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1.

RECONFIGURAÇÕES DA INDÚSTRIA MUSICAL: CONTINUIDADES E


PERSPECTIVAS
Este primeiro capítulo tem como objetivo apresentar um breve debate sobre a
perspectiva da indústria musical, delimitando-o, estabelecendo os contornos que o
mesmo assume no contexto do presente trabalho e introduzindo algumas definições
operacionais que serão adotadas ao longo desta tese. Neste primeiro momento, a
discussão será acerca da perspectiva das indústrias culturais. A partir de uma crítica aos
teóricos da Escola de Frankfurt, que consideravam a produção da cultura como um
sistema coerente que se repete por homologia em subsistemas, defende-se uma
abordagem que reconheça as especificidades da estrutura de cada setor de bens
culturais, representada pela ideia de indústrias culturais.
A produção musical contemporânea dos grandes centros urbanos brasileiros se
configura por traços, aspectos de produção, circulação e consumo compartilhados.
Reordenam as relações de poder que determinam a arquitetura do mercado musical, isso
por conta, sobretudo, da ascensão tecnológica, a qual proporcionou a organização da
produção de fonogramas, o aumento do número de produtores, além de diminuir os
obstáculos que o mercado impõe. Essa ascensão pode ser analisada a partir de conceitos
propostos pelos estudos culturais, pelas teorias da comunicação e políticas públicas, ao
tempo em que desenvolve novos endereçamentos e distinções no que tange as
dicotomias como tradição e modernidade, local e global.
Entre as abordagens disponíveis, buscaram-se as mais precisas para a discussão
da reconfiguração da indústria da música, recorre-se aos teóricos da Escola de Frankfurt
para questionar o desenvolvimento da reflexão teórica acerca do conceito de indústria
cultural. Tal conceito foi criado em 1947 por Theodor Adorno e Marx Horkheimer na
obra “Dialética do Esclarecimento”, utilizado para radiografar os elementos que a
expressão “cultura de massa” não assegurava, uma vez que o termo se restringia apenas
a culturas ligadas a grupos populares. Dito de outra forma, caracterizaram a indústria
cultural como um “mecanismo” político e econômico que designava a produção de bens
de cultura como filmes, livros, músicas, programas de TV, entre outros. As críticas
feitas pelos teóricos frankfurtianos à indústria cultural permitiram apontar as tensões,
conflitos e disputas dentro da sociedade moderna em relação à arte como mercadoria e
de alguma forma como estratégia de controle social. Os autores afirmam que,
os interessados inclinam-se a dar uma explicação tecnológica da
indústria cultural. O facto de que milhões de pessoas participam dessa
indústria imporia métodos de reprodução que, por sua vez, tornam
inevitável a disseminação de bens padronizados para a satisfação de
necessidades iguais. O contraste técnico entre poucos centros de
produção e uma recepção dispersa condicionaria a organização e o
planejamento pela direção. Os padrões teriam resultado
originariamente das necessidades dos consumidores: eis por que são
aceitos sem resistência. De facto, o que o explica é o círculo da
manipulação e da necessidade retroactiva, no qual a unidade do
sistema se torna cada vez mais coesa. O que não se diz é que o terreno
no qual a técnica conquista seu poder sobre a sociedade é o poder que
os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade. A
racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação. Ela
é o carácter compulsivo da sociedade alienada de si mesma.
(ADORNO; HORKHEIMER, 1947, p. 58).

Nesta perspectiva, a indústria cultural tem como objetivo padronizar o consumo


dos indivíduos, fortalecendo novas condições de produção e mercado, produzindo bens
culturais em larga escala. Observa-se, por exemplo, que os produtos culturais interagiam
das formas mais diversas com a situação econômica, um dos aspectos desse cenário foi
a necessidade do mercado em estimular indivíduos consumidores mais plurais e
compulsivos. É neste cenário sobre a produção acelerada de bens culturais que o
conceito de indústria cultural começa a ser questionado, principalmente, por não dar
conta da diversidade de produtos culturais, reduzindo-se em mero conceito formal.
Por não se sustentar e por conta da pluralidade de imagens, produtos, meios e
receptores, o termo indústrias culturais começa a ser utilizado para dar conta das
dinâmicas dos produtos culturais. As indústrias culturais, a grosso modo, referem-se à
criatividade, as diversas indústrias (música, cinema, teatro, televisão...) que possui
métodos de produção específicos e o valor cultural que advém o econômico. Para o
professor e pesquisador David Hesmondhalgh (2002), as indústrias culturais criam e
divulgam produtos, que o autor designa de textos, a fim de influenciar a nossa
percepção do mundo, a influência ocorre a partir do consumo destes textos (filmes,
músicas, jogos...). Vale ressaltar, que a discussão aqui não discorda completamente do
pensamento de Adorno e Horkheimer (1947), mas defende-se uma abordagem que
reconheça as especificidades da estrutura de cada setor de bens culturais, representada
pela ideia de indústrias culturais.
As indústrias culturais estão envolvidas na fabricação e circulação de produtos,
fazendo com que a mídia tenha influência sobre os produdos consumidos.
Hesmondhalgh (2002), aponta que “somos influenciados não só por textos informativos,
como jornais, programas de notícias, documentários e livros analíticos, mas também
pelo entretenimento: filmes, TV, séries, quadrinhos, música, vídeogames”, e que estes
produtos agem como uma espécie de relatório e ajudam a constituir nossa vida pública e
privada. Corroborando com a discussão, Bernard Miège (2000), afirma que o interesse
pelas indústrias culturais ocorreu nos anos 1970, principalmente por conta da política
que reinava neste período, o autor acrescenta que a importância das indústrias culturais
na sociedade moderna é a capacidade de produzir e circular produtos que influenciam
nossas experiências. Além de seu papel como sistemas para gestão da criatividade, do
conhecimento e seus efeitos como agentes do desenvolvimento econômico, social e
cultural. Em suma, Adorno (198, p. 92), acrescenta que:
Em todos os seus ramos fazem-se, mais ou menos segundo um plano,
produtos adaptados ao consumo das massas e que em grande medida
determinam esse consumo. Os diversos ramos assemelham-se por sua
estrutura, ou pelo menos ajustam-se uns aos outros. Eles somam-se
quase sem lacuna para construir um sistema. Isso graças tanto aos
meios atuais da técnica, quanto à concentração econômica e
administrativa.
O referido autor mostra que, a princípio, o surgimento ou crescimento de
produtos culturais de massa influenciaram uma desordem social, dado que os fatores
propulsores dessa desordem seriam as dinâmicas e relações de consumos. Dessa forma,
a distribuição de bens culturais refletiria a condição social dos consumidores, iniciando
uma segregação no âmbito das relações econômicas e culturais. Surge uma produção
cultural intensa, fazendo com que a cultura se torne uma questão de mediação.
Nesse ponto de vista, Miège (2000), destaca que cada setor de bens culturais
possui uma estrutura própria de produção, circulação e distribuição, resultante das
forças econômicas presentes no campo e atendendo a públicos distintos, uma vez que
não se trata apenas de medir a distância entre as mensagens e seus efeitos com o
público, e sim construir uma análise integral do consumo, entendido como o conjunto
dos processos sociais de apropriação dos produtos culturais. Miège (2000, p. 17) reforça
que:
a cultura se apresenta cada vez mais como uma mercadoria, que se
vende cada vez mais e melhor, mesmo que seu caráter de mercadoria
esteja longe de cobrir todas as atividades de natureza cultural. As
pesquisas conduzidas em ‘setores’ tão diversos como o disco, o filme
amador, gravuras, novos produtos audiovisuais (queremos dizer com
isso o videocassete, os produtos audiovisuais gravados e editados em
suportes digitais, televisão a cabo) os levou a insistir em que os
produtos culturais não são um todo indiferenciado, como se tendia a
pensar antes, concordemos ou não com as análises dos membros da
Escola de Frankfurt. Resulta disto condições de produção e
valorização muito diferentes, dependendo de fatores como se estes
produtos podem ser facilmente reproduzidos ou não, dependendo ou
não de envolver a participação direta de artistas em seu projeto, e se os
produtores estão desenvolvendo estratégias quer a nível nacional ou
internacional. 1

É possível supor que as táticas mercadológicas também fomentam determinados


valores estéticos e culturais. Dessa maneira, o caráter heterogêneo e cosmopolita dos
mercados culturais e sua organização mudaram drasticamente, isto é, as empresas mais
consolidadas atuam em diferentes indústrias culturais e não apenas numa específica, a
exemplo da produção televisiva, uma vez que os conteúdos são marcadamente híbridos.
A pluralidade cultural fez com que alguns pesquisadores revisse o próprio conceito de
indústrias culturais, já que alguns produtos estariam mais ligados a criatividade, Miège
(2000) e Hesmondhalgh (2002), faz uma diferenciação bem pragmática entre indústrias
culturais e criativas, enquanto a primeira refere-se ao significado simbólico e aos
métodos de produção e circulação à escala industrial, retrata-se aqui o cinema, os
produtos audiovisuais, a edição, a gravação musical. A indústria criativa estaria
relacionada as artes criativas: o teatro, os espetáculos, os concertos musicais, a
justificativa seria por conta dos métodos de produção, pois não estão ligados a escala de
produção industrial.
As ponderações dos pesquisadores acerca das indústrias culturais são relevantes,
pois permitem refletir o processo de mercantilização da cultura e das artes, destacando
os elementos distintos que os bens culturais apresentam em relação aos produtos
industrializados. Dentro da esfera das indústrias culturais, a noção de indústria musical 2
surge como moldura analítica deste capítulo, mas também ao longo desta tese. O
próximo tópico busca-se compreender melhor a relevância da indústria da música na
cultura contemporânea.

