Você está na página 1de 132

ed.

18
PERSPECTIVAS SOBRE
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL
NA AMÉRICA LATINA

Modelos de política cultural


reflexões sobre experiências
latino-americanas

Avaliações de impacto
as ações de instituições culturais

Economia criativa
o Brasil como referência para
o Hemisfério Sul
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA  3
Centro de Memória Documentação e Referência Itaú Cultural

Revista Observatório Itaú Cultural - N. 18 ( ju./dez. 2015). - São Paulo :


Itaú Cultural, 2007-.

Semestral

ISSN 1981-125X

1. Políticas públicas. 2. Política cultural. 3. América Latina. 4. Gestão


cultural.
expediente
REVISTA Revisão (terceirizada) Produção
OBSERVATÓRIO Karina Hambra Andréia Briene
Rachel Reis Deise Costa (estagiária)
Edição Samantha Arana Ediana Borges Lima
Enrique Saravia Marcel Fracassi
Tradução Rafael Figueiredo
Conselho editorial Carmen Carballal Tiago D’Ambrosio
Luciana Modé
Marcel Fracassi EQUIPE ITAÚ NÚCLEO DE
Rafael Figueiredo CULTURAL COMUNICAÇÃO E
Tiago D’Ambrosio RELACIONAMENTO
Presidente
Projeto Gráfico Milú Villela Gerência
Marina Chevrand / Ana de Fátima Souza
Serifaria Diretor
Eduardo Saron Coordenação de Arte
Design Jader Rosa
Serifaria Superintendente
administrativo Curadoria de imagens
Produção gráfica Sérgio Miyazaki André Seiti
Lilia Góes
Toninho Amorim NÚCLEO DE Produção editorial
INOVAÇÃO/ Lívia G. Hazarabedian
Imagens OBSERVATÓRIO Raphaella Rodrigues
Mayra Martell
Gerência
Supervisão de revisão Marcos Cuzziol
Polyana Lima
Coordenação do
Observatório
Luciana Modé
6 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL
aos leitores

Este número da Revista Observatório nos anos 1960 e 1970, com suas persegui-
Itaú Cultural, bem como o seminário reali- ções e seus exílios, a redemocratização nos
zado em São Paulo em fins de março deste anos 1980, as crises econômicas do mesmo
ano, está destinado a consolidar experiências período, a bonança econômica nos 1990 e as
anteriormente realizadas pelo Observatório dificuldades deste novo século – promoveram
na procura de análises comparativas da polí- aproximações e ações conjuntas.
tica e da gestão cultural na América Latina. A cultura foi um motor decisivo. Acor-
Durante vários séculos, os países dessa dos como os do Convênio Andrés Bello ou do
parte do mundo viveram focados nas metró- Mercosul Cultural produziram atividades
poles coloniais e, após a independência, nas conjuntas que foram mais eficazes que os
novas metrópoles econômicas e culturais. próprios instrumentos de integração eco-
Isso levou a um mútuo desconhecimento, nômica. Por sua vez, estes promoveram mo-
tanto entre o Brasil e a América Hispânica dificações na legislação que afetam os bens
como dos países entre si. Pode-se afirmar culturais e geram um intercâmbio cada vez
que, durante muitos anos, a desconfiança mais intenso e enriquecedor.
reinou entre eles e as maiores ocasiões de Ainda falta bastante, mas os esforços
encontro aconteceram ou nas guerras ou no e as iniciativas continuam. O Observatório
preparo para elas. As gestas heroicas dos li- Itaú Cultural procura incentivar esses me-
bertadores e dos fundadores das pátrias que, canismos de aproximação e integração. E
como San Martín e Bolívar, procuravam a este número da revista, bem como o semi-
integração e a ação conjunta dos países da nário antes mencionado, constitui ocasião
região foram contestadas e ignoradas dentro propícia para promover esses contatos.
e fora do continente. As políticas e a gestão cultural na
Os eventos experimentados pela maioria Argentina, no Brasil, no Chile, na Colômbia,
dos países – como a luta contra as ditaduras no México, no Paraguai e no Uruguai, assim
8 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

como a interação entre eles, são matéria de um horizonte melhor para si e para os


deste número. Ele começa com um profundo seus filhos. Tudo isso constitui o crisol da
artigo de Eric Nepomuceno, que fornece a integração. Felipe Herrera dizia que a verda-
análise do contexto histórico em que se deira identidade latino-americana era a sua
desenvolveram as relações e os vínculos capacidade de receber e integrar pessoas dos
entre os países. O autor lembra que o pro- mais diversos países e culturas, assimilando
pósito integracionista esteve presente nas os aspectos bons e também os discutíveis de
gestas dos grandes libertadores, mas sempre sua natureza.
persistiram as estratégias divisionistas das Surgem, assim, formas comuns de en-
metrópoles coloniais. No entanto, as rela- carar a política, a educação, a economia e a
ções se estreitaram, tanto na bonança como vida em geral. E aqui entra a cultura com toda
na crise, e é ainda possível falar de uma iden- a sua força integradora. Porém, nem todos
tidade latino-americana. os seus elementos são positivos. Há o ma-
Com efeito, há numerosos traços chismo nas suas peculiares manifestações
comuns provenientes da matriz ibérica aos nessa parte do mundo, o autoritarismo, o
quais Darcy Ribeiro se referia nos seus escri- paternalismo e, infelizmente, a capacidade
tos, além da origem comum dos contingentes para a corrupção política e econômica. Tra-
migratórios que se dirigiram à maioria des- ta-se, sem dúvida, de mazelas universais,
ses países. Africanos que foram trazidos mas na América Latina se apresentam com
contra a sua vontade, mas se assimilaram características próprias e com um potencial
e se mesclaram, e africanos que continuam muito aguçado de obstaculizar e, por vezes,
chegando como imigrantes. Europeus das desmoralizar os mais nobres propósitos.
mais diversas nacionalidades, alguns deles Apesar de tudo, o objetivo do progresso
formando grandes colônias com traços conjunto prossegue e se fortalece na procura
culturais que se incorporam às culturas recente de pautas comuns. O panorama atual
nacionais e nelas influem. Árabes prove- mostra a intenção de realizar a profecia de San
nientes do Oriente Médio que se espalharam Martín de que Eric Nepomuceno nos lembra:
por todos os cantos, contribuindo com o “Serás o que devas ser ou não serás nada”. E
seu trabalho e a sua capacidade comer- eu acrescento: nós, latino-americanos, nunca
cial e cultural. Judeus da Europa Central seremos europeus ou norte-americanos, tam-
e de outras regiões. Japoneses que consti- pouco os povos que nos formaram – indígenas,
tuem gigantescos contingentes de nativos africanos, ibéricos. Se alguma identidade as-
e os seus descendentes latino-americanos, sumiremos, será a de latino-americanos, com
principalmente no Brasil. Chineses, corea- tudo o que essa expressão possa significar.
nos e os próprios latino-americanos que
mudam de país, movidos por razões econô- Enrique Saravia
micas, políticas ou simplesmente à procura (Bogotá, São Paulo e Rio de Janeiro, 2015)
sumário
7. Aos leitores
Enrique Saravia

16. No século XXI, somos latino-


americanos ou não seremos nada
Eric Nepomuceno

MODELOS LATINO-AMERICANOS INOVAÇÕES BRASILEIRAS E SUA


DE POLÍTICA CULTURAL PROJEÇÃO LATINO-AMERICANA

CHILE, PARAGUAI E URUGUAI 62. Cultura a unir os povos


22. Algumas reflexões em Célio Turino
torno da construção de modelos
de políticas culturais
74. Por um Brasil criativo
Cláudia Leitão
Ricardo Klein
Mariano M. Zamorano
Joaquim Rius 86. Avaliação de impacto da atividade
cultural: o caso das instituições culturais
COLÔMBIA do Banco da República da Colômbia
38. Entre o sonho e a realidade, Fernando Barona Tovar
o caso das políticas culturais
na Colômbia 102. Relato do Seminário Políticas
Jaime Ruiz-Gutiérrez e Gestão Cultural na América Latina
no Século XXI
ARGENTINA Ana Letícia Fialho
46. A política cultural na Ilana Goldstein
Argentina do século XXI
Rubens Bayardo

MÉXICO
54. México, o país das reformas
estruturais. A reforma cultural
fora da agenda
Eduardo Cruz Vázquez
Localizada na fronteira entre
o México e os Estados Unidos,
Ciudad Juaréz é o tema do ensaio
Bordertown, de Mayra Martell, que
ilustra as páginas da OBS18.
A cidade mexicana, terra natal da fotógrafa, vem sofrendo um processo de degradação
social e econômica ao longo das últimas décadas, chegando ao ponto de receber o título de
lugar mais violento do mundo. Mayra registrou, de 2004 a 2007, não apenas uma cidade
devastada pela violência, mas sobretudo a ausência daqueles cujos vestígios são a única
prova da sua existência.
16 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

NO SÉCULO XXI, SOMOS


LATINO-AMERICANOS
OU NÃO SEREMOS NADA
Eric Nepomuceno

Em 1976, na América do Sul, apenas dois países, Colômbia e Venezuela, viviam em demo-
cracia. Todos os outros viviam regimes ditatoriais, extremamente violentos. Para quase todos
os países da América Latina, o futuro era uma palavra absolutamente vazia. Hoje, bem ou mal,
com maior ou menor consistência, com projetos menos ou mais viáveis, de maneira mais ou
menos errática, o que a nossa América vive desde a última década e meia do século XX é, mais
até do que uma etapa de transformação, uma etapa de resgate e recuperação. Da esperança,
da possibilidade, da tentativa talvez ainda inglória de aproximar o futuro.

E
m 1976, a Feira do Livro de Frankfurt de abertura da feira. Foram palavras dolori-
foi dedicada à literatura latino-ame- das e contundentes. Depois de traçar o retrato
ricana. Eram tempos de breu. Na nítido – e um diagnóstico esclarecedor – de
América do Sul, apenas dois países, a Colôm- uma realidade fantasmagórica, ao falar do
bia e a Venezuela, viviam em uma democracia ofício de escritor naquele emaranhado de
e, ainda assim, sob tensão. Argentina, Bolívia, injustiça, desigualdade e violência, afirmava,
Brasil, Chile, Equador, Paraguai, Peru e Uru- convicto: “Não é inútil cantar a dor e a beleza
guai viviam regimes ditatoriais – uns mais, de ter nascido na América”.
outros menos brutais, mas todos extremamen- Seis anos mais tarde, em dezembro de
te violentos. Na América Central, pequenos 1982, outro escritor latino-americano, um
países vagavam entre esse mesmo breu e a colombiano mestre de mestres e padroeiro
matança indiscriminada de camponeses, em de revelações chamado Gabriel García Már-
sua esmagadora maioria indígenas, expulsos quez, também falou das nossas comarcas em
de suas terras pela avidez dos latifúndios. seu discurso ao receber o Prêmio Nobel de
Para quase todos os países da América Literatura. E soube ser especialmente cer-
Latina, o futuro era uma palavra absoluta- teiro ao refletir de maneira clara e dolorida
mente vazia. No melhor dos casos, estaria se o que vivíamos e, sob muitíssimos aspec-
referindo ao improvável e imediato amanhã. tos, continuamos a viver em nossos países.
Naquele ano, o escritor uruguaio Eduardo Seu discurso tinha como título A Solidão da
Galeano foi convidado para fazer o discurso América Latina. Após relembrar passagens
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Eric Nepomuceno 17

alucinantes da nossa alucinada história, des- e as de Gabriel García Márquez – parecem


de o assombro dos chamados descobridores ter sido escritas numa época absolutamente
ao tropeçarem com uma realidade fulgurante distante, quando o mundo era outro e ou-
que desconheciam, e descrever os horrores tra era a nossa realidade. E, pensando bem,
e reivindicar esperanças naqueles mesmos é verdade – ou quase. Mas nem por isso
tempos prenhes de brutalidade mencionados perderam um milímetro sequer de vigor e
por Galeano, dizia García Márquez: “Eu me atualidade. Afinal, não restam ditaduras no
atrevo a pensar que é essa realidade desco- continente, e muitos dos que encabeçam
munal, e não só a sua expressão literária, que governos fazem parte daquelas gerações
neste ano mereceu a atenção da Academia sufocadas em violência e morte ou são seus
Sueca de Letras”. Era uma espécie de reco- herdeiros. Mas também é verdade que este
nhecimento daquilo que ele – e muitos outros nosso continente continua sendo um imen-
escritores e artistas latino-americanos – sa- so mapa de perversidades e desigualdades,
bia na pele: nesta nossa América, a realidade onde a miséria e a humilhação acossam
é muito mais criativa e surpreendente do que vorazes. É muito o que se avançou, mas é
a mais fértil e enlouquecida das imaginações. muitíssimo o que nos falta avançar.
Quem merecia o prêmio, dizia ele, era aquela Em todos os nossos países, para a mi-
realidade que ninguém saberia inventar. nha geração e as que vieram antes, tudo o
Visitadas hoje, depois de tantas déca- que vivemos na longa noite escura parece,
das, essas palavras – as de Eduardo Galeano hoje, conformar um tempo de espera, uma
18 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

espera pontilhada por imensos períodos da Além disso, esta velocidade com que
mais árida desesperança e por outros tan- as informações cruzam os céus nem sequer
tos da mais ávida esperança. Essa visão, em era imaginada há 50 anos, o que nos per-
todo caso, é a de um tempo pessoal, medido mite  – ou deveria permitir – estar mais
na dimensão daquilo que nos foi dado viver. atentos a cada movimento surgido para nos
Posto numa dimensão mais justa e ampla, fortalecer ou debilitar, e não apenas como
a do tempo histórico, o cenário que hoje ve- países individuais, mas como comunidade de
mos, e no qual vivemos, pode ser bem mais povos e nações neste nosso espaço comparti-
esperançoso. Porque pouquíssimas vezes lhado. Afinal, de uma forma ou de outra, nós,
ao longo dos séculos, e apesar da imensidão latino-americanos, jamais deixamos de ser
de caminhos que nos falta percorrer, nossas o que Simón Bolívar assim definiu: “Somos
comarcas viveram um período de tantas se- um pequeno gênero humano. Possuímos um
melhanças e convergências, só que agora já mundo à parte, cercado por dilatados mares,
não mais de horrores, mas de conquistas. novo em quase todas as artes e ciências [...]”.
Bastante relativas ainda, cabe reiterar, mas O que nos falta e faltou desde sempre é – e
nem por isso menos importantes. foi – assumir essa realidade e buscar nosso
Bem ou mal, com maior ou menor próprio rumo, nosso próprio destino.
consistência, com projetos menos ou mais Sob muitos e variados aspectos, é isso
viáveis, de maneira mais ou menos errática, o que vem sendo buscado com maior ou me-
o que a nossa América vive desde a última nor intensidade, de acordo com cada país,
década e meia do século XX é, mais até do que nas últimas duas ou três décadas. E é assim
uma etapa de transformação, uma etapa de que nos encontramos neste século novo: de
resgate e recuperação. Da esperança, da pos- volta ao ponto em que assumir nossa exis-
sibilidade, da tentativa talvez ainda inglória tência deve, necessariamente, merecer um
de aproximar o futuro. olhar mais amplo, mais lúcido, para além de
Assim vamos trilhando o século XXI, nossas fronteiras nacionais.
este novo tempo. É dever de cada um de nós No caso específico dos brasileiros, o
ter essa dupla consciência: o que se avançou sentido de latinidad que ainda existe entre
e o que falta. E ter a clareza e a consciência os vizinhos continua a nos fazer falta. Con-
plena de que não nos resta alternativa: ou tinuamos nos referindo, por exemplo, à
seremos latino-americanos ou não seremos “literatura latino-americana” e à “música
nada. É mais do que hora de buscarmos no latina” como se fôssemos nórdicos, aus-
espelho do tempo a nossa própria face, e não tríacos ou tailandeses. Como se fôssemos
aquela que nos tentam impingir há séculos. estranhos ao universo que García Márquez
É bem verdade que o conceito de latinidad, descreveu como “essa pátria imensa de
nestes nossos dias, difere do que era em me- homens alucinados e mulheres históricas”.
ados do século passado. A própria correlação Como se não pertencêssemos a um mundo
de forças entre os interesses que pairam so- que é nosso e do qual fazemos parte de
bre nosso mapa comum é outra. maneira irremediável. Aliás, valeria a pena
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Eric Nepomuceno 19

pensar um pouco nas razões e nos motivos tortuoso, um tanto errático, oscilando ao sa-
que há séculos adubam esse nosso alhea- bor dos interesses ocasionais de cada uma
mento. Da mesma forma que desconhecemos das duas partes.
a nossa própria história, desconhecemos a É preciso, em todo caso, destacar as
dos nossos vizinhos e, como consequência, profundas diferenças com que cada coroa
nossa história compartilhada. tratou as terras novas. Durante 30 longos
É verdade que desde seu começo as anos – entre a chegada de Cabral, em 1500, e
relações entre o Brasil e os demais países o envio da primeira expedição colonizadora,
latino-americanos foram pontuadas pelas comandada por Martim Afonso de Sousa, em
diferenças, tanto as reais como as criadas 1530 –, os portugueses pouco ou nada se pre-
justamente para impedir que nos reconhe- ocuparam com o que viria a se tornar o Brasil.
cêssemos ao conhecer os vizinhos. Destacar Concluíram que a colônia era demasiado
divergências é sempre uma forma eficaz de extensa, que havia madeira, mas nenhum
ocultar convergências. Podemos, aliás, par- indício de metais preciosos ou de especiarias,
tir da diferença mais evidente: o Brasil foi os tesouros da época, quando um punhado
descoberto e colonizado pelos portugue- de pimenta valia a mesma coisa que um
ses, enquanto todos os outros territórios punhado de ouro. Para completar, a extensão
latino-americanos foram conquistados e do litoral despertava a cobiça de outros paí-
colonizados pelos espanhóis. Aliás, há uma ses europeus, prejudicados pelo Tratado de
curiosidade quase nunca lembrada, mas Tordesilhas. Não havia perspectiva alguma
que é uma dessas típicas ironias da história: de benefícios imediatos e Portugal não estava
Cristóvão Colombo primeiro tentou o apoio exatamente à altura dos eventuais rivais, em
dos soberanos portugueses para seu projeto termos de poder bélico, econômico e político,
de navegação. Ao não ser atendido, recorreu para resistir à sua cobiça.
à coroa espanhola. Até nisso há um ponto de Só com a chegada de Martim Afonso
encontro e outro de desencontro. O que teria de Sousa as terras novas passaram a ser – e
acontecido se a coroa portuguesa tivesse de maneira um tanto superficial – coloniza-
apoiado o navegante ousado e visionário? das. Assim, enquanto em 1540 as colônias
Pois Colombo chegou, mas, até a via- espanholas se estendiam por quase todo o
gem de Pedro Álvares Cabral, houve um território conquistado, a colônia portuguesa
período de oito anos (1492-1500) em que tinha uma população esparsa, concentrada
as duas coroas, a portuguesa e a espanho- no litoral. Foi a partir do século XVIII que
la, conseguiram alcançar um acordo sobre os portugueses foram povoando a região
a partição do “mar oceano”, delimitando do Centro-Oeste e acrescentando novos
todas as terras “descobertas ou por desco- territórios, que não interessavam tanto aos
brir”. Quando o português chegou, o mundo espanhóis, ao mapa original da colônia.
desconhecido já estava fragmentado e cada Enquanto isso, a coroa espanhola já ha-
metrópole sabia qual seria seu quinhão. E via tratado não apenas de conquistar, mas de
assim a história seguiu seu rumo, um tanto efetivamente colonizar – a um preço brutal,
20 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

é verdade, pago pelos povos originários – a depois à potência em que se transformaram


parte que lhe tocou na partição do mundo. os Estados Unidos no século XX, cujo poder
As distâncias eram marcantes: em 1538, se estende até agora.
por exemplo, foi fundada a Universidade de A comunidade de interesses vislum-
Santo Domingo, na atual República Domi- brada por Simón Bolívar ou por San Martín,
nicana; em 1551, a de San Marco, em Lima, e que ia além das fronteiras de cada patria
naquele mesmo ano a do México. No Brasil, chica para caber no sonho da patria grande,
a primeira instituição a merecer o nome de era perigosa demais aos olhos dos grandes
universidade foi fundada no Rio de Janeiro centros mundiais de poder, convencidos de
em 1920: exatos 382 anos depois da de Santo que concretizar essa comunidade signifi-
Domingo e 369 das de Lima e do México. caria criar um bloco com meios e recursos
A própria maneira com que se deu a para defender e traçar o próprio destino.
independência nos países vizinhos é escla- Um bloco capaz de resistir à voracidade
recedora do que veio depois. Eles formavam dos donos do mundo. Esse sentimento de
parte de uma só colônia e se transformaram comunidade, por sua vez, jamais, a não ser
em nações independentes, porém, com um em épocas muito recentes, pareceu convin-
passado em comum. É como se, nas origens, cente aos brasileiros. Era como se nada disso
tivéssemos duas Américas, a hispânica e nos dissesse respeito. E ainda assim, nes-
a lusitana, condenadas a viver de costas tes tempos de agora, trata-se muito mais de
uma para a outra. manifestação de defesa de objetivos econô-
Poderia então parecer natural que o micos ou de estratégias geopolíticas do que
sentimento de latinidad, de um passado verdadeiramente da compreensão de que
compartilhado e de um sentimento de certa devemos assumir uma identidade comum,
identidade comum, guardadas as peculiari- respeitando cada individualidade cultural.
dades que asseguram a identidade individual A compreensão de que é muito mais o que
de cada um desses países, sempre tenha sido nos une do que aquilo que nos separa.
muito mais sólido entre as antigas colônias Há um dado curioso, outra dessas
espanholas. Afinal, a colônia portuguesa amargas ironias da história: nunca houve
era uma só e fez nascer o país chamado tanta semelhança entre nós, entre nossos
Brasil. Não se pode esquecer, em todo caso, cotidianos, como no período em que nossos
que, depois da independência de todos os países viveram sob ditaduras que coincidi-
países latino-americanos, outros – e ele- ram no tempo (entre 1964 e o fim da década
vados – interesses se dedicaram a impedir de 1980). Nunca antes estivemos tão pró-
que nos reconhecêssemos como nações de ximos nem fomos tão parecidos como nos
interesses e destinos compartilhados. Essa tempos em que os países estiveram debaixo
tomada de consciência – e de posição – era do jugo perverso das ditaduras militares e de
tudo o que não convinha ao império britâ- seus aliados da sociedade civil. Passado esse
nico, que mandou e desmandou em nossa período, também a retomada da democracia
região ao longo de quase todo o século XIX, e ocorreu de maneira coincidente no tempo. E,
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Eric Nepomuceno 21

de uma forma ou de outra, foi possível pre- que saberemos conhecer sua verdadeira his-
servar trajetórias paralelas, só que, desta tória e, ao conhecê-la, nos reconhecer.
vez, em direção oposta. Saber, como quis Bolívar, que somos
Agora, no rumo da defesa da demo- “um pequeno gênero humano”. E entender
cracia, cada um está buscando a própria de uma vez e para sempre que, como quis
fórmula para combater as desigualdades, Eduardo Galeano, não é inútil cantar a dor
retomar o desenvolvimento e o crescimento e a beleza de ter nascido na América. Inútil,
econômico, defender aquilo que cabe numa e muito mais doloroso, será continuarmos a
palavra tão mal gasta e desprestigiada, a querer ser o que não somos, a ignorar nossa
soberania. Assumindo a responsabilidade própria identidade, a alimentar nossa pró-
por traçar o próprio destino. pria solidão.
Neste século novo, são inegáveis  as
mudanças positivas experimentadas pelos
países latino-americanos. Agora, cabe a cada
um deles e a todos nós tratarmos de preser-
var o que se alcançou e, juntos, avançar mais.
No caso específico do Brasil, parecemos dis-
postos a mudar nosso olhar sobre o resto da
América. Entender que nossas diferenças
de formação podem e devem ser elementos
de fortalecimento e aproximação, não de
distanciamento. Finalmente, entender que Eric Nepomuceno
poderemos, entre todos e sem deixar de ser Eric Nepomuceno (1948) trabalhou como
o que somos, confirmar a existência dos mui- jornalista entre 1965 e 1986. Foi correspondente
tos pontos de identidade compartilhada que na Argentina (1973-1976), na Espanha (1976-1979),
nos foram ocultos ao longo dos séculos. no México e na América Central (1979-1983). No
Poucas vezes – pouquíssimas – tive- Brasil, foi correspondente do jornal El País entre
mos, entre todos nós, latino-americanos, 1983 e 1990. Atualmente, é colaborador dos jor-
tamanha oportunidade de descobrir a Amé- nais Página 12, de Buenos Aires, e La Jornada, do
rica Latina. De ir além da retórica oficial, do México. Como enviado especial, percorreu todos os
comércio e da circulação de mercadorias, países latino-americanos. Publicou livros de contos
para chegar à circulação de ideias; de nos (A Palavra Nunca, Coisas do Mundo, Quarta-Feira e
ouvir e de sermos ouvidos mundo afora; de Antologia Pessoal) e de não ficção (O Massacre e
assumir a consciência de que somos quem A Memória de Todos Nós). Tem contos publicados
somos e de quem é nossa gente. A verdadeira em espanhol, francês, holandês, búlgaro e inglês.
integração da América Latina se dará pela Traduziu alguns dos mais notáveis autores hispa-
via das artes e da cultura. Será por meio da- no-americanos, como Juan Rulfo, Julio Cortázar,
quilo que expressa a verdadeira identidade Eduardo Galeano, Gabriel García Márquez, Juan
de cada povo de cada país das nossas terras Carlos Onetti, Mario Benedetti e Juan Gelman.
22 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

ALGUMAS REFLEXÕES EM TORNO


DA CONSTRUÇÃO DE MODELOS DE
POLÍTICAS CULTURAIS
Ricardo Klein (Universidade de Barcelona)
Mariano M. Zamorano (Universidade de Barcelona)
Joaquim Rius (Universidade de Valência)

O presente artigo pretende ser um conjunto de reflexões sobre a existência de modelos


compartilhados de política cultural na América do Sul ou de modelos únicos de desenvolvimento.
Assim, será fornecido um quadro comparativo entre a experiência do Chile, a do Paraguai e a
do Uruguai, em um contexto de possíveis convergências e distâncias de agenda que apresenta
cada um desses países no tocante a seus processos e suas arquiteturas institucionais recentes.
Os três casos de política cultural nacional mencionados pertencem a diferentes tradições e
reconfigurações desiguais no processo destacado. Nesse sentido, será considerada a relação e
as possíveis influências de modelos europeus preexistentes do mundo anglo-saxão e dos órgãos
supranacionais. Serão abordadas as seguintes questões: é possível falar do surgimento de mo-
delos próprios na América do Sul? E quais seriam as características comuns que evidenciariam
a nova política cultural na região?

N
a prática, a institucionalização secretarias nacionais de cultura que dão ao
das políticas culturais na Améri- setor uma nova hierarquia.
ca Latina começa nos anos 1960. Por meio da análise dessas transfor-
Foram encontradas semelhanças com os mações, diversos trabalhos propõem uma
modelos de administração cultural francês periodização: a recuperação da cultura como
e inglês nesses primeiros desenvolvimentos expressão democrática e o início da institu-
(MEJÍA, 2005). Entretanto, eles ocorreriam cionalização pós-ditatorial (HARVEY, 1990),
em administrações que tradicionalmente os diferentes processos de reorganização no
relegaram a cultura a um papel secundário conjunto da América Latina nos anos 1990
e com um campo cultural reticente à inter- e 2000 (RUBIM; BAYARDO, 2008) e os pos-
venção pública. Já nos anos 1990, ocorre a teriores desenvolvimentos de convergência
criação de ministérios, vice-ministérios e regional da política cultural (PRAT, 2012).
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA KLEIN, ZAMORANO E RIUS 23

Nesse sentido, nos anos 1980, as po- (DÍAZ-POLANCO, 1997), participando no


líticas culturais do continente adotaram a século XXI em diversos processos de reco-
virada relativista do paradigma da democra- nhecimento político e institucional, como
cia cultural, uma perspectiva apresentada no caso da Bolívia e do Equador.
pela Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) na Apresentação dos casos de análise
Conferência Mundial sobre as Políticas Cul- Identidade nacional e modelo
turais de 1982, no México (MEJÍA, 2009). de política cultural no Chile
No entanto, esse projeto de reconhecimento O modelo de Estado neoliberal emer-
das culturas de origem pré-colombiana con- gente da ditadura que dirigiu o país entre 1973
tinuou tropeçando no quadro institucional e e 1990 marcou o desenvolvimento da gestão
intelectual tradicionalmente imposto pelo pública em cultura. Nesse sentido, a partir
Estado. O projeto as relegou a uma categoria da transição democrática, optou-se por um
inferior à da alta cultura de origem europeia sistema liberal de arm’s length, ou seja, pela
ou incorporou parcialmente traços dessas administração do setor por meio de agências
culturas à “cultura nacional”, porém, ne- com certa autonomia, tendo como finali-
gou-lhes efetivamente a categoria de sujeito dade evitar a ingerência político-partidária
social e político. Essa situação começou a se nesse âmbito. Foi criado um sistema em
transformar em parte recentemente, no fim torno da noção de “institucionalidade cul-
do século XX, como resultado das transfor- tural” (GARRETÓN, 1991), que propunha
mações na política cultural propiciadas pelas um distanciamento do intervencionismo
reivindicações de diversas minorias cultu- estatal na questão. No início do ano 2000,
rais1. Entre elas, as históricas reclamações foi modernizada a orientação constitutiva
indigenistas que advogam pelo reconhe- da política, antes baseada em um conserva-
cimento da cultura diferenciada como um dorismo autoritário e nacionalista (CNCA,
elemento de soberania e germe de autogo- 2005) e agora buscando uma representação
verno diferente daquele do Estado-nação da rica diversidade do país (PNUD, 2002).
24 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Por outro lado, durante seu início, nos as políticas culturais excluíram a pluralidade
anos 1990, a descoordenação do sistema, cultural e social (ZAMORANO, 2012).
baseado na convergência de diversos minis- Entretanto, desde o fim do século XX,
térios e órgãos públicos nessa questão, levaria diversas transformações promoveram o
a um debate em torno da viabilidade de um desenvolvimento dessas políticas. Durante
esquema “à francesa” ou do estabelecimento a transição democrática, foram criadas as
de algum mecanismo de sistematização da subsecretarias de Estado de Educação, Culto
ação pública (SQUELLA, 2001, 2011). Desse e Cultura (Decreto no 5269-1990), instituição
modo, em 2003, foi estabelecido o Conselho com pouca autonomia ou capacidade de ação
Nacional da Cultura e das Artes (CNCA). Sua (ESCOBAR, 2007). A Constituição Nacional
atuação na promoção cultural e dinamiza- de 1992, de tipo multicultural e bilíngue,
ção do campo artístico por meio da entrega serviu de base normativa para o desenvol-
de fundos concursáveis foi fundamental, e vimento da política cultural (SALERNO,
seus recursos e sua capacidade de ação foram 2001). Após o período neoliberal dos anos
aumentando a cada ano. Além disso, o CNCA 1990, marcado pela permanência da Asso-
promoveu a descentralização da política cul- ciação Nacional Republicana (ARN) no
tural por meio de uma norma que impõe que poder e pela corrupção, assim como pela
60% dos fundos concursáveis no setor artís- instrumentalização política no setor cul-
tico devem ser destinados a atividades fora tural, a mobilização setorial e as iniciativas
da região metropolitana. do campo intelectual impulsionaram a
Nos últimos anos, com a finalidade de mudança política (ZAMORANO, 2009).
aprofundar os processos mencionados, foi Dessa forma, em um contexto de de-
apresentado um projeto de lei (2011) para a manda social e mudança política regional,
criação de um Ministério da Cultura duran- com o governo de Nicanor Duarte Frutos
te o governo do Renovação Nacional (2010- (2003-2008), foi aprovada a Lei Nacional
2014). O atual governo deu continuidade a de Cultura (no 3.051, de 22 de novembro de
essa iniciativa e o CNCA mantém o processo 2006), que criava a Secretaria Nacional de
de consultas com esse objetivo a diferentes Cultura (SNC), atribuindo-lhe a categoria
atores vinculantes (CNCA, 2014), entre de ministério. A lei concebia o setor cultural
eles os nove povos indígenas reconhecidos em coerência com a noção de estilo de vida
no país e as comunidades afrodescendentes. e atribuía à ação pública a obrigação dos di-
reitos culturais dos diversos grupos sociais
As políticas culturais no Paraguai: (MOREIRA, 2012). Da mesma forma, em
um recente e incompleto processo contraposição ao improviso histórico no
de institucionalização setor, foi desenhado o Plano Nacional de
Desde sua independência, o Paraguai Cultura 2007-2011. O programa foi intitulado
desenvolveu diversas iniciativas públicas no Descolonizando as Nossas Culturas no Bicen-
setor cultural. Não obstante, em um entorno tenário da Independência, seguindo a tônica
político autoritário, até o início do século XX, regional. No entanto, esse avanço normativo
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA KLEIN, ZAMORANO E RIUS 25

e programático não se refletiria claramente Secretaria Nacional da Cultura (SNC), órgão


na atividade estatal (CGR, 2007), que con- responsável pelas políticas culturais nacio-
tinuaria centralizada em Assunção e não nais, giraram em torno de eixos como o papel
estabeleceria operações concretas para a pro- da cultura no desenvolvimento econômico
teção do patrimônio ou a promoção artística. e social, o novo desenho institucional das
O surgimento de uma coalizão domi- políticas públicas de cultura e o papel das
nada por forças progressistas em 2008, que indústrias criativas no âmbito da política de
permitiu o acesso de Fernando Lugo ao po- indústria nacional.
der, daria um novo uso às bases já colocadas. Da mesma forma, o período de 2005 a
Foi então desenhado um novo plano de cul- 2014 é de inflexão em termos de legislação
tura (SNC, 2010) – com novos eixos de ação cultural, assim como foi possível observar
cultural, como o resgate do centro histórico uma evolução mais do que importante no or-
de Assunção e a descentralização da ação çamento geral, passando de 16,7 milhões de
cultural –, reestruturado o esquema orga- pesos (2006) para 226.918.147 pesos (2014).
nizacional da SNC e obtidos mais recursos No processo de institucionalização
para o desdobramento dessas políticas, com da SNC, foi priorizado, entre outras ações,
um aumento de 20% no orçamento da SNC o fortalecimento das relações com os ato-
entre 2009 e 2010 (SNC, 2010, 2014). Entre- res sociais do interior do país, em busca de
tanto, em um país que sustenta uma profunda compensação diante da tendência de concen-
exclusão social e no qual a política cultural tração da oferta cultural em Montevidéu. Por
continua sendo considerada um aspecto exemplo, uma de cada três bibliotecas e três
acessório das políticas, a escassez de vontade de cada dez museus estão na capital (SNC,
política e de recursos limitou essa transfor- 2010). O principal objetivo foi “contribuir
mação (MOREIRA, 2014). Do mesmo modo, para a democratização da cultura, melho-
o golpe de estado parlamentar ocorrido em rando as oportunidades de acesso aos bens e
2012 diminuiu a continuidade do processo. serviços culturais daqueles setores da popula-
ção com menos possibilidades” (SNC, 2010).
Uruguai: institucionalização, O desafio da descentralização/regiona-
descentralização e democratização lização do acesso cultural enfrenta a tarefa
das políticas culturais de estabelecer políticas culturais sistemáti-
No Uruguai, as grandes mudanças cas em médio e longo prazo para dar força à
em termos de implementação e desenvol- sua ingerência sobre as “causas estruturais
vimento de políticas públicas de cultura da desigualdade” (CANCLINI, 1987). Nesse
começam com a ascensão do primeiro sentido, abordou-se a desconcentração no
governo progressista (2004) e continuam desenho das políticas culturais, ampliando
até hoje. As políticas culturais adquirem um sua presença em nível territorial no que se
papel estratégico para o desenvolvimento refere à participação cidadã. Um exemplo
do país (KLEIN, 2011). Nesse sentido, as disso foi a gestão – iniciada no ano de 2007 –
preocupações político-institucionais da do programa Centros MEC. Atualmente, são
26 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

123 centros em todo o território nacional, os Intensificação e diversificação da


quais buscam promover a inclusão social e política cultural
a participação por meio de suas atividades. Essa situação, no entanto, começaria
Salvo um centro que está na capital do país, a se transformar durante o século XXI. Por
o restante se distribui por todo o Uruguai. isso, um aspecto em comum nos diferentes
casos é que a política cultural se intensifi-
Olhares sobre três políticas culturais ca e diversifica nos anos 2000: no Chile, a
sul-americanas: convergências partir do governo de Lagos (2000-2006);
e diferenciações. Processos de no Paraguai, com Nicanor Duarte Frutos
institucionalização (2003-2008); e, no Uruguai, com o governo
As características diferenciais da de Tabaré Vázquez (2005-2010). Observa-se
gestão cultural dos casos selecionados res- que, após a hegemonia neoliberal, a política
ponderam fundamentalmente, como no cultural se relegitima, em parte como rea-
caso europeu (ZIMMER; TOEPLER, 1999), ção – instrumental ou efetiva – aos possíveis
ao modelo de construção do Estado, a seu efeitos de processos como a homogeneização
esquema administrativo-normativo e ao cultural, o aumento das desigualdades sociais
quadro ideológico que guia o conjunto da e a dissolução das identidades coletivas. Isso
ação pública. Como consequência, embora é observado ao ocorrer uma nova atenção à
o modelo que aparece como referência no regulamentação das indústrias culturais
panorama dos anos 1980 na América Latina (ARIZPE, 2001, p. 35; GETINO, 2003), assim
seja o do Ministério da Cultura, de André como nos conceitos de cultura com os quais
Malraux (MEJÍA, 2009, p. 113), logo seriam operou cada política cultural, que apresen-
desenvolvidas várias abordagens. Elas se tam múltiplas aproximações à diversidade
refletiram na institucionalização da polí- nacional, abordagens que se contrapõem à
tica cultural pós-ditatorial, nas diferentes histórica subjugação e folclorização das cul-
orientações normativas (baseadas em dife- turas subalternas, sofridas durante o século
rentes constituições e leis culturais) e em XIX e grande parte do XX.
seus modos de organização social. Os projetos civilizatórios e homogenei-
Nos anos 1990, apesar do desenvol- zadores baseados na alta cultura europeia
vimento de políticas neoliberais, avança abrem espaço, na política cultural recente,
a institucionalização da política cultural para diferentes interpretações e prioriza-
na América Latina (GARRETÓN, 2008). ções da alteridade que compõe a sociedade2.
Os países analisados evidenciam a tensão Essa transformação sub-regional se traduz
e, em certos casos, a contradição inerente em uma onda democratizante da gestão
entre ambos os processos – o de organização pública da cultura que, entre outras inicia-
da intervenção estatal na área, de tipo admi- tivas, se revela na adoção do programa de
nistrativo, de infraestrutura e legal, e o de Pontos de Cultura3 no Brasil e em sua proje-
baixa atuação efetiva no tocante a políticas ção pela SNC paraguaia (2008). Da mesma
de promoção cultural e proteção patrimonial. forma, o Uruguai e a Argentina adotaram
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA KLEIN, ZAMORANO E RIUS 27

TABELA 1
Comparação entre as políticas culturais do Chile, do Paraguai e do Uruguai

POLÍTICA
CULTURAL CHILE PARAGUAI URUGUAI

Modelos ou refe- Anglo-saxão liberal; contexto Social-democrata – multicul- Francês; contexto regional;
rências externas regional; Unesco. turalista; contexto regional; Unesco-Aecid.
Unesco-Aecid.

Objetivos Democratização cultural; Democratização cultural; Democratização cultural; ci-


principais desenvolvimento da defesa e promoção da diver- dadania cultural; nova institu-
indústria cultural. sidade étnica e identitária. cionalidade; desenvolvimento
das indústrias criativas.

Tipo de Conselho de Cultura. Secretaria de Cultura Secretaria ou divisão


instituição (ministerial). cultural dependente de
outro ministério.

Responsável Ministro-presidente designa- Ministro designado por Diretor designado por


institucional do por nomeação direta. nomeação direta. nomeação direta.

Instrumentos Conselho Nacional da Cultura Fundos de Cultura. Fundos concursáveis; asses-


centrais e das Artes; conselhos regio- sorias artísticas; Departa-
nais; fundos concursáveis; leis mento de Indústrias Criativas;
de mecenato. gestão territorial de projetos.

Principais trans- Aprofundamento das Aprofundamento das Aprofundamento das


formações e fatos políticas culturais; desenvol- políticas culturais; desen- políticas culturais e descen-
nos anos 2000 vimento institucional; centros volvimento institucional; tralização; desenvolvimento
culturais locais. descontinuidade. institucional (Centros MEC);
indústrias criativas.

Elementos Autonomização e desenvolvimento institucional a partir dos anos 1990.


comuns – Crescimento orçamentário e de atividade nos anos 2000.
convergências
Fragilidade institucional em relação ao restante das áreas de governo.
Processo de descentralização em curso.
Debate em torno da legitimidade da alta cultura e do conceito de cultura – memória histórica, par-
ticipação social e reconhecimento das culturas indígenas como desafio assumido, porém, pendente.
Orientação para a promoção da exportação das indústrias criativas (maior no Chile e no Uruguai).
Influência das agências internacionais (especialmente da Unesco).
Incipiente surgimento de isomorfismos e convergências latino-americanas (Pontos de Cultura).

Elementos Descontinuidade política e fragilidade institucional (caso do Paraguai).


diferenciadores Reconhecimento normativo e peso das minorias étnicas (maior no Paraguai).
Virada do governo para a esquerda e potencialização das políticas culturais (Uruguai e Paraguai).
Continuidade, mas com revisão recente, da orientação liberal (Chile).

Fonte: elaboração própria.


28 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA KLEIN, ZAMORANO E RIUS 29
30 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

experiências similares para o desenvolvi- segunda geração promovidas pela Unesco4


mento das Casas de Cultura (Argentina) e seria um novo incentivo para o desenvol-
dos Centros MEC (Uruguai). Esse programa, vimento e a orientação da política cultural
que se concentrou na defesa da diversidade regional. Nesse sentido, observa-se a influ-
cultural por meio da participação da comu- ência, embora decrescente, da cooperação
nidade local, significou uma ruptura com o internacional na política cultural, espe-
modelo brasileiro (BARBOSA; CALABRE, cialmente no Paraguai e no Uruguai e, em
2011) e se estendeu como uma referência menor medida, no Chile.
no contexto da chamada virada regional No tocante à influência do âmbito
para a esquerda. regional na política cultural, não obser-
vamos uma articulação relevante entre os
Influência dos contextos regional países sul-americanos, nem por meio de sua
e internacional diplomacia cultural nem no âmbito das pla-
Outro elemento que influencia no taformas de cooperação cultural regionais.
desenvolvimento da política cultural é o Por outro lado, avançou-se na produção e
entorno, regional e internacional, como no intercâmbio de dados sobre o setor da
âmbito de legitimação, de geração de discur- cultura. O Convênio Andrés Bello realizou
sos e programas e de provisão de recursos. algumas contribuições com seus progra-
No processo anteriormente mencionado, mas culturais – por exemplo, desde 1999,
tiveram diversificada influência os progra- com o plano Economia e Cultura, centrado
mas da Unesco, interpretados na Mondiacult na produção de informação cultural nos
1982 com a Declaração do México sobre as países-membros. Da mesma forma, com a
Políticas Culturais e sua definição extensa criação do Sistema de Informação Cultu-
de cultura em âmbito regional. A relação ral do Mercosul (Sicsur), em 2009, no qual
entre cultura, identidade e desenvolvimento participaram os países estudados, confi-
seria retomada no fim dos anos 1990, como gurando seu mapa de dados e colocando-o
consequência do impacto do relatório Nossa à disposição da base, está sendo abordado
Diversidade Criativa (UNESCO, 1996), em um problema histórico (ARIZPE, 2001, p.
que são defendidas as contribuições da 38), o da inexistência de bases regionais de
cultura para o desenvolvimento tanto eco- informação cultural que permitam articular
nômico quanto social. políticas conjuntas.
Entretanto, no caso paraguaio, tais
referências seriam instrumentalizadas Conclusões
politicamente por meio da criação de uma Não há um único modelo de
burocracia elementar e de uma base legal e política cultural
programática, mas não seriam refletidas na O estudo dos três casos nos permite
atividade pública. Algo similar aconteceria concluir que não se pode falar propriamente
no Chile e no Uruguai. Já nos anos 2000, de um modelo sul-americano de políticas cul-
a aprovação de diversas convenções de turais do mesmo modo que foi caracterizado
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA KLEIN, ZAMORANO E RIUS 31

um modelo anglo-saxão, um centro-europeu democratizante com fôlego organizacional


ou um nórdico (ZIMMER; TOEPLER, 1996). e recursos suficientes para ser eficaz e con-
São numerosas as diferenças históricas e tribuir para atenuar as enormes iniquidades
sociopolíticas entre o desenvolvimento das referentes ao acesso à cultura.
distintas estruturas de Estado no campo
cultural, seu grau de coerência interna Nova etapa na política cultural
e  sua instância de desenvolvimento, até Parece que assistimos, em diferentes
porque observamos diferentes orientações graus e com etapas de interrupção, a um novo
adotadas pelas elites sociais e culturais lati- momento das políticas culturais, em que elas
no-americanas, adaptando à política cultural são reconhecidas por seu papel gerador de
nacional influências de raiz francesa, inglesa, uma identidade nacional mais inclusiva,
norte-americana ou espanhola. assim como fomentam uma capacidade de
desenvolvimento social e econômico ter-
Existência de elementos comuns ritorialmente equilibrado. Nesse sentido,
Por outro lado, podemos destacar traços ocorreram diversos isomorfismos regionais,
comuns da política cultural desenvolvida como o caso dos Pontos de Cultura brasilei-
pelos três países. Em primeiro lugar, a ros. Da mesma forma, pode-se observar como
complexa aceitação e integração da iden- integram no marco da política cultural, em
tidade nacional. Ou seja, a política cultural seu caráter constitutivo e em suas pautas
entendida como substrato cultural das dife- de ação (por meio de diversas diretrizes
rentes identidades indígenas (e expressões ou debates), definições conceituais sobre
populares) presentes em maior ou menor cultura e autonomia política emergen-
grau em todos os países estudados, assim tes. Entretanto, ainda resta determinar se
como o desafio de conciliar a chamada alta poderemos observar mais fatores de concor-
cultura com outras expressões culturais. dância e cooperação em escala regional que
Em segundo lugar, a instabilidade política e permitam, no futuro, falar de um modelo ou
o caráter repressivo dos regimes ditatoriais de modelos de política cultural na América
gerou um déficit institucional na política cul- do Sul desenvolvidos de forma autônoma.
tural, uma desconfiança ante a intervenção
do Estado nesse âmbito e uma necessidade
(em muitos casos a resolver) de reconhecer
a memória histórica e as vítimas como um
processo de construção de uma política
cultural democrática. Em terceiro lugar,
e ligado aos dois primeiros elementos, na
última década, quando governos de caráter
progressista na região tomaram o poder, os
três países enfrentaram o desafio de dese-
nhar e desenvolver uma política cultural
32 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Ricardo Klein (Universidade de Barcelona)


Sociólogo, PhD e candidato a doutorado em gestão da cultura e do patrimônio pela
Universidade de Barcelona (UB). Seu projeto centra-se na análise de práticas do grafite e
da street art como processos de criatividade urbana e dinâmicas de valorização. É profes-
sor-assistente na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade da República (Udelar/
Uruguai) e fez parte do Sistema Nacional de Pesquisadores (Anii) do país. Foi consultor da
Unesco e consultor-pesquisador da Direção Nacional de Cultura do Ministério da Educação
e Cultura do Uruguai. É autor e coautor de múltiplas publicações nas áreas de sociologia
da arte e políticas culturais. Suas pesquisas tratam sobre a arte nas cidades, as políticas
nacionais/locais e a administração pública no desenvolvimento de políticas públicas de
cultura. É membro do Centre d’Estudis sobre Cultura, Política i Sociedad (Cecups/UB) e
do Comitê de Pesquisa RC37 Sociology of Arts (ISA) (rklein78@gmail.com).

Mariano M. Zamorano (Universidade de Barcelona)


Membro do Centre d’Estudis sobre Cultura, Política i Sociedad (Cecups) da Uni-
versidade de Barcelona (UB), doutorando em gestão da cultura e do patrimônio e faz
parte do Departamento de Teoria Sociológica da UB. É autor de diversos artigos sobre
história social da arte e políticas culturais. Suas pesquisas se centram nas esferas da po-
lítica cultural nacional e da diplomacia cultural, particularmente em seu estudo histórico,
assim como na análise de seus aspectos constitutivos e modos de participação social
(marianozamorano@ub.edu).

Joaquim Rius (Universidade de Valência)


Doutor em sociologia pela Universidade Autônoma de Barcelona (UAB) e pela École
des Hautes Études en Sciences Sociales (Ehess). Atualmente, é professor assistente doutor
no Departamento de Sociologia e Antropologia Social da Universidade de Valência (UV).
É autor de vários livros e de artigos sobre sociologia da cultura e política cultural publi-
cados em revistas nacionais e internacionais. Suas pesquisas se centram na análise dos
clusters e nas profissões criativas, no papel das instituições culturais na política cultural
e na instrumentalização da cultura no branding urbano e territorial.
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA KLEIN, ZAMORANO E RIUS 33

Referências bibliográficas

ARIZPE, Lourdes. Cultura, creatividad y gobernabilidad. In: MATO, Daniel (Ed.).


Estudios latinoamericanos sobre cultura y transformaciones sociales en tiempos
de globalización. Buenos Aires: Clacso, 2001.

BARBOSA, Frederico; CALABRE, Lia. (Ed.). Pontos de Cultura: olhares sobre o


Programa Cultura Viva. Brasília: Ipea, 2001.

CANCLINI, Néstor García. Introducción. Políticas culturales y crisis de desarrollo: un


balance latinoamericano. In: CANCLINI, Néstor García; BONFIL, Guillermo (Ed.).
Políticas culturales en América Latina. México: Grijalbo, 1987. p. 13-61.

CGR. Relatório final. Resolução CGR n. 1296/06. Assunção, Controladoria-Geral da


República, fev. 2007.

CNCA. Chile quiere más cultura. Definiciones de política cultural 2005-2010. Valparaíso:
Conselho da Cultura e das Artes, 2005.

____________. Informe consolidado encuentros ciudadanos. Projeto de lei criado pelo


Ministério da Cultura, das Artes e do Patrimônio, CNCA, Governo do Chile, 2014.

DÍAZ-POLANCO, Héctor. La rebelión zapatista y la autonomía. Madri: Siglo XXI


Editores, 1997.

ESCOBAR, Arístides. Legislación paraguaya y normativa internacional: un estudio


comparativo, Unesco. In: Legislaciones en el Mercosur relativas a las convenciones
de cultura aprobadas por la Unesco. Estudio de la situación actual en Argentina,
Brasil, Paraguay y Uruguay. Montevideo: Unesco, 2007.

GARRETÓN, Manuel Antonio. Comisión de estudios sobre institucionalidad cultural


de Chile. Santiago: Comissão Nacional Assessora de Cultura: Ministério da
Educação, 1991.

____________. Las políticas culturales en los gobiernos democráticos en Chile. In:


RUBIM, Antonio Albino Canelas; BAYARDO, Rubens (Ed.). Políticas culturais na
Ibero-América. Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia, 2008. p. 75-117.

GETINO, Octavio. Economía y desarrollo en las industrias culturales de los países del
Mercosur. Redes, n. 1, 2003.

HARVEY, Edwin R. Políticas culturales en Iberoamérica y el mundo: aspectos


institucionales. Madrid: Tecnos, 1990.
34 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

KLEIN, Ricardo. Políticamente incorrecto. Proceso de institucionalización de las


políticas culturales en el primer gobierno de izquierda en Uruguay (2004-2009).
Tese (Mestrado em Trabalho Social) – Faculdade de Ciências Sociais, Udelar,
Montevidéu, 2011.

MEJÍA, Juan Luis. Apuntes sobre las políticas culturales en América Latina, 1987-2009.
Pensamiento Iberoamericano, 2009. p. 105-129. Disponível em: <http://www.
pensamientoiberoamericano.org/articulos/4/97/0/apuntes-sobre-las-pol-ticas-
culturales-en-am-rica-latina-1987-2009.html>. Acesso em: 30 dez. 2014.

____________. ¿Derechos sin estado? Tres momentos de la institucionalidad cultural


en América Latina. In: Organización de los Estados Iberoamericanos. Cooperación
Cultural Euroamericana. Madri: Organização dos Estados Ibero-Americanos,
2005. p. 133-135.

MOREIRA, Vladimir Velázquez. Crónica y análisis de las políticas culturales del


Paraguay: entre la alternancia, el bicentenario y el quiebre democrático.
Cuadernos de Observación en Gestión y Políticas Culturales. Serie del Boletín de
Gestión Cultural, n. 1, 2012.

____________. Desafíos culturales del desarrollo en Paraguay. Emprende Cultura,


n. 6, 2014.

PNUD. Desarrollo humano en Chile. Nosotros los chilenos: un desafío cultural.


Disponível em: <http://www.desarrollohumano.cl/textos/debates/heine.pdf>.
Acesso em: 24 dez. 2014.

PRAT, Matías Zurita (Ed.). Los estados de la cultura. Estudio sobre la institucionalidad
cultural pública en los estados del Sicsur. Santiago: Conselho Nacional da Cultura
e das Artes, 2012.

RUBIM, Antonio Albino Canelas; BAYARDO, Rubens (Ed.). Políticas culturais na Ibero-
América. Bahia: Editora da Universidade Federal da Bahia, 2008.

SALERNO, Susana. Gestión cultural en países en vías de desarrollo. Investigación-


-acción sobre legislación cultural en Paraguay. Tese (Mestrado em Gestão
Cultural) – ICCMU, Universidad Complutense de Madrid, Madri, 2001.

SANT’ANNA, Márcia. La esclavitud en Brasil: los terreiros del candomblé y la resistencia


cultural de los pueblos africanos. In: VAN HOOFF, Herman. Oralidad para el
rescate de la tradición oral de América Latina y el Caribe. Disponível em: <http://
www.lacult.org/docc/REVISTA13.pdf>. Acesso em: 24 dez. 2014.

SECRETARIA NACIONAL DA CULTURA. Relatório de gestão: mar. 2005-set. 2009.


Uruguai: Secretaria Nacional da Cultura: Ministério da Educação e Cultura, 2010.
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA KLEIN, ZAMORANO E RIUS 35

SNC. Informe del primer año de gestión de la Secretaría Nacional de Cultura. Asunción:
SNC, 2014.

____________. Memoria de la Secretaría Nacional de Cultura 2009. Asunción:


Secretaría Nacional de Cultura, 2010.

SQUELLA, Agustín. La nueva institucionalidad cultural. In: Encuentro nacional de


regiones: por una nueva institucionalidad. Divisão de Cultura do Ministério da
Educação, 2011. p. 1-53.

____________. ¿Necesitamos un Ministerio de Cultura? Mercurio, 30 nov. 2011. p. 1-2.

UNESCO. Nuestra diversidad creativa. Informe de la Comisión Mundial de Cultura y


Desarrollo. Paris: Unesco, 1996.

ZAMORANO, Mariano Martín. La evolución de las políticas culturales del Paraguay:


hegemonías y transformaciones. Cuadernos de Observación en Gestión y
Políticas Culturales. Serie del Boletín de Gestión Cultural, n. 1, 2012.

____________. Paraguay, un modelo para armar: estudio histórico y diagnóstico


actual de sus políticas culturales públicas. Tese (Mestrado). Universidad de
Barcelona, Barcelona, 2009.

ZIMMER, Annette; TOEPLER, Stefan. Cultural policies and the welfare state: the cases
of Sweden, Germany, and the United States. The Journal of Arts Management,
Law, and Society, n. 26, 1996. p. 167-193.

____________. The subsidized muse: government and the arts in Western Europe and
the United States. Journal of Cultural Economics, n. 23, 1999. p. 33-49.

Notas

1 No contexto sul-americano, podem ser destacadas algumas experiências


prévias de reconhecimento dos direitos culturais dos grupos indígenas por
meio das políticas culturais. Por exemplo, a proteção brasileira aos terreiros de
candomblé por meio da Lei Federal no 6.292, de 1975, executada principalmente
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Esse
culto de origem africana estava situado, ao longo da geografia brasileira, em
diferentes territórios de prática ritual, divididos no campo (a natureza) e nos
assentamentos (SANT’ANNA, 2005, p. 38). Hoje, encontra-se disperso por
diversos pontos do país, mas tem força particularmente em Salvador, na Bahia.
Até a década de 1930, foi perseguido, mas, a partir da década de 1970, foi
regulamentado e preservado por meio de políticas ativas e, atualmente, cinco
terreiros são patrimônio cultural do Brasil.
36 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

2 Nesse sentido, o Paraguai avança – ao declarar o bilinguismo e se dotar de


um constitucionalismo indígena desenvolvido – ante o olhar cidadão da
diversidade do Uruguai, que atendeu parcialmente ao caráter multicultural por
meio das medidas descentralizadoras, e o Chile, que constituiu mecanismos de
participação regional, reconhecendo paulatinamente sua diversidade cultural.

3 O programa Ponto de Cultura promove iniciativas culturais provenientes da


sociedade civil. É a ação prioritária do programa Cultura Viva, do Ministério da
Cultura (MinC) do Brasil, e se concentra em conectar a cultura com a gestão
compartilhada entre o governo e a comunidade local. São medidas fundamentais
o fomento e a formação de redes de Pontos de Cultura no território por meio de
convênios, para além do Distrito Federal, com governos estaduais e municipais.
No período entre 2004 e 2011, foram apoiados e implementados 3.703 Pontos de
Cultura, com presença em todos os estados do Brasil.

4 Como a Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das


Expressões Culturais, de 2005, ratificada pelo Uruguai, pelo Paraguai e pelo
Chile em 2007.
38 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

ENTRE O SONHO E A REALIDADE,


O CASO DAS POLÍTICAS CULTURAIS
NA COLÔMBIA
Jaime Ruiz-Gutiérrez

A evolução das políticas culturais na Colômbia mostrou um comportamento semelhante


aos experimentados em todos os países da América Latina. Entretanto, a mudança constitu-
cional ocorrida em 1991 ampliou o papel da cultura no país e a consolidação de suas políticas
culturais para o novo século. Esse marco de referência se caracterizou como fruto de um processo
participativo, que refletiu a notável diversidade do país. Ocorreram mudanças que integram
novos atores privados, articulação com lógicas de mercado e inter-relação com outros setores da
sociedade em uma visão mais completa e internacional no contexto da sociedade colombiana.
A cultura de um direito se torna igualmente um recurso.

E
ste artigo tem o objetivo de descrever mera construção de uma lista de boas inten-
as políticas culturais na Colôm- ções, sem intervenção na prática. No caso da
bia do século XXI e, para tanto, é política cultural, esse aspecto se torna ainda
necessário estabelecer alguns pontos de mais importante. Quando se fala de cultura,
partida indispensáveis para entender mais geralmente se está no mundo do simbólico,
profundamente os alcances e as limitações do intangível, o que faz com que muitas ve-
deste texto. Um primeiro esclarecimento zes as políticas culturais constituam um
fundamental se refere àquilo que pode ser sonho que dificilmente se torna realidade.
entendido como políticas culturais. Existe Ou, em alguns casos, sua concepção pode ser
uma abundante discussão em torno do um sonho, mas sua administração pode se
assunto. Para facilitar, e por meio de uma tornar um pesadelo.
visão relativamente simples, entender-se-á Um segundo aspecto consiste na adoção
por política cultural a base de referência de de uma visão histórica que descreva a evolu-
caráter estatal que no decorrer do tempo foi ção dessas políticas e permita entender sua
sendo construída em determinada sociedade situação atual e sua possível evolução futu-
e que busca orientar e determinar a ação cul- ra. Nesse aspecto, parte-se da base de que a
tural de forma coerente e consistente. definição assumida do conceito de cultura
Entende-se que as políticas, quando afeta a forma como são estabelecidas as po-
não são aplicadas, costumam não passar de líticas para sua gestão, as quais também são
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Jaime Ruiz-Gutiérrez 39

moldadas pelas especificidades culturais na qual é concebida como um instrumento


correspondentes às sociedades das quais educacional para “civilizar um povo inculto”;
emergem e nas quais intervêm. como dizia o famoso ditado, “um povo culto
Um último esclarecimento: a cultura é é um povo educado” (RUIZ, 2010). A conse-
uma variável complexa; seu valor e sua ca- quência disso é que essas primeiras políticas,
pacidade são reconhecidos como elementos nas quais se abordava o elemento cultural,
de controle e mudança. Agenciar ações para estavam focadas em projetos de caráter edu-
gerar transformações culturais causa efeitos cacional. Concretamente, por meio do Decreto
em múltiplas direções, algumas vezes per- 365, de 1870, quando foi criada a Secretaria
versos ou, ao contrário, totalmente inócuos. de Instrução Pública, tentou-se levar para
a prática, de alguma forma, a ideia de civilizar
Olhar para o passado para projetar essa população “atrasada, mestiça, indígena
o futuro e negra” por meio de um projeto educacional
Na Colômbia, as políticas culturais têm de caráter integral (MENA e HERRERA,
suas próprias especificidades; entretanto, de 1994). Atividades prévias de caráter disperso
alguma forma, correspondem à evolução que em relação à institucionalidade de entidades
tiveram na América Latina. No caso colombia- culturais haviam sido constituídas pela fun-
no, no fim do século XIX, fala-se pela primeira dação da Biblioteca Nacional, em 1777, e da
vez de cultura, da perspectiva da ilustração, Fundação do Museu Nacional, em 1824.
40 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Posteriormente, na década de 1930, é necessário reavaliar esse conceito do índio


assim como em um bom número de países estudando-o com critério americano, verifi-
latino-americanos, tentava-se enterrar os cando nele as virtudes que quatro séculos de
últimos elementos da herança colonial por historiadores se empenharam em revalorizar
meio do desenvolvimento de visões nacio- ou adulterar? (MENA e HERRERA, 1994.)
nalistas nas quais se reivindicava a tradição
indígena. É assim que a denominada Repú- Finalmente, a mudança constitucional
blica Liberal (1930-1946) funda a Escola de 19911 estabelece a “cultura” como funda-
Normal Superior, à semelhança de seu par mento da nacionalidade (SANABRIA, 2000).
na França, na qual é formada a primeira Essa é uma mudança inédita e fundamental
geração de cientistas sociais na Colômbia para o país. Embora, em sua evolução, a polí-
(MENA e HERRERA, 1994). Nesse caso, e tica cultural houvesse estabelecido como
seguindo tardiamente a evolução conceitual objetivo primário a educação e secundário
do termo “cultura”, já se fala de “culturas”. a preservação do patrimônio cultural, com
O termo “cultura” deixa de ser usado para sua respectiva contribuição para a identidade
classificar algumas sociedades como mais nacional, agora o panorama mudava dramati-
cultas do que outras, culturas “melhores” camente. Adotar a cultura como fundamento
ou “piores”, “avançadas” ou “atrasadas”, e da nacionalidade implicava uma mudança
adquire-se consciência da existência de dife- muito profunda na consciência nacional. O
rentes culturas, sem nenhum qualificativo. que antes parecia motivo de vergonha, como
No caso colombiano, essa visão se refletiu no caso da existência de uma notável diver-
na revalorização de seu passado indígena. sidade étnica e cultural, passava a ser motivo
Os primeiros formandos da Escola Normal de orgulho e de definição da nacionalidade.
Superior, por meio de suas pesquisas de Nessa perspectiva, a cultura adquire um cará-
caráter histórico e de trabalhos de campo ter holístico que torna sua gestão bastante
de diversos tipos, conseguiram proporcionar complexa. É, portanto, necessário estabelecer
uma primeira visão do patrimônio cultural uma nova institucionalidade para a cultura.
legado pelas populações pré-colombianas, Assim, é aprovada a Lei Geral de Cultura (Lei
que cobriram todo o território do país. Nesse no 397, de 1997), pela qual é criado o Minis-
aspecto, as políticas culturais evoluíram na tério da Cultura e articulado um conjunto de
direção de incluir a preservação e a difusão políticas dispersas.
desse patrimônio e de, assim, contribuir
para a construção da identidade nacional. Esta lei surge de um complexo de fon-
tes e circunstâncias, como a evolução das
Vocês não sabem mais do que eu, e nas instituições culturais públicas e privadas
andanças por veredas e escolas devem ter colombianas e as normas sobre patrimônio
sentido o que estas sobrevivências signifi- cultural, propriedade intelectual, proteção
cam. Todos nós não pensamos que para dar ao artista, imposto para espetáculos pú-
ao povo um caráter dignamente nacionalista blicos, proteção para a indústria editorial
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Jaime Ruiz-Gutiérrez 41

e o cinema, regulamentação dos meios de com objetivos específicos no tocante, entre


comunicação e reconhecimento dos direi- outros aspectos, à infraestrutura cultural, ao
tos das comunidades étnicas, entre outros criador cultural, aos museus, às bibliotecas,
assuntos. Da mesma forma, observa-se a à formação artística, ao teatro, ao cinema e
presença dos acordos e convênios inter- à conservação e restauração dos bens artís-
nacionais, particularmente as declarações ticos e culturais.
e recomendações da ONU, da Unesco e da Na quarta e última parte dessa impor-
OEA. (SANABRIA, 2000.) tante lei está a consagrada gestão cultural
em seus diferentes aspectos, como a for-
Consolidação de uma mação do Sistema Nacional de Cultura, do
institucionalidade cultural Conselho Nacional de Cultura, do Ministé-
Essa consolidação ocorreu por meio da rio da Cultura, de sua estrutura orgânica, dos
Lei de Cultura nº 397, de 1997, composta de mecanismos de financiamento e de outros
4 capítulos e 83 artigos. Essa lei englobava, elementos complementares. Em síntese, é
em termos gerais, quatro aspectos. Em pri- possível afirmar que essa lei de cultura reco-
meiro lugar, os princípios fundamentais nos nhece a evolução que o conceito de cultura
quais definia o papel do Estado e do cidadão teve no sentido de não somente ser conside-
em relação à cultura. No tocante ao Estado, rado um “direito”, mas também ser concebido
estabelecia que seu papel primordial consis- como um “recurso” – tendência que, como se
tia na preservação do patrimônio cultural da verá posteriormente, será aprofundada no
nação e no apoio às “pessoas, comunidades e conjunto de políticas que serão emitidas a
instituições que desenvolvam e promovam as partir desse momento e que constituem as
expressões artísticas e culturais nos âmbitos correspondentes do século XXI.
locais, regionais e nacional”2. Para isso, seria Outro aspecto a se destacar dessa lei
o Ministério da Cultura a entidade que coor- de cultura é a forma como foi elaborada,
denaria a ação do Estado para a formação do por meio de uma ativa participação em um
“novo cidadão estabelecido nos artigos 1 a 18 processo que poderia ser caracterizado
da Lei 188, de 1995”3. “de baixo para cima”. Com a realização de
Uma segunda parte é consagrada à fóruns, workshops, reuniões e numerosas
proteção do patrimônio cultural da nação, outras atividades, buscou-se a participa-
estabelecendo a sua definição, incluindo ção ativa de minorias étnicas, movimentos
os direitos dos grupos étnicos e criando o camponeses, trabalhadores da cultura, ar-
Conselho de Monumentos Nacionais, entre tistas, criadores e um abundante conjunto
um conjunto de artigos complementares. de grupos de interesse aos quais a lei afetava
Um terceiro aspecto da lei consiste no es- de alguma forma. A partir desse momento,
tabelecimento de uma série de princípios foram geradas políticas de diversos tipos
relacionados ao fomento e aos estímulos à e com diferentes objetivos destinados ao
criação, à pesquisa e à atividade artística e fortalecimento do setor cultural. Pode-se
cultural. Essa parte é formada por 36 artigos afirmar que a “cultura está em tudo”.
42 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Esse auge tornou prioritária para o Colômbia em um futuro próximo com base
Ministério da Cultura a realização de um em seu conteúdo.
compêndio das políticas culturais no país, Um primeiro aspecto a ser destacado
com a finalidade de entendê-las e dar-lhes nesse compêndio é sua concepção como um
coerência. Para isso, em 2009, o Ministé- instrumento de diálogo de caráter inacabado,
rio da Cultura publicou um compêndio de no qual política e cultura se entrecruzam e se
políticas culturais, um grosso volume de enriquecem mutuamente. É proposto como
512 páginas que: um documento aberto:

[...] constitui uma tarefa monumental Abrir-se é a palavra que melhor resume
de compilação que nos permite incluir, em o propósito do compêndio. Este é, finalmente,
uma mesma e única edição, todas as políti- um documento para debater o significado das
cas culturais produzidas pelo Ministério da políticas culturais no próprio setor e para que
Cultura. Um documento que nasce da soma criadores, sindicatos, organizações culturais,
de muitos esforços, com o qual as ações no indústrias culturais, gestores públicos e pri-
campo cultural terão uma orientação e per- vados, movimentos socioculturais e muitos
mitirão as grandes definições em termos de outros contribuam com suas ideias. E, assim,
cultura que o país precisa, com a ativa parti- ampliar cada vez mais o espectro da cultura
cipação do Estado, das entidades privadas, para gerar um diálogo com a economia, a
da sociedade civil, das suas organizações saúde, o desenvolvimento, a educação, o meio
e dos grupos comunitários. Graças à sua ambiente e a totalidade dos campos da vida
intenção de diálogo com a sociedade, inicia, social. (COMPENDIO DE POLÍTICAS CUL-
sem dúvida, um processo cultural histórico. TURALES, 2009, p. 12.)
(COMPENDIO DE POLÍTICAS CULTU-
RALES, 2009, p. 11.) Esse primeiro aspecto destaca o caráter
integral e dinâmico da cultura no contexto
Esse manual será a base da descrição da sociedade colombiana, que não é mais
das políticas culturais que a Colômbia pro- concebida como um setor isolado, mas sim
põe para o desenvolvimento do setor nestas como um elemento em interação contínua
primeiras décadas do século XXI, assunto com todos os setores da sociedade.
da próxima seção. O compêndio destaca os próximos ele-
mentos na formação das políticas culturais
Para onde vai a cultura no país e reconhece em primeiro lugar a
Nesta terceira seção, embora se tome existência de certa tradição na elaboração
como base o compêndio de políticas cultu- dessas políticas, que, em seu desenvolvimen-
rais mencionado anteriormente, o objeti- to atual, procuram que a cultura contribua
vo não é descrevê-lo, já que sua dimensão para a construção de uma identidade cultu-
não o permite. Mais importante é deduzir ral diversa, baseada na descentralização, na
a tendência geral das políticas culturais na proposição e na geração de políticas. Na atual
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Jaime Ruiz-Gutiérrez 43

conjuntura, integram-se novos elementos, de políticas culturais com certas caracterís-


como os aspectos relacionados com a diver- ticas que permitem uma visão positiva em
sidade regional do país, a revitalização das termos de desenvolvimento do setor para
línguas nativas, o empreendimento cultural o futuro, é preciso criar os mecanismos e
e a denominada cultura digital. Busca-se a institucionalidade necessários para que
promover a internacionalização da cultura esses bons desejos se tornem uma realidade
colombiana e a economia da cultura corres- que responda às mudanças vividas no país a
pondente à evolução de seu conceito como partir da última década do século XX. Novas
um fator de criação de valor. circunstâncias situaram a cultura como um
Em suas políticas, o Ministério da elemento fundamental no contexto nacio-
Cultura reflete, por um lado, a integração nal em suas múltiplas dimensões simbólicas,
funcional e o aprendizado alcançados com pedagógicas, econômicas e identitárias.
a aplicação de políticas que poderiam ser
denominadas tradicionais e que permiti-
ram otimizar seus processos de gestão por
meio do Estado. Entretanto, por outro lado,
as políticas culturais extrapolam o âmbito
estatal e abrem a porta para novos atores pri-
vados e não governamentais que contribuem
para que elas formem uma rede que fornece
uma visão integral dessas políticas. Essa Jaime Ruiz-Gutiérrez
visão integral é concretizada nos seguintes Engenheiro industrial e mestre em enge-
conceitos, que sintetizam as políticas cul- nharia industrial pela Universidade dos Andes, em
turais na Colômbia para o futuro: formação, Bogotá, na Colômbia. Obteve diploma de estudos
memória, organização, diversidade, criação, avançados (DEA) em matemática e aplicativos e
pesquisa, descentralização/regionalização doutorado em matemática aplicada às ciências
e comunicação. Embora sejam conceitos sociais pela École des Hautes Études en Sciences
gerais, constituem os nós da rede que os dife- Sociales (Ehess), em Paris, na França, em 1982.
rentes atores integram e reforçam o diálogo Trabalhou na diretoria de planejamento do Banco
e o caráter aberto da política cultural. Cada Central da Colômbia. A partir de 1994, atuou como
um deles contém seus aspectos específicos, professor-associado e pesquisador de projetos da
por meio dos instrumentos apropriados Faculdade de Administração da Universidade dos
para seu desenvolvimento. Tendo em vista Andes. Suas áreas de interesse são diversas, mas
a atual situação conflituosa na Colômbia, têm em comum o propósito de articular metodo-
um último elemento conjuntural consiste logias de medição e sua utilização para entender
no papel crucial da cultura no processo de os fenômenos inerentes ao desenvolvimento das
pacificação do país. organizações. Desenvolveu trabalhos de pesquisa
Embora seja possível afirmar que a sobre os seguintes assuntos: demografia organiza-
Colômbia conseguiu configurar um conjunto cional, estudos culturais e gestão cultural.
44 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Referências bibliográficas

COMPENDIO DE POLÍTICAS CULTURALES. Documento de discussão. Ministério da


Cultura. República da Colômbia, 2009.

LOZANO, U. Mena; CAMPILLO, A. Herrera. Políticas culturales en Colombia. Discursos


estatales y prácticas institucionales. Bogotá: M&A Editores: Editorial Nomos, 1994.

RUIZ, J. ¿Están las políticas públicas en cultura sujetas a la “cultura” en la cual se


generan? Una reflexión a partir del caso colombiano. Revista de Asuntos Públicos.
Escuela de Gobierno (Egob), Universidad de los Andes, Bogotá, 2010.

SANABRIA, A. (Org.). Ley General de Cultura. Versión concordada y completada.


Bogotá: Ministério da Cultura: Imprenta Nacional de Colombia, 2000.

Notas

1 A Constituição da Colômbia estava vigente desde 1886.

2 Texto da Lei de Cultura no 397, de 1997.

3 Idem.
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Jaime Ruiz-Gutiérrez 45
46 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

A POLÍTICA CULTURAL NA
ARGENTINA DO SÉCULO XXI
Rubens Bayardo

Este artigo traça um panorama geral das políticas culturais do Estado federal argentino,
apresentando algumas das principais iniciativas adotadas nos primeiros anos do século XXI.
O autor as relaciona com os eixos ou as orientações que organizaram o âmbito das políticas
culturais em nível internacional a partir de meados do século passado, a saber: democratização,
descentralização, desenvolvimento, diversidade cultural e criatividade.

A
política cultural federal na Argen- passagem política do ibero-americanismo
tina dos primeiros anos do século para um latino-americanismo associado à
XXI vem sendo marcada pelas denominada “virada para a esquerda”. Uma
principais orientações adotadas pelo mundo peculiaridade dos últimos governos do país
desde os anos 1960 até agora. Elas podem é que se referem a muitas das suas políticas
ser resumidas em poucos tópicos sucessivos como fazendo parte de uma “batalha cultu-
que foram se sobrepondo e imbricando, em ral”, por isso, poderiam ser incluídas nesse
torno dos eixos da democratização cultural, domínio medidas como a nacionalização
da descentralização, do desenvolvimento, de empresas e novas leis1. Um critério para
da diversidade cultural e da criatividade. delimitar as políticas culturais será men-
Como construções conceituais, e em par- cioná-las com relação aos eixos citados
ticular como construções globais, deve-se anteriormente, mesmo quando é claro que as
entender que esses termos comuns sinteti- ações e as iniciativas (que ao mesmo tempo
zam significações diferentes, talvez opostas se multiplicaram) os extrapolam.
ou inclusive incomensuráveis. Funcionam As políticas culturais do Estado fede-
mais como senhas que permitem compar- ral na Argentina ampliaram seu campo de
tilhar e comparar um sistema internacional ingerência, indo além das ações habituais
com base em perspectivas nacionais e inte- no setor (artes, letras, patrimônio, folclore) e
resses particulares, de acordo com diversos envolvendo mudanças na organização institu-
contextos regionais e momentos sociais. cional. Isso é especialmente visível na ênfase
No caso argentino, são relevantes o colocada na diversidade cultural, nos direitos
momento de virada econômica do neolibera- culturais e na cidadania cultural, assim como
lismo para um neodesenvolvimentismo com na identidade nacional, na cultura popular e na
intervenção ativa do Estado e o contexto de cultura comunitária. O responsável primário
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Rubens Bayardo 47

do setor é o novo Ministério da Cultura, que forneceu financiamento, equipamento,


substituiu recentemente a Secretaria da Cul- treinamento e acompanhamento para seus
tura da Nação (SCN)2. Contudo, cabe destacar projetos. Também vale destacar o plano
que muitas das políticas que poderíamos nacional de igualdade cultural Novas TICs
chamar de “culturais” não dependem desse a Serviço do Acesso Igualitário à Cultura, de
ministério, mas sim de espaços mais hierar- caráter intersetorial, promovido juntamente
quizados da administração estatal, em áreas com o Ministério de Planejamento Federal,
de planejamento, trabalho, comunicação e Investimento Público e Serviços da Nação.
educação, que contam com maiores orçamen- Esse plano se propõe a integrar políticas
tos e melhor capacidade de execução. É o caso culturais e políticas de comunicação, gerar
das comemorações do bicentenário da Revo- condições tecnológicas e de infraestrutura
lução de Maio, dos planos de inclusão digital, que garantam igualdade de oportunidades
dos canais a cabo Encuentro e Pakapaka, do no acesso e promover a produção de bens e
programa Fútbol para Todos, do Centro Cul- serviços culturais, o emprego e a integração
tural do Bicentenário Néstor Kirchner e do social. É um programa muito vasto, orientado
Polo Audiovisual Isla Demarchi, entre outros. para desenvolver Centros de Criação Cultural
A democratização em políticas cultu- e a Rede Federal de Cultura Digital. Para isso,
rais significa habitualmente a ampliação do inclui o Plano Nacional de Telecomunicações
acesso a bens e serviços culturais e à parti- Argentina Conectada, dedicado à instalação
cipação na vida cultural. Um programa que de redes de fibra óptica e à criação de Núcleos
merece relevância são os Pontos de Cultura, de Acesso ao Conhecimento, equipados com
iniciados em 2011, que retomam o modelo computadores para a comunicação, a aprendi-
originado no Brasil em 2004 e que foram zagem e o entretenimento. Também atua com
estendidos a outros países latino-americanos. a Televisão Digital Aberta, uma plataforma
No caso argentino, trata-se de promover a de TV com imagem e som de alta qualidade
organização popular com a cultura comu- que, por meio de um satélite, atinge zonas
nitária, dando apoio econômico e técnico a distantes do país, distribui gratuitamente
iniciativas que, por meio da arte e da cultura, decodificadores a residências, instituições e
promovam a inclusão social, a identidade organizações sociais e promove a geração de
local e a participação popular. O programa conteúdo por novos atores sociais.
formou uma Rede Nacional de Pontos de A descentralização em políticas cul-
Cultura com 450 membros, organizações turais é uma proposta que demanda muito
sociais e comunidades indígenas, aos quais esforço e cujo modelo são as casas de cultura
48 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

promovidas por André Malraux, na França, mas que foram interrompidas em razão da
com o propósito de aproximar as adminis- ocorrência de alguns conflitos com o pes-
trações dos espaços e dos usuários locais. soal. O local terminou sendo designado como
Em 2010, a Argentina comemorou 200 anos centro cultural ou Casa do Bicentenário.
da Revolução de Maio, que iniciou o processo Outras iniciativas visam reforçar centra-
de separação da Espanha, concluído em 1816 lidades, como é o caso do Centro Cultural
com a Declaração da Independência. Em todo do Bicentenário Néstor Kirchner, que está
o país, foram realizados festejos comemora- sendo construído no antigo edifício do Cor-
tivos do bicentenário da Revolução de Maio. reio Central. Trata-se de um investimento
A Secretaria de Cultura apoiou a entidade de grande magnitude em que a área da cul-
responsável por esses fes- tura acompanha, como em
tejos, a Unidade Executora “A política cultural federal na outros casos, o Ministério
Argentina dos primeiros anos do
do Bicentenário, ligada à do Planejamento Federal.
século XXI vem sendo marcada
presidência da nação. Ao Algo similar acontece com
pelas principais orientações
mesmo tempo, junto com adotadas pelo mundo desde os a Feira de Ciências, Artes
a Secretaria-Geral da Pre- anos 1960 até agora.” e Tecnologia, mais conhe-
sidência e o Ministério do cida como Tecnópolis,
Trabalho, Emprego e Previdência Social, par- iniciada em 2011, que depende da Unidade
ticipou da criação das Casas da História e da Executora Bicentenário e na qual o Ministé-
Cultura do Bicentenário. Foram lançadas 85 rio da Cultura conta com um pavilhão.
Casas do Bicentenário (como normalmente O desenvolvimento não é um assunto
são conhecidas), distribuídas por todo o país, novo em políticas culturais e, de fato, todas
nas quais são realizados debates, exposições, as conferências intergovernamentais o tive-
workshops e eventos ligados ao cinema, ao ram como tema de debate conceitual a partir
teatro, à música e à dança. O Instituto Nacio- dos anos 1970. Mas sua colocação na agenda
nal do Teatro (INT) forneceu o equipamento ocorreu realmente a partir da Conferência de
de luz e som e o Instituto Nacional de Cinema Estocolmo, em 1998, e se traduziu no incenti-
e Artes Audiovisuais (Incaa) colaborou com a vo a estudos e pesquisas orientados a conhe-
instalação de microcinemas. cer e fomentar o lugar da cultura na economia
Uma iniciativa orientada para marcar (em especial, contribuição ao PIB, geração de
uma definição política do centro (mais do que emprego, financiamento público e privado) e
uma descentralização cultural em sentido na promoção de empresas culturais. Em 2003,
estrito) foi o lançamento da Casa de Cultura a SCN iniciou uma sistematização de infor-
de la Villa 21/243, no bairro de Barracas, como mações e de medições da economia do setor,
nova sede da Secretaria de Cultura, até então que anos depois se institucionalizou na área
situada em um palacete da Recoleta, o mais de Indústrias Culturais. Assim, formaram-se
elegante bairro da capital federal. Ali foram o Sistema de Informação Cultural da Argen-
iniciadas obras de refuncionalização de um tina (Sinca) e outras iniciativas importantes,
antigo galpão de 13 mil metros quadrados, como o Mapa Cultural, a Conta Satélite de
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Rubens Bayardo 49

Cultura e, em 2013, a Enquete Nacional de A diversidade cultural é um dos assun-


Consumos Culturais. Foram realizadas diver- tos mais inovadores na agenda das políticas
sas pesquisas que resultaram em estatísticas culturais. O tema esteve presente em uma
culturais setoriais e em publicações que rela- famosa palestra dada por Claude Lévi-Strauss
tam um contexto do setor contrastante com na Organização das Nações Unidas para a
a dispersão e o desconhecimento anteriores. Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)
Em 2012, foi iniciado o Programa de em 1948, conhecida como Raça e História.
Apoio a Empreendimentos Culturais (Paec), As conferências dos anos 1970 também abor-
junto com a Fundação Banco Macro, para daram a diversidade cultural reiteradamente
dar apoio econômico à geração e ao cresci- com base na problematização da identidade.
mento de empresas culturais. Ele se destina Mas a promoção intergovernamental de ações
a produtores e empresários nos domínios da começou recentemente, no fim dos anos 1990,
música, do design, de video game, editorial e se expandiu rapidamente no ocidente globa-
e audiovisual. Baseia-se em 250 projetos lizado. A Argentina, juntamente com outros
e iniciativas selecionados do Mercado de países latino-americanos, incluiu a questão da
Indústrias Culturais Argentinas (Mica), em diversidade cultural na reforma da Constitui-
razão de sua criatividade e valores culturais ção Nacional de 1994. A SCN adotou um novo
e de seu potencial no crescimento econômico organograma, incluindo, em 2011, a Secreta-
e na geração de empregos. Atento à economia ria de Políticas Socioculturais, com áreas que
do setor, vale destacar a publicação do Guia compreendem essa mudança: a Secretaria
do Financiamento Público para a Cultura e Nacional de Promoção de Direitos Culturais
as Artes, que apresenta as linhas de fomento e Diversidade Cultural e a Secretaria Nacional
público (empréstimos, concursos, subsí- de Participação e Organização Popular.
dios, prêmios, bolsas e ajudas) orientadas Diferentes iniciativas tendem à inclusão
a finalidades como a criação, a produção, o de setores marginalizados e/ou postergados,
equipamento, o fortalecimento, a mobilidade, como é possível observar nos programas
a profissionalização etc. em seis áreas: artes Povos Indígenas, Afrodescendentes e Argen-
cênicas, artes visuais, audiovisuais, letras e tina dos Mais Velhos (referente aos idosos).
editorial, música e multissetoriais. Em 2014, Ao mesmo tempo, perdura a preocupação
aos fundos orçamentários e aos fundos espe- originária das políticas culturais com a identi-
cíficos prévios (correspondentes a artes, dade nacional e a edificação do Estado-nação,
bibliotecas populares, teatro, cinema e artes embora ressignificada no âmbito da Amé-
audiovisuais) foi agregado o Fundo Argentino rica Latina. Em 2014, o novo Ministério da
de Desenvolvimento Cultural. Ele concede Cultura criou a Secretaria de Coordenação
ajudas e incentivos econômicos a criadores, Estratégica para o Pensamento Nacional, que
produtores, empresas e organizações para a conta com a Secretaria Nacional de Pensa-
realização de atividades, projetos e progra- mento Argentino e Latino-Americano.
mas em quatro linhas de ação: mobilidade, A criatividade é a vedete global de no-
sustentabilidade, infraestrutura e inovação. vas políticas públicas, que transformam os
50 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

sentidos prévios das políticas culturais e se mais ligadas às novas tecnologias e à expansão
inscrevem em uma derivação para políticas do que é cultural para o econômico e o social,
econômicas e políticas sociais. Essa invenção transitam por caminhos mais amplos do que
anglo-saxã de 1994 se expandiu muito mais antes. Ocorreram grandes mudanças para
rapidamente do que as práticas discursivas aquilo que foi chamado de desenvolvimento,
anteriores fomentadas pelo British Council, diversidade e criatividade. Mas esses novos
pela Conferência das Nações Unidas para o eixos se tornaram fetiches globais fervoro-
Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) samente adotados e, com mais razão do que
e pela própria Unesco, parecendo oferecer as orientações prévias em políticas culturais,
soluções aos estados nacionais em uma glo- requerem discussões que, no momento, não
balização na qual buscam competir por meio ocorreram em nível nacional nem internacio-
de suas empresas e como empresas. Na SCN, nal. Algo similar acontece no antigo desejo da
o Mica, iniciado em 2011, foi a iniciativa mais intersetorialidade ou transversalidade, que
clara a esse respeito. Mesmo que sua deno- parece realizado por políticas culturais que
minação possa desorientar, o Mica da capital extrapolam o setor em parcerias entre mi-
está organizado em áreas das chamadas nistérios capazes de mobilizar significativos
indústrias criativas: artes cênicas, audiovi- fluxos de fundos com o sentido de geração de
sual, design, editorial, música e video game. emprego e de vias de inclusão sociocultural.
Convoca produtores e artistas para gerar Faltam pesquisas empíricas sobre o fun-
negócios no mercado mundial, trocar infor- cionamento e os resultados dessas iniciativas
mação e apresentar a produção argentina. Ao institucionais, centrando-se em suas dimen-
mesmo tempo, organiza encontros pré-Mica sões culturais. Também são necessários
nas regiões argentinas, destinados a captar debates conceituais sobre o conjunto desses
e fomentar micro, pequenas e médias em- eixos e sobre as práticas sustentadas por essas
presas, o que no jargão do setor criativo se políticas que permitam construir indicadores,
denomina indies, fornecedoras das majors. elaborar avaliações quantitativas e qualita-
Nessa iniciativa intersetorial confluem, tivas e repensar as políticas culturais mais
junto com o Ministério da Cultura, o Minis- apropriadas para estes tempos acelerados.
tério da Indústria, o Ministério do Trabalho,
Emprego e Previdência Social, o Ministério
da Economia e Finanças, o Ministério do
Turismo, o Ministério do Desenvolvimento
Social, o Ministério das Relações Exteriores
e Culto e o Ministério do Planejamento Fede- Rubens Bayardo
ral, Investimento Público e Serviços. Doutor em antropologia, professor e pesqui-
A brevidade deste artigo somente permi- sador da Universidade de Buenos Aires e diretor da
te traçar um panorama geral e esboçar alguns especialização em gestão cultural e política cultural
assuntos “bons para pensar”. É claro que as do Instituto de Estudos Sociais da Universidade Na-
políticas culturais na Argentina, cada vez cional de San Martín.
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Rubens Bayardo 51

Referências bibliográficas

BAYARDO, Rubens. Políticas culturales en Argentina. In: RUBIM, A.; BAYARDO, R.


(Org.). Políticas culturais na Ibero-América. Salvador: Editora da Universidade
Federal da Bahia, 2007.

BAYARDO, Rubens. Políticas culturales: derroteros y perspectivas contemporáneas.


In: Revista de Investigaciones Políticas y Sociológicas, vol. 7, n. 1. Servizio de
Publicacións da Universidade de Santiago de Compostela, 2008. p. 17-30.

BUSTAMANTE, Enrique. ¿La creatividad contra la cultura? In: ALBORNOZ, Luis A.


(Comp.). Poder, medios, cultura. Una mirada crítica desde la economía política de
la comunicación. Buenos Aires: Paidós, 2011.

CANTAMUTTO, Francisco. ¿Giro a la izquierda? Nuevos gobiernos en América Latina.


In: Revista Estudiantil Latinoamericana de Ciencias Sociales, n. 2. Facultad
Latinoamericana de Ciencias Sociales (Flacso), México, 2013.

GALLOWAY, Susan; DUNLOP, Stewart. A critique of definitions of the cultural and


creative industries in public policy. In: International Journal of Cultural Policy, vol.
13, n. 1, 2007.

MASSUH, Gabriela (Ed.). Renunciar al bien común. Extractivismo y (pos)desarrollo en


América Latina. Buenos Aires: Mardulce, 2012.

UNESCO. Informe final. Conferencia Intergubernamental sobre Políticas Culturales para el


Desarrollo (Estocolmo, Suécia, 30 mar. – 2 abr. 1998). CLT-98/Conf.210/CLD.19, 1998.

Notas

1 Por exemplo, as leis de Serviços de Comunicação Audiovisual, de Matrimônio


Igualitário, de Morte Digna e de Identidade de Gênero, de indubitável relevância
cultural.

2 A mudança foi disposta no dia 6 de maio de 2014 pelo Decreto de Necessidade e


Urgência no 641/2014, do Poder Executivo nacional.

3 Villa ou villa miseria é um conjunto de moradias precárias em áreas desprovidas


de serviços básicos (água, esgoto, eletricidade, gás). Seus habitantes,
majoritariamente trabalhadores informais, costumam ser estigmatizados e
associados à delinquência.
54 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

MÉXICO, O PAÍS DAS REFORMAS


ESTRUTURAIS. A REFORMA
CULTURAL FORA DA AGENDA
Eduardo Cruz Vázquez

A política cultural mexicana e o seu aparato institucional não foram capazes de responder
à dinâmica promovida pelo livre comércio. Por isso, evidenciam um notável atraso. A partir de
1982, diferentes governos também deixaram de lado a necessidade de gerar políticas econômi-
cas para aquilo que chamamos de setor cultural. Aqui são exploradas algumas evidências da
economia cultural no desenvolvimento da nação, assim como a pertinência de impulsionar uma
reforma cultural como parte das reformas estruturais geradas pelo atual governo.

Do século XX ao XXI e a mudança república (31 estados e um distrito federal


da visão setorial constituído pela Cidade do México), nos

A
governos estaduais e em vários munici-
partir da década de 1980, a neces- pais –, ao longo de seis quinquênios foram
sidade de modificar o arcabouço fundadas diversas dependências públicas.
jurídico, trabalhista, administra- Trata-se de um enorme aparato de governo,
tivo e econômico sobre o qual se assentam de exercício de gasto público e de geração
as instituições de governo que atendem a de cadeias de valor. Entretanto, as suas
bens, serviços, direitos e demandas cultu- dimensões ainda são insuficientemente
rais tem sido uma preocupação recorrente. conhecidas e, portanto, pouco estudadas.
Na administração pública federal, é na Por outro lado, no referido período,
Secretaria de Educação Pública (SEP) que os setores social e privado envolvidos na
ocorrem a conceitualização e a execução trama das políticas culturais, na oferta e na
da política cultural, por meio do subsetor demanda de cultura cresceram de forma
da Cultura e da Arte, no qual se agrupam os exponencial. De uma visão praticamente cen-
órgãos coordenados pelo Conselho Nacional tralizada no Estado passou-se à construção
para a Cultura e as Artes (Conaculta), órgão de uma visão setorial. A análise econômica
desconcentrado criado por decreto presi- da cultura, não sem certa lentidão, permitiu
dencial em dezembro de 1988. Com base elaborar funcionalmente o protagonismo
em uma visão de Estado cultural – nas dife- de um setor cultural. A importância da ati-
rentes entidades federativas que formam a vidade econômica da cultura aumentou sua
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Eduardo Cruz Vázquez 55

relevância ao ritmo da abertura comercial, Embora após a Revolução Mexicana


longe de políticas específicas de fomento ao tenham sido iniciadas tentativas de medir
seu desenvolvimento e de salvaguarda diante a economia do país, só recentemente, em
das demais economias, em uma combinação 1983, foi criado o Instituto Nacional de
de circunstâncias em muitos momentos des- Estatística e Geografia (Inegi). O Sistema
vantajosa, sofrendo os efeitos da globalização de Contas Nacionais (SCN), a definição de
e por vias geralmente diferentes da institu- setores, a sua arquitetura e as ferramentas
cionalidade do Estado cultural. Com isso, a para conhecer detalhadamente o compor-
política cultural ficou para trás, e a resolução tamento da economia são um fenômeno da
da política econômica para essa área ainda é última década do século XX. E foi na primeira
um assunto pendente. década deste século XXI que se consolidou
É por isso que a conceitualização e o o Sistema de Classificação Industrial da
desenho de uma reforma cultural1 tendem América do Norte (Scian). Tal estrutura está
a fortalecer os alicerces do setor cultural. relacionada com a entrada em vigor, em 1994,
Essa reforma promove uma reorganização do Tratado de Livre Comércio da América do
setorial que se traduz em um sistema de Norte (TLCAN), assinado pelo México, pelos
classificação de atividades mais consistente Estados Unidos e pelo Canadá2 e no qual é
com a realidade do país, em um mercado criado o setor 71, denominado Serviços de
cultural competitivo, gerador de melhor dis- Lazer Culturais e Esportivos e Outros Servi-
tribuição de riqueza, com uma intervenção ços Recreativos. Conta com três subsetores
estatal promotora de bem-estar social, assim e 41 tipos de atividade. Uma parte da tarefa
como de produtividade e com um aparato cultural está relacionada com os grandes
institucional renovado. interesses gerados pelo esporte e por locais
A reforma cultural é entendida como recreativos como os cassinos.
uma reforma estrutural, com a mesma A versão mais atualizada do Scian data
importância e abrangência das outras refor- de 2013. O sistema é composto de 20 setores,
mas que o atual governo do México tem 94 subsetores, 303 ramos, 614 sub-ramos e
impulsionado, a saber: as reformas eleito- 1.059 tipos de atividade. Somente cinco
ral, trabalhista, educacional, financeira, setores são produtores de bens, sendo que
tributária, de concorrência econômica, de a vocação dos outros 15 está totalmente vol-
telecomunicações e energética. tada para a prestação de serviços. A condição
56 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

terciária do México é irreversível; as ativi- que se refletem no setor 72, de Serviços de


dades secundárias continuam em baixa e as Hospedagem Temporária e de Preparação
primárias, que incluem as matérias-primas de Bebidas (leia-se turismo e, em particu-
necessárias para a produção artesanal, apro- lar, turismo cultural). Para esse setor, foi
fundam a dependência do fornecimento de criada a Conta Satélite de Turismo (CST),
outras nações. cuja última versão foi apresentada no ano de
A verdade é que, após 20 anos da 2012. Além disso, tornam-se imprescindíveis
assinatura do TLCAN, ocorreu um forte a Conta Satélite das Instituições sem Fins
ajuste conceitual na definição de cultura. Lucrativos (CSISFL, apresentação do ano de
É tão vasto o seu campo de intervenção, tão 2012) e inúmeras enquetes, como a Enquete
notáveis são os interesses econômicos, tão Nacional de Gastos das Famílias, aplicada a
abundantes são as fontes de trabalho que, partir de 2013. Existem várias ferramentas
ao tornar-se um conceito mais funcional, o no Sistema de Informação Cultural (SIC) do
nosso setor cultural não pode ser identifi- Conaculta que ajudam a integrar um mapa
cado somente nas atividades que integram mais completo do setor, além da informação
o setor 71. Muito antes da criação da Conta gerada por agremiações empresariais e pela
Satélite de Cultura (CSC) 3, efetuada em sociedade civil.
janeiro de 2014, tornou-se evidente que A CSC é uma contribuição significativa
era necessário somar outras atividades para a caracterização da economia cultural
de outros quatro setores para valorizar a do México e para uma nova geração de polí-
contribuição da cultura para a economia ticas públicas para o setor. Foi obtida de 103
nacional: o 31-33, de Indústrias Manufa- atividades (71 características e 32 correlatas),
tureiras; o 51, de Informação em Meios de distribuídas em nove setores, e incluiu os re-
Comunicação em Massa (que tem o dobro sultados da Enquete Nacional de Consumo
de subsetores do 71 e abriga, por exemplo, Cultural do México (Enccum), que permitiu
as telecomunicações); o 54, de Serviços Pro- quantificar, entre outras variáveis, a produção
fissionais, Científicos e Técnicos; e o 61, de cultural das famílias. O PIB situa-se em 2,7%,
Serviços Educacionais. sendo que 2% correspondem ao mercado, 0,1%
Ao elaborar a CSC, o Inegi considerou à intervenção do governo e 0,6% à produção
também as atividades dos setores 43, de cultural das famílias. Em 2011, esse PIB se
Comércio Atacadista; do 46, de Comércio traduziu em 379 bilhões de pesos (aproxima-
Varejista; do 53, de Serviços Imobiliários e damente 28 bilhões de dólares) e em quase
de Locação de Bens Móveis e Intangíveis; 800 mil postos de trabalho remunerados ocu-
do 81, de Outros Serviços, Exceto Ativida- pados, o que significa 1,9% do total do país.
des Governamentais; e do 93, de Atividades
Legislativas, Governamentais, Judiciárias e Os sinais: políticas inerciais
de Órgãos Internacionais e Extraterritoriais. Essa situação não veio acompanhada da
Entretanto, a transversalidade é tamanha atualização da política cultural nem mesmo
que a análise se expande para as atividades de uma decidida política econômica. Por isso,
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Eduardo Cruz Vázquez 57

na promoção de uma reforma cultural, pro- uma diferença marcante entre o Peca e os
pomos que o alicerce desse setor gere suas então denominados programas setoriais de
arquiteturas por meio de três subsetores, com cultura (com os presidentes Carlos Salinas,
a respectiva reclassificação do Scian: o do Ernesto Zedillo, Vicente Fox e Felipe Cal-
Estado, entendido neste momento por meio derón). Ele consiste em seis objetivos:
da SEP como subsetor de Cultura e Arte e
por meio da institucionalidade em entidades 1. promover e difundir as expressões
federativas e municípios; o segundo, dedi- artísticas e culturais do México, as-
cado às micro, pequenas e médias empresas sim como projetar a presença do país
(MPMEs) e a grandes empresas culturais; e no exterior;
o terceiro, dedicado às instituições de edu- 2. impulsionar a educação e a pesquisa
cação superior (universidades públicas e artística e cultural;
privadas, principalmente), às instituições 3. dotar a infraestrutura cultural de
sem fins lucrativos e aos órgãos de coopera- espaços e serviços dignos e fazer um
ção-coprodução internacional. Tal proposta é uso mais intensivo dela;
viável tanto à luz da própria estrutura setorial 4. preservar, promover e difundir o
do país quanto da construção da CSC. patrimônio e a diversidade cultural;
Outro elemento legal levado em con- 5. apoiar a criação artística e desen-
sideração para a análise tanto da política volver as indústrias criativas para
cultural quanto da política econômica para o reforçar a geração e o acesso a bens
setor é a denominada Lei de Planejamento do e serviços culturais; e
Governo Federal, que fundamenta a elabora- 6. possibilitar o acesso universal à cul-
ção do Plano Nacional de Desenvolvimento tura, aproveitando os recursos da
(PND). Essa lei teve importantes modifi- tecnologia digital.
cações no ano de 2012, sendo uma delas
a inclusão da “viabilidade cultural” como Com relação aos programas anteriores, é
condição dos planos de governo. possível destacar que:
Nessa perspectiva, a atual administra-
ção pública federal concebeu o Programa 1. o Peca inclui um componente de cul-
Especial de Cultura e Arte (Peca) para arti- tura digital;
cular a sua política cultural. Considerando 2. define uma bateria de 17 indicadores
os programas elaborados a partir da criação que não permitem medir seu impacto
do Conaculta, o Peca é importante porque é qualitativo e que servirão pouco ou
sujeito das novas disposições legais. Mas não nada para o Inegi;
é importante pelo seu conteúdo, em virtude 3. coloca-se como bandeira da gestão do
da sua escassa originalidade, da sua falta de Poder Executivo diante da violência
inovação para suplantar o atraso das políticas vivida no país, apresentando a cultura
culturais e de seu divórcio com o desenvol- como reparadora do tecido social, o
vimento econômico do setor. De fato, não há que também não é uma novidade; e
58 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

4. inexiste um objetivo dedicado ao es- nem para articular uma política econômica
tímulo da economia cultural4. para esse setor. Daí a importância da reforma
cultural, que abrange muito mais conteúdos
Como é possível perceber, como parte que os descritos. Ao terminar o mês de novem-
da reforma cultural, propõe-se a revisão do bro de 2014, o papel do Congresso continua
conteúdo da Conta Satélite das Instituições sendo politicamente de baixo impacto e, con-
sem Fins Lucrativos. No ano de 2012, a con- sequentemente, pouco produtivo. Embora nos
tribuição para o PIB foi igual à da cultura, últimos quinquênios tenha havido diferen-
2,7%, inclusive com uma leve superiori- tes tentativas de legislar a favor do setor, a
dade, já que se situa em 406 bilhões de pesos busca de ajustes estruturais fracassou. Aliás,
(aproximadamente 29 bilhões de dólares). A é necessário reconhecer as adições ao artigo
CSISFL estima a existência de 40 mil organi- 4º da Constituição Política, no qual são reco-
zações; a quantidade de pessoal remunerado nhecidos o acesso e o direito à cultura. Isso
é de 1.239.000 e a de trabalhadores voluntá- ocorreu em abril de 2009. Até o momento, os
rios é de 1.344.000. Por outro lado, conforme legisladores e o Poder Executivo não formu-
informação do Sistema de Administração laram a respectiva lei regulamentar.
Tributária (SAT), no país há pouco mais de Para tal fim, e como proposta da Comis-
6.300 organizações donatárias. são de Cultura do Senado da República, foi
A CSISFL estabelece nove tipos de ati- apresentada uma iniciativa de Lei Geral para
vidade: Cultura e Lazer; Serviços Sociais; o Acesso, Fomento e Usufruto da Cultura.
Religião; Ensino e Pesquisa; Desenvol- Como perspectiva, a Comissão de Cultura
vimento e Habitação; Associações e da Assembleia Legislativa do Distrito Fede-
Sindicatos; Saúde; Direitos, Promoção e ral promove a Lei de Direitos Culturais do
Política; além da categoria Outros Grupos. Distrito Federal.
Cultura e Lazer contribui com 3,2%, A reforma cultural não é entendida sem
enquanto 51,7%, ou seja, mais da metade, um Poder Executivo forte, conhecedor, deci-
vêm do segmento de Ensino e Pesquisa dido a ser um protagonista responsável no
(aqui estão incluídas muitas instituições setor cultural; sem a participação do Poder
de educação superior privadas). Temos cer- Legislativo, sem as comissões de cultura e
teza de que, se existisse um setor cultural outras que envolvam o âmbito cultural; e sem
devidamente integrado, as cifras de contri- um Poder Judiciário que assuma a responsa-
buição da cultura para a economia nacional bilidade de abrir precedentes.
seriam outras e, consequentemente, have- A reforma cultural convida à gera-
ria outras políticas públicas para a cultura ção de consensos no âmbito das reformas
e para a atividade empresarial de cultura. estruturais do governo5. Uma agenda de
tamanha envergadura tem entre as suas
Conclusão muitas motivações a geração de empregos:
O panorama não é animador para salvar as presentes e as futuras gerações da
suplantar o atraso das políticas culturais frustração e da pobreza.
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Eduardo Cruz Vázquez 59

Eduardo Cruz Vázquez


Bacharel em comunicação pela Universidade Autônoma Metropolitana Xochimilco
(UAM-X), com especialização em política e gestão cultural na UAM Iztapalapa. Jornalista
e gestor cultural desde 1980, tem dedicado na última década uma extensa análise do
trabalho da economia cultural, de indústrias culturais e da formação de empreendedores
culturais. Sua atuação na embaixada do México no Chile e na Colômbia lhe rendeu a Me-
dalha de Mérito Cultural. Como repórter e cronista, publicou as obras A Partir da Fronteira
Norte (Iztapalapa: UAM, 1991) e Afastar-se das Mesmas Tiras de Couro (Xochimilco: UAM,
2002). A editora colombiana Presença Comum publicou o volume de prosas poéticas
Saldo a Favor (2005).

Notas

1 A iniciativa de reforma cultural tem origem no Programa de Economia


Cultural (PEC) e no Grupo de Reflexão sobre Economia e Cultura (Grecu) –
da Universidade Autônoma Metropolitana Xochimilco, na Cidade do México –,
do qual o autor é fundador e coordenador. Mais informações em:
<http://economiacultural.xoc.uam.mx>.

2 O México deixou o setor cultural de fora do tratado, apesar do empenho de


diversas vozes que pediram para aplicar a isenção ou a exceção cultural, o que foi
feito – embora com fracos resultados – pelo Canadá.

3 A informação do Inegi aqui mencionada pode ser consultada em:


<http://www.inegi.org.mx>.

4 No âmbito econômico, o governo delineou o Programa de Desenvolvimento


Inovador. Ele também não contempla um projeto para a economia cultural. Os
escassos apoios em nível federal são gerados por meio do Instituto Nacional do
Empreendedor. Nos níveis estadual e municipal, ainda são incipientes.

5 Nos meses de novembro e dezembro de 2014, o Grecu, da UAM Xochimilco,


promoveu a campanha Sim à Reforma Cultural no site <http://www.citizengo.
org/es/13185-si-reforma-cultural>.
62 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

CULTURA A UNIR OS POVOS


Célio Turino

Potencializar o que já existe e fazer isso com encantamento e magia. Fortalecem-se Pontos
de Cultura nas mais diferentes comunidades e linguagens artísticas - de aldeias indígenas e
assentamentos rurais a favelas e grupos de arte experimental em universidades -, sempre a partir
da ideia da autonomia, do protagonismo e do empoderamento sociocultural, que se desenvolvem
na articulação em rede. São dez anos dessa política pública, entre teoria, conceitos, construção
e gestão. Uma política pública formulada e desenvolvida no Brasil e que, após 2011, se espalhou
por toda a América Latina, de Ciudad Juárez, no México, à terra mapuche, no sul do Chile.

U
nquillo, província de Córdoba, 21 Viva, ainda não votada no Parlamento; ainda
de novembro de 2014. Uma mar- assim, a política pública prosperou e o gover-
cha, centenas de pessoas de toda a no federal já conta com um programa que
Argentina (e convidados de outros países), subsidia centenas de Pontos de Cultura pelo
palhaços, malabaristas, artistas de teatro, país. Também já se começam a criar Círculos
músicos, dançarinos, agentes culturais, mi- de Cultura (Pontões, com atuação de capaci-
dialivristas... Mais um encontro da Cultura tadores, articuladores e difusores na Rede de
Viva em mais um país, Pontos de Cultura Pontos). Outras províncias e cidades também
espalhados da fronteira com a Bolívia até a estão assumindo essa política, até mesmo a
Patagônia, do Chaco a Buenos Aires. A ban- capital federal, o que é uma surpresa, pois em
deira: por uma Cultura Viva comunitária a um país tão polarizado na disputa partidá-
ser definida por lei, assegurando um orça- ria é muito raro forças políticas distintas (o
mento mínimo nacional de 0,1% para grupos governo da capital é de oposição ao governo
culturais comunitários. federal) adotarem a mesma política públi-
Foi o primeiro congresso nacional da ca. Com o conceito da Cultura Viva houve a
Cultura Viva na Argentina, mas a busca união de propósitos.
por essa política pública tem avançado no Cidade da Guatemala, agosto de 2011.
país desde antes de 2010, ano em que tam- Uma marcha, uma comparsa, como eles cha-
bém pude participar de uma marcha com mam por lá; centenas de pessoas tomando as
aproximadamente 500 pessoas na cidade ruas da capital do país, também em defesa
de Buenos Aires, rumo à Casa Rosada, sede da Cultura Viva. Pessoas caminhando com
do governo do país. Naquele momento, con- pernas de pau gigantescas, demonstrando
versamos com senadores e deputados e foi uma habilidade ancestral com origem
apresentada uma lei nacional para a Cultura na cultura maia, grupos de crianças, de
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Célio Turino 63

jovens, fanfarras, artistas de teatro, de presença do Estado. Mas lá há um Ponto de


circo, de dança... Ativistas de direitos huma- Cultura, chamado Restinga. Sofisticados
nos defendendo a vida (afinal, a Guatemala artistas, nascidos em Iquitos ou que lá deci-
está em segundo lugar em relação ao índice diram viver, fazem intercâmbio com artistas
de homicídios por habitantes no mundo – de todo o Peru e do mundo também, traba-
80 por 100 mil –, além de ser marcada por lhando com recursos audiovisuais, animação
constantes genocídios contra a popula- sociocultural e arte urbana. Têm por foco o
ção indígena). Nesse país, o diálogo com o desenvolvimento integral da infância, da
governo é mais difícil, mas há toda uma enge- adolescência e da juventude, promovendo
nharia social, construída por organizações a participação cidadã e a sustentabilidade
da sociedade civil em redes de colaboração, local por meio da cultura. Inventam sempre!
em que a cultura é o cimento, desde os Médi- Quando os visitei, haviam criado balsas para
cos de Pés Descalços, resgatando a medicina o cultivo de hortaliças no Amazonas no perí-
maia, até a Caja Lúdica, uma ONG de gente odo em que a cheia do rio toma conta de tudo
idealista e afetuosa. No caso dessa marcha, e as pessoas mal conseguem sair de casa; e
foram eles que articularam o movimento isso acontece durante meses. Com as balsas/
social da cultura diversa da Guatemala. canteiros de hortaliças, as pessoas podem
Iquitos, selva amazônica peruana, ter acesso a alimentos saudáveis em um
dezembro de 2012. Favela de Belém, 30 mil momento tão difícil de sua vida. Solidarie-
pessoas vivendo em palafitas, às margens dade, arte, cultura e invenção é o que fazem.
do Rio Amazonas; nenhum saneamento Coincidentemente, na mesma semana em
básico, altos índices de violência, poucas que acontecia o I Congresso Nacional dos
perspectivas para a população sem traba- Pontos de Cultura da Argentina, a Amazônia
lho (a grande maioria) e quase nenhuma peruana, com os departamentos de Loreto,
64 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

San Martín, Amazonas e Ucayali, também Ainda assim, diante de tantas maze-
realizava seu primeiro encontro, agora já las, iniquidades e desencontros, o moderno
com 16 Pontos de Cultura e mais dez em pro- povo colombiano se maltratou e continua
cesso de reconhecimento. Mais um exemplo se maltratando. Mas, como fui, vi, conheci,
de ampliação e articulação de uma rede de senti e vivi (e com diversas voltas), tenho
autonomia e protagonismo sociocultural, em confiança de que vão superar tudo isso. Já
que a identidade se realiza na diversidade. estão superando. Medellín era uma cidade
Colômbia, Medellín, Bogotá, Cali, antes conhecida como a capital do narco-
Pasto, Villa de Leyva, Valle del Cauca... tráfico, sede do cartel de Pablo Escobar,
Muitas datas, muitas vezes, muitas via- onde até 2002 havia 7 mil assassinatos
gens. Um povo em processo de paz, se por ano. Articulando movimentos cívicos,
reinventando pela cultura. coletivos artísticos, empre-
Na primeira vez que fui “Outras províncias e cidades sários compromissados
à Colômbia (em maio de também estão assumindo com sua comunidade e
2011), mesmo sendo um essa política, até mesmo a intelectuais, Medellín se
capital federal, o que é uma
historiador preparado para transformou pela cultura
surpresa, pois em um país
evitar anacronismos e este- e, desde 2012, é conside-
tão polarizado na disputa
reótipos, confesso que um partidária é muito raro forças rada pela Organização das
estigma me acompanhava, políticas distintas.” Nações Unidas (ONU) a
pois imaginava um povo cidade mais inovadora do
impaciente, agressivo, que só conseguia mundo, título que antes era de Barcelona.
resolver seus conflitos na base da violência Um detalhe: assim que o partido mu-
(afinal, é na Colômbia que está a guerrilha nicipal Compromiso Ciudadano venceu
que há mais tempo segue em atividade con- as eleições em 2002 e tomou a decisão de
tínua no mundo, afora os narcotraficantes elevar o orçamento municipal para a Cul-
e os paramilitares, além de uma desigual- tura Cidadã (como eles gostam de nomi-
dade social que só se iguala à brasileira). nar/conceituar a Secretaria de Cultura) de
Surpresa! Encontrei um povo gentil, inova- 0,7% para 5%, foi desencadeado um criativo
dor e festeiro. processo de reaproximação entre Estado
E descobri as raízes dessa gentileza de e sociedade, gerando invenções em série,
ser ao visitar o Museo del Oro, em Bogotá, desde banheiros públicos limpos e deco-
uma ourivesaria delicada retratando cenas rados com mosaicos artísticos até grandes
do cotidiano de um povo milenar. Entre cen- bibliotecas-parques, instaladas em mor-
tenas, milhares de peças de ouro, nenhuma ros e comunas da cidade. Crianças, jovens,
delas trazia cenas de guerra ou violência; o adultos e idosos passam o dia por lá, de tão
que vi foram flores, macacos, pássaros, singe- agradáveis e convidativas que são as biblio-
lezas e delicadezas; o oposto da arte grega ou tecas de Medellín (de Bogotá também).
romana, o oposto da arte dos conquistadores Também investiram em museus, mui-
da terra de El Dorado. tos museus, entre sofisticados, tradicionais,
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Célio Turino 65

pequenos e grandes; o Museu de Antioquia ano) começa a repartir a primavera como


é coirmão da Pinacoteca de São Paulo e de um direito de todos. E, para quem gosta de
tantos outros museus europeus. Na praça números: em 2002, houve 7 mil assassinatos
em frente, outro museu a céu aberto, com (em uma cidade com 2,5 milhões de habitan-
esculturas de Botero (que é paisano, gente tes); em 2012, apenas 700.
do departamento de Antioquia, da qual Me- Qual é a relação disso com a Cultura
dellín é capital); pouco mais adiante, outra Viva e os Pontos de Cultura? Afinal, tudo
praça, no centro financeiro e comercial da o que eles fizeram foi por conta própria, e
cidade, em que as pessoas são convidadas eles têm muito a ensinar ao mundo – e en-
a tirar os sapatos, arregaçar as calças e ca- sinam, tanto que Medellín é considerada
minhar em pequenos cursos d’água com um dos principais laboratórios de inovações
pedregulhos e seixos. Também caminham urbanas do mundo. Mas esse povo gentil e
na areia branca, sentam na grama, sorriem. inovador também sabe que só se progride e
E saem com as energias recarregadas para avança quando há troca real e equilibrada
seguir o dia em paz. Foi exatamente essa a entre os mundos, quando um aprende com
intenção quando planejaram a praça e o ro- o outro. Tão logo souberam da teoria, dos
teiro cultural a céu aberto. conceitos e da aplicação da política pública
Há também um grande museu de ciên- da Cultura Viva, foram assumindo a polí-
cias, mais centros culturais em favelas, tica para si e lá foi aprovada a primeira lei
museus comunitários, o Museu da Memó- municipal da Cultura Viva Comunitária na
ria, que conta a história dos desplazados, América Latina (em 2011); anteciparam-se
isto é, refugiados (a Colômbia tem milhões ao Brasil, diga-se.
de pessoas que vivem nas cidades por terem Eles compreenderam que era a política
sido expulsas de suas terras, seja por ter- que lhes faltava para unir os pontos entre
ratenientes, seja por causa da guerra civil), política de Estado e o protagonismo e a
caminhos de mosaicos em cerâmica, grafites, inventividade dos cidadãos. Sim, é neces-
tudo subindo e descendo morros. E unindo a sário que o Estado faça “para” a sociedade,
cidade. Ao fim do século XX, o Estado alcan- mantenha bons equipamentos públicos,
çava apenas de 30% a 40% do território da serviços de qualidade, mas é necessário
cidade, e as demais partes eram controladas também que o Estado faça “com” a socie-
por narcotraficantes ou por grupos guerri- dade. A notícia mais recente é que o governo
lheiros (como Farc e ELN) ou paramilitares, municipal lançará mais um edital para sele-
e ninguém entrava ou saía sem a ordem deles. ção de Pontos de Cultura. Já foram inúmeras
Ainda há muito por fazer para inte- iniciativas e tudo começou com um Ponto
grar plenamente a cidade, mas a “cidade da de Cultura que já era ponto muito antes
eterna primavera” (como os locais gostam de conhecerem essa política; um ponto,
de intitular Medellín, que, por estar em um em uma casa amarela, com sala de teatro
vale entre montanhas, tem uma tempe- comunitário, simples, mas bem instalada,
ratura estável e agradável durante todo o com refeitório para artistas e colaboradores,
68 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

sala de ensaios, de multimídia; um ponto na Entre debates, reuniões e apresentações


Comuna 3, dos morros de Medellín, como artísticas, também houve uma marcha cul-
nas favelas do Brasil, um Punto de Nuestra tural pela cidade de São José, com a beleza
Gente, esse é o nome deles, nuestra gente, e a diversidade das Américas tomando as
como nós, como nosotros, estejamos no Bra- ruas da cidade, com a presença do ministro
sil ou em qualquer lugar do mundo. da Cultura da Costa Rica, um músico entre
Costa Rica, a “pura vida”, a terra do bem popular e erudito, acompanhando os grupos
viver, a terra do “coração civil”, lugar do povo com seu bandoneon.
mais corajoso do mundo, pois há 60 anos Assalto poético a La Paz, no I Congresso
decidiram viver sem a necessidade de Exér- Latino-Americano da Cultura Viva Comuni-
cito, Marinha ou Aeronáutica, bastando-lhes tária, em maio de 2013. Com 1.200 pessoas de
uma polícia para a segurança dos cidadãos. E toda a América Latina, 17 países presentes,
com o dinheiro economizado investiram em do México à terra mapuche, no sul do Chile;
educação, meio ambiente e cultura (nos anos os argentinos (300) foram em caravanas de
1970, o orçamento nacional para a cultura ônibus e caminhões/teatro, levaram três dias
era de 5% do total do país; depois, com o neo- para chegar e dizer: “El pueblo hace cultura!”.
liberalismo, a cultura perdeu participação La Paz, a capital no topo do mundo, a maior
orçamentária, mas a marca fica). cidade indígena do planeta, fora tomada
Maio de 2014, VI Congresso Ibero- pela cultura, antes do congresso, é claro. Lá
Americano de Cultura, organizado pela os grupos culturais misturaram-se com as
Secretaria Geral Ibero-Americana (Segib), cholas; índios e índias, antes discrimina-
englobando América Latina, Portugal e dos, agora tinham seu presidente indígena,
Espanha, com o tema: Cultura Viva Comu- muitas marchas, coloridas, combativas,
nitária. Um congresso de Estados, de plurinacionais. Tudo feito com muito pouco
governos, com ministros de diversos países recurso financeiro, resultado da coragem e
e, em função de um tema, discutindo, juntos, da determinação de quem faz e vive a Cul-
com grupos de Cultura Viva Comunitária de tura Viva. E que começou um ano antes, com
toda a América Latina. Estado e sociedade um recorrido pela Bolívia, da capital a Sucre,
em um só congresso, com um só tema. Entre passando por Cochabamba, Lago Titicaca,
as várias resoluções, a criação do Fundo El Alto, Santa Cruz de La Sierra, as trilhas
Ibercultura Viva, para o financiamento de de Che e o caminho guarani, que ligava o
grupos comunitários de cultura e o inter- Atlântico às terras incas, em Samaipata. No
câmbio entre eles. O fundo começa com caminho, a travessia dos Andes, as imensas
aportes pequenos dos países (entre 20 mil geleiras na montanha sendo destiladas gota a
e 300 mil dólares, dependendo do tamanho gota, em uma contínua sinfonia, até se trans-
da economia), mas já reflete uma inflexão formarem nos grandes rios da Amazônia, do
no processo de construção de acordos inter- Pantanal e da Prata. Foi no Altiplano que se
nacionais e aplicação de políticas, pois esse celebrou a unidade latino-americana pela
acordo foi construído de baixo para cima. Cultura Viva Comunitária.
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Célio Turino 69

Há que falar também do Chile, com comunitárias, o passado revolucionário, o


sua enorme extensão e a diversidade de sua porvir e o que aí está, tão longe e tão perto
gente, do deserto do Atacama às geleiras do céu e do inferno. Há também que seguir
do sul. O Uruguai e seu povo que escolheu pelo Caribe, pelos Estados Unidos e pelo
um presidente gentil, modesto e altruísta. Canadá, até o Alasca, depois atravessá-lo e
O Equador da Pachamama, que incorpora seguir a rota inversa, até chegarmos à savana
em sua constituição os valores do sumak africana, que foi onde tudo começou.
kawsay (bem viver, em quéchua), em que Há que falar do Brasil. São dez anos
há que “saber escutar, saber compartihar, dessa política pública, entre teoria, con-
saber viver em complementariedade, saber ceitos, construção, gestão. Uma ideia
alimentar-se e festejar, saber simples: “potenciar o
comunicar-se, saber traba- “São dez anos dessa política que já existe”. E fazer
lhar”, aprendendo a crescer pública, entre teoria, isso com “encantamento
conceitos, construção, gestão.
e a caminhar em um trabalho e magia”; aí já não é tão
Uma ideia simples: ‘potenciar
que tem de ser felicidade e simples. Seria como se
o que já existe’. E fazer isso
festa, como em Macuna- com ‘encantamento e magia’; os governantes e os ges-
íma, de Mário de Andrade. aí já não é tão simples.” tores, acostumados a
A Venezuela guerreira, com mandar e a pensar com
os jovens do software livre; o Paraguai dos suas “cabeças de planilha” e formas qua-
guaranis e do tekó porã, novamente o bem dradas, se dispusessem a escutar, mas isso
viver. O Panamá, que agora abraça a Cultura é difícil. No Brasil de 2004, houve condi-
Viva e já tem seus primeiros pontos. ções simbólicas e políticas que permitiram
A Nicarágua, de um povo que “ni se essa experimentação; com isso, entre a
vende, ni se rinden”(trecho do hino da frente idealização em 2004, com a primeira cha-
sandinista). Honduras, que tanto necessita mada pública, e 2009, foi possível chegar a
da Cultura Viva (pois, além de tudo, é o país mais de 3 mil Pontos de Cultura, em 1.100
com o maior índice de mortes por habitan- municípios, atendendo mais de 8 milhões
tes no mundo), mas onde seus grupos de de pessoas em atividades esporádicas, 900
cultura comunitária ainda enfrentam tan- mil em atividades regulares (participação
tas dificuldades; Belize e a língua crioula; o em grupos artísticos, oficinas, coletivos de
México, insurgente, rebelde, em que a ideia audiovisual, cineclubes – 300 por ponto) e
da Cultura Viva já se propaga, mas ainda falta 33 mil pessoas em trabalho comunitário,
muito, ainda mais em um país tão grande metade delas remunerada, metade voluntá-
e diverso. Pois é exatamente no México ria (dados do Ipea). E tudo a um custo anual
que a Cultura Viva, neste momento, mais para o governo de 60 mil reais (5 mil reais
faria a diferença; faria a diferença “porque por mês) por Ponto de Cultura, valor que
los queremos vivos!”, os 43 jovens chacina- já está defasado e merecia reajuste. Conto
dos em Iguala, revelando os horrores de esse processo e suas histórias no livro
uma sociedade dividida entre as tradições Ponto de Cultura – O Brasil de Baixo para
70 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Cima (Ed. Anita Garibaldi, 2009; edições horizontal. Também é a fusão entre: cultura +
também em espanhol e em inglês e dispo- natureza = Cultura Viva. Enfim, um conceito
nível para download gratuito), não sendo o matemático (inspirado no matemático grego
caso de entrar em detalhes. Arquimedes: “[...] dá-me um ponto de apoio e
Mas, em resumo: Ponto de Cultura = uma alavanca e eu moverei o mundo”) apli-
Potência + Afeto; Encantamento + Tra- cado a uma política pública.
balho; Tradição + Invenção; Autonomia + Talvez por isso mesmo, pela simpli-
Protagonismo Comunitário, gerando em- cidade e pela abstração da teoria, tenha
poderamento sociocultural. Os Pontos de encontrado tanta possibilidade de cresci-
Cultura funcionam como uma microrrede, mento e compreensão, independentemente
que atua no território (físico ou virtual) das diferenças entre culturas, governos,
junto às comunidades e nas mais diferentes povos e países. O paradoxo é que essa teoria,
formas de expressão, linguagens artísticas conjunto de conceitos e metodologia de ges-
ou grupos identitários; ou seja, eles são a tão, originalmente pensada e sistematizada
realização da identidade na diversidade ou no Brasil, enquanto florescia pela América
a busca da singularidade na multidão. Mas Latina e agora por outros continentes, a
os Pontos de Cultura só conseguem se rea- partir de 2011 passou a ser combatida, per-
lizar plenamente quando se articulam em seguida e assediada pelo governo brasileiro,
rede, de tal modo que podem ser expressos e só não foi plenamente desmontada porque
em uma equação matemática: Ponto de Cul- uma grande quantidade de Pontos de Cul-
tura = autonomia + protagonismo elevado à tura já havia se empoderado de suas ideias,
potência das redes. Quanto mais redes são seus conceitos e sua utopia.
articuladas no Ponto de Cultura, mais em- Com isso, em 2014 foi aprovada a Lei
poderado ele será, tanto do ponto de vista Cultura Viva, assegurando, quiçá, sua pe-
social, econômico e político como nos as- renização institucional como política pú-
pectos criativos e artísticos. blica. Por falar em utopia, em 2009 houve
Se o Ponto de Cultura é a microrrede, o III Congresso Ibero-Americano de Cul-
a Cultura Viva é a macrorrede, interligando tura em São Paulo, com o tema Cultura e
pontos, ampliando sua sustentabilidade e Transformação Social. Naquele congresso,
dando sentido às ações comunitárias antes produzimos o espetáculo Quijote, Quixote,
circunscritas às comunidades, além de ins- em que grupos de teatro comunitário de
tigar um conjunto de outras ações, antes não 12 países vieram com seus Sanchos Pança
imaginadas no âmbito local (griôs e mestres e Dom Quixotes, e cada um encenou uma
da cultura tradicional, Pontinhos de Cultu- parte da história; houvesse necessidade de
ra para a cultura lúdica e infantil, cultura identificação de um único episódio para a
e saúde, economia viva, interações estéti- celebração de onde tudo começou, diria que
cas, pontos de memória, pontos de leitura, foi ao lado de Dom Quixote de La Mancha,
agentes jovens de cultura cidadã...), de modo sonhando o sonho impossível.
que um ponto aprenda com outro de forma Por fim, El Salvador. Ao citar a presença
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Célio Turino 71

da Cultura Viva Comunitária em diferentes Cultura Viva propugna: “Hay que potenciar
níveis de compreensão e implantação na las virtudes del pueblo!”. Todos a El Salva-
política da América Latina (exceto as Guia- dor, portanto. E viva a Cultura Viva a unir
nas – Guiana, Suriname e Guiana Francesa, os povos!
mas por que não no futuro?), deixei El Sal-
vador por último não por acaso. Entre 25
e 28 de outubro de 2015, é lá que vai acon-
tecer o II Congresso Latino-Americano da
Cultura Viva. El Salvador é o futuro, mas o
passado também, um sendero (lamparina)
a iluminar esperanças. País pequeno, com
pouco mais de 20 mil quilômetros quadrados
e super-habitado (mais de 300 habitantes
por quilômetro), que já teve uma relativa-
mente boa indústria e economia, mas que
foi desestruturada pela guerra civil e pelo
neoliberalismo, fazendo com que a opção
de trabalho para um terço de seus cidadãos
tivesse de ser a migração para os Estados
Unidos. Pois esse país chiquito e valente
também é a esperança; foi assim quando se
sublevaram contra a opressão oligárquica
e também contra o imperialismo. Também
foi assim quando encontraram o caminho da
paz, no fim do século XX, e também é assim Célio Turino
quando assumem o conceito do bem viver Historiador, escritor e gestor de políticas pú-
como base para seu progresso futuro. blicas. Servidor público há 37 anos, exerceu diversas
Eu próprio, quando jovem universitá- funções, entre elas a de secretário da Cidadania
rio, me encantei por uma terra onde jamais Cultural no Ministério da Cultura (MinC), quando
estive. Depois pude ver com meus próprios foi responsável pela idealização e pela implantação
olhos, conhecendo o resultado de tanto do programa Cultura Viva e dos Pontos de Cultura.
esforço e sacrifício daquele povo. Terra de Autor e organizador de vários livros, entre eles Na
Farabundo Martí, de cardeal Romero (San Trilha de Macunaíma – Ócio e Trabalho na Cidade
Romero!), de Martín-Baró, padre jesuíta, (Senac, 2005) e Ponto de Cultura – O Brasil de
psicanalista social, assassinado na guerra Baixo para Cima (Anita Garibaldi, 2009; em inglês,
civil, que em suas reflexões sobre a psi- pela Gulbenkian, Inglaterra, 2013; em espanhol,
cologia social da guerra e os processos de pela editora RGC Libros, Argentina, 2014, também
socialização pensados na América Central disponível para download gratuito). Atualmente,
propugnava exatamente o mesmo que a dedica-se à difusão da Cultura Viva pelo mundo.
74 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

POR UM BRASIL CRIATIVO


Cláudia Leitão

Este artigo objetiva refletir sobre as conexões entre cultura e desenvolvimento com base
na trajetória das políticas e dos programas internacionais e nacionais das indústrias e das
economias criativas. Analisa os significados e as contradições dessas expressões e os impactos
de suas performances em diversos países com base no pensamento de Celso Furtado e Amar-
tya Sen. Relata a institucionalização da Secretaria da Economia Criativa (SEC) no governo
federal, seus desafios e, sobretudo, os princípios que a fundamentaram entre 2011 e 2013. Ob-
serva a transversalidade da economia criativa nas diversas pastas do governo, assim como a
necessidade de tratá-la na perspectiva de uma política de Estado, fruto de uma conciliação de
políticas públicas resultantes da formulação integrada entre ministérios, secretarias, fundações,
agências de fomento, universidades, institutos de pesquisa, estatais, organizações públicas e
privadas e a necessária oitiva da população, especialmente de empreendedores e profissionais
que atuam no campo cultural brasileiro.

1. O desenvolvimento da cultura e a XXI, período alvissareiro em que o repertório


cultura do desenvolvimento: relendo da cultura começa a “contaminar” os discur-
Sen e Furtado sos políticos, econômicos, jurídicos e sociais.

A
Inúmeros governos, comissões, redes
Conferência Geral da Organização e lideranças também passam a pactuar e
das Nações Unidas para a Educa- a produzir documentos que avançam na
ção, a Ciência e a Cultura (Unesco), busca de conteúdos mais amplos para o
em 2005, formata e aprova a Convenção desenvolvimento. Por isso, o conceito de
sobre a Proteção e a Promoção da Diversi- sustentabilidade é ampliado, deixando de
dade das Expressões Culturais, ratificando o se limitar a uma qualidade do desenvolvi-
esforço dos países na construção de um diá- mento para se constituir como sua própria
logo intercultural capaz de contribuir para essência; ou seja, além das dimensões eco-
uma cultura de paz entre os povos, conside- nômica, social e ambiental, começa-se
rando a diversidade cultural um patrimônio também a observar no desenvolvimento
comum da humanidade e destacando a cul- seu fundamento cultural. Enfim, as conexões
tura como elemento estratégico das políticas entre cultura e desenvolvimento sustentá-
de desenvolvimento. Identidade, diversidade, vel passam, portanto, a ser percebidas sob
criatividade e solidariedade passam a cons- dois enfoques: de um lado, o do desenvol-
tituir as palavras-chave no início do século vimento dos setores culturais e criativos
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Cláudia Leitão 75

propriamente ditos (as artes, o turismo, o não se traduziu em acesso da população dos
patrimônio cultural, os segmentos criativos); diversos continentes aos produtos educa-
de outro, o da cultura como eixo estratégico tivos, culturais e sociais. Pelo contrário, as
de desenvolvimento dos estados, por meio conquistas tecnológicas provocaram ainda
do cruzamento das políticas culturais com maiores desigualdades. Se na sociedade da
as demais pastas dos governos (Educação, informação ou do conhecimento o mundo
Ciência e Tecnologia, Saúde, Trabalho e parece encontrar-se cada vez mais em todos,
Emprego e Meio Ambiente, entre outras). impossível não constatar que nem todos se
Em dezembro de 1986, a Organização encontram no mundo.
das Nações Unidas (ONU) produz uma Os anos 1980 seriam especialmente
primeira Declaração sobre o Direito ao importantes para a transfiguração dos pen-
Desenvolvimento, afirmando que ele per- samentos acerca do desenvolvimento na
tence à categoria dos direitos humanos e, perspectiva de uma melhor qualidade de
por isso, é inalienável. A Constituição bra- vida e ampliação de escolhas. É o que propôs
sileira de 1988 segue a declaração da ONU, Amartya Sen, redefinindo o conceito de de-
tratando o direito ao desenvolvimento senvolvimento como o processo de expansão
como um direito fundamental, baseado nas das liberdades e das capacidades humanas,
prestações positivas do Estado capazes de e não mais como mero fluxo de formação de
concretizar a democracia econômica, social capital, medido em indicadores como o pro-
e cultural. Mas as garantias jurídicas sobre duto interno bruto (PIB). Por isso, esboçar
o direito ao desenvolvimento, conquistadas um novo modelo de desenvolvimento, que
no fim do século XX, foram ilusórias, pois considere a riqueza e a diversidade cultural
não conseguiram neutralizar os impactos um ativo fundamental para a qualidade de
negativos de um modelo de desenvolvimento vida e para a ampliação das escolhas hu-
concentrador e insustentável. As crises manas, começa a ser compreendido menos
sociais, econômicas, ambientais e cultu- como uma utopia do que como uma estraté-
rais contemporâneas atestam o fracasso gia de sobrevivência do homem no planeta.
desse modelo fundamentado unicamente Em 1984, o então ministro da Cultura do
na acumulação de riqueza e na exploração Brasil, o economista Celso Furtado, em um
desmedida dos recursos naturais e culturais. encontro com os secretários da Cultura dos
Por outro lado, o avanço das tecnolo- estados brasileiros, afirmava: “Sou da opi-
gias, tão festejado no novo século, também nião de que a reflexão sobre a cultura deve
não implicou desenvolvimento no sentido ser o ponto de partida para o debate sobre
da ampliação do processo de expansão das as opções do desenvolvimento” (D’AGUIAR
liberdades e das capacidades humanas, pois FURTADO, 2013). Furtado dialogou, ao
76 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

longo de sua vida, com as ciências sociais, observa, trará grandes impactos negativos às
a filosofia, as artes e a cultura num esforço liberdades criativas, aos recursos naturais,
maior de compreender do enfim, à própria huma-
que de explicar as armadi- “A Constituição brasileira nidade dos indivíduos.
lhas do capitalismo e suas de 1988 segue a declaração Crítico inclemente das
consequências para os paí- da ONU, tratando o direito sociedades capitalistas e
ses latino-americanos. Na ao desenvolvimento como “de sua forma sofisticada
um direito fundamental,
base de seu pensamento de controle da criatividade
baseado nas prestações
sobre desenvolvimento e de manipulação da infor-
positivas do Estado capazes
percebemos a influência de concretizar a democracia mação”, o economista tinha
intelectual de Amartya econômica, social e cultural.” a consciência de que “[...] a
Sen, seu colega em Cambri- estabilidade das estruturas
dge nos anos 1950, especialmente no que se sociais não igualitárias estaria diretamente
refere à compreensão do desenvolvimento relacionada ao controle por grupos privados
como ampliação das liberdades humanas. dos bens de produção da criatividade artís-
Em seu livro Criatividade e Dependên- tica, científica e tecnológica e do fluxo de
cia na Civilização Industrial (1988), Furtado informações que brota dessa criatividade”
afirma que a política cultural tem por finali- (D’AGUIAR FURTADO, 2013).
dade liberar as forças criativas da sociedade. Ao mesmo tempo grande defensor da
Liberdade de criar é, portanto, a essência do inovação, acentuava, no entanto, a neces-
conceito de desenvolvimento e insumo para a sidade de que o progresso tecnológico
transformação social. Furtado vai ainda mais caminhasse pari passu com o acesso a esses
longe quando traz para seu projeto de desen- produtos pelas camadas mais amplas da
volvimento a retomada da atividade artística sociedade brasileira.
como “promessa de felicidade”. Ressalta, Ora, a tecnologia, sobretudo a tecnolo-
ainda, a importância da construção de novas gia da informação e da comunicação (TIC)
atividades políticas, de novas relações de gê- no século XXI, vem se tornando o grande
nero, inclusive de uma nova ecologia. É quase veículo de divulgação e difusão da produ-
profética sua advertência das consequências ção cultural/criativa. Desempenha também
nefastas dos modelos hegemônicos de desen- papel essencial na produção e na “sintonia
volvimento do século XX: a concentração de social” da criatividade de indivíduos, redes
renda e de riqueza, a sonegação dos direitos e coletivos, por trazer a informação, pos-
sociais, a precarização do mundo do trabalho sibilitar a cooperação, criar um ambiente
e a subalternidade na inserção internacional. cultural amplo, diversificado, ao mesmo
Em sua obra, Furtado insiste nos riscos tempo local e global. Assim, essas tecno-
do deslocamento da lógica dos fins (voltada logias estão presentes ora sob a forma de
para o bem-estar, a liberdade e a solidarie- veículo, ora como instrumento, em todas
dade) para a lógica dos meios (a serviço da as fases da cadeia de produção simbólica
acumulação capitalista). A lógica dos meios, humana, que vai da criatividade (em seu
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Cláudia Leitão 77

estado puro) à inovação (a criatividade e e serviços que utilizam criatividade e capital


a cultura transformadas em tecnologias intelectual como insumos primários; cons-
sociais, bens e serviços, conhecimento etc.). tituem um conjunto de atividades baseadas
Ao observarmos, de um lado, os mo- em conhecimento, focado, entre outros, nas
vimentos dos Estados contemporâneos no artes, que potencialmente geram receitas de
incentivo às comunidades, aos tomadores venda e direitos de propriedade intelectual;
de decisão públicos e privados, às organi- constituem produtos tangíveis e serviços
zações não governamentais (ONGs) e a intelectuais ou artísticos intangíveis com
outros agentes territoriais para a constru- conteúdo criativo, valor econômico e objetivos
ção de uma ação coletiva por meio de suas de mercado; posicionam-se no cruzamento
próprias capacidades e potenciais locais e, entre os setores artísticos, de serviços e indus-
de outro, o esforço das instituições interna- triais; e constituem um novo setor dinâmico
cionais em trazer a cultura para o cerne das no comércio mundial.
discussões sobre desenvolvimento, consta- Esses relatórios se tornaram marcos no
tamos a absoluta atualidade do pensamento reconhecimento da relevância estratégica
de Sen e Furtado. Vale ressaltar que o pen- da economia criativa como vetor de desen-
samento de ambos foi fundamental para a volvimento, demonstrando, especialmente,
institucionalização, em 2012, da Secretaria a força das indústrias criativas. A mensu-
da Economia Criativa. ração dessa economia, contudo, é fruto
da compilação de dados produzidos pelos
2. Economia criativa x indústrias diversos países, sem a presença de uma
criativas: a disputa entre modelos de cesta de indicadores e de um tratamento
desenvolvimento estatístico comum, o que fragiliza os resul-
As discussões sobre as dinâmicas eco- tados aferidos. Vale lembrar que os referidos
nômicas desses bens e serviços criativos não relatórios, inicialmente, são produzidos, em
tardaram a chegar à Conferência das Nações grande parte, com base em metodologias
Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento quantitativas e, por isso, somente captu-
(Unctad), que lança o primeiro Relatório ram ou medem a produção de riqueza das
Mundial sobre a Economia Criativa – Creative indústrias culturais e/ou criativas, igno-
Economy Report 2008 –, num esforço de apro- rando a contribuição de milhões de pessoas
fundar o conceito e de compilar informações e em todo o planeta que trabalham nos seto-
dados sobre a economia dos bens simbólicos res culturais e criativos de forma artesanal
em uma perspectiva mundial. As indústrias e informal. Na trajetória dos relatórios da
criativas compreenderiam um conjunto de Unctad (obtidos por meio de metodolo-
atividades baseado no conhecimento, que gias quantitativas) até os produzidos pela
produz bens tangíveis e intangíveis, intelec- Unesco (elaborados com metodologias
tuais ou artísticos, com conteúdo criativo e qualitativas) na descrição de cases, as ins-
valor econômico. Elas constituem os ciclos de tituições internacionais, de forma pendular,
criação, produção e distribuição de produtos vêm abordando a economia criativa ora de
78 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

uma forma “macro”, ora com base em uma economia criativa. De um lado, o avanço
perspectiva “micro”. Falta-lhes, contudo, tecnológico dá cada vez mais poder às
avançar em uma compreensão mais apro- indústrias do copyright; de outro, ele
fundada de cada setor cultural e criativo permite o acesso cada vez maior dos indi-
com base em diagnósticos locais. víduos à fruição e ao protagonismo cultural,
Em um mundo em que a exportação gerando produtores independentes, “prosu-
de commodities perde gradativamente sua midores” (os consumidores que produzem
importância diante da exportação de bens conteúdo, capazes de dividir suas expe-
e serviços de alto valor agregado, estudos riências, pautar tendências e contribuir
e pesquisas constatam no processo de criação de
o crescimento dos seto- “Verdadeiramente justa é produtos e serviços), novos
res criativos, mesmo em a sociedade em que cada empreendedores e empre-
momentos de crise, des- cidadão tem oportunidades endimentos no campo da
tacando-se como um dos reais de desenvolver cultura e da criatividade.
seus potenciais e em que
setores mais dinâmicos do De outro lado, as indústrias
encontra os meios de
comércio internacional. E é proprietárias de redes de
expressão de suas vocações,
por essa razão que as indús- habilidades e talentos.” telecomunicação, editoras
trias criativas se tornaram ou canais de televisão nem
o eixo estratégico do desenvolvimento de sempre têm compromisso com processos
países como Austrália, China, Estados educacionais, contribuindo para a aliena-
Unidos e Inglaterra. Portanto, não é sur- ção dos indivíduos e para a ampliação do
preendente que nos países ricos a temática consumo de produtos culturais de baixa
das chamadas indústrias criativas venha qualidade. Enfim, é impossível subestimar
sendo festejada e acolhida, exatamente por o papel das indústrias criativas na amplia-
ser percebida como uma etapa mais sofisti- ção do abismo social e econômico entre os
cada do sistema capitalista. Por isso, nesses hemisférios Norte e Sul, transformando
países, formulam-se mais políticas para as alguns países em produtores e exportado-
indústrias criativas (aquelas caracterizadas res, enquanto a grande maioria se torna
pelo valor agregado da cultura e da ciência e meramente consumidora passiva de bens
da tecnologia na produção em larga escala de e serviços culturais e criativos.
bens e serviços, assim como pelo copyright, Por isso, longe de construir uma narra-
ou seja, pela proteção de caráter individual tiva laudatória sobre as indústrias criativas
dos direitos do autor/criador) do que para e seu crescimento no mundo, devemos, isto
a economia criativa (essa de natureza coo- sim, refletir sobre os impasses conceituais
perativa e includente, voltada para uma e ideológicos entre as “indústrias” e as “eco-
economia de nichos, caracterizada pela pro- nomias” criativas. Avançar para perceber as
teção coletiva dos direitos do autor/criador). diferenças, e não as afinidades, entre as duas
Vale ressaltar o papel dilemático das expressões constitui uma tarefa intelectual
inovações tecnológicas no incremento da tão desafiadora quanto urgente.
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Cláudia Leitão 79
80 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

3. Os fundamentos da Secretaria do curso formal superior. Uma proposta


Nacional da Economia Criativa e concreta seria a oferta, a exemplo e em com-
os valores que devem sustentar as plemento do que ora se faz com respeito ao
políticas públicas para a economia ensino técnico profissionalizante, de turno
criativa brasileira complementar nas escolas da rede pública
É observação comum que o Brasil de ensino para a formação nas atividades
possui uma população naturalmente cria- concernentes à economia criativa.
tiva e empreendedora. Testemunhamos Na construção de um conceito, é pre-
cotidianamente a criatividade popular se ciso priorizar escolhas, optar por visões
manifestando, sobretudo por meio da (re) de mundo, enfim, definir significados com
invenção de tecnologias sociais, muitas vezes base no lugar em que nos encontramos.
(e talvez por isso) produzidas em ambiente Se o conceito de indústrias criativas data
de precariedade e carência social. Por outro de duas décadas, os significados das eco-
lado, o Brasil tem diante de si a gigantesca nomias criativas como substratos de um
tarefa de aprimorar a educação pública, mor- desenvolvimento includente e sustentável
mente a educação básica, de sua população. ainda carecem de aprofundamento e de
Essa tarefa é inadiável e imprescindível. operacionalidade. Se a economia criativa
Porém, bem sabemos que séculos de his- é uma economia baseada na abundância,
tórico descaso com a educação não podem e não na escassez de recursos, pois seu
ser sanados em curto prazo. Há um tempo insumo principal é a criatividade e o co-
inevitável, a ser medido em décadas, para a nhecimento humano, que são infinitos, ela
satisfatória realização dessa tarefa. figura como uma estratégia fundamental
A combinação da criatividade natu- para os países em que a criatividade é mais
ral com políticas públicas adequadas ao importante do que o domínio da ciência e
seu cultivo, o incremento da qualidade de da tecnologia. Ao mesmo tempo, a nature-
equipamentos educacionais e culturais za colaborativa dessa economia favorece a
– e da acessibilidade a eles –, a disponibi- ação coletiva entre pessoas, comunidades,
lidade de veículos de expressão, difusão e instituições, coletivos, empresas, governos
circulação poderiam prover os meios para e redes. Enfim, a economia criativa gera a
a viabilização econômica da inovação cul- oportunidade de “queimar etapas” nos
tural/criativa e a consequente realização processos produtivos, na medida em que
econômica e social de uma parcela conside- reconcilia estratégias nacionais com pro-
rável da população, sobretudo da população cessos internacionais globais.
jovem. Trata-se de prover um “atalho” capaz Vinte e cinco anos depois da gestão
de ganhar precioso tempo na direção do de Celso Furtado à frente do Ministério
desenvolvimento humano, a despeito da da Cultura (MinC), institucionalizou-se
deficiência educacional. Não que a educação no governo federal a Secretaria da Econo-
se dispense, pois isso é impossível. Trata- mia Criativa (SEC) para liderar políticas
-se de oferecer rotas alternativas àquelas públicas voltadas para retomar, reavivar e
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Cláudia Leitão 81

ressignificar as relações e as conexões entre conteúdo próprio às economias criativas


cultura e desenvolvimento, com a missão de ibero-americanas, caribenhas e africa-
contribuir para transformar a criativida- nas, a criação da SEC constitui um fato e
de brasileira em inovação e a inovação em um feito esperançosos, pois a secretaria
riqueza. A SEC define como missão a lide- nasce menos voltada para dogmatizar um
rança na formulação de políticas públicas conceito de economia criativa do que para
para a economia criativa, garantindo-se, garantir princípios para fundamentá-la, a
desse modo, que a economia criativa e seu saber: diversidade cultural, inclusão social,
amplo espectro de setores e de empreen- sustentabilidade e inovação. Sem eles, não
dimentos não sejam reduzidos ao âmbito será possível garantir a necessária redis-
das indústrias culturais e à mera dimensão tribuição de renda, assim como promover a
mercadológica de seus bens, características qualidade de vida, o acesso, o protagonismo
do pragmatismo neoliberal. e a cidadania aos brasileiros.
Como conceito, a economia criativa foi Verdadeiramente justa é a sociedade
assim denominada no Brasil: em que cada cidadão tem oportunidades
reais de desenvolver seus potenciais e em
[...] a economia resultante das dinâ- que encontra os meios de expressão de
micas culturais, sociais e econômicas suas vocações, habilidades e talentos. A
construídas a partir do ciclo de criação, SEC propõe um caminho para a constru-
produção, distribuição/circulação/difusão ção da sociedade justa que almejamos. Sua
e consumo/fruição de bens e serviços oriun- grande tarefa é articular, intermediar, dar
dos dos setores criativos, caracterizados a compreender aos governos e à sociedade
pela prevalência de sua dimensão simbólica. essa estreita e mutuamente estimulante
(Plano da Secretaria da Economia Criativa/ associação entre inovação e criatividade,
Ministério da Cultura do Brasil, 2011.) tecnologia e arte, ciência e cultura. Sob as
novas denominações de distritos, bairros,
No conceito de economia criativa da cidades, bacias ou regiões ditas “criativas”,
SEC não estão as características conside- países começam a potencializar políticas
radas essenciais às “indústrias criativas transversais e interministeriais para prover
saxãs”, especialmente aquela que se refere uma ambiência propícia à difusão e à pro-
à propriedade intelectual individual. Afinal, dução do conhecimento, ao florescimento
trata-se de problematizar o conceito das da criatividade e ao desenvolvimento da
“indústrias criativas” no Brasil para avan- inovação. Para isso, esses territórios pas-
çar em uma nova conceituação e em novos sam a considerar como eixo estratégico de
princípios que permitam a construção desenvolvimento o fomento à economia
de um modelo, dos países em desenvolvi- criativa, uma economia que é fruto dos
mento, que possa servir de contraponto avanços da economia do conhecimento,
ao modelo dos países desenvolvidos. Por mas que se alimenta das culturas ancestrais
isso, na perspectiva da construção de um e cuja contemporaneidade se dá, sobretudo,
82 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

por sua capacidade de tratar sua memória criatividade à tecnologia.


e sua diversidade cultural como recursos/ Promover o desenvolvimento solidá-
ativos essenciais. rio, includente e sustentável por meio de
Embora não haja inovação sem criativi- iniciativas de economia criativa implica,
dade, criatividade não é inovação. Inovação portanto, qualificar os jovens para o
é a transformação de conhecimento e criati- empreendedorismo e para o exercício de
vidade em riqueza e bem-estar social. Três ocupações típicas da cultura e das novas
elementos saltam como tecnologias, como no caso
essenciais para a inovação: “Em 1984, o então ministro da gastronomia, da moda,
conhecimento (ciência) e da Cultura do Brasil, o do design, da música, do
criatividade, que consti- economista Celso Furtado, circo, do cinema e dos
em um encontro com os
tuem sua matéria-prima, jogos eletrônicos; significa
secretários da Cultura dos
aliados à indispensável promover a organização
estados brasileiros, afirmava:
“transformação”, seu pro- ‘Sou da opinião de que a desses microempreendi-
cesso. Mas quais políticas reflexão sobre a cultura deve mentos e trabalhadores
públicas se voltam especi- ser o ponto de partida para em torno de redes e cole-
ficamente para a geração de o debate sobre as opções do tivos de cooperativas e
riqueza material e humana desenvolvimento’.” associações autogeridas;
proveniente da criatividade requer a ampliação do
brasileira? As políticas públicas brasilei- acesso ao crédito orientado, de baixo custo e
ras não deveriam ir além do fomento aos desburocratizado; e, finalmente, exige a ins-
conteúdos associados à “inovação tecnoló- titucionalização de uma estrutura jurídica
gica” para revelar uma das nossas maiores favorável à disseminação do empreende-
vocações, a “inovação cultural/criativa”? O dorismo e do trabalho criativo de forma
fato é que a inovação envolve necessaria- equânime em todas as regiões do Brasil.
mente conteúdo cultural, uma vez que tem Para promover um desenvolvimento
por objetivo, direto ou indireto, participar sustentável, o Brasil necessita formular e
de nossa forma de vida e, para o bem ou implantar políticas públicas que consigam
para o mal, a afeta. Em outras palavras, o combater as disparidades entre as regiões
objetivo da inovação é intervir em nossos administrativas e oferecer respostas efi-
meios de produção, comunicação, deslo- cientes às demandas de toda a sociedade
camento, saúde, moradia, alimentação, brasileira. A efetividade de tais políticas
entretenimento, enfim, em nosso coti- será tão maior quanto for seu nível de in-
diano. Por isso, são os conteúdos culturais tegração horizontal e vertical nas diversas
das tecnologias que desempenham papel pastas governamentais. Afinal, não seria
essencial no processo de transformação chegado o tempo de “realizarmos” o Brasil,
de ciência em riqueza e bem-estar. Dito de como dizia Mário de Andrade? E, para tanto,
outra forma, parte significativa do processo não seriam necessárias políticas públicas
inovador reside na incorporação da cultura/ para “realizarmos” um Brasil criativo?
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Cláudia Leitão 83

Cláudia Leitão
Professora e pesquisadora da Universidade Estadual do Ceará (Uece); consultora da
Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento, da Organização
Mundial do Comércio (Unctad/OMC); secretária nacional de Economia Criativa (2011-2013);
e secretária de Cultura do Ceará (2003-2006).

Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:


Senado, 1988.

____________. Ministério da Cultura. Plano da Secretaria da Economia Criativa:


políticas, diretrizes e ações (2011-2014). Brasília: Ministério da Cultura, 2011.

D’AGUIAR FURTADO, Rosa Freire (Org.). Ensaios sobre a cultura e o Ministério da


Cultura. Rio de Janeiro: Contraponto: Centro Internacional Celso Furtado, 2012.

____________. Celso Furtado e a dimensão cultural do desenvolvimento. Rio de


Janeiro: E-papers: Centro Internacional Celso Furtado, 2013.

FURTADO, Celso. Criatividade e dependência na civilização industrial. São Paulo: Paz e


Terra, 1997 [1988].

HOWKINS, John. The creative economy: how people can make money from ideas. New
York: Penguin, 2007.

LEITÃO, Cláudia Sousa. A gestão estratégica e os novos significados da cultura no


novo século. In: LEITÃO, Cláudia (Org.). Gestão cultural: significados e dilemas na
contemporaneidade. Fortaleza: Banco do Nordeste, 2003.

____________. Cultura e municipalização. Salvador: Secretaria de Cultura: Fundação


Pedro Calmon, 2009.

____________ et al. (Org.). I Conferência Internacional sobre Economia Criativa do


Nordeste (I; 2010: Fortaleza): Anais – I Conferência Internacional sobre Economia
Criativa do Nordeste/I International Conference on Creative Economy in
Northeast Region of Brazil, Fortaleza: Instituto Animacult, 2011.

____________. Indústrias criativas x economias criativas: a disputa entre modelos de


desenvolvimento. In: RUBIM, Linda; VIEIRA, Mariella Pitombo; SOUZA, Delmira
Nunes de (Org.). Enecult 10 anos. Salvador: Edufba, 2014.
84 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

____________; GUILHERME, Luciana Lima. Cultura em movimento: memórias


e reflexões sobre políticas públicas e práticas de gestão. Fortaleza: Editora
Armazém da Cultura, 2014.

MORIN, Edgard. O problema epistemológico da complexidade. Lisboa: Publicações


Europa-América: Biblioteca Universitária, 1984.

____________. A necessidade do pensamento complexo. In: MENDES, Cândido


(Org.). Representação e complexidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2003.

SEN, Amartya. O desenvolvimento como expansão de capacidades. Revista Lua Nova,


n. 28. São Paulo: Cedec, 1993.

____________. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das


Letras, 1999.

UNCTAD. Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento.


Relatório mundial sobre economia criativa. Brasília, 2010.

UNESCO. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.


Nossa diversidade criativa: relatório da Comissão Mundial de Cultura e
Desenvolvimento. Brasília: Unesco: Papirus, 1997.

____________. Déclaration universelle sur la diversité culturelle. Unesco, série


Diversité Culturelle, n. 1, 2002.

____________. Déclaration universelle de l’Unesco sur la diversité culturelle. Unesco,


série Diversité Culturelle, n. 2, 2003.

____________. Declaração sobre o direito ao desenvolvimento. Disponível em:


<http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu//bmestar/dec86.htm>. Acesso em:
dez. 2014.

____________. Convenção sobre a proteção e a promoção da diversidade


das expressões culturais. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/
images/0015/001502/150224por.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2015.

UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT: UNCTAD. Creative


industries report 2013. Disponível em: <http://www.unctad.org/en/docs/
ditc20082cer_en.pdf>. Acesso em: maio 2013.

UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT: UNCTAD. Creative


industries report 2008. Disponível em: <http://www.unctad.org/en/docs/
ditc20082cer_en.pdf>. Acesso em: set. 2009.

YÚDICE, G. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Belo Horizonte:


UFMG, 2004.
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Cláudia Leitão 85
86 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

AVALIAÇÃO DE IMPACTO DA
ATIVIDADE CULTURAL:
O caso das instituições culturais do Banco
da República da Colômbia

Fernando Barona Tovar

Por que apoiar os processos culturais e o quanto esse apoio contribui para a construção
do sentido de cidadania? São duas perguntas que este estudo procura responder. O cumpri-
mento dos objetivos de promoção para o desenvolvimento cultural e social do país pelo Banco
da República da Colômbia, por meio da Subgerência Cultural (SGCL), tem um significado
especial na construção de sentido de cidadania, que é insumo para o desenvolvimento humano
e para a sustentabilidade da nação. A definição de seis índices sintéticos é uma ferramenta
que permite verificar, ratificar, orientar e/ou reconduzir as políticas culturais da instituição
em médio e longo prazo.

O
Banco da República da Colômbia, Biblioteca Luis Ángel Arango, pela Casa da
além de cumprir as atividades pró- Moeda, pelo Museu Botero e pelo Museu do
prias de banco central, inclui em Banco da República, juntamente com as co-
suas funções ser “promotor do desenvolvi- leções de arte, numismática e filatelia.
mento científico, cultural e social do país”. Além de Bogotá, 28 cidades do país
A Subgerência Cultural (SGCL) é a concentram áreas culturais: Armenia, Bar-
entidade orgânica que estrutura direta e ranquilla, Bucaramanga, Buenaventura,
explicitamente a responsabilidade social Cartagena, Cali, Cúcuta, Florencia, Girardot,
do banco em seu interesse de divulgar a Honda, Ibagué, Ipiales, Leticia, Manizales,
atividade cultural. Sua missão é contribuir Medellín, Montería, Neiva, Pasto, Pereira,
para o resgate, a preservação, a análise, o es- Popayán, Quibdó, Riohacha, San Andrés,
tudo, a organização, a pesquisa e a difusão Santa Marta, Sincelejo, Tunja, Valledupar
do patrimônio cultural da nação, propiciar o e Villavicencio. Além disso, a SGCL dispo-
acesso ao conhecimento e consolidar o sen- nibiliza ao público uma série de seminários,
tido de cidadania. Essa finalidade abrange a fóruns, conferências, palestras, visitas
atividade desenvolvida pela Biblioteca Luis programadas e workshops, entre outras ati-
Ángel Arango e sua Rede de Bibliotecas, pelo vidades, que convidam à reflexão acadêmica
Museu do Ouro, pela Sala de Concertos da em diferentes áreas do conhecimento.
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Fernando Barona Tovar 87

A oferta cultural da SGCL do Banco da de indicadores e índices culturais com o


República inclui programação e serviços. São objetivo de dar suporte à medição de efeito
exemplos de serviços a Rede de Bibliotecas, e impacto das ações derivadas da política
junto com a coleção documental; o Museu cultural do Banco da República da Colômbia.
do Ouro, com sua coleção arqueológica; os Entendemos que uma das direções
museus de arte, com sua coleção de artes que orientam as políticas culturais é o
plásticas; e as salas de concertos. Por sua desenvolvimento humano. O conceito de
vez, a programação é definida pelos eventos desenvolvimento humano foi, a partir de
acadêmicos e pelas atividades que apoiam os 1990, o eixo de pesquisas em âmbito inter-
serviços. Tanto a programação quanto os ser- nacional realizadas pela Organização das
viços são estruturados em projetos em cada Nações Unidas (ONU), por meio do Relató-
área cultural do país em que está presente. rio de Desenvolvimento Humano, elaborado
pelo Programa das Nações Unidas para o
Sistemática da medição de impacto Desenvolvimento (Pnud). Durante esse
Pelas características do trabalho de período, adquire grande importância o deno-
promoção cultural e social do Banco da Repú- minado Índice de Desenvolvimento Humano
blica, é interessante medir o efeito e o impacto (IDH), criado com a finalidade de classificar
provocados pelos seus programas. os países conforme um índice composto que
A medição de impacto como ferramenta relacionasse de forma sinóptica indicadores
para a avaliação de políticas compreende um associados à saúde, à educação e à riqueza
complexo sistema de avaliação, que busca das nações. Entretanto, durante esses anos,
quantificar os resultados produzidos pela o índice recebeu numerosas críticas, asso-
implementação de medidas associadas a ciadas principalmente às dificuldades para a
tais políticas. O interesse geral centra-se medição global do desenvolvimento humano.
na avaliação do cumprimento dos objetivos Nesse sentido, Amartya Sen (1999), Prêmio
propostos no tocante à visão, à missão e à Nobel de Economia, indica a necessidade de
estratégia. Com a finalidade de estruturar o incluir um componente cultural na citada
sistema de informação, acompanhamento e avaliação. Apesar dos esforços realizados
avaliação da Subgerência Cultural, busca-se pela Organização das Nações Unidas para
com este estudo a construção metodológica a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco),
88 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

LOCALIZAÇÃO DAS SEDES CULTURAIS DO BANCO DA REPÚBLICA NA COLÔMBIA1

San Andrés

Santa Marta Riohacha


Barranquilla
Cartagena
Valledupar

Sincelejo
Monteria

Cúcuta

Bucaramanga

Medellín
Quibdó Tunja
Manizales Honda
Pereira Bogotá
Armenia
Ibagué
Girardot
Villavicencio
Cali
Buenaventura

Neiva
Popayán

Florencia
Pasto
Ipiales

Leticia
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Fernando Barona Tovar 89

a avaliação do impacto das políticas cultu- foram considerados macrodimensões nessa


rais foi levada ao terreno do consumo e do proposta. O capital social e a sustentabili-
impacto econômico provocado, sendo que dade são duas noções contemporâneas que
esses indicativos são somente uma parte das abarcam as novas correntes de pensamento
contribuições da cultura. no campo do desenvolvimento econômico. A
Em meio à completa e intensa função interação entre os três conceitos é a base da
de promoção cultural do Banco da Repú- concepção das variáveis teóricas associada
blica da Colômbia como principal entidade ao que aqui é denominado de construção de
econômica do país, é interessante determi- sentido de cidadania.
nar o impacto provocado por suas políticas Em um estudo preliminar, Barona e
culturais em um complexo conjunto de con- Quintero (2007) destacam que:
tribuições focado na construção do sentido
de cidadania. A medição de efeito e impacto Com base no capital social, a teoria e a
das políticas culturais não somente consti- política de desenvolvimento devem incor-
tui um degrau na validação das teses men- porar aspectos da cultura, que favorecem
cionadas, como também se configura como ou dificultam o desenvolvimento econômi-
uma ferramenta importante para avaliar co, social e político de um país ou região. O
os resultados produzidos pelas atividades capital social se reflete em conceitos como
culturais próprias de uma instituição ou de identidade, confiança, cooperação, comuni-
um governo. dade, normas de reciprocidade, moldando
A metodologia para a avaliação de atitudes e valores baseados na cooperação
impacto e efeito produzidos pelas políticas e ajuda mútua.
culturais se apresenta como um requisito
fundamental no campo da avaliação da con- Por sua vez, a sustentabilidade é enten-
tribuição das atividades culturais. Neste dida como a capacidade de um grupo ou de
estudo, tal impacto se concentra princi- uma região de se consolidar, se sustentar e
palmente na construção do sentido de se projetar em um espaço e tempo para que
cidadania, entendendo a cidadania como a oferta cultural proporcione ao seu público
um conjunto de elementos associados ao uma capacidade de adaptação e de tomada
conhecimento pessoal e social, à inclusão, de decisões, tendo em conta as necessidades
à igualdade e à participação, entre outros. presentes e futuras.
Trata-se de uma proposta metodológica para Por último, Barona e Quintero (2007)
aproximar a medição de variáveis intangíveis destacam que:
por meio de métodos quantitativos para que
sejam extraídas as respectivas análises qua- A cultura é entendida a partir de
litativas, fim último dessa proposta. estilos de vida, formas de vida, formas de
O conceito de cultura guarda uma forte ser e formas de fazer em interação com os
relação com os de capital social, sustentabi- três conceitos anteriormente expostos,
lidade e desenvolvimento humano. Os três ou seja: capital social, sustentabilidade
90 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

e desenvolvimento humano. Adicional- perto e com quem sabemos que vamos nos
mente, os efeitos e impactos culturais são relacionar diretamente, como também con-
concebidos como contribuições da oferta siderar o outro mais remoto, o ser humano
cultural para mudanças, modificações e aparentemente mais distante – o desco-
transformações do público em três níveis: nhecido, por exemplo, ou quem fará parte
as pessoas como seres individuais; as pes- das futuras gerações. Do mesmo modo, ser
soas e seus grupos ou organizações; e as cidadão implica que se está a favor dos pro-
pessoas e o público. cessos coletivos. Cidadão é aquele que se
associa, organiza-se com outros cidadãos e
Com base nessa abordagem sobre a re- empreende ações coletivas em torno a obje-
lação da cultura com esses três conceitos, tivos e tarefas de interesse comum.
suas definições e suas dimensões derivadas,
propõe-se uma completa estrutura de vari- Afirma também que somos cidadãos
áveis teóricas, que é o insumo, que permitiu “quando medimos as consequências dos
avaliar quantitativamente a contribuição nossos comportamentos em longo prazo e
dos serviços e da programação cultural em conseguimos avaliar ações, normas e conse-
termos de capital social, sustentabilidade e quências”. Por último, diz que “ser cidadão é
desenvolvimento humano focados na cons- terrivelmente complexo; requer, além de ha-
trução do sentido de cidadania. bilidade, conhecimentos, atitudes e hábitos
O conceito de cidadania com o qual se coletivos. Nós nos tornamos, não nascemos
relaciona a medição de efeito e impacto aqui cidadãos, e para isso desenvolvemos habili-
proposta refere-se à convergência de dife- dades e referenciais”.
rentes formas de concebê-la, sendo que sua
construção, formação e consolidação reúne Indicadores e índices culturais
boa parte das atribuições que são associadas O principal interesse deste estudo se
à participação na programação e nos servi- associou à medição das diferentes dimen-
ços culturais. sões que compõem o sentido de cidadania.
O filósofo, matemático e político Anta- Do mencionado anteriormente depreende-se
nas Mockus, pesquisador de assuntos como que os padrões de avaliação e a metodologia
cidadania, convivência, moral e lei, fornece formulada têm como finalidade a medição
uma completa definição sobre o que pode do impacto e do efeito da programação e dos
ser entendido como sentido de cidadania. serviços culturais da SGCL sobre a formação,
Mockus (2004) afirma que a cidadania é um a construção e a consolidação do sentido de
mínimo de humanidade compartilhada, que cidadania dos indivíduos que deles parti-
gera confiança básica, respeito pelos demais, cipam. Além disso, a medição de impacto e
pensar no outro, efeito veio acompanhada da construção de
indicadores e índices culturais que contam
[...] ter claro que sempre há outro e com um conjunto de categorias, variáveis e
ter em conta não somente o outro que está atributos que a antecede, a saber:
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Fernando Barona Tovar 91

CATEGORIA 1 – APROPRIAÇÃO CATEGORIA 3 – CAPITAL SOCIAL

Variável 1.1 – Em nível pessoal Variável 3.1 – Autoestima


Atributos: Atributos:
1.1.1. Estudar novos assuntos 3.1.1. Valorização de si mesmo
1.1.2. Fazer-se novas perguntas 3.1.2. Caráter crítico
1.1.3. Encontrar novas possibilidades 3.1.3. Capacidade de decidir
1.1.4. Ser uma pessoa cada vez mais feliz
1.1.5. Ser uma pessoa cada vez mais Variável 3.2 – Confiança
importante Atributos:
1.1.6. Transmitir a outras pessoas seus 3.2.1. Aumento da confiança em si mesmo
conhecimentos 3.2.2. Comunicação com outras pessoas
1.1.7. Haver interesse de que outras pessoas 3.2.3. Construção de visões em comum
despertem novos questionamentos com outras pessoas

Variável 1.2 – Em nível organizacional Variável 3.3 – Empoderamento


Atributos: Atributos:
1.2.1. Desempenhar suas funções no grupo 3.3.1. Utilização adequada e pertinente
ou na organização à qual pertence da informação
1.2.2. Implementar em seu grupo/organiza- 3.3.2. Participação nos espaços públicos
ção novas metodologias pertinentes a sobre o que é público
seu entorno geográfico e cultural
CATEGORIA 4 – IDENTIDADE
CATEGORIA 2 – BEM-ESTAR
Variável 4.1 – Autonomia
Variável 2.1 – Satisfação Atributos:
Atributos: 4.1.1. Tomada de decisões de forma inde-
2.1.1. Usufruto de consumos culturais pendente
2.1.2. Sentir-se melhor com relação ao 4.1.2. Desenvolvimento de autocontrole
local onde mora
Variável 4.2 – Coesão
Variável 2.2 – Lazer produtivo Atributos:
Atributos: 4.2.1. Promoção de estratégias que mante-
2.2.1. Gestão de tempo livre nham o grupo/organização integrado
2.2.2. Aumento da participação em ativi- entre si e com outros grupos
dades culturais 4.2.2. Tomada de decisões para conservar
2.2.3. Consideração das atividades como o grupo/organização
fonte de entretenimento 4.2.3. Construção do sentido coletivo
92 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

4.2.4. Construção de laços intergeracionais Variável 5.3 – Ambiente saudável


Atributos:
Variável 4.3 – Pertencimento 5.3.1. Respeito às regras comuns que
Atributos: medeiam as relações de cidadãos
4.3.1. Consciência do capital cultural do e cidadãs com seu entorno
grupo e da região 5.3.2. Proteção do conhecimento tradicio-
4.3.2. Capacidade de cuidar do patrimô- nal ancestral
nio coletivo 5.3.3. Conservação da natureza
4.3.3. Capacidade de se sentir parte de um 5.3.4. Prática de um estilo de vida saudável
território/grupo
Variável 5.4 – Competitividade
CATEGORIA 5 – SUSTENTABILIDADE Atributos:
5.4.1. Promoção do cumprimento, oportu-
Variável 5.1 – Participação nidade e qualidade no que é feito pelo
Atributos: grupo/organização
5.1.1. Tomada de decisões com base na 5.4.2. Promoção de relações respeitosas no
e para a comunidade grupo/organização
5.1.2. Promoção e exigência dos direitos 5.4.3. Solução de problemas no grupo/
próprios e de outras pessoas organização
5.1.3. Reflexão no que é público sobre 5.4.4. Promoção da inovação no grupo/
o público organização
5.1.4. Promoção de estratégias inclusi- 5.4.5. Capacidade de trabalhar em equipe
vas que assumam a pluralidade e 5.4.6. Capacidade de melhorar a renda
a diversidade 5.4.7. Incursão em novos mercados
5.1.5. Capacidade argumentativa
Aplicação da avaliação de impacto
Variável 5.2 – Convivência O desenvolvimento do estudo levou
Atributos: à aplicação de modelos estatísticos, eco-
5.2.1. Resolução de conflitos de forma nométricos, sociográficos, psicográficos
não violenta e etnográficos, assim como a consultas a
5.2.2. Respeito às regras mínimas comuns mais de 6 mil usuários, nas 29 cidades onde o
que medeiam as relações dos cida- Banco da República tem suas sedes culturais.
dãos entre si Os princípios teóricos, as ferramentas e as
5.2.3. Respeito às outras pessoas (respeito técnicas aplicadas e a informação de campo
à diferença) sistematizada e analisada permitiram a ela-
5.2.4. Reconhecimento e aceitação das boração do seguinte mapa, que começa com
diferenças em pessoas de outros as três macrodimensões e termina com os
grupos culturais seis índices sintéticos de impacto cultural.
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Fernando Barona Tovar 93

Capital social Desenvolvimento Sustentabilidade

Construção do sentido de cidadania

Apropriação em Autoestima Competitividade Satisfação Convivência Confiança


nível pessoal
Autonomia Coesão Pertencimento Empoderamento
Apropriação
em nível Lazer Participação Ambiente
organizacional produtivo saudável

Índice de Índice de Índice de Índice de satis- Índice de Índice de


apropriação autonomia competitividade fação e pertenci- convivência confiança
grupal mento
96 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Por meio de um acompanhamento da É necessário ter cuidado quando são


participação dos usuários nas propostas apresentados esses tipos de resultado. É
culturais do Banco da República, foi possí- preciso entender que, na medida em que os
vel estabelecer que as três macrodimensões resultados são mais sintetizados, pode-se
têm um impacto positivo, o que se traduz perder uma informação importante, e por
em mudanças favoráveis em práticas, com- isso são apresentados tanto o conjunto de
portamentos e interesses sobre aspectos indicadores quanto os índices sintéticos.
relacionados a: estudar novos assuntos, Deve-se fazer uma leitura com base nos di-
encontrar novas possibilidades, elaborar ferentes níveis de desagregação dos resulta-
novas perguntas, interessar-se em transmi- dos. Chama atenção o resultado associado à
tir conhecimentos aos outros, implementar satisfação. Por um lado, os resultados para
novas metodologias em seu entorno, ter a satisfação como variável não apresentam
capacidade de usufruir atividades culturais, evidência contundente para associar um
gerir melhor o tempo livre, aumentar a parti- impacto nessa dimensão. Por outro lado, a
cipação nesse tipo de atividade, promover o satisfação e o pertencimento como índices
caráter crítico, construir visões comuns com apresentam impacto positivo nos resulta-
outras pessoas, utilizar de forma oportuna e dos. É importante lembrar que esse índice
pertinente a informação e tomar decisões de resume a informação contida em três vari-
forma independente, entre outros. áveis e que, como a relação nas outras três
Na Tabela 1, é interessante observar a variáveis é clara, ao apresentar o resultado
diferença percentual que se apresenta entre sintético, a conclusão é favorável. Esse é um
as diversas intensidades de participação. Em dos casos em que é necessário fazer uma
sua ordem, o maior aumento nos indicado- leitura cuidadosa dos diferentes níveis de
res, conforme aumenta a participação nas desagregação dos resultados.
atividades culturais do banco, apresenta-se Cabe destacar, por sua vez, os índices
nas variáveis: em que se apresenta maior aumento percen-
tual conforme aumenta a participação nas
• lazer produtivo (6,25%); atividades culturais; são eles:
• autoestima (4,5%);
• coesão (4,25%); • índice de autonomia (4%);
• empoderamento (4%). • índice de satisfação e pertencimen-
to (3,5%).
No tocante aos índices, verifica-se que,
para todos eles, a participação em ativida- Conclusões
des culturais do Banco da República impacta Após cinco anos de pesquisa, o resul-
positivamente nessas dimensões sintéticas. tado obtido pode ser resumido como uma
Essa é uma evidência suficiente para con- descoberta metodológica para a definição
cluir que tal participação contribui para a de um conjunto de indicadores de efeito
construção do sentido de cidadania. e impacto cultural e para a construção de
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Fernando Barona Tovar 97

TABELA 1
Valor dos indicadores, em termos percentuais, da contribuição associada a diferentes intensidades
de participação nas atividades culturais do Banco da República

VARIÁVEL CONTROLE PARTICIPAÇÃO PARTICIPAÇÃO CONCLUSÃO


MODERADA ATIVA

Apropriação em 84,50% 85,25% 86,00% Impacto positivo


nível pessoal

Convivência 83,75% 84,25% 85,75% Impacto positivo

Ambiente saudável 83,25% 83,00% 84,75% Impacto positivo

Apropriação em 81,00% 81,50% 82,75% Impacto positivo


nível organizacional

Confiança 78,00% 77,75% 79,25% Impacto positivo

Empoderamento 76,75% 78,00% 80,75% Impacto positivo

Participação 72,00% 73,50% 75,25% Impacto positivo

Satisfação 71,50% 72,50% 72,50% Não há evidência


suficiente para
associar impacto

Autonomia 70,00% 70,25% 73,00% Impacto positivo

Pertencimento 69,75% 72,00% 73,50% Impacto positivo

Lazer produtivo 69,00% 70,75% 75,25% Impacto positivo

Coesão 68,75% 70,00% 73,00% Impacto positivo

Competitividade 67,75% 67,50% 69,00% Impacto positivo

Autoestima 64,75% 68,00% 69,25% Impacto positivo


98 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

TABELA 2
Valor dos índices, em termos percentuais, da contribuição associada a diferentes intensidades de
participação nas atividades culturais do Banco da República

ÍNDICE CONTROLE PARTICIPAÇÃO PARTICIPAÇÃO CONCLUSÃO


MODERADA ATIVA
Índice de apropriação 82,50% 83,25% 84,00% Impacto positivo

Índice de convivência 79,25% 80,00% 82,00% Impacto positivo

Índice de confiança 78,00% 77,75% 79,25% Impacto positivo

Índice de satisfação 70,25% 71,75% 73,75% Impacto positivo


e pertencimento

Índice de 68,25% 68,75% 71,25% Impacto positivo


competitividade grupal

Índice de autonomia 67,50% 69,25% 71,25% Impacto positivo

índices de impacto cultural. Cinquenta e A modo de reflexão final, pode-se dizer


um atributos, 14 indicadores e seis índices que esse tipo de estudo é enriquecido e
formam o conjunto de resultados atingidos atinge melhores resultados na medida em
com a aplicação de metodologias de pesqui- que existir participação interdisciplinar. Que
sa social e estatística. o diálogo entre diversas áreas do conheci-
O capital social é uma das cinco cate- mento seja o denominador comum. Que os
gorias identificadas pelos grupos focais resultados preliminares sempre sejam colo-
formados para iniciar a pesquisa. A con- cados em questão e amplamente discutidos.
fiança é um dos seis índices construídos com Obter uma linha-base é fundamental para
base na informação fornecida pelos usuários continuar com futuros exercícios que permi-
e tem um comportamento transversal pelos tam a observação sistemática, no tempo, sobre
cinco índices restantes. Ela foi reconhecida os impactos gerados pela implementação de
em diferentes estudos e posições como um uma política cultural. Desenvolver medições
dos elementos mais importantes do capital e apreciações como parte de um sistema de
social. Confiança e transparência são dois avaliação, pelo menos a cada três anos, pode
referenciais que os cidadãos percebem no ser muito útil para acompanhar os indicadores
Banco da República. e os índices de impacto cultural.
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA Fernando Barona Tovar 99

Fernando Barona Tovar


Doutor em antropologia. Assessor-geral de programação cultural e de filiais da
Subgerência Cultural do Banco da República da Colômbia.

Referências bibliográficas

BARONA, Fernando; QUINTERO, Victor. Metodología para la construcción de


indicadores culturales de efecto e impacto. [Documento interno]. Subgerencia
Cultural. Banco de la República, 2007.

MOCKUS, Antanas. ¿Por qué competencias ciudadanas en Colombia? Altablero, n. 27,


fev.-mar. 2004.

SEN, Amartya. Cultura, libertad e independencia. In: Relatório Mundial sobre a Cultura.
Unesco, 1999.

UNESCO. Bateria de indicadores Unesco em cultura para o desenvolvimento.


Minuta, 2011.

UNESCO. Marco de Estatísticas Culturais (MEC) da Unesco 2009. Montreal: Instituto de


Estatística da Unesco, 2009.

Notas

1 Extraído de: <http://www.banrepcultural.org>.


102 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

RELATO DO SEMINÁRIO POLÍTICAS


E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA
LATINA NO SÉCULO XXI
Ana Letícia Fialho
Ilana Goldstein

Com o objetivo de incentivar o incipiente intercâmbio latino-americano no campo da


gestão e das políticas culturais, o Observatório Itaú Cultural promoveu, nos dias 19 e 20 de
março de 2015, um seminário com convidados da Argentina, do Brasil, do Chile, da Colômbia, do
México e de Porto Rico1. Ficou evidente que tais áreas, nos países representados, encontram-se
em vias de desenvolvimento e profissionalização, razão pela qual o diálogo se fez tão pertinente.
Este relato recupera, sem pretensão de exaustividade e com base na percepção subjetiva das
autoras, algumas das temáticas e discussões do evento.

Existe uma identidade tem essência fixa, ela é “uma espécie de foco
latino-americana? virtual ao qual nos é indispensável referir

N
para explicar certo número de coisas, mas
a abertura, o curador do seminário, sem que tenha jamais uma existência real.
Enrique Saravia, tratou do “lati- [...] Sua existência é puramente teórica: é a
no-americano no século XXI” – existência de um limite ao qual não corres-
tarefa tão necessária quanto controversa, ponde, na realidade, nenhuma experiência”
pois a identidade não é um dado empírico e (apud PENNA, 1992, p. 14).
objetivo, mas uma percepção que depende do Em outras palavras, a identidade é uma
percebedor e do contexto. Uma identidade construção histórica, uma representação
social não existe por si só, delineia-se a par- parcial que apaga divergências internas no
tir do contraste. Um brasileiro se sente mais conjunto e supervaloriza certos aspectos em
brasileiro ao viajar para o exterior. Ao mesmo detrimento de outros. É o caso da mestiça-
tempo, quando se identifica com o conjunto gem, tão acionada no Brasil, desde o século
genérico de brasileiros, coloca entre parên- XIX, para pensar a identidade nacional – e
teses diferenças internas significativas em do “hibridismo cultural”2 latino-americano
nome do desejo de pertencer a um coletivo. (CANCLINI, 2006).
O antropólogo Claude Lévi-Strauss Como argumenta Néstor Canclini, na
chegou a sustentar que a identidade não América Latina, ocorreram hibridismos
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA FIALHO E GOLDSTEIN 103

inusitados de estruturas e práticas dos po- não podemos nos furtar de buscar elementos
vos autóctones com estruturas e práticas dos recorrentes. Como ficará patente ao cabo deste
colonizadores. Esse amálgama entre tempo- relato, o seminário confirmou que, apesar das
ralidades e visões de mundo suscitou uma diferenças no âmbito da gestão e das políticas
criatividade particular e, simultaneamente, culturais, os países latino-americanos efetiva-
gerou ambiguidades no processo de moder- mente enfrentam problemas similares. Pena
nização do Estado e da economia. que, como alguns palestrantes ressaltaram,
Alinhado com essa visão, Saravia en- conheçamos mais a Europa e os Estados Uni-
fatizou a mestiçagem e o hibridismo como dos do que os países vizinhos.
marcas dessa região. Destacou também ou-
tras experiências comuns: a colonização de Política e atividade cultural
origem ibérica, a dificuldade de inserção no Na primeira mesa, o mexicano Jorge
panorama global, a fragilidade da democra- Ruiz Dueñas alertou que diálogos cultu-
cia, a concentração de renda e a corrupção. rais podem ser também guerras culturais.
A partir dessa caracterização do “latino- Interações entre povos diferentes sempre
americano”, uma ambivalência perpassou todo carregaram potencial de tensão. Mas nunca
o evento: se por um lado a noção de identidade antes as fricções acarretaram impactos tão
é problemática e questionável, principalmente globais – o terrorismo é emblemático disso.
nessa região tão vasta e diversa, por outro lado Em sua opinião, a coabitação intercultural é
104 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

o grande desafio do século XXI. Ele mencio- cipantes ratificariam ao longo do seminário, o
nou o Manifesto Convivialista3, divulgado na paradigma que tem predominado na América
França entre 2010 e 2012, que propõe formas Latina é o da miscigenação e do hibridismo,
mais justas e solidárias de se viver. não o do multiculturalismo.
Do ponto de vista das políticas públicas, O brasileiro José Márcio Barros fez a
Ruiz Dueñas acredita que alguns segmen- segunda intervenção, que consistiu em um
tos sociais e regiões do globo necessitam de balanço analítico e panorâmico das políticas
ações específicas, relativas, por exemplo, à culturais no Brasil atual, estruturado em duas
imigração, ao gap tecnológico e às tradições linhas paralelas de reflexão: uma mais voltada
que lutam para existir em meio às práticas glo- às políticas culturais em si, outra alinhada
bais. Isso não deve, no entanto, ser traduzido com questões mais amplas da sociedade bra-
em paternalismo, tutela ou congelamento da sileira. Na primeira linha, Barros destacou
dinâmica cultural. Uma vez que a cultura e a obstáculos crônicos, como o baixo orçamento
identidade são dinâmicas, apesar das forças do Ministério da Cultura (MinC); a fragilidade
homogeneizadoras oriundas do Hemisfério de nossas instituições; o federalismo demasia-
Norte, as culturas locais têm capacidade de damente vertical; a escassez de informações e
adaptação e recriação. O difícil, para os gesto- indicadores culturais; as falhas na formação
res culturais, é calibrar os vetores. “Ser moder- dos agentes culturais; a lógica dos projetos
no não é negar e reprimir o passado, mas tam- pontuais; e a descontinuidade das ações, em
pouco faz sentido a polarização entre tradição razão de mudanças de gestão ou de entraves
e modernidade. A resistência à mudança não burocráticos – problemas, aliás, que aparece-
deixa de ser uma forma de reacionarismo. Um ram na fala de outros convidados.
projeto latino-americano envolve erradicar as Na segunda linha de reflexão, o pales-
petrificações”, disse o palestrante. trante ressaltou ser preciso buscar um novo
O único ponto que nos soou contraditório, lugar político para a cultura, arena na qual
talvez pela falta de tempo para desenvolvê-lo, poderiam ser discutidas “questões que nos
foi a declaração de que “o multiculturalismo é excedem e antecedem”, como as formas de
minha bandeira”. O pensamento multicultura- participação democrática. Propôs alçar a
lista surgiu nos Estados Unidos, nos anos 1970, cultura a um espaço de enfrentamento da
para reafirmar identidades étnicas e de gênero. pobreza e da desigualdade; questionou certa
Minorias numéricas ou simbólicas se assu- visão da economia criativa que “gentrifica”
miram como atores políticos, reivindicando o e higieniza a cidade; afirmou, ainda, não ser
direito à diferença. No multiculturalismo, cada possível dissociar a discussão sobre políticas
segmento tende a se encerrar em si mesmo culturais, democratização da mídia e edu-
(HALL, 2005). Porém, como viera à tona na cação. Barros apresentou, por fim, sua visão
fala inicial de Enrique Saravia – quando se de diversidade cultural como um “conjunto
lembrou da frase proferida por Martí, em de opostos”, um “projeto” e um “campo de
1819, “Nós temos um problema: não somos disputas” – em sintonia com a exposição do
índios, nem europeus” –, e como outros parti- palestrante que o antecedeu.
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA FIALHO E GOLDSTEIN 105

Robério Braga, o terceiro a falar, abor- Culturales, publicado em 20094. Gutiérrez


dou a vitalidade das políticas culturais no mencionou também um modelo de medição
Amazonas em um pronunciamento surpre- de impacto para ações culturais, utilizado
endente, pois poucos na plateia a conheciam. em Bogotá e Medellín. Infelizmente, ele não
Entretanto, ele foi bem mais descritivo que detalhou o modelo, apenas explicou que se
analítico, listando os impressionantes fei- leva em consideração os seguintes elementos:
tos de sua gestão na pasta da cultura de seu infraestrutura cultural; públicos; apropria-
estado, conduzida por ele há 18 anos. Eis ção das atividades culturais pela população;
um raro caso de continuidade, em que se filantropia/mecenato; construção de legiti-
alternam as gestões e os partidos, mas per- midade cultural, ou seja, reconhecimento de
manecem as políticas culturais. diferentes formas artísticas; valor agregado
trazido por determinados eventos ou projetos
A avaliação na área cultural culturais; e articulação das políticas culturais
A segunda mesa do seminário enfo- com as demais políticas públicas.
cou a avaliação na área cultural. O primeiro A segunda intervenção foi de Lia Cala-
convidado, Jaime Ruiz-Gutiérrez, lamentou bre, que comentou a avaliação do Programa
que “muitos projetos culturais na Colômbia Cultura Viva. Segundo seu relato, o programa
falhem por problemas administrativos”. Brin- teve o mérito de incorporar culturas não he-
cou, dizendo que “quem sonha demais tem de gemônicas e segmentos da população pouco
administrar pesadelos”. Em seguida, sinteti- atendidos pelas políticas públicas. Seu esco-
zou três momentos do desenvolvimento das po nacional e seu teor experimental fizeram
políticas culturais colombianas. De 1820 a com que o Cultura Viva fosse alvo de duas
1930, a jovem República equiparava cultura avaliações do Instituto de Pesquisa Econô-
e educação, priorizando missões educativas mica Aplicada (Ipea).
para “civilizar a plebe”. De 1930 a 1991, a cul- Calabre sublinhou que a potência do
tura foi associada à memória nacional, com programa, que é a diversidade de Pontos de
ênfase nos museus e no patrimônio. A nova Cultura autônomos e espontâneos, com per-
Constituição promulgada em 1991 iniciou fis e atuações distintos, dificulta as formas
a fase atual, na qual a cultura é considerada tradicionais de avaliação. Eis alguns trechos
fundamento da cidadania – impossível, aqui, emblemáticos do relatório:
não lembrar da Constituição de 1988, que nor-
matiza os direitos culturais dos brasileiros. [...] a heterogeneidade [...] tem reflexo
Percebendo a importância desse imediato na análise do programa, tornando
diagnóstico, o recém-criado Ministério da praticamente impossível tecer generaliza-
Cultura colombiano realizou um levan- ções durante o processo de avaliação [...].
tamento de ações por todo o país para As ações [...] multiplicaram-se sem que a
compreender o que já existia e buscar uma elas correspondessem aos necessários re-
coerência no conjunto de suas políticas. quisitos institucionais para conduzi-las e
Assim surgiu o Compendio de Políticas mesmo monitorá-las5.
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA FIALHO E GOLDSTEIN 107

Como desenvolver avaliações flexíveis, pontuou a diferença entre avaliações de


que permitam fazer um balanço de progra- gestão, voltadas ao funcionamento organi-
mas como esse? Como aumentar a dimensão zacional ou à implementação de uma nova
qualitativa das avaliações de políticas cultu- política; de factibilidade, equivalentes a um
rais? Essas foram indagações lançadas pela diagnóstico preliminar; e de impacto, que
palestrante, cujas respostas talvez surjam julgam a relevância, a eficácia, a eficiência,
das trocas de experiências como as realiza- as implicações de longo prazo e a sustenta-
das durante o seminário. bilidade de uma iniciativa.
Calabre encerrou apontando um para- Em razão das especificidades de cada
doxo. Faltam, no Brasil, indicadores culturais contexto cultural e de cada instituição, é
produzidos de forma sistemática. Por outro insuficiente se pautar por indicadores fixos
lado, nosso Plano Nacional de Cultura (PNC) e generalizáveis. Não obstante, o convidado
contém 53 metas. A chamou a atenção para
meta 5 estabelece, por “Se por um lado a noção de a importância de com-
identidade é problemática e
exemplo, um: “Sistema parações entre países e
questionável [...], por outro lado
Nacional de Patrimônio não podemos nos furtar de buscar regiões, o que pode ser
Cultural implantado, elementos recorrentes”. facilitado pelo uso de
com 100% das Unidades parâmetros comuns,
da Federação (UF) e 60% dos municípios como os Indicadores Unesco de Cultura para
com legislação e política de patrimônio el Desarrollo (IUCD), com suas sete dimen-
aprovadas”6. Ora, se não há indicadores, nem sões: economia (contribuição da cultura ao
pesquisas sistemáticas, fica difícil compro- PIB); educação (diversidade linguística/
var quais metas foram atingidas. papel da cultura no sistema escolar); gover-
O terceiro participante da segunda nança (marcos legais, normas); participação
mesa, Hector Schargorodsky, falou sobre social (impacto da cultura no desenvolvi-
avaliação de ações culturais. Ele listou os mento social e mecanismos de participação
fatores que nela impactam positivamente: da população); comunicação (liberdade de
o apoio político-governamental, a disponi- expressão/acesso a conteúdos culturais);
bilidade de recursos e a sua exigência em igualdade de gênero; e patrimônio7.
normas, editais e leis. Já os fatores negativos Independentemente do tipo e do es-
seriam: não a prever no planejamento, o des- copo da avaliação, seus resultados devem
conhecimento dos dirigentes – nem sempre ser amplamente difundidos. A prática
escolhidos por mérito –, bem como a baixa avaliativa se fortalece à medida que mais
exigência dos cidadãos em relação à cultura. publicações são promovidas e mais forma-
O argentino sugeriu o uso combinado ções são ofertadas. Isso deixa claro como a
de métodos qualitativos e quantitativos na avaliação contribui para nortear as políticas
avaliação cultural. Para ele, sempre que culturais, para corrigir falhas de projetos e
possível, a avaliação deve ser conduzida de programas e até mesmo para aprimorar
por profissionais externos. Schargorodsky os agentes e instituições culturais.
108 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Economia criativa: questionando a lançadas pioneiramente pelo Reino


dicotomia entre cultura e mercado Unido, na década de 1990, com foco
A economia global atingiu tamanha no desenvolvimento econômico ba-
competitividade que, hoje, os valores intan- seado na criatividade;
gíveis e os significados culturais agregados
às mercadorias são tão importantes quan- 3. os mercados de bens culturais, dos
to sua funcionalidade. Os bens e serviços mais diversos tipos, não necessaria-
que se destacam por sua singularidade e mente ligados às indústrias culturais,
têm, simultaneamente, valor econômico e capazes de ampliar as oportunidades
simbólico, compõem a chamada economia de atuação e de renda dos profissio-
criativa. Como se trata de uma categoria re- nais criativos.
lativamente nova e há poucas publicações
em português sobre o assunto, surgem, ine- É fato que a teoria e a prática da eco-
vitavelmente, divergências e ambiguidades. nomia criativa ainda estão em vias de
A começar pelos seus contornos empí- consolidação, e que ela extrapola a arena
ricos. Atividades relacionadas apenas convencionalmente chamada de cultural.
indiretamente às artes fazem parte da econo- Isso provavelmente ajuda a explicar as
mia criativa, caso do turismo, da gastronomia dúvidas suscitadas pela fala da mediadora
e dos games. Segmentos de escala e perfil dís- da terceira mesa. Cláudia Leitão introdu-
pares a integram – é só pensar, por exemplo, ziu esse tema fazendo uma dura crítica ao
no artesanato manual e na publicidade. Em mercado cultural, o que causou certo estra-
outras palavras, não há consenso absoluto nhamento na audiência. A ex-responsável
sobre o que entra ou não no conjunto da eco- pela Secretaria da Economia Criativa do
nomia criativa. MinC (2011-2013) lamentou que a cul-
Observa-se também certa confusão tura esteja cada vez mais ameaçada por
conceitual, às vezes notada no seminário. um mercado voraz e por um Estado inope-
Convém distinguir: rante. Segundo seu relato, “a arte se tornou
instrumento de legitimação de marcas capi-
1. a indústria cultural, conceituada – e talistas” e a existência de mais mercado
duramente criticada – pelo sociólogo implica “menos arte e menos significado”.
Theodor Adorno no início do século Viveríamos a era do “capitalismo artístico”,
XX, por tratar filmes, discos e livros com uma profusão de feiras, bienais, museus
como mercadorias quaisquer, desti- e festivais, na qual “maior difusão e acesso
nadas a gerar lucro, e por dificultar o não retiram das indústrias o seu caráter
pensamento autônomo dos indivídu- concentrador”. De acordo com Leitão, seria
os (ADORNO, 1999); necessário “pensar as indústrias criativas ou
a economia criativa em oposição ao modelo
2. as indústrias criativas, pilares das anglo-saxão”. Mas quais seriam, então, a
políticas públicas para a cultura saída e o modelo alternativos e viáveis?
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA FIALHO E GOLDSTEIN 109

As três falas seguintes sugeriram ser coordenou um diagnóstico das políticas


necessário um equilíbrio entre as políti- públicas nesse país, a partir do qual foram
cas públicas para a cultura não rentável e definidas linhas estratégicas para o Estado,
o estímulo à economia criativa de forma entre elas, a elaboração de normativas que
convergente e complementar. Enrique Avo- permitem a criação de instituições híbri-
gadro foi contundente: “Devemos deixar os das e linhas especiais de financiamento e o
preconceitos de lado, é preciso abraçar a estímulo ao consumo da produção cultural
mistura entre cultura e mercado!”. O argen- local e regional. Além disso, foram criados
tino insistiu na diferenciação entre a esfera uma conta satélite para a cultura e um ob-
da cultura e a da economia criativa, a pri- servatório de políticas culturais para ajudar
meira a ser tratada no âmbito cultural (do as empresas e ancorar as políticas públicas,
Ministério da Cultura, quando for o caso) e a simultaneamente.
segunda, no âmbito da economia e do desen- O chileno Bernabé Carrasco reiterou
volvimento. Ele lembrou que as políticas que o papel do Estado é “entreatuar”, ou
públicas se fazem ainda mais necessárias seja, atuar como mediador entre a cultura
nas esferas atualmente fora do mercado. e o mercado, e, para tanto, deve enten-
Avogadro é subsecretário de economia der e estimular a economia criativa e seu
criativa da cidade de Buenos Aires, departa- potencial de transformação para além da
mento vinculado ao Ministério do Desenvol- dimensão econômica.
vimento, atuante em quatro frentes: Distritos As autoras deste texto compartilham
Criativos, projeto que busca a melhoria de da visão dos três convidados da mesa. Em
bairros menos desenvolvidos por meio das países onde existe um campo cultural con-
indústrias criativas; formação dos profis- solidado, coexistem, via de regra, políticas
sionais que trabalham nessas indústrias; culturais efetivas e indústrias culturais
desenvolvimento do empreendedorismo; e fortes. Em sistemas menos consolidados,
estímulo à inovação. Isso demanda um per- como parece ser o caso da América Latina,
manente diálogo entre educação, transporte, pode haver um descompasso entre as dife-
meio ambiente e economia criativa. Avoga- rentes instâncias de produção, legitimação,
dro finalizou sua participação desafiando os circulação e comercialização, com situações
poderes públicos: “Os governantes precisam em que o mercado, frente à fragilidade das
repensar a forma pela qual oferecem os ser- demais instâncias, assume uma função
viços públicos para os cidadãos”. preponderante. No polo contrário, quando
Javier Hernandez Acosta, por sua vez, o mercado é incipiente e há uma intrínseca
relatou quão recente é o campo da gestão dependência do Estado, poucos criativos
cultural em Porto Rico: o primeiro curso logram viver de seu trabalho, dependendo
data de 2008; o primeiro estudo sobre in- do subsídio público em tudo.
dústrias criativas foi publicado em 2013; Um mercado dinâmico permite a
uma legislação específica foi aprovada, um maior número de criativos viver de
mas ainda não entrou em vigor. Acosta seu trabalho. Por outro lado, nem toda
110 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

produção cultural tem vocação comercial. experimentação e remix, temas revisitados,


É fundamental a presença do Estado no em maior ou menor grau, pelos demais par-
desenvolvimento de políticas de fomento ticipantes da última mesa.
à produção e circulação de bens culturais, Sérgio Amadeu enfatizou a interferên-
bem como, ao mesmo tempo, a regulamen- cia dos processos tecnológicos na criação e
tação e a criação de um ambiente saudável disseminação da cultura contemporânea.
para o crescimento do mercado, que não Segundo seu relato, as tecnologias digitais
deve assumir, à defaut, a responsabilidade colocam em xeque os modelos de interme-
unilateral pelo estímulo à produção artís- diação convencionais no mundo industrial –
tica, sua legitimação e comercialização. novas formas de gravação e divulgação,
por exemplo, revolucionaram o campo da
Tecnologia e ação cultural música. Importante também o seu ques-
Em virtude das novas tecnologias, o sé- tionamento sobre a estrutura da legislação
culo XXI é o século das “sociedades em rede”, vigente acerca da propriedade intelectual,
usando uma expressão de Manuel Castells, ultrapassada frente às creative commons.
para quem Segundo o convidado brasileiro, a proteção
da propriedade intelectual é “ideológica” e
redes são estruturas abertas capazes difícil de sustentar na contemporaneidade.
de se expandir de forma ilimitada, inte- No lugar da restrição de acesso – aliás, cada
grando novos nós desde que consigam vez mais impraticável –, é a circulação am-
comunicar-se dentro da rede [...]. Uma pla e democrática das obras culturais que
estrutura social com base em redes é um assegurará sua divulgação e continuidade.
sistema aberto altamente dinâmico, sus- Amadeu só não entrou na seara espinhosa
cetível de inovação sem ameaças ao seu da remuneração dos criadores, uma vez que,
equilíbrio (CASTELLS, 1999, p. 499). nesse modelo, o pagamento de direitos au-
torais tende a se extinguir.
Na introdução à mesa Tecnologia e As duas intervenções seguintes adota-
Ação Cultural, o mediador Albino Rubim ram outra perspectiva e trouxeram exemplos
destacou a singularidade deste momento de como as novas tecnologias podem ser uti-
histórico, em que se alterou completamen- lizadas para a formação de gestores culturais.
te nossa relação com o tempo, o espaço e as Johanna Mahut Tafur, da Colômbia, relatou
outras pessoas. Trata-se de uma “nova socia- experiências de formação em gestão cultural,
bilidade, vivemos planetariamente em tempo entre 2009 e 2011, com o uso de diferentes
real, e isso nunca aconteceu na história da tecnologias, do rádio ao vídeo, passando
humanidade”, afirmou. Tais transformações por textos digitais e interações on-line, que
impactam, evidentemente, na forma como permitiram oferecer (re)cursos mesmo nos
produzimos, fruímos e consumimos cultu- lugares mais distantes de seu país e atender
ra, abrindo um leque de possibilidades em grupos de diferentes etnias e com diversos
termos de colaboração, autonomia criativa, repertórios culturais.
112 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Roberto Pimenta apresentou o trabalho igualmente importantes são as competên-


desenvolvido pela Fundação Getúlio Vargas cias necessárias para manejá-los, o grau de
(FGV) para o MinC, também de formação a familiaridade com esse universo e o repertó-
distância para agentes culturais, destacan- rio digital do cidadão. Além do acesso físico,
do as dificuldades de se realizar um trabalho não se pode negligenciar a importância da
como esse quando o ensino a distância ainda apropriação da tecnologia para o desenvol-
estava em seus primórdios, e em um contexto vimento da vida cultural dos sujeitos.
tão heterogêneo como o brasileiro.
Embora iniciativas de formação a dis- Considerações finais
tância de gestores culturais por meio de Não poderíamos deixar de destacar o
plataformas digitais sejam interessantes, ineditismo do seminário em termos de sua
conforme destacado pelos dois convidados abrangência regional, bem como a compo-
da mesa, o potencial das novas tecnologias sição das mesas, que conjugou perspectivas
para as artes e a cultura de pesquisadores acadê-
é muito mais amplo e “É fundamental a presença do micos, de professores
complexo. Infelizmente, Estado no desenvolvimento de formadores de gestores
parece que as políticas políticas de fomento à produção culturais, de gestores
e circulação de bens culturais,
culturais na América públicos voltados à cul-
bem como, ao mesmo tempo, a
Latina ainda não tira- tura e de profissionais
regulamentação e a criação de
ram todas as possíveis um ambiente saudável para o que transitam entre pes-
consequências da nova crescimento do mercado.” quisa aplicada e políticas
realidade. Seria preciso, públicas. Consideramos
por exemplo, potencializar a digitalização igualmente louvável a preocupação do
de acervos e incentivar de novas maneiras Observatório Itaú Cultural em registrar
as plataformas para criações colaborativas. seus eventos e disponibilizar os conteúdos
Além disso, como observado pelo produzidos dentro de seu espaço, por meio
público durante o debate, é necessário con- do acesso a vídeos e relatos críticos. O cui-
siderar os diferentes graus de familiaridade dado com a memória institucional e com o
das pessoas com relação à tecnologia e à acesso ao conhecimento constituem pontos
interatividade, bem como a importância de nevrálgicos da gestão cultural.
não apenas disponibilizar conteúdos, mas Uma das maiores dificuldades ao se
também de capacitá-las para o manejo autô- organizar um seminário é reunir as inter-
nomo e criativo das plataformas digitais e venções nas mesas em torno de uma questão
dos aparatos tecnológicos. Normalmente, comum, que conecte e permita cotejar as
quando se discute inclusão digital – aliada falas dos participantes. No Seminário Polí-
incontornável da democracia cultural –, ticas e Gestão Cultural na América Latina no
enfatiza-se somente a possibilidade de século XXI, nem sempre encontramos um fio
utilizar um computador, tablet ou celu- condutor para as falas de cada mesa, como
lar em conexão com câmeras etc. Porém, deve transparecer no relato. Por outro lado,
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA FIALHO E GOLDSTEIN 113

o tempo generoso deixado ao debate com o compartilhamento de experiências e conhe-


público após as intervenções – normalmente cimentos já existentes.
suprimido ou restrito em eventos similares – A segunda sugestão possível se refere
foi muito bem-vindo. à experimentação de novos formatos de
Levando em conta a audiência maciça encontro. Ao menos no Brasil, multipli-
do público nos dois dias do evento e conside- caram-se ultimamente as discussões e a
rando o número de perguntas e observações bibliografia sobre gestão cultural, mas não
feitas pela plateia ao cabo das mesas, ficou necessariamente as oportunidades de pen-
claro existir uma demanda por esse tipo sar e construir juntos. Talvez fosse o caso de
de arena de intercâmbio regional. Ao final pensar em novos formatos, mais próximos de
deste relato, