
malidade de forma generalizada. gado de lutas ideológicas e de poder.
Além disso, foi dada ênfase à neces- Nesse sentido, entre os primeiros as-
sidade de ampliar as bolsas de formação pectos que se destacam estão a fragmenta-
e as residências no exterior, bem como a ção e a segregação territorial que reproduz,
circulação nacional e internacional de pe- de forma quase permanente, lógicas de cen-
ças e espetáculos. Foi destacada também a tro-periferia (capital versus interior em ní-
necessidade de modernização da infraes- vel nacional e departamental; o urbano e o
trutura existente e de construção de novas rural). Outros aspectos que surgiram são as
124 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

problemáticas geracionais (adultos versus conjunto dos organismos públicos e pri-


jovens); as desigualdades de gênero, em que vados, como os instrumentos jurídicos,
a mulher tem um papel significativamente financeiros, de infraestrutura e de gestão
relegado em termos de consumo; o uso e a que tanto o Estado quanto a sociedade civil
produção de bens e serviços culturais; e as criam e colocam ao serviço do desenvolvi-
desigualdades étnico-raciais especialmen- mento artístico e cultural e da conservação
te visíveis no relegado reconhecimento das e difusão do patrimônio do país, em nível
expressões afro-uruguaias. internacional, regional, nacional, comuni-
É recomendável examinar duas ques- tário e do bairro onde se desenvolve a vida
tões: o aprofundamento de alguns cami- das pessoas [...] A rigor, refere-se apenas
nhos iniciados na última década através do aos órgãos públicos e privados que desem-
conceito de cidadania cultural e o trabalho penham funções e procuram alcançar ob-
coordenado em políticas sociais com outras jetivos no campo cultural (CARÁMBULA,
instituições (Ministério do Desenvolvimen- 2011, p. 305).
to Social, coletivos sociais e comunitários e
governos departamentais). Neste eixo, foram priorizados o aprofun-
A verdade é que neste eixo podem ser en- damento e a continuidade dos diálogos
contradas pouquíssimas propostas concretas interinstitucionais e territoriais que faci-
para organizar melhor a realidade sociocultu- litam a governança cultural, bem como a
ral do país, atual e futura. Embora o diagnós- geração de acordos destinados à formação,
tico seja feito de forma clara gestão e produção de bens e
e consistente, essa ausência Embora o diagnóstico serviços culturais, além da
parece ser extremamente seja feito de forma clara profissionalização dos agen-
importante devido ao reco- e consistente, essa tes culturais.
nhecimento inicial do papel ausência parece ser Também foram detec-
da cultura nesse sentido. O extremamente importante tadas a falta de organização
Projeto de Lei sobre Cultura devido ao reconhecimento sindical de alguns setores,
e Direitos Culturais, em seu inicial do papel da cultura a desatualização de regula-
artigo 15, faz menção especial nesse sentido mentos em alguns campos
às políticas culturais inclusi- da cultura, a precarização
vas, estabelecendo que os órgãos do Estado dos contratos de alguns artistas e gestores e
uruguaio devem promover o caráter inclusivo a falta de organogramas claros para facilitar
dos serviços que prestam, bem como propor- a execução de políticas públicas na cultura.
cionar espaços formais para denúncias de Os problemas de distribuição territorial de-
violações de direitos culturais. sigual de recursos humanos, financeiros e de
infraestrutura também foram destacados.
3. Institucionalidade Embora esse processo de diálogo se
Quando falamos de institucionalidade cul- aprofunde na organização da instituciona-
tural, estamos nos referindo ao lidade cultural uruguaia, o Projeto de Lei
PLANOS DE CULTURA Hernán Cabrera 125

sobre Cultura e Direitos Culturais propõe da diversidade cultural, com particular ên-
a criação de um Ministério da Cultura e Di- fase no papel do Estado em termos de con-
reitos Culturais (separado da Educação), a servação, difusão, restauração e pesquisa.7
criação de um Conselho Nacional de Cul-
tura e Direitos Culturais (órgão assessor, 5. Formação
consultivo e honorário) e a criação de vários São reconhecidos os avanços realizados nos
institutos que se somariam aos já existen- últimos anos na formação de profissionais
tes (alguns discutidos anteriormente foram: ligados às artes, à criatividade e à gestão cul-
um de música, um de artes visuais, um de tural. No entanto, a demanda por oficinas de
indústrias criativas e um de cidadania), bem formação artística persiste em todo o terri-
como a criação e consolidação de um Siste- tório, e as várias iniciativas de descentrali-
ma Nacional de Cultura.6 zação não conseguiram cobri-la. Além disso,
vê-se a necessidade de padronizar o conhe-
4. Patrimônio e cimento e fortalecer os laços entre a cultura
Desenvolvimento Econômico e a educação formal, assim como reconhecer
As discussões em torno desse eixo se cen- os saberes da educação não formal.
traram na salvaguarda e proteção do patri- O projeto de lei acima mencionado fala
mônio cultural natural, material e imaterial, da formação de recursos humanos e da for-
por meio do fortalecimento da gestão, assim mação de público. Além disso, no artigo 14,
como de melhores instâncias de coordena- propõe-se a incorporação nos currículos es-
ção entre as instituições públicas, privadas colares da apreciação das artes e da diversi-
e da sociedade civil. Além disso, foi aborda- dade cultural.
da a geração de mais empregos ligados ao
turismo cultural e ao desenvolvimento res- 6. Território
ponsável, bem como a formação e profissio- O territorial, como construção social, implica
nalização dos recursos humanos. Também que a cultura tem um papel fundamental em
foi manifestada a necessidade de reconhecer sua construção simbólica. “Ao ser um projeto,
o papel dos artistas e criadores e das mani- o território está semantizado. É suscetível de
festações e dos costumes ligados aos modos discurso. Tem um nome. Projeções de todos
de fazer e de estar no mundo próprios de de- os tipos estão ligadas a ele e o transformam
terminados territórios. em um sujeito” (CORBOZ, 2001, p. 28).
O processo de discussão abordou ainda Nesse sentido, os agentes territoriais
a criação de “rotas do patrimônio” ligando os destacam que o PNC deve contemplar três
bens e manifestações patrimoniais ao turis- níveis para a promoção cultural: i) desenvol-
mo cultural, à melhor distribuição territorial vimento local sustentável; ii) desigualdades
dos recursos e à conservação e valorização da locais e políticas de descentralização; iii)
diversidade patrimonial existente. práticas e manifestações locais e globais.
O Projeto de Lei sobre Cultura e Direi- Além disso, fala-se da criação de circuitos e
tos Culturais dedica seu artigo 9o à proteção rotas que incluam as festas e festivais, assim
126 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

como as manifestações culturais patrimo- crescimento constante nos últimos 15 ou


niais da diversidade territorial. 20 anos. Sendo, além disso, o setor das in-
Evidencia-se a necessidade de uma dústrias culturais e criativas que gera mais
atenção especial aos territórios fronteiriços, valor agregado e emprego.9 Outro setor que
devido ao seu caráter identitário híbrido, bem ficou de fora das considerações e que nor-
como de atenção específica à macrocefalia malmente está associado ao audiovisual é
nacional que as políticas públicas em cultura o dos videogames, que, embora tenha uma
não devem ter, ou seja, o cuidado específico irrupção mais recente, conseguiu emergir,
que se deve ter para respeitar e promover a com empresas muito fortes e exportações
diversidade territorial ao pensar e colocar em significativas dos seus produtos.
prática as políticas decididas em Montevidéu No tocante a aspectos transversais aos
para todo o país.8 Como fatores-chave para o setores que foram trabalhados no processo
desenvolvimento do PNC, são mencionadas de diálogo, são significativos os apresentados
a coordenação interinstitucional e a partici- a seguir.
pação permanente dos cidadãos. Como foi mencionado ao falar do eixo
Um grande acerto do processo de tra- territorial, a descentralização aparece recor-
balho foram as jornadas setoriais realizadas. rentemente em cada um dos setores como
Nelas, procurou-se envolver os mais diversos um dos principais obstáculos a ser resol-
representantes dos seguintes setores: vidos. O centralismo de Montevidéu tem
marcado historicamente o futuro cultural
• artes visuais; do país, invisibilizando boa parte da riqueza
• bibliotecas; artística e criativa do resto do país.
• Carnaval; Outro aspecto se refere ao papel do Es-
• circo; tado na promoção, no estímulo e na difusão,
• cultura viva comunitária; criação ou ampliação de fundos específicos
• dança; setoriais.
• design; A institucionalidade é outra grande
• letras/editorial; questão, pois está intimamente ligada à
• museus; coordenação, à descentralização, a mercados
• música; nacionais e internacionais, alocação de re-
• patrimônio; cursos, legislação e infraestrutura (que apa-
• teatro; rece recorrentemente como uma demanda
• marionetes. específica de cada setor).
A profissionalização e a atualização
Um dos grandes ausentes foi o audiovisual. dos saberes também são preocupações per-
A razão dessa ausência é desconhecida, mas sistentes, particularmente para os setores
este é um dos setores mais bem organizados artísticos profissionais que procuram abor-
do país, com sindicatos, câmaras e institui- dar as lógicas de mercado atuais, visando es-
ções públicas fortes que apostaram em um pecialmente à internacionalização de seus
PLANOS DE CULTURA Hernán Cabrera 127

produtos. Junto com essas demandas, surge cultura, com especial ênfase no desenvolvi-
também, especialmente nos setores das in- mento local, essa leitura parece não ter sido
dústrias culturais e criativas, o aprofunda- suficientemente profunda a ponto de ser
mento de novos papéis, como os agentes de apropriada por esses outros setores, dei-
vendas (literários, musicais xando a transversalidade
e audiovisuais), capazes de A institucionalidade é da cultura como um valor
colocar os produtos cultu- outra grande questão, nominal e declarativo.
rais nacionais nos merca- pois está intimamente Sem dúvida, graças
dos internacionais. ligada à coordenação, à à forma de trabalhar e à
Os processos consul- descentralização, a mercados quantidade de jornadas rea-
tivos e participativos tam- nacionais e internacionais, lizadas ao longo do processo
bém são uma necessidade alocação de recursos, de discussão, o eixo territo-
que preocupa os integran- legislação e infraestrutura rial é o mais desenvolvido
tes desses setores, que en- (que aparece recorrentemente e trabalha­do. A riqueza de
fatizam especialmente a como uma demanda detalhes nos diagnósticos
atualização da informação específica de cada setor) e informações relativas aos
cultural e dos orçamentos territórios, assim como o
alocados às instituições do setor que atuam levantamento dos agentes culturais e a atua-
na esfera pública. lização do levantamento da infraestrutura,
Finalmente, e com menos frequência, está entre os pontos mais fortes dos docu-
surgem outras questões: o relegado papel mentos finais produzidos pelo acordo entre
das mulheres, a formação de público e a a DNC e a FCS.
acessibilidade. A abordagem por setores também mos-
tra o seu vigor e força, não se esquivando dos
Para terminar detalhes e facilitando espaços de diálogo e
Não há dúvidas sobre a riqueza do proces- discussão entre atores muito diversos. Nes-
so de discussão e diálogo em torno do PNC sas jornadas, ficou evidente que alguns seto-
descrito anteriormente. Tem sido dos mais res têm mais claros seus pontos fortes, suas
frutíferos e participativos na breve história necessidades e seus pontos fracos, leituras
dos debates sobre essa questão no Uruguai. que dependem do nível de institucionaliza-
No entanto, não foi capaz de produzir um do- ção e de associação.
cumento único que estabelecesse claramen- Falta saber como será desenvolvido o
te as bases para os caminhos que a cultura Projeto de Lei sobre Cultura e Direitos Cul-
socialmente organizada deve seguir no país turais, que ainda está sob análise do Poder Le-
nem foi capaz de manifestar claramente o gislativo. O que está claro é que a preocupação
vínculo com outros setores estratégicos que existe há cerca de 25 anos e que, tanto em nível
têm uma visão de longo prazo. Embora os do- territorial quanto nos setores artístico-cultu-
cumentos que tratam do processo reconhe- rais, a demanda tomou forma e atingiu pro-
çam recorrentemente o valor transversal da porções até o momento inusitadas.
128 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Restam duas grandes perguntas. A pri- desenvolvidas primeiro, quais questões ou


meira: pensando que até agora foram desen- setores precisam de uma intervenção esta-
volvidas políticas públicas em cultura que tal mais urgente, quais podem ser bem tra-
não existiam antes, podemos dizer que as balhados somente com políticas de estímulo
políticas culturais uruguaias não precisam e quais podem ser desenvolvidos sem ne-
de um PNC? A segunda: qual é a real neces- nhuma intervenção do Estado central. Algo
sidade por trás da consolidação de um PNC? similar acontece no tocante aos direitos e
Para resolver quais demandas? Para organi- à diversidade cultural. Quais direitos pre-
zar quais instituições? cisam de mais atenção, quais populações
Podemos ensaiar respostas que segui- e territórios devem ser colocados em pri-
riam dois sentidos. Por um lado, a preocu- meiro lugar, com quais instituições deve ser
pação e a demanda existem e são cada vez ajustada a coordenação e com quais instru-
maiores porque estão mais organizadas, mentos isso poderia ser feito.
os agentes culturais de todo o país estão se Mariana Wainstein, em seu artigo “Car-
juntando e se conectando há muitos anos em tografía cultural. Algunos apuntes y reflexio-
assembleias, reuniões e jornadas de discus- nes”, fala sobre a necessidade de justificar
são. Embora as políticas públicas em cultura o mapa cultural no Uruguai. Embora estas
tenham sido desenvolvidas por vontade e de- últimas linhas tenham a intenção de refle-
cisão política do Poder Executivo, boa parte tir a necessidade de planejar, é necessário
desse desenvolvimento e dessa concretiza- tomar decisões e delimitar o que deve ser
ção se deve a esses processos de discussão. feito e ao longo do tempo. O Projeto de Lei
Da mesma forma, a maioria dos atores sobre Cultura e Direitos Culturais parece
acredita que esses processos não resulta- ter essa intenção, embora, por necessidade,
ram em algo que estabeleça um universo seja generalista. Entendo que um plano deve
claro de existência e os limites do que será lançar as bases do que se quer fazer, com uma
feito em termos de políticas públicas em série de ações gerais que tendam a estabele-
cultura, o que será priorizado, o que será cer essas linhas, organizando-as no tempo e
feito primeiro e o que será feito depois. Boa facilitando o alcance de metas e objetivos de
parte do problema há 25 anos era que havia curto, médio e longo prazos.
poucas coisas feitas. No entanto, boa parte Para chegar a um Plano Nacional de
do problema atual é que há muitas coisas Cultura com visão de longo prazo e espírito
feitas e muitas a ser feitas, por isso deve- de política de Estado, talvez falte um contexto
mos priorizar e enfatizar sua importân- político e de cidadania ampliada que possa se
cia. Planejar é criar um universo do que é apropriar do processo de tal forma que este
abrangido, um mapa de ação que organize não fique apenas nas mãos dos principais en-
ao mesmo tempo quais são as áreas a ser volvidos, mas de todos os cidadãos.
PLANOS DE CULTURA Hernán Cabrera 129

Hernán Cabrera
Tem formação em sociologia pela Faculdade de Ciências Sociais e pós-graduação em
gestão cultural, ambas pela Universidade da República (UdelaR), no Uruguai. Mestran-
do em cultura pública pela Universidade Nacional das Artes da República Argentina e
em política cultural pelo Centro Universitário Regional Leste da UdelaR. É gestor cultu-
ral, pesquisador e professor da licenciatura em gestão cultural da Universidade Centro
Latino-Americano de Economia Humana (UCLAEH). Além disso, ocupou vários cargos
de coordenação ligados às políticas públicas em cultura, tanto na Direção Nacional de
Cultura do Ministério de Educação e Cultura quanto na Direção de Planejamento do
Gabinete de Planejamento e Orçamento da Presidência da República.

Referências bibliográficas

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del CLAEH, Segunda Série, Montevidéu, ano 37, n. 107, p. 301-310.
130 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Notas

1 Documento Declaração Diretores de Cultura, 1 abr. 2014.

2 O projeto de lei foi apresentado pelo Poder Executivo em 13 de agosto de


2019 e está sendo estudado pela Comissão de Educação e Cultura. Entretanto,
em meados de fevereiro de 2020, os representantes de ambas as câmaras
(senadores e deputados) vão mudar, de modo que se espera que esse projeto
seja rejeitado ou sofra grandes modificações.

3 O departamento de Canelones, o segundo mais populoso do país, precisou de


mais jornadas de trabalho, devido à sua densidade e distribuição populacional.

4 Durante os anos de 2012 e 2013, a Área de Gestão Territorial da Direção


Nacional de Cultura do Ministério de Educação e Cultura realizou um
processo de levantamento das infraestruturas e instituições culturais.
Um dos principais resultados desse trabalho foi a concretização do Mapa
Cultural do Uruguai, lançado em dezembro de 2013 (disponível em: http://
fondosdeincentivocultural.gub.uy/innovaportal/v/45149/24/mecweb/mapa_
cultural_del_uruguay?parentid=29678). Esse mapa funcionou até 2015 sem
grandes problemas. A partir desse ano, começou o trabalho de atualização dele,
iniciando um novo processo, desta vez com aqueles que haviam desenvolvido o
mapa cultural de software livre para São Paulo (Mapas Culturais/Instituto TIM)
e depois para outras áreas ou regiões do Brasil. Essa jornada resultou em uma
excelente plataforma que funciona até hoje: http://culturaenlinea.uy/. Além disso,
no ano de 2016 foi publicado o trabalho de levantamento realizado em 2012 e
2013, disponível em: https://www.bcu.gub.uy/Acerca-de-BCU/Concursos%20
Externos/Relevamiento%20de%20Inst.%20e%20Infr.%20Culturales%20del%20
Uruguay%20-%20MEC.pdf.

5 Lei no 18.384, “Estatuto dos artistas e trabalhos afins”.

6 Op. cit.

7 Op. cit.
PLANOS DE CULTURA Hernán Cabrera 131

8 O Uruguai sofre com o problema de que Montevidéu (sua capital) concentra


quase a metade de toda a população. Fala-se de macrocefalia porque
praticamente todas as decisões do governo central são tomadas na capital
e depois “descem” para o resto do território nacional. É por isso que a
descentralização e a desconcentração aparecem recorrentemente como
problemas centrais nas políticas públicas.

9 De acordo com dados da Conta Satélite da Cultura do Uruguai de 2009,


as indústrias criativas geravam um valor de 0,93% do PIB e empregavam
aproximadamente 19 mil pessoas. Só o setor audiovisual gerava 0,45% do PIB
e empregava pouco mais de 5 mil pessoas.
132 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

POLÍTICAS DE CULTURA
NO LONGO PRAZO: O CASO
DO PLANO NACIONAL DE
CULTURA DA COLÔMBIA
Paula Félix dos Reis

As políticas culturais dos governos geralmente acompanham o período de uma determinada


gestão, sem previsão de continuidade após a mudança dos dirigentes públicos. O governo
colombiano, ao propor um Plano Nacional de Cultura (PNC) com vigência decenal (2001-
-2010) se contrapôs a essa realidade, convertendo-se em uma experiência pioneira na Amé-
rica Latina. Este artigo analisa o processo de construção e os principais conteúdos do Plano
Nacional de Cultura da Colômbia, investigando as intenções de continuidade da política.

I – Alguns antecedentes importantes

N
a segunda metade do século XX, o e centros culturais e outras atividades no
governo da Colômbia realizou re- campo da cultura (DECRETO No 994, 1969,
formas políticas e administrativas artigo 4o, tradução nossa).
importantes que se destacam na história do
país. No setor cultural, através do Decreto A criação do Colcultura e a do Con-
no 3.154, de 26 de dezembro de 1968, o Ins- selho de Cultura foram momentos impor-
tituto Colombiano de Cultura (Colcultura) tantes no processo de institucionalidade
e o Conselho Nacional de Cultura foram da cultura colombiana no interior do Es-
criados, ambos ligados ao Ministério de tado, o que culminaria na criação de um
Educação. O Colcultura, organizado pelo ministério próprio em 1997. O Colcultura
Decreto no 994, de 10 de junho de 1969, era reuniu diversas instituições culturais exis-
o órgão responsável pelas políticas culturais tentes, como o Teatro e o Museu Nacional,
do governo. Ao instituto cabia e as agregou em torno das três subdireções
que compunham o instituto: Patrimônio;
a elaboração, o desenvolvimento e a execu- Comunicações Culturais; e Belas-Artes.
ção dos planos de estímulo e fomento às ar- Outro antecedente importante foi a for-
tes e às letras, o cultivo ao folclore nacional, mulação de uma nova Constituição Federal
o estabelecimento de bibliotecas, museus para o país. Em 1991, é promulgada uma nova
PLANOS DE CULTURA Paula Félix dos Reis 133

carta magna na Colômbia, gerando uma nova cultural, entre outros aspectos-chave [...]. É,
concepção do Estado e trazendo novos desa- pois, a Constituição de 1991 o fato político
fios diante da cultura. A constituição anterior cultural de maior transcendência.
datava de 1886. Segundo o ex-ministro Juan
Luis Mejía, esse é um dos marcos da política Como resultado das novas exigências e
cultural colombiana: responsabilidade do Estado em relação à
cultura, é aprovada a Lei Geral da Cultura
A política cultural é uma antes e outra de- da Colômbia. A referida lei, de número 397,
pois da Constituição de 1991. O que tínha- de 7 de agosto de 1997, dita as normas sobre
mos antes? De forma geral, tínhamos uma patrimônio cultural, fomentos e estímulos
política cultural sob uma institucionalidade à cultura. Outro ponto importante é a cria-
pensada para um país culturalmente homo- ção do Ministério da Cultura e a extinção do
gêneo, um país que havia se estruturado ao Colcultura:
redor de um mito falso de ser um país bran-
co, cristão, que só falava espanhol (MEJÍA, Cria-se o Ministério da Cultura como or-
16 abr. 2012, tradução nossa). ganismo reitor da cultura, encarregado de
formular, coordenar, executar e
Um dos grandes marcos da A criação de um vigiar a política do Estado na ma-
Constituição de 1991 é justa- ministério específico téria, em concordância com os
mente o reconhecimento da para a cultura não foi planos e programas de desenvol-
diversidade cultural do país e algo desejado por vimento, segundo os princípios de
da obrigação do Estado dian- todos ou isento de participação contemplados nesta
te da cultura. Isso se evidencia tensões lei (LEI No 397, 1997, artigo 66, tra-
nos princípios fundamentais dução nossa).
da Constituição, em que se afirma que “o
Estado reconhece e protege a diversidade Apesar de a Lei Geral da Cultura ter sido dis-
étnica e cultural da nação colombiana” e cutida amplamente antes da sua aprovação,
que “é obrigação do Estado e das pessoas registram-se discordâncias e oposições im-
proteger as riquezas culturais e naturais portantes. A criação de um ministério espe-
da nação” (COLOMBIA, 1991, artigos 7o e cífico para a cultura não foi algo desejado por
8o, tradução nossa). todos ou isento de tensões. Primeiro, havia
Segundo Bravo (2008, p. 215, tradução um paradoxo pertinente ao período, década
nossa), a Constituição de 1991 ressalta con- de 1990, em que se observava uma Consti-
ceitos culturais básicos, tuição que dava mais responsabilidades ao
Estado, ao mesmo tempo que a conjuntura
como plurietnicidade e pluriculturalidade, política externa pregava políticas neolibe-
liberdade de criação, relações entre cultura rais, exigindo estruturas mais enxutas e uma
e desenvolvimento [...], relevância do pa- atuação mínima do governo. Havia, também,
pel do Estado na relação com o patrimônio a desconfiança em relação ao dirigismo do
134 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

governo no âmbito cultural, pois alguns gru- pelo governo chileno entre 1999 e 2002, con-
pos acreditavam que esta não deveria ser sistindo em encontros realizados em âmbitos
uma área de atuação do Estado. local, regional e nacional para pensar e discutir
Cabe ainda destacar a oposição de um o desenvolvimento cultural do país.
grupo importante de intelectuais liderados O processo de elaboração do Plano Na-
por Gabriel García Marquez, cional de Cultura da Colômbia levou cerca
de um ano, período em que se destacam as
máximo expoente das letras colombianas, seguintes convocatórias:
figura mundial da literatura [...], não con-
siderava conveniente sua criação pelo te- I) c onvocatórias cidadãs;
mor da burocratização e da intervenção do II) convocatória do Ministério
governo na cultura (BRAVO, 2008, p. 297, da Cultura;
tradução nossa). III) convocatória do Conselho
Nacional de Cultura.
Diante dos antecedentes destacados, perce-
be-se a importância da década de 1990 para As convocatórias cidadãs ocorreram entre
as políticas culturais da Colômbia. Há uma julho e novembro de 2000, envolvendo reu-
maior institucionalidade da cultura no âmbi- niões setoriais e consultas à sociedade civil.
to governamental e a construção de políticas Nas reuniões setoriais, houve encontros com
participativas, envolvendo processos de es- grupos ligados às artes, a comunicações, pa-
cuta. Todo esse cenário é fundamental para trimônio, bibliotecas e museus. As consultas
a formulação do Plano Nacional de Cultura à sociedade civil mobilizaram encontros nos
(PNC), que esteve em vigência entre os anos âmbitos municipal (540 encontros); depar-
de 2001 e 2010, e pode ser citado como um dos tamental e distrital (realizados em todos os
exemplos de políticas participativas do país. 32 departamentos e nos 4 distritos colombia-
nos); regional (7 encontros); e nacional. Ao
II – Processo de elaboração todo, cerca de 23 mil pessoas participaram
O período de formulação do Plano Nacio- do processo de convocatória (MINISTERIO
nal de Cultura colombiano ocorreu espe- DE CULTURA, PNC, 2001).
cialmente entre os anos de 2000 e 2001. É A convocatória do Ministério da Cultu-
importante relembrar que, nesse período, ra esteve relacionada com todos os esforços e
o Ministério da Cultura era recente, com mobilizações necessários interna e externa-
apenas dois anos de criação, e já estava com mente ao órgão. O ministério precisava estar
um terceiro ministro.1 Somente no intervalo consciente da importância do processo de
entre a formulação e a finalização do plano, formulação e do próprio Plano Nacional de
foram três gestores. Cultura. Além disso, havia um trabalho de
Segundo o então ministro da Cultura, Luis articulação com os grupos culturais e os ou-
Mejía,2 o PNC teve como inspiração os Cabil- tros âmbitos da administração pública (mu-
dos Culturais do Chile, programa desenvolvido nicípios, departamentos, distritos e regiões).
PLANOS DE CULTURA Paula Félix dos Reis 135

A convocatória do Conselho Nacional de demasiado longo, mas naquela época o vía-


Cultura envolveu a participação deste na for- mos assim, e também porque acreditamos
mulação do plano. Juntamente com o Ministé- que é um período em que realmente se pode
rio da Cultura, o conselho compôs a comissão fazer avaliações das políticas culturais (ME-
mista responsável por analisar as consultas JÍA, 16 abr. 2012, tradução nossa).
cidadãs e finalizar o Plano Nacional de Cultura.
No processo de formulação do PNC co- O tema do PNC da Colômbia 2001-2010 é Para
lombiano, vale ressaltar a articulação com o uma Cidadania Democrática Cultural: um Pla-
Conselho Nacional de Política Econômica e no Coletivo desde e para um País Plural. Esse
Social (Conpes). O documento Conpes 3162 tema é um reflexo de todo o momento anterior
foi aprovado em 10 de maio de 2002, indican- pelo qual passou o país em busca do reconhe-
do diretrizes para a sustentabilidade do plano. cimento da diversidade cultural existente e
Na justificativa apresentada pelo documen- de um Estado mais participativo. O próprio
to, discute-se a importância da cultura como documento afirma isso logo em seu prólogo:
base de desenvolvimento e a intervenção do
Estado no setor cultural. Ainda segundo o Este plano é uma criação que reúne as vozes
Conpes 3162, os objetivos descritos no Plano de milhares de colombianos. É um plano de
Nacional de Cultura dependeriam de ações um país com múltiplas culturas. Um plano
que fortalecessem o ministério e reorganizas- de uma nação diversa. Um plano que fala de
sem as políticas culturais do país. um país plural e pelo qual fala um país plu-
ral. Um plano que se diz de muitas maneiras,
III – Estrutura e avaliação como o país (MINISTERIO DE CULTURA,
de conteúdo do PNC PNC, 2001, p. 9, tradução nossa).
O Plano Nacional de Cultura da Colômbia
foi apresentado pelo governo no dia 10 de Em relação à sua estrutura, o documento pos-
dezembro de 2001, tendo vigência até 2010. sui 80 páginas e divide-se da seguinte maneira:
Um aspecto importante relacionado ao PNC
colombiano é que ele não está previsto em I) P  ropósito do PNC;
nenhuma lei. O documento do plano e o II) Natureza do PNC;
Conpes 3162 são os principais registros da III) Considerações históricas
sua intencionalidade. e sociais;
Quando questionado sobre a definição IV) Princípios gerais;
do prazo decenal de validade do plano, o ex- V) Campo das políticas;
-ministro Juan Luis Mejía afirmou: VI) Orientações do PNC;
VII) Etapas.
Porque estávamos começando o século e
queríamos ter, primeiro, um número re- A primeira parte do documento, “Propósito
dondo e queríamos ter uma visão da pri- do PNC”, descreve o principal objetivo do
meira década do século. [...] não é um prazo plano, que é propiciar a construção de uma
136 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

cidadania democrática cultural na Colômbia. novas demandas políticas, de participação


A ideia de construção coletiva e democráti- social, de relações e expectativas nos espaços
ca é recorrente ao longo do documento. Em da família e do trabalho; formas alternativas
matéria publicada pelo jornal El Tiempo, de desfrute do tempo livre; e processos iné-
registra-se o receio da falta de interesse e ditos de comunicação (MINISTERIO DE
participação social, fato que surpreendeu CULTURA, PNC 2001, p. 22).
positivamente os integrantes do Ministério Nesse tópico, o plano também aborda
da Cultura: as mudanças sociais e culturais da Colôm-
bia, que não foram acompanhadas por um
O país possui 1.081 municípios. Todos fo- sistema político capaz de reconhecer a di-
ram convidados a pensar o desenho das versidade cultural do país:
políticas culturais que querem para a Co-
lômbia. O susto se havia apoderado dos O sistema central não deu cabimento nem
funcionários do Ministério da Cultura, respostas à presença crescente de atores
que não sabiam se, diante da situação em e agentes sociais na sua diversidade e di-
que se vive, os habitantes iriam respon- nâmica. Em algumas ocasiões tentou sua
der. Hoje, a notícia de que 523 localidades cooptação por mecanismos clientelistas,
assistiram à reunião e discutiram o tema mas as novas expressões transbordaram
os deixou contentes (NULLVALUE, 2000, essas práticas no país. [...]. Desde a criação
tradução nossa). da República, a história política colombiana
poderia se caracterizar por um centralismo
No tópico “Natureza do PNC”, definem-se as político-estatal, manejado por partidos he-
qualidades que permitiriam o cumprimento gemônicos pouco dispostos a se abrir e a tra-
dos objetivos do plano. Destaca-se a caracte- mitar novas demandas de setores populares.
rística dinâmica da cultura e a importância Configurou-se um Estado monopolizado
de pensar a cultura dialogando com as di- por interesses e setores tradicionais, pobre
mensões política, territorial, da diversida- e débil em sua capacidade e presença [...]
de e da sustentabilidade. Também afirma o (MINISTERIO DE CULTURA, PNC, 2001,
plano como política de Estado, com vistas ao p. 23, tradução nossa).
longo prazo, e como projeto pedagógico, con-
tribuindo para a construção da participação e O documento retrata, como consequência
da cidadania como exercício democrático de desse descompasso, uma Colômbia elitis-
transformação da cultura política (MINIS- ta, desigual e pouco democrática, dando
TERIO DE CULTURA, PNC, 2001). espaço para o crescimento da corrupção
A terceira parte do documento, “Con- e da violência.
siderações históricas e sociais”, trata da “re- Na quarta parte do documento são
volução cultural” vivida pela sociedade nas elencados os princípios gerais do plano. Ao
últimas décadas, marcada por questões como todo, são 11 princípios gerais, que envol-
diferentes concepções sobre sexualidade; vem, entre outros aspectos, a construção
PLANOS DE CULTURA Paula Félix dos Reis 137

de uma cidadania democrática, cultural e do país. Um Estado cujas ações se apresentam


plural; a configuração de um projeto cole- de forma pontual e no curto prazo. O Plano
tivo de nação; o Estado como garantidor Nacional de Cultura colombiano, através das
do reconhecimento e respeito pela di- convocatórias à população, é citado como um
versidade cultural; a apreciação criativa esforço para reverter esse cenário de pouca
das memórias e proteção do patrimônio; aproximação entre as políticas do governo e
a inter-relação e articulação das políti- as demandas e realidades sociais.
cas culturais; e o cultural como base para O segundo campo definido no plano é
a construção do desenvolvimento social, “Criação e memória”, que possui maior des-
político e econômico (MINISTERIO DE taque no documento. Relaciona-se com a
CULTURA, PNC, 2001). riqueza cultural do país e a necessidade de
A quinta parte do documento, “Campo estimular a criação sem esquecer a me-
das políticas”, pode ser considerada uma das mória coletiva. Uma das preocupações
principais, em que se encontram as propos- apontadas nesse campo refere-se à pos-
tas para o setor cultural, divididas em três sibilidade de excluir grupos e manifesta-
áreas: “Participação”; “Criação e memória”; ções representativos da memória coletiva
e “Diálogo cultural”. Para cada uma delas, do país:
o plano apresenta um texto introdutório,
diagnóstico do setor, definição de políticas Este diálogo das memórias possui profun-
e estratégias. “Criação e memória” é o campo das implicações políticas, na medida em que
que mais concentra políticas e estratégias, ali se define o que merece ser recordado ou
conforme a tabela a seguir: deveria ser esquecido; é estabelecida a rele-
vância que possuem para a memória coletiva
CAMPO DAS POLÍTICAS os diferentes atores sociais e seus suportes
patrimoniais, e se qualificam relações de
CAMPO DAS TOTAL DE TOTAL DE
continuidade ou descontinuidade entre o
POLÍTICAS POLÍTICAS ESTRATÉGIAS
passado, as situações presentes e os proje-
Participação 4 16
tos de futuro (MINISTERIO DE CULTURA,
Criação e memória 10 59 PNC 2001, p. 46, tradução nossa).
Diálogo cultural 5 25
O campo “Diálogo cultural” trata das estra-
Fonte: dados obtidos do documento Plan Nacional de Cultura 2001- tégias para reconhecimento da diversidade
-2010: Hacia una Ciudadanía Democrática Cultural, do Ministério da
Cultura da Colômbia (2001). e do convívio equilibrado entre as culturas.