1.1 Indústria da música: uma delimitação conceitual

1
“Les auteurs de la recherche partent du constat que la cultura se presente de plus en plus sous la forme
d’une marchandise, qui se vend de mieux en mieux, même si la forme marchande est encore loin de
recouvir toutes les activités d’ordre culturel. Les enquêtes qu’ils ont menées dans des ‘filières’ aussi
diverse que le disque, la photo-cinéma d’amateur, les estampes, les nouveaux produits audiovisuels
(entendons par là les magnétoscopes, l’audiovisuel enrigistré et édité sur des vidéodisque ou des
vidéocassettes, la télédistribution) les conduisent à insister sur le fait culturels ne constituent pas un tout
indifférencié, ainsi qu’on avait tendance à le penser antérieurement, que l’on partage ou non les analyses
des membres de l’ École de Francfort’. Il en résulte des conditions de productions et de valorisation très
différentes, selon que ces produits peuvent être reproduits aisément ou pas, selon qu’ils impliquent ou non
la participation directe d’artistes à leur conception, et selon que les stratégies des producteurs se
développent ou non dans un cadre national ou transnational”
2
é um termo usado para descrever algumas empresas e organizações ligadas à música. Quando o termo
"indústria da música" é usado com um sentido generalizado, pode se referir a empresas e organizações
que gravam, produzem, publicam, distribuem e comercializam músicas gravadas em estúdios. Indústria
da música é uma vertente das indústrias culturais.
A fim de compreender a dinâmica da indústria da música, antes de tudo, é
necessário reconhecer que esta indústria não tem o mesmo valor semântico que indústria
fonográfica, ambas possuem características e atividades distintas. Assim, em primeiro
lugar, faz-se essencial definir o que é indústria fonográfica para depois assegurar-se o
nosso objeto, indústria da música. Industria fonográfica é o conjunto de
empresas especializadas em gravação, edição e distribuição de mídia sonora, seja em
formato de CD, fita cassete, disco de vinil ou em formatos de som digital como o MP3.
A produção de tecnologias de reprodução sonora é a base da indústria fonográfica,
pois os conteúdos são constituídos predominantemente por repertório musical. O
pesquisador Leonardo De Marchi (2011), acrescenta que dentro desta indústria, os
conteúdos estão “sujeitos à regulação legal da propriedade através de uma variedade de
direitos de propriedade intelectual. Seus produtos – os fonogramas – somente adquirem
funcionalidade quando consumidos junto a aparelhos reprodutores (hardware)”. O
desenvolvimento da indústria fonográfica ocorreu no ano de 1888, por meios
mecânicos, quando a empresa North American Phonograph Company 3 agenciou as
licenças de comercialização do phonograph4. Foi nesse cenário e ano que, Emile
Berliner desenvolveu o gramofone:
um aparelho reprodutor de áudio que utilizava discos em lugar de
cilindros. Em 1893, Berliner formou, para a comercialização de seu
equipamento, a United States Gramophone Company e, no ano
seguinte, contratou o pianista Fred Gaisberg como seu diretor de
gravação e descobridor de talentos. Por comercializar um aparelho que
se destinava exclusivamente à reprodução de áudio, Berliner
considerou desde o início a necessidade de produzir discos gravados.
Por isso, em 1897, criou aquele que pode ser considerado o primeiro
estúdio comercial de gravações do mundo e, em 1900, já oferecia a
seus
clientes um catálogo com 5.000 títulos. (VICENTE, 2012, p. 197).

A tecnologia tem sido fundamental para a produção, distribuição e consumo da


música há mais de meio século; de fato, tornou-se uma pré-condição para a cultura da
música no seu sentido mais amplo e em diferentes níveis. Os debates que acompanham
a inserção de novas tecnologias na música popular muitas vezes envolvem um conjunto
de dicotomias, a exemplo da distinção entre música "ao vivo" e "gravada". Contudo, tais
distinções são por vezes ineficientes, pois a performance ao vivo da música popular
3
Foi a primeira tentativa de comercializar gravação de som no final dos anos 1880 e início dos anos
1890. Embora a empresa muito malsucedida em seus objetivos devido a problemas jurídicos, técnicos e
financeiros, que preparou o palco para a indústria de gravação moderna em meados dos anos 1890.
4
Um aparelho mecânico de gravação e reprodução sonora que operava com cilindros e fora inventado por
Thomas Edison.
massiva, por exemplo, pode ser tão dependente das tecnologias de produção e
reprodução de áudio como qualquer gravação em estúdio. De Marchi defende que é
fundamental assinalar que a adoção da estratégia comercial de venda
de cópias de discos para indivíduos representava muito mais do que
uma mera mudança de foco nos negócios. Em primeiro lugar,
significava que as máquinas de gravação sonora assumiam uma
função predominantemente de reprodução de som, não mais de
gravação. Em segundo, a técnica de estampagem para a replicação do
conteúdo dos discos envolvia tal complexidade para sua realização
que era necessária a construção de fábricas para a reprodução dos
discos, o que estabelecia outra barreira de entrada no mercado de
gravações sonoras para novas companhias. Em terceiro, a fonografia
passava a ser uma economia propriamente industrial, abandonando a
possibilidade ser uma economia de redes, como se havia antes
imaginado. (DE MARCHI, 2011, p. 99).

O pesquisador aponta para as transformações que ocorrem na indústria


fonográfica ao longo dos anos, o crescimento das máquinas de gravação e
consequentemente um maior número de gravadoras. A partir dos anos 1920, com a
música popular – observa-se a consolidação do disco de 78 rpm 5 como seu suporte
padrão – momento em que o consumo material aumenta gradativamente. Mais de 20
anos depois, no final da década de 1940, a indústria fonográfica estava sendo firmada
como indústria musical, ou seja, iniciando um novo período de modificações. Destaca-
se que um ponto primordial para as transformações da indústria fonográfica é o
desenvolvimento da eletrônica, principalmente no que se refere a gravação e a própria
reprodução do áudio. Essa mudança é tanto em relação ao uso comercial, quanto pelo
surgimento de outros recursos, como é o caso da estereofonia. 6 O próximo passo é a
criação do microssulco7 desenvolvido nos laboratórios da CBS8, nos Estados Unidos.
Esse novo processo de gravação, cuja prensagem era feita em um novo tipo de material
conhecido como “vinylite”9, trazia várias vantagens quando comparado aos
antecessores, dentre as principais se destaca: reprodução com longa duração, daí o seu
nome “Long Playing”, melhor na faixa dinâmica, resposta de frequência de alta

5
 Disco de 78 rotações (velocidade por minuto)
6
Técnica de gravação, transmissão e reprodução de sons que reconstitui a distribuição das fontes sonoras,
emitindo os sons em dois canais para dois ou mais alto-falantes, pelo que se obtém o efeito de relevo
acústico (L e R).
7
 Compacto em que é gravada a trilha sonora de um long-play (LP, disco de vinil...)
8
A CBS (um acrônimo para o nome antigo da rede, Columbia Broadcasting System, em português:
Sistema Columbia de Radiodifusão) é uma rede de televisão aberta comercial americana que é a
propriedade carro-chefe da CBS Corporation.
9
Um nome de marca para uma série de resinas de vinil termoplástico, não tóxico, resistente a ácidos, ou
plásticos: usado em revestimentos, adesivos, filme, artigos moldados e registros de fonógrafo.
fidelidade, operação com fonocaptores10 com baixíssima pressão de trilhagem, maior
resistência ao desgaste e, ausência de ruído superficial, uma grande vantagem para a
indústria musical no aperfeiçoamento da gravação e reprodução dos sons com o
abandono do 78rpm.
O professor francês de sociologia da Universidade de Marne-la-Vallée (Paris),
Patrice Flichy ressalta que
[...] em princípios do século 20, cinco companhias dominavam o
mercado mundial de música gravada. Edson, nos Estados Unidos, e
Pathé, na França, comercializavam os cilindros. A Victor Records
(Estados Unidos) e o grupo Gramophone (com sedes na Inglaterra e
Alemanha) haviam se especializado no campo discográfico, além da
Columbia norte-americana, que comercializava ambos os suportes
(FLICHY, 1982, p. 23).

As tecnologias de gravação aumentaram consideravelmente entre os finais das


décadas de 20 e 40, resultantes das fusões de diversas companhias de gravadoras. Como
consequência, as mais altas posições do mercado eram ocupadas, em 1948, pelas
seguintes companhias: RCA, CBS, EMI, Phonogram e Polydor. A potencialidade
dessas empresas indubitavelmente contribuiu para o ápice da indústria musical. O
processo de transição e mudança de paradigma da indústria fonográfica para musical
ainda está relacionada a forma como os indivíduos se relacionam com a música, assim
como sua produção musical. O sociólogo, Simon Frith (2001, p. 33), define a indústria
da música como
uma indústria de direitos intelectuais, dependente da regulação legal
da propriedade e licença de uma grande variedade de usos das obras
musicais; uma indústria de edição, dependente da criatividade de
músicos e compositores; uma indústria de talentos, dependente de uma
eficiente administração desses compositores e músicos, através de
contratos e do desenvolvimento do sistema de estrelato; uma indústria
de equipamentos eletros-eletrônicos, dependente do usufruto público e
domestico de distintos tipos de aparelhos.

A indústria da música, em geral, é baseada na criação e exploração de


propriedades intelectuais relacionadas a música. Compositores criam canções e arranjos
que são realizados ao vivo no palco; em seguida são gravadas e distribuídas aos
consumidores ou disponibilizado para algum outro tipo de uso, um exemplo, é a música
de fundo para outros meios de comunicação (trilha sonora de novela, filmes,
propagandas etc). É interessante entender, que em sentido mais amplo, a indústria da
10
É cápsula fonocaptora é encontrada em toca-discos de vinil. Trata-se de um transdutor em miniatura que
ao percorrer as ondulações dos sulcos, transforma as vibrações mecânicas em impulsos elétricos, que por
sua vez serão amplificados, resultando em som audível.
música se divide em três estruturas básicas. A primeira está relacionada no registro e na
distribuição de música para os produtores e consumidores – indústria fonográfica; a
segunda está direcionada, principalmente, em composições e acordos com as empresas
– indústria de licença da música e a terceira é focada em produzir e promover
entretenimento ao vivo, tais como concertos, shows, festivais etc – indústria da música
ao vivo, parte que mais nos interessa.
Evidente que existem outros elementos que consolidam esta indústria, que por
vezes são reconhecidos como membros técnicos, tais como fabricantes de instrumentos
de música, software, equipamentos sonoros, entre outros. No entanto, embora sejam
importantes tradicionalmente não são considerados partes integrantes do núcleo da
indústria da música, pois estes elementos também estão associados a outras práticas e
indústrias, como a fonográfica. Durante um bom período, a música gravada foi a que
mais gerou receita, justamente, por parte dos artistas e bandas na indústria da música
tradicional sonharem em assinar um contrato com uma grande gravadora. A assinatura
de um contrato significava uma gravação em estúdio profissional e permitiria a entrada
do artista no sistema de distribuição internacional de gravação e distribuição. As
definições apresentadas assemelham-se a esfera fonográfica – primeira estrutura básica -
que fazem o recorte de delimitações. Como já foi referido, essas definições se aplicam
tanto ao âmbito da produção quanto ao da disseminação das gravações musicais.
A segunda estrutura básica - licenciamento de música – é uma pequena parte do
setor da indústria musical, mas que tem enorme importância em relação aos direitos
autorais. Os editores de música, que atuam nesta dinâmica, fazem parte das grandes
gravadoras e não tem interação direta com o público, sendo sua principal
responsabilidade garantir que as taxas de licença sejam arrecadadas quando uma música
for utilizada em qualquer contexto ou veículo e que estas taxas sejam, posteriormente,
distribuídas entre os envolvidos, compositores e artistas responsáveis.
Por último, o setor que mais nos interessa em relação a indústria musical -
música ao vivo – é a estrutura básica que mais vem crescendo e reconfigurando a
indústria musical, embora este setor tenha uma longa e orgulhosa história, desempenhou
um papel secundário para a indústria musical durante o século XX, mas que atualmente
é a base para consolidar determinado artista. O número de shows e vendas de turnês
foram sem dúvida importantes fluxos para a receita dos produtores musicais, além de
promover um álbum de estúdio com a turnê dos artistas e bandas. Os ganhos e perdas
sempre fizeram parte desse sistema industrial, seja em relação ao consumo de música ao
vivo até as vendas de discos. Cabe apontar que a produção cultural diz respeito à
trajetória do conjunto de experiências que a indústria musical vem vivenciando, o
pesquisador Keith Negus (2004, p. 2), destaca que

