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Curso
Políticas culturais: Contexto histórico e agenda para o século
XXI
Essa introdução é super relevante, e caso você por acaso ainda não tenha tido
a chance de assistir a essas aulas, a sugestão é que visite lá o portal do curso
e procure aproveitar esse material. A nossa caminhada aqui parte das
experiências vivenciadas em termos de políticas públicas culturais no Brasil a
partir do século XXI.
No artigo que vocês receberam para leitura, que tem esse título grande e
ambicioso, Histórias e resultados do Plano Nacional de Cultura 2010-2020 e o
anseio por um novo e aprimorado plano, apresento uma análise histórica da
elaboração e desenvolvimento desse documento, que também é um processo
norteador das políticas culturais brasileiras. Ele é provavelmente o principal
marco das últimas duas décadas em termos de construção de política cultural
no país.
Nesse texto, também traço uma avaliação geral das 53 metas do plano (o que
vamos examinar um pouco mais detidamente mais adiante) e apresento um
esforço de exame qualitativo, um balanço da década feito por um conjunto de
profissionais do setor, que também se dedicou a reunir contribuições para se
pensar num novo planejamento decenal da cultura em território nacional.
É óbvio que estamos falando de um exercício pontual, mas não deixa de ser
significativo e de nos ajudar a pensar até que ponto a gente avançou, onde
nossas impressões desse longo e atribulado período convergem e que
aprendizados é possível extrair da experiência do Plano Nacional de Cultura
anterior para um próximo PNC. Tudo isso ainda levando em conta toda essa
drástica transformação nas relações sociais e produtivas, que ainda estamos
digerindo e que são frutos ou sequelas da pandemia de coronavírus.
Também aqui fica a referência para essa leitura (caso você ainda não tenha
tido tempo de se dedicar a ela), porque esse ensaio será base para várias das
problematizações que vamos juntos tratar nas próximas conversas.
O que tento dizer aqui, gente, é que as aulas anteriores ajudam a criar o pano
de fundo dessa contextualização das políticas culturais brasileiras do século
XXI, bem como a bibliografia de apoio indicada, e esse meu artigo na revista 29
do Observatório Itaú Cultural contribui para que a gente possa saber um pouco
mais como foram os movimentos sociais pela democratização e valorização da
cultura, e sobre as políticas governamentais implementadas. Especialmente o
Plano e o Sistema Nacional de Cultura, cuja a lógica é, em certa medida (e
muito se tem falado sobre isso), precursora do grande movimento que resultou
na Lei Aldir Blanc.
Muito bem! Nesses nossos encontros também vamos debater como se
concebeu uma política nacional de cultura a partir de um modelo sistêmico de
gestão compartilhada e em que medida isso virou realidade; que limitações,
que avanços, que continuidades e descontinuidades foram observadas nesse
período.
Afinal, o que aconteceu com o PNC 2010-2020 e com o Sistema Nacional de
Cultura na teoria e na prática dos entes federados, ou seja, da união, dos
estados e dos municípios?
A gente sabe que os dez anos regulamentares do plano se encerraram em
2020. Ainda que tenha havido uma prorrogação no finalzinho do ano passado,
estendendo a vigência, o que que a gente pode dizer sobre essa década de
implementação? Os resultados foram positivos? O poder público cumpriu suas
atribuições legais? Como o setor cultural se relacionou com o plano? E você?
Você – aluna ou aluno desse curso que eventualmente já atuava no setor
cultural – teve que experiência em relação a essa política nacional? E a
sociedade? Passados os 10 primeiros dos 12 anos que agora constam da Lei
do Plano Nacional de Cultura, qual é o legado que fica? Tem? Não tem
nenhum? E quanto ao Sistema Nacional, no que resultou todo o empenho por
incluir na Constituição Federal? E o que é que a gente tem hoje desse sistema
em termos concretos?
A gente vai trabalhar um pouco de tudo isso, sempre procurando cotejar essa
trajetória histórica, os fatos, acontecimentos, os impactos conjunturais – como
no caso das crises econômicas, da mudança de gestão política do processo e
da própria pandemia – com uma reflexão propositiva, no sentido de tentar ir
além dos diagnósticos dos problemas, em direção a algumas alternativas. Isso
quer dizer que a nossa perspectiva é não só de definir sobre mudar o que não
está funcionando – e a gente está sempre falando em mudar alguma coisa… –
mas também de manter ou recuperar ganhos, processos, dinâmicas de
atuação, que não deveriam ter sidos descontinuados, e ainda de ampliar a
visão a respeito do cenário como um todo.
O que pretendo dizer aqui é que mais do que pensar em polos – nós e eles;
aqueles que são a favor e os que são contra o setor cultural; progressistas
versus reacionários etc. – o esforço proposto é o de pensar em termos de
sociedade, de pessoas em geral, sujeitos de direitos e de deveres com visões
diversas, por vezes contraditórias, vivendo em condições desiguais, e que
fazem parte do universo do respeitável público com o qual a gente precisa
dialogar se quisermos ampliar a voz e a relevância do setor cultural brasileiro
como política pública estratégica de fato.