O campo “Participação” reforça, mais uma


vez, o propósito do plano colombiano, que é Em síntese, este campo estimula o diálogo,
o de envolver a população na formulação das o intercâmbio e a negociação nas culturas
políticas culturais. Revela-se um Estado pou- e entre as culturas para o reconhecimento,
co aberto às demandas sociais e às realidades a dignificação e a valoração da diversidade
138 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

e a pluralidade no cenário do público nos coletivos de nação plural (MINISTÉRIO DE


contextos locais e regionais do país (MI- CULTURA, PNC, 2001, p. 75).
NISTERIO DE CULTURA, PNC, 2001, p. É importante destacar que os temas
58, tradução nossa). da pobreza, dos refugiados e da violência
são recorrentes no PNC colombiano. O
O PNC colombiano segue com “Orientações país ainda sofre com sérios problemas po-
para o plano”, destacando três aspectos: líticos, econômicos e sociais, muitos deles
consequentes e relacionados ao narcotrá-
I) cenários de reconhecimento e par- fico e ao paramilitarismo. No período de
ticipação: ressalta a im- implantação do PNC, a si-
portância dos espaços Os temas da pobreza, dos tuação do conflito armado
regionais e locais, a for- refugiados e da violência era gravíssima, com altas
mação de redes e o estí- são recorrentes no PNC taxas de violência, homicí-
mulo ao diálogo e à escuta; colombiano. O país dio e migração.
ainda sofre com sérios Seria difícil e incoeren-
II) critérios: define os problemas políticos, te pensar uma política para a
critérios de sustentabili- econômicos e sociais Colômbia, inclusive a políti-
dade; pactuação; articu- ca cultural, sem abordar tais
lação; acompanhamento e ajuste para temas. A migração de famílias e pessoas das
o plano; suas terras de origem de forma involuntá-
ria certamente traz impactos para a cultura
III) condições para a gestão do plano: do país. Inibe a liberdade e a criatividade de
trata de iniciativas relacionadas às grupos culturais, coagidos pelo medo e pela
instâncias de coordenação do plano; violência. O próprio consumo e a circulação
redefinição institucional do ministério cultural, bem como as demais etapas do pro-
e uso de instrumentos de planejamento, cesso cultural, são comprometidos.
gestão, infraestrutura, formação, infor- O Plano Nacional de Cultura colom-
mação, legislação e financiamento. biano se encerra com as etapas para a
implementação do documento, a saber: I) so-
O plano finaliza com o tópico “Orientações do cialização e apropriação do plano; II) discus-
PNC”, em que se destacam as prioridades de são e ajuste da proposta do plano nacional;
ação. Nele, os “sujeitos imediatos das políti- III) adequação institucional; IV) combina-
cas culturais” são: I) populações afetadas por ção de prioridades de ação; V) execução do
deslocamentos violentos; II) populações em plano através dos seus cenários.
situação de extrema pobreza; III) localidades
em desvantagem por não terem as condições IV – Algumas considerações finais
básicas para a criação, a produção e o con- A Colômbia apresenta propostas pioneiras
sumo cultural; e IV) ausência de espaços de para o campo cultural. Como exemplo, cita-
criação cultural que identifiquem projetos mos o próprio PNC, pensado no longo prazo,
PLANOS DE CULTURA Paula Félix dos Reis 139

o Sistema Nacional de Cultura e o Sistema para a análise de resultados, conforme


Nacional de Informação Cultural. Tais ini- salienta Zapata (2012), que coordenou o
ciativas antecedem as de muitos países, processo de avaliação do plano. Muitas
incluindo o Brasil. Infelizmente, muitas questões que foram colocadas como im-
estratégias contidas no documento do pla- portantes no plano nacional ficaram à parte
no não puderam ser implantadas conforme das avaliações. Entre elas, podemos citar os
o esperado. grupos e instituições prioritários indicados
Em 2009, o Ministério da Cultura do no plano decenal, já citados anteriormente.
país iniciou o processo de criação de me- Em nenhum momento da avaliação houve
todologia e avaliação do Plano Nacional um enfoque neles. Também não foram si-
de Cultura, cujos resultados foram divul- nalizadas áreas e ações que não avançaram,
gados em 2010 na publicação que encontraram maior difi-
Gestión del Ministério de Cul- O pioneirismo culdade em gerar resultados
tura en el Marco del Plan De- colombiano traz positivos. Essa é uma análise
cenal 2001-2010: Elementos de como consequências importante para pensar polí-
Evaluación. Para a avaliação, aspectos positivos, ticas futuras.
foram criados cinco cenários mas também impõe Ressalta-se a preocupa-
(Institucional e Normativo; desafios ção em articular as inúmeras
Diálogo Intersetorial, Público ações e políticas no interior do
e Privado; Desenvolvimento Autônomo; governo, como a aproximação entre os planos
Desenvolvimento Regional; e Dimensão decenal e os de desenvolvimento; em ir além
Global), que, articulados com os campos dos limites ministeriais, identificando parce-
de política do plano (“Criação e memória”, rias com outros setores e países; em acom-
“Participação” e “Diálogo cultural”) e suas panhar os avanços legais e administrativos
políticas e estratégias derivadas, com as do setor cultural e do ministério.
diretrizes propostas pelo Conpes 3162 e No final do documento, há recomen-
com os informes de gestão apresentados dações e propostas para a próxima década.
pelo Ministério da Cultura, compuseram Mas em nenhum momento fala-se na elabo-
os indicadores para a análise do plano co- ração de um novo plano. O PNC da Colôm-
lombiano após dez anos. Além desses do- bia teve seu período de vigência finalizado
cumentos de base, foram aplicadas outras em 2010, ano em que assumiu a ministra da
ferramentas para a coleta de dados: pesqui- Cultura Mariana Garcés Córdoba. Passados
sas, análise do desenvolvimento regional e dez anos, não há, até o momento, demons-
encontros regionais. tração de interesse ou de mobilização por
De forma geral, o documento apresenta parte do ministério para dar continuidade
inúmeros projetos e iniciativas positivas li- a um novo PNC. Vale ressaltar que ela assu-
gados a cada um dos cinco cenários criados. me justamente após as jornadas regionais,
Mas observa-se que a falta de indicadores que tinham como um dos objetivos pensar
claros no PNC foi um dos grandes desafios o novo Plano Nacional de Cultura.
140 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Isso nos leva ao questionamento sobre Paula Félix dos Reis


a fragilidade dos planos de longa duração, à Professora adjunta do Centro de Cultura, Lin-
mercê dos interesses momentâneos da ges- guagens e Tecnologias Aplicadas da Universidade
tão pública, e nos faz pensar de que forma Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Doutora
poderíamos fortalecer os instrumentos da e mestre em cultura e sociedade pela Universida-
política cultural. de Federal da Bahia (UFBA), com estágio doutoral
É importante salientar que o pioneiris- na Universidade de Barcelona e pós-doutorado no
mo colombiano traz como consequências Center for Iberian and Latin American Studies, da
aspectos positivos, mas também impõe desa- Universidade da Califórnia. Atua desenvolvendo
fios. A inexistência ou o número reduzido de trabalhos nas áreas da gestão e da política cultu-
experiências que pudessem servir de compa- ral, com enfoques locais, regionais e internacionais.
rativos para auxiliar na criação de indicado- E-mail: paula.fr@gmail.com.
res e avaliações de resultados do plano, bem
como para sua aprovação através de uma lei
específica, podem ser citados como exem-
plos. Outro ponto a ser observado foi o tempo
para mobilização, formulação e finalização
do plano. Talvez tenha sido insuficiente para
consolidá-lo, efetivamente, nos âmbitos do
governo e da sociedade.
Para finalizar, ressalta-se que o Minis-
tério da Cultura colombiano era uma insti-
tuição recente, com dificuldades iniciais para
sua consolidação. Mesmo hoje, apresenta de-
safios relacionados aos recursos humanos,
materiais e técnicos. Esse aspecto precisa ser
considerado em todo o contexto que envolve
o Plano Nacional de Cultura. Destaca-se, ain-
da, o panorama político vivenciado pelo país.
Na Colômbia, tem-se como pano de fundo
das estratégias e ações do PNC o desejo de
construir um projeto coletivo de nação, em
que a cultura teria um papel importante de
resgatar e fortalecer valores enfraquecidos
pela violência e pelas desigualdades.
PLANOS DE CULTURA Paula Félix dos Reis 141

Referências bibliográficas

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Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade, Universidade Federal
da Bahia, Salvador, 2013.
ZAPATA, Clara Mónica. Entrevista oral realizada durante pesquisa de campo em
Medellín no dia 16 de abril de 2012.

Notas

1 Relação de ministros(as) da Cultura da Colômbia desde sua criação: I) 1997-1998:


Ramiro Osorio; II) 1998-1999: Alberto Casas Santamaría; III) 1999-2000: Juan Luis
Mejía Arango; IV) 2000-2001: Consuelo Araújo Noguera; V) 2001-2002: Araceli
Morales López; VI) 2002-2006: María Consuelo Araújo Castro; VII) 2006-2007:
Elvira Cuervo de Jaramillo; VIII) 2007-2010: Paula Marcela Moreno Zapata; IX)
2010-2018: Mariana Garcés Córdoba; X) 2018: Carmen Vásquez (atual).

2 No que se refere à formulação do PNC, destaca-se a gestão do ex-ministro da


Cultura Juan Luis Mejía Arango, à frente do cargo nos anos de 1999 e 2000.
Mesmo com o plano sendo finalizado somente em 2001, pode-se afirmar que ele
foi o grande incentivador da sua formulação.
142 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL
PLANOS DE CULTURA Paula Félix dos Reis 143
144 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

DOS PLANOS NACIONAIS AOS


INSTITUTOS SETORIAIS DE
CULTURA NA ARGENTINA
Rubens Bayardo

Este artigo trata de uma mudança significativa nas políticas culturais da Argentina, que
passaram da redação de planos nacionais de cultura para a formação de institutos setoriais
de cinema, teatro e música. Refere-se à passagem de uma administração relativamente cen-
tralizada e planejada de ação pública nos domínios da área para outra de institutos por setor,
com fundos próprios que concedem subsídios, créditos e outros apoios a atores privados e
independentes. Isso está em sintonia com as regulamentações de mercado para promover
a cultura como economia e negócio, propiciadas pela abstenção do Estado.

E
ste artigo trata de uma mudança sig- mais recentemente, o Instituto Nacional
nificativa nas políticas culturais da da Música (Inamu, Lei n o 26.801/2013).
Argentina, que passaram da redação Esses institutos têm uma matriz comum
de planos nacionais de cultura, nas décadas em sua organização como instrumentos
de 1980 e 1990, para a formação de institutos de promoção e desenvolvimento voltados
setoriais, de meados da década de 1990 até a para os praticantes de cada um desses
atualidade. Os planos foram elaborados pela domínios. Embora estejam no âmbito da
Secretaria de Cultura da Nação (SCN),1 com SCN, são caracterizados pelo poder de de-
princípios, objetivos, programas e linhas de cisão conferido às suas autoridades e por
ação prioritárias, fazendo referência a de- ter estatutos jurídicos que consagram sua
bates em encontros de autoridades federais, autonomia administrativa e financeira. O
regionais e provinciais. Incaa e o Inamu têm status de “entidade
Durante a transição democrática, a pública não estatal”, razão pela qual são
Argentina teve quatro planos de cultura, regidos pelo direito privado, facilitando
que depois deixaram de ser feitos. Por ou- fugir das regulamentações públicas e acei-
tro lado, foram criados o Instituto Nacio- tar vínculos com os mercados. Assistimos,
nal de Cinema e Artes Audiovisuais (Incaa, assim, à passagem de uma administração
Lei no 24.377/1994), o Instituto Nacional relativamente centralizada2 e planejada de
de Teatro (INT, Lei n o 24.800/1997) e, ação pública nos domínios da área para o
PLANOS DE CULTURA Rubens Bayardo 145

modelo de institutos por setor com fundos e dança, artes visuais, Instituto Nacional de
próprios que concedem subsídios, créditos Cinema (INC), entre outras].
e outros apoios a atores privados e inde- O Plano Federal de Cultura de 1990 se
pendentes. Isso está em sintonia com as re- destacou pelo caráter protagonista que as
gulamentações de mercado para promover províncias e as regiões4 do país deveriam
a cultura como economia e negócio, propi- adquirir em detrimento do “centralismo por-
ciadas pela abstenção do Estado. tenho”. Daí sua denominação como “federal”
e sua proposta de novos olhares: “a região a
Os planos nacionais de cultura partir da região”, “a metrópole a partir da re-
Na transição democrática, a Argentina teve gião” e “o mundo a partir da região”. O plano
quatro planos de cultura, sendo um durante se baseava em três eixos centrais: a unidade
o governo de Raúl Alfonsín (União Cívica nacional, a revolução produtiva e a integra-
Radical), o Plano Nacional de Cultura de ção latino-americana. Apelava para slogans
1984-1989; e três durante o primeiro gover- historicamente associados ao partido no
no de Carlos Menem (Partido Justicialista), poder e destacava o papel das ações cultu-
o Plano Federal de Cultura de 1990, o Plano rais na construção de um novo pacto social
Nacional de Cultura de 1992 e o Plano Nacio- para consolidar a unidade nacional. O eixo da
nal de Cultura de 1994.3 Estavam claramente “revolução produtiva” se referia aos bens cul-
relacionados aos momentos políticos em que turais como objetos de mercado, enfatizando
foram elaborados e estabeleciam princípios seu caráter industrial e midiático, estabele-
gerais de política cultural, objetivos, inicia- cendo uma visão econômica da cultura que
tivas jurídicas, organizacionais e de ação se tornaria predominante. Ao mesmo tempo,
cultural que visavam atingir todo o territó- sustentava a necessidade de uma nova cul-
rio nacional. tura do trabalho para aprofundar reformas
O Plano Nacional de Cultura de 1984- neoliberais. As áreas programáticas nas
-1989, encabeçado pelo slogan “A cultura é quais o plano era organizado e as ações pla-
de todos”, dava especial atenção ao retorno nejadas seguiam as diretrizes anteriormente
à vida democrática e ao papel da cultura na mencionadas com uma estrutura similar à
recuperação do espaço público após as dita- do plano anterior.
duras. Baseava-se nos princípios de liberda- No Plano Nacional de Cultura de 1992
de de criação, estímulo à produção cultural, havia poucas definições da questão cultural,
participação na distribuição de bens e ser- e a fundamentação das propostas de ação era
viços culturais e preservação do patrimônio mínima. O plano destacava o protagonismo
cultural. Era um plano conceitualmente dos destinatários da ação cultural, entendi-
fundamentado, com uma elaboração cuida- dos como uma comunidade que deveria for-
dosa dos objetivos, programas e ações a ser talecer a identidade, o sentimento nacional e
seguidos, organizados em torno da estrutura a unidade nacional. Havia menos referências
de administrações e organizações descentra- político-partidárias do que no plano anterior,
lizadas da SCN [museus, livro, música, teatro e as áreas em torno das quais o planejamento
146 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

cultural estava organizado evidenciavam em mudança ganhariam mais relevância do


menor elaboração e maior ênfase nos even- que já tinham, consolidando o tratamento da
tos específicos a ser realizados. cultura como economia e negócios.
O Plano Nacional de Cultura de 1994
propunha como diretrizes a “preservação e Os institutos setoriais de cultura
conservação do patrimônio cultural da na- Cinema, teatro e música são domínios com
ção”, a “elevação do nível cultural do nosso tradição e visibilidade pública na Argenti-
povo” e a “projeção da cultura argentina para na, e suas práticas coletivas artísticas e de
o mundo”, com referência especial ao Merco- trabalho estimularam interações e reivin-
sul. Reiterava os tópicos da união nacional e dicações. Institutos semelhantes foram
da cultura nacional, entendidos como a soma propostos no livro e na dança, porém não se
das culturas regionais e a base do “federalis- concretizaram. Os institutos setoriais (In-
mo”. A fundamentação e os eixos do plano caa, INT, Inamu) foram fundados por meio
recebiam pouca atenção, e os programas de leis que criaram fundos concursáveis
estavam mais bem desenvolvidos, com um específicos para a promoção e o desenvol-
caráter técnico que mais tarde se tornaria vimento do cinema, do teatro e da música,
habitual na gestão. substituindo as áreas preexistentes na SCN.
Depois, não foram mais formulados As leis foram sancionadas pelo Congresso
planos nacionais com fundamentos, eixos e Nacional de acordo com o Poder Executivo
iniciativas a ser desenvolvidos em todos os em contextos políticos específicos, a pedido
domínios de ação da SCN e em todo o ter- de atores sociais envolvidos nos trabalhos
ritório do país. O orçamento da área é his- setoriais e de diversas organizações que se
toricamente baixo (cerca de 0,25% do total mobilizaram para sua aprovação.
nacional) e nenhum plano tinha previsão de
recursos para concretizar suas propostas. Cinema
Além disso, as províncias argentinas são so- Na Argentina, o cinema foi incluído desde
beranas e as ações federais das autoridades cedo nos assuntos culturais do Estado, por
centrais dependem do acordo das províncias se tratar de uma indústria próspera que ti-
e dos municípios. Embora os planos fossem nha um papel na disseminação em massa de
diferentes e contextualizados, mantinham narrativas e imagens promotoras da nacio-
uma continuidade de enquadramento que nalidade. Já em 1944, foi estabelecida uma
duplicava a estrutura organizacional da área cota de tela para favorecer o cinema nacio-
e mostrava a inércia do aparato administra- nal e, em 1957, foi criado o Instituto Nacional
tivo com pouca inovação na ação cultural de Cinema (INC). Mais tarde, foi aprovada
(MÉNDEZ CALADO, 2004a). Posterior- uma lei (no 17.741/1968) que, com sucessivas
mente, sem planejamento, com uma insti- modificações, resultou na regulamentação
tucionalidade frágil e descontínua, o perfil vigente (Lei no 24.377), que estabeleceu,
do responsável pela área, suas definições em 1994, o Instituto Nacional de Cinema
pessoais e sua adequação ao jogo político e Artes Audiovisuais (Incaa) e o Fundo de
PLANOS DE CULTURA Rubens Bayardo 147

Fomento Cinematográfico que o financia. A missão de promoção é realizada por


Desde a década anterior, esse fundo era uma meio de subsídios e créditos com baixas ta-
reivindicação das organizações do setor, xas para a produção cinematográfica nacio-
como a Associação Argentina de Diretores nal e/ou coproduzida, para a melhoria das
de Cinema (AADC), os Diretores Argenti- salas de cinema, para a participação em fes-
nos Cinematográficos (DAC), o Sindicato da tivais e outros itens. Também foram estabe-
Indústria Cinematográ- lecidas uma “cota de tela”
fica Argentina (Sica) e a O Incaa foi constituído como e uma “média de con-
Associação Argentina de “uma entidade pública não tinuidade” de exibição
Atores (AAA). estatal” no âmbito da SCN, para o cinema argentino,
A lei foi aprova- com autarquia financeira, e foram criados espaços
da em um momento de personalidade jurídica e cinematográficos pró-
grande declínio da in- patrimônio próprio, fora da prios. O Incaa é dirigido
dústria (baixa produção administração pública e do por um presidente e um
de filmes, fechamen- orçamento nacional e sujeito ao vice-presidente, uma
to de salas de cinema, direito privado, contando com assembleia federal (com-
menos público e menor transferências diárias automáticas posta dos secretários de
índice de concorrên- e livre disponibilidade de fundos Cultura das províncias)
cia), durante o governo e um conselho consultivo
de Carlos Menem, que estava tentando se (que inclui membros da assembleia federal
reeleger como presidente em um contexto e representantes das regiões culturais e das
de recessão e procurava se aproximar dos entidades do setor).
setores culturais contrários às suas políti-
cas neoliberais. Teatro
O Incaa foi constituído como “uma O teatro argentino é um domínio com tra-
entidade pública não estatal” no âmbito da dição de autogestão do pessoal de teatro
SCN, com autarquia financeira, personali- que remonta aos anos 1930. O chamado
dade jurídica e patrimônio próprio, fora da Movimento Teatral Independente (MTI)
administração pública e do orçamento na- proclamou uma “independência” tripla
cional e sujeito ao direito privado, contando das grandes figuras, dos patrões e do Esta-
com transferências diárias automáticas e do, promovendo um teatro de arte contra-
livre disponibilidade de fundos (MORENO, posto ao cenário comercial bem-sucedido
2004). Isso inclui, além dos fundos preexis- daquele momento, e acabou por moldar o
tentes, 10% de tributação sobre o preço bá- atual campo teatral. O setor, objeto da ação
sico das entradas de cinema e outros títulos, cultural do Estado desde o início, foi afeta-
10% de impostos sobre o aluguel e a venda de do pelos cortes e pela crise econômica du-
VHS e DVD e 25% da receita total do Comfer5 rante o governo de Menem, de modo que se
de encargos sobre o faturamento publicitário multiplicaram os protestos do pessoal de
das televisões aberta e a cabo. teatro reunido em torno do Movimento de
148 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Apoio ao Teatro (Mate), liderado por figuras Independentes (ATI), a Associação Argen-
emblemáticas do MTI. Segundo Mario “Pa- tina de Empresários Teatrais (Aadet), a
cho” O’Donnell, então secretário de Cultura, Sociedade Geral de Autores da Argentina
foi por proposta dele que foram iniciadas (Argentores) e a AAA.
conversas em torno de uma lei que, embo-
ra fosse uma antiga reivindicação do setor, Música
entrou em vigor e se concretizou durante A música ao vivo, gravada e/ou transmitida
sua gestão (MENDES CALADO, 2004 b). por meios audiovisuais ou outros, também
A Lei Nacional do Teatro (no 24.800 / é um domínio importante no país, regido
1997) criou o Instituto Nacional do Teatro por repartições da área cultural. Em 1958,
(INT) como um órgão descentralizado com foi aprovado o Regime Legal de Trabalho
autarquia administrativa sob jurisdição da dos Executantes Musicais (Lei no 14.597),
SCN. O INT administra um fundo para a pro- que não entrou em vigor por falta de regu-
moção da atividade integrado pelo orçamen- lamentação, até que o presidente Néstor
to nacional, porcentagens Kirchner o regulamentou
fiscais e renda própria. No- A Lei Nacional do Teatro por decreto (no 520/2005). A
venta por cento dos recur- (n 24.800/1997) criou
o
lei foi impulsionada pelo Sin-
sos devem ser destinados o Instituto Nacional do dicato Argentino de Músicos
às despesas operacionais Teatro (INT) como um (Sadem), a fim de regulamen-
de apoio a criadores, pro- órgão descentralizado com tar as condições de trabalho
jetos, elencos e teatros in- autarquia administrativa em relação à dependência de
dependentes, às salas com sob jurisdição da SCN executantes musicais, que ti-
menos de 300 lugares, nham que se filiar à entidade
obras de autor nacional ou residente e pro- para ser reconhecidos como tais (VREIS,
postas que envolvam programações anuais. 2018, p. 138 e seguintes).
Os recursos são distribuídos para Quase meio século depois, porém, as
produção, equipamentos, melhoria da in- práticas musicais mudaram. O salário e as
fraestrutura, estudos, aperfeiçoamento e contratações diminuíram, e predominou o
intercâmbios, assistência técnica, edição de trabalho autogerido e independente com
materiais etc., através de concursos, bolsas pouca ou nenhuma formalização. Muitos
de estudo, prêmios, festivais e mostras, por músicos não se sentem representados pelo
exemplo. O INT é presidido por um diretor- Sadem, uma entidade que consideram não
-executivo, acompanhado por um conselho ter legitimidade para julgar se são ou não
de administração composto de um represen- músicos, e questionam a forma como ela ge-
tante da SCN, seis representantes regionais rencia a arrecadação das contribuições dos
(um para cada região, eleitos por e entre os filiados e previdenciárias. Inúmeros artistas,
24 representantes provinciais concursados) empresários e organizações de músicos in-
e quatro representantes do setor aprovados dependentes protestaram contra o decreto,
por entidades como a Associação de Teatros que finalmente foi revogado por Kirchner,
PLANOS DE CULTURA Rubens Bayardo 149

potencializando os debates, a mobilização e o desta, 15% de “música independente”. Mais


agrupamento de atores em torno da redação importante, porém, estabelecia que 2% da
de uma nova lei. arrecadação da entidade reguladora, a Au-
Em 2008, foi formado o Conselho Fe- toridade Federal de Serviços de Comunica-
deral da Música, integrado pela Socieda- ção Audiovisual (Afsca), seria destinada ao
de Argentina de Autores e Compositores Instituto Nacional da Música (Inamu). Este
(Sadaic), pela Associação Argentina de ainda não havia sido criado, o que ocorreu
Intérpretes (AADI), pela Câmara Argen- algum tempo depois, quando foi aprovada
tina de Música ao Vivo (Camuvi), pela a Lei Nacional de Música (no 26.801/2013).
Aadet e pelo Sadem. Várias organizações A lei criou o Inamu como uma entidade
de músicos independentes de todo o país 6
pública não estatal, no âmbito da SCN, para
também confluíram na Federação Argenti- a promoção da atividade musical em geral e
na de Músicos Independentes (Fami) e na da nacional em particular, através de subsí-
Federação Independente dios e créditos à produção
de Músicos Argentinos A lei foi impulsionada pelo e de contribuições para
(Fima). Naquela época, Sindicato Argentino de a formação dos músicos.
o novo governo, liderado Músicos (Sadem), a fim de Embora inclua músicos e
por Cristina Fernández de regulamentar as condições produtores fonográficos
Kirchner, obteve o apoio de trabalho em relação à nacionais e estrangeiros (de
do mundo da cultura, da dependência de executantes acordo com sua nacionali-
ciência e do ensino supe- musicais, que tinham que dade ou residência), estabe-
rior (entre outros) em um se filiar à entidade para ser lece a “atuação necessária
conflito difícil com o setor reconhecidos como tais de músicos nacionais” em
de agroexportação e com o todos os shows ao vivo no
grupo multimídia Clarín. Esse confronto país. Diferentemente do regime anterior,
foi apresentado publicamente como uma que se referia ao trabalho (pressupunha
“batalha cultural”, e a promulgação de uma a relação de dependência), a lei enfatiza a
nova lei de mídia, que já vinha sendo rei- arte da música, a forma autogerida, e define
vindicada há anos, foi apresentada como a o músico nacional registrado independente
“mãe de todas as batalhas”.7 A participação (como aquele que não possui um contrato),
de organizações da sociedade civil de todo demonstrando o impacto desses últimos em
o país (PRATO; TRAVERSANO; SEGURA, sua aprovação. O Inamu é regido por uma di-
2018) foi decisiva nos debates, na redação e retoria (presidente e vice-presidente), uma
na aprovação da Lei de Serviços de Comu- assembleia federal (de um representante
nicação Audiovisual (no 26.522/2009). Em por província) e um comitê representativo
seus artigos era possível vislumbrar o futuro (composto de 6 coordenadores das Sedes
próximo da lei de música, uma vez que esta- Regionais e 12 representantes do setor: au-
belecia que rádios deveriam transmitir uma tores, compositores, intérpretes, sindicatos,
cota de 30% de “música nacional” e, dentro produtores, estabelecimentos).
150 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Luzes e sombras Ao mesmo tempo, os institutos refor-


Os planos nacionais de cultura fizeram par- çam uma hierarquia de domínios (por exem-
te de um breve ciclo nas políticas culturais plo, o teatro acima da dança) e subsetores
argentinas após as últimas ditaduras. De (por exemplo, o cinema de ficção acima do
acordo com o papel democratizante que o documentário), embora gêneros e práticas
governo atribuiu à cultura, o plano de 1984 artísticas se cruzem e hibridizem. Também
teve uma divulgação pública significativa, abrem e veiculam conflitos entre subseto-
diferentemente dos que vieram depois. A res, elos das cadeias produtivas, artistas em
ambição totalizadora dos planos ficou só nas diferentes estágios de seu ciclo de carreira,
declarações, não se refletindo em ações cul- vertentes estéticas, posicionamentos pes-
turais da SCN, sempre limitadas às próprias soais e partidários enquanto legitimam o
condições institucionais, territoriais e orça- próprio Estado.
mentárias. As falhas habituais nas políticas Os institutos de cinema, teatro e música
públicas do país se agravam nesse nível ju- promovem essas expressões em todo o país,
risdicional, com competências pouco claras e e sua ação é mais federal do que a da admi-
incapazes de coordenar as políticas culturais nistração central, porque eles têm represen-
federais (SCHARGORODSKY, 2019), com tantes provinciais e regionais, conhecedores
recorrentes mudanças organizacionais e de das realidades locais. O papel dos secretários
autoridade, de modo pouco hierarquizado de Cultura de cada província e dos represen-
e mal financiado. Paradoxalmente, a maior tantes é fundamental em seus territórios e
ênfase no federalismo foi seguida pela des- nos órgãos de governança dos institutos. Eles
continuidade desse tipo de plano estatal e têm a capacidade de fortalecer o movimen-
por sua substituição pela nova fórmula dos to local ou cooptar fundos sem que o setor
institutos setoriais mais ligados ao mercado seja beneficiado. Também têm o poder de
e ao setor privado, de acordo com a mudança endossar ou questionar a direção institucio-
para a cultura como economia e negócios. nal, sendo frequentes conflitos em que a esta
Os subsídios, créditos e apoio para o (quando não ao representante provincial) é
cinema, o teatro e a música por parte dos atribuída discricionariedade, ocultações, má
institutos e fundos são reivindicações e administração ou corrupção.
conquistas do ativismo de atores comprome- Os institutos carecem de planejamen-
tidos e das organizações setoriais. São produ- to, avaliação e memória de suas ações, estão
tos de exercícios de democracia em políticas focados na administração de subsídios, cré-
culturais que combinaram aspirações de ba- ditos e apoio, e lhes falta uma política global.
ses, líderes e autoridades governamentais. A Respondem às demandas dos atores mais
“independência” que eles promovem é uma destacados e informados, e, como há mais
categoria proteica, confusa e abrangente de projetos na capital nacional e nas grandes
atores emergentes, consagrados, alternati- cidades, não lidam ativamente com os espa-
vos, empreendedores e empresas que a uti- ços menos desenvolvidos, gerando efeitos
lizam como estratégia de marketing. antirredistributivos.
PLANOS DE CULTURA Rubens Bayardo 151

O apoio a diversas iniciativas culturais Rubens Bayardo


pontuais e independentes pode ter um im- Doutor em antropologia, professor e pesqui-
pacto de descentralização e resposta rápida sador da Universidade de Buenos Aires. Diretor
a mudanças que de outra forma não seriam do curso de especialização em gestão cultural e
processáveis para uma área geralmente con- políticas culturais do Instituto de Altos Estudos So-
servadora (belas-artes, patrimônio, folclore) ciais, Universidade Nacional de San Martín.
em um Estado lento e centralizador. Mas isso
também fragmenta a ação cultural e renuncia
a perspectivas estratégicas, e os setores des-
providos de orientações sobre capacidades e
estratégias de serviço público se transmutam
em mercados. Os institutos alcançam, com
o consenso de seus beneficiários, uma nova
hegemonia em que as formas preferenciais
para a arte são subsídios independentes que
naturalizam a falta de direitos trabalhistas e
de proteção social. Uma função catalítica da
cultura como economia e negócios agora se
junta à tradicional função legitimadora das
políticas culturais.
152 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Referências bibliográficas

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Notas

1 A SCN é um órgão executivo, com antecedentes que datam de 1933, e já teve


diferentes denominações (comissão, subsecretaria e secretaria) e pertencimentos
institucionais (BAYARDO, 2008). Atualmente é um ministério, como também o
foi entre 2014 e 2015, porém era uma dependência de outros ministérios, como o
da Educação e do Interior, ou da Presidência da Nação.

2 A SCN faz parte da Administração Pública Nacional e reúne organizações


centralizadas, descentralizadas e desconcentradas (BAYARDO; BORDAT-
-CHAUVIN, 2018).
PLANOS DE CULTURA Rubens Bayardo 153

3 Graças a um subsídio de pesquisa da Universidade Nacional de Luján, realizamos


uma análise mais exaustiva dos planos culturais da década de 1990 em Bayardo,
Lacarrieu e Rotman (1998).

4 A regionalização do país estava sendo debatida e foi incorporada à nova


Constituição Nacional de 1994. Foram estabelecidas cinco regiões, porém
algumas entidades definem como seis, pois distinguem uma área metropolitana
ao redor da capital.

5 O Comitê Federal de Radiodifusão (Comfer) era a autoridade de aplicação da Lei


de Radiodifusão (no 22.285/1980), que regulamentava o rádio e a televisão.

6 União de Músicos Independentes (UMI), Músicos Argentinos Convocados


(MAC), Movimento de Músicos Convocados de Córdoba (Mucc), Movimento
Independente de Músicos Mendocinos e União de Músicos Independentes
Tucumanos Autoconvocados (Umita), entre muitas outras.

7 Estava em vigor a Lei de Radiodifusão sancionada durante a ditadura militar


e desatualizada. Também houve mobilização em favor de uma Lei Nacional
de Dança, que não avançou, juntamente com propostas normativas que
surgiram até a formulação de um projeto de Lei Federal das Culturas
apresentado pela Frente de Artistas e Trabalhadores da Cultura (FAyTC),
que também não prosperou.
154 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

O PLANEJAMENTO CULTURAL NO
MÉXICO DURANTE O GOVERNO DE
ANDRÉS MANUEL LÓPEZ OBRADOR
Eduardo Nivón Bolán

O planejamento cultural no México teve um desenvolvimento significativo a partir da cria-


ção do Conselho Nacional para a Cultura e as Artes, em 1988. Desde então, foi inserido no
conjunto de definições de política pública contidas no Plano Nacional de Desenvolvimen-
to de cada sexênio. No entanto, embora tenha servido para definir objetivos prioritários e
inovadores, sofreu uma avaliação sistemática. O atual governo (2018-2024) modificou o
sentido geral das políticas públicas em todas as áreas, incluindo a cultura, mas não conse-
guiu desenhar um projeto convincente e organizado para uma nova política cultural, o que
revela uma crise nessa área.

A
política cultural no México é, sem e intelectuais afins articularam um projeto
dúvida, um dos fatores que contri- que valorizou a cultura popular, o patrimô-
buíram para a notável estabilidade nio e a educação nacionalista. Foi um pro-
do regime que surgiu da Revolução Mexi- cesso cultural que conseguiu direcionar a
cana. Esta foi, na realidade, um conjunto adesão dos setores populares para uma or-
de movimentos sociais pela democracia, ganização política corporativa, conhecida
pela restituição das terras de onde haviam desde 1946 como Partido Revolucionário
sido retirados camponeses e povos indí- Institucional (PRI), e para o regime de na-
genas durante o século XIX, pelos direitos cionalismo revolucionário.
sociais dos trabalhadores e moradores das Essa política cultural impetuosa, cujo
cidades e pela defesa da soberania da nação. impulso chegou à década de 1970, começou
Atualmente entendida como a construção a declinar no último terço do século XX,
do ajuste simbólico do campo político, a ao mesmo tempo que a capacidade do Es-
política cultural conseguiu dar sentido ao tado de atender às demandas sociais foi se
novo Estado como um dispositivo legítimo esgotando e o obrigou a reestruturar suas
de transformação da realidade social, que políticas econômicas e o próprio modelo de
merecia o apoio e a adesão da maioria dos gestão pública. Embora o planejamento pú-
cidadãos, especialmente dos trabalhadores blico remonte às próprias origens do Estado
do campo e da cidade. Professores, artistas pós-revolucionário,1 foi na década de 1980
PLANOS DE CULTURA Eduardo Nivón Bolán 155

que ocorreu uma profunda transformação desse departamento.2 Desta forma, abriu-se
normativa. Miguel de la Madrid Hurtado, a possibilidade administrativa de planejar
que foi presidente de 1982 a 1988, veio da a cultura de forma específica, além das di-
Secretaria de Programação e Orçamento e retrizes da SEP. De fato, até antes de 1988,
testemunhou os excessos autocráticos de o planejamento cultural, inclusive a políti-
presidentes anteriores e o colapso econô- ca cultural, estava centrado no que os dois
mico de 1982. Agora, encarregado de um grandes institutos nacionais de cultura, o
Estado com graves limitações econômicas, de antropologia e história e o de belas-artes
em um ambiente internacional que promo- e literatura, definiam para seus respectivos
via uma virada para o neoliberalismo e com campos de competência. Agora, era possível
a pressão de movimentos sociais cada vez fincar uma bandeira no planejamento do go-
mais amplos em prol da democracia, dos di- verno federal e definir um orçamento preciso
reitos humanos e da defesa das condições de para a cultura.
vida de seus simpatizantes, assumiu o poder Isso faz pensar em um certo parale-
com dois objetivos básicos: um chamado à lismo com o desenvolvimento da política
Renovação Moral da Socie- cultural francesa, uma vez
dade e a promoção de uma A capacidade do Estado de que a primeira tarefa que o
gestão organizada da ativi- atender às demandas sociais ministro de Assuntos Cul-
dade pública a partir do pla- foi se esgotando e o obrigou turais, A. Malraux, assumiu
nejamento estatal. Também a reestruturar suas políticas foi a de incorporar o setor
foi ele quem deu uma virada econômicas e o próprio cultural ao planejamento
radical no modelo econômi- modelo de gestão pública cultural (e a necessidade
co predominante, acabando de atribuir-lhe recursos).
com o protecionismo estatal e abrindo a eco- Quando, em 1970, a Unesco publicou o re-
nomia para a competitividade internacional. latório Some Aspects of French Cultural
Em termos de cultura, quase no final Policy, elaborado pelo Departamento de Es-
de seu período de governo e quando a nova tudos e Pesquisa do Ministério da Cultura
administração de Carlos Salinas de Gortari francês,3 os autores iniciaram o documento
estava prestes a iniciar, as duas câmaras le- apontando precisamente a virada causada
gislativas constituíram duas comissões de pelo planejamento, um dos elementos que
cultura que permitiram, pela primeira vez, mais tarde foram considerados dentro dos
uma atenção focada especificamente nesse padrões mínimos de ação de qualquer ins-
setor à margem da educação. Poucos dias tância cultural.4
depois de assumir o poder, Carlos Salinas
criou o Conselho Nacional para a Cultura A regulamentação federal
e as Artes (Conaculta), desligando o setor sobre planejamento
cultural da tutela imediata da Secretaria de É conveniente levar em conta pelo menos
Educação Pública (SEP), embora isso, na três elementos normativos do planejamento
realidade, dependesse da vontade do titular governamental no México:
156 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

a. sentido geral: a lei estabelece que o concretizado nos relatórios anuais


planejamento é um meio de “cuidar do dos departamentos e na própria ges-
desempenho eficaz da responsabili- tão interna do governo federal;
dade do Estado pelo desenvolvimento
equitativo, inclusivo, integral e sus- c. tem finalidades cognitivas e de ava-
tentável do país, com uma perspecti- liação. Além disso, a elaboração dos
va de interculturalidade e de gênero, e planos setoriais tem vários objetivos
deve procurar atingir as finalidades e importantes. O principal é o conhe-
objetivos políticos, sociais, culturais, cimento que o setor pelo qual o ou os
ambientais e econômicos” (artigo 2o); departamentos envolvidos são res-
ponsáveis tem sobre o Estado. Ou seja,
b. é um instrumento de governança. O conforme estabelecido no artigo 26
plano nacional e os planos setoriais e bis, deve conter um diagnóstico geral
institucionais são a base de referência sobre os problemas a ser tratados, os
para “reportar anualmente ao Con- objetivos específicos, as estratégias
gresso da União o estado de suas res- para executar as ações, as linhas de
pectivas áreas; [e] deverão informar ação para apoiar a implementação das
o avanço e o grau de cumprimento ações e os “indicadores estratégicos
dos objetivos e prioridades estabele- para acompanhar o atingimento dos
cidos no planejamento nacional que, objetivos”. Portanto, o plano tem um
em virtude de sua competência, cor- sentido de conhecimento, priorização
respondem a estes e os resultados das de problemas e ações e avaliação.
ações previstas” (artigo 8o). Da mes-
ma forma, os programas das diversas Os planos culturais
entidades são indispensáveis para a Como apontado, a partir da criação do
própria gestão do governo federal. O Conaculta, iniciou-se a elaboração de
conteúdo das contas públicas fede- programas específicos para atender ao de-
rais, por exemplo, deve estar ligado senvolvimento do setor cultural.5 No entan-
ao programa nacional e aos progra- to, havia uma situação ambígua, uma vez
mas setoriais (artigo 6o), e o acompa- que o conselho era uma instituição criada
nhamento, que deverá ser feito pela para coordenar as instituições culturais,
Secretaria da Fazenda e Crédito Pú- mas dependia organicamente do secretário
blico da administração governamen- de Educação Pública. Portanto, os planos
tal, levará em consideração, entre expressavam certa autonomia, mas não
outras bases, os objetivos e metas do podiam ser elaborados sem a anuência do
Plano Nacional de Desenvolvimen- titular do setor educacional.
to e seus programas (artigo 9o). Em Quais características tiveram os planos
outras palavras, o planejamento tem setoriais de cultura? De 1989 a 2018, foram pu-
um sentido de prestação de contas blicados cinco programas setoriais de cultura,
PLANOS DE CULTURA Eduardo Nivón Bolán 157

abrangendo os governos de Carlos Salinas de durante todo o seu desenvolvimento,


Gortari (CS) e Ernesto Zedillo Ponce de León das quais uma das mais frequentes é
(EZ), do PRI; Vicente Fox (VF) e Felipe Cal- a sua parcialidade, embora tenham
derón (FC), do Partido Ação Nacional (PAN); existido outras mais sérias e cons-
e Enrique Peña Nieto (EPN), também do PRI. trutivas. Até muito recentemente,
Os seguintes aspectos predominam neles. essas críticas quase nunca envol-
veram a proposta de seu desapare-
• Papel prioritário do patrimônio na po- cimento. A estabilidade do Fonca
lítica cultural. Com exceção do progra- se deve ao fato de que ele implicou
ma 2013-2018 (EPN), a preservação, uma mudança radical na forma de
a difusão e a pesquisa do patrimônio expressar o compromisso público
foi o primeiro assunto mencionado. com a cultura, assumindo que o jul-
Rafael Tovar y de Teresa, que foi pre- gamento dos pares era o único cri-
sidente do Conaculta de 1992 a 2000 tério para conceder os recursos em
e de 2012 a 2016, em apoio aos artistas. Além disso,
que incluo sua desig- O modelo do Fonca o modelo do Fonca também
nação como primeiro também serviu para serviu para canalizar recur-
secretário de Cultura, canalizar recursos para sos para suporte às culturas
afirmou, em um ba- suporte às culturas populares e para a criação de
lanço da política cul- populares e para a fundos estatais e fundos mis-
tural dos anos 1990, criação de fundos estatais tos de apoio à criatividade.
que o patrimônio era e fundos mistos de apoio
“o carro-chefe da po- à criatividade • Descentralização. Durante
lítica cultural” (1994). os cinco primeiros planos de
O programa de Peña Nieto não tirou cultura, foi colocada uma grande ên-
do patrimônio a sua grande relevân- fase na descentralização do equipa-
cia, mas decidiu colocá-lo em quarto mento cultural a partir da promoção
lugar, sem oferecer nenhuma explica- e do apoio a iniciativas culturais dos
ção sobre essa ordem. estados e municípios. Inicialmente,
esse processo foi realizado de forma
• Incentivo à criatividade artística. “corporativa”, replicando o modelo
Logo após a criação do Conselho Na- Conaculta com pouca originalidade.
cional para a Cultura e as Artes, foi No entanto, também é verdade que
criado o Fundo Nacional de Cultura as entidades federativas desenvol-
e Artes (Fonca). Esse órgão é o prin- veram profusamente suas próprias
cipal instrumento de apoio a artistas instituições culturais e as respec-
e criadores e à promoção de novos tivas regulamentações, levando a
campos de desenvolvimento da arte. processos atraentes e avançados em
Ele foi objeto de diversas polêmicas vários assuntos.
158 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

• Inovação. Nos diversos planos de cul- a descentralização dos bens e servi-


tura, é possível visualizar um esforço ços culturais e a cooperação cultural
de inovação diante do surgimento de internacional. Também foram cons-
problemas ou situações desconheci- truídos dois importantes programas
das no campo da cultura. Por exemplo, especiais: Desenvolvimento Cultural
no segundo programa (1995-2000 – Infantil e Desenvolvimento Cultural
EZ) foram definidas como objetivos dos Trabalhadores (posteriormente

CONTEÚDO DOS PROGRAMAS SUBSTANCIAIS DE CULTURA NO MÉXICO, 1989-2018

1989-19946 1995-20007 2001-20068 2007-20129 2014-201810

1. Preservação 1. Preservação, Principais campos Eixos da política Objetivos:


e difusão do pesquisa e difusão de ação: cultural: 1. promover e difun-
patrimônio cultural do patrimônio 1. pesquisa e 1. patrimônio e dir as expressões
nacional. cultural. conservação do diversidade cultural; artísticas e culturais
2. Estímulo à 2. Educação e patrimônio cultural; 2. infraestrutura do México, assim
criatividade artística pesquisa artísticas. 2. culturas populares cultural; como projetar a
e à difusão das 3. Difusão da e indígenas; presença do país
artes. 3. promoção no exterior;
cultura. 3. patrimônio, cultural nacional
3. Desenvolvimento 4. Cultura em meios desenvolvimento e internacional; 2. impulsionar
da educação e audiovisuais. e turismo; a educação e a
da pesquisa no 4. incentivos pesquisa artística
campo da cultura 5. Promoção do livro 4. incentivo à públicos à criação e cultural;
e das artes. e da leitura. criação artística; e patrocínio;
3. dotar a
4. Promoção do 6. Incentivo à 5. educação e 5. formação infraestrutura
livro e da leitura. criação artística. pesquisa no campo e pesquisa cultural de espaços
7. Fortalecimento e artístico e cultural; antropológica, e serviços dignos e
5. Preservação e histórica, cultural
difusão das culturas difusão das culturas 6. difusão cultural; fazer um uso mais
populares. e artística; intensivo dela;
populares. 7. leitura e livro;
8. Descentralização 6. recreação cultural 4. preservar,
6. Promoção e 8. meios e promoção da
difusão da cultura dos bens e serviços audiovisuais; promover e difundir
culturais. leitura; o patrimônio e a
através dos meios 9. vínculo cultural
audiovisuais de 9. Cooperação 7. cultura e turismo; diversidade cultural;
e cidadania;
comunicação. cultural 8. indústrias 5. apoiar a
internacional. 10. cooperação culturais. criação artística
internacional.
e desenvolver as
A partir de 1992:
indústrias criativas
• projetos especiais Programas
para reforçar a
de arqueologia; especiais:
geração e o acesso
• Centro Nacional • desenvolvimento a bens e serviços
das Artes; cultural infantil; culturais;
• Sistema Nacional • desenvolvimento 6. possibilitar o
de Criadores. cultural dos acesso universal
trabalhadores à cultura,
(redefinido como aproveitando
programa de os recursos da
animação cultural). tecnologia digital.

Fonte: elaboração do autor.


PLANOS DE CULTURA Eduardo Nivón Bolán 159

redefinido como Programa de Ani- desconfiança em relação ao planeja-


mação Cultural). O seguinte progra- mento cultural e os transformou em
ma, 2001-2006 (VF), transformou instrumentos pobres para a correção
o programa de descentralização em das políticas públicas de cultura.
Vínculo Cultural e Cidadania. O de
2007-2012 (FC) criou dois progra- Em uma visão geral, pode-se observar a
mas específicos: Infraestrutura Cul- continuidade e as mudanças ou problemas
tural e Indústrias Culturais. Já o de emergentes que os diversos planos de cul-
2013-2018 (EPN) inovou ao propor tura tiveram de 1989 até 2018 (conforme a
um programa para “permitir o acesso tabela ao lado), ano de término do governo
universal à cultura, aproveitando os Peña Nieto, que em 2015 transformou o Co-
recursos da tecnologia digital”, o que naculta em Secretaria de Cultura (SC). Essa
posteriormente resultou na Agen- mudança, do ponto de vista da lei de planeja-
da Digital de Cultura proposta pelo mento, transformou os programas de cultura
governo mexicano na Cúpula Ibero- de especiais em setoriais. Ou seja, sendo o
-Americana de 2014. Conaculta um órgão dependente da Secre-
taria de Educação Pública, a sua capacidade
• Baixa participação. Em relação à de planejamento era dependente desse órgão
elaboração dos programas, estes (por isso, era apresentado após o programa
sofreram com a fraca participação de educação). Agora, como Secretaria de
dos cidadãos. Não houve interesse Estado, é responsável pela elaboração de um
ou capacidade de promover a ampla programa setorial.
participação da sociedade na cons-
trução dos programas e na discussão O planejamento cultural durante
de formas de alcançar os objetivos o governo de López Obrador
propostos. Em vez disso, a elabora-
ção dependeu de uma burocracia cul- Perfil de AMLO
tural consistente e abrangente que Ao longo de sua vida política, o atual pre-
permaneceu no setor cultural por um sidente do México, Andrés Manuel López
longo período, apesar das mudanças Obrador (AMLO), tem sido um político di-
nas administrações públicas.  ferente, quase sempre disposto a privilegiar
suas opiniões políticas, o que chama de seus
• Falta de orçamento e de critérios de princípios, em detrimento do padrão tradi-
avaliação. Uma crítica comum a todos cional ou comum da atividade de governo.
os programas culturais elaborados pe- Isso ajudou a moderar sua forma de ver os
los diversos governos desde 1989 é a assuntos públicos, sua história pessoal e os
ausência de um orçamento preciso e duros acontecimentos que viveu em sua luta
de elementos claros para a avaliação pela Presidência da República. López Obra-
dos programas. Isso gerou grande dor é incompreensível se não reconhecermos
160 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

que é o fruto de seu compromisso com os po- chegasse ao governo. Em 2018, esses 35%
vos indígenas e com os setores populares de de eleitores que o apoiaram 12 anos antes
seu estado natal, além de sua luta obstinada cresceram para 53%.
pela Presidência da República e pela denún- A chegada de López Obrador à Presi-
cia da corrupção. dência da República tem, como ele se esfor-
Como caracterizar López Obrador como çou para mostrar, um sentido fundacional.
político? Poucos dias antes das eleições de Sua liderança carismática se expressa, no
2006, Enrique Krauze publicou um ensaio governo e na forma como ele se comporta
intitulado “O messias tropical”. É um dos inú- diante dos outros poderes do Estado, na su-
meros observadores que tentaram elucidar o pressão de qualquer tipo de mediador insti-
caráter e as ideias do atual presidente em ter- tucional, incluindo seu próprio partido, para
mos de seu próprio desenvolvimento pessoal, o acesso aos recursos públicos. Ele convoca,
sua sensibilidade e seu pensamento íntimo, fala, decide e faz isso diariamente com vigor.
sem beirar o psicologismo. López Obrador se Não há, nem houve, orgulha-se López Obra-
convenceu muito cedo de seu papel na histó- dor, um governante no mundo que dê uma
ria. Ele se sentiu chamado a renovar o poder coletiva de imprensa diária.
político a partir de uma prática incorruptível Uma das chaves das políticas públicas
e a tornar o relacionamento povo-governo em que López Obrador quer desenvolver é sua in-
povo que governa. Às vezes, expressa um pen- tenção de fazê-las com um tom participativo,
samento religioso, com o qual teve cuidado embora as formas deixem muito a desejar. É
para que não se tornasse um elemento que o o povo, e não os técnicos, que realmente co-
afastasse de alguns setores da população, mas nhece os problemas e, portanto, as decisões
que está presente em muitas de suas defini- que devem ser tomadas. Por exemplo, a grande
ções políticas e ideológicas. Assim, frequente- obra de infraestrutura do governo anterior,
mente expõe um pensamento político baseado o novo aeroporto da Cidade do México, que
no amor e na fraternidade, que guia, segundo já tinha uma grande porcentagem de reali-
ele, sua política social e cultural, as decisões zação, foi submetida a uma consulta pública
orçamentárias, suas iniciativas legais e até seu em outubro de 2018 para decidir sobre seu
programa de segurança. cancelamento ou sua continuidade. Com
Deve-se insistir no caráter messiânico uma participação de quase 713 mil pessoas
de sua ação política. O cientista político e e sem controles para verificar a qualidade da
jornalista David Rieff, que acompanhou sua consulta, mostrou-se que a obra deveria ser
campanha no sul do México em 2006, es- cancelada, o que foi feito.
creveu que, apesar de sua derrota, com seu Após algumas semanas, foi realizada
entusiasmo pessoal, López Obrador cons- outra convocatória para votar sobre dez pro-
truiu uma aliança praticamente incondicio- gramas que o novo governo considerava de
nal com os desencantados com o sistema, primordial importância, como a construção
apesar de muitas de suas propostas serem de uma enorme obra de infraestrutura fer-
vistas como impossíveis de realizar se ele roviária chamada Trem Maya, o plantio de
PLANOS DE CULTURA Eduardo Nivón Bolán 161

milhões de árvores frutíferas e a pensão para cultural com experiência em administração,


pessoas com deficiência.11 A consulta teve já que havia assumido a Secretaria de Cultura
a participação de quase 950 mil cidadãos, do Estado de Guerrero, um dos mais pobres
pouco mais de 1% das pessoas com direito do país (2011-2013), e a Direção Geral de Cul-
a voto, e uma resposta positiva de cerca de turas Populares (2013-2017). Esses cargos a
90%. Os debates prévios mostraram per- dotaram de experiência e sensibilidade em re-
plexidade sobre o motivo da consulta, uma lação aos problemas das culturas populares do
vez que ninguém ou pouquíssimos cidadãos campo e das cidades e dos povos indígenas do
poderiam se opor aos programas propostos, México. O papel dos futuros secretários de-
mas também é verdade que eles nunca fo- veria ser o de vincular-se aos atores do seu
ram expostos a um programa orçamentário respectivo setor e colaborar na elaboração
abrangente e, portanto, não se sabia quais dos programas. Isso foi realizado com muito
seriam as implicações. sucesso, principalmente no que diz respeito
Dessa forma, uma vez iniciado seu go- ao vínculo e, menos claramente, em relação
verno, a sociedade percebeu que os progra- ao desenvolvimento do programa.
mas exigiriam muito das finanças públicas, Com o nome de Projeto de Nação 2018-
o que o governo chamou de austeridade re- -2024,12 o programa do partido Movimento
publicana, querendo dizer que era necessário de Renovação Nacional (Morena) traçou
acabar com as despesas consideradas supér- as linhas mais gerais de seu projeto. Em
fluas ou desnecessárias, demitir funcioná- geral, trata-se de um documento que é
rios externos, suprimir outros programas uma mistura de diagnóstico, análise e
sociais de grande importância e empobrecer propostas, algumas muito mal elaboradas
muitas políticas públicas estratégicas, como e outras surpreendentes por ser alheias
as relacionadas ao meio ambiente. Somente ao pensamento de esquerda13 ou cópias de
no setor cultural, mais de mil pessoas foram outros projetos. Quanto à cultura, o que foi
demitidas e muitos programas de promoção definido nesse documento de mais de 460
e divulgação cultural foram cancelados. páginas abrangia apenas um ponto com o tí-
tulo de “Cultura comunitária” (p. 444-446).
Planejamento cultural de AMLO As linhas básicas desse capítulo são:

1. As propostas culturais no programa Pontos gerais


eleitoral de AMLO
• A cultura é um elemento essencial de
A terceira campanha triunfante de López integração comunitária.
Obrador teve várias características notáveis • Serão promovidas metodologias par-
e inovadoras. Uma muito importante é que, ticipativas com base social.
quase no início dela, ele anunciou o seu futuro
gabinete de governo. Para a cultura, nomeou O que se dizia quanto ao diagnóstico do setor
Alejandra Frausto Guerrero, uma gestora cultural
162 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

• A diversidade cultural do nosso país cultural com a sua sociedade.


é a maior força criativa que temos. • Encurtar o caminho entre o orça-
• A cultura apoiada pelo Estado carece mento público e os beneficiários.
de uma visão de terra, de uma visão do • Impacto imediato nas comunidades
país como um todo complexo e vital. mais vulneráveis e estigmatizadas.
• Os programas de base da Secretaria
de Cultura Federal e dos governos Economias orçamentárias/orçamento ne-
estaduais não possuem uma política cessário/alteração legislativa
social em sua atividade e têm pouco
relacionamento com as pessoas que • A proposta com o Legislativo é alocar
criam e vivem a cultura. pelo menos 50% desse orçamento à
• Apesar das demandas sociais e dos cultura comunitária.
setores críticos das políticas cultu-
rais, continua-se promovendo uma Pode-se observar que os responsáveis pela
cultura colonialista ou de elite. elaboração do projeto tinham clareza sobre
• Os programas que promoveram um seus objetivos. Eles consideraram que a po-
vínculo social eficaz durante esse lítica cultural seguida até então era colonia-
sexênio sofrem, a cada ano, graves lista ou elitista e desligada da prática real
reduções orçamentárias. das pessoas que criam e vivem a cultura.
• As políticas culturais são ditadas a Por exemplo, criticava-se o orçamento de
partir das instituições de forma cen- grandes obras de infraestrutura e espetá-
tralista. culos por estarem desvinculados dos grupos
locais. Apontava-se que havia programas de
Proposta e linhas de ação infraestrutura que eram apropriados pelas
comunidades ou investimentos em espetá-
• O programa de cultura comunitária culos efêmeros. Em vez disso, propunha-se
promoverá o acesso à cultura de for- ampliar o orçamento da cultura comunitá-
ma gratuita e o exercício dos direitos ria em até 50% e direcionar os recursos de
culturais da população em situação forma rápida e fácil aos seus usuários.
vulnerável, com pleno respeito à di- Por outro lado, todas as áreas tradi-
versidade cultural. cionais da política cultural, como o patri-
mônio, o apoio à criatividade e a difusão,
Impactos esperados educação artística ou cooperação inter-
nacional, são marginalizadas, porque, em
• Um programa nacional de cultura geral, carecem de uma política social vin-
que responda às necessidades sociais culada às comunidades.
do México.
• Um envolvimento responsável e 2. As propostas da futura secretária de
comprometido da comunidade Cultura, Alejandra Frausto
PLANOS DE CULTURA Eduardo Nivón Bolán 163

Talvez devido à precariedade desse fortalecimento das artes e ofícios;


projeto (havia, por exemplo, um subtítulo de narrativas digitais; inovação social; e
“Vínculo com o livro” que carecia de conteú- inserção na economia cultural.
do), a futura Secretaria de Cultura distribuiu, • Vida criativa. Programas: ensino da
em junho de 2018, poucos dias antes das elei- arte; pesquisa e profissionalização
ções, um pequeno folheto mais preciso, cujo em arte, estudos culturais, promoção
título era O Poder da Cultura,14 em que define e gestão cultural; abordagem comu-
mais amplamente os princípios e as linhas de nitária; e museus vivos.
seus programas e princípios.
Além disso, indicava os assuntos prioritá-
• Redistribuição da riqueza cultural (por rios: perspectiva de gênero; olhar de frente
“redistribuição” se entende a promo- para o mundo; da cultura do poder ao po-
ção das culturas locais der da cultura (que se refere
e suas criações), que Eles consideraram exclusivamente à adaptação
abrange quatro progra- que a política cultural como centro cultural da Re-
mas: missões culturais; seguida até então era sidência Oficial “Los Pinos”,
patrimônio; patrimônio colonialista ou elitista que AMLO não estaria mais
cultural imaterial; e cir- e desligada da prática utilizando); e patrimônio da-
cuitos culturais. real das pessoas que nificado pelos terremotos de
• Cultura para a paz e a criam e vivem a cultura 2017.
convivência. Progra-
mas: aproximação às artes a partir 3. As propostas do Plano Nacional de
da primeira infância; vida para a in- Desenvolvimento
fraestrutura cultural; polos culturais
comunitários; e recuperação afetiva Por disposição legal, o novo governo deveria
do espaço público. submeter o Plano Nacional de Desenvolvi-
• Economia cultural. Programas: in- mento (PND) 2019-2024 ao Congresso, de
dústrias culturais e empresas cria- maioria morenista. A lei prevê que o secre-
tivas; participação privada; direitos tário da Fazenda e Crédito Público é o res-
autorais e direitos de propriedade ponsável pela elaboração do PND, e isso foi
intelectual da comunidade; e finan- feito por Carlos Urzúa, que ocupou o cargo
ciamento cultural. até julho de 2019, ou seja, durante quase sete
• Agenda digital. Programas: distri- meses. O plano elaborado por Urzúa seguiu
buição; acesso; fortalecimento dos as diretrizes dos regulamentos vigentes e
direitos autorais; apropriação tec- dedicou à cultura o item 2.9 do capítulo
nológica; uma nova agenda digital; “Bem-estar” (p. 118-122). O item começa-
e cultura científica e arte. va lembrando a base legal da intervenção
• Juventude na cultura. Progra- do Estado em questões culturais, insistin-
mas: apropriação cultural e digital; do que se trata de um direito humano. Ele
164 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

destaca a diversidade cultural, coleta alguns No entanto, o PND elaborado por Carlos
dados sobre infraestrutura e patrimônio Urzúa não agradou ao presidente López Obra-
material e imaterial, o planejamento artís- dor, que o viu como “continuísmo”. Era uma
tico e se concentra na questão do acesso e concepção ainda na inércia neoliberal e era
inclusão. Define sete estratégias: necessário fazer a diferença.15 Ou seja, não se
diferenciava dos planos da “época neoliberal”,
• fomentar o acesso à cultura para toda a ponto de usar inclusive a mesma linguagem
a população, promovendo a redistri- técnica. Por esse motivo, ele rapidamente de-
buição da riqueza cultural e desenvol- cidiu elaborar outro documento, mostrando a
vendo esquemas de planejamento in- ruptura que seu governo representava. Esse
tercultural, inclusivo e participativo; outro documento, disse ele, “tem como con-
• impulsionar a formação e profissio- texto o plano liberal de 1906 e o plano sexenal
nalização artística e cultural dos in- do general Lázaro Cárdenas [1934], sem ter-
divíduos, comunidades, coletivos e mos próprios da política neoliberal”.16 Então,
trabalhadores da cultura, e fornecer resultou em um texto basicamente declarati-
opções de iniciação, capacitação e vo, uma soma de suas promessas de campanha
atualização para toda a população; com um escopo pouco preciso. Ao submeter
• promover e ampliar a oferta cultu- dois planos ao Congresso, gerou confusão,
ral em todo o território nacional e pois alguns deputados acharam que o Exe-
desenvolver o intercâmbio cultural cutivo não tinha metas precisas e que não
do México com o exterior; era possível entender a relação entre os dois
• salvaguardar e difundir a riqueza pa- documentos. Isso foi “resolvido” indicando
trimonial do México, material e ima- que o verdadeiro Plano Nacional era o elabo-
terial, bem como promover a apro- rado pelo presidente e que o elaborado pelo
priação social das ciências humanas, secretário da Fazenda e Crédito Público era
das ciências e das tecnologias; apenas um anexo. Por fim, apenas o primeiro
• fortalecer as indústrias culturais e documento foi aprovado e publicado no Diário
empresas criativas para gerar e di- Oficial da Federação, em 12 de julho de 2019.
fundir seus conteúdos; Trata-se de um documento feito com
• desenvolver e otimizar o uso da in- muita pressa e pouca supervisão a partir dos
fraestrutura cultural pública, levan- discursos do próprio presidente. Há questões
do em consideração as particularida- muito relevantes, como a ambiental, que não
des e necessidades regionais do país; são tratadas no documento, e outras são tra-
• reconhecer, preservar, proteger e esti- tadas de forma incompleta. Nos quatro pará-
mular a diversidade cultural e linguís- grafos dedicados à cultura, menciona-se, por
tica do México, com atenção especial exemplo, o Instituto Nacional de Belas Artes
às contribuições dos povos indígenas e Literatura, mas não o Instituto Nacional
e afro-mexicanos e de outros grupos de Antropologia e História. Há quatro linhas
historicamente discriminados. centrais sobre a cultura:
PLANOS DE CULTURA Eduardo Nivón Bolán 165

• amplo significado da noção de cultura; • atenção às questões tradicionais


• sentido não excludente da política cobertas pelas instituições culturais
cultural e reconhecimento de sua sem fazer com que estas centralizem
importância para a paz, a convivên- ou monopolizem a atividade cultural.
cia e a espiritualidade;
• priorização dos setores mais margi- Como veremos a seguir, o governo mexica-
nalizados; no não apresentou o plano setorial para a

CONTEÚDO DOS PROGRAMAS SUBSTANCIAIS DE CULTURA NO MÉXICO, 2019-2024

DEFINIÇÕES DO DEFINIÇÕES DE DEFINIÇÕES DO PROJETO DEFINIÇÕES DO


PROGRAMA DO PARTIDO ALEJANDRA FRAUSTO, DE PLANO NACIONAL PROJETO DE PLANO
MORENA (PROJETO DE ANUNCIADA COMO DE DESENVOLVIMENTO NACIONAL (PND), DE
NAÇÃO) SECRETÁRIA DE (PND-SUPLEMENTO), ANDRÉS MANUEL LÓPEZ
CULTURA DO SECRETÁRIO DE OBRADOR
2017 (O PODER DA CULTURA) FAZENDA E CRÉDITO
PÚBLICO ABRIL DE 2019
JUNHO DE 2018
ABRIL 2019

O programa de cultura 1. Redistribuição 1. Fomentar o acesso 1. Amplo significado


comunitária promoverá da riqueza cultural. à cultura para toda da noção de cultura.
o acesso à cultura de 2. Cultura para a paz a população. 2. Sentido não excludente
forma gratuita e o e a convivência. 2. Impulsionar a formação da política cultural
exercício dos direitos e profissionalização e reconhecimento de
culturais da população 3. Economia cultural.
artística e cultural dos sua importância para
em situação vulnerável, 4. Agenda digital. indivíduos, comunidades, a paz, a convivência
com pleno respeito à coletivos e trabalhadores e a espiritualidade.
diversidade cultural. da cultura.
Programas: 3. Priorização dos setores
5. juventude na cultura; 3. Promover e ampliar mais marginalizados.
a oferta cultural. 4. Atenção às questões
6. vida criativa.
4. Salvaguardar e difundir tradicionais cobertas
a riqueza patrimonial pelas instituições culturais
Assuntos prioritários: do México, material sem fazer com que
• perspectiva de gênero; e imaterial. estas centralizem
5. Fortalecer as indústrias ou monopolizem a
• olhar de frente para
culturais e empresas atividade cultural.
o mundo;
criativas.
• da cultura do poder ao
poder da cultura (que se 6. Desenvolver e otimizar
refere exclusivamente à o uso da infraestrutura
adaptação como centro cultural pública.
cultural da Residência 7. Reconhecer, preservar,
Oficial “Los Pinos”, que proteger e estimular a
AMLO não estaria mais diversidade cultural e
utilizando); linguística do México.
• patrimônio danificado
pelos terremotos
de 2017.

Fonte: elaboração do autor.


166 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

cultura 2020-2024, o que suscita diversas importantes. Por que planejar esses obje-
reflexões sobre a situação do setor cultural tivos se a sociedade em geral os entende e
no país. No entanto, com o que foi aponta- os apoia?
do até aqui, pode-se desenhar o que seria o É possível sustentar que o atual go-
planejamento cultural no país. Esse quadro verno acompanha essa consideração com
mostra a preeminência política de atenção uma segunda, a qual considera que a entro-
aos setores marginalizados a partir do pro- nização do planejamento do Estado ocorreu
grama chamado cultura comunitária. Isso junto com a instauração do neoliberalismo,
representa efetivamente uma virada com que colocou a tônica na gestão para envolver
relação aos programas anteriores centrados suas finalidades perversas com uma aura
no patrimônio ou na difusão. A virada tam- de racionalidade que agora precisa ser des-
bém se expressou em nível orçamentário, montada. Em outras palavras, os critérios
porque, embora o orçamento da Secretaria para planejamento e avaliação das políticas
de Cultura não tenha aumentado, a atenção públicas não são adequados para promover
aos grupos comunitários sim. um verdadeiro desenvolvimento, justo e
sem desvios.
O Plano Setorial de Cultura ou a crise Com muita frequência, o presidente
nas políticas públicas de cultura tem rejeitado conceitos usados no plane-
O presidente López Obrador tinha até 12 jamento e na avaliação das políticas públi-
de janeiro de 2020, ou seja, seis meses, para cas por serem insuficientes e encobridores:
publicar os planos setoriais e institucionais crescimento não é desenvolvimento; em-
das diversas dependências de seu governo. prego não é a mesma coisa que ocupação;
Embora em outras administrações tenha descentralização não é um fator de eficiên-
havido atrasos na comunicação de planos cia; subsidiariedade não é desenvolvimen-
específicos, agora era notável a ausência de to local; autonomia não é liberdade para se
uma ampla discussão sobre o planejamento governar, mas para se corromper; a divisão
setorial em todas as áreas. de poderes não é garantia de controle do
As razões pelas quais ele não o fez são Estado... Em sua perspectiva, é necessário
desconhecidas, e só resta supor algumas. A produzir uma revolução no sentido da ação
primeira é que o presidente da República e pública, e isso não é possível se for assumida
seus colaboradores imediatos consideram a linguagem do planejamento.
que o planejamento é desnecessário. As li- Finalmente, pode-se pensar que o pla-
nhas de governo já estão definidas: redis- nejamento é simplesmente uma perda de
tribuição de renda, combate à corrupção, tempo, porque os planos não são cumpridos
relançamento de empresas estatais, univer- e, pelo contrário, dificultam a tomada de de-
salização dos serviços, moralização da vida cisões, o que é evidente na rapidez com a qual
pública e privada, priorização do ataque aos o presidente emite uma diretriz e nas difi-
fatores causais dos problemas sociais e não culdades para que esta se traduza em ações
aos seus sintomas, entre os objetivos mais percebidas pela sociedade.
PLANOS DE CULTURA Eduardo Nivón Bolán 167

Quaisquer que sejam as razões, o fato é condições de precariedade econômi-


que o planejamento não foi realizado e, muito ca, apesar dos planos de apoio público;
provavelmente, não será realizado. No caso • as políticas públicas de cultura são
específico da cultura, pode ser que existam predominantemente nacionais,
outros motivos próximos aos mencionados apesar da globalização da produção
anteriormente. Após 30 anos de planeja- e distribuição cultural;
mento cultural, seus resultados nunca foram • as autoridades públicas justificam
medidos e, aparentemente, não há intenção o aumento dos subsídios à cultura
de fazê-lo agora. Ou pode ser que o projeto com os efeitos benéficos que a arte
de uma política cultural que nasça de baixo e a cultura podem ter além do pró-
tenha dificuldade em encontrar o fio que lhe prio campo cultural. No entanto, é
permita generalizar o amplo conhecimento possível argumentar que tais efeitos
dos problemas locais e da comunidade para poderiam ser iguais ou maiores se os
dar origem a uma política nacional. Em re- recursos fossem aplicados em outros
sumo, estamos em uma situação de grande campos sociais;
obscuridade nesse campo, e tudo isso pode • um setor cultural público específico
nos levar a acreditar que tanto as políticas pode parecer aprisionar a cultura em
públicas quanto as políticas públicas de cul- uma gaiola de ferro burocrática;
tura, em particular, estão em um momento de • finalmente, poderia ser proposto que
definição ou talvez de crise. uma política cultural pública não tem
Em 2018, o professor Per Mangset, da sentido em um período de estagna-
Universidade de Telemark, na Noruega, pu- ção das competências públicas.
blicou o artigo “The end of cultural policy?”.
Nele, faz uma reflexão interessante sobre Como mostrei ao longo deste texto, no Méxi-
as políticas públicas culturais nas demo- co, a aposta central da Secretaria de Cultura
cracias ocidentais. Ele observa que essas foi definida em favor do desenvolvimento de
últimas não se adaptam às grandes transfor- culturas comunitárias que abrangem as cul-
mações que as sociedades contemporâneas turas marginalizadas do campo e da cidade,
estão vivendo, produzindo desafios signifi- especialmente das comunidades indígenas.
cativos para as políticas culturais. Mangset Isso já foi implementado com diferentes
apresenta sete cenários problemáticos das programas. Grande parte das informações
políticas culturais: sobre em que consiste o programa pode ser
obtida na internet.17 São ações que, de alguma
• a democratização da cultura parece forma, replicam o que foi feito em outros mo-
ser muito difícil; mentos, embora com uma ênfase diferente
• as autoridades públicas apoiam sis- e, principalmente, mais metódica. Eviden-
tematicamente instituições culturais temente, o programa procura evitar o assis-
que podem ser consideradas obsoletas; tencialismo e se preocupa com o diagnóstico,
• os artistas profissionais vivem em a promoção de atores locais e a conexão com
168 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

os problemas da comunidade, especialmente áreas tem apenas capacidade reguladora.


o combate à violência. Apresenta vários pro- No caso das culturas comunitárias, é im-
blemas, e destaco três deles. possível para uma secretaria federal se en-
O primeiro está relacionado ao pes- carregar das inúmeras comunidades rurais
soal necessário para o programa. Depois de e indígenas. Portanto, sua intervenção deve
demitir mais de mil trabalhadores da Secre- ser indireta, basicamente de promoção e re-
taria de Cultura, agora a cultura comunitária gulamentação, em apoio aos governos esta-
foi forçada a contratar pessoal especializado duais e municipais. No entanto, ao tentar
(630 pessoas com um orçamento de 178 mi- produzir ações diretas nesse campo, houve
lhões de pesos, afirmam) para trabalhar em uma sobreposição de funções e atividades.
279 municípios que precisam ser atendidos Na prática, os governos estaduais trabalham
urgentemente. Essas contratações tiveram separadamente da ação federal.
que ser rápidas e sem critérios precisos em re- Se a cultura comunitária constitui o
lação às características do pessoal necessário. eixo central da política cultural, isso signifi-
Outra questão rele- caria que a política de co-
vante é que as atividades Apesar de o programa possuir municação, de patrimônio,
que o programa implica recursos significativos para de formação artística, de
não são precisas e, por isso, sua execução, não se baseia cinema, rádio e televisão e
ele não possui regras claras em uma ideia transversal todos os outros aspectos da
de operação. Por exemplo, na qual criadores, gestores política pública de cultura
o subprograma Semilleros culturais e, em geral, todos os deveriam ser incluídos na
Creativos [Viveiros Criati- agentes sociais interessados cultura comunitária. No
vos] – talvez a aposta mais em cultura trabalhem em entanto, o que vemos é a
importante da Secretaria coordenação com ele segregação do programa.
de Cultura – tem um orça- Por esse motivo, apesar de
mento de 200 milhões de pesos, um terço do possuir recursos significativos para sua exe-
valor destinado ao Fundo Nacional de Cul- cução, ele não se baseia em uma ideia trans-
tura e Artes (Fonca), mas seu acesso e seu versal na qual criadores, gestores culturais
exercício são menos rigorosos do que no caso e, em geral, todos os agentes sociais interes-
do fundo. Vários especialistas em adminis- sados em cultura trabalhem em coordenação
tração pública manifestaram preocupação com esse programa.
com a negligência ou a ausência de regras As críticas do professor Per Mangset à
operacionais. capacidade das democracias ocidentais de
Um terceiro problema é que a Secre- desenvolver uma política cultural moderna
taria de Cultura possui capacidade de pro- certamente apresentam algumas lacunas.
dução e gestão em certas áreas, como na Para começar, o sociólogo norueguês se re-
política de cooperação internacional, pa- fere às mudanças nas sociedades modernas
trimônio monumental ou gestão de grandes que muitos autores trataram nos últimos 20
infraestruturas culturais, mas em outras ou 30 anos. Por exemplo, na década de 1990,
PLANOS DE CULTURA Eduardo Nivón Bolán 169

Ulrich Beck descreveu uma “sociedade de O paradigma fundamental das políticas


risco” e Zygmunt Bauman, no início do sé- culturais modernas se concentra na demo-
culo XXI, a implantação de uma crescente cracia. Esta se desenrola em dois aspectos:
“modernidade líquida”, conceitos que podem acesso e participação. Uma política cultu-
não ser aplicáveis ao México. ral moderna é aquela que coloca seu esforço
Além disso, embora esse país talvez em desenvolver todos os instrumentos que
esteja longe das condições de pós-moder- possibilitam o acesso dos cidadãos aos bens
nidade descritas por esses autores, nem um culturais. Agora, desde meados do século
pouco condescendentes com o neoliberalis- XX, as questões de acesso tiveram seu prin-
mo, o México, na concepção do presiden- cipal oponente ou cúmplice nos meios de
te da República, deve estar cada vez mais comunicação de massa. Não foram poucos
próximo da visão de um país pré-moderno, os programas culturais que enfrentaram
no sentido de uma sociedade centralizada esse problema, começando pelas famosas
e dependente de um líder carismático que definições em termos de cultura que André
deseja definir a política para si mesmo. Para Malraux adotou na década de 1960. Como
aprofundar-nos nesse sentido, podemos ver desenvolver uma política cultural democrá-
que a cultura é, para López Obrador, confor- tica, inclusive a favor dos setores culturais,
me ele declarou em meados de 2018, “aquilo sem levar em consideração o rádio, a televi-
que tem a ver com os povos” e, diante das são, o cinema e, agora, a internet e as redes
críticas ao orçamento da Secretaria de Cul- sociais? É possível dividir a atenção da so-
tura, explicou: “Nunca os povos originários, ciedade em uma política preocupada com
os membros de nossas culturas, haviam sido as maiorias marginalizadas camponesas e
tratados como agora”.18 indígenas e, por outro lado, os grupos urba-
Pode-se dizer que o governo federal nos populares, médios e altos da sociedade?
decidiu desenvolver uma política baseada Um segundo aspecto das políticas cul-
em um sentido amplo de cultura, focada nos turais atuais é o seu vínculo com o desenvol-
grupos marginalizados da sociedade, sem fa- vimento. Para isso, foi necessário ampliar
zer com que as tarefas tradicionais às quais a noção de cultura de uma inicialmente fo-
as instituições culturais se dedicaram até cada na criação e circulação de bens sim-
agora sejam o centro ou mantenham o mo- bólicos – o interesse voltado para as artes
nopólio da atividade cultural. Não há outras plásticas – para outra que via a cultura
definições públicas que nos permitam ir além como um modo de vida, conforme proposto
dessas considerações. pelo Plano Nacional de Desenvolvimento.
Tais objetivos podem nos levar a exami- Agora, uma vez que a ação cultural se centra
nar alguns aspectos fundamentais das políti- nesse modo da ação cultural, o desenvolvi-
cas culturais modernas no México e a tentar mento exige objetivos que possibilitem sua
elucidar o compromisso do setor público com apropriação pelos cidadãos.
eles. Para não dispersar demais a atenção, O governo federal tentou focar sua
reduzirei a quatro as questões básicas. ação pública no desenvolvimento, e não no
170 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

crescimento, mas ainda não definiu em que e normativa, como foi feito em termos de
isso consiste. Se se trata da implantação cultura comunitária, é abrir uma frente de
de políticas redistributivas que reduzam fragilidade e ineficiência.
a desigualdade, como elas se expressam Com base nos critérios que apresen-
no campo da cultura? Na “redistribuição tei, considero que existe uma profunda cri-
da riqueza cultural”, como foi expresso no se de política cultural no México, agravada
confuso Projeto Nação divulgado antes das pelo silêncio e pela falta de uma atitude
eleições? Não seria melhor considerar que proativa da Secretaria de Cultura Federal
consiste em ampliar as capacidades ele- para construir uma visão global da política
tivas de todos os setores da sociedade em cultural no país.
termos culturais?
Uma política cultural é inseparável de Palavras finais
uma ideia adequada de como ela é geren- Neste texto, segui o curso do planejamento
ciada. A política define o “que”; e a gestão, cultural nos últimos 30 anos, a fim de enqua-
o “como”. Para isso, foram drar mais facilmente as dife-
desenvolvidas diversas re- Focar a política cultural em renças que implica a política
flexões que caminharam equipamentos com fraca cultural de López Obrador.
em três âmbitos: o que as definição institucional Na minha perspectiva, o que
instituições devem produzir e normativa, como foi está acontecendo atualmen-
de acordo com os objetivos feito em termos de cultura te no México sugere que há
públicos definidos pelas ins- comunitária, é abrir uma crise na política cultu-
tâncias de participação da uma frente de fragilidade ral entendida como política
sociedade; a definição des- e ineficiência pública. A institucionalidade
ses objetivos públicos atra- cultural em si não corre risco,
vés de políticas de participação cidadã; e as mas sim a integralidade da política cultural e
medidas de coerção e estímulo para que os seu vínculo com o que foi chamado de setor
objetivos sejam cumpridos. Isso é ainda mais cultural, constituído por todos os atores e em-
necessário do que a política cultural federal. presas culturais que geram uma parte signi-
Por não possuir os instrumentos para atin- ficativa do PIB nacional (3,2%) e empregam
gir toda a sociedade, requer a participação e cerca de 1 milhão de pessoas. O motivo dessa
o acordo com as instituições culturais dos desvinculação não está na abordagem da cul-
estados e municípios do país. tura comunitária, mas em sua segregação da
Finalmente, uma política cultural pre- política cultural como um todo e na falta de
cisa de instrumentos institucionais que vínculos que deem sentido a toda a orienta-
possuam normas precisas de operação. No ção cultural do Estado. Uma reflexão pública
México, os institutos, centros e fundos cul- sobre o planejamento cultural, com o envol-
turais estão mais bem estabelecidos nesse vimento de todos os setores que intervêm no
sentido. Focar a política cultural em equi- campo cultural, provavelmente possibilitaria
pamentos com fraca definição institucional a superação dessa crise.
PLANOS DE CULTURA Eduardo Nivón Bolán 171

Eduardo Nivón Bolán


Doutor em antropologia e coordenador da especialização em políticas culturais
e gestão cultural oferecida pela Universidade Autônoma Metropolitana-Iztapalapa. É
membro do Sistema Nacional de Pesquisadores (México).

Referências bibliográficas

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TOVAR Y DE TERESA, Rafael (1994). Modernización y política cultural: una visión de la
modernización de México. México: FCE, 1994.

Notas

1 “Os antecedentes do planejamento no México contemporâneo remontam aos


anos posteriores ao movimento revolucionário de 1917 e seu início coincide com a
primeira transmissão pacífica de poder” (RUIZ DUEÑAS, 1983, p. 35).

2 De 1959 a 1988, existiu uma Subsecretaria de Cultura, com objetivos institucionais


muito diversos.
172 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

3 Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0000/000012/001205eo.pdf.

4 Anteriormente, Malraux havia insistido em incorporar ao Ministério da Cultura o


IV Plano de Desenvolvimento Econômico e Social (1962-1965), pois assim seria
incluído nos orçamentos anuais do Estado.

5 Antes da existência do Conaculta, os programas culturais eram apresentados


como um capítulo dos planos da Secretaria de Educação. Assim, por exemplo,
no período de 1977 a 1982, a cultura foi tratada em um capítulo no qual se
mencionava “o patrimônio, as belas-artes, as culturas populares, a cultura
impressa, a cultura e a educação audiovisual, as associações culturais e a
proteção da obra artística e intelectual e os intercâmbios”. As linhas gerais de
política cultural se sustentavam na atenção a múltiplas concepções do mundo,
nas quais “o Estado deve estar a serviço da cultura e esta a serviço da maioria,
sendo tarefa do poder público promover uma cultura crítica e democrática,
estabelecendo uma ponte entre esta e a educação” (MARTÍNEZ, 1977, p. 67).
No período de 1983 a 1988, o Plano Nacional de Desenvolvimento tratou da
cultura na seção “Educação, cultura, recreação e esporte”, na qual falava sobre
o desenvolvimento de uma cultura nacional. No respectivo programa nacional,
eram levantados alguns pontos sobre patrimônio, descentralização, promoção
e difusão da cultura (SEP. Política cultural do Estado mexicano. Documentos
básicos. Primeira reunião nacional de avaliação do setor cultural, 1986).

6 ELEM. Consejo Nacional para la Cultura y las Artes (Conaculta). Enciclopedia de


la literatura en México, ELEM. Disponível em: http://www.elem.mx/institucion/
datos/323.

7 CONACULTA (2000). Nueva proyección de la política cultural. In: Memoria 1995-


-2000, tomo I, Conaculta, México, p. 15-24.

8 CONSEJO NACIONAL PARA LA CULTURA Y LAS ARTES. Programa Nacional de


Cultura 2001-2006. La cultura en tus manos, Conaculta, México.

9 CONSEJO NACIONAL PARA LA CULTURA Y LAS ARTES. Programa Nacional de


Cultura 2007-2012, Conaculta, México. Disponível em: https://www.cultura.gob.
mx/recursos/acerca_de/pnc2007_20121.pdf.

10 CONSEJO NACIONAL PARA LA CULTURA Y LAS ARTES (2014). Programa Especial


de Cultura y Arte (2014-2018), México, Diario Oficial de la Federación, 24 abr.

11 Disponível em: https://lopezobrador.org.mx/wp-content/uploads/2018/11/


Boleta-Consulta-Nacional-Programas-Prioritarios.pdf.

12 Disponível em: https://contralacorrupcion.mx/trenmaya/assets/plan-nacion.pdf.


PLANOS DE CULTURA Eduardo Nivón Bolán 173

13 O escritor Guillermo Sheridan, crítico incisivo da esquerda e de AMLO, comentou


que, no campo educacional, o Projeto de Nação 2012-2024 tinha um capítulo
intitulado “As instituições de ensino superior privadas que atingiram altos
padrões de desempenho devem ser reconhecidas”. Sheridan ficou surpreso com
essa proposta, porque era contrária à tradicional posição de esquerda sobre
a educação privada. Ao investigar esse assunto, descobriu que essa proposta
tinha sido considerada havia algum tempo pelo governo Peña Nieto: “Há um
ano [2016], alguém publicou na internet o rascunho de uma iniciativa de lei que
concede autonomia a universidades privadas de qualidade garantida, que o
presidente Peña Nieto apresentaria à Câmara dos Deputados em 3 de março de
2013. Essa iniciativa de lei, que obviamente fazia parte das reformas educacionais,
elogiava as instituições de ensino superior privadas e dava motivos para
conceder-lhes autonomia. Aparentemente, nunca foi formalmente apresentada”.
Para sua surpresa, a equipe que fez as propostas sobre educação no programa
de AMLO achou interessante copiar essa iniciativa (SHERIDAN, 2017).

14 A versão completa do documento está em: https://es.scribd.com/


document/390892591/EL-PODER-DE-LA-CULTURA-pdf. A versão gráfica que
teve maior difusão está em: https://www.elfinanciero.com.mx/elecciones-2018/
el-poder-de-la-cultura-nuevo-documento-de-politicas-de-amlo. A diferença
entre os dois documentos é que o primeiro tem uma introdução de Alejandra
Frausto um pouco mais extensa.

15 Disponível em: https://www.marcrixnoticias.com/amlo-rechace-a-urzua-su-pnd-


de-inercia-neoliberal/.

16 Disponível em: https://www.jornadabc.mx/tijuana/10-07-2019/admite-amlo-


que-tuvo-discrepancias-con-el-ex-secretario-de-hacienda.

17 Disponível em: http://culturacomunitaria.gob.mx/.

18 Disponível em: https://www.contrapesociudadano.com/amlo-preocupa-con-


su-definicion-de-cultura/. Na realidade, o orçamento da Secretaria de Cultura
é ligeiramente inferior ao do ano passado, de Peña Nieto, mas o orçamento
específico para as culturas comunitárias é muito maior do que em outros períodos.
174 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

POLÍTICA CULTURAL
NOS ESTADOS UNIDOS
José Carlos Durand

O artigo recupera traços da história cultural dos Estados Unidos e se atém ao período mais
recente, a partir dos anos 1960, quando começa a se formar uma complexa rede de órgãos
públicos e privados de apoio econômico e institucional às artes. A referência principal é o
National Endowment for the Arts (NEA), fundado em 1965, que oferece bolsas e prêmios,
encomenda obras de arte, incentiva doações via imposto de renda, cria e gerencia instala-
ções culturais, tomba e conserva o patrimônio e protege os direitos de autor. Faz tudo isso
com verba diminuta e cuidados especiais para não contrariar o conservantismo moralista
dentro e fora do Congresso. Ao fim, caracteriza-se o lado big-business do cinema, da edição
de livros e dos megashows da Broadway.

I. Singularidades históricas escala nacional; d) ausência de uma classe


dos Estados Unidos política e burocrática estável e importante

S
em Washington. A razão dessa última é a
ólidas razões enraizadas na história desconfiança visceral do cidadão comum
dificultam que se localize, na expe- em relação a um poder central sempre
riência política e administrativa dos suspeito de querer virar tirania, o que res-
Estados Unidos, algo que lembre um plano ponde pela força dos governos estaduais,
nacional de cultura. Em contraste com an- marcando a história política federativa dos
tigas nações europeias (França, em parti- Estados Unidos.
cular), podem-se aventar algumas razões: Por outro lado, presença de um dinâmi-
a) ausência de uma cidade capital que haja co amálgama de culturas minoritárias: ne-
concentrado, ao longo do tempo, a repre- gros, indígenas, imigrantes de procedência
sentação do poder político, econômico, cul- diversa, com línguas e costumes próprios,
tural e religioso; b) ausência de uma elite que se mesclaram no vigoroso processo de
única, visível e coesa, capaz de irradiar seu expansão geográfica e de mobilidade social
poder país afora; c) correlatamente, ausên- que os Estados Unidos viveram entre o fim da
cia de um sistema público e integrado de Guerra Civil (1861-1865) e o fim da Primei-
ensino capaz de impor sua pedagogia em ra Grande Guerra, em 1918, e prosseguindo
PLANOS DE CULTURA José Carlos Durand 175

depois, ainda que em ritmo menor. Como Tendo o país um sistema de valores que
efeito de conjunto, restou um fraco poder celebra o indivíduo, a propriedade privada e
simbólico da cultura erudita, incapaz de a comunidade local, o governo federal ficou
exercer hegemonia ampla e de se sobrepor como que dispensado de articular ações mais
às indústrias culturais, que, estas sim, se for- decisivas e ter papel proeminente no apoio às
maram rapidamente e prosperaram na esfera artes. Isso só aconteceu pontualmente: por
privada, sob a égide do mercado. exemplo, em 1935, quando, diante da pobreza
O que se chama hoje de cultura popular, desesperadora que se seguiu à crise de 1929, o
no singular, para os Estados Unidos, é basica- presidente Roosevelt criou o Work for Progress
mente o resultado desse processo, e por isso Administration e chegou a empregar 3.700 ar-
é sinônimo de cultura de massa. Inclua-se tistas, encomendando, entre outras iniciativas,
aí o remanescente de culturas locais antigas telas e esculturas para prédios públicos.
e ainda relativamente ínte- Na fronteira internacio-
gras, a folk and traditional Sólidas razões enraizadas nal, houve momentos em que a
culture, tal como aparece na história dificultam que estratégia político-militar im-
hoje no discurso de preser- se localize, na experiência pôs reforçar a imagem do país
vação do patrimônio. política e administrativa no estrangeiro. Por exemplo,
O dinamismo econô- dos Estados Unidos, algo em 1941, quando se implantou
mico ocorrido entre 1870 e que lembre um plano em Nova York, por iniciativa e
1920 elevou a renda de gran- nacional de cultura patrocínio de outro magnata,
de parte da população e fez Nelson Rockefeller, um progra-
emergir a figura do magnata, dono de grande ma de aproximação cultural com a América
fortuna. Para se proteger do estigma de violar Latina. Artistas latino-americanos eram le-
a livre concorrência ao operar como trustes e vados a visitar o país, a fazer apresentações
cartéis, alguns bilionários se voltaram para a fi- e exibições, a conhecer suas grandezas e,
lantropia, criando fundações poderosas. Entre assim, a reforçar em si os princípios liberais
outras causas, alguns deles apoiaram significa- contra a crescente influência nazifascista
tivamente as artes e a cultura (A&C). É o caso sobre a América do Sul.
de Andrew Carnegie, que, em 1919, financiou a O segundo pós-guerra foi um momento
construção de 2.800 bibliotecas públicas pelo importante de recuperação da vida cultural
país, além de um importante centro cultural não só nos Estados Unidos, como também
(Carnegie Hall, Nova York) e de duas universi- na Europa, onde a ação de Estado foi forta-
dades (Nova York e Pittsburgh). E de Jean-Paul lecida pela criação ou pelo fortalecimento de
Getty, filho de um empresário de petróleo que, ministérios ou secretarias. Na França, por
além de ampliar a fortuna paterna no mesmo exemplo, foi fundado, em 1959, o Ministère
negócio, colecionou obras de arte, criou um des Affaires Culturelles, que, durante seu
museu de arte na Califórnia (Getty Museum) primeiro decênio, foi dirigido por um inte-
e nele instalou importantes coleções de grande lectual de respeito, André Malraux, e serviu
valor compradas no estrangeiro. de exemplo para outros países do continente.
176 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

II. O novo sistema de houve duas tentativas de extinção, mas até


financiamento e gestão agora não foram adiante.
Na mesma época, em 1965, o governo federal Para sobreviver, o NEA, desde 1989, vem
estadunidense cria uma agência federal para se esmerando em prestações de conta minu-
arte e cultura: o National Endowment for the ciosas e em seguir a estratégia de distribuir
Arts (NEA). Em nada ela se parece com um recursos em regime cooperativo (com os
ministério de gestão centralizada e orçamen- state arts councils e com os local arts coun-
to de peso. Tendo baixa dotação, cerca de 160 cils, além das nonprofit arts organizations.
milhões de dólares anuais, cabe-lhe ofere- Dilui-se, assim, a responsabilidade de quais
cer bolsas para a criação (consagrada ou de projetos financiar, ou não. Não se esqueça,
vanguarda), para ampliar o acesso do público também, que os governos regionais, esta-
às artes e para a educação artística (A&E), e duais e locais têm forte poder garantido pela
prêmios para quem se destaque em alguma política federativa da nação.
dessas atividades-fim. Somando tudo, em- A partilha de responsabilidade acompa-
prega o NEA desde sempre em torno de 80% nha-se da divisão de recursos, o que se processa
de seus recursos. Por muito tempo, concedeu sob a rubrica do matching grants, ou “subsídio
bolsas diretamente a artistas, mas acabou equivalente” em tradução técnica: o NEA exige
abandonando a prática, sendo convencido 1 dólar não federal para cada dólar concedido.
de que, quando os pedidos são subscritos por Comunidades ou indivíduos de poucos recur-
organizações, a transparência é maior. Em sos podem entrar com horas de trabalho ou
toda a sua história, o NEA concedeu bolsas e outro recurso para pagar sua parte. De início,
auxílios no valor total de 5 bilhões de dólares. essa divisão era difícil, pois a grande maioria
O clima era bem favorável na década de dos estados e localidades não tinha autorida-
1960, pois se exacerbavam os movimentos de cultural constituída. Mas, logo depois, os 50
sociais, o questionamento da ordem pelos jo- estados e mais de mil localidades criaram seus
vens, as tentativas de ruptura estética. Como conselhos de arte (state ou local arts councils). E
no sistema de ensino elementar e médio a assim os recursos sempre modestos do NEA se
iniciação artística não tinha lugar muito cla- multiplicam até 7 vezes. Ademais, o fato de um
ro e seguro, cabia melhorar sua posição nos artista ou instituição receber do NEA constitui
currículos oficiais. em si uma credencial, ou seja, uma chancela
Como agência independente, carente de qualidade.
da aprovação do Congresso para continuar A dinâmica de implantação de institui-
existindo, o NEA foi ameaçado algumas ções então se acelera, formando uma densa
vezes de extinção: ou porque financiou ex- malha que hoje reúne o NEA, os state e os
posições de arte acusadas de obscenas por local arts councils, as fundações (que atual-
parlamentares conservadores ou simples- mente são 56 mil em todo o país), e as corpo-
mente porque alguns presidentes republica- rações que mantêm linhas de apoio à cultura.
nos (Reagan, por exemplo) não viam razão Mais importante em valor do que a
em sua existência. Só no governo Trump soma de todos os recursos vindos de fontes
PLANOS DE CULTURA José Carlos Durand 177

públicas é o dinheiro que passa a fluir da fi- ditaduras. Nesse sentido, é-lhe indispen-
lantropia privada. Esta cria endowments, ou sável operar com discrição e ser visto pela
fundos multimilionários aplicados no mer- população como “diminuto, ágil e flexível”.
cado financeiro, cujos rendimentos anuais Convém, nessa linha sempre, alardear que
são usados, no caso, para sustentar organiza- seus recursos são ínfimos, não passando de
ções sem fins lucrativos, assim como grupos 1% do orçamento total com artes e cultura.
informais e até outras instituições. Mas o NEA não financia apenas proje-
Para uma ideia aproximada da parte tos. Vai muito além, ao propor e criar even-
correspondente a cada fonte de financiamen- tos e premiações, ao engajar críticos de arte,
to, pode-se citar, na ausência de dados mais jornalistas, patronos e noticiaristas em co-
recentes, um documento do NEA que mostra mitês variados de que participam notáveis
a divisão entre elas, calculada na média de e leigos. Ao construir, anunciar e, finalmen-
vários exercícios fiscais dos anos 1990. As te, fazer avançar uma agenda de pesquisas
principais conclusões são: a) a respeito do lugar da arte e
a parte que vem da iniciativa Mais importante em cultura nas práticas de la-
privada é quatro vezes maior valor do que a soma de zer, no orçamento domésti-
do que a das fontes públicas; todos os recursos vindos co, no mercado de trabalho,
b) o poder local é o maior pro- de fontes públicas é o nos currículos escolares e na
vedor, respondendo por 60% dinheiro que passa a fluir destinação de doações indivi-
de toda a receita governa- da filantropia privada duais e corporativas.
mental destinada a A&C; c) É possível tomar o con-
os recursos privados chegam na mesma pro- junto das orientações, metas e objetivos pre-
porção, ou seja, dos indivíduos, via incentivo sentes nos principais documentos analíticos
fiscal (20%), e das organizações (20%). e prospectivos do NEA até certo ponto como
Somando tudo, cobre-se com con- sucedâneo de um plano nacional de cultura.
tributed income a metade das receitas das Afinal, não é preciso existir um ministério da
nonprofits do setor. O mais notável é que a cultura estabelecido, com muitos funcioná-
outra metade é gerada pelas próprias orga- rios e dinheiro, para que linhas de ação sejam
nizações não lucrativas com suas atividades. definidas e resultados produzidos. É interes-
É o earned income, reunião de receitas de sante aqui ampliar o foco da análise e incluir
bilheteria, de bares, restaurantes e lojas de também o que se faz ou se deixa de fazer em
souvenir, e de venda de espaço publicitário outros países.
em folhetos e cartazes, além de subscrições.
O NEA não almeja muita visibilidade, III. Singularidades de A&C
pois sabe que ela, em geral, é acompanha- como esfera de gestão pública
da de desconfianças e críticas ao que possa Arte e cultura é uma área que não pressupõe
parecer, na fantasia de muitos, um meio de responsabilidades precisas, necessárias e ex-
tentar impor determinado tipo de arte em cludentes entre níveis de governo. Ou seja, em
detrimento de outros, coisa que só cabe em nações federativas, como os Estados Unidos,
178 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

localidades, estados e União têm liberdade com formas, volumes, espaços, traços, cores,
muito elevada, senão total, para decidir o que sons e vocábulos: não são particularmente
financiar, por quanto tempo e em que montan- chegados a números.
tes. O poder público pode escolher o que fazer,
ou simplesmente não fazer nada. Suas orga- IV. As ações de governo
nizações podem pertencer à administração em A&C nos Estados Unidos
direta ou assumir a forma de fundações ou de Vamos aqui enumerar as frentes de ação de
outras figuras jurídicas, e ligar-se através de governo em arte e cultura, que convergem
parcerias ao setor privado. Para aumentar as para seis finalidades distintas:
diferenças no cenário estadunidense, cada um
dos 50 estados tem alguma particularidade em 1. sustento total ou parcial de artistas
matéria de política cultural. com bolsas e prêmios ou, em casos
A&C é uma área não dominada ou con- mais raros, com salário e até mesmo
trolada por membros de uma corporação pro- previdência social;
fissional específica, como a dos médicos na 2. encomendas ou aquisições públicas
saúde e a dos engenheiros em de obras, tiragens e direitos;
obras públicas. Não tem, assim, Afinal, artistas lidam 3. incentivo fiscal a pessoas,
um ethos e um saber profissio- com formas, volumes, empresas e/ou outras organi-
nal demasiado definidos, que espaços, traços, cores, zações para financiar projetos;
possam virar camisa de força sons e vocábulos: não 4. criação e administração
na prática ou garantir mono- são particularmente de instalações e equipamentos
pólio duradouro de posições chegados a números culturais;
de mando. Também não é uma 5. tombamento e conservação
área em que se almeje atender equitativa- do patrimônio histórico e artístico;
mente a todos os segmentos sociais. A razão 6. proteção à propriedade intelectual:
é que a audiência, isto é, o público, se divide direitos autorais e copyright.
entre repertórios de gosto muito diferentes,
e cada indivíduo ou família usa o tempo livre Apontam-se a seguir alguns traços dessas
a seu modo. ações nos Estados Unidos.
Os segmentos sociais mais cultos e ricos (1) O apoio sazonal de artistas com
são mais assíduos em museus, concertos e bolsas e prêmios é prática corrente des-
teatros. Quanto mais se desce na escala so- de, ao menos, a criação do NEA, em 1965.
cial, mais o público passa as horas de lazer Financiar com base em projetos – como
em casa, pouco desfrutando das mostras e hoje praticamente todas as agências fazem
dos espetáculos financiados com dinheiro de – é garantia dessa prática. Não se localizou
governo, contribuintes e fundações. estatística a respeito de qual parcela da
Como a área envolve vários gêneros ar- população de artistas (hoje um total de 2 mi-
tísticos, seus gestores não precisam ser ne- lhões) recebe ou alguma vez recebeu grants
cessariamente artistas. Afinal, artistas lidam ou awards de fontes privadas ou de governo.
PLANOS DE CULTURA José Carlos Durand 179

Em 2019, o NEA anunciou que surgiram no contribuição da bilheteria e a ajuda de go-


país nada menos que 1.114 premiações e verno se tornam secundárias, a ponto de não
que sua contribuição aos artistas se con- superar 5% do orçamento total.
cretizou em programas como Arts Works II, (4) A criação e a gerência de equi-
Our Town, State and Regional Partnership, pamentos e instalações culturais. A
e Research, nos quais investiu ao todo 80,4 criação de organizações culturais em nível
milhões de dólares. Em toda a sua história, nacional depende de aval do Congresso, que
o NEA despendeu 5 bilhões de dólares em assume a condição de suporte de sua ins-
bolsas e auxílios. Já para pagar salários e titucionalidade. Mas o Executivo precisa
garantir previdência social, não. Estes prosseguir assegurando os recursos neces-
não fazem parte da cartilha liberal nem sários à sua sustentação. Como tendência,
sequer aparecem como itens de apoio pú- a administração dessas iniciativas é cada
blico e privado, não se podendo concluir se vez mais partilhada com o setor privado. Os
alguma vez existiram e foram importantes: matching grants e as doações corporativas,
certamente não. que garantem a gestão compartilhada, ser-
(2) Encomendas ou aquisições vem antes para fortalecer uma visão priva-
públicas de obras, tiragens e direitos pa- da de como gerir uma organização cultural
recem ser ações mais episódicas, em geral do que o seu inverso. Como se lê no estudo
emergenciais, não havendo exemplos a ci- de Adams e Goldbard (apud HUFFMAN,
tar de práticas permanentes. Por hipóte- 2015, p. 11), o sistema de crenças que fun-
se, essa modalidade, assim como salários damenta os critérios de gestão na área ar-
e previdência, parece ser mais significativa tística pressupõe que “a missão cultural do
em países em que o Estado do bem-estar governo é seguir a liderança do setor pri-
social é mais enraizado, como Suécia, No- vado e que não há propriamente objetivos
ruega e Dinamarca. públicos no reino da cultura” (grifo meu).
(3) Incentivo fiscal a pessoas e orga- Assim, é difícil até mesmo saber quantos
nizações para financiamento de projetos. O são e o que fazem os civil servants e/ou
imposto sobre a renda garante o mais im- officials na gestão das artes.
portante suporte às artes nos Estados Uni- (5) O trabalho de classificação (ou
dos. Contribuintes pessoa física respondem tombamento), o restauro, a conservação,
por 50% do total, as fundações por 33% e as o reúso ou a abertura a visitas do patrimô-
corporações por 17%. É costume, sobretudo nio histórico, artístico e natural são feitos
entre os contribuintes mais esclarecidos e pelo National Park Service, junto com o
ricos, indicar na declaração de renda qual Special Committee on Historic Preserva-
destinação desejam incentivar, e muitos tion, criado em 1966. Até 2006, já se haviam
indicam A&C. As doações contemplam em mobilizado, por meio do Historic Preser-
maior grau as nonprofits, entre elas as que vation Fund, criado em 1970, mais de 1 bi-
administram museus, orquestras sinfôni- lhão de dólares para estados e localidades,
cas e companhias de ópera, para as quais a grupos indígenas, nonprofits e escolas em
180 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

todo o país. O dinheiro federal funciona, V. Os novos espaços e novos agentes


assim, como catalisador de investimentos de intermediação em A&C
privados, ou “seed money”. A preservação A malha de organizações de todo tipo e tama-
do patrimônio absorveu, de 1977 a 2006, nho que dá vida ao setor de A&C nos Estados
mais de 36 bilhões em investimento pri- Unidos vem se adensando de longa data. Mas
vado, distribuídos por toda a nação. Mais ela praticamente se duplica com a expansão
de 1.550 governos locais pediram adesão do mundo virtual, com novos portais, web-
a esse programa para conservar mais de sites e blogs anunciando a programação de
1.500 bens tombados, tendo sido aprovados museus e salas de concerto, vendendo in-
mais de 1.100 projetos através do Federal gressos, filmes e discos. E, ao mesmo tempo,
Historic Preservation Tax Credit, em regi- ajudando na visibilidade de novos nichos de
me de matching grants. Está devidamente prestação de serviços para artistas ou con-
tombado o ônibus em que a negra Rosa tribuindo para aproximá-los de seus pares e
Parks, em 1955, chocou a todos recusando-se parceiros, clientes, fornecedores, congres-
a ceder seu assento a um branco. sistas, voluntários, ativis-
(6) Proteção à pro- Está devidamente tas etc. Ou distanciá-los de
priedade intelectual e ar- tombado o ônibus concorrentes e adversários.
tística (direitos autorais e em que a negra Rosa Crescem também novos es-
copyright). A legislação de Parks, em 1955, chocou paços nos quais alguém pode
copyright nos Estados Unidos a todos recusando-se se atualizar em questões de
de certo modo acompanhou a a ceder seu assento política cultural e discuti-las,
dos direitos de patente, a par- a um branco propor e votar.
tir de fins do século XIX. O US Bom exemplo desse
Copyright Office, criado em 1897 como or- avanço está no site da Americans for the
ganismo autônomo vinculado à Biblioteca Arts, nonprofit que tem por missão pri-
do Congresso, é o órgão mais importante. mária fazer avançar as artes nos Estados
Ele recebe para registro centenas de mi- Unidos. Ela existe desde 1996 e tem sede
lhares de pedidos de copyright sobre livros, em Washington e Nova York. Resultou de
revistas, música, cinema, registros sono- uma fusão entre uma entidade associativa
ros, software, fotos ou outros trabalhos de agências públicas locais e um comitê em-
de autoria. Em 2018, recebeu 520 mil pe- presarial para as artes, e tem por objetivos
didos, quase todos pela internet, e emitiu ajudar a construir ambientes nos quais as
mais de 560 mil registros. A desmateria- artes e a arte-educação prosperem e con-
lização dos suportes, com a digitalização tribuam para forjar comunidades mais vi-
de acervos, vem abrindo novas frentes de brantes e criativas; fomentar políticas por
concorrência e colaboração na disputa parte dos setores público e privado e mais
desses direitos. A Organização Mundial recursos e liderança para as artes e para a
do Comércio (OMC) acabou se tornando educação artística; e assegurar a estabili-
a arena principal da disputa. dade operacional das organizações e sua
PLANOS DE CULTURA José Carlos Durand 181

capacidade de responder criativamente a para A&E e para o fortalecimento de novas


desafios e oportunidades. lideranças.
Tais objetivos serão atingidos por meio Em matéria de informação e conhe-
de parcerias entre, de um lado, agências dos cimento destinados aos que decidem, a
governos locais, dos estados e do governo fe- Americans for the Arts coleta, elabora e
deral; e, de outro, lideranças empresariais, dissemina dados que servem de ferramen-
filantropos, educadores e patronos por todo ta necessária para todos os interessados na
o país. Além disso, a Americans for the Arts “indústria das artes”. Aqui, o sentido desse
organiza eventos anuais para aumentar a vi- conceito nada tem a ver com o conceito de
sibilidade do setor artístico, como o National indústria cultural empregado pela conhe-
Arts Awards. O prêmio contempla artistas cida Escola de Frankfurt. Enquanto os au-
que produziram obras notáveis nacional- tores alemães o usavam para salientar algo
mente e líderes que se destacaram nas artes. negativo (o efeito de alienação pessoal),
O Business Committee for the Arts (BCA) se- arts industry1 simplesmente se refere aos
leciona as empresas com maior comprome- agentes que operam dentro de padrões de
timento com o setor e as premia com bolsas, racionalidade econômica e divisão do tra-
parcerias locais, programas de voluntariado, balho inerentes às sociedades capitalistas.
patrocínios e participação em colegiados. Os
dirigentes públicos que mais se destacaram Considerações finais
no apoio às artes concorrem ao Leadership in Com este número, visou a Revista Observa-
the Arts Awards, em parceria com a United tório Itaú Cultural dar meios de comparação
States Conference of Mayors. entre cenários nacionais da gestão de arte
Como anfitriã no Dia Nacional de Prote- e cultura, propondo focos de análise. Cabe
ção às Artes, no Capitólio, a Americans for the aqui, como conclusão, tentar responder a
Arts convoca animadores e incentivadores de cada um desses focos.
todo o país a reivindicar mais apoio federal. O
Americans for the Arts Action Fund se em- Participação da sociedade civil
penha em mobilizar 1 milhão de militantes É notável como nos Estados Unidos a força
de base para defender políticas públicas em da sociedade civil se manifesta, em geral sob
todos os níveis de governo. A filiação ao The a égide do mercado. Entretanto, são muitos,
Arts Action Fund é aberta a quem quiser. A e em todos os níveis, os coletivos que tomam
Americans for the Arts serve a mais de 150 decisões abertas e democráticas. Vão desde
mil indivíduos, entre pessoas e organizações, os comitês que avaliam projetos individuais,
além de seus parceiros. O público atingido como um pedido de bolsa, até as comissões
pelas agências locais é o foco da atenção da que definem e aprovam linhas de ação de
organização. Ela aproxima, de modo origi- entidades públicas e privadas da área. Em
nal, uma grande variedade de redes de par- nível mais alto e relevante está a mobilização
ceria com interesses tais como arte pública, e defesa do setor em situações críticas, como
fomento para projetos multidisciplinares, a ameaça moralista de forças conservadoras.
182 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Cite-se ainda a arregimentação de votos no escolhas por “excelência artística” vão ce-
Congresso em moções contra censura e res- dendo lugar aos juízos “de mérito”, em que
trições orçamentárias. Sem exagero, é possí- os benefícios sociais do atendimento aos
vel dizer que existe uma “bancada das artes” carentes são valorizados.
tanto na Câmara como no Senado: a luta é
dura e exige vigilância. O cinema de Hollywood, as editoras de
best-sellers e os shows da Broadway
Orientações do plano nacional Num esboço rápido do polo big-business da
de cultura ou seu equivalente mídia e do entretenimento nos Estados Uni-
Dado que os Estados Unidos não têm um mi- dos, é obrigatório antes de tudo definir alguns
nistério que pudesse definir propriamente conceitos. Por exemplo, o de concentração
um plano nacional de cultura, a solução aqui econômica (expansão do volume de bens e
adotada foi tomar o NEA como a autoridade serviços produzidos por uma única empre-
pública mais responsável por implementar sa); o de centralização econômica (controle
princípios, diretrizes e praxes administrati- financeiro de várias empresas feito por um
vas. O NEA tem longa história no confronto único conglomerado de negócios); e o de ver-
com forças conservadoras e desenvolveu ticalização (expansão da capacidade produ-
uma rede de colaboradores em várias ins- tiva de uma empresa via criação ou compra
tâncias públicas e privadas. A manifestação de firmas que fabricam ou distribuem bens
anual de seu presidente reitera seus princí- ou serviços complementares entre si e aos
pios, relata suas atividades e suas expecta- dela própria, até chegar ao consumidor final).
tivas de futuro. Poderia até passar por um Desde o início do século XX, mídia e
plano nacional não fosse o NEA uma agência entretenimento vêm tendo uma sucessão
autônoma, facilmente extinguível e que apor- intensa desses processos. É um mundo de
ta somente uma parcela ínfima (em torno de cifras impressionantes, geradas por es-
1%) do dinheiro que sustenta o setor cultural. túdios de cinema e editoras focadas em
best-sellers. Os shows da Broadway (embora
Nível de diálogo com a realidade em salas que, na maioria, ultrapassam mil
e as demandas do setor cultural assentos) não alcançam tamanha grandeza
A sintonia do NEA com o público e os in- financeira, pois seus espetáculos são únicos
terlocutores do campo cultural é grande, o e ao vivo, e não fabricados em série, como
que pode ser medido por suas tomadas de cópias de filmes, discos e livros. Apenas três
posição que provocam não raro duradouras corporações controlam a maioria das salas
polêmicas. Na medida em que as escolhas de espetáculos: Shubert Organization (17
em política cultural, assim como em outras salas), Nederland Organization (9 salas) e
políticas públicas, reforçam de uns tempos Jujamcyn (5 salas). Em 2019, o público da
para cá a ênfase nos segmentos mais pobres Broadway somou 14,8 milhões de pessoas,
e desassistidos, aguçam elas prioridades que das quais dois terços eram turistas. O fatu-
também geram discussões. Aos poucos as ramento total atingiu 1,8 bilhão de dólares.
PLANOS DE CULTURA José Carlos Durand 183

Necessário salientar que a Broadway tam- Como em geral se trata de comporta-


bém comporta um segmento mais experi- mentos coletivos e de conflito de valores
mental, conhecido por Off-Broadway. Nos entre classes e raças distintas, ou entre na-
intervalos entre uma temporada e outra, as ções inimigas, cabe aos órgãos nacionais de
comédias musicais circulam pelo país. segurança (Departamento de Estado, CIA
Hollywood produz 700 filmes de longa etc.) “influenciar” ou “tentar influenciar”,
metragem ao ano. Apenas as cinco top-five, propondo uma agenda de conteúdos priori-
conhecidas como majors (Comcast, Disney, tários para filmes, discos e livros.
AT&T, CBS e Viacom), controlam de 80% Como essa “influência” pode facilmen-
a 85% da bilheteria nacional, sem contar o te ser confundida com censura, e muitas
exportado, sabendo-se que de 40% a 50% da vezes o é, precisa-se recorrer a canais sigi-
receita de Hollywood provém do estrangeiro. losos e diluir suas mensagens em enredos
Em proporções, o mercado internacional au- de aventura, de amor e paixão, de faroeste,
mentou de 35% para 62% entre 1990 e 2016. de ação policial, e em quaisquer outras nar-
Um conglomerado de mídia hoje envolve TV, rativas em que se possa exaltar a excepcio-
rádio, música e áudio, videogame, edição de nalidade da América, a coragem e a devoção
livros, cinema e parques temáticos. nacional e cristã de seu povo, sem chamar
O faturamento global de mídia e en- muita atenção.
tretenimento em 2019 foi de 717 bilhões de Alguns dados são significativos. Lê-se
dólares. Só os videogames arrecadaram 26 na internet que a aproximação entre o Pentá-
bilhões; e o setor de publicações, 38 bilhões. gono e entidades de mídia e entretenimento
Apenas a cerimônia do Oscar de 2019 custou começou em 1948, o mesmo ocorrendo com
44 milhões. Contra tais montantes, o orça- a CIA em 1996. Consta também que, entre
mento do NEA é de pouquíssima importân- 1911 e 2017, cerca de 800 filmes de destaque
cia: 150 milhões anuais. receberam apoio do Departamento de Defe-
Significa dizer que cinema, best-sellers sa. Na TV, 1.100 programas teriam tido, ao
e comédias musicais são independentes, não longo do tempo, apoio do Pentágono, entre
precisam do governo em nada, apenas coabi- os quais 900 a partir de 2005.
tam no mesmo espaço nacional, não carecen- Outras razões da proximidade entre
do de políticas públicas? A resposta é não. O governo e mídia são o raio internacional do
poder de “formador de opinião” do cinema e capitalismo estadunidense e os inevitáveis
dos best-sellers é um trunfo muito apreciado choques de interesse comercial aí envolvi-
nas altas esferas do governo federal. Tanto em dos. Afinal, se os Estados Unidos exportam
situações normais quanto, sobretudo, em pe- dez filmes para cada um importado, e se
ríodos turbulentos, como guerras, depressões quase a metade da receita total de Holly-
e disputas de áreas de interesse, o cinema e os wood provém do estrangeiro, o mercado in-
livros, as revistas e os jornais de grande circu- ternacional demanda muita atenção. Como
lação são convocados a encorajar disposições a concorrência de cópias ilegais prolifera,
positivas na população. coadjuvada por inovações tecnológicas que
184 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

multiplicam e barateiam os suportes audio- José Carlos Durand


visuais e facilitam tentativas furtivas, a con- Sociólogo. Professor da pós-graduação em
trapartida repressora precisa intensificar-se. estudos culturais da Escola de Artes, Ciências e Hu-
Assim, o serviço diplomático é convidado a manidades da Universidade de São Paulo (Each/
respaldar iniciativas das corporações domi- USP). Publicou Política Cultural e Economia da Cul-
nantes no que concerne a direitos autorais e tura (Ateliê Editorial e Edições Sesc/SP). Ministra
de copyright. palestras dentro e fora do Brasil.
Para finalizar, o leitor interessado em
conhecer as dinâmicas do big-business em
cultura, mídia e entretenimento poderá se
valer dos conceitos descritos no início deste
item. Deverá estudar caso por caso, em pers-
pectiva histórica, para discriminar onde e
quando operam estratégias de concentração,
centralização, verticalização, ou elas todas ao
mesmo tempo. Um grande desafio.
PLANOS DE CULTURA José Carlos Durand 185

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Nota

1 Arts industry é apenas um conceito que lembra que arte e cultura são cada
vez mais praticadas e conservadas em ambientes nos quais prevalecem a divisão
do trabalho e a racionalidade.
PLANOS DE CULTURA José Carlos Durand 187
188 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

PLANO NACIONAL DAS ARTES:


PARA TODOS E COM CADA UM
Maria Vlachou

“A revolução cultural não é eu poder ir tocar em mais lugares;


a revolução cultural é eu ir aos lugares e encontrar música de lá.”
(Zeca Afonso, compositor e cantor português)

Qual é o lugar da cultura em uma sociedade? De que forma políticos, profissionais e cida-
dãos interpretam esse conceito e como o veem aplicado no seu dia a dia? De que forma se
planejam as ações que contribuirão para a construção de uma cultura social? Olhando pri-
meiro para o exemplo britânico – que tem traçado um caminho sobre o qual, ao longo de
muitas décadas, se vai sempre construindo –, iremos analisar o Plano Nacional das Artes
português. Sendo ainda cedo para qualquer avaliação, iremos refletir sobre os pontos fortes
e fracos do plano anunciado.

O lugar da cultura

E
m uma conversa recente com repre- da cidade, a criação e formação artística, a
sentantes do poder político munici- memória, a tradição e o turismo. Vários apre-
pal e agentes culturais portugueses, sentam uma mera listagem de equipamentos
foi dito pelos políticos que o investimento culturais, eventos e outras iniciativas; e tra-
na cultura é a única área que reúne consen- zem como objetivo a criação de uma agenda
so. Em outras áreas, pode haver diferenças cultural. Raramente (ou, talvez, nunca) indi-
partidárias, mas todos concordam em re- cam o que entendem por “cultura” e qual é o
lação à cultura. No que será que pensam lugar que esta ocupa na forma como pensam
exatamente quando pensam em “cultura”? e imaginam as suas cidades, a vida em co-
Uma consulta rápida aos Planos Muni- mum dos cidadãos. Também entre os profis-
cipais de Cultura das Câmaras Municipais sionais que trabalham no setor, não é raro o
revela que as referências mais comuns es- pensamento de o lugar da cultura limitar-se
tão relacionadas com a animação cultural à criação artística e à realização de eventos
PLANOS DE CULTURA Maria Vlachou 189

chamados “culturais”, normalmente em es- Assim, e falando em termos gerais, a


paços formais. Assim, entra-se num círculo visão sobre o lugar da cultura de políticos e
vicioso de produção de eventos – cuja perti- profissionais do setor e, consequentemente,
nência e necessidade poucos questionam – e as expectativas dos cidadãos não apresentam
de apresentação de números – sobre os quais uma visão do mundo, da sociedade em que
poucos refletem. vivemos como indivíduos e como coletivos e
Nesse cenário, qual é a posição dos cida- do futuro que queremos construir. Para mui-
dãos? O estudo realizado pelo Arts Council tos, cultura são apenas “as artes”, os museus,
England (ACE) a fim de preparar a estraté- os teatros e as bibliotecas; e o que acontece
gia para a cultura na década de 2020-2030 à sua volta, nas comunidades que rodeiam
apresenta resultados que não seriam muito esses espaços, pouco ou nada tem a ver com
diferentes se realizado em Portugal: muitas eles. Quando o medo, o ódio, o autoritarismo
pessoas se sentem des- e a barbárie batem à nossa
confortáveis​​com o rótulo Quando o medo, o ódio, o porta, quando faltam amor
“as artes” e associam-no autoritarismo e a barbárie e respeito, quando as difi-
apenas às artes visuais batem à nossa porta, quando culdades da vida testam a
ou à “alta cultura”, como o faltam amor e respeito, quando nossa humanidade, muitos
bailado ou a ópera; ao mes- as dificuldades da vida testam defendem que o que falta é
mo tempo, a maioria das a nossa humanidade, muitos educação, mas não cultura.
pessoas naquele país tem defendem que o que falta é No seu mais recente
vida cultural ativa e valori- educação, mas não cultura livro, Imaginação: Rein-
za oportunidades de cria- ventando a Cultura, a pen-
tividade (sendo que em Portugal a reflexão é sadora brasileira Marta Porto escreve que,
centrada na cultura e nas artes produzidas
e apresentadas em espaços formais e com quando os exemplos são exceções, podemos
apoio público); existem grandes variações falar de falta ou de necessidade de educação.
socioeconômicas e geográficas nos níveis de Quando são a maioria, falamos de cultura
envolvimento com a cultura que recebe fi- social, de um imaginário de como nos mani-
nanciamento público; as oportunidades para festamos, percebemos e agimos como corpo
crianças e jovens experimentarem a criativi- social (PORTO, 2019, p. 37).
dade e a cultura dentro e fora da escola não
são iguais em todo o país; ainda existe uma Devemos tornar-nos mais conscientes da ur-
falta persistente e generalizada de diversi- gência de construir “paideia” para o nosso
dade nas indústrias criativas e nas organi- corpo social. Muitos sonhamos com uma so-
zações culturais com financiamento público, ciedade na qual os exemplos sejam a maioria.
embora na Inglaterra a conscientização so- Com uma cultura social que possa ser defen-
bre o assunto seja maior do que costumava sora dos direitos humanos e da democracia;
ser, o que não se verifica ainda em Portugal que celebre a riqueza da diversidade; que re-
(ARTS COUNCIL ENGLAND, 2020, p. 9). force a empatia e que afaste a barbárie. Essa
190 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

cultura social requer esforço, requer tempo, propósitos enunciados pelos governos são
requer conhecimento e carinho. Requer tam- trabalhados e complementados por entida-
bém planejamento, no curto e no longo prazo. des públicas e privadas da área da educação
e da cultura.
Planejar a cultura Em 2016, o governo britânico assumia
A publicação do The Culture White Paper, que o seu papel é “permitir o florescimento
em 2016, pelo governo britânico deu-nos uma de grande cultura e criatividade – e garantir
ideia mais clara do que é planejar a cultura de que todos possam ter acesso a elas”. Aliás,
forma sustentada e estruturada. David Came- duas das suas quatro grandes prioridades
ron, na época primeiro-ministro, apesar de eram que “todos devem aproveitar as opor-
responsável por graves cortes no setor cultu- tunidades oferecidas pela cultura, indepen-
ral, afirmava: “Se acreditam no financiamento dentemente de onde eles começam na vida”
público das artes e da cultura, como eu apai- e “as riquezas da nossa cultura devem be-
xonadamente acredito, neficiar as comunidades
então devem também Muitos sonhamos com uma em todo o país”. O docu-
acreditar na igualdade sociedade na qual os exemplos mento cita responsáveis
de acesso, atraindo to- sejam a maioria. Com uma cultura de outras áreas – Edu-
dos e acolhendo todos”. social que possa ser defensora cação, Comunidades e
Cinquenta anos antes, dos direitos humanos e da Governo Local, Turismo
o primeiro White Paper democracia; que celebre a riqueza e Patrimônio, Finanças
para as artes, publicado da diversidade; que reforce a –, tornando claro que
em 1965, afirmava que empatia e que afaste a barbárie. este deve ser um esforço
“o melhor deve ser mais Essa cultura social requer coletivo e coordenado.
amplamente disponí- esforço, requer tempo, requer Assim, Nicky Morgan,
vel” (THE CULTURE conhecimento e carinho. Requer na época secretária de
WHITE PAPER, 2016, também planejamento Estado da Educação, diz
p. 4-5). que “o acesso à educação
A ideia do acesso e da inclusão tem para a cultura é uma questão de justiça so-
vindo a ser pensada e trabalhada no Reino cial”; e o secretário de Estado das Comu-
Unido de forma concreta ao longo de mui- nidades e do Governo Local, Greg Clark,
tas décadas, acompanhada também por um afirma que
questionamento insistente e necessário so-
bre “acesso a que”, “inclusão de quem e por estamos no meio de uma revolução de de-
quem”. Há, sem dúvida, aspectos que estão volução. Queremos que as nossas institui-
longe de ser resolvidos ainda hoje. Assim ções culturais nacionais e locais trabalhem
como há conceitos em constante desenvol- em conjunto e apoiem as localidades, para
vimento, fruto de um olhar atento sobre a estas poderem usufruir do poder da cultura
sociedade, seus desafios e necessidades. O e impulsionar o crescimento econômico, a
que é interessante é ver a forma como os educação e o bem-estar.1
PLANOS DE CULTURA Maria Vlachou 191

Um ano depois da publicação do primeiro de muitos ensaios sobre essa temá-


White Paper, saiu o relatório do King ’s tica –, a nova estratégia declara que
College London intitulado Towards Cultu-
ral Democracy, que alertava sobre a urgên- Valorizará o potencial criativo de cada um de
cia de haver abordagens novas e radicais nós, proporcionará às comunidades de todos
para muitos processos políticos, no con- os cantos do país mais oportunidades para
texto da profunda e generalizada divisão apreciar a cultura e celebrar a grandeza de
política expressa durante a campanha e o qualquer tipo. Marca uma mudança signi-
voto no referendo do Brexit. ficativa, mas evolutiva: honrar e aproveitar
os sucessos da última década enquanto en-
Isto inclui a forma como funciona a políti- frenta os desafios e abraça as emocionantes
ca cultural – e para quem e para que serve possibilidades da próxima. Esses desafios –
a política cultural. Perguntas sobre como a desigualdade de riqueza e de oportunidades,
cultura é feita e por quem, e qual atividade isolamento social e problemas de saúde men-
criativa é reconhecida e tal e, acima de tudo, a emergência
apoiada, são assuntos em “Quem faz arte e cultura climática acelerada – são muitos
que todos temos um inte- é o povo, os artistas, mas (ARTS COUNCIL ENGLAND,
resse profundo e cada vez quem cria as condições 2020, p. 4).
mais urgente (WILSON; para que ela seja
GROSS; BULL, 2017, p. 6). democrática, se amplie Os resultados desejados pelo
e faça sentido para o ACE são pessoas criativas,
Aqui, a cultura não é vista conjunto da sociedade comunidades culturais, país
apenas como um fim que se é a política” criativo e cultural. O ACE
atinge quando a democracia irá investir em projetos que
está assegurada, mas como uma ferramenta mostram ambição e qualidade; dinamismo;
que contribui para alimentar e fortalecer a responsabilidade ambiental; inclusão e rele-
própria democracia. vância. Podemos questionar o que serão as
No início de 2020, foi publicada a estra- “comunidades culturais” ou um “país cultu-
tégia do Arts Council England para os pró- ral”. O próprio ACE esclarece que usa a pa-
ximos dez anos. Intitulada Let’s Create, é o lavra “cultura” para se referir de uma forma
resultado de uma consulta alargada a agentes mais inclusiva às áreas em que investe (artes
culturais e cidadãos de todas as idades e vem visuais e performativas, museus e bibliote-
atualizar a anterior, Great Art and Culture cas). De qualquer forma, o que pretendemos
for Everyone, publicada em 2010. Dando se- demonstrar aqui é que a cultura, sendo mais
guimento à reflexão e à prática desenvolvi- que “as artes” e os equipamentos culturais for-
das nas décadas que se antecedem – muito mais, necessita de um plano e de políticas para
marcadas também pelo pensamento de John poder esculpir o nosso corpo social. Essas po-
Holden, que em 2008 publicou “Democratic líticas devem ser criadas de forma coletiva e
culture: opening up the arts to everyone”, o ainda devem ser estruturadas, continuadas,
192 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

avaliadas e atualizadas; ligadas ao presente, preservar, defender e valorizar o patri-


mas com uma visão de futuro. Citando nova- mônio cultural; 2. Incumbe ao Estado, em
mente Marta Porto, “quem faz arte e cultura colaboração com todos os agentes cultu-
é o povo, os artistas, mas quem cria as condi- rais: a) Incentivar e assegurar o acesso
ções para que ela seja democrática, se amplie de todos os cidadãos aos meios e instru-
e faça sentido para o conjunto da sociedade é mentos de ação cultural, bem como cor-
a política” (PORTO, 2019, p. 42). rigir as assimetrias existentes no país em
tal domínio; b) Apoiar as iniciativas que
Portugal: o Plano Nacional das Artes estimulem a criação individual e coletiva,
O Plano Nacional das Artes (PNA) em Por- nas suas múltiplas formas e expressões, e
tugal é uma iniciativa conjunta do Ministério uma maior circulação das obras e dos bens
da Cultura e do Ministério da Educação. Foi culturais de qualidade […] (PLANO NA-
apresentado em junho de 2019, e a sua primei- CIONAL DAS ARTES, 2019, p. 10).
ra fase de implementação tem um horizonte
de cinco anos (2019-2024). Uma das suas fon- Encontramos aqui, portanto, um princípio
tes de inspiração é a poetisa Sophia de Melo arrojado, que, apesar de referir concretamen-
Breyner Andresen, que, na sua intervenção na te a promoção da “democratização da cultu-
Assembleia Constituinte de 2 de setembro de ra”, apresenta as condições para a construção
1975, afirmou: “A cultura não existe para enfei- de uma cultura democrática.
tar a vida, mas sim para a transformar – para O PNA estrutura-se em três eixos de
que o homem possa construir e construir-se intervenção: Política Cultural; Capacitação;
em consciência, em verdade, em liberdade e e Educação e Acesso. Esses eixos se desdo-
em justiça”. O plano assenta-se também na bram em 5 programas e 27 medidas concre-
própria Constituição da República Portugue- tas, conforme a tabela ao lado.
sa, nomeadamente nos seguintes artigos: É intenção do PNA articular a sua ação
com aquela de outros programas e planos,
Artigo 73o – O Estado promove a demo- nomeadamente o Plano Nacional de Leitu-
cratização da cultura, incentivando e as- ra, o Plano Nacional de Cinema, o Programa
segurando o acesso de todos os cidadãos à de Educação Estética e Artística, o Progra-
fruição e criação cultural, em colaboração ma Rede de Bibliotecas Escolares, a Rede
com os órgãos de comunicação social, as Portuguesa de Museus e o Arquivo Nacional
associações e fundações de fins culturais, de Som.
as coletividades de cultura e recreio, as as- Menos de um ano após sua apresenta-
sociações de defesa do patrimônio cultu- ção, o PNA encontra-se ativo em 65 agru-
ral, as organizações de moradores e outros pamentos escolares, um pouco por todo o
agentes culturais (art. 73). país, incentivando e auxiliando as escolas
no uso das artes em várias disciplinas. Cada
Artigo 78o – 1. Todos têm direito à fruição agrupamento tem, conforme previsto, um
e criação cultural, bem como o dever de coordenador cultural. Este deverá dispor de
PLANOS DE CULTURA Maria Vlachou 193

um conselho consultivo, que incluirá profes- grandes cidades (ALMEIDA, 2020: entre-
sores e alunos, mas também elementos da vista Antena 1; e QUEIRÓS, 2020).
comunidade cultural que rodeia a escola. As O PNA foi recebido com um misto de
temáticas trabalhadas são diversas. Em um entusiasmo e desconfiança pelos profissio-
agrupamento escolar próximo a Faro, qui- nais da cultura. Apesar de não ter sido am-
seram tratar do desperdício alimentar; em plamente consultado,2 o “setor” reconheceu
Abrantes, estão desenvolvendo uma flash as qualidades e a experiência profissional dos
mob com a interpretação de uma dança ba- membros da equipe e mostrou a sua apre-
seada no problema do bullying. Em Odemira, ciação por um plano que reconheça o papel
foi identificada a questão dos imigrantes que da cultura na sociedade, que revele ter uma
vêm trabalhar para as estufas e dos seus fi- clara consciência dos desafios que enfren-
lhos, que não sabem falar português e entram tamos no século XXI e que se apresente de
na escola no meio do ano letivo. Em Castro forma bem estruturada. Foram expressas
d’Aire, a preocupação é com o abandono preocupações, no entanto, em relação ao seu
daquela região pelos jovens em direção às financiamento e à capacidade de envolver os

Plano de ação estratégica

Eixos Eixo a. Eixo b. Eixo c.


Política cultural Capacitação Educação e acesso

Programas Impacto e Pensamento e Indisciplinar a Escola KM2: Arte e 360o Comunicar


Sustentabilidade Formação Comunidade

Medidas Índice de Impacto Escola de Porto Projeto Cultural de Projeto Deslocar: Portal e Newsletter
Cultural das Santo Escola Campo Criativo PNA
Organizações Coleções PNA Projeto Artista Projeto Criar+ Estar Presente
Plano Estratégico Patrimônio e Artes Residente Festival_ Bienal PNA
Municipal Cultura- nos Cursos de Cidadania: Recursos
-Educação Prêmios PNA
Educação Pedagógicos
Contrato de Academia PNA Desvio: Sair para
Impacto Social Entrar
das Organizações Bolsa PNA
Culturais Conferências Em Aberto

Financiamento Tutorias Criativas


Público Arte-
-Educação-
-Comunidade
ID Cultura
Legislação
Compromisso
Cultural Organizações
Empresariais
Consultoria
Monitorar e Avaliar
o PNA

Fonte: Plano Nacional das Artes.


194 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

professores – muitos deles bastante cansa- ISCTE-IUL/Opac3 para a criação do Índice


dos e indiferentes ou desmotivados, devido de Impacto Cultural das Organizações, dado
às políticas que gerem esse setor. esta ser uma área muito pouco investigada e
Olhando com mais atenção para o PNA, praticada no setor cultural em todo o mun-
este apresenta uma série de pontos que con- do. De referir ainda que, pelos indícios que
sideramos fortes. A equipe reunida é reco- nos traz essa primeira fase de implementa-
nhecida pela qualidade profissional e tem o ção do plano, este, através das ações promo-
respeito dos seus pares. Tratando-se de pes- vidas, consegue juntar pela primeira vez no
soas com bons conhecimentos e experiência mesmo espaço, e com o mesmo propósito,
de trabalho nesse meio, conseguiram reunir agentes (culturais, políticos e membros da
nesse documento aqueles princípios que mo- sociedade civil) cuja colaboração é desejada
vem o setor cultural e construir uma visão e urgente para a construção de uma cultura
partilhada por muitos. Destaca-se que o PNA democrática.
vai além da “democratização da cultura” (um O PNA apresenta também pontos
processo com muitas boas intenções, mas que são motivo de preocupação e que se
que, muito facilmente, se torna paternalista) prendem sobretudo com conceitos e, con-
e fala de democracia cultural, processo que sequentemente, com a sua aplicação. Co-
requer outra abertura e também outra pre- meçamos pelo uso indiscriminado das
paração e disponibilidade da parte dos pro- palavras “cultura”, “artes” e “patrimônio”.
fissionais do setor e dos cidadãos em geral. Essa questão se coloca em relação a vários
Os três eixos propostos representam planos e estudos sobre a cultura e as artes
elementos fundamentais para a elaboração em vários países do mundo, pelo que teria
de uma estratégia que possa ser coerente e sido útil incluir as definições. A indefinição
eficaz: pensamento e formação; políticas pú- poderá afetar a ação no terreno, os objetivos
blicas; ação. As premissas e valores (PLANO traçados, a forma de avaliar os resultados
NACIONAL DAS ARTES, 2019, p. 15-17) e os obtidos. Nesse mesmo contexto, pensamos
princípios estratégicos anunciados (PLANO que o PNA apresenta ideias mais concretas
NACIONAL DAS ARTES, 2019, p. 19) mos- sobre a democratização da cultura (na pá-
tram que existe um rumo claro, que poderá gina 18 e, ainda, em compromissos e ações
resultar numa ação sólida. propostas nas páginas 27 e 28 na versão on-
Outros aspectos que consideramos -line) e mais vagas sobre a construção de
muito positivos são a intenção em colaborar uma cultura democrática. Esse fato pode-
com outros planos e programas nacionais, a rá comprometer a ambição de “para todos
criação de Planos Estratégicos Municipais e com cada um”. As intervenções públicas
Cultura-Educação e o foco na avaliação, ra- mais recentes pelos responsáveis pelo PNA
ramente referida e pensada em Portugal no destacam de forma mais afirmativa a ne-
início de processos como esse. Nessa fase, cessidade de contribuir para a democracia
é com particular interesse que aguardamos cultural. Esperamos que as ações desenvol-
o resultado da colaboração do PNA com o vidas venham confirmar esse objetivo.
PLANOS DE CULTURA Maria Vlachou 195

Nessa primeira fase de implementação na forma como se compreendem, se veem


do PNA, o foco na escola foi uma opção cons- e se podem projetar. Ou seja, não apenas a
ciente. Trata-se, sem dúvida, de uma área de partir do que já são, mas do que podem vir a
atuação fundamental na criação de uma cul- ser. E a cultura tem essa grande responsa-
tura social, mas, ao mesmo tempo, é uma área bilidade de ser o depósito da humanidade,
na qual habitualmente os governos procuram e um depósito sempre renovado. Portan-
agir. Seria necessário olhar simultaneamente, to, essa possibilidade de, a partir dela, nos
e com a mesma intensidade, para outras áreas, construirmos, construirmos a identidade
outros grupos, que complementem o sistema enquanto pessoas, mas também enquanto
escolar e que envolvam também os adultos. comunidade (VALE, 2020).
Apesar de haver referências no documento
aos seniores ou a comu- Não há dúvida de que o
nidades “vulneráveis” ou A construção de uma cultura PNA trouxe para o setor
excluídas, essas são prati- democrática requer o cultural (e educativo) em
camente residuais. Além reconhecimento da falta de Portugal um olhar apro-
disso, a construção de diversidade e inclusão no próprio fundado sobre o papel da
uma cultura democrática setor cultural e educativo (e dos cultura na sociedade e
requer o reconhecimento problemas de relacionamento uma estratégia que per-
da falta de diversidade e e de representatividade que mitirá dar alguns passos
inclusão no próprio setor resultam dela) e uma visão mais à frente na construção de
cultural e educativo (e dos aberta em relação à cultura uma relação com os cida-
problemas de relaciona- desses mesmos grupos sub- dãos de várias idades e
mento e de representati- -representados, excluídos e no envolvimento destes.
vidade que resultam dela) “vulneráveis”, que pode ser forte, Acreditamos que o PNA
e uma visão mais aberta mas continua marginalizada e poderá ser uma das ba-
em relação à cultura des- invisibilizada pelo sistema ses para a elaboração da
ses mesmos grupos sub- tão necessária estratégia
-representados, excluídos e “vulneráveis”, que nacional para a cultura em Portugal, no longo
pode ser forte, mas continua marginalizada e prazo e independentemente das mudanças de
invisibilizada pelo sistema. Executivo. Uma estratégia baseada em estu-
Numa entrevista dada recentemente ao dos de público, feita com tempo e que garanta
programa televisivo Filhos da Nação, o comis- um envolvimento alargado tanto dos profis-
sário do PNA, Paulo Pires do Vale, afirmou que sionais do setor como dos próprios cidadãos.
é necessário: Uma estratégia que não apenas dê valor à cul-
tura “formal”, mas que alimente a imaginação
Criar estrutura política, legislativa, territo- coletiva e apoie a criatividade individual, em
rial, para que mais se possa fazer. A cultura qualquer ponto do território nacional. Uma
tem um papel determinante na construção cultura que seja um verdadeiro direito de to-
da comunidade, na construção dos cidadãos, dos; para todos e com cada um.
196 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Maria Vlachou
Consultora em gestão e comunicação cultural. Membro fundador e diretora-execu-
tiva da Acesso Cultura. Autora do blog Musing on Culture. Foi diretora de comunicação
do São Luiz Teatro Municipal (Lisboa) e responsável de comunicação do Pavilhão do
Conhecimento. Fellow do International Society for the Performing Arts [Ispa (2018, 2020)];
fellow do DeVos Institute of Arts Management at the Kennedy Center in Washington (2011,
2013); e mestre em museologia pela University College London (1994).

Referências bibliográficas

ARTS COUNCIL ENGLAND. Let's Create. London, 2020. Disponível em: https://www.
artscouncil.org.uk/letscreate. Acesso em: 3 mar. 2020.
PLANO NACIONAL DAS ARTES. Lisboa, 2019. Disponível em: https://www.portugal.
gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=00a06c3f-f066-4036-adc2-
b030b946e6ba?. Acesso em: 3 mar. 2020.
PORTO, M. Imaginação: reinventando a cultura. São Paulo: Pólen, 2019.
QUEIRÓS, L. M. O plano para “indisciplinar” a escola através das artes já está no
terreno. Público, Ípsilon, 1 fev. 2020. Disponível em: https://www.publico.
pt/2020/02/01/culturaipsilon/noticia/plano-indisciplinar-escola-atraves-artes-
ja-terreno-1902506?fbclid=IwAR1N5KUYInPpb62rTC1gW-HpG9fLlxHtXRn_
JjRztnjfC7zKfqKdxyIuMa8. Acesso em: 5 mar. 2020.
THE CULTURE WHITE PAPER. London, 2016. Disponível em: https://assets.publishing.
service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/
file/510798/DCMS_The_Culture_White_Paper__3_.pdf. Acesso em: 3 mar. 2020.
VALE, Paulo Pires do. Plano Nacional das Artes: uma estratégia chamada desejo.
[Entrevista cedida a] Cláudia Almeida. RTP, 29 jan. 2020. Disponível em:
https://www.rtp.pt/noticias/cultura/plano-nacional-das-artes-uma-estrategia-
chamada-desejo_n1201366. Acesso em: 5 mar. 2020.
VALE, Paulo Pires do. [Entrevista cedida a] Cláudia Almeida para o programa televisivo
“Filhos da Nação”. RTP, 11 jan. 2020. Disponível em: https://www.rtp.pt/play/
p5487/e449669/filhos-da-nacao. Acesso em: 5 mar. 2020.
VLACHOU, M. Reflexões governamentais sobre o acesso à cultura. Musing on Culture,
22 jun. 2016. Disponível em: https://musingonculture-pt.blogspot.com/2016/06/
reflexoes-governamentais-sobre-o-acesso_24.html. Acesso em: 3 mar. 2020.
WILSON, N.; GROSS, J.; BULL, A. Towards cultural democracy: promoting cultural
capabilities for everyone. London: King’s College London, 2017. Disponível em:
https://www.kcl.ac.uk/cultural/resources/reports/towards-cultural-democracy-
2017-kcl.pdf. Acesso em: 3 mar. 2020.
PLANOS DE CULTURA Maria Vlachou 197

Notas

1 Consultar a apresentação mais analítica do documento em: VLACHOU, 2016.

2 Durante os três meses de preparação do plano, os responsáveis fizeram visitas


e tiveram reuniões com vários agentes nas áreas de cultura e educação (por
exemplo, universidades, escolas, docentes de todos os níveis de ensino, alunos,
cidadãos de várias áreas de interesse e profissões, arquitetos, programadores,
políticos, associações, museus, teatros, bibliotecas, câmaras municipais, autarcas,
artesãos, técnicos, artistas de todas as áreas). 

3 Instituto Superior de Ciências do Trabalho da Empresa – Instituto Universitário de


Lisboa/Observatório Português das Atividades Culturais.
198 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

A BELEZA QUE HÁ NA
DIVERSIDADE: O QUE PODEMOS
APREENDER DO CASO ALEMÃO?
Suelen Silva

A Alemanha contemporânea adota o federalismo cultural, modelo que se baseia em uma


abordagem descentralizada, que garante à sociedade civil, a cidades e estados federados o
protagonismo na política cultural interna. Sem um ministério ou um plano nacional para a
arte ou cultura em nível federal, o país tem, todavia, uma das mais densas redes artísticas e
culturais, e é um dos que mais investem recursos públicos nessa área. Como se desenvolveu
esse modelo, quais são os seus princípios e o que podemos apreender da experiência alemã?

Destruição e criação

“[O] sonho nazista de criar, através da como uma engrenagem de destruição cujo
pureza, um mundo mais harmonioso”1 fim, paradoxalmente, era a criação: a cria-

O
ção de uma Alemanha supostamente bela e
regime nazista (de 1933 a 1945) es- pura, porque livre de diversidade ou contra-
tabeleceu a “pureza ariana” como dições, capaz de liderar o mundo para uma
um ideal (racista) a ser protegido erudita, elevada e nova era. E, como criti-
pela sociedade alemã. Pessoas judias e car é, em essência, contradizer, tudo o que
também ciganas, imigrantes, miscigena- fosse considerado potencialmente crítico
das, negras, homossexuais, com deficiên- a essa ideologia nazista era reprimido, cri-
cias e quaisquer outras fora do espectro minalizado ou eliminado. Assim, a negação
inventado de pureza e perfeição nazistas de liberdades individuais, de reunião e de
foram no período definidas como infe- expressão foi progressivamente colocada
riores, como o motivo dos problemas da em prática, a ponto de estas serem abolidas
Alemanha e, por fim, como coisas sem hu- quando não servissem ao regime do Tercei-
manidade – equiparadas a micróbios – que ro Reich.
deveriam ser exterminadas. Na engrenagem nazista alemã de ex-
É preciso enxergar o nazismo não ape- termínio e criação, a arte teve papel em-
nas em seus termos políticos, mas também blemático. Primeiro, se considerarmos
PLANOS DE CULTURA Suelen Silva 199

Hitler como um artista frustrado, 2 cujos O vocabulário cultural


sonhos de grandeza são forjados também do pós-Segunda Guerra
nas artes,3 e se lembrarmos que “a noção
de arte para uma nova civilização” (inspi- Direitos culturais, políticas
rada em Richard Wagner) dará “contorno culturais e planos de cultura
à visão de Hitler sobre o mundo” (KURTZ, Não só o nazismo na Alemanha, mas tam-
1998, p. 3). Segundo, ao ratificarmos que o bém o fascismo na Itália e os sangrentos
regime nazista e a sociedade que o apoiou processos colonizadores e suas escravidões
trataram de ridicularizar e reprimir ma- e genocídios são alguns fatos históricos que
nifestações artísticas e culturais que con- evidenciam os efeitos nefastos de quando se
sideravam impuras ou “degeneradas” 4 é negado o direito à diversidade. Não é à toa
– nesses casos, negando a que, no período após a Segun-
elas o próprio status de arte. É preciso enxergar o da Guerra, cultura ganhou
Adicionalmente, se consi- nazismo não apenas em relevância na arena política
derarmos que o cinema e seus termos políticos, internacional e passou a ser
o rádio foram não apenas mas também como uma reconhecida como direito a
ferramentas de comunica- engrenagem de destruição ser protegido e promovido,
ção do regime nazista, como cujo fim, paradoxalmente, de fundamental importância
também peças fundamen- era a criação para a dignidade humana.6
tais para consolidar o na- Nesse sentido, uma sé-
zismo a partir do controle do imaginário, rie de tratados e convenções foi elaborada
pela força de uma estética profundamente no pós-guerra pela Organização das Nações
elaborada. Unidas (ONU), com a missão de restaurar o
Aliás, não é por acaso que, em regi- diálogo entre as nações e promover a paz, e
mes baseados na violência do poder, arte pela Organização das Nações Unidas para a
e cultura, longe de serem assuntos sem Educação, Ciência e Cultura (Unesco), em
importância, ganham contornos centrais: um esforço de criar diretrizes que apoiem o
o Estado trata de querer controlá-los a entendimento internacional de cultura como
seu próprio favor, uma vez que a criação parte fundamental dos direitos humanos.7
e o imaginário são campos de batalha es- Esse processo tem se dado com a amplia-
senciais a ser dominados para o sucesso de ção do conceito de cultura para além de um
seus projetos.5 A Alemanha nazista só foi elemento de distinção e erudição (“direito
possível uma vez que o Estado se esforçou à cultura” como direito a acessar/consumir
por controlar simbólica e efetivamente bens e serviços culturais), para o reconhe-
quais discursos, valores e práticas pode- cimento de sua essencial relevância para o
riam circular na sociedade alemã: somente desenvolvimento pleno do ser humano (“di-
aqueles que servissem direta ou indireta- reitos culturais”).8
mente à ideologia antissemita, racista e Dessa forma, ganhou evidência po-
genocida do Terceiro Reich. lítica, internacionalmente, a seguinte
200 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

pergunta: como Estados podem garantir e exemplo peculiar do que é conhecido como


efetivar os direitos culturais das pessoas? O federalismo cooperativo: com uma forte di-
conjunto de ações e programas colocados em visão do poder político e administrativo en-
prática para alcançar esse objetivo, em resu- tre os estados e a federação, em vez da sua
mo, é uma tarefa das políticas culturais. Nes- centralização no plano federal (SCHAVAAL;
se contexto, diversos governos têm elaborado GALVANO, 2017).
planos nacionais de cultura, entendendo-os Os estados federais alemães devem
como uma ferramenta importante para as cumprir a Lei Fundamental do país, a qual
suas políticas na área. estabelece que “o exercício do poder esta-
Mas, na Alemanha, com a traumática tal e o cumprimento das funções públicas
experiência do nazismo em sua história, a competem aos estados” (artigo 30). Além
pergunta se coloca de outra forma: como a de seguir a Lei Fundamental,9 cada estado
Alemanha pode garantir e efetivar os direi- federado tem a sua própria constituição,
tos culturais das pessoas sem parlamento e soberania ad-
que o Estado novamente se Como a Alemanha pode ministrativa em áreas como
aproprie da cultura como garantir e efetivar os educação, economia, saúde,
ferramenta ideológica, como direitos culturais das cultura e segurança inter-
aconteceu durante o nazis- pessoas sem que o Estado na. Essa mesma lei também
mo? Em resumo, buscando novamente se aproprie da afirma que os estados devem
garantir a distância da in- cultura como ferramenta garantir aos municípios o di-
fluência do Estado nos assun- ideológica, como aconteceu reito e a responsabilidade de
tos culturais internos. Como durante o nazismo? tratar de todos os assuntos
se organiza, então, o modelo da comunidade, protegendo
cultural da Alemanha, quais são os seus prin- a autonomia política e administrativa para
cípios e que ferramentas se destacam? lidar com questões locais. Dessa maneira,
os assuntos públicos são tratados sempre
A inexistência de um plano de uma perspectiva “de baixo para cima”, ou
nacional de cultura na Alemanha primeiro dos menores níveis administrativos
(cidades e municípios) para os mais amplos
O federalismo alemão e a (estados-membros federados, seguidos por
descentralização política governo federal).
Para entender esse modelo, é preciso olhar Pode-se dizer que esse modelo é uma
também para o sistema político alemão. A resposta contundente à história de um país
Alemanha contemporânea é uma república marcado pela arbitrariedade, centralização
federativa composta de 16 estados-membros. do poder e violência do nazismo? Também.
De um modo geral, significa que os estados Mas, desde o período feudal com seus esta-
têm autonomia e responsabilidades que dos independentes (até 1871), passando pelo
não podem ser definidas ou alteradas pelo Reich (1871-1918) e pela república de Weimar
governo federal alemão. A Alemanha é um (1919-1933), já existia uma certa tendência
PLANOS DE CULTURA Suelen Silva 201

federalista no país. O que houve no nazismo é autônomo para definir sua própria política
foi uma centralização forçada, sendo a cultura cultural, considerando os atores, recursos e
usada direta e indiretamente para atender ao prioridades do seu contexto. Os estados têm
propósito do regime nazista (BLUMENRICH, os seus próprios ministérios e/ou secreta-
2016). Não por acaso, desde que a república se rias oficiais responsáveis pelos assuntos da
estabeleceu, em 1949, a Alemanha não tem área cultural (frequentemente combinados
mais um ministério nacional com outros temas, como
que cuide de assuntos cultu- Existe uma preocupação educação ou ciência).
rais internos. compartilhada em manter As cidades têm também
o setor artístico e cultural autonomia para decidir
O reflexo do federalismo protegido da interferência sobre as questões lo-
no setor cultural alemão estatal, mas também em que cais de ordem cultural,
Nacionalmente, no lugar de o funcionamento do setor não sendo responsáveis por
um ministério da cultura, o fique sujeito aos interesses de criar as suas estrutu-
que existe é o Comissariado ordem tão somente neoliberal ras administrativas,
de Cultura e Mídia, órgão estabelecer programas
encarregado de assuntos definidos como de e espaços públicos, como teatros, bibliote-
“relevância nacional”. Suas principais fun- cas e museus. Dessa forma, do “menor” ao
ções são: 1) representar culturalmente o país “maior”, diferentes níveis de governo atuam
na sua capital (Berlim) e em relações cultu- em uma perspectiva de cooperação. Com fre-
rais internacionais; 2) propor debates e leis quência, por exemplo, instituições culturais
favoráveis à cultura e à mídia; 3) apoiar ins- locais recebem subsídios tanto do orçamento
tituições10 e patrimônios específicos como: municipal quanto do estadual.
bens declarados patrimônios mundiais pela Adicionalmente, há hoje uma tendên-
Unesco, bens do antigo estado da Prússia, cia por parte dos estados e das cidades em
centros de documentação e memoriais às ví- abdicar da gestão direta de equipamentos
timas do nazismo (BUNDESREGIERUNG culturais. Essa tendência é, em geral, apoiada
FÜR KULTUR UND MEDIEN, 2016). Além pelo setor público, privado e pela sociedade
disso, há um Comitê Parlamentar de Cultu- civil, desde que se garanta a manutenção da
ra e Mídia, responsável por supervisionar o responsabilidade do investimento público
trabalho do comissariado, avaliar mudanças na área.11 Tal fenômeno converge com a exis-
na legislação com potencial de afetar o cam- tência de uma preocupação compartilhada
po cultural e iniciar debates de relevância em manter o setor artístico e cultural prote-
para o setor. gido da interferência estatal, mas também
Fora isso, o protagonismo da política em que o funcionamento do setor não fique
cultural interna alemã situa-se na arena sujeito aos interesses de ordem tão somente
das cidades e dos estados, seja através de neoliberal. Compreender o sistema cultural
organizações da sociedade civil, fundações, alemão contemporâneo requer considerar
estruturas públicas ou privadas. Cada estado que o país essencialmente busca:
202 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

encontrar um equilíbrio entre a respon- do setor à sua maneira. Significa dizer que
sabilidade do setor público de assegurar aaté mesmo a definição do que conta como
investimento em cultura pode variar entre
existência e o financiamento de instituições
os níveis municipal, estadual e federal. Por
e programas culturais, sem interferência do
exemplo, museus científicos e bibliotecas são
governo nas atividades culturais. A Consti-
incluídos como “cultura” em nível municipal,
tuição [...] não só fornece a base para a auto-
enquanto em nível federal são alocados em
nomia artística e os direitos autônomos das
instituições e organizações culturais, mas“educação”. Há ainda casos em que os inves-
também estipula uma forma de proteção timentos são considerados em seus valores
contra diretivas estatais e regulamentaçãobrutos em um nível, enquanto para outros
de conteúdos (BLUMENRICH, 2016, p. 54). órgãos o que conta é o valor líquido (BLU-
MENRICH, 2016).12
De tal modo, e considerando o fato histórico Segue-se a isso um debate crescente por
do nazismo, tentativas que soem similares profissionais da área sobre a capacidade (e
a “direcionar” nacionalmente o campo ar- a necessidade) de renovação de instituições
tístico e cultural são vistas que historicamente rece-
como problemáticas no O entendimento geral de bem incentivos públicos,
país. O entendimento ge- que o Estado e o governo ou o quanto o investimen-
ral de que o Estado e o go- (nacional) não têm e não to federal na capital Berlim
verno (nacional) não têm e podem ter competência para não gera um desequilíbrio
não podem ter competên- se encarregar dos assuntos na paisagem cultural ale-
cia para se encarregar dos culturais internos torna mã, fazendo com que se
assuntos culturais inter- controverso, até então, intensifique a pergunta se
nos torna controverso, até um plano nacional de cultura não é chegada a hora de ter
então, um plano nacional na Alemanha um ministério federal para
de cultura na Alemanha. a área.
Em vez de um plano nacional, o que existem Todavia, os benefícios desse modelo
são projetos, planos e/ou políticas culturais federalista descentralizado, que valoriza
das cidades e/ou dos estados federados, tão e protege a autonomia das cidades e dos
diversos entre si quanto são as suas priori- estados nos assuntos culturais internos,
dades e realidades. são também salutares. Referências na área
Certamente, a ausência de um nível (BLUMENRICH, 2016; MANDEL, 2017)
nacional de atuação em cultura traz alguns sugerem que é justo por causa desse modelo
desafios para o setor, os quais aprofundam que a paisagem cultural e artística alemã é
ainda mais os desafios para elaborar um tão densa e diversa em atores e instituições,
(hipotético) plano nacional. Um deles diz pois tal descentralização acaba gerando
respeito a informações e indicadores so- também uma “concorrência” salutar entre
bre cultura, já que cada município e estado os estados e municípios. Outro reflexo do
pode priorizar, coletar e organizar os dados modelo pode ser visto no investimento em
PLANOS DE CULTURA Suelen Silva 203

cultura. A Alemanha é um dos países que Fora isso, no nível federal, a Alemanha
mais investem recursos públicos na área – busca estimular o setor através de ações
que teve um crescimento de mais de 30% indiretas, respeitando a soberania das cida-
entre 2005 e 2015. A maioria desses recur- des e dos estados federados na matéria. Em
sos provém dos municípios/cidades (45%), 2003, por exemplo, o Comitê Parlamentar de
seguidos dos estados (40%) e, por último, Cultura e Mídia iniciou uma ampla pesqui-
do governo federal (15%), segundo o Rela- sa sobre política cultural e fomento para o
tório Financeiro Relativo à Cultura lançado setor. O estudo contou com a participação
em 2018 pelo Departamento de Estatística de especialistas independentes e gerou um
da Alemanha. relatório com mais de 400 recomendações
práticas para políticos, legisladores e ges-
Que outras possibilidades? tores culturais atuando em diversos níveis
Da experiência alemã e de outras experiên- (DEUTSCHER BUNDESTAG, 2007). Outro
cias mundo afora, uma das coisas que po- exemplo de iniciativa federal foi a pesquisa
demos apreender é que Mulheres na Cultura e
não há um modelo por si Há experiências que Mídia, lançada em 2016.
só certo ou errado quan- funcionaram ou não dentro Realizado pelo Conselho
do tratamos de política e de determinados contextos, Cultural Alemão13 e fi-
gestão cultural. Há expe- os quais carregam históricos, nanciado pelo Comissa-
riências que funcionaram recursos e/ou condições sempre riado de Cultura e Mídia,
ou não dentro de determi- específicos. De tal modo, torna- o estudo resultou em um
nados contextos, os quais -se relevante perguntar, em relatório de mais de 400
carregam históricos, primeiro lugar, se e quando é páginas apontando ten-
recursos e/ou condições necessária a existência de um dências, desafios e pro-
sempre específicos. De tal plano nacional de cultura posições para alcançar a
modo, torna-se relevante igualdade de gênero no
perguntar, em primeiro lugar, se e quando é setor cultural (SCHULZ; RIES; ZIMMER-
necessária a existência de um plano nacional MANN, 2016). A partir dessa publicação,
de cultura. o referido conselho criou um programa de
Na inexistência desse plano, vejamos mentoria para mulheres em cargos de gestão
então quais outras ferramentas e estratégias cultural, além de um ponto de contato dentro
têm sido adotadas pela Alemanha para orien- da organização para transformar os debates
tar a ação pública na área. Como já citado, há em ações e projetos concretos, também com
a Lei Fundamental e os planos e políticas de financiamento do governo federal.
cultura específicos dos estados federados, Pode-se apreender também que a cons-
além da adoção de tratados e diretrizes in- tante defesa do distanciamento entre Estado
ternacionais, como a Convenção de 2005 da e cultura, no caso alemão, não é sinônimo de
Unesco e a Agenda para a Cultura da União deixar o setor à revelia do livre mercado, se-
Europeia (2019-2022). guindo uma lógica neoliberal. Pelo contrário,
204 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

a regulação governamental (em seus diver- Por fim, o que é adotado na Alemanha em
sos níveis) é necessária e se dá através de termos de política e gestão cultural não neces-
leis específicas e, sobretudo, do respeito à sariamente terá os mesmos resultados se apli-
Lei Fundamental, que garante a autonomia cado em outros lugares. Como profissionais da
das artes e cultura. Tal regulação depende cultura, é necessário termos sempre em men-
e se coaduna, por sua vez, com o constante te que as sociedades, artes e culturas – grosso
monitoramento e atuação da sociedade ci- modo, “matérias” com as quais trabalhamos
vil organizada. Em um país cuja história foi – são, essencialmente, diversas em seus poten-
marcada pela sua súbita privação, a liberdade ciais e desafios. Que, ao invés de recear, conti-
e a autonomia do setor artístico e cultural são nuemos a enxergar, prezar e aprender com a
agora entendidas não como algo dado, mas beleza que existe na diversidade e em suas con-
como frutos de um trabalho em constante tradições, inclusive dentro da própria gestão e
construção e de interesse público. política cultural como disciplina e prática.
PLANOS DE CULTURA Suelen Silva 205

Suelen Silva
Gestora cultural com interesse em teorias pós-coloniais e práticas decoloniais na
área artístico-cultural. Possui bacharelado em ciências sociais (Universidade da Amazônia/
Brasil), mestrado em antropologia (Universidade do Pará/Brasil) e especializações em
gestão e políticas culturais (Universitat de Girona/Espanha e Itaú Cultural/Brasil) e em
políticas culturais de base comunitária (Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales/
Argentina). Contemplada com a Bolsa Chanceler Alemã para Futuros Líderes, pela Fun-
dação Alexander von Humboldt (2018/2019).

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Notas

1 Trecho de Arquitetura da Destruição, filme de Peter Cohen (1989).

2 O ditador antissemita foi rejeitado mais de uma vez pela Academia de Belas-
-Artes de Viena.

3 “Quando ingressou no NSDAP (Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei)


em 1919, Hitler procurou inspirar-se no princípio da arte total wagneriana
aplicando-a no terreno da política de massas, encenando todas as suas aparições
públicas de orador do partido como se fosse a entrada de um célebre tenor nos
palcos de um teatro” (VENTURELLI, 2010, p. 225).
PLANOS DE CULTURA Suelen Silva 207

4 Considerar a perseguição a intelectuais e artistas, que culminou em eventos


como a queima pública de livros em várias cidades alemãs, no dia 10 de maio de
1933, ou na exposição nacional Arte Degenerada (COSTA, 2018; BARRON, 1991).

5 Consultar Pereira (2003) e Ferro (1992) sobre as relações entre cinema, história,
política e poder.

6 Não que no período anterior ao mencionado cultura não fosse uma questão


política e institucionalmente tratada pelos governos. Diversos países possuíam
já instituições públicas que se ocupavam de assuntos culturais, como o México
e a Argentina, para citar casos anteriores à Segunda Guerra e à criação do
Ministério da Cultura francês, em 1959 (que se converteu em um dos casos
mais pesquisados na área). Todavia, o trabalho de articulação e regulação da
ONU através da Unesco teve e tem forte influência na forma como os debates
governamentais e internacionais passaram a ser direcionados no pós-guerra.

7 A despeito do debate possível quanto à pretensão de universalidade que está


no cerne do nascimento desse conceito, especialmente iluminado pelas críticas
pós-coloniais (como de Maldonado-Torres, 2017), a Organização das Nações
Unidas (fundada no pós-guerra) definiu, no artigo 27 da Declaração Universal
dos Direitos Humanos (1948), que “1. Toda pessoa tem o direito de tomar parte
livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no
progresso científico e nos benefícios que deste resultam. 2. Todos têm direito
à proteção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer produção
científica, literária ou artística da sua autoria”.

8 Na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948, artigo 27), no Pacto


Internacional de Direitos Econômicos, Internacionais e Culturais (1966, artigo
15), na Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões
Culturais (2005) e em uma série de outras ferramentas internacionais, os direitos
culturais são citados, mas de modo disperso. É na Declaração de Friburgo (2007)
que há um esforço de revisão crítica que parte da sociedade civil para consolidar
e reafirmar o que são esses direitos.

9 A Lei Fundamental alemã tem três artigos de especial relevância para entender o
sistema cultural da Alemanha: o artigo 5o, que garante a liberdade de expressão,
da arte e da ciência; o artigo 28, que estabelece a autonomia administrativa dos
municípios nas questões locais; e o artigo 30, que define o poder soberano dos
estados federados.

10 Mesmo nesse caso, o apoio se dá sobretudo de forma indireta, por intermédio


de fundações ou organizações da sociedade civil.
208 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

11 Vale frisar que o financiamento público à cultura na Alemanha não significa


necessariamente interferência pública nos assuntos culturais. Movimentos
lidos como tentativas de interferência política no conteúdo ou na programação
são duramente criticados em sua violação da liberdade artística e da Lei
Fundamental. Com o recente crescimento de discursos nacionalistas e xenófobos
(disfarçados como sendo de ordem econômico-protecionista), essa liberdade
tem sido monitorada e novos casos criticados como sendo de violação a ela.
Não por acaso, a rede Die Vielen [Os Muitos] foi fundada em 2019, liderada
por instituições, profissionais e cidadãos espalhados por toda a Alemanha
preocupados em assegurar a liberdade das artes (www.dievielen.de).

12 Também segundo Blumenrich (2016, p. 54), desde o início de 2003 esforços


nos diferentes níveis têm sido tomados com o intuito de alcançar uma base ou
harmonização parcial das estatísticas relativas à cultura (e o que esses níveis
entendem por cultura), também visando facilitar comparações em
nível internacional.

13 Deutsche Kulturrat e.V. é uma associação guarda-chuva que representa


politicamente os interesses de uma ampla rede de organizações culturais sem
fins lucrativos na Alemanha. Seu objetivo é “estimular a discussão da política
cultural em todos os níveis políticos e defender a liberdade de arte, publicação
e informação” (https://www.kulturrat.de/ueber-uns/).
PLANOS DE CULTURA Suelen Silva 209
210 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

UM PLANO BRITÂNICO PARA


A CULTURA: UM APELO AO
CORAÇÃO E À CABEÇA DA NAÇÃO
Paul Heritage e Mariana Steffen

A recém-lançada Estratégia do Conselho de Artes da Inglaterra para o decênio 2020-2030


é o mais próximo do que podemos entender da versão britânica de um plano nacional para
a cultura. Neste artigo, apresentamos as estruturas institucionais da política cultural bri-
tânica, sua origem e evolução, a fim de compreender o que o documento representa para a
Inglaterra de hoje. Abordamos, de forma crítica, os pontos levantados pela estratégia e suas
implicações para a política cultural do país na próxima década.

E
m 2020, o Conselho de Artes da é preciso, antes, retornar a 1946 e à famosa
Inglaterra (ACE, na sigla em in- figura de John Maynard Keynes. É nesse
glês) lançou sua estratégia para o ponto da história que começam a se dese-
decênio 2020-2030, chamada Let’s Create nhar as atuais estruturas institucionais que
[Vamos Criar]. Nesse texto, ressaltou o pa- organizam a política para as artes e a cultura
pel da cultura e da criatividade na orienta- na nação, mais bem definidas nos anos 1990.
ção das políticas culturais, aprofundando Neste artigo, apresentaremos uma breve
o paradigma das indústrias criativas, bem contextualização histórico-institucional
como lançou as bases para mudanças no se- sobre essas políticas no Reino Unido, para
tor cultural em termos de responsabilidade então analisarmos criticamente a estratégia
ambiental e qualidade e acesso às experiên- proposta para elas.
cias culturais e aos processos criativos. Em-
bora não possa ser considerado equivalente De volta a Keynes: as bases para
ao que entendemos por plano nacional de a política cultural britânica
cultura, é esse documento que orientará a Em 1939, o governo britânico criou o Con-
operacionalização das políticas culturais na selho para o Incentivo à Música e às Artes
Inglaterra na próxima década. (Cema, no acrônimo em inglês), responsável
Para entender o que a estratégia signi- por organizar os esforços estatais do campo
fica para a política cultural do Reino Unido, cultural durante a Segunda Guerra Mundial,
PLANOS DE CULTURA Paul Heritage e Mariana Steffen 211

em uma iniciativa para entreter soldados e em tempos de paz” (ARTS COUNCIL OF


cidadãos passando por situações típicas da GREAT BRITAIN – ACGB, 1946, p. 20).
guerra, aumentando o moral, por um lado, e O modelo de financiamento desenvolvido
provendo empregos para artistas, por outro por Keynes e materializado no Conselho
(UPCHURCH, 2004). Keynes assume a di- de Artes difundiu-se por outros países e
reção do órgão em 1942. Influenciado pelas permanece até hoje. Por mais convicto que
ideias do Bloomsbury Group1 e utilizando seu estivesse de sua proposta para as artes, nem
prestígio, experiência e conexões dentro do o economista poderia ter pensado que, nos
governo, o economista lança as bases para 50 anos seguintes, a cultura seria reima-
a criação do Conselho de Artes da Grã-Bre- ginada no discurso da economia criativa
tanha, consolidada em 1946, logo após a sua como base para a reconstrução industrial
súbita morte. do Reino Unido – naquele momento, o Con-
O conselho traduzia a visão keynesia- selho de Artes era capitaneado pelo desejo
na de que o Estado deveria proteger os mo- de restaurar a “boa saúde” da nação, e não
numentos do passado, criar novos para o para construir sua capacidade econômica:
futuro e proteger os artistas “não está longe o dia em
dos “caprichos do capitalis- O modelo de financiamento que o Problema Econômi-
mo” (UPCHURCH, 2004, p. desenvolvido por Keynes e co ocupará o banco de trás
209), oferecendo a artistas e materializado no Conselho a que pertence, e a arena do
organizações artísticas ins- de Artes difundiu-se por coração e da cabeça estará
talações, financiamento e outros países e permanece ocupada, ou reocupada, por
aconselhamento distante do até hoje nossos problemas reais: os
aparato político e burocráti- problemas da vida e das
co estatal. Para isso, o conselho nasce como relações humanas, da criação e comporta-
um órgão público não departamental,2 isto é, mento e religião” (ACGB, 1946, p. s.n.).
vinculado a um departamento, mas manten- Em 2020, enquanto o Conselho de Artes
do funcionamento e corpo de funcionários da Inglaterra prepara o investimento público
independentes dele. Sem competir com o nas artes da próxima década, a Grã-Bretanha
mercado, alocaria fundos para financiamen- não está mais se recuperando da guerra, mas,
tos limitados seguindo um papel específico no que foi amplamente acolhido como uma
na vida cultural nacional: o de apoiar a vida estratégia ousada, apresenta uma visão que
artística de formas que o setor privado não apela ao coração e à cabeça da nação. A es-
conseguiria (UPCHURCH, 2004). tratégia faz perguntas fundamentais sobre
Em 1945, quando expôs o que se tor- como as artes podem reverter as desigual-
naria de fato um plano nacional de cultura, dades sociais, nutrir a saúde e o bem-estar,
Keynes notou que seu objetivo inicialmente transformar comunidades, responder à
era substituir o que a guerra havia retirado, emergência climática e reconstruir o rela-
“mas logo descobrimos que o que estáva- cionamento da Grã-Bretanha com o mundo
mos oferecendo não havia existido sequer pós-Brexit.
212 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Estruturas e dinâmicas atuais mesmo guarda-chuva institucional, o gover-


da política cultural britânica no remodelou sua política cultural em torno
O atual contorno das estruturas institucio- da criatividade, em uma agenda liderada pela
nais responsáveis pela política cultural britâ- sociedade da informação e pelo conhecimen-
nica toma forma nos anos 1990. O Conselho to econômico, sob a égide das indústrias cria-
de Artes da Irlanda do Norte foi criado em tivas3 (HESMONDHALGH et al., 2015, p. 57).
1964, mas somente em 1994 o Conselho de A política cultural britânica é efetiva-
Artes da Grã-Bretanha é descentralizado mente implementada por meio do trabalho
entre os outros três países constituintes do dos órgãos e agências vinculados ao DCMS.
Reino Unido, dando origem ao Conselho de Esse é o caso dos Conselhos de Artes, que,
Artes Inglês, ao Conselho de Artes Galês e ao como mencionado acima, distribuem recur-
Conselho de Artes Escocês (atual Creative sos para projetos, indivíduos e organizações
Scotland). Nesse mesmo ano, com a criação atuando no campo das artes e da cultura,
da Loteria Nacional, o sistema de financia- decidindo quem recebe (ou não) recursos
mento da cultura britânica públicos para fazer cultura
passa por uma reestrutura- Embora o Reino Unido no país. É por essa razão que,
ção completa: os três novos não tenha a pretensão neste artigo, abordamos espe-
conselhos, juntamente com o de ter um plano nacional cificamente a estratégia ado-
da Irlanda do Norte, passam a de cultura, isso é tada pelo Conselho de Artes
administrar diretamente os subentendido em todas da Inglaterra para o decênio
recursos para a área, utilizan- as ações no campo da 2020-2030. Os recursos dis-
do fundos da loteria e alocados política cultural ponibilizados pelo ACE vêm,
pelo governo. Outros recursos além da já mencionada Lote-
da loteria seriam também aportados na cul- ria Nacional, do próprio DCMS e do Depar-
tura, distribuídos pelo Instituto Britânico do tamento de Educação (este específico para
Filme (BFI, na sigla em inglês) e pelo Fundo um programa de educação musical). O ACE
da Loteria Nacional para o Patrimônio. é, ainda, responsável por museus, bibliotecas
Em 1997, a eleição do New Labour leva e coleções ingleses desde 2011.
uma nova perspectiva política para a área
cultural. Uma das primeiras ações do gover- Vamos criar? O Conselho de Artes da
no foi substituir o Departamento do Patrimô- Inglaterra e sua estratégia 2020-2030
nio Nacional pelo Departamento de Cultura, Hoje em dia, embora o Reino Unido não te-
Mídia e Esporte (DCMS, na sigla em inglês), nha a pretensão de ter um plano nacional
ajustando as estruturas institucionais ao que de cultura, isso é subentendido em todas
seria o mote do governo trabalhista para as as ações no campo da política cultural. A
artes e a cultura, transformadas no novo e ideia de plano nacional remete ao esforço
brilhante motor rumo ao futuro do país – a de guerra, uma realidade ainda recente, se
chamada Cool Britannia (VALIATI; HERI- considerarmos que a Segunda Guerra Mun-
TAGE, 2018). Ao unir cultura e mídia em um dial ocorreu nos tempos de Getúlio Vargas
PLANOS DE CULTURA Paul Heritage e Mariana Steffen 213

no Brasil. De herança desses tempos, per- (430 milhões de reais) por ano para o Fundo
maneceu subjacente às estruturas insti- de Desenvolvimento, que foca o desenvolvi-
tucionais a visão instrumentalista sobre a mento de modelos de negócios e liderança
cultura, do Cema até os tempos atuais de e a ampliação da gama de pessoas que tra-
Conselhos de Artes. balham no setor cultural.
Deve-se considerar, ainda, que o Reino Consultas públicas são, em geral, bas-
Unido é uma união de países e que, dentro tante comuns no Reino Unido – o DCMS,
destes, há um grau significativo de descen- por exemplo, realizou mais de 15 processos
tralização política, com autonomia das au- de consulta ao público em diferentes tópi-
toridades locais em algumas decisões para cos durante 2019 (DCMS, 2020). O Conse-
a política cultural. A ideia de estruturas nor- lho de Artes da Inglaterra tem a obrigação
mativas em um país com tal nível de descen- legal de levar em consideração a igualdade
tralização e sem constituição é diferente da em seu processo de formulação de políticas
que se tem no Brasil e nos públicas, bem como deve ser
demais países da Améri- A estratégia para capaz de demonstrar como visa
ca Latina. A estratégia do o decênio 2020- evitar a discriminação e promo-
ACE deve ser compreendi- -2030, chamada ver igualdade e diversidade para
da nesse contexto e, graças Let’s Create [Vamos pessoas que pertencem ao cha-
aos esforços keynesianos de Criar], busca orientar mado grupo de características
mais de 70 anos, ela pode o desenvolvimento, protegidas, conforme definido
ser entendida como uma a atuação e os pela Lei de Igualdade do Reino
orientação para a política financiamentos Unido (2010), o que inclui ida-
cultural do Estado inglês concedidos pelo ACE de, deficiências, redesignação
para a próxima década, em de gênero, casamento e parceria
larga medida independente das ocasionais civil, gravidez e maternidade, raça, religião
trocas de governo que possam ocorrer. ou credo, sexo e orientação sexual. O ACE, no
A estratégia para o decênio 2020-2030, entanto, deseja declaradamente ir além desse
chamada Let’s Create [Vamos Criar], busca dever legal e garantir que seu investimento
orientar o desenvolvimento, a atuação e os seja direcionado para trabalhos que reflitam
financiamentos concedidos pelo ACE. Para a diversidade da Inglaterra contemporânea.
o período 2018-2022, o plano do ACE inclui Dada a importância da estratégia na
o investimento de 407 milhões de libras por definição de subsídio público das artes para
ano (2,5 bilhões de reais, aproximadamente) toda a próxima década, o ACE encomendou
em 828 organizações culturais, museus e uma auditoria externa do processo de con-
bibliotecas que constam em seu Portfólio sulta, entregue seis meses antes da conclusão
Nacional, além de 97,3 milhões de libras para assegurar que todos os ajustes necessá-
(580 milhões de reais) anuais da Loteria rios fossem realizados. A chamada Auditoria
Nacional para o programa de financiamen- de Igualdade analisou as evidências secundá-
to de acesso aberto e 72,2 milhões de libras rias usadas para construir a estratégia, bem
214 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

como até que ponto os grupos de caracterís- podem ser considerados para financiamento.
ticas protegidas (conforme descrito acima) No documento, a cultura é entendida como o
foram efetivamente incluídos na consulta resultado do processo de criatividade, e faz
(ARTS COUNCIL ENGLAND – ACE, 2019). referência às “formas de arte e organizações
Em um relatório detalhado de 60 páginas, os nas quais o ACE investe: coleções, artes com-
auditores forneceram evidências quantitati- binadas, dança, bibliotecas, literatura, mu-
vas da natureza representativa do processo seus, música, teatro e artes visuais” (ACE,
de consulta, concluindo que a estratégia foi 2020, p. 12, tradução própria).
construída por uma ampla gama de vozes, Nicholas Serota (presidente do ACE)
incluindo indivíduos e organizações, que apresenta a estratégia citando a obra de Je-
garantiriam sua relevância para pessoas de remy Deller (artista vencedor do Turner4) e
todos os contextos econômicos e sociais. Rufus Norris (diretor do National Theatre)
Além disso, a auditoria fez várias recomen- criada para marcar o centenário da Primei-
dações importantes de ajustes para a fase fi- ra Guerra Mundial. Ocorrendo em todo o
nal da consulta, como o desenvolvimento de território britânico, We Are Here Because
um plano de ação para tratar de questões de We Are Here (2018) envolveu centenas de
igualdade durante o período de vigor da es- voluntários de todas as idades e profissões,
tratégia, e solicitou que o ACE desse atenção treinados em segredo para sair às ruas usan-
a como abordaria casos de discriminação, se do os uniformes dos soldados que morreram
ocorressem, bem como pensasse em como a cem anos antes, no primeiro dia da Batalha
igualdade de oportunidades poderia ser dis- do Somme. Serota a considera uma “obra de
seminada no setor cultural. arte pública monumental” que, em sua escala
O processo consultivo de construção da e ambição, indica o que a cultura pode fazer
estratégia ouviu mais de 6 mil pessoas en- na vida das pessoas:
tre 2017 e 2019, em conversas, workshops
e consultas on-line (ACE, 2020a). O ACE A ousadia de sua visão e a trajetória dos es-
empenhou-se em garantir que a consulta paços públicos para as mídias sociais; a cria-
incluísse não apenas aqueles que produzem tividade coletiva de todos os participantes;
arte, como profissionais e organizações cul- as parcerias, locais e nacionais, que deram
turais, mas também aqueles cujos impostos vida à peça; e, talvez o mais importante de
serão gastos no subsídio à cultura na próxima tudo, a dissolução de barreiras entre artistas
década, instituindo um processo de oficinas e o público com quem eles interagem: esses
públicas com membros do público em geral, são os elementos que nossa nova estratégia
incluindo crianças e jovens. Já no início do apoia (ACE, 2020, p. 2, tradução própria).
processo, o ACE alterou a linguagem que
utilizava, substituindo “artes” e “artistas” Embora Keynes tenha sido cauteloso sobre
por “cultura”, “criatividade” e “profissionais como o Estado deveria patrocinar as artes,
criativos”, aproximando-se das indústrias insistindo que se mantivesse comedido e a
criativas e diversificando os projetos que distância, ele certamente compartilhava a
PLANOS DE CULTURA Paul Heritage e Mariana Steffen 215

visão de Serota em relação à aspiração e am- a maneira como o ACE defende o valor do
bição por uma infraestrutura cultural finan- investimento do dinheiro público na cultura
ciada pelo Estado para garantir o surgimento como sendo enraizado na relação entre o so-
de novos trabalhos em formatos e lugares cial e o econômico, marcando uma mudança
inesperados, a partir do acesso universal a sísmica dos argumentos sobre o quanto as in-
artes tradicionais e contemporâneas de qua- dústrias artística e cultural contribuem para
lidade. A nova estratégia do ACE reflete, sem a economia do Reino Unido. Há, ainda, uma
dúvida, a visão de Keynes de que o objetivo preocupação com o posicionamento interna-
de um governo não deve se limitar a prover cional da Inglaterra como referência no setor
“abrigo e conforto para nos cobrir quando criativo e cultural, considerando os novos
estamos dormindo” se não puder também termos da relação com a Europa pós-Brexit
oferecer um “local conveniente de congre- e o papel crescente que terá o ACE na inter-
gação e prazer quando estamos acordados” nacionalização dos profissionais criativos.
(KEYNES, 2015, p. 132, tradução própria). Quanto à operacionalização da estra-
Com o documento, o ACE reforça seu tégia, o conselho indica algumas diretrizes
papel de agência de desen- que orientarão sua atua-
volvimento para a cultura A estratégia propõe que ção, embora não apresente
e a criatividade, reconhe- o ACE torne possível aos planos e metas detalha-
cendo sua importância na indivíduos explorar sua dos. Promover pesquisa e
interligação entre público, própria criatividade e desenvolvimento, apoiar
organizações financiadas aproveitar experiências a adoção de novas tecno-
e indústrias criativas em culturais de alta qualidade logias e incentivar novas
torno da cultura e da criati- maneiras de promover
vidade. Destacam-se, no decorrer da estra- responsabilidade ambiental são algumas
tégia, a valorização do papel das parcerias, das principais ações propostas. No campo
sobretudo com autoridades políticas locais e econômico, pretende atuar sobre a falta de
instituições de ensino superior, e a intenção diversidade da força de trabalho nas indús-
de expandi-las e diversificá-las; o forte foco trias criativas, no que toca a características
em crianças e adolescentes, materializado como gênero, deficiências físicas, surdez e
através da parceria com o Departamento de perfil étnico-social, bem como ao contexto
Educação; e o investimento no reconheci- socioeconômico de origem dos trabalhado-
mento do valor socioeconômico do investi- res. Ainda, propõe-se a investir em novos
mento público em cultura. Essa não é uma prédios culturais para promover regeneração
estratégia projetada para obter retornos econômica local.
financeiros predeterminados para o inves- O núcleo da estratégia apresenta resul-
timento público. Não se trata de objetivos, tados esperados e princípios de investimen-
mas de melhorar as táticas de como o jogo to que deverão ser seguidos para atingi-los.
pode ser jogado ou talvez até de mudar o Com os primeiros, o conselho busca agir
campo de jogo. A estratégia visa melhorar sobre padrões desiguais de financiamento
216 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

históricos no campo cultural, com aqueles anualmente durante o próximo ciclo de fi-
que tradicionalmente obtêm menos acesso nanciamento de quatro anos (com início em
aos recursos disponibilizados, como mino- 2022, mas atrasado para 2023 por causa do
rias e camadas econômica e socialmente des- coronavírus). Como em cada ciclo anterior,
favorecidas da sociedade (ACE, 2020b, p. 26). a seleção das organizações do Portfólio Na-
Os três resultados propostos se referem a: i) cional será realizada pelo próprio Conselho
desenvolvimento e expressão da atividade de Artes, que atualmente consiste em mais
criativa voluntária e amadora; ii) abordagem de 500 pessoas trabalhando em 9 escritórios
colaborativa da cultura, aproximando prati- em toda a Inglaterra. Muitas delas trabalha-
cantes culturais amadores e profissionais; e ram nas artes ou na cultura, outras têm expe-
iii) fortalecimento do setor cultural profis- riência em finanças, tecnologias digitais ou
sional, tornando-o mais inovador e consoli- outras áreas. O objetivo é que o Conselho de
dando-o como referência internacional. Em Artes represente as comunidades, organiza-
resumo, a estratégia propõe que o ACE torne ções e indivíduos com os quais trabalha e fi-
possível aos indivíduos explorar sua própria nancia. Os funcionários são nomeados pelos
criatividade e aproveitar experiências cultu- processos abertos usuais para organizações
rais de alta qualidade. públicas, o que significa prestar atenção es-
Já os princípios de investimento bus- pecial no grupo de características protegidas
cam orientar as mudanças necessárias nas (veja acima).
organizações e indivíduos para atingir os re- O princípio que Keynes estabeleceu
sultados propostos, com intenção de alterar em 1946 permanece fiel ao Conselho de
o perfil dos indivíduos e organizações finan- Artes hoje: existe um conflito entre os polí-
ciados pelo ACE até 2030. Os quatro princí- ticos que decidem sobre o nível de investi-
pios determinados traduzem a consciência mento público nas artes e os responsáveis​​
de que os recursos distribuídos são públicos pela distribuição do financiamento. A es-
e, portanto, devem ser aplicados de forma a tratégia estabelece quais serão as medidas
gerar experiências culturais de qualidade e pelas quais a qualidade será avaliada, tan-
sincronizadas aos ideais democráticos da so- to para quem busca financiamento quanto
ciedade inglesa. São eles: i) ambição e quali- para quem presta contas sobre os recursos
dade, comprometendo-se com a entrega de que recebeu. Solicita-se às organizações
experiências culturais cada vez melhores; ii) artísticas que indiquem as medidas pelas
dinamismo, para responder aos desafios da quais essa qualidade deve ser julgada, e a
próxima década; iii) responsabilidade am- equipe do Conselho de Artes avaliará a re-
biental; e iv) inclusão e relevância, refletindo levância dessas medidas e o sucesso de cada
a diversidade da Inglaterra. organização em alcançar os resultados em
Esses serão os princípios por meio dos relação ao que propõe a estratégia. Esta é,
quais as organizações financiadas regular- talvez, mais bem entendida como parte de
mente pelo ACE, que compõem o Portfólio um debate contínuo e em constante mudan-
Nacional, serão selecionadas e avaliadas ça sobre o que a Inglaterra entende como
PLANOS DE CULTURA Paul Heritage e Mariana Steffen 217

qualidade artística. Como John Keats disse um manual de instruções. O que estabelece-
ao tentar avaliar os feitos de Shakespeare, mos não é um plano de ação, mas uma visão”
a qualidade nas artes pode ser mais bem (ACE, 2020b, p. 60). Há pouca ou nenhuma
expressa como “uncertainties, mysteries, ação concreta proposta na estratégia e, às
doubts, without any irritable reaching after vezes, o que parecem ambições contradi-
fact and reason” (KEATS, 1889, p. 277) – ou, tórias são mantidas juntas em uma harmo-
na tradução possível: “incertezas, mistérios, nia impossível. Promessas são igualmente
dúvidas, sem a necessidade frustrada de al- feitas para nutrir novos talentos e apoiar
cançar os fatos e a razão”. aqueles “que já estão no topo de seu jogo”,
sem oferecer orientação sobre o que precisa
Considerações finais: estratégias, começar ou terminar.
promessas e aprendizados Outro ponto ignorado pelo documento
Formular planos estratégicos não é uma no- é a queda brusca no financiamento das au-
vidade para Serota. Quando nomeado diretor toridades locais. Ao apresentar uma visão
da Tate Gallery, em 1988, destacou-se por seu das instituições culturais centradas no nível
plano intitulado Agarrando a local em todo o país, a estra-
Urtiga, que defendia mudan- Para que a estratégia tégia não oferece nenhuma
ças fundamentais na relação de dez anos do ACE pista sobre como os modelos
da galeria com o público se seja bem-sucedida, “ela de financiamento público
essa desejava se tornar ama- precisa ser flexível […] responderão a uma década
da, e não apenas respeitada. uma luz orientadora, de devastação causada pela
Doze anos depois, Serota em vez de um manual política de austeridade bri-
abriu o Tate Modern na anti- de instruções” tânica. Os comentários do
ga usina de Bankside, tornan- setor cultural, de modo geral,
do-a um componente definitivo do horizonte elogiaram as ideias que estão na vanguarda
de Londres da noite para o dia. Quando Se- da estratégia (maior colaboração com os
rota assumiu a presidência do Conselho de setores amador e comercial; uma força de
Artes da Inglaterra, o Tate Modern havia se trabalho mais diversa; arranjos de finan-
tornado o museu/galeria mais popular do ciamento mais flexíveis; foco em iniciativas
Reino Unido, com mais de 5 milhões de visi- culturais locais), mas lamentaram a falta de
tantes por ano. Serota conhece o poder de um detalhes sobre como isso será alcançado Essa
plano estratégico, e a importância de enten- não é uma estratégia militar que estabelece
der, e não evitar, os problemas espinhosos. um plano de ação para vencer a guerra, mas
Uma estratégia é geralmente enten- serviu ao que talvez fosse seu objetivo: reu-
dida como um plano de ação, mas Darren nir as tropas para violar as barricadas que
Henly, diretor-executivo do ACE, esclare- atualmente impedem as artes de cumprir seu
ce que, para que a estratégia de dez anos do verdadeiro potencial.
ACE seja bem-sucedida, “ela precisa ser Keynes nos pediu para não pensarmos
flexível […] uma luz orientadora, em vez de no Conselho de Artes como um professor:
218 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

“à medida em que instruímos, é um novo jogo nossas sociedades mais fortes e nossos cida-
que estamos ensinando a jogar – e a assistir” dãos mais saudáveis? Nosso foco agora deve
(MOGGRIDGE, 1974, p. 46). Essa tradição é ser garantir que as artes sejam adequadas ao
mantida na estratégia 2020-2030 do ACE, objetivo, enquanto buscamos nos recuperar
na qual a comunidade cultural britânica tem de tudo o que esse vírus revelou sobre a fra-
que inventar as regras para si mesma, pois gilidade do nosso mundo.
colaborou na criação de um plano de jogo
que envolve os corações e as cabeças de uma
nação para resolver os desafios que enfrenta
como sociedade hoje.
Post-scriptum: no momento em que en-
viamos este artigo aos editores, surge uma
nova forma de guerra global para combater a
força de um vírus. De Wahun a Washington,
da Itália ao Irã, a pandemia de coronavírus
atinge governos, devasta indústrias e destrói
o tecido familiar da sociedade. Até agora, o
setor de arte e cultura foi apenas mais uma
vítima do ataque, como ocorreu na Grã-Bre-
tanha nos primeiros anos da Segunda Guerra
Mundial. Naquela época – como agora –, tea-
tros, cinemas e museus foram fechados por
causa dos perigos das aglomerações públicas.
Embora não fossem pensadas como um setor
industrial na época, as indústrias criativas Paul Heritage
estavam sendo gradualmente reduzidas a es- Professor de teatro da Queen Mary Univer-
combros por bombardeios, assim como agora sity of London e diretor artístico da People’s Palace
estão sendo levadas à beira da aniquilação Projects. Atua em projetos de pesquisa aplicada
pelo impacto da covid-19. De uma paisagem em artes e cultura entre o Brasil e o Reino Unido
devastada um plano surgiu na Grã-Bretanha há mais de 20 anos, trabalhando com artistas e
em 1942 para repensar o próprio propósito a profissionais criativos de periferias e comunidades
que a arte pode servir em tempos de guerra. indígenas, entre outros.
Tornou-se um plano nacional quando as ar-
mas silenciaram e lançaram as bases para
a estrutura cultural da Grã-Bretanha nos Mariana Steffen
próximos 75 anos. Desafios urgentes nos Graduada em relações internacionais e mestre
encaram novamente. Podemos sair desta em políticas públicas pela Universidade Federal do
guerra contra um vírus com um plano para Rio Grande do Sul (UFRGS). Atua como pesquisa-
os setores das artes e da cultura que tornará dora-assistente na People’s Palace Projects.
PLANOS DE CULTURA Paul Heritage e Mariana Steffen 219

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220 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

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aaecb443/9b72/426b/8046/78ca43978c64.pdf. Acesso em: 19 abr. 2020.