baseando-se em extensas pesquisas e entrevistas com o pessoal da


indústria musical na Grã-Bretanha, Estados Unidos e Japão, mostra
como a criação, circulação e consumo de música popular é moldada
por gravadoras e estilo de negócios corporativos, embora enfatizando
que a produção musical ocorre dentro de uma cultura mais ampla, não
esteja totalmente no controle de grandes corporações .11

O pesquisador explora o funcionamento da indústria da música, rastreando o


relacionamento muitas vezes desconfortável entre corporações de entretenimento e os
artistas que assinam contratos em grandes gravadoras. Negus (2004), examina as
estratégias mercadológicas e avalia os vários mitos da cultura corporativa, a relação
entre mercado e cultura, além de questionar como a produção cultural interfere na
indústria musical. Assim,

(...) [a cultura da produção seria] a maneira pelas quais os processos e


práticas de produção constituem-se, ao mesmo tempo, em fenômenos
culturais. (...) Isso não só tem implicações no que se refere a pensar a
relação entre cultura e indústria, mas também coloca questões sobre a
idéia de uma indústria da cultura. (NEGUS, 2005, p. 48)

Em outras palavras, o autor argumenta como uma matriz cultural da relação


produção-consumo envolve uma série de conhecimentos, aplicações afetivas e práticas
sociais, reivindicando que a ideia de indústria da cultura não pode ser reduzida a uma
simples lógica comercial, assim como a indústria da música. Quando o mercado passa a
ser o principal balizador do valor dos bens culturais, há um certo receio em relação ao
campo da economia e o da cultura.
O entrelaçamento da economia e da cultura está se tornando lugar
comum no pensamento mundial. Os altos investimentos exigidos pela
produção das indústrias culturais (cinema, televisão, música,
informática) e os ganhos espetaculares produzidos nesses campos
converteram as empresas de cultura em uma parte significativa da
economia global. Se a indústria cultural na América Latina já
movimentava em meados da década de 1990 perto de 40 bilhões de
dólares por ano, 90% dos quais se concentravam nas majors 12
transnacionais, sua importância econômica se acentuou no último ano
11
Drawing on extensive research and interviews with music industry personnel in Britain, the United
States and Japan, shows how the creation, circulation and consumption of popular music is shaped by
record companies and corporate business style while stressing that music production takes place within a
broader culture, not totally within the control of large corporations
12
Grandes companhias transnacionais do disco.
com as megafusões entre as empresas de informáticas e de
entretenimento (…). (Canclini, 2004c, p. 44)

As majors da indústria musical, por exemplo, são empresas que se movem com
desenvoltura entre o global e o local. Especialistas em transitar, elas criam condições
para que circulem-se entre diversas escalas da produção e do consumo, diante disso, a
produção de sentido da música popular massiva envolve estratégias que ultrapassam os
aspectos imanentes e constituem valores econômicos, culturais e afetivos. Conforme
pode ser observado acerca da indústria musical, Micael Herschmann (2010), acrescenta
que,
como muitos sabem, desde a segunda metade dos anos de 1990,
assistimos a um processo de transição da indústria da música mundial.
Na realidade, analisando com atenção esta indústria é possível
identificar duas faces visíveis deste enorme avalanche de
transformações que estão ocorrendo na indústria da música nos
últimos anos: a) primeiramente, presenciamos não só a desvalorização
vertiginosa dos fonogramas, mas também o crescente interesse e
valorização da música ao vivo executada especialmente nos centros
urbanos; b) e, em segundo lugar, a busca desesperada por novos
modelos de negócio fonográficos (que hoje emergem na forma de
diferentes tipos de plataformas digitais e nos serviços da telefonia
móvel), ou melhor, o crescente emprego das novas tecnologias e das
redes sociais na web como una forma importante de reorganização do
mercado (a utilização das tecnologias em rede como uma relevante
estratégia de comunicação e circulação de conteúdos, de
gerenciamento de carreiras artísticas, de formação e renovação de
público, de construção de alianças com os consumidores, etc.)
(HERSCHMANN, 2010, p. 37).

Existe um crescimento em relação a competição de produtos culturais, o


mercado o tempo todo apresenta novos produtos. É necessário repensar a eficácia das
inovações e das irreverências artísticas, os limites. É preciso analisar como se
reformulam os vínculos entre autonomia e dependência da arte nas condições atuais de
produção e circulação cultural. Sendo que,
a) um crescimento da competição entre os produtos culturais, entre as
empresas que oferecem no mercado globalizado bens e serviços
culturais (há claramente um aumento da oferta, das opções de lazer e
consumo cultural); b) limites dados pelo poder aquisitivo da
população (especialmente em países periféricos como o Brasil); c) e o
crescimento da chamada “pirataria”, não só aquela realizada através
de downloads, na rede, mas também a concretizada fora da rede
(Herschmann, 2007, p. 38)

Herschmann (2010), argumenta que estudar a indústria da música “implica na


construção de uma pesquisa e análise que aproxime ao menos dois campos: o da
economia e da cultura”. É essencial identificar e analisar as dinâmicas de produção da
indústria musical, articulando essas duas áreas, “hoje em dia a sociedade admite de
forma mais tranquila que estes campos não estão caracterizados apenas por tensões, mas
também por articulações de grande relevância no cotidiano” (HERSCHMANN, 2010, p.
8). O autor ainda reforça que nas últimas décadas, ainda que lentamente, vai crescendo a
percepção de que cultura e negócios “não são incompatíveis, ainda que seja importante
criticar os impactos de uma excessiva lógica mercantil no âmbito da produção cultural”.
Em relação a lógica de mercado, a indústria da música trabalha, aproximando-a
da perspectiva sobre como a criação, circulação e consumo de música popular é
moldada por registro das gravadores e pelos produtores, além de inúmeras outras
pessoas que participam da indústria musical. As transformações que estão ocorrendo na
indústria da música nos últimos anos nos permitem pensar sobre a valorização da
música ao vivo, além da busca desesperada por novos modelos de negócio e as novas
práticas de consumo musical.
Para entender o momento atual da indústria musical, no tópico seguinte, busca-
se demonstrar que o formato digital impactou não só a música gravada, mas trouxe
reflexos para toda a cadeia produtiva da música. Uma questão que se coloca neste
trabalho é a que os novos modelos produtivos e práticas de consumo ampliaram
significativamente a presença da música na vida cotidiana. É possível constatar que a
música ao vivo e a gravada estão onipresentes no cotidiano da sociedade contemporânea
(HERSCHMANN,2010, p. 37). Esse é um dos pontos balisadores do trabalho e, embora
não seja abordado de forma específica em todos os momentos, vai permeando os tópicos
que serão desenvolvidos ao longo do texto.

1.2 Tendências e oportunidades do mercado musical contemporâneo

O licenciamento de música continua sendo um setor relevante para a indústria da


música, isso por conta de sua rentabilidade, porém a música ao vivo se tornou o maior
setor de música desta indústria. Um dos motivos para este deslanche é sem dúvida ao
número crescente de apresentações dos artistas e bandas em shows, concertos e
festivais. A visibilidade de determinados artistas, assim como difusão de seu trabalho e,
consequentemente, a venda de ingressos de suas apresentações está ligada a tecnologia
digital, que ocupa um espaço maior a cada dia que passa. O desenvolvimento acontece
tanto na captura quanto no processamento ou disseminação da música, ou seja,
gravadores de som, aplicativos musicais, redes de compartilhamentos, redes sociais
especializadas (Last.FM, My Space), assim como as redes sociais em geral. A música
na era digital é mais acessível, fazendo com que a música ao vivo experimente novos
mercados e ganhe mais público, uma vez que os trabalhos dos artistas são
massivamentes compartilhados. Diante disso, entende-se que a crise da indústria da
música está relacionada aos seguintes fatores:
a) crescimento da competição entre os produtos culturais, entre as
empresas que oferecem no mercado globalizado bens e serviços
culturais (há claramente um aumento da oferta, das opções de lazer e
consumo); b) limites dados pelo poder aquisitivo da população
(especialmente em países periféricos); e c) crescimento da pirataria,
não só aquela realizada por meio de downloads, na rede, mas também
a concretizada fora da rede (HERSCHMANN, 2007, p. 21)

Percebe-se que transformações significativas estão ocorrendo na música, assim


como no campo da cultura e da comunicação. Tais mudanças ocorrem por conta de
vários fatores: a produção de uma nova geografia (ocupação dos espaços públicos para
intervenções culturais); cosmopolitismo estético musical (apropriações sonoras) e o
desenvolvimento de novos modelos de distribuição em relação a emergência e
popularização das tecnologias digitais, facilitando ainda mais o consumo dos produtos
midiáticos. É interessante destacar como o consumo de música aumentou
consideravelmente nos últimos anos, Simone Sá acrescenta que,
notícias sobre pirataria, trocas de arquivos sonoros pela Internet,
estúdios caseiros, pod-casting, crescimento das gravadoras
independentes e download de música em celulares, entre outros
exemplos, aparecem diariamente na imprensa, retratando um quadro
de “crise” da indústria fonográfica. A constatação, recebida com
perplexidade pelos empresários mais ortodoxos, pode ser sintetizada
no fato de que nunca se consumiu tanta música como hoje; entretanto
as multinacionais do setor registram números decrescentes de vendas
de discos. (SÁ, 2005, p. 2).