E o que é isso? Essa política pública estratégica de fato? É mais do que
discurso e apoio moral; mais até do que alguma renúncia fiscal numa
modelagem bem inferior a outros setores produtivos e com exigências de
contrapartidas bem maiores. Estamos falando aqui de uma política pública que
de verdade assegure reconhecimento e continuidade da atuação e do
investimento - investimento real - focalizado em áreas e ações prioritárias
discutidas com o setor cultural e com a sociedade, independentemente da
coloração partidária dos titulares do poder executivo da vez.
Isso é possível? Isso é realmente possível? Vamos falar sobre isso, mas
vamos por partes. Primeiro, vale a pena resgatar alguns elementos históricos
que nos acompanharão ao longo da jornada.
Durante a maior parte da história brasileira, arte e cultura não fizeram parte das
preocupações governamentais a não ser pontualmente, de maneira acessória,
secundária ou decorativa. Nesse sentido, a maior parte das ações
desenvolvidas pelo poder público foram voltadas ao controle, à censura, ao
enquadramento do setor cultural e artístico e da sua produção. O que a gente
teve mais frequentemente, na verdade, foram tentativas de uso da arte e da
cultura de acordo com alguns interesses que não tinham muito a ver com as
questões de cultura, arte ou mesmo educação.
Então, para a maioria dos governos no nosso país, cultura não era uma
prioridade. Quando surgia uma gestão priorizando, isso quase só durava
enquanto não houvesse crise econômica. Ao menor sinal de crise, as pautas
culturais saiam de cena; os cortes no setor cultural em geral foram
proporcionalmente muito maiores que nos demais setores sempre que se
vivenciou uma dificuldade econômica no país.
Mas, de novo, essa não é uma história de bons contra maus. Não é a história
do setor cultural oprimido, combatente, versus governos opressores e
arbitrários. É claro que existe uma parte expressiva da classe cultural que é
combativa e militante. Mas muitas passagens do século XX ilustram também a
adesão de importantes intelectuais e artistas à visão de mundo de governos
centralizadores, antidemocráticos, assim como registram também a indiferença
à adoção desse lado ou daquele, manifesta por outros tantos, e até mesmo um
certo preconceito com a chamada arte engajada por parte de outros. Isso não é
um privilégio do século XX.
Isso vai se refletir em ganhos e perdas de diferentes graus e que terão grande
impacto nesse caldo que, ao mesmo tempo, resulta numa produção cultural tão
cheia de riquezas, belezas e criatividade, que dão um orgulho enorme. E num
setor produtivo tão desvalorizado, desacreditado e que, a cada novo rompante
governamental e social conservador, é criticado pelo compromisso com
supostos valores imorais e pelo suposto pouco apreço ao trabalho – como se o
campo cultural fosse sempre, desde sempre, um lugar duvidoso, um espaço de
exercício profissional menor. Sabe aquela ideia do território do malandro de
ontem e do vagabundo que mama nas tetas da Lei Rouanet de hoje? E entre
um extremo e outro, do engajamento ao desprezo, muitas realidades e
tamanhos do fazer cultural vão se estabelecer, algumas poucas conseguirão
longevidade e outras muitas vão estar em permanente mutação, para
conseguir sobreviver. São as empresas que começam e terminam; o projeto
que garante o sustento, mas também a quitação das dívidas do projeto anterior
ao mesmo tempo em que gera as dívidas a pagar com o próximo.
Quem nunca pediu ou recebeu uma oferta para realizar um trabalho cultural
sem cachê que atire o primeiro tomate, mas vale notar, não estamos falando só
de reconhecimento no sentido financeiro, embora obviamente ele seja
essencial. O problema é que no caso do setor cultural por vezes as profissões
são alvo de preconceitos que não fazem nenhum sentido, além de revelar
desconhecimento, ignorância e crença em inverdades.
De novo pergunto: como pode ser possível um país reconhecido pela belíssima
criatividade cultural e que é também um país que consegue se reconhecer
detentor de uma belíssima criatividade cultural, desvalorizar tanto o seu setor
de trabalhadores das artes e da cultura? Por que será que apenas os mais
famosos, os mais bem-sucedidos seguem recebendo admiração,
reconhecimento, consideração da maioria da população?
Vou deixar com vocês essa reflexão. Envia para gente, pela plataforma, qual é
a sua análise desse assunto. No próximo encontro, vamos mergulhar um pouco
mais nessa pauta.
Eu sou Claudinéli Ramos e espero você para seguir adiante no nosso Percurso
em Produção Cultural da Escola Itaú Cultural. Até lá!