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A P R ES E N TA Ç Ã O Página 05
M Ó D U LO 1 Página 10
Cultura e democracia
Aula 01 Cultura e participação social Página 12
Aula 02 Economia da cultura e soliedariedade Página 28
Aula 03 Pesquisas e informações culturais Página 46
M Ó D U LO 2 Página 64
2 Página 162
1. Criação 2. Formação 3. Arte 4. Cultura 5. Sociedade C R É DIT O S FI N A IS 3
Aula 02 M Ó DULO I C U LT U R A E D E M O C R A C I A AULA 02
Luana Vilutis
Sinopse Sumário
O setor cultural possui grande potencial econômico quais contribuem para a experimentação de formas
para geração de trabalho e renda, constituindo-se alternativas de gestão, promovendo mudanças na
como o quarto maior item de despesa das famílias relação com os meios de produção e na circulação
brasileiras, vide dados estatísticos do Sistema de das atividades e dos produtos culturais por meio da
Informações e Indicadores Culturais (SIIC) 2009– atuação em rede. O papel das políticas públicas de
2020, produzido pelo Instituto Brasileiro de Geogra- cultura para o desenvolvimento cultural de territó- 1. Apresentação 30
fia e Estatística — IBGE, entre outras instituições rios também será alvo de análise, considerando a 2. Economia da Cultura 32
que mapeiam informações e indicadores do setor. descentralização e a eficiência na execução dos 2.2. Breve panorama conceitual e histórico
Além disso, a cultura é considerada, pelas Nações recursos das políticas culturais, as quais possibili- da economia da cultura
Unidas, o 4º pilar do desenvolvimento sustentável, tam arranjos produtivos locais sustentáveis. 2.1 Economia criativa no mundo
em uma perspectiva que entende não só o desenvol- e no Brasil: alcances e limites
vimento cultural para além de sua dimensão econô-
Questões provocadoras 3. Economia Solidária 36
mica, mas também como a ampliação de liberdades,
3.1. Conceito, característica e
oportunidades e escolhas sobre como se organizar, O que é economia da cultura? Por que e como pen-
atores da economia solidária
criar e produzir cultura em sociedade. Neste sentido, sar a geração de renda com o trabalho cultural?
3.2. Economia solidária e cultura:
esta videoaula pretende refletir sobre a economia da O trabalho cultural possibilita condições de vida aproximações e particularidades
cultura considerando não apenas a geração de tra- digna na sociedade capitalista em que vivemos?
balho e renda, mas também o interesse comunitário Como podemos tornar o trabalho com a cultura 4. Ações Públicas 41
por essa atividade, que é essencialmente solidária, sustentável? No que a economia solidária se dife- 4.1 Papel dos fundos de cultura no
coletiva e plural. Vamos dialogar sobre a sustenta- rencia de outros modelos de desenvolvimento cul- fomento à diversidade cultural
bilidade das práticas culturais com a aproximação tural e qual a sua relação com as políticas públicas 4.2 Experiências e aprendizados
de práticas e princípios da economia solidária, os direcionadas à cultura?
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1. Apresentação
IMAGEM 01
A proposta desta atividade é estimular a reflexão circulação e o consumo de bens e serviços cultu-
acerca da relação entre cultura e economia na rais, mas sem perder de vista o projeto de desen-
promoção da diversidade cultural de grupos e co- volvimento impulsionado nesse processo.
munidades. Para tanto, partimos de uma concepção
Temos, como pano de fundo desta atividade, a
plural da economia da cultura, na qual os valores
sinergia entre economia e solidariedade no desen-
mobilizados pelos bens e serviços culturais não
volvimento cultural de comunidades. Concebemos
são apenas financeiros, mas também simbólicos
o desenvolvimento não apenas sob a ótica do cres-
e sociais. Após compreender como a economia
cimento econômico — e é importante destacar que,
da cultura está organizada, abordaremos o papel
embora essa concepção seja bastante difundida
da economia solidária no desenvolvimento de uma
na atualidade, trata-se de uma conquista recente,
outra cultura de organização social da produção
que ainda não está totalmente consolidada. A partir
cultural e, ao final, apresentaremos alguns instru-
da década de 1960, os organismos internacionais
mentos de financiamento público à cultura com a
passaram a rever a compreensão da dimensão tra-
discussão acerca do papel do Estado no fomento à
dicional da cultura como um obstáculo ao desenvol-
diversidade cultural.