O que Sá enfatiza é a necessidade de reconhecer as formas de consumo como


mecanismos de ampliação na presença da música na vida cotidiana. O consumo constrói
um sistema coletivo de compartilhamento, além de criar possibilidades de acessos e
transferências de músicas em plataformas digitais, “possibilita o acesso a uma
heterogeneidade nunca antes imaginada de material audiovisual de forma rápida e
gratuita” (SÁ, 2010, p. 153). Os apontamentos de Sá (2010) em relação ao mercado
fonográfico, esclarece que a tecnologia digital, no seu agenciamento com os indivíduos,
vem gerando uma nova cultura da música em que não se dá tanto valor aos fonogramas.
As transformações do consumo musical e das diversas formas de rentabilidade
com a atividade artística, nos fazem pensar que sempre ocorrerá ganhos e perdas no
mercado musical. É necessário reconhecer que são as dinâmicas de produção,
circulação, consumo e os novos modelos de negócios para distribuição da música que
fazem o setor da música ao vivo ampliar:
vem crescendo a consciência dos profissionais de que a
produção de música ao vivo continua valorizada e muito
demandada pelo público. Os músicos, produtores e gestores de
indies13 que têm concentrado seu poder nos eventos musicais
têm tido não só um retorno interessante, mas também a
possibilidade de perceber que a “questão da pirataria” passa a
ser incorporada não mais como um problema, mas uma
oportunidade para divulgação da obra (como uma estratégia para
se angariar reconhecimento junto ao público). (...) Dados mais
recentes do site The View confirmam esta tendência (de forma
estável): o mercado de shows musicais apresentou um
crescimento de 10% em 2008, movimentando cerca de US$ 25
bilhões (entre venda de ingressos, publicidade e direitos de
imagem) durante o ano. A maior empresa do mundo do setor de
eventos musicais, a empresa transnacional Live Nation - que
atua realizando shows em 19 países e faturou nos últimos anos
mais de quatro bilhões de dólares – projeta um crescimento
constante de 15,5%, para os próximos anos. (HERSCHMANN,
2010, p. 78-79)

A música ao vivo do cenário independente14 não compete com as vendas físicas


existentes, muito pelo contrário, ela contribui para uma maior difusão do material físico,
um bom exemplo são as banquinhas de CDs e DVDs nos festivais de música, cada
banda/artista pode ser beneficiado com a venda de seus discos, além de outros produtos.
Essa dinâmica está relacionada aos aperfeiçoamentos e desenvolvimentos
experimentados pela música independente que é diferente do mainstream 15 e da música
popular periférica16. Em consideração a esta última, George Yúdice (2011, p. 27),
comenta que
A popularidade dos músicos ajuda a vender CDs e DVDs que operam
totalmente fora do regime de direitos autorais. Enquanto há uma
pirataria generalizada de música e filmes estrangeiros (a taxa de

13
Abreviação em inglês de independente.
14
É o oposto do que o termo maisntream aponta, não está ligado as grandes gravadoras ou empresas. Ao
longo do nosso estudo, iremos com mais precisão termo.
15
É um termo inglês que designa o pensamento ou gosto corrente da maioria da população, aquilo que é
mais acessível, que vende mais, no caso da música está ligado as grandes gravadoras. É muito utilizado
atualmente referindo-se às artes em geral (música, literatura, etc.).
16
Originados em locais à margem dos centros urbanos, sejam eles geográficos e/ou sociais que resultam
de uma determinada rede de relações sociais e de seus aspectos performáticos.
pirataria é de 98%; quase todas as lojas de música e grandes locadoras
de filmes como, por exemplo, a Blockbuster, saíram do negócio), a
reprodução e distribuição de CDs e DVDs de música andina não é
exatamente ilegal: na realidade, os produtores negociam diretamente
com os agentes que realizam as cópias (muitos dos quais também são
camelôs), contratando-os. Os músicos ganham muito pouco com os
fonogramas gravados (os preços dos CDs são muito baixos, cerca de
60 centavos de dólar) e os vários intermediários – produtor, copiador e
o camelô/ vendedor – ficam com quase todo o lucro; mas eles
funcionam mais especificamente para a promoção do cardápio
principal que são os concertos, onde propriamente os artistas realizam
a maioria dos seus ganhos.

Disponibilizar suas músicas na internet em plataformas digitais, vídeos no


Youtube17 facilitam para que o público comece a conhecer o trabalho do artista. Mesmo
que o consumo não gere lucro instantâneo, tais plataformas servem como publicidade, já
que o compartilhamento é acelerado e dinâmico, sem distinção do cenário artístico
(mainstream, independente ou popular periférico). Dessa forma, pode-se constatar a
emergência de uma indústria de música fora do âmbito das majors com larga
participação dos produtores independentes na produção e no consumo musical.
É interessante atestar que a música ao vivo emerge e vem rompendo as fronteiras
sociais e territoriais, isto é, consegue ganhar visibilidade na cultura contemporânea,
especialmente, no que se refere aos festivais de música independente. A música pode
ser considerada um meio perfeito para socialização, motivos pelos quais tanto as redes
sociais quanto as plataformas de streaming (execução online) criaram mecanismos de
interação, fazendo com que o usuário possa consumir diversos produtos musicais,
independente do gênero, contribuindo para um consumo ativo. Houve uma
desvalorização dos fonogramas, necessidade de novos modelos de negócio e,
consequentemente, um crescente interesse e valorização da música ao vivo e dos
concertos realizados nas cidades (ou muitas vezes organizados na forma de festivais)
(HERSCHMANN, 2010).
Isso significa que o interesse pelos concertos ao vivo contribuiu para o
“rompimento” da tradicional cadeia produtiva da indústria da música, assim como a
ascensão tecnológica e uma relevante estratégia de comunicação e circulação de
conteúdos. Em resumo, fica claro perceber que atualmente a indústria da música vem
redefinindo os modelos de negócios e sua cadeia produtiva e isso com certeza traz
efeitos diretos para os profissionais que trabalham neste setor. Herschmann (2010, p.
82), acrescenta que:
17
Plataforma digital que funciona como canal de comunicação e difusão de produtos midiáticos.
É possível que a indústria da música consolide em breve novos
modelos de negócio e as vendas de música on-line venham a se
constituir em uma alternativa mais efetiva para a atual crise da
indústria fonográfica. É importante que se ressalte que as execuções
ao vivo - a realização de concertos, turnês e festivais - continuam
sendo uma importante estratégia de promoção porque auxiliam o
processo de mobilização da mídia para a “cobertura” de um
determinado trabalho musical, consolidando uma imagem do produto.

É evidente que exista uma renovação de público e novas alianças com os


consumidores. Assim, compreende-se que o consumo musical pode ser realizado de
diversos modos: shows ao vivo, vinil, CDs/DVDs, TV, rádio e pelas plataformas
digitais, como é o caso do formato streaming. Esse consumo musical se configura por
traços de interação, modos de compartilhamento entre os ouvintes, difusão em tempo
real, on-line ou offline. A renovação de público está ligada aos novos processos
personalizados que os canais auditivos vêm proporcionando, a pesquisadora Gisela
Castro (2005, p. 30) afirma que:
A prática cada vez mais disseminada de escutar música em qualquer
lugar e a qualquer momento, mesmo durante a realização de outras
tarefas como trabalhar, estudar, cozinhar ou dirigir – para citar apenas
algumas – faz com que ouvir música seja um comportamento
emblemático do contemporâneo.

A autora esclarece que as novas tendências da música vêm realizando um dos


mais interessantes trabalhos dentro do cenário cultural brasileiro, a prática de escutar
música em qualquer lugar e uma nova relação de consumo com o produto. Os serviços
de streaming, lojas virtuais (Apple Store, Google Store), sistemas de recomendação,
tornam-se opções de consumo de música, pensando nos diferentes estilos de
consumidores. Vale ressaltar, que essas dinâmicas não inviabilizam a cultura do disco.
Basta realizar uma busca na internet que encontramos lojas e sebos online vendendo
LPs, CDs e DVDs, fazendo com que todos possam de alguma maneira desenvolver
experiências com a música. No entanto, os sistemas de recomendação são fortes
influenciadores na cultura contemporânea, como Castro (2005) argumenta, a facilidade
de escutar música em qualquer lugar e em diferentes dispositivos é o que motiva os
novos hábitos de produção e consumo musical. Esses serviços são bem-sucedidos,
especialmente, por contribuírem com o crescimento de festivais em todo o Brasil
(YÚDICE, 2011). Reforçando a perspectiva de Castro (2005), Sá (2009, p. 1), reflete
que:
Sistemas de recomendação são, pois, exatamente aquilo que a
expressão sugere. Definidos de maneira simples, tratam-se de
softwares, também chamados de agentes inteligentes, que tentam
antecipar os interesses do consumidor no ambiente digital e prever
seus gostos, a fim de recomendar novos produtos.

Diferentemente do que ocorria com o download, em que o arquivo era


armazenado em seu computador, o streaming tem uma logística contrária, ao invés de
armazenar o conteúdo no disco rígido do usuário, o streaming transmite os dados. Por
conta desse formato de distribuição de música, o aumento dos serviços de streaming fez
com que o comércio de música digital em formato MP3 sofresse uma baixa de 2,3%,
paulatinamente, a venda de CDs decresceu numa média de 14,2%. De acordo com a
Nielsen SoundScan, sistema de informação criado por Mike Fine e Mike Shalett, que
faz todos os levantamentos de vendas de música e vídeo em todo os Estados Unidos, o
iPod registrou queda de 32% nas vendas no último trimestre, sendo um dos maiores
representantes da revolução digital, sobretudo, no que se refere a prática de escuta.
Napster, E-Mule, Bit Torrent, Myspace, iTunes, Last.fm, iMusica, Sonora, Spotify,
entre outras, foram algumas ferramentas indispensáveis para os consumidores de
música. “Ficou evidente que tais empresas passavam a mediar o contato com as
novidades musicais, e não mais as gravadoras – o que permite classificá-las de novos
intermediários da indústria musical no entorno digital” (ALBORNOZ; DE MARCHI;
HERSCHMANN, 2010).

Figura 1 – Linha do tempo da evolução dos dispositivos musicais.

Fonte: Google imagens.


O consumo de música mudou muito com a revolução digital. Anteriormente, o
artista necessitava repassar o direito de copiar seu trabalho para uma gravadora, que
fazia toda parte industrial (prensavam seus discos e os vendiam). Com o avanço digital
e os novos hábitos de escuta, uma grande parcela da população pode copiar o álbum do
artista e escutar em qualquer plataforma disponível. Vale lembrar que como a pirataria
funcionava de forma rápida e precisa, os grandes empresários do setor musical, tiveram
que se reinventarem. E o streaming representa uma forma de ultrapassar a pirataria com
um mecanismo de funcionamento diferente. O público ganha porque pode ouvir e
compartilhar música de forma “legal”. E o artista também ganha porque recebe um
valor por um tempo indeterminado.
É praticamente impossível não perceber que a cadeia de produção, circulação e
consumo da música foi afetada pelas tecnologias surgidas a partir da cibercultura (SÁ,
2009). Ficou mais barato fazer música, com o barateamento dos equipamentos e a
disponibilidade de softwares na internet, tornou-se possível a gravação caseira de um
disco. Com o desenvolvimento da cultura digital e os novos aparatos tecnológicos de
armazenamento e distribuição, diminuíram a distância entre produtores e consumidores.
Todo esse processo de evolução em relação ao consumo da música e as mais diversas
formas de escuta têm resultados positivos, pois grande parte de seu público são “jovens
internautas interessados em música, fossem eles músicos ou fãs, rapidamente fizeram do
ciberespaço um reservatório de música diversificada e, acima de tudo, gratuita”
(CASTRO, 2007).
Já estava prevista a transição da indústria musical para algumas tendências e
estabilizações. No entanto, o que necessita deixar claro aqui é que mesmo diante das
mudanças em curso, não há uma ruptura total com a indústria da música que se
consolidou no século XX. Ao abordar novas tendências e transição, o que está em xeque
são as transformações e adequações que a indústria musical vem passando nos últimos
anos, embora alguns autores acreditam na mudança plena, o que torna radical demais tal
pensamento, pois percebe-se que alguns modelos continuam fazendo parte dessa
indústria. “Mesmo com a emergência de modelos de negócio digitais, essa indústria
permanece tendo não só aspectos analógicos, como também características e dinâmicas
de cunho fordista” (HERSHMANN, 2011).
Nesse sentindo, existe uma relação de diálogo entre as diferentes mídias,
conforme propõe o conceito de remediação, sintetizado por David Bolter e Richard
Grusin (2000). Os autores tomam como ponto de partida a conhecida citação de Mc
Luhan de que “o conteúdo de um meio é sempre um meio anterior” para defenderem
que um meio de comunicação atua sempre em relação aos seus antecessores
estabelecendo uma relação de conservação e ruptura. Segundo afirmam, a remediação é
um processo característico da história da inovação tecnológica, pois toda nova mídia
pode ser compreendida como uma continuidade das anteriores ao mesmo tempo em que
desafia as tecnologias populares em determinada época. É possível identificar, portanto,
continuidades e rupturas nesse processo.
Existe um panorama interessante e que necessita ser analisado nos seus aspectos
mais distintos, como as novas estratégias de comercialização de fonogramas
desenvolvidas pelas empresas em parceria com plataformas multimídias, aparelhos
celulares e sites da internet. A utilização das tecnologias em rede como uma relevante
estratégia de comunicação e circulação de conteúdo, de gerenciamento de carreiras
artísticas, de formação e renovação de público, de construção de alianças com os
consumidores, etc. E o crescente interesse e valorização da música ao vivo executada
especialmente nos centros urbanos - ponto que será analisado mais detidamente no
segundo capítulo do trabalho e que norteia a discussão aqui proposta.
Para que possa depreender a discussão acima, o próximo ponto será dedicado a
compreender e analisar as vantagens que o mercado contemporâneo vem apresentando.
Cabe dizer ainda que, as tendências e oportunidades no mercado musical serão
apresentadas de acordo com a discussão acima realizada, aproveitando este recorte dos
novos hábitos de consumo e as transformações que vem ocorrendo na indústria da
música, o interesse maior está em apresentar características desse mercado
contemporâneo. É esse processo que se pretende explorar na sequência dessa discussão.

1.3 Tendências e oportunidades do mercado musical contemporâneo

Durante um bom tempo, os agentes e produtores que compõem a indústria da


música contribuíram para o desenvolvimento da produção, distribuição, circulação e
consumo da música gravada, em discos, fitas cassetes, CDs, DVDs, entre outros
suportes físicos. Com o processo de digitalização o mercado musical contemporâneo
começou a conhecer os novos rumos e desafios que esta indústria vem enfrentando,
tendo como desafio conciliar práticas tradicionais com a atual configuração.
Dessa forma, este tópico apresenta não um cenário de crise desse ramo das
indústrias culturais, mas um panorama das novas oportunidades, que a partir dos anos
1990, o processo de transição da indústria musical já apontava para algumas tendências
e estabilizações. Assim, as oportunidades econômicas desse cenário digital, fortalecem
os novos agentes e produtores que começam a criar ferramentas alternativas para o
mercado musical, pensando nas novas possibilidades de distribuição e consumo de
música.
Para uma compreensão mais apurada desse contexto de reconfigurações, é
essencial estruturar a discussão com base nos momentos mais centrais do mercado
musical. O debate inicia-se reconhecendo novas estratégias de comercialização de
fonogramas, em seguida a discussão parte para a utilização das tecnologias em rede
como uma relevante estratégia de comunicação e circulação, a importância das
plataformas musicais no consumo contemporâneo e, por fim, o crescente interesse e
valorização da música ao vivo, embora a discussão toma mais fôlego no segundo
capítulo da tese.
É interessante reconhecer que nas práticas culturais ligadas à música popular
massiva, os suportes digitais desempenham um papel fundamental na configuração dos
conteúdos. Com o passar dos anos, percebeu-se que esse suporte mudaria a rotina de
escuta musical. E foi através do crescimento e das estratégias comerciais e de parcerias
com agentes e produtores que a novos intermediários no entorno digital foram surgindo.
Os selos e gravadoras independentes brasileiras são uma fonte importante de
comercialização para as bandas e artistas novos, principalmente, aos que se denominam
independentes. Empresas como a iMúsica, Coqueiro Verde (ambas do Rio de Janeiro),
Lab Fantasma (São Paulo), Monstro Discos (Goiânia) e Garimpo Música (Salvador)
formam uma representativa amostra do que ocorre no mercado fonográfico brasileiro. A
gravação, distribuição e venda de fonogramas são as principais atividades, além de
desenvolver novas estratégias de acesso ao mercado consumidor de música que se
distinguem das grandes gravadoras. Estes selos independentes dedicam-se a realizar um
trabalho de valorização, registro e promoção dos artistas e suas atividades destacam-se
pela capacidade de explorar as novas possibilidades para a produção musical. Em
relação aos trabalhos desenvolvidos pelos selos, segundo Hershmann (2011, p. 286):
o aumento das redes de consumidores visa à diversificação de
produtos. Na medida em que se alcança uma massa crítica de
potenciais compradores, é possível lhes ofertar produtos distintos com
variados preços, ampliando as fontes de renda da companhia. Uma
primeira experiência nesse sentido é a parceira que a Bolacha Discos
estabeleceu com Download, empresa que disponibiliza online
catálogos dos artistas do selo para download. Os arquivos são
acessados através da inserção de um código pessoal que se revela em
cartões entregues gratuitamente ou vendidos aos consumidores. Uma
segunda experiência da diversificação é a fabricação de discos em
vinil. Os empresários da Bolacha Discos estabeleceram contato com a
GZ Digital Media, uma das últimas fábricas de discos do mundo,
sediada na República Tcheca. Assim, o consumidor que assiste ao
concerto pode baixar o disco pela Internet ou comprá-lo em SMD ou,
se preferir, em vinil.

Embora a descrição da atividade seja resumida, é interessante perceber que ambos


os selos apontados acima, possuem uma dinâmica de produção bem parecida. Evidente
que existam características comuns, como também divergentes. Todas comercializam
conteúdos musicais, lançam, distribuem e funcionam em cooperação com os artistas e
profissionais envolvidos, viabilizando os lançamentos através de parcerias. Os
lançamentos dos selos estão diretamente ligados aos artistas envolvidos com a
produtora. Alguns selos como a iMúsica, trabalha também procurando obter licenças
das obras gravadas por artistas ou gravadoras para distribuir a outras companhias
(portais de internet ou companhias de telefonia celular) ou vender diretamente aos
consumidores finais (Hershmann, 2011). Já a Monstro Discos, por exemplo, além de
gravadora, o selo também produz festivais independentes como o Goiânia Noise. Neste
sentido, torna-se difícil não afirmar que esses selos e gravadoras atuam como novos
intermediários do entorno da música digital. Hershmann (2011, p. 288), acrescenta que,
há no mercado digital de música no Brasil agentes intermediários que
oferecem conteúdos musicais em distintos formatos, suportes e sob
diferentes condições de comercialização. Essas novas firmas se
posicionam em diferentes espaços no interior de uma cadeia produtiva
com sucessivos elos. O lugar que ocupa cada firma nesse processo
depende, em larga medida, dos recursos econômicos e institucionais
que possui. Assim, algumas companhias conseguem desenvolver um
trabalho de mediação entre artistas e gravadoras multinacionais ou
nacionais com empresas de telecomunicações, portais de internet e
consumidores finais (intermediação complexa), enquanto outras se
limitam a oferecer conteúdos produzidos por músicos locais
diretamente a seu público final (intermediação simples).

Por isso, cabe reforçar que essas novas empresas e seus agentes estão renovando o
mercado da música, apontando caminhos a serem experimentados por outros produtores
e agentes. A indústria da música, constantemente, está em busca da ampliação de
mercados, as novas tecnologias de comunicação estão cada vez mais imbricadas na
forma de pensar a política, a economia e a cultura, sobretudo, em relação às expressões
musicais. Em meados de 2011, o financiamento coletivo - crowdfunding 18 se firmou
como uma opção plausível para ajudar diversos projetos musicais, especialmente, de
artistas independentes. Funciona como um modelo de negócio que se utiliza da internet
como fonte principal para realizar sua arrecadação. Assim é estipulada uma meta de
arrecadação que deve ser atingida para que o projeto seja viabilizado. Caso os recursos
arrecadados sejam inferiores à meta, o projeto não é financiado e o montante arrecadado
volta para os doadores. Diversas oportunidades surgem para comercializar a música
que, mesmo não oferecendo um retorno financeiro imediato aos artistas, proporcionam
visibilidade e ajudam na solidificação de projetos.
Não é à toa que as plataformas digitais de música chegaram definitivamente em
território brasileiro nos últimos anos. O Spotify, o Deezer e o Rdio, por exemplo, antes
mesmo de ser totalmente autorizado no país, as empresas já vinham liberando acessos
para alguns brasileiros que já podiam usufruir do mecanismo. Com seus serviços
disponibilizados para o consumo, as empresas queriam que o público entendesse o
funcionamento da plataforma e quais as principais ferramentas para obter uma melhor
experiência do consumo musical.
Esses programas utilizam o sistema streaming a fim de reunir milhões de
músicas, que estão disponíveis para os usuários escutarem quando desejarem, via
internet, sem a necessidade de fazer download, com todo seu processo de
funcionamento na legalidade, tanto em formato online quanto off-line. Entre os
questionamentos mais frequentes estão como ocorre à distribuição da música nesse
novo aplicativo e quais as parcerias que podem ser estabelecidas entre artistas e
gravadoras. Pois bem, esses aplicativos fecham acordos com gravadoras e
distribuidoras, para que possa iniciar a distribuição, em seguida remunera de acordo
com o acesso que os usuários fazem das faixas dos álbuns de seus artistas, um trabalho
que tem retorno para as gravadoras e artistas, diferentemente dos antigos downloads.
Os consumidores desses programas têm duas possibilidades de utilizá-los, o
primeiro deles é ouvir tudo de graça, mas com a condição de ser interrompido por
anúncios durante o seu uso. Outra possibilidade, o consumidor pode assinar o serviço,
esta opção torna-se paga e o usuário pode evitar as propagandas, além de baixar suas
músicas preferidas. Programas como esses podem ser um novo modelo de rádio online,

18
O objetivo central do crownfunding é arrecadar capital para iniciativas de interesse coletivo através da
agregação de múltiplas fontes de financiamento, em geral na internet a intenção é viabilizar projetos
culturais.
onde o próprio usuário faz sua playlist de acordo com seu gosto musical, fortalecendo o
consumo musical em plataformas digitais. Assim:
interatividade e customização são, como sempre, no mundo digital, as
categorias centrais do discurso dos desenvolvedores desses serviços,
que prometem assim algo “a mais” em relação às mídias tradicionais
para as diferentes partes envolvidas no processo. Por um lado, os
novos artistas, músicos e produtores terão seu trabalho apresentado
“às pessoas certas”. Por outro, os consumidores encontrarão também a
música – em especial a nova música – que gostariam de ouvir (SÁ,
2009, p. 2).

É interessante perceber que existem funções nos aplicativos que funcionam para
as mais distintas especificidades. São várias as possibilidades de pesquisas, tendo
funcionalidades que nos ajudam a encontrar uma música favorita, assim como
recomendar novos artistas que fazem parte de nosso repertório musical. Essas
negociações entre música e classificação, estilos e gêneros fazem parte da dinâmica
mercadológica que a indústria da música fornece. Essa situação é discutida pela
pesquisadora Adriana Amaral (2010, p. 147) que afirma que nos meios digitais a
classificação de gêneros musicais e a recomendação ainda é mais forte:
A categorização, classificação e colecionismo indicados através da
preocupação com a variedade de tags coletadas a partir dos estilos
musicais, contribuindo para análises, dos usos e formas de
colecionismo de música on-line (...). Tais práticas são amplificadas
pela infraestrutura e pelo ambiente das plataformas.

Em síntese, a dimensão e diversidade do catálogo de artistas presentes numa lista


de programas de streaming fazem com que seu serviço seja muito útil quando se
pretende descobrir música nova e construir relações com outros ouvintes, já que a
plataforma permite tal interação, sendo também um tipo de rede social. O jornalista do
Portal iG, Caio Menezes (ONLINE, 2017)19, em matéria sobre o mercado de shows no
Brasil, afirma que “houve uma queda acentuada em música comprada, mas crescimento
em música ouvida. Isso pode ser explicado pela popularização dos serviços de
streaming, como Spotify, Apple Music, Deezer e YouTube – alguns deles com versões
gratuitas”, isso significa que o mercado vem se reconfigurando. Para um melhor
aproveitamento dos serviços dessa plataforma, é preciso conhecer as ferramentas que
auxiliam a filtrar o imenso catálogo musical que cada programa disponibiliza. Essas
novas tendências e estratégias de comercialização de fonogramas desenvolvidas pelas
empresas criam um espaço fértil para o crescimento musical.
19
http://gente.ig.com.br/cultura/2016-12-08/mercado-de-shows-sim-sao-paulo.html
A música ao vivo também foi um setor que alavancou o mercado da música
contemporânea brasileira. Nos últimos anos, o número de shows, concertos e festivais
(independentes e mainstream) vêm crescendo em todo território, não somente localizado
no eixo Rio-São Paulo, a descentralização é algo forte nesse novo cenário. Um fator
primordial para esse crescimento, é a relação de vendas de álbuns físicos, ou seja,
começa abrir as portas para outros mercados, um exemplo, é a música ao vivo que
ganha espaço cada vez mais. É possível perceber, através de sites, cadernos culturais e
no próprio calendário cultural, o número de eventos relacionados as apresentações de
músicos, turnês internacionais e festivais que estão se multiplicando, no entanto, os
valores das entradas diferenciam a depender da atração e do formato de cada evento.
Vale ressaltar que:
No funcionamento tradicional da indústria fonográfica, a maior parte
dos benefícios obtidos por atuações ao vivo ia parar nas mãos dos
artistas, enquanto as gravadoras alimentavam suas vendas de
gravações em suportes físicos. Essa clássica divisão também está
sendo redefinida: tendo em vista a crise do suporte físico de gravação,
as companhias denominadas ‘fonográficas’ ou ‘gravadoras’ (ambos os
termos são hoje bastante questionáveis, pouco reveladores da
atividade que essas empresas realizam) estão desenvolvendo áreas de
negócios ou empresas ‘irmãs’ voltadas especialmente para a gestão de
carreiras artísticas. Isso inclui tanto a promoção de artistas e
intérpretes em diferentes níveis quanto o planejamento de suas
agendas (para atuações ao vivo, em concertos exclusivos ou em
festivais) e a estrutura técnica dos shows (HERSCHMANN, 2011, p.
27)

É sabido que o número de festivais ligados a grandes indústrias cresce


frequentemente, mas o que chama atenção é o crescimento significativo do número de
festivais independentes. No Brasil, por exemplo, o boom ocorreu por conta de uma série
de fatores e atores relacionados à produção cultural. São diversas iniciativas que
fortalecem esse desenvolvimento, mas para exemplificar aqui, algumas tornam-se mais
representativas, como os coletivos culturais ( como é o caso do Fora do Eixo FdE) 20,
coletivos de artistas independentes e as pequenas gravadoras e/ou produtoras,
mobilizam-se aproximadamente 300 mil pessoas em cerca de 40 festivais por ano, que,
em geral, são realizados fora das grandes capitais (HERSCHMANN, 2012).
20
O Circuito Fora do Eixo é uma rede de coletivos culturais surgida no final de 2005 que se destaca pelo
seu contínuo crescimento, e que, em 2012, totalizava mais de 200 espaços culturais no Brasil, 2000
agentes culturais, 2.800 parceiros e 2.0000 pessoas indiretamente, estando presente em 27 estados e mais
15 países da América Latina. Iniciada por produtores e artistas de estados brasileiros fora do eixo Rio-São
Paulo, inicialmente focava no intercâmbio solidário de atrações musicais e conhecimento sobre produção
de eventos, mas cresceu para abranger outras formas de expressão como o audiovisual, o teatro e as artes
visuais, ainda que a música siga tendo uma maior participação na rede.
Em 2012, o mercado brasileiro de festivais cresceu 5,13% e, em 2011, enquanto
o mercado mundial ainda estava no negativo, aqui já havia crescido 8,4%, de acordo
com as pesquisas da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI) e da
Associação Brasileira dos Produtores de Disco (ABPD). Publicado em 2016, referente
ao ano de 2015, a ABPD revelou que a receita da música ao vivo no Brasil chegou a
40,6%, seguidos por digital, físico e sonorização. O segmento de shows continua
prosperando no mercado brasileiro – a 17ª edição da pesquisa Global Entertainment and
Media Outlook da PwC21, segundo a pesquisa o Brasil é o segundo maior mercado de
música ao vivo na América Latina, depois do México.
Para Chris Gibson e John Connell (2011), além do setor econômico, é
interessante pensar em como os festivais “ estão sendo usados para promover o
desenvolvimento local e regional no sentido mais amplo, e que tipos de questões
políticas e sociais estão em jogo”. Acredita-se que é essencial discutir um conjunto mais
amplo de questões de desenvolvimento regional e nacional. Cabe pensar em como os
festivais estimulam a cultura local, a ligação com as redes empresariais locais e,
principalmente, com as políticas culturais, sendo os editais de cultura uma das principais
fontes de financiamento dos festivais.
A seguir, discute-se sobre os investimentos da iniciativa pública no setor de
música e, verificar junto com outros instrumentos das políticas culturais os impactos do
financiamento público nesse setor. Dessa forma, surge a possibilidade de conhecer, com
maior precisão, as formas de financiamento e incentivo público, o que introduz
mudanças tanto na produção quanto na circulação em relação à música.