Notas

1 Círculo de artistas e intelectuais formado por nomes como Keynes e Virginia


Woolf, envolvido ativa e diretamente na discussão acerca da política cultural
britânica (UPCHURCH, 2004).

2 Esses órgãos são caracterizados por possuírem um papel no governo nacional


sem fazer parte dele, com possibilidade de atuação mais próxima ou mais
distante do corpo ministerial (UNITED KINGDOM, 2018). No caso do ACE, está
relacionado principalmente à execução de políticas públicas, semelhantes a
agências executoras no Brasil, como a Apex-Brasil. Ficaram popularmente
conhecidos pelo nome de Quango, abreviação para organização não
governamental quase autônoma (MELO, 2011).

3 Sobre o tema, ver Garnham (2005).

4 Prêmio anualmente conferido a artistas britânicos das artes visuais com menos
de 50 anos de idade.
PLANOS DE CULTURA Paul Heritage e Mariana Steffen 221
222 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

PLANOS NACIONAIS DE CULTURA


DOS PAÍSES DO BRICS: UMA
POSSÍVEL ANÁLISE COMPARATIVA
Bruno do Vale Novais

Publicações sobre políticas culturais dos países do Brics, de modo comparado, são raras e es-
tão em seus primórdios. A fim de contribuir para esse processo embrionário de investigações
acadêmicas sobre o campo cultural intra-Brics, este trabalho intentou analisar documentos
similares relativos a planos nacionais de cultura ou de artes do Brasil, da Rússia, da Índia,
da China e da África do Sul no intervalo temporal de 2010 a 2020. Objetivou-se, assim, iden-
tificar e compreender similitudes e particularidades desses instrumentos de planejamento
estratégico de gestão e políticas culturais dos países do agrupamento em tela.

Palavras iniciais

E
m 2019, publiquei um artigo na para a construção de políticas culturais en-
Políticas Culturais em Revista1 in- tre os países do Brics. Além disso, há campo
titulado: “Políticas culturais dos cultural em desenvolvimento em cada país
países do Brics no período de 2003 a 2018: do agrupamento, com similitudes, como a
uma análise comparativa”. Esse trabalho é arquitetura de dados, informações, esta-
inaugural no que se refere a estudos espe- tísticas e indicadores culturais; legislações
cíficos sobre políticas culturais compara- de políticas culturais nacionais; e financia-
das entre os países que formam o Brics. O mento público da cultura, o que oportuniza
objetivo foi oferecer primórdios de indica- possibilidade de intercâmbio cultural entre
dores culturais intra-Brics e conhecer se- os membros do Brics.
melhanças e especificidades de cada país Ao receber o convite para escrever sobre
no que tange ao desenvolvimento de suas o processo de construção de planos nacionais
políticas culturais. Nesse texto, compreendi de cultura ou de artes dos países que formam
que a cultura não ocupa lugar prioritário no o acrônimo Brics para esta edição da Revista
rol de atuação do bloco. Mas a existência do Observatório Itaú Cultural, dar-se-á continui-
Plano de Ação para a Cultura do Brics para dade ao que foi iniciado na publicação previa-
o Período de 2017 a 2021 é trabalho inicial mente mencionada. É, portanto, para mim, um
PLANOS DE CULTURA Bruno do Vale Novais 223

desafio fazer uma análise comparativa em re- século XXI, a fim de compreender melhor o
lação a fatores que incidem sobre o processo espaço que a cultura ocupa na agenda do gru-
de construção e aplicação de planos nacionais po e como esse lugar dialoga com as políticas
de cultura ou artes em países geograficamente, culturais de cada país do acrônimo.
economicamente, culturalmente e politica-
mente distintos, como são Brasil, Rússia, Ín- O Brics na contemporaneidade:
dia, China e África do Sul, pela diferença na brevíssimo panorama
qual a gestão da política cultural de cada país Em 2019, o Brasil foi anfitrião da XI Cúpula
é desenvolvida, bem como pela baixa dispo- do Brics. Desde 2008, os Brics se encontram
nibilidade de publicações em língua inglesa anualmente, com exceção da África do Sul,
relativas ao trabalho das políticas culturais que adentrou no agrupamento em 2011. São
desses países. Ao mesmo tempo, o fato de os mais de 30 áreas de cooperação entre os paí-
cinco estarem situados no que os especialis- ses que formam o Brics, com destaque para:
tas das relações internacionais advogam por econômico-financeira; saúde; ciência, tecno-
“Sul Global” ajuda a mantê-los em um geoes- logia e inovação; segurança e empresarial. Em
paço cultural compartilhado – o que favorece 2014, na cúpula realizada em Fortaleza, foram
a relevância pela produção de novos estudos lançados dois projetos que destacaram o Brics
e pesquisas. nas relações internacionais: o Novo Banco de
O artigo foi então escrito a partir de al- Desenvolvimento (NDB) e o Arranjo Contin-
gumas perguntas referentes ao processo de gente de Reservas (ACR). O objetivo do banco
construção dos planos nacionais de cultura é ser instância de articulação de recursos para
ou artes dos países que formam o Brics. São investimentos nos setores de infraestrutura
elas: (a) houve participação da sociedade e desenvolvimento sustentável, tanto para os
civil no processo de elaboração? Em caso países do Brics quanto para outras economias
positivo, de que forma ocorreu esse envolvi- emergentes. O arranjo, por sua vez, é um me-
mento social? (b) Quais foram as diretrizes, canismo macroeconômico de cooperação fi-
os eixos estratégicos, os objetivos principais nanceira para os países do Brics em possíveis
e as metas? (c) O plano em análise dialoga crises de balanço de pagamentos.
com a realidade e as demandas do setor cul- Nessa última cúpula, o Brics teve por
tural do país? (d) Quais são as interfaces do foco a interface entre crescimento econô-
plano com as políticas públicas dos demais mico e inovação. Ademais, priorizou-se: (a)
setores estratégicos do país? (e) Há institu- fortalecer a cooperação em ciência, tecno-
cionalização do plano? Como ele foi criado? logia e inovação; (b) reforçar a cooperação
(f ) Qual é a periodicidade/duração prevista? em economia digital; (c) adensar a coopera-
Antes, contudo, de apresentar possíveis ção no combate aos ilícitos transnacionais,
respostas para essas indagações, falarei de notadamente ao crime organizado, à lava-
modo breve sobre o que é, afinal, o Brics gem de dinheiro e ao tráfico de entorpecen-
e quais são suas prioridades, finalidades tes; e (d) incentivar a aproximação entre o
e perspectivas para a segunda década do banco do Brics e o conselho empresarial do
224 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

agrupamento (MINISTÉRIO DAS RELA- A principal constatação é que os demais


ÇÕES EXTERIORES DO BRASIL, 2020). países do Brics não possuem um plano nos
Embora integrante das áreas de coope- moldes do Plano Nacional de Cultura do Bra-
ração do Brics, a cultura não é uma priori- sil.2 Ou seja: fiz um exercício de comparação
dade. No entanto, a aprovação do Acordo de entre diferentes documentos que abordam
Cooperação Cultural do Brics, em 2015, na as políticas públicas de cultura nos países
Cúpula de Ufá, na Rússia, é primórdio de pos- do Brics, buscando verificar quais elementos
sibilidade de fortalecimento da cooperação aparecem nos discursos culturais desses paí-
cultural entre os membros do agrupamento ses ou quais são as principais preocupações
em tela. O mencionado acordo intenta, por estratégicas que eles apresentam. No caso
sua parte, aproximar a produção cultural da Rússia, utilizei o documento preparado
realizada pelos países do Brics, e disponibilizado pela União
especificamente, em alguns se- Embora integrante das Europeia intitulado 2013-2014
tores: (a) preservação de livros áreas de cooperação Preparatory Action “Culture in
raros; (b) funcionamento de do Brics, a cultura não the EU’s External Relations”:
bibliotecas digitais; e (c) com- é uma prioridade Country Report Russia, redigi-
partilhamento de produções do por Yolanda Smits, pelo fato
jornalísticas e realização de feiras e festivais de não conseguir um documento específico
(MINISTROS..., 2018). sobre plano de cultura produzido por esse
país em língua inglesa. Em relação à Índia,
Planos nacionais de cultura ou artes analisei o Relatório Anual do Ministério da
nos países do Brics: princípio de Cultura – 2018 e 2019. Sobre a China, estudei
análise comparativa o artigo “2011-2015: princípios da estraté-
Em termos didáticos, passei a olhar a ques- gia nacional de cultura e desenvolvimento
tão dos planos nacionais de cultura e/ou de das indústrias culturais na China”, produ-
artes dos países do Brics ou de documen- zido por Hardy Yong Xiang e publicado no
tos que se aproximam desses tipos de pla- Jornal Internacional de Cultura e Indústrias
no a partir de algumas variáveis: (a) modo Criativas em 2013, o qual relata o processo
de institucionalização; (b) periodicidade/ de construção da estratégia nacional de
duração; (c) forma de envolvimento com cultura da China e o caráter estratégico das
a sociedade; (d) direcionadores/públicos- indústrias culturais chinesas para o projeto
-alvo; (e) eixos estratégicos; (f ) objetivos; de desenvolvimento do país. No tocante à
(g) metas; (h) interface com demandas África do Sul, avaliei o Plano Anual de Tra-
culturais do país; e (i) diálogo com políticas balho 2018-2019, o qual reflete as diretrizes
públicas de setores estratégicos do país. A do Planejamento Estratégico do Departa-
partir desses tópicos, organizei um quadro mento de Artes: 2015 a 2019. Ou seja: busquei
com vistas à congregação dos dados a ser documentos mais recentes que congregaram
avaliados, o qual está disponível no anexo ações e políticas culturais pensadas e defi-
deste trabalho. nidas pelos países que formam o Brics. Isso
PLANOS DE CULTURA Bruno do Vale Novais 225

ajuda a compreender como cada país inte- em 2005, após as conferências municipais
grante do agrupamento tem pensado e inse- e estaduais (SECRETARIA ESPECIAL DA
rido políticas culturais de modo planejado e CULTURA, 2020, p. 1).
escrito em documentos de planejamento e
avaliação dessas políticas públicas, e como O Brasil possui, portanto, grau avançado de ins-
isso contribui para o processo de desenvol- titucionalização do Plano Nacional de Cultura
vimento do campo cultural em cada um dos (PNC) em relação aos demais países do Brics.
países do acrônimo. Em artigo publicado em 2008, Albino Rubim
identificou a criação do plano como instrumen-
Análise dos dados to para a implementação de políticas culturais
No que se refere ao modo de sólidas no Brasil. Em suas pa-
institucionalização, isto é, à O Brasil possui, portanto, lavras,
forma pela qual o plano na- grau avançado de
cional de cultura ou de artes institucionalização do Além deste caráter inaugural, o
(ou similar) se encontra na Plano Nacional de Cultura PNC pode dotar o país de polí-
atualidade, identificou-se (PNC) em relação aos ticas culturais de médio e longo
que apenas o Brasil afirma ter demais países do Brics prazo, enfrentando simultanea-
transformado o plano em lei. mente nossas três tristes tra-
Segundo o site específico do plano, dições no campo das políticas culturais:
ausência, autoritarismo e instabilidade. O
O Plano Nacional de Cultura (PNC) é um PNC, inscrito na carta constitucional e com
conjunto de princípios, objetivos, diretri- prazo de duração previsto para dez anos, con-
zes, estratégias, ações e metas que orientam figura, pela primeira vez, a possibilidade de
o poder público na formulação de políticas uma política de Estado na cultura, que ne-
culturais. Previsto no artigo 215 da Consti- cessariamente transcende a temporalidade
tuição Federal, o Plano foi criado pela Lei de governos. Simultaneamente, o PNC pode,
no 12.343, de 2 de dezembro de 2010. Seu deve e está sendo construído como política
objetivo é orientar o desenvolvimento de pública, porque está submetido ao crivo de
programas, projetos e ações culturais que uma discussão e deliberação públicas, que in-
garantam a valorização, o reconhecimento, corpora a participação ativa da comunidade
a promoção e a preservação da diversidade cultural e da sociedade brasileira. Portanto,
cultural existente no Brasil. O Plano Nacio- com esta conjunção o Brasil pode passar a
nal de Cultura (PNC) foi elaborado após a dispor, ao final do processo, de uma política
realização de fóruns, seminários e consul- pública de Estado, vital para o desenvolvi-
tas públicas com a sociedade civil e, a par- mento sustentável da cultura no país (RU-
tir de 2005, sob a supervisão do Conselho BIM, 2008, p. 60).
Nacional de Política Cultural (CNPC). Um
marco importante nesse processo foi a 1a Na Rússia, o instrumento político que se
Conferência Nacional de Cultura, realizada assemelha ao PNC brasileiro foi anunciado
226 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

pelo presidente Vladimir Putin à Assem- do plano, não há informações para o caso da
bleia Federal no dia 12 de dezembro de 2012 Índia, da China e da África do Sul. Em rela-
e dialoga com a estratégia nacional de defesa ção à Rússia, não houve envolvimento. Já no
e inteligência russas. É um documento vol- caso do Brasil, ocorreram fóruns, seminários
tado para o exterior, com foco na imagem e consultas públicas. O Conselho Nacional de
internacional da Rússia. Esse instrumento Política Cultural (CNPC) é o órgão colegiado
tem por objetivo geral: promover a cultura e do Sistema Nacional de Cultura (SNC) res-
língua russas em suas relações internacionais. ponsável pela supervisão da implementação
De modo específico, busca: (1) construir uma do PNC (SECRETARIA ESPECIAL DA CUL-
imagem da Rússia como um país grande e TURA, 2020).
famoso; (2) aproximar-se da diáspora russa; Sobre esses dois instrumentos de políti-
(3) disseminar o idioma russo; (4) promover cas culturais nacionais do Brasil, Paula Reis
intercâmbios acadêmico e estudantil russos; defendeu, na Universidade Federal da Bahia
(5) preservar o patrimônio cultural russo; e (UFBA), sua dissertação de mestrado. Nesse
(6) promover projetos de anos bilaterais com trabalho, a pesquisadora sinalizou que:
outros países, como o Ano do Brasil na França,
promovido pelo Brasil e pela França em 2005. Os desafios históricos, caracterizados por
No caso dos demais países do Brics – Ín- um Estado instável na formulação de políti-
dia, China e África do Sul –, os documentos cas culturais, e o reconhecimento da cultura
foram elaborados pelos órgãos nacionais res- enquanto fator de desenvolvimento humano,
ponsáveis pela aplicação das políticas culturais econômico e social, demonstram a importân-
em seus territórios pátrios – Ministério de Cul- cia de se viabilizar e concluir as propostas do
tura (Índia e China) e Departamento de Artes Sistema Nacional de Cultura e do Plano Nacio-
e Cultura (África do Sul). No caso da Índia, o nal de Cultura. Através delas, espera-se, dentre
foco do documento analisado é o patrimônio outras coisas, uma melhor aplicação de recur-
cultural, tanto o tangível quanto o intangível. sos, descentralização política e administrativa,
Os programas, os equipamentos culturais e o estabelecimento de parcerias entre esferas
a estrutura organizacional do Ministério da de governo e setores sociais, o planejamento de
Cultura justificam esse argumento, conforme ações culturais em todos os níveis federativos
está expresso na publicação em análise (MI- e a diminuição das desigualdades observadas
NISTÉRIO DA CULTURA DA ÍNDIA, 2019). no país (REIS, 2008, p. 107).
O plano do Brasil é o que prevê maior pe-
riodicidade/duração: dez anos. A Rússia tem Com a nova gestão da União a partir de 2019
um plano para seis anos; a China, para quatro; e posterior extinção do Ministério da Cultura
e a Índia e a África do Sul, para cinco anos, e sua transformação em uma secretaria es-
embora este trabalho tenha analisado apenas pecial integrante do Ministério da Cidadania
o planejamento do último biênio no tocante à e, em novembro de 2019, nova transferência
África do Sul. No que se refere à forma de en- para o Ministério do Turismo, pesquisadores
volvimento da sociedade civil com a elaboração das políticas culturais temem que o processo
PLANOS DE CULTURA Bruno do Vale Novais 227

de construção do SNC e do PNC seja, paula- estratégicas: (a) cultura como expressão sim-
tinamente, reduzido, o que pode enfraquecer bólica; (b) cultura como direito de cidadania;
o campo das políticas culturais no Brasil, as e (c) cultura como potencial para o desenvol-
quais já são acometidas por três tristes tra- vimento econômico. A Índia também definiu
dições, sinalizadas pelo professor da UFBA três eixos: (a) patrimônio cultural tangível;
Albino Rubim: ausência, autoritarismo e ins- (b) patrimônio cultural imaterial; e (c) patri-
tabilidade (RUBIM, 2007, p. 101). mônio cognitivo. A Rússia direcionou seus ei-
O fator direcionadores/público-alvo xos de atuação para seis áreas temáticas: (a)
apresentou o seguinte quadro: o Brasil desti- construção de imagem; (b) divulgação para a
nou o plano para o poder público, já que com- comunidade da diáspora russa; (c) divulgação
preende o PNC como uma política pública do idioma russo; (d) intercâmbio internacio-
fruto da construção coparticipativa entre nal acadêmico e estudantil; (e) esquema de
governo e sociedade. O plano da Rússia obje- anos bilaterais ou estações de cultura com
tivou comunicar-se com cidadãos russos no países estrangeiros; e (f ) preservação do pa-
exterior. A Índia e a África trimônio cultural. A África
do Sul buscaram atingir O plano da Rússia objetivou do Sul definiu a promoção
públicos mais diversifi- comunicar-se com cidadãos e desenvolvimento das ar-
cados. A Índia direcionou russos no exterior. A Índia e a tes e cultura e a promoção
seu plano para artistas África do Sul buscaram atingir e preservação do patrimô-
individuais, grupos de ar- públicos mais diversificados. nio como finalidades. Em
tistas, organizações e ins- A Índia direcionou seu plano termos de similitudes, per-
titutos; a África do Sul, por para artistas individuais, grupos cebe-se que Índia, Rússia e
sua parte, para artistas, de artistas, organizações e África do Sul escolheram a
comunidades marginali- institutos; a África do Sul, área temática do patrimô-
zadas, áreas rurais, jovens, por sua parte, para artistas, nio no rol de seus eixos de
mulheres e pessoas com comunidades marginalizadas, atuação. Em termos par-
deficiência. É positiva, áreas rurais, jovens, mulheres ticulares, há ênfase nas
portanto, a diversidade e pessoas com deficiência indústrias culturais por
de públicos objetivados parte da China. No caso
por esses documentos, o que está em conso- do Brasil, os eixos são mais complexos e têm
nância com a Convenção sobre a Proteção perspectiva macro ao abarcar três dimensões
e Promoção da Diversidade das Expressões previamente mencionadas com vistas à con-
Culturais, articulada pela Organização das templação das demandas do campo cultural
Nações Unidas para a Educação, a Ciência nacional brasileiro em todas as regiões.
e a Cultura (Unesco) e em vigor desde 2005. Os objetivos estão em consonância com
Os eixos estratégicos diferiram entre os os eixos apresentados no parágrafo anterior.
países que formam o Brics. A China definiu as No caso do Brasil, orientar o poder público
indústrias culturais como prioridade. O Brasil na formulação de políticas culturais. Além
categorizou três dimensões da cultura como disso, guiar o desenvolvimento de programas,
228 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

projetos e ações culturais que garantam a va- conjuntas, participativas e duradouras. Ele
lorização, o reconhecimento, a promoção e a contará com recursos do Fundo Nacional de
preservação da diversidade cultural existen- Cultura que serão repassados a fundos mu-
te no país. Já a Rússia objetivou promover nicipais e estaduais. Também serão desen-
a cultura e a língua russas em suas relações volvidas políticas para fortalecer a relação
internacionais; a Índia, preservar e conservar entre a cultura e áreas como a educação, a
o patrimônio cultural tradicional indiano e comunicação social, o meio ambiente, o tu-
promover a arte e cultura tangível e intangível rismo, a ciência e tecnologia e o esporte. As
indiana; a África do Sul, por fim, promover e metas refletem uma concepção de cultura
desenvolver as artes e cultura sul-africanas, que tem norteado as políticas, os progra-
bem como preservar o seu patrimônio cultural. mas, as ações e os projetos desenvolvidos
Em relação às metas, Rússia e Índia não pelo Ministério da Cultura (MinC). Essa
as especificaram. A China apresentou dez e concepção compreende uma perspectiva
a África do Sul três. O Brasil tem 53 metas ampliada da cultura, na qual se articulam
definidas no PNC.3 Em 2013, o Instituto de três dimensões: a simbólica, a cidadã e a
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vin- econômica (IPEA, 2013, p. 15).
culado ao Ministério da Economia, publicou
um texto sobre as metas do Plano Nacional Todos os documentos analisados dos cinco
de Cultura do Brasil. Esse material é bastante países que formam o Brics dialogaram com a
didático e traz, além da apresentação deta- realidade e demandas do setor cultural de seus
lhada de cada meta, os passos necessários territórios nacionais, bem como com políticas
para a eficiente e eficaz implementação do públicas dos demais setores estratégicos. No en-
PNC no país. Esse documento apresenta tanto, só existem políticas culturais realmente
perspectivas que deveriam ser alcançadas públicas em regimes verdadeiramente demo-
até o último ano de vigência do PNC: cráticos. É complexo analisar de modo compa-
rado políticas culturais entre os países do Brics,
Imaginar o cenário da Cultura em 2020 cujos contextos políticos internos diferem. A
é pensar que até lá o povo brasileiro terá própria noção e a forma de desenvolvimento
maior acesso à cultura e que o país respon- e concretização do que compreendemos – no
derá criativamente aos desafios da cultura Ocidente – por democracia diferem entre os
de nosso tempo. A expressão dessas mudan- países que formam o Brics. Não nos cabe, ade-
ças será visível na realização das 53 metas mais, realizar julgamento de valor a respeito do
do Plano Nacional de Cultura. Até 2020, as modo pelo qual cada país do acrônimo organiza
políticas culturais terão passado por diver- seu sistema político doméstico. Interferiria na
sas transformações, a começar pelo pleno forma de análise comparativa dos documentos,
funcionamento de um novo modelo de ges- já que o objetivo de utilizar esse instrumento
tão, o Sistema Nacional de Cultura. Esse sis- como fortalecimento da cidadania cultural é
tema possibilitará a estados, Distrito Federal frágil. Isso se justifica pelas limitações apre-
e cidades, a promoção de políticas públicas sentadas neste texto.
PLANOS DE CULTURA Bruno do Vale Novais 229

Palavras finais: à guisa de conclusão Ou seja: é preciso fortalecer a presen-


A observância de planos nacionais de cul- ça de pesquisadores, produtores culturais,
tura dos países do Brics permite constatar gestores culturais, artistas, empresários
a necessidade de o campo cultural articular culturais, instituições culturais públicas e
maior diálogo e intercâmbio de políticas privadas e demais agentes do campo cultural
culturais entre si, pois há setores culturais do Brasil, da Rússia, da Índia, da China e da
prioritários em cada documento dos países África do Sul nas instâncias de debate e troca
aqui analisados que podem servir de objeto de informações culturais do Brics, bem como
de intercâmbio de experiências de políti- aplicar de maneira sólida os objetivos e as
cas culturais, como o patrimônio cultural, metas do acordo de cooperação cultural do
tanto material quanto imaterial. Na atual agrupamento. Por meio do diálogo será pos-
conjuntura das relações internacionais, o sível, portanto, experienciar uma agenda de
Brics possui peso importante no cenário cooperação da esfera da cultura intra-Brics
global. Embora imersos em contextos do- de maneira eficaz. Assim, de modo concreto,
mésticos distintos, é possível compartilhar gradualmente há chances de aperfeiçoar o
práticas exitosas de políticas culturais, já desenvolvimento de políticas culturais em
que todos os países que formam o bloco cada país do agrupamento, bem como vi-
têm pretendido inserir políticas cultu- venciar experiências compartilhadas entre
rais – expressas em seus planos aqui es- Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul
tudados – condizentes com os principais no que se refere às suas políticas culturais
instrumentos internacionais norteadores da contemporaneidade.
de políticas públicas de cultura, como a
mencionada convenção da Unesco sobre
a diversidade cultural.
Este artigo não almejou caráter rigoroso
no que concerne à escolha dos planos nacio- Bruno do Vale Novais
nais de cultura para estudo comparado. Ao Doutorando e mestre em cultura e sociedade
contrário, intentou-se avaliar documentos no Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em
que, escritos e disponíveis em língua inglesa, Cultura e Sociedade (Pós-Cultura), no Instituto de
pudessem servir de amostra da forma pela Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton
qual cada país do Brics tem planejado sua Santos, da Universidade Federal da Bahia (IHAC/
política cultural, ao menos no interregno de UFBA), com estudos para produção de tese sobre
dois anos consecutivos. É, portanto, desafio dilemas da diplomacia cultural do Brasil na contem-
para os países que constituem esse acrônimo poraneidade, sob a orientação do professor doutor
fortalecer o diálogo sobre práticas e planeja- Antonio Albino Canelas Rubim. É pesquisador no
mento de suas políticas culturais, haja vista Grupo de Pesquisa Observatório de Políticas e Ges-
que a agenda de cooperação econômico-fi- tão Culturais, coordenado por Rubim, no Centro
nanceira tem ocupado lugar de destaque nas de Estudos Multidisciplinares em Cultura (Cult) da
reuniões de trabalho e de cúpula. UFBA. É bacharel em comunicação pela UFBA.
230 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

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PLANOS DE CULTURA Bruno do Vale Novais 231

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book/9783642381560.

Notas

1 Texto disponível em: https://portalseer.ufba.br/index.php/pculturais/article/


view/29646/19444. Acesso em: 13 jan. 2020.

2 Talvez no caso da África do Sul exista um documento cuja leitura possa ser
feita como um plano nacional de cultura. Esse instrumento é resultado da
estruturação das políticas públicas sul-africanas a partir de 1994, com o
advento do regime democrático. Assim, foram construídos documentos oficiais,
nomeados por White Papers. No campo da cultura, o primeiro documento é
de 1996, e sua terceira revisão ocorreu em 2017, alinhada às ações do National
Development Plan, disponível em: https://www.gov.za/sites/default/files/gcis_
document/201706/revised-3rd-draft-rwp-ach-february-2017.pdf. Acesso em:
19 abr. 2020.

3 As metas do Plano Nacional de Cultura do Brasil estão disponíveis em: http://


www.ipea.gov.br/participacao/images/pdfs/conferencias/IIICNCultura/metas-
do-plano-nacional-de-cultura.pdf. Acesso em: 19 abr. 2020.
232 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Anexo
QUADRO 1 – ELEMENTOS DE ANÁLISE COMPARATIVA
DOS DOCUMENTOS DE PLANEJAMENTO DE CULTURA
DOS PAÍSES DO BRICS NO INTERREGNO 2010-2020

TÓPICOS BRASIL RÚSSIA

Modo de institucionalização Instituído pela Lei nº 12.343/2010 Anunciado pelo presidente Vladimir
Putin para a Assembleia Federal
no dia 12 de dezembro de 2012

Periodicidade/duração 10 anos 6 anos

Forma de envolvimento Fóruns, seminários e Não houve


da sociedade civil com a consultas públicas
elaboração do plano

Direcionadores/públicos do plano Poder público e sociedade civil Cidadãos russos no exterior

Eixos estratégicos do plano 1. Cultura como expressão simbólica; 1. Construção de imagem; 2.


2. cultura como direito de cidadania; divulgação para a comunidade
e 3. cultura como potencial para o da diáspora russa; 3. divulgação
desenvolvimento econômico do idioma russo; 4. intercâmbio
internacional acadêmico e estudantil;
5) esquema de “anos” bilaterais ou
“estações” de cultura com países
estrangeiros; e 6) preservação do
patrimônio cultural

Objetivos principais do plano 1. Orientar o poder público na Promover a cultura e a língua russas
formulação de políticas culturais; em suas relações internacionais
e 2. orientar o desenvolvimento
de programas, projetos e ações
culturais que garantam a valorização,
o reconhecimento, a promoção e a
preservação da diversidade cultural
existente no Brasil

Metas do plano 53 metas Não especificadas

Há diálogo do plano com a realidade Sim Sim


e demandas do setor cultural do país

Há diálogo do plano com as Sim Sim


políticas públicas dos demais
setores estratégicos

Fonte: elaborado pelo autor.


PLANOS DE CULTURA Bruno do Vale Novais 233

ÍNDIA CHINA ÁFRICA DO SUL

Desenvolvido pelo Ministério Desenvolvido pelo Ministério Desenvolvido pelo Departamento


da Cultura da Índia da Cultura da China de Artes e Cultura da África do Sul

2 anos 5 anos 5 anos

Não informado Não informado Não informado

Artistas individuais, grupos de Agentes das indústrias culturais Artistas, comunidades


artistas, organizações, institutos marginalizadas, áreas rurais, jovens,
mulheres, pessoas com deficiência

1. Patrimônio cultural tangível; Indústrias culturais 1. Promoção e desenvolvimento


2. patrimônio cultural imaterial; e das artes e cultura; 2. promoção
3. patrimônio cognitivo e preservação do patrimônio

Preservação e conservação do Desenvolver as indústrias 1. Promover e desenvolver as artes


patrimônio cultural tradicional culturais chinesas e cultura sul-africanas; e 2. promover
indiano e promoção da arte e cultura e preservar o patrimônio sul-africano
tangíveis e intangíveis indianas

Não especificadas 10 metas 3 metas

Sim Sim Sim

Sim Sim Sim


234 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL
PLANOS DE CULTURA Bruno do Vale Novais 235
236 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

4. A ESCUTA DO
PODER PÚBLICO

237. ENTREVISTA COM


MARIO FRIAS, EDUARDO GOMES
E JANDIRA FEGHALI
Claudinéli Moreira Ramos
A ESCUTA DO PODER PÚBLICO 237

PLANO NACIONAL
DE CULTURA: ANÁLISES
E PERSPECTIVAS
Entrevistas: deputada federal Jandira Feghali (Câmara dos Deputados do Brasil),
senador Eduardo Gomes (Senado Federal) e secretário especial da Cultura
Mario Frias (Ministério do Turismo)

A
s entrevistas a seguir apresentam mais um elemento decisivo para
a construção do Plano Nacional de Cultura (PNC): a escuta do po-
der público institucionalizado. Inicialmente, a deputada federal
Jandira Feghali (PCdoB/RJ) e o senador Eduardo Gomes (MDB/TO), na
condição de representantes governamentais em exercício no Poder Legisla-
tivo, apresentam suas visões e análises do PNC 2010-2020 e as expectativas
para um novo plano nacional. Em seguida, investido da autoridade para o
tratamento desse tema pelo Poder Executivo, o secretário especial da Cultura
do Ministério do Turismo, Mario Frias, traz seu entendimento do assunto e
indica os próximos passos previstos pelo governo federal. Eduardo Gomes e
Mario Frias apresentaram suas respostas às nossas questões por escrito, em
5 de outubro e 5 de novembro de 2020, respectivamente, e Jandira Feghali
abordou a pauta em uma entrevista a distância, por videochamada, em 8 de
outubro de 2020.
238 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Jandira Feghali | ilustração: André Toma


A ESCUTA DO PODER PÚBLICO  239

Os parlamentares Jandira Feghali (PCdoB/RJ) e Eduardo Gomes (MDB/TO)


falam sobre o Plano Nacional de Cultura

O/A SENHOR/A CONHECE EM DETALHES O gestora. Fizemos a 1a Conferência Municipal


PROCESSO DE CONSTRUÇÃO E IMPLEMEN- de Cultura do Rio, com muitas pré-conferên-
TAÇÃO DO PLANO NACIONAL DE CULTURA? cias por linguagens, por bairros... Assim, reu-
QUAL É A SUA OPINIÃO A RESPEITO? O BRASIL nimos um conjunto de proposições e linhas
PRECISA DELE? de trabalho nas dimensões social, simbólica,
Jandira Feghali: A construção do Plano econômica e cidadã, e, a partir do eixo Cul-
Nacional de Cultura foi um processo muito tura: Direito à Cidade, apresentamos nossa
importante, que partiu das cidades e da di- contribuição para o PNC.
versidade brasileira, com diretrizes muito É muito importante ter um plano na-
diversas. O ex-ministro Gil- cionalmente construído e
berto Gil fez uma revolução É muito importante ter coordenado, para permitir
conceitual na gestão do Mi- um plano nacionalmente o controle de realização das
nistério da Cultura, e isso construído e coordenado, metas nos estados e mu-
possibilitou que as cidades para permitir o controle de nicípios, com participação
se pronunciassem. realização das metas nos orçamentária nacional e exe-
Quando o plano pre- estados e municípios, com cução pelos entes federados.
visto na Constituição foi participação orçamentária
regulamentado, eu estava nacional e execução pelos
fora do Congresso, à frente entes federados
da Secretaria da Cultura do
município do Rio de Janeiro. O meu envol-
vimento no processo se deu na condição de
240 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Eduardo Gomes | ilustração: André Toma


A ESCUTA DO PODER PÚBLICO 241

Eduardo Gomes: A previsão, constante O PLANO NACIONAL DE CULTURA É UMA


do parágrafo 3o do artigo 215 da Constitui- PREVISÃO CONSTITUCIONAL, ASSIM COMO
ção, de estabelecimento do Plano Nacional O SISTEMA NACIONAL DE CULTURA (SNC). HÁ
de Cultura por meio de lei, com base nos ALGUMA CONSEQUÊNCIA OU INICIATIVA NO
cinco princípios igualmente inseridos pela ÂMBITO DO CONGRESSO CASO O PODER EXE-
Emenda Constitucional no 48, de 2005, mar- CUTIVO DEIXE DE ELABORAR O PRIMEIRO E
cou um importante passo para que a atuação IMPLEMENTAR O SEGUNDO?
do Estado na área cultural pudesse se tornar JF: É muito difícil fazer uma análise ho-
mais abrangente e profunda. Por sua vez, a mogênea do PNC, porque cada cidade e cada
elaboração do primeiro Plano Nacional de estado realizou de um jeito, e o Brasil veio
Cultura, instituído pela Lei no retrocedendo no processo.
12.343, de 2 de dezembro de Não há dúvida, a meu Desde 2015, temos um brutal
2010, resultou de um amplo ver, de que o país retrocesso no plano nacional,
processo de discussão com não deve retroceder que ficou ainda maior de um
integrantes da sociedade ci- em relação a essa ano e meio para cá, porque há
vil, por meio de seminários, significativa conquista uma não gestão da cultura.
fóruns e consultas públicas. no âmbito da cultura Uma avaliação coordenada
Isso representou a consagra- seria bem importante para a
ção do importante princípio de participação elaboração do novo plano, e o que vemos é o
da sociedade no âmbito do planejamento das encaminhamento, pelo Executivo federal, de
diretrizes, estratégias e ações adotadas pelo apenas prorrogar, sem nenhuma análise do
Estado na área cultural. que foi feito nos dez anos. É a expressão nítida
Não há dúvida, a meu ver, de que o país não da incapacidade política e técnica desta gestão
deve retroceder em relação a essa significati- de pelo menos dizer que metas foram ou não
va conquista no âmbito da cultura. cumpridas. Eles não conseguem se relacionar
com as secretarias, com os fóruns, não estabe-
lecem diálogo, para ao menos conseguir dizer,
diante das metas estabelecidas, onde a gente
cumpriu 20%, 30%, ou se não cumpriu ou que
242 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

determinados pontos podem ser melhorados. EG: Entendo que o Congresso Nacional
A prorrogação deveria incluir um cronograma deva assumir seu papel de defender essas
de análise diante dos resultados analisados e duas importantes conquistas, que correspon-
da pandemia, mas isso não existe. É apenas dem a mandamentos constitucionais. Se o
uma prorrogação para não dizer que não fez Poder Executivo se mostrar omisso em rela-
nada. Por isso, a mobilização do setor cultural, ção a ambas as previsões constitucionais – o
da sociedade e do Parlamento é muito impor- que acredito que não vá ocorrer devido à res-
tante, acompanhando o que conseguimos em ponsabilidade do governo com esse tema –, o
2020 no processo da Lei Aldir Blanc [LAB]. Parlamento conta com algumas opções para
Acredito que 2021 será um ano de interpelá-lo sobre tal omissão. Ademais, ele
construir a perenização de um novo critério pode assumir a iniciativa de propor e aprovar
para a cultura que nos permita trabalhar e um novo Plano Nacional de Cultura, para vi-
não ficar conjunturalmente buscando saí- ger nos próximos dez anos, assim como a de
das a cada situação adversa. Será o ano para regulamentar, por meio de lei, o Sistema Na-
construir uma perenização do sistema, com cional de Cultura. Ocorre que as proposições,
descentralização e orçamento para a cultu- com esses ou quaisquer outros objetivos, se
ra, e para trabalhar os critérios para as novas submetem a diversas contingências, sendo
metas do PNC. Um dos legados da Lei Aldir fundamental garantir a prioridade e a celeri-
Blanc foi justamente a Conferência Nacional dade em sua tramitação para que venhamos
Popular de Cultura, que já está acontecendo e a ter sucesso em sua apreciação.
trará muitos dados que podem compor uma
proposta para o Plano Nacional de Cultura,
a partir das cidades.
A ESCUTA DO PODER PÚBLICO 243

HÁ ALGUMA PROPOSTA DE APRESENTAÇÃO coletiva, com conselhos funcionando, e que


DE UM NOVO PROJETO DE LEI PARA REGU- tenha um trabalho de controle social e de fis-
LAMENTAR O SNC, JÁ QUE O QUE ESTAVA calização coordenado pela gestão nacional.
EM DISCUSSÃO HAVIA ANOS ACABOU SENDO Hoje isso não existe no Brasil.
ARQUIVADO? Vale dizer que a questão do controle
JF: Eu já estava de volta ao Parlamen- social na cultura está hoje em um contexto
to quando aprovamos a emenda para o de eliminação do controle social no Estado
SNC no artigo 216-A da Constituição, em brasileiro. O governo federal simplesmen-
2012. Atualmente existe o Projeto de Lei no te desmontou o conjunto dos conselhos. O
3.319/2020, do senador Jader Barbalho, para controle social hoje não existe mais, e onde
essa regulamentação. ainda existe conselho eles tiraram a socie-
Mas considero que o Sistema Nacional dade civil, como no Conselho Nacional de
de Cultura já vem sendo implementado e está Meio Ambiente. O controle social externo
em funcionamento, pois a adesão de muitos deixou de existir no governo Bolsonaro. To-
estados e municípios já ocorreu, segundo o dos os conselhos foram desmontados, e o
critério do “CPF”: conselho, plano e fundo. Conselho de Cultura nem sequer consegue se
Certamente não é um funcionamento pleno reunir, nem o Conselho Nacional dos Pontos
no país, porque desde 2015 tem havido um de Cultura, que é um conselho à parte. Sou
grau de retrocesso da gestão nacional que autora da Lei Cultura Viva também, e esse
dificulta a implantação desse sistema his- conselho deveria se reunir para estabelecer
toricamente recente no Brasil todo, conti- as políticas para os Pontos de Cultura, Pon-
nental como ele é. Por isso, é necessário que tos e Pontões, Redes, Teias... Isso deixou de
a gente retome a implementação do SNC. O existir. Precisamos rever tudo isso.
projeto de regulamentação pode ajudar, mas
o que já existe poderia estar mais avançado
se tivéssemos uma gestão nacional que fun-
cionasse plenamente para fazer acontecer.
Precisamos do sistema com descentraliza-
ção de recursos e políticas, com construção
244 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