vimento; mas, no Brasil, essa contradição é vigente
O contexto em que situamos a reflexão aqui até os dias atuais, como revelam projetos de lei
proposta diz respeito à centralidade da cultura na que querem liberar a mineração em terras indíge-
sociedade contemporânea, e podemos identificar nas, para citar apenas um exemplo de violação de
isso ao observar como cultura pauta campanhas direitos humanos em nome de um suposto desen-
políticas, orienta escolhas de consumo, influencia a volvimento.
produção industrial de setores variados (que pas-
Além de gerar trabalho, produzir riquezas e fazer
sam a se guiar por valores de status na definição
circular valores, a participação da cultura no de-
de seus produtos), entre outros exemplos da forte
senvolvimento ocorre na medida em que possibilita
relevância da cultura e de sua transversalidade atu-
a expressão identitária de grupos e comunidades,
al. Contudo, ao mesmo tempo que a cultura ocupa
valorizando sua autoestima e promovendo o sen-
essa centralidade, temos lacunas e ausências nas
timento de pertencimento. Esse aspecto é chave
políticas públicas no que diz respeito ao fomento
por estimular a autonomia e a autodeterminação de
à cultura e à promoção de seu acesso. É nessa
grupos sociais, além de promover sua participação
contradição que inserimos esta atividade.
no processo de construção de direitos econômicos,
A partir da abordagem ampla de cultura feita na sociais, culturais e ambientais.
atividade anterior, Cultura e participação social,
A questão central que orienta o conjunto das
podemos ver que não é possível conceber a cultura
reflexões aqui propostas diz respeito à promoção
de maneira homogênea nem dissociada da multipli-
da diversidade cultural de grupos e comunidades
cidade de perspectivas que a compõem. O mesmo
na perspectiva de sua sustentabilidade. Em que me-
ocorre com a dimensão econômica da cultura: esta
dida práticas econômicas plurais e ações culturais
abrange os aspectos produtivos e materiais da cul-
diversas podem contribuir para o desenvolvimento
tura, mas vai além, contemplando também formas
cultural de comunidades? Como as políticas cultu-
de gestão e organização social, bem como valores
rais podem fomentá-las? Estas são algumas das
e representações culturais experimentados em
questões que trataremos a seguir.
seu contexto social. Falar em economia da cultura
significa, portanto, abordar a criação, a produção, a
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dos (IPI) sobre acessórios e máquinas de jogos de Por fim, chamamos a atenção para a forma de
vídeo, o que beneficia as empresas que fabricam construção da oferta e da demanda dos bens cul-
A economia criativa, originalmente chamada de de propriedade intelectual, situando a formulação
consoles e acessórios de games, como a Sony e turais em contextos diversos, inclusive e especial-
indústrias criativas, incorpora setores como design, de ações públicas nacionais de economia criativa
a Microsoft, sem garantia de que essas empresas mente naqueles que não seguem a forma de organi-
moda, softwares informáticos, publicidades e arqui- na intersecção entre sustentabilidade, diversidade
repassem o desconto ao produto final — o que zação social da indústria e não estão inseridos na
tetura, entre outros. O contexto de sua consolida- cultural, inovação e inclusão social.
poderia beneficiar o consumidor. Enquanto isso, lógica centralizada de mercado e da propriedade
ção é marcado por um deslocamento da narrativa
editais nacionais de fomento seguem suspensos e privada. Não podemos reduzir o processo criativo
da cultura para a criatividade, e o que distingue as
indústrias criativas das indústrias culturais é o des- Princípios norteadores da economia produtos de primeira necessidade não têm redução a mercadorias para o consumo nem instrumenta-
criativa brasileira tributária. lizá-lo para finalidades úteis, e isso não retira nem
taque econômico dado aos setores que mobilizam
diminui sua relevância econômica.