1.4 Políticas culturais para a música

Para uma melhor compreensão sobre as políticas públicas de cultura para a


música, o tópico inicia com uma breve discussão acerca da trajetória das políticas
culturais no Brasil, desde a sua implantação até o momento atual. Não será realizada
uma revisão histórica completa, pois não é a finalidade aqui proposta, mas
apontamentos do seu desenvolvimento, já que a intenção é discutir o setor musical no
contexto atual das políticas culturais nacionais. Além de examinar as relações entre as

21
É uma das maiores prestadoras de serviços profissionais do mundo nas áreas de auditoria, consultoria e
outros serviços acessórios para todo tipo de empresas.
instituições ligadas a música e os diferentes modos de produção estabelecidos pelas
políticas públicas de cultura.
Na década de 1980, foi consolidado no Brasil um formato das políticas culturais
baseado na renúncia fiscal, elaborado no então governo de José Sarney. Durante esse
período ocorreu o fortalecimento da compreensão liberal de gestão cultural, consentindo
a condução das políticas culturais pelo setor de marketing das empresas privadas, uma
vez que a Lei Federal de Incentivo à Cultura, a Lei Rouanet 22 , firmou-se como a
principal fonte de financiamento das ações culturais.
Posteriormente ocorreram muitas transformações no campo político,
institucional e organizacional da cultura, uma delas é a criação do Sistema Nacional de
Cultura (SNC) elaborado pelo Ministério da Cultura (Minc). Essas transformações
contribuíram para uma maior institucionalização das políticas culturais com práticas
compartilhadas entre (União, Distrito Federal, Estados e Municípios), além da
participação social, incluindo grupos socioculturais que antes eram excluídos. Assim:
Artistas, produtores culturais, intelectuais e militantes da área
criticavam o formato da política cultural desenvolvida no país e
defendiam que o Estado deveria garantir a formulação democrática
das políticas públicas e de gestão da cultura, bem como o exercício
dos direitos culturais a todos, conforme definido pela Constituição
Federal de 1988. (ANDRADE, 2015, p. 22)

Os agentes (artistas, produtores, pesquisadores...) de políticas culturais vêm


participando de diversos encontros, pautas e reuniões a fim de chegar a um senso
comum sobre a reforma da Lei Rouanet, que há 25 anos carece de adequações para a
realidade contemporânea da produção/circulação/difusão/democratização da cultura.
Percebe-se que a discussão já percorre um longo caminho, não é uma pauta atual, mas
algo que está sendo reivindicado há alguns anos.
Após alguns encontros e discussões acerca do SNC, o Governo Federal, no ano
de 2010, criou espaços de diálogos entre os diversos setores artístico-culturais,
elaborando o Plano Nacional de Cultura (PNC), criado após a realização de fóruns,
seminários e consultas públicas com a sociedade civil. O plano funciona como um
conjunto de princípios, objetivos, diretrizes, estratégias e metas para que o poder
público possa formular políticas culturais.

22
A Lei Federal de Incentivo à Cultura nº 8.313/91 assegura benefícios às pessoas e empresas que
aplicarem parte do seu Imposto de Renda em projetos e ações culturais. Pessoas jurídicas podem deduzir
até 4% do valor aplicado na cultura do seu imposto, enquanto para as pessoas físicas o percentual chega a
6%.
Para isso, foi essencial a criação de Planos Municipais e Estaduais de Cultura.
Que são os instrumentos de planejamentos que orientam a implantação das políticas
culturais no município e no estado. Construído a partir de participação social, os planos
pretendem indicar as prioridades para a cultura na cidade e no estado, a partir da
aprovação de diretrizes, ações e metas a serem efetivadas nos próximos 10 anos. Mas
somente é válido se houver compromisso do município ao SNC, sendo os planos
municipais e estaduais a principal ferramenta para a gestão compartilhada das políticas
públicas de cultura e metas para o PNC.
De forma geral, os planos servem para orientar o desenvolvimento de projetos
culturais e a necessidade de fortalecer os processos de gestão e participação social em
relação a produção cultural nacional e local. Mas cabe ressaltar, que o plano depende da
adesão dos estados e das cidades para a viabilização do projeto e o fortalecimento da
produção cultural contemporânea. A pesquisadora Isaura Botelho (2001), acrescenta
que a atividade de produção cultural brasileira é realizada prioritariamente por conta das
leis de incentivo fiscal federal, estadual e municipal.
Os problemas existentes hoje no Brasil, quanto à captação de recursos
via leis de incentivo fiscal, relacionam-se ao fato de produtores
culturais de grande e pequeno portes lutarem pelos mesmos recursos,
num universo ao qual se somam as instituições públicas depauperadas,
promovendo uma concorrência desequilibrada com os produtores
independentes. Ao mesmo tempo, os profissionais da área artístico-
cultural são obrigados a se improvisar em especialistas em marketing,
tendo de dominar uma lógica que pouco tem a ver com a da criação.
Aqui, tem-se um aspecto mais grave e que incide sobre a qualidade do
trabalho artístico: projetos que são concebidos, desde seu início, de
acordo com o que se crê que irá interessar a uma ou mais empresas, ou
seja, o mérito de um determinado trabalho é medido pelo talento do
produtor cultural em captar recursos ¾ o que na maioria das vezes
significa se adequar aos objetivos da empresa para levar a cabo o seu
projeto ¾ e não pelas qualidades intrínsecas de sua criação.
(BOTELHO, 2001, p. 5)

Dessa maneira, percebe-se que há algum tempo que as políticas públicas de


cultura no Brasil nos mostram várias tentativas de amadurecimento, que venha a ser
uma política de Estado efetiva para a cultura. Importante destacar aqui, que as políticas
públicas do SNC preveem uma série de rotinas e procedimentos para a sua implantação,
com o objetivo de descentralizar as políticas culturais e organizar a gestão cultural do
país. Para isso, é essencial a criação de um órgão gestor permanente da política cultural,
o fortalecimento de um conselho de políticas culturais, um maior número de
conferências sobre o papel da cultura e um sistema de financiamento, além da renúncia
fiscal, que possa otimizar a produção cultural de diversos atores e movimentos
artísticos. Albino Rubim (207, p.154), reforça que as “políticas públicas de cultura
podem ser desenvolvidas por uma pluralidade de atores político-sociais, não somente o
Estado, desde que tais políticas sejam submetidas obrigatoriamente a algum controle
social, através de debates e crivos públicos”.
No campo da música, uma quantidade enorme de atividades dos mais diversos
aspectos, artísticos, tecnológicos, logísticos etc. são necessários para o funcionamento
real da atividade. Assim as transformações nas estruturas de mercado, negócios e o
papel da política cultural na condução de ações setoriais para solucionar esses
problemas específicos são fundamentais para seu desenvolvimento cultural. Logo, a
pesquisadora, Gisele Nussbaumer (2007, p. 184) argumenta que:
nessa perspectiva, também o Estado acaba elaborando políticas que se
apresentam, antes de tudo, como uma série de aportes financeiros a
produtos culturais orientados para a oferta. Assim, espetáculos são
criados, financiados e transformados em mais uma forma de
divertimento a ser rapidamente consumida, em vez de constituírem-se
em acontecimentos nos quais poderia ser estabelecida uma relação
orgânica entre a obra e o espectador.

Para que ocorra a relação entre os atores da cena com o público, é importante
criar ações de políticas culturais, não só para garantir o acesso à diversidade da
produção musical, mas adotar condições e práticas que estimule todos os envolvidos,
desde a produção de trabalho ao público consumidor. Incentivando a novos modelos de
negócios, a formação de público, ampliação das condições de acesso, difusão e
circulação dos projetos culturais, fazendo disso uma prática comum, contínua e não
esporádica.
Vale destacar que qualquer projeto cultural, independente do artista, produtor e
agente cultural brasileiro, pode se beneficiar das leis de incentivo e se candidatar à
captação de recursos de renúncia fiscal. Mas para que esses benefícios sejam
transparentes e que não haja nenhum tipo de favoritismo, foram criados a Agenda 21 23 e
os Colegiados Setoriais que auxiliam os produtores locais, servindo como consulta
pública junto à sociedade civil.
No Brasil, existem especificamente três fontes de financiamento para a
viabilização de empreendimentos culturais: os recursos dos Estados, recursos das
pessoas físicas e jurídicas e as receitas diretas da produção cultural (YANAZE, 2011:
23
É um plano de ação para ser adotado global, nacional e localmente, por organizações do sistema das
nações unidas, governos e pela sociedade civil.
637). Em relação ao setor musical, principalmente o independente, dependem em
grande parte de recursos externos. Sabe-se que os custos de uma produção artístico-
musical são altos, pois necessitam de diversos aparatos estéticos (encarte, identidade
visual, projeção) e tecnológicos (arranjo, mixagem, equipamentos sonoros) a fim de
finalizar o produto artístico, seja ele gravado ou ao vivo. Por conta dessa dinâmica de
produção, a maioria dos artistas e produtores independentes veem nos editais públicos e
nas leis de incentivo uma forma de produzirem seus trabalhos musicais. Para Karina
Poli (2014, p. 2),
o mercado cultural, atualmente depende dos processos que envolvem
os editais, as leis de incentivo à cultura e os patrocínios culturais. A
solução desses impasses é procurar não só diminuir os impactos na
produção cultural, distribuição dos recursos, democratização e acesso
a cultura, formação e difusão da produção cultural, como também
encontrar parâmetros de gestão para elaborar uma política cultural
justa, democrática e capaz de contribuir com o desenvolvimento
econômico e social do país.

Caso um músico procure realizar seu trabalho através das leis de incentivo, ele
necessitará que suas ações artísticas sejam aprovadas pelo Ministério da Cultura ou
pelas secretarias de cultura. Para que depois captem recursos com patrocinadores (para
que seja realizados os abatimentos de impostos), um exemplo claro, é a Lei Rouanet
(âmbito federal) e o Programa Fazcultura (estadual). Nos editais de patrocínio, o artista
que for selecionado – recebe um prêmio em dinheiro para realizar o projeto
cultural/artístico vencedor. É um concurso feito por instituições culturais que lançam
editais frequentemente em diversas categorias (música, cinema, dança, teatro etc).
Assim, as ações de políticas culturais para a música são importantes,
principalmente, em relação ao acesso à pluralidade musical brasileira, tais políticas
contribuem para uma melhor difusão de artistas independentes que necessitam de
diligências públicas. Além disso, é essencial o incentivo a novos modelos de negócios, a
formação de público, ampliação das condições de acesso e circulação desta extensa
produção cultural. Mas também, é necessário reconhecer as condições e práticas que
envolvem o mercado musical contemporâneo.
Na Lei Rouanet, a renúncia fiscal para o setor musical depende do
enquadramento em que ela se encontra. Para a música erudita e instrumental, a renúncia
é de 100% em relação ao valor investido em projetos nessa categoria. No campo da
música popular massiva, a renúncia chega a 30%, ou seja, o valor de isenção para cada
projeto é determinado de acordo com a categoria que o projeto musical se encaixa. No
ano de 2016, o setor de música ficou em segundo lugar em relação a projetos
beneficiados pela Lei Rouanet, um total de 1.270 projetos, sendo investido R$
38.523.55024, como pode ser conferido no gráfico abaixo.