EG: No âmbito do Senado Federal, foi O CENÁRIO DA PANDEMIA DESCORTINOU


apresentado pelo senador Jader Barbalho UMA SITUAÇÃO CALAMITOSA EM TODO O
o Projeto de Lei (PL) no 3.139, de 2020, que PAÍS, E A ÁREA CULTURAL FOI ESPECIAL-
toma como ponto de partida o PL no 4.271, MENTE ATINGIDA, CHEGANDO A PONTO
de 2016, do deputado João Derly, introduzin- DE DEMANDAR UMA LEI EMERGENCIAL
do, contudo, algumas inovações. Na Câmara ESPECÍFICA PARA QUE TRABALHADORES E
dos Deputados, por sua vez, já tramitam dois INSTITUIÇÕES DO SETOR PUDESSEM SER SO-
projetos que reproduzem os termos do PL CORRIDOS. QUAL É A SUA VISÃO DESSE PRO-
no 4.271, de 2016: PL no 1.801, de 2019, e PL CESSO E COMO O CONGRESSO PODE ATUAR
no 1.971, de 2019. PARA QUE SITUAÇÕES ASSIM NÃO SEJAM
O PL no 3.139 foi apresentado em 4 de NOVAMENTE NECESSÁRIAS?
junho de 2020, não tendo sido distribuído até JF: No período da pandemia, os conselhos
agora a nenhuma comissão. Isso pode ser ex- deveriam estar se reunindo virtualmente, da
plicado, ao menos em parte, pelo período de mesma forma como Regina Duarte, então se-
excepcionalidade por que passa o Congresso cretária, e [o atual secretário] Mario Frias
Nacional em razão da pandemia e das priori- deveriam ter se reunido com os secretários
dades que esta passou a “pautar”. de Cultura do país, com os fóruns. Nada disso
Creio que o advento da Lei Aldir Blanc aconteceu. Eu participei das quatro reuniões
chamou a atenção de todos para a necessi- de regulamentação da Lei Aldir Blanc no Rio,
dade de regulamentar e estruturar o Siste- no Ministério do Turismo, e o secretário não
ma Nacional de Cultura com mecanismos de foi. Fizemos três audiências públicas na Câ-
repasse fundo a fundo. Caso isso já existisse mara tratando da cultura e da Cinemateca,
quando sofremos com a pandemia de covid, e o secretário também não foi. Não existe
a Lei Aldir Blanc teria tido uma implemen- diálogo entre o secretário, o setor cultural e
tação mais rápida e simplificada, com os re- o Parlamento. Isso dificulta muito.
passes a estados e municípios utilizando a Apesar disso, a construção da Lei Aldir
estrutura do SNC. Blanc foi um dos processos mais bonitos que
já vivi. Da mesma maneira que fiz quando re-
latei a Lei Maria da Penha, eu circulei pelo
A ESCUTA DO PODER PÚBLICO  245

Brasil. Na Lei Maria da Penha, presencial- e uma boa negociação dentro do Parlamen-
mente, e agora pelas estradas digitais. Assu- to, com todos os partidos. Eu falava com 20
mi a relatoria no dia 7 de maio, e no dia 26 de líderes por dia. Absorvi emendas e contribui-
maio nós votamos na Câmara. Em 19 dias, ções, até que acabamos trazendo o governo
nós falamos com o Brasil inteiro, com o Bra- para o acordo e a lei foi sancionada com um
sil profundo, em todos os estados, com todas único veto, que foi o de prazo de 15 dias para
as linguagens, com todas as regiões e com os aplicar. Não houve veto de conteúdo na lei.
gestores também, de municípios e estados. A No Senado, ela foi votada uma semana de-
lei foi construída a partir desse debate, tanto pois, também sem alterações. Houve só uma
que o texto votado não foi nenhuma das leis emenda de redação. Foi sancionada no últi-
proponentes originais. Foram 6 projetos de mo dia do prazo, como é praxe neste governo,
lei, com 34 autores, de 11 partidos diferen- e dez dias depois saiu a medida provisória
tes. Depois de todas as contribuições, acabei do crédito de 3 bilhões de reais, que, para a
apresentando um texto de concepção dife- cultura, é pouco, mas historicamente foi o
rente de todos os seis projetos, porque, no maior valor aportado em uma única vez em
meio do caminho, vimos a necessidade de um prazo tão curto.
basear a lei em alguns parâmetros: o primei- A regulamentação demorou um pou-
ro deles, da descentralização, fortalecendo o co mais. Foram quatro reuniões; participei
SNC; o segundo, da universalidade, reconhe- de todas. A regulamentação burocratizou o
cendo nela a diversidade cultural brasileira, que a lei não burocratizou, e estamos tendo
razão pela qual a descentralização é funda- dificuldade agora em alguns estados e mu-
mental; e o terceiro, da desburocratização. nicípios, pelos critérios que cada um acabou
A aplicação da lei deveria ser algo sim- utilizando. Tenho participado de reunião em
ples, identificado com a realidade de cada tudo que é lugar para discutir a aplicação da
cidade e de cada estado. Ela foi construída lei, que está em plena fase de aplicação. Até
assim, e consegui dar um valor, ou seja, um este momento [outubro de 2020], 2.730 mu-
impacto financeiro conhecido e fontes co- nicípios já aderiram. É a maior descentrali-
nhecidas também, possíveis. Com isso, nós zação de recursos que já existiu na cultura. A
construímos uma pressão de fora para dentro Lei Cultura Viva chegou a 1.100 municípios.
246 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Ainda temos tempo para mais adesões e, nos em razão da pandemia. Então existe muita
municípios que não aderirem, o dinheiro se- reclamação, mas é a crise da existência do
guirá para o estado. Então o recurso todo será dinheiro e da existência da lei. A não exis-
descentralizado. tência seria muito pior.
Qual é o legado disso? Um processo de Temos tentado ajudar nessas crises. O
mobilização muito inovador, que movimen- fórum dos secretários estaduais está atuando
tou o Brasil inteiro. Um grau de organização e, em muitos lugares, tem conseguido simpli-
superior, de muita gente se organizando em ficar processos, fazer busca ativa em cidades
conselhos e comitês, de exclusão digital e até
com muitos municí- Qual é o legado disso? Um processo colocar gente de barco
pios aderindo ao SNC de mobilização muito inovador, para buscar povos in-
e criando suas formas que movimentou o Brasil inteiro. dígenas e quilombolas
de organização. Muito Um grau de organização superior, para entrarem nos edi-
diálogo que não existia de muita gente se organizando em tais e nos auxílios. É um
entre gestores, conse- conselhos e comitês, com muitos processo muito bonito,
lhos e a sociedade civil municípios aderindo ao SNC e um legado muito inte-
passou a acontecer. criando suas formas de organização. ressante que a Lei Aldir
Mas a gente ainda Muito diálogo que não existia entre Blanc deixa.
encontra situações de gestores, conselhos e a sociedade Penso que esse le-
pouco diálogo, como civil passou a acontecer gado da lei nos permite
no estado de São Pau- buscar uma pereniza-
lo, que recebeu o maior volume de recursos ção do critério de descentralização, reunindo
e teve dificuldade de diálogo entre o secre- os projetos que já existem de constituciona-
tário estadual e os secretários municipais, lizar o orçamento. Estamos agora tentando
e também com a sociedade civil. São Paulo aprovar a ampliação da aplicação dos re-
adotou um edital elitista, excludente de vá- cursos e a prestação de contas para 2021.
rias linguagens, com uma burocratização Muitas coisas acontecerão em 2021 ainda
excessiva, pedindo certidões negativas, sem a partir da lei, como os projetos que entra-
nenhuma flexibilização das procuradorias ram nos editais e que acontecerão em 2021,
A ESCUTA DO PODER PÚBLICO  247

as contrapartidas... Além disso, a LAB teve EG: Não há dúvida de que a área cultural foi
como legado a criação de escola de políticas uma das mais duramente atingidas pela pan-
culturais, de página da lei emergencial, de demia, ao lado de outras como as de turismo
fóruns diversos em escala nacional, de Ins- e esportes. Compreendo que a chamada Lei
tagram e uma série de formas de contato e Aldir Blanc demonstrou a preocupação dos
interatividade que a lei possibilitou. E agora parlamentares de ambas as casas do Congres-
a Conferência Nacional Popular de Cultura. so Nacional com as dificuldades vividas pelo
Tudo isso foi incrível, e manter essa mobi- setor cultural, assim como sua capacidade
lização pode nos possibilitar a mudança do de se sobrepor às divergências partidárias
plano, a regulamentação do sistema e a pe- e ideológicas para aprovar um conjunto de
renização dos critérios de descentralização medidas de efeitos práticos e emergenciais,
do orçamento. que ajudam a superar parcialmente as refe-
ridas dificuldades.
Entendo que os ensinamentos oriun-
dos desse processo vão tornar o Congres-
so Nacional, assim como toda a sociedade
brasileira, mais preparado para o enfrenta-
mento de uma eventual e indesejável nova
pandemia, com consequências, por certo,
para a área cultural.
Cabe aqui ressaltar que o setor cultu-
ral se mostrou uma ferramenta essencial
para a população atravessar os períodos de
isolamento físico, e muitas vezes social, exi-
gidos pela pandemia. Afinal, o que seria das
pessoas sem os filmes, as séries, as apresen-
tações musicais de seus artistas nacionais
e locais favoritos transmitidas pelos servi-
ços de streaming, além de iniciativas como
248 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

música na varanda dos prédios ou em trios COMO O/A SENHOR/A VÊ O TEMA DA CENSURA
elétricos? A criatividade, a paixão e a solida- ATUALMENTE NO BRASIL? QUAL É O PAPEL
riedade dos agentes culturais foram decisi- DO CONGRESSO EM RELAÇÃO A ESSA PAUTA?
vas nesses momentos, levando inclusive os JF: Hoje estamos vivendo sob um governo
canais de TV pagos a liberar filmes e canais que, na minha opinião, é a face mais obscura
de entretenimento. do capitalismo contemporâneo. Um governo
Ainda mais importante, a meu ver, é a que concentra recursos e poder no capital
percepção de que um sistema cultural con- financeiro, que sequestra direitos, destrói
sistente e integrado, contando com um su- o papel do Estado e tem características de
porte de mecanismos legais, como o PNC e restrições democráticas profundas e fascis-
o SNC, que o estimulem e que abranjam as tizantes. O governo Bolsonaro, como espelho
instâncias públicas e privadas de diversos de algumas outras forças pelo mundo, traba-
âmbitos (ou seja, instituições, empresas, lha com a pulsão pelo ódio, pela violência, e
criadores e produtores da cultura em geral, vê a cultura e a educação como a contradita
nas diversas áreas geográficas do país), per- da sua suposta verdade. Então, cultura e edu-
mite enfrentar as crises de modo bem mais cação passam a ser inimigos, numa visão de
eficaz. Cada uma dessas novas possíveis negação da ciência, da liberdade crítica, da
situações futuras de crise vai demandar, liberdade de pensamento, da liberdade de
contudo, uma avaliação e soluções próprias, ensinar e de aprender, da liberdade de amar.
adequadas às suas especificidades e não de Negam as identidades, a liberdade religiosa,
todo previsíveis. a liberdade de fé. É um processo extrema-
mente crítico e, na cultura, essa censura já
se expressou – na negação de recursos para
filmes de conteúdo LGBTQIA+, na restrição
de publicidade. Eles atuam com a censura e
com a inexistência da contradita.
E o que podemos fazer? Primeiro, a de-
núncia. Segundo, onde cabem instrumentos
legislativos, estamos atuando. Já fizemos
A ESCUTA DO PODER PÚBLICO  249

vários projetos de decretos legislativos con- E QUANTO AO TEMA DA LIBERDADE DE EX-


tra decretos, portarias e medidas, além de PRESSÃO NO BRASIL HOJE? DE QUE MANEIRA
ação judicial, por meio de representações O CONGRESSO ESTÁ ATUANDO A RESPEITO?
no Ministério Público e até no Supremo Tri- QUAIS SÃO AS PRIORIDADES?
bunal Federal, em medidas contra censura, JF: A liberdade de expressão está cerceada,
por exemplo, na publicidade, na questão da porque o governo federal fala em liberdade de
Ancine [Agência Nacional do Cinema] e na expressão para ser a liberdade de expressão
questão da Fundação Palmares. da verdade deles. É um momento de “pós-
-verdade”, em que é atacado tudo o que fala
EG: Compreendo que a Carta Magna con- contra aquilo que eles consideram verdade,
sagrou os princípios da inadmissibilidade da que, na realidade, é a mentira propagada e a
censura e da liberdade de expressão, ao mes- divulgação de fake news.
mo tempo que estabeleceu a classificação por Como médica, eu fiquei muito assustada, ao
faixas etárias e alguns limites para o exercí- ver, por exemplo, essa indução de comporta-
cio dessa liberdade (como o que se refere à mentos erráticos numa pandemia, arriscan-
prática do racismo). Não cabe ao Congresso do a vida das pessoas. A propaganda de falsas
Nacional instituir qualquer lei que afronte verdades ou de inverdades arrisca a vida das
essas disposições constitucionais. pessoas! E eles defendem isso em nome de
uma liberdade de expressão que é a impos-
sibilidade da contradita, da contenção. É a
antidemocracia. Contra isso temos atuado
em todos os fronts, na denúncia política, na
pressão, nas medidas legislativas e na Justi-
ça. Estamos empenhados numa árdua luta de
defesa de direitos.
250 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

EG: A liberdade de expressão é um dos fun- Mario Frias fala sobre o Plano
damentos da democracia e de uma cultura Nacional de Cultura
autêntica e criadora. Deve o Congresso Na-
cional, a meu ver, fazer sua parte no sentido A ELABORAÇÃO DO PLANO NACIONAL DE CUL-
da construção de uma cultura livre e soli- TURA MOBILIZOU MILHARES DE PESSOAS AO
dária, na qual seja respeitada a diversidade LONGO DE DEZ ANOS, E SUA IMPLEMENTA-
de opções religiosas, culturais e comporta- ÇÃO DEMANDOU MUITO DIÁLOGO E ARTI-
mentais, incluídas as relativas a sexo e gê- CULAÇÃO. O SENHOR ACOMPANHOU ESSE
nero, desde que a prática dessas opções não PROCESSO OU TEVE ALGUMA INTERAÇÃO
afronte os direitos alheios e respeite as leis COM ELE?
do país. O Legislativo deve, ademais, zelar Mario Frias: Não, nesse período estava
pelo cumprimento da legislação que protege concentrado nas minhas atividades artísti-
as crianças e as minorias e eventualmente cas e de produtor. Apesar de não ter partici-
aperfeiçoá-la. pado da construção do plano vigente, tenho
convicção da importância de um plano na-
cional para orientar a formulação de políti-
cas culturais em âmbito nacional.
A ESCUTA DO PODER PÚBLICO 251

Mario Frias | ilustração: André Toma


252 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

QUAL É A SUA OPINIÃO A RESPEITO DO PNC executadas. Entendo que em uma próxima
2010-2020? O PAÍS PRECISA OU NÃO DE UM edição é importante definir prioridade, ter
PNC? ELE MAIS ENGESSA OU MAIS EMPRESTA uma visão pragmática dos desafios que os
DINAMISMO AO SETOR? gestores públicos no governo federal, esta-
MF: O PNC foi produzido com base em duais, no Distrito Federal e nos municípios
amplos debates e deliberações envolvendo enfrentam no seu dia a dia e propor metas
o antigo MinC e parte da sociedade civil, há factíveis de ser alcançadas e, principalmen-
mais de dez anos, em ou- te, mensuradas.
tro contexto político. O PNC vigente foi elaborado Um plano focado,
O primeiro Plano Na- abarcando 53 metas, a maioria contemplando as várias
cional de Cultura foi em delas genérica, imensurável e formas de pensamento
1975, o atual é o segundo; inalcançável, o que dificulta o sobre cultura e economia
podemos dizer que é uma entendimento sobre as ações criativa, sem dúvidas,
experiência nova e sujeita que devem ser realmente pactua as prioridades que
a uma série de falhas de executadas. Em uma próxima a sociedade elegeu e que os
implementação, equívocos edição é importante definir gestores públicos deverão
na amplitude de conceitos prioridade, ter uma visão se esforçar para viabilizar.
e intercorrências, difíceis pragmática dos desafios que
de prever dado o seu quase os gestores públicos enfrentam
ineditismo. no seu dia a dia e propor metas
Infelizmente, o PNC factíveis de ser alcançadas e,
vigente foi elaborado principalmente, mensuradas
abarcando 53 metas, a
maioria delas genérica, imensurável e inal-
cançável, o que dificulta o entendimento
sobre as ações que devem ser realmente
A ESCUTA DO PODER PÚBLICO  253

ESTÁ EM CURSO NA SECRETARIA ESPECIAL consideração todo o histórico das 53 metas


DA CULTURA (SECULT) ALGUMA AÇÃO NO e seus indicadores.
SENTIDO DE AVALIAR O PNC 2010-2020? QUAL Ressalto que foi publicada, em 2018, a
É O PRINCIPAL OBJETIVO DESSA AVALIAÇÃO? Análise e Avaliação Qualitativa das Metas e
MF: A Secretaria Especial da Cultura é a o Monitoramento do Plano Nacional de Cul-
responsável por monitorar e avaliar as metas tura, para embasar a construção do próximo
do Plano Nacional de Cultura, devendo pe- PNC. Anualmente também é realizado um
riodicamente conferir se o plano está sendo relatório de monitoramento das 53 metas
cumprido de forma eficaz e de acordo com do PNC (o ano de 2019 está em construção).
suas diretrizes. Com isso, utilizaremos todos esses materiais
O monitoramento de políticas públi- já consolidados para embasar a construção
cas tem por objetivo subsidiar a avaliação do normativo.
de programas governamentais, buscando Além disso, destaco que, para balizar
assegurar o cumprimento dos seus objeti- a construção das metas do próximo PNC, é
vos e metas com eficiência e eficácia. Tan- fundamental que tenhamos um panorama
to o monitoramento quanto a avaliação são do cumprimento do PNC nesses dez anos. A
incumbências de gestão imprescindíveis equipe também está trabalhando para que a
para a consolidação do planejamento dos avaliação do decênio 2010-2020 se concre-
programas e para o aumento da efetivida- tize no próximo ano.
de das ações. No momento, o nosso foco
está na construção do próximo Plano Na-
cional de Cultura. Para isso, levaremos em
254 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

NESSE MESMO CONTEXTO, HÁ ALGUMA DE- DE QUE MODO OS AGENTES DO SETOR E A


CISÃO OU ENCAMINHAMENTO COM VISTAS POPULAÇÃO EM GERAL VÃO TOMAR PARTE
A ELABORAR O PNC 2020-2030? NESSE PROJETO? QUAL É A ESTRATÉGIA PARA
MF: Sim, atualmente toda a nossa equipe MOBILIZÁ-LOS?
está concentrada para elaborar a metodolo- MF: Lembro que a construção de um plano
gia de construção do próximo plano. É uma perpassa por algumas instâncias de parti-
orientação do governo federal que os projetos cipação, entre elas o Conselho Nacional de
sejam construídos com a máxima eficiência Política Cultural (CNPC) e a Conferência
possível. Por isso, contaremos com suporte Nacional de Cultura (CNC).
de todos os órgãos do governo federal. Em Essas instâncias são as principais para
breve, divulgaremos em detalhes como se que os agentes do setor e a população possam
dará o fluxo desse processo. participar e opinar. Também estamos ava-
Queremos garantir tanto a existência liando outras formas de permitir um acesso
de um instrumento legal orientador válido mais amplo a todos os brasileiros.
quanto a plena participação do Estado e da Além disso, segundo o pacto federativo,
sociedade no desenvolvimento qualificado das os municípios e estados brasileiros partici-
etapas de elaboração e aprovação de um novo pantes do Sistema Nacional de Cultura de-
normativo orientador das políticas culturais. vem orientar a gestão de cultura local à luz
das diretrizes estabelecidas no PNC, confor-
me preconiza o parágrafo 1o do artigo 216-A
da Constituição Federal. Nesse sentido, será
necessária a participação deles no processo
de construção do plano.
A ESCUTA DO PODER PÚBLICO  255

HÁ PREVISÃO CONSTITUCIONAL PARA O SIS- Tudo isso tem o intuito de que as políti-
TEMA NACIONAL DE CULTURA, MAS TODOS cas públicas de cultura sejam geridas e exe-
SABEMOS QUE SÃO NECESSÁRIOS ESFOR- cutadas de forma mais clara, transparente e
ÇOS EFETIVOS PARA SUA IMPLEMENTAÇÃO eficiente. Contamos com o Departamento do
E CONSOLIDAÇÃO. QUE ATENÇÃO VEM SEN- Sistema Nacional de Cultura, que lida espe-
DO DISPENSADA A ESSE ASSUNTO? COMO cificamente com essas questões e tem o foco
O SENHOR, NA CONDIÇÃO DE SECRETÁRIO primordial em auxiliar os entes na institucio-
ESPECIAL DA CULTURA, PRETENDE ESTI- nalização e implementação da gestão pública
MULAR ESSE PROCESSO E, POR FIM, QUAL É A de cultura. Por meio do VerSNC (http://ver.
PERSPECTIVA OU PERSPECTIVAS, NO CURTO snc.cultura.gov.br/), é possível acompanhar
PRAZO, EM TERMOS DE TEMPO E DEDICAÇÃO a institucionalização e implementação dos
PARA AVANÇAR NESSES ESFORÇOS? sistemas de cultura dos entes federados.
MF: Sabemos que, desde 2012, quando o Ainda precisamos de uma lei que re-
Sistema Nacional de Cultura foi integrado à gulamente o funcionamento do SNC, prin-
Constituição Federal (artigo 216-A) e come- cipalmente no que se refere ao repasse de
çou a ser executado, houve muitos esforços recursos para os entes federados integrantes.
para que os estados e municípios fizessem a Por causa disso, estamos em articulação com
sua adesão ao SNC e iniciassem o processo outros órgãos para que isso aconteça o mais
de institucionalizar seus sistemas de cultura breve possível. É evidente que a consolidação
locais. Por muito tempo, esse foi o foco das do Sistema Nacional de Cultura nas esferas
ações do SNC. federal, estaduais, municipais e distrital é
Contudo, estamos agora em uma nova uma tarefa complexa e de longo prazo.
fase do SNC, que consiste na institucionaliza-
ção, que trata da regulamentação das leis do sis-
tema de cultura e de seus componentes (como
plano, fundo, conselho de política cultural),
bem como na implementação desses elemen-
tos, ou seja, que os entes federados coloquem
em prática a execução desses normativos.
256 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

FINANCIAMENTO É SEMPRE UM TEMA QUE A ausência da regulamentação do SNC


GERA PREOCUPAÇÃO, SOBRETUDO EM MEIO incide na desarticulação entre os seus sub-
A UMA CRISE COMO ESTA CAUSADA PELA sistemas já existentes – sistemas municipais,
PANDEMIA, QUE SITUOU A NOÇÃO DE NE- estaduais e distrital de cultura –, fato esse
CESSÁRIA SUSTENTABILIDADE EM PATAMA- que, por exemplo, inviabiliza os entes fede-
RES MAIS COMPLEXOS E URGENTES. COMO rados de receber recursos financeiros por
SE DARÁ O FINANCIAMENTO DA CULTURA meio do repasse fundo a fundo de cultura, o
NO PAÍS A PARTIR DE 2021? HÁ DISPOSIÇÃO que, caso fosse garantido, teria capacidade
PARA INCREMENTAR O FUNDO NACIONAL DA de fomentar o desenvolvimento da cultura
CULTURA? ESTADOS E MUNICÍPIOS TERÃO no âmbito local.
REPASSES – PODERÃO CONTAR COM RECUR- Com a publicação da Lei no 14.017, de 29
SOS – DO FUNDO? HÁ INTENÇÃO DE UTILIZAR de junho de 2020 (Lei Aldir Blanc), pudemos
A EXPERIÊNCIA DE REPASSES DA LEI ALDIR ter uma experiência preliminar de como seria
BLANC PARA APERFEIÇOAR A SISTEMÁTICA a transferência de recursos entre fundos de
DE FINANCIAMENTO À CULTURA NO PAÍS? SE cultura. Notadamente, ela servirá de base para
SIM, COMO? SE NÃO, POR QUÊ? podermos avaliar a melhor forma de imple-
MF: Por sua capilaridade, o Sistema Na- mentar, no futuro, esse tipo de transferência.
cional de Cultura é o ambiente mais adequa- Destaco que é necessário um projeto de
do para tratar o problema da concentração lei para alterar a natureza do Fundo Nacional
regional dos recursos que caracteriza o fi- da Cultura, transformando-o em um fundo
nanciamento à cultura no Brasil. A imple- especial de natureza contábil. A mudança se
mentação dos sistemas estaduais, distrital faz necessária para possibilitar a realização
e municipais de cultura, somada ao forta- de descentralizações de créditos para os en-
lecimento do Fundo Nacional da Cultura, tes federados. Nossa equipe está atuando no
colocará a política cultural do Brasil na rota sentido de construir um PL e arcabouço legal
para alcançar um dos objetivos fundamen- para a instituição do Fundo a Fundo.
tais da Constituição Brasileira: reduzir as Temos a intenção de articular a cria-
desigualdades sociais e regionais (inciso III ção ou revisão das legislações com vistas
do artigo 3o). à implementação de um PNC factível, que
A ESCUTA DO PODER PÚBLICO  257

viabilize as descentralizações de recursos Secult. Diferentemente dos municípios, os


públicos de forma regular e automática na fundos de cultura dos estados estão vinculados
área da cultura. ao SNC. Dos 27 entes federados com fundo, 21
Segundo levantamento do IBGE (2018), apresentam o fundo dentro dos moldes previs-
o Brasil possui 1.111 municípios com fundo tos no SNC, ou seja, 77% do total.
de cultura ou fundos similares com outras O financiamento, muito mais do que
áreas de governo, como turismo, esporte e gerar preocupação, gera emprego, renda e
lazer. Esse total repre- oportunidades para uma
senta 19% do total de É necessário um projeto de grande cadeia produti-
municípios do Brasil. lei para alterar a natureza do va do setor cultural, que
Porém, quando analisa- Fundo Nacional da Cultura, envolve técnicos de som,
mos quais desses fundos transformando-o em um fundo técnicos de iluminação,
estão ligados ao Sistema especial de natureza contábil. engenheiros, ou seja, um
Nacional de Cultura, o A mudança se faz necessária leque imenso de profis-
número de municípios para possibilitar a realização de sionais. O financiamento
com fundo cai para 536. descentralizações de créditos e o incentivo não devem
Esse total representa 9% para os entes federados. Nossa ser vistos como um pro-
dos municípios e ainda equipe está atuando no sentido blema, mas, sim, como
está longe do ideal para de construir um PL e arcabouço uma solução, devendo
a viabilização das trans- legal para a instituição do Fundo ser executados de ma-
ferências fundo a fundo a Fundo neira democrática e res-
previstas na lei do FNC. ponsável. A equipe está
Quando analisamos os estados e o Distrito atualmente estudando os programas, leis e
Federal, a situação é mais favorável; possuímos projetos existentes para identificar as poten-
100% (26 estados e o Distrito Federal) com fun- cialidades e também os problemas, para que
do de cultura ativo e vigente. Esses fundos já estes sejam corrigidos. Nesse sentido, temos
recepcionaram os recursos da Lei Aldir Blanc trabalhado em constante diálogo com a Ad-
em uma primeira experiência de maior escala vocacia-Geral da União, a Controladoria e o
sobre transferência fundo a fundo dentro da TCU [Tribunal de Contas da União].
258 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

HÁ UMA ANSIEDADE DE PARTE DO SETOR Nesse sentido, a ideia é que a IV Confe-


CULTURAL EM TORNO DA CONFERÊNCIA rência Nacional de Cultura debata as diretri-
NACIONAL DE CULTURA 2020, TRADUZIDA zes do próximo Plano Nacional de Cultura.
RECENTEMENTE NA PROPOSTA DA CONFE- Temos a previsão de que ela aconteça ainda
RÊNCIA POPULAR DE CULTURA – INICIATI- em 2021, mas deverá ser levada em conside-
VA DA SOCIEDADE CIVIL, QUE SE MOBILIZOU ração toda a situação da pandemia causada
ANTE A EMERGÊNCIA OCASIONADA PELA pela covid-19.
PANDEMIA E AGORA SE VOLTA PARA O REPO- Ressalto que o referido decreto define
SICIONAMENTO DO PAPEL ESTRATÉGICO DA como competência do conselho avaliar as di-
CULTURA COMO POLÍTICA PÚBLICA E DIREI- retrizes do Plano Nacional de Cultura a par-
TO SOCIAL DE TODOS OS BRASILEIROS E BRA- tir das propostas emanadas da Conferência
SILEIRAS. COMO A SECRETARIA ESPECIAL DA Nacional de Cultura.
CULTURA VÊ ESSA MOVIMENTAÇÃO E QUAIS
SÃO OS SEUS PLANOS EM RELAÇÃO À CONFE-
RÊNCIA NACIONAL? HÁ ALGO EM ESPECIAL
SENDO PLANEJADO? HÁ A HIPÓTESE DE ELA
SER REALIZADA SÓ EM 2021? OU ATÉ DE NÃO
SER REALIZADA? QUAL É A JUSTIFICATIVA?
MF: Sim, conforme o Decreto no 9.891/2019,
a Conferência Nacional de Cultura compõe a
estrutura do Conselho Nacional de Política
Cultural; é a instância de debate e de pro-
posição de diretrizes para a formulação das
políticas públicas de cultura.
A ESCUTA DO PODER PÚBLICO  259

RECENTEMENTE O TEMA DA CENSURA TEM NA MESMA DIREÇÃO, QUE MEDIDAS ESTÃO


GERADO GRANDE INQUIETAÇÃO. ELE VEM SENDO ADOTADAS OU PREVISTAS PELA PAS-
SENDO DISCUTIDO PELA EQUIPE DA SE- TA PARA O SETOR EM FUNÇÃO DA NOVA LEI
CRETARIA? HÁ A INTENÇÃO DE PUBLICAR GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS?
ALGUMA RECOMENDAÇÃO OU INSTRUÇÃO MF: A Secult trabalhará em consonância
NORMATIVA SOBRE ESSE TEMA? com a legislação e a orientação das áreas
MF: Não há censura em nenhuma ação do especializadas nesse tema do Ministério do
governo federal; o que há é a reestruturação Turismo e com as recomendações dos órgãos
e priorização de programas. de controle.

COMO A SECRETARIA PRETENDE ASSEGURAR


O DIREITO AO PLENO EXERCÍCIO DA LIBER-
DADE DE EXPRESSÃO? É ALGO QUE, DO SEU
PONTO DE VISTA, NECESSITA DE REGULA-
MENTAÇÃO ESPECÍFICA, ALÉM DO QUE JÁ
ESTÁ NA PREVISÃO LEGAL? OU DEMANDA
OUTRA MEDIDA?
MF: O direito ao pleno exercício da liber-
dade de expressão já é assegurado desde a
Constituição Federal de 1988. Não há nenhu-
ma proposta do presidente Jair Bolsonaro e
do governo nesse quesito.
260 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL
A ESCUTA DO PODER PÚBLICO  261
262 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

COLEÇÃO OS LIVROS
DO OBSERVATÓRIO

A Tragédia da Cultura A Máquina Parou


Georg Simmel E. M. Forster

Pistas Falsas Com o Cérebro na Mão


Néstor García Canclini Teixeira Coelho

eCultura – Utopia Final A Economia


Teixeira Coelho Artisticamente Criativa
Xavier Greffe

A Singularidade Está O Lugar do Público


Próxima Jacqueline Eidelman,
Raymond Kurzweil Mélanie Roustan e
Bernardette Goldstein
PLANO NACIONAL DE CULTURA – ANÁLISES E PERSPECTIVAS  263

Identidade e Violência: Cultura e Estado.


a Ilusão do Destino A Política Cultural na
Amartya Sen França, 1955-2005
Teixeira Coelho

As Metrópoles Regionais e Cultura e Educação


a Cultura: o Caso Francês, Teixeira Coelho (org.)
1945-2000
Françoise Taliano-des Garets

Afirmar os Direitos Saturação


Culturais – Comentário à Michel Maffesoli
Declaração de Friburgo
Patrice Meyer-Bisch e
Mylène Bidault

Arte e Mercado
Xavier Greffe
264 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

O Medo ao Pequeno Número Leitores, Espectadores


Arjun Appadurai e Internautas
Néstor García Canclini

A Cultura e Seu Contrário A República dos


Teixeira Coelho Bons Sentimentos
Michel Maffesoli

A Cultura pela Cidade Cultura e Economia


Teixeira Coelho (org.) Paul Tolila
PLANO NACIONAL DE CULTURA – ANÁLISES E PERSPECTIVAS  265

SÉRIE RUMOS
PESQUISA

Os Cardeais da Cultura Por uma Cultura Pública:


Nacional: o Conselho Organizações Sociais,
Federal de Cultura na Oscips e a Gestão Pública
Ditadura Civil-Militar − Não Estatal na Área da
1967-1975 Cultura
Tatyana de Amaral Maia Elizabeth Ponte

Discursos, Políticas A Proteção Jurídica de


e Ações: Processos de Expressões Culturais
Industrialização do Campo de Povos Indígenas na
Cinematográfico Brasileiro Indústria Cultural
Lia Bahia Victor Lúcio Pimenta de Faria
266 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

AS REVISTAS

Revista Observatório Revista Observatório


Itaú Cultural ed. especial – Itaú Cultural No 25 –
Convivência Intercultural: Sertões: Imaginários,
Perspectiva Latino- Memórias e Políticas
-Americana

Revista Observatório Revista Observatório


Itaú Cultural No 28 – Itaú Cultural No 24 –
Cultura, Artes e Arte, Cultura e Educação
Pandemia na América Latina

Revista Observatório Revista Observatório


Itaú Cultural No 27 – Itaú Cultural No 23 –
Cultura e Economia da Cultura:
Desenvolvimento Estatísticas e Indicadores
para o Desenvolvimento

Revista Observatório Revista Observatório


Itaú Cultural No 26 – Itaú Cultural No 22 –
Gestão de Pessoas em Memórias, Resistências
Organizações Culturais e Políticas Culturais
na América Latina
PLANO NACIONAL DE CULTURA – ANÁLISES E PERSPECTIVAS  267

Revista Observatório Revista Observatório


Itaú Cultural No 21 – Itaú Cultural No 17 –
Política, Transformações Livro e Leitura:
Econômicas e Identidades das Políticas Públicas
Culturais ao Mercado Editorial

Revista Observatório Revista Observatório


Itaú Cultural No 20 – Itaú Cultural No 16 –
Políticas Culturais para Direito, Tecnologia
a Diversidade: e Sociedade: uma
Lacunas Inquietantes Conversa Indisciplinar

Revista Observatório Revista Observatório


Itaú Cultural No 19 – Itaú Cultural No 15 –
Tecnologia e Cultura: Cultura e Formação
uma Sociedade em Redes

Revista Observatório Revista Observatório


Itaú Cultural No 18 – Itaú Cultural No 14 –
Perspectivas sobre A Festa em Múltiplas
Política e Gestão Cultural Dimensões
na América Latina
268 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Revista Observatório Revista Observatório


Itaú Cultural No 13 – Itaú Cultural No 9 –
A Arte como Objeto Novos Desafios da
de Políticas Públicas Cultura Digital

Revista Observatório Revista Observatório


Itaú Cultural No 12 – Itaú Cultural No 8 –
Os Públicos da Cultura: Diversidade Cultural:
Desafios Contemporâneos Contextos e Sentidos

Revista Observatório Revista Observatório


Itaú Cultural No 11 – Itaú Cultural No 7 – Lei
Direitos Culturais: Rouanet. Contribuições para
um Novo Papel um Debate sobre o Incentivo
Fiscal para a Cultura

Revista Observatório
Itaú Cultural No 10 –
Cinema e Audiovisual
em Perspectiva:
Pensando Políticas
Públicas e Mercado
PLANO NACIONAL DE CULTURA – ANÁLISES E PERSPECTIVAS  269

Revista Observatório Revista Observatório


Itaú Cultural No 6 – Itaú Cultural No 3 –
Os Profissionais da Valores para uma
Cultura: Formação Política Cultural
para o Setor Cultural

Revista Observatório Revista Observatório


Itaú Cultural No 5 – Itaú Cultural No 2 –
Como a Cultura Pode Mapeamento de Pesquisas
Mudar a Cidade sobre o Setor Cultural

Revista Observatório Revista Observatório


Itaú Cultural No 4 – Itaú Cultural No 1 –
Reflexões sobre Indicadores e Políticas
Indicadores Culturais Públicas para a Cultura
270 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Esta revista utiliza as fontes Sentinel e


Gotham sobre o papel Pólen Bold 90 g/m2.
Os pantones 419 U e 514 U foram os escolhidos
para esta edição. Mil unidades foram impressas
pela gráfica Margraf, em São Paulo, no mês de
julho do ano de 2021.
PLANO NACIONAL DE CULTURA – ANÁLISES E PERSPECTIVAS  271
272 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Realização

/itaucultural itaucultural.org.br fone 11 2168 1777 fax 11 2168 1775 atendimento@itaucultural.org.br


avenida paulista 149 são paulo sp 01311 000 [estação brigadeiro do metrô]

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