funções secundárias, utilitárias e funcionais dos IMAGEM 02
Antes de encerrar esta primeira parte, é funda-
bens e serviços culturais, como os mencionados mental destacar três aspectos relativos às lacunas
acima. e ausências enfrentadas pelas políticas públicas
A economia da cultura reúne
de cultura e economia criativa: a informalidade,
A economia criativa, como conceito, teve origem experiências, nos mais diversos
os componentes simbólicos de bens e serviços
no Reino Unido e expressou o interesse desse país elos de seu sistema, que são
econômicos e a forma de construção da oferta e
em se reposicionar economicamente por meio da intangíveis, o que dificulta sua
da demanda. Passaremos brevemente por cada um
identificação de novos setores para firmar sua com- exclusiva mensuração econômica
desses aspectos.
petitividade em um mercado cada vez mais globali-
em termos financeiros. É muito
zado e marcado pelo aumento da incidência privada É sabido que bens e serviços culturais geram traba-
recorrente que os elos e os
na gestão dos serviços públicos. Foi na década de lho e renda e estão organizados em redes e cadeias
setores do sistema produtivo na
1990 que a maioria das políticas para as indústrias produtivas diversas. Contudo, é importante desta-
área cultural estejam articulados
criativas se desenvolveu e ganhou relevância em car que grande parte da produção e da circulação
em redes que mobilizam ciclos
países como Austrália, Nova Zelândia, Canadá, de bens e serviços culturais acontece na informali-
integrados de criação, produção,
Estados Unidos, França, Reino Unido, entre outros. dade, sem registro nos relatórios estatísticos e nos
distribuição, comercialização,
indicadores da economia da cultura. A ausência de
Também chama a atenção e ajuda a compreender consumo, crédito, formação,
pesquisas periódicas e seriadas no Brasil já é uma
o crescente interesse voltado à economia criativa a Esses foram os princípios escolhidos para orientar memória e gestão de bens,
fragilidade enorme que afeta o campo cultural na
indústria de copyright norte-americana. Essa eco- a formulação das ações públicas da SEC entre serviços, práticas e saberes
identificação de tendências, vocações, fragilidades
nomia envolve a produção e a distribuição de bens 2010 e 2015. Em termos de suas diretrizes, havia na área cultural. Acreditamos
e oportunidades. Contudo, a falta de informação
que incorporam a propriedade intelectual, como as forte ênfase em valorizar, proteger e promover que cada elo desse sistema
sobre os setores culturais e criativos que operam
indústrias fonográfica e editorial, bem como as in- a diversidade cultural; prever o desenvolvimento
na informalidade é uma das principais lacunas que movimenta a economia da cultura.
dústrias do audiovisual e do software. Em 2019, nos local e regional a partir da sustentabilidade, da
a economia da cultura possui, desde sua origem, no
Estados Unidos, essa economia foi responsável por inovação de produtos e processos; e conceber a
Brasil, o que precisa ser levado em consideração É igualmente necessário
movimentar 11,99% do PIB norte-americano, o que inclusão produtiva da população como promoção
sempre que se analisarem seus dados. considerar que a produção
representa valores acima de U$ 2,50 trilhões (IIPA, da cidadania cultural. Contudo, diante do esfacela-
cultural também reúne um
2020). É possível afirmar, assim, que a escolha mento das políticas culturais federais desde 2016, Outro aspecto a ser destacado é justamente o fato
conjunto de sujeitos e redes,
dos setores que integram as indústrias criativas é as ações públicas de economia solidária também de que a economia da cultura não apenas mobiliza
calcados em identidades
eminentemente política, e a inserção dos softwares enfrentaram retrocesso e redirecionamento. dados financeiros, mas também compõe-se por
territoriais, e que muitas vezes
teve como objetivo fortalecer a propriedade inte- outra forma de valor, com elementos simbólicos
A amplitude das atividades criativas no Brasil é estes se organizam em sistemas
lectual e impactar a geração do PIB das indústrias de extrema relevância. Referimo-nos à criação de
grande, está organizada em nichos de mercado produtivos com lógicas próprias
criativas. vínculos sociais, à construção de identidades, ao
e envolve desde o artesanato até as cadeias de funcionamento, alimentadas
fortalecimento da participação social e do controle
No Brasil, a economia criativa passou a ocupar a produtivas das indústrias culturais e a indústria de
social, à educação e à sociabilidade que bens e por relações solidárias e
agenda pública no final dos anos 2000. A Secre- games, por exemplo. Isso faz com que o inte-
serviços culturais proporcionam e estimulam. Como cooperativas, as quais nem
taria de Economia Criativa foi institucionalizada em resse político de cada gestão dê maior ênfase à
mensurar esses alcances intangíveis da economia sempre são mensuráveis em
2012 no Ministério da Cultura, e a definição do es- definição dos setores e das atividades que serão
da cultura é aspecto profundamente relevante e estudos e pesquisas econômicas
copo dos setores criativos seguiu marcos interna- priorizados nas ações públicas de fomento. Um
que não pode ser deixado de lado nas reflexões e nacionais. É nessa brecha que
cionais, como o da UNESCO (2009). Houve um es- exemplo disso é o governo Bolsonaro, que, desde
ações deste campo. situamos a economia solidária que
forço da Secretaria de Economia Criativa (SEC) de o início de seu mandato, já editou três decretos de
abordaremos a seguir.
não restringir a abordagem da pasta à concepção redução de Imposto sobre Produtos Industrializa-
Vale relembrar os sete princípios do cooperativis- Os sujeitos da economia solidária são muitos e
mo, os quais são chave para a economia solidária diversos, com atuação nos mais variados espaços:
3. Economia solidária e direcionam sua organização e gestão: no âmbito da produção, temos os empreendimen-
tos econômicos solidários; no que diz respeito ao
1. Adesão voluntária e livre: os apoio e à formação, estão as entidades de fomento
empreendimentos econômicos solidários
são organizações abertas à participação de e assessoria; no poder público, existem os gestores
qualquer pessoa, sem discriminação de sexo, públicos; por fim, na parte de mobilização política
raça, classe social, opção política e religiosa e
Como vimos, a pluralidade e a hibridização estão A solidariedade a que nos referimos não é uma so- e articulação social, temos as redes, os fóruns e as
orientação sexual. Todas as pessoas seguem
presentes tanto na cultura quanto na economia. Não lidariedade característica da caridade, baseada em o mesmo modelo de gestão e organização; uniões de trabalhadores.
podemos restringir a abordagem de uma ou outra a relações sociais desiguais e assimétricas e mobili- 2. Gestão democrática: todos os integrantes Os empreendimentos econômicos solidários estão
apenas uma dimensão nem limitar sua complexidade zada no âmbito privado dos indivíduos. Mesmo que do empreendimento têm os mesmos poderes.
organizados em associações, cooperativas, clubes
a um escopo ou atividade. É nessa característica plu- essa solidariedade tradicional tenha motivação de Cada associado representa um voto, e as
decisões são tomadas coletivamente, em de trocas, empresas autogestionárias, bancos
ral que situamos a economia solidária e nela também corrigir desigualdades sociais e atuar em defesa dos assembleia; comunitários de desenvolvimento, agências de
identificamos o aspecto definidor da sustentabilidade mais vulneráveis, ela opera sobre bases fortes de
3. Participação econômica dos membros: turismo comunitário, fundos rotativos, grupos de
de empreendimentos culturais. Trataremos disso hierarquização e relações assimétricas, além de ser todos os associados ou cooperados são consumo responsável, entre outros.
nesta seção, com foco voltado à definição de eco- voltada ao engajamento moral dos indivíduos. A eco- donos do empreendimento e contribuem
igualmente para a formação do capital Devido ao aumento de políticas públicas de econo-
nomia solidária, seu conceito, suas características nomia solidária não se orienta pela perspectiva de
da cooperativa ou associação, o qual é
e seus atores. Veremos também as aproximações mobilizar a responsabilidade individual para correção controlado coletivamente de maneira mia solidária na primeira década dos anos 2000, os
existentes entre a economia solidária e a cultura. de injustiças, mas sim de promover a ação coletiva democrática; gestores públicos constituíram a Rede de Gestores
por transformação social. 4. Autonomia e independência: o de Políticas Públicas de Economia Solidária, que
funcionamento do empreendimento é tem representação federal, estadual e municipal.
A economia solidária desloca essa solidariedade controlado pelos seus integrantes. Todos são
Contudo, desde a dissolução da Secretaria Nacio-
3.1 Conceito, característica e clássica mais comumente praticada pela igreja à donos e têm autonomia de decisão.
nal de Economia Solidária (Senaes), em decorrência
atores da economia solidária esfera pública, inovadora e em rede. Impulsionada 5. Educação, formação e informação: todos
ensinam e aprendem, e o empreendimento
do Golpe de 2016, o governo federal não tem parti-
pela reciprocidade, e tendo como pano de fundo a
tem como objetivo destinar recursos e ações cipado, o que reforça o papel e a responsabilidade
A economia solidária reúne formas de produzir, ven- modernidade democrática de direitos, a solidarieda- para formar seus associados por meio de das gestões territoriais na manutenção das políticas
der, comprar e trocar sem exploração do trabalho de que orienta a economia solidária se expressa nas capacitações permanentes e formações
continuadas. A criação de um fundo com essa de promoção à economia solidária.
nem destruição do meio ambiente, com cooperação relações associativas e nas lógicas de proximidade.
finalidade é recomendado;
As entidades de fomento e assessoria são ligadas
e fortalecimento dos grupos e das comunidades A cooperação, por sua vez, orienta-se pela exis- 6. Intercooperação: todos se ajudam às universidades e às organizações da sociedade
envolvidas. Ela é um movimento social que existe tência de interesses e objetivos comuns entre os com ações recorrentes de apoio mútuo e
intercâmbio de informações, produtos e civil (OSC). Muitas universidades realizam projetos
no mundo há mais de duzentos anos e compreende integrantes dos empreendimentos e funciona com
serviços entre os associados; interdisciplinares de extensão, pesquisa e estudos
uma diversidade de práticas econômicas, sociais, base na união de esforços e capacidades de seus
7. Interesse pela comunidade: os junto à Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas
políticas e culturais que envolvem produção de bens, associados. Na cooperação, independentemente do empreendimentos trabalham para o bem- Populares (ITCPs), por meio dos quais produzem e
prestação de serviços, finanças, trocas, comércio e tipo de formalização institucional que o empreendi- estar de suas comunidades, por meio da
difundem conhecimento relativo à economia solidá-
consumo baseados nos princípios de solidariedade, mento assumir, seja cooperativa, seja associação, os realização de programas socioculturais
realizados em parceria com o governo e ria e realizam iniciativas territoriais de geração de
cooperação e autogestão. Passaremos por cada princípios de gestão cooperativa se mantêm e a pro- outras organizações da sociedade civil, de trabalho e renda.
um desses princípios para compreender melhor as priedade dos bens é coletiva; a partilha de resultados maneira que todos saem ganhando.
características da economia solidária. acontece entre todos os associados, e a responsabi- Muitos atores, empreendimentos e organizações
lidade solidária orienta as decisões. de economia solidária se articulam em redes de
No Brasil, esta forma de organização do traba- A autogestão, por sua vez, é o exercício da
cooperação das mais diversas. O Fórum Brasileiro
lho baseada na solidariedade e na reciprocidade gestão democrática, em que os associados
de Economia Solidária é um exemplo de articulação
ganhou força e escala a partir da década de 1990, participam do conjunto de decisões do empre-
nacional que conta também com fóruns estaduais,
diferenciando-se da lógica que vigora no merca- endimento, sejam elas referentes aos processos
municipais e ampla representatividade. No âmbito
do capitalista, o que é fundamental na sociedade de trabalho, sejam elas relativas a questões es-
do poder público, em 2003, junto à instituição da
contemporânea para equilibrar o excessivo protago- tratégicas e cotidianas. A governança de ações
Senaes, foi criado o Conselho Nacional de Econo-
nismo do capital e imprimir caráter redistributivo nas e tudo o que envolve cargos de coordenação e
mia Solidária, que, atualmente, encontra-se parali-
atividades econômicas. O ato associativo na eco- direção também são compartilhados democra-
sado, como vários outros conselhos nacionais de
nomia solidária exige relações de confiança entre ticamente entre os associados do empreendi-
participação social.
trabalhadores, e a reciprocidade e a solidariedade mento. É possível contratar serviços externos de
fortalecem as relações interpessoais, o que contribui capacitação, assessoria, assistência técnica e/
para a articulação de ações coletivas em redes. ou gerencial, mas sem substituir ou restringir o
protagonismo dos associados.
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3.2 Economia solidária e cultura: Em seu território, você conhece grupos culturais. Afinal, depender apenas de editais
públicos é um risco muito alto, ao qual a história re-
aproximações e particularidades algum empreendimento ou iniciativa
cente das políticas culturais já revelou não ser bom
cultural com essas características?
Conheça o Atlas Digital da Economia se expor. Uma das formas de evitar essa vulnerabili-
Compartilhe essa experiência
Solidária e veja informações sobre dade é diversificar as fontes de financiamentos.
A economia solidária se relaciona com a cultura no Fórum.
empreendimentos de economia
desde o seu surgimento e, quando paramos para A geração de trabalho e renda é uma das grandes
solidária na sua região, no seu estado
observar atentamente essa relação, vemos que ela motivações da economia solidária, mas, como
e no seu município: Uma das características da economia solidária que
tem naturezas distintas. Por um lado, como já men- vimos, não é a única. O interesse pela comunidade
http://atlas.sies.org.br/ a aproxima muito da cultura diz respeito ao seu
cionado, a economia solidária configura uma cultura é outro princípio que reforça o caráter territorial das
caráter plural, e isso tem a ver não só com a diver-
de organização do trabalho cooperativo e autoges- práticas dos empreendimentos da economia solidá-
Para ter mais informações sobre sidade de práticas, atores e setores que contempla,
tionário. Por meio de suas ações e de seus atores, ria. Ela mobiliza iniciativas voltadas para o desen-
o histórico da economia solidária e seu mas também, e fundamentalmente, com a mobiliza-
ela representa um processo contínuo da prática de volvimento sustentável das suas comunidades, na
conceito, bem como conhecer algumas ção e a articulação de diferentes fontes de recursos
valores de solidariedade e reciprocidade, igualda- perspectiva do que é chamado de “etnodesenvolvi-
experiências, acesse o Caderno econômicos. Assim, a economia solidária combina
de de direitos e de cooperação. Como projeto de mento”. Segundo essa concepção, a identidade cul-
Pedagógico Educandas práticas econômicas variadas, por exemplo, a ven-
desenvolvimento sustentável, a economia solidária tural, territorial e étnica é o que organiza a atividade
e Educandos, do ProJovem Campo da de produtos e serviços, o acesso a editais pú-
implica uma transformação cultural, de valores e econômica e lhe confere sentido; ou seja, qualquer
— Saberes da Terra: http://portal. blicos, bem como trocas e doações realizadas por
práticas cotidianas. Não podemos conceber a eco- iniciativa econômica deve levar em consideração
meio de iniciativas de ajuda mútua. Isso também é
mec.gov.br/index.php?option=com_ nomia solidária sem essa mudança cultural intrínse- primeiro a identidade cultural das comunidades e
muito comum no campo da cultura, especialmente
docman&view=download&alias=6013- ca às suas ações. dos grupos sociais envolvidos nessa ação, como
em se tratando de iniciativas comunitárias, ligadas
caderno4-educando-economia- povos indígenas, quilombolas, povos tradicionais,
Por outro lado, a relação entre cultura e economia às culturas populares.
solidaria&Itemid=30192 comunidades rurais, ribeirinhas, comunidades de
solidária também ocorre nos setores de produção
Essa combinação de diferentes lógicas econômicas fundo de pasto, de periferias urbanas, entre outras.
e de serviços, a partir do reconhecimento e da
que a economia solidária mobiliza é um aspecto-
valorização dos empreendimentos econômicos e O etnodesenvolvimento combina desenvolvimento
-chave para compreendermos a intersecção entre
solidários que atuam no campo da produção e da econômico e diversidade cultural ao prever que ini-
cultura e economia solidária. Na perspectiva da
circulação de bens culturais. Assim temos o que ciativas econômicas não podem destruir as bases
pluralidade, a economia solidária articula diferentes
chamamos de economia solidária da cultura, um étnicas de uma comunidade, mas sim respeitar sua
lógicas econômicas: mercantil, reciprocitária e não
conjunto diverso de iniciativas culturais e coletivas, autonomia e autodeterminação. Ao mesmo tempo,
mercantil (ou redistributiva).
orientadas pelos princípios da economia solidária, essa perspectiva concebe que o desenvolvimento
os quais incentivam a diversidade cultural, orien- As trocas mercantis são operacionalizadas por da etnicidade de uma comunidade precisa ocorrer
tam-se pela democracia econômica, praticam a meio da comercialização de produtos e serviços, o de forma aliada à promoção de seu desenvolvimen-
autonomia comunitária e promovem o desenvolvi- que configura o acesso ao mercado. A lógica reci- to econômico para que esses grupos sociais não
mento territorial e a sustentabilidade de suas comu- procitária é aquela realizada por meio de relações fiquem marginalizados ou impedidos de partilhar, de
nidades e empreendimentos nos diversos setores de solidariedade, como contribuições voluntárias, forma paritária, simétrica e em igualdade de opor-
culturais e segmentos artísticos. trocas diretas, doações, mutualização de recursos, tunidades, as condições do desenvolvimento. Esse
vaquinhas, entre outras práticas que muitas vezes é outro aspecto que aproxima a economia solidária
A criação, a produção, a distribuição, a circulação, a
são, inclusive, não monetárias, ou seja, não envol- da cultura e que se relaciona com a sustentabilida-
difusão, o consumo e a fruição de bens e serviços
vem dinheiro. A lógica não mercantil ou redistribu- de e o desenvolvimento.
culturais também fazem parte da economia solidá-
tiva, por sua vez, ocorre via financiamento público
ria. O artesanato talvez seja o setor mais conhe- Outra aproximação que podemos identificar entre
governamental ou não governamental (acesso a
cido, mas existem, em todo o país, diversas ações a economia solidária e a cultura diz respeito ao tra-
editais, repasses de recursos, subsídios e auxílios
cooperativas, solidárias e associativas envolvendo balho associado e autogestionário. Esse princípio
financeiros, por exemplo).
teatro, audiovisual, confecção, cultura digital, músi- da economia solidária é também muito praticado
ca, cultura popular, turismo de base comunitária e Na economia da cultura, muitos empreendimentos no campo cultural, afinal de contas, é praticamente
Compre de quem faz. Feira de diversos outros setores criativos. articulam essas diferentes lógicas econômicas para impossível fazer um show, uma peça de teatro, um
artesanato da Praça Luiz Viana, manter suas ações culturais, contando especial- filme ou qualquer outra apresentação artística ou
mente com iniciativas de ajuda mútua, como cessão ação cultural sem o trabalho coletivo de artistas,
Jequié/BA. Foto: Luana Vilutis.
de espaços, trabalho voluntário, permutas etc. A iluminadores, cenógrafos, operadores de câmara e
mobilização da pluralidade de fontes de recursos demais profissionais.
é muito frequente e, inclusive, é um aspecto que
O que torna os processos produtivos culturais
contribui muito para a sustentabilidade de artistas e
dignos da economia solidária é o fato de o trabalho
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Exercícios Referências
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