Figura 2 - Distribuição dos projetos culturais aprovados por área de segmento no ano
de 2016.

Projetos Aprovados por Segmento

Artes Cênicas Música Humanidades Audiovisual


Artes Visuais Patrimônio Cultural Artes Integradas

Fonte: gráfico feito pelo autor, dados extraídos do sistema Salic Net em 04/2017.

Cabe ressaltar que nos anos entre 2011 até 2013, o setor musical teve mais
projetos aprovados, ficando em primeiro lugar em relação aos outros segmentos
artísticos (artes cênicas; artes integradas; audiovisual; humanidades e patrimônio
cultural). A partir de 2014, que o setor passou para a segunda posição, perdendo para as
artes cênicas. Embora, perceba que exista uma queda em relação a posição do setor no
ranking dos segmentos artísticos, é possível identificar que o investimento realizado
com dinheiro de renúncia fiscal via lei de incentivo federal ainda atende as demandas do
setor musical.

Figura 3 - Projetos da área de música aprovados entre os anos de 2011 até 2016.

24
Dados retirados do Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic) Net do Ministério da
Cultura, disponível para consulta pública.
Projetos da área de Música 2011-2016

1270
2073

1387

1943
1692

1822

2011 2012 2013 2014 2015 2016

Fonte: gráfico feito pelo autor, dados extraídos do sistema Salic Net em 04/2017.

A música tornou-se o segundo segmento cultural que mais faz captação de


recursos25, e aprovação de projetos no Ministério da Cultura, do montante, os projetos
relacionados a música levaram aproximadamente 20% do valor total do orçamento do
ano de 2016. Nos anos anteriores, a porcentagem era maior que 20%, o que demonstra
uma redução ao longo doa anos. Em 2011, por exemplo, a área musical respondia por
mais de 60% do orçamento total26.

Projetos 2011 2012 2013 2014 2015 2016


Música 120 98 102 102 75 92
Música ao vivo 57 48 50 52 39 19

Festivais 20 16 18 19 14 10
No Estado da Bahia, 92 projetos culturais foram aprovados em 2016 27, nas seis
áreas (artes cênicas, artes visuais, humanidades, música e audiovisual). Diferente do
âmbito nacional, o setor de música ficou em primeira posição com aprovação de 35
projetos, ficando as artes cênicas em segundo lugar com 26 propostas aprovadas. Do
total de projetos aprovados para captação de recursos em 2016, 19 são propostas
voltadas para a música ao vivo (festivais 10 projetos e shows individuais com nove).
Tabela 1. Projetos Aprovados no Segmento de Música entre os anos de 2011 e 2016 na
Bahia (Incentivo Federal).

25
Disponível em < http://www.cultura.gov.br/incentivofiscal>
26
Dados extraídos do sistema Salic Net em 05/2017.
27
Dados extraídos do sistema Salic Net em 05/2017.
Fonte: Tabela feita pelo autor, dados extraídos do sistema Salic Net em 05/2017.

Através da Tabela 1, é possível identificar que no ano de 2011, o setor musical


na Bahia representou o maior número de projetos aprovados para captação de recursos.
Cabe destacar, que esta tabela representa o número de projetos aprovados para captação
de recursos e não o de projetos que tiveram os recursos captados através da lei Rouanet
no ano de 2011. Nos anos posteriores, o número de projetos aprovados começou a
diminuir, mas é em 2015, que percebe-se a uma queda mais visível. É possível intuir
que praticamente metade dos projetos aprovados são de música ao vivo, e dentro dessa
parcela outra metade está diretamente relacionada aos festivais de música,
demonstrando que o interesse pelos concertos musicais vem ganhando mais espaço.
Isso demonstra que existe uma concentração de projetos voltados a música ao
vivo, consequentemente, sendo um dos principais representantes da área. Considerando
que os maiores projetos são de festivais por conta de toda dinâmica de produção e que
seu crescimento é perceptível, a atual política cultural baiana de financiamento à cultura
não atende as necessidades apresentadas pelo setor. Existe um número considerável de
propostas aceitas, mas que não são viabilizadas na hora de captar recursos, é essencial
uma postura mais definida em relação às ações de captação, a fim de alcançarem os
resultados esperados. Rubim (2007), argumenta que é importante que elementos
culturais (criados, difundidos, preservados e intercambiados) sejam submetidos a um
crivo de discussão e avaliação públicas.
A reflexão anima a vida, legitima e questiona idéias e práticas,
possibilita trocas culturais. Enfim, é parte igualmente indispensável à
dinâmica viva da cultura. A liberdade e a efetivação da avaliação e da
discussão estão intimamente associadas à qualidade do campo
cultural. Igualmente neste espaço as políticas culturais podem e devem
incidir.(RUBIM, 2007, p. 157)

É necessário repensar as ações culturais, mesmo que estejam seguindo um


caminho certo ou pelo menos o possível. Desde 200328, que as políticas culturais do país
passaram por mudanças relevantes, transformações que deixaram a sociedade mais por
dentro das políticas públicas de cultura. Na Bahia, as mudanças começaram a partir de
2007, pensando na qualidade do campo cultural e a construção de uma cultura cidadã.
Assim, a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SecultBA) vem estimulando a

28
Gilberto Gil estava no Ministério da Cultura.
produção de projetos que estejam articulados com a sociedade, com a cultura e com as
políticas públicas do Estado. A secretaria atende 27 territórios culturais, a fim de
descentralizar a produção cultural e reconhecer a transformação e o desenvolvimento
cultural de cada região, valorizando a diversidade cultural.
Em 2007, durante a II Conferência Estadual de Cultura, dizíamos que
a resistência ao novo tem como resultado apenas o que já é conhecido
e que o medo de perder a estabilidade é paralisante. Estávamos
iniciando um novo ciclo, no qual era imperioso rever conceitos e
práticas, pensar e agir de forma estadualizada, cooperativa, transversal
e participativa. Colocar a cultura na centralidade do desenvolvimento
e institucionalizar uma política consistente de Estado. Revelar e tratar
as identidades de toda a Bahia. (SECRETARIA DE CULTURA DA
BAHIA, 2010, p. 6).

As políticas culturais desenvolvidas desde então têm como fator principal a


construção de uma cultura diversificada, que permita a todos o acesso as diversas
manifestações, experiências e fruição de processos culturais. É nesse sentido que os
produtores culturais – especificamente ligados à música – usam as políticas culturais
como uma ferramenta de desenvolvimento do trabalho. Deste modo, a construção dos
planos setoriais prevista na Lei Orgânica da Cultura (12.365/2011), que institui o
Sistema Estadual de Cultura da Bahia29, assim como a própria existência dos Colegiados
Setoriais contribuem para a valorização do setor musical na Bahia.
Em 2016, seis planos setoriais foram aprovados pelo Conselho Estadual de
Cultura, nos setores de dança, literatura, música, circo, audiovisual e teatro. Com isso, é
importante pensar nas prioridades, estratégias e objetivos específicos de cada setor, no
conselho de música, por exemplo, para os próximos 10 anos a gestão pública irá
promover encontros, conferências e debates acerca do papel da música e as políticas
públicas desse setor dentro da cultura baiana.
É possível identificar uma série elementos importantes para o setor debater em
relação as políticas culturais para música, não só na Bahia como nacionalmente. O
Plano Setorial de Música proporciona melhores condições para a área, fortalecendo a
formação musical, para que seja contínua e integrada; desenvolvendo mecanismos de
29
Organismos de gestão cultural: o Conselho Estadual de Cultura, a Secretaria de Cultura, seus órgãos e
entidades, os sistemas setoriais de cultura do Estado, os sistemas municipais de cultura ou órgãos
municipais de cultura, as instituições de cooperação intermunicipal e as instituições de cooperação
insterestadual, nacional e internacional. Mecanismos de gestão cultural: Plano Estadual de Cultura, planos
de desenvolvimento territorial e setoriais de cultura, Sistema de Fomento e Financiamento à Cultura,
Sistema de Informações e Indicadores Culturais e Sistema de Formação Cultural. Instâncias de consulta,
participação e controle social: Conferência Estadual de Cultura, Colegiados setoriais, temáticos ou
territoriais de cultura, Fórum de Dirigentes Municipais de Cultura, Ouvidoria do Sistema Estadual de
Cultura e outras formas organizativas, inclusive fóruns e coletivos específicos da área cultural de
iniciativa da sociedade.
incentivo, fomento e apoio à cadeia produtiva da música; além de promover um
mapeamento amplo da produção musical. Outros pontos como consolidar e fomentar a
circulação da música brasileira por meio da ocupação de territórios e espaços culturais,
garantindo desse modo a produção musical independente e regional. Além de fortalecer
o mercado de trabalho e programação anual da cultura musical do Estado.
Discutir as metas auxilia nossa compreensão em relação aos modelos
contemporâneos de políticas culturais. Além de reconhecer a ampla rede cultural
construída em torno da música que envolve o compartilhamento de valores, interesses e
afinidades. Como também a emergência de disputas e negociações entre artistas,
público, críticos, produtores culturais e demais atores que integram em diferentes cenas
nos fazem pensar em soluções e resultados para uma política cultural justa em cada
setor.
Neste primeiro capítulo, ao introduzir a discussão sobre a perspectiva das
indústrias culturais, bem como sistematizar aspectos relativos ao seu surgimento e
desenvolvimento e também apresentar suas características acerca da indústria da
música, contribui para delimitação que este trabalho atribui ao objeto em questão.
Também foi nosso objetivo definir os conceitos operacionais que serão empregados ao
longo de todo o texto, além de repensar o lugar das políticas públicas no contexto atual.
No próximo capítulo, o debate sobre a ascensão da música ao vivo ganha mais
espaço neste trabalho. Será discutida a questão da mobilização gerada pela música ao
vivo é em ressignificar os diferentes territórios que por consequência, fortalece a
experiência estética coletiva. Também nesse capítulo, faz-se necessário uma discussão
acerca das diferentes posições e funções de acordo com os contextos sociais e de
mercado de música ao vivo.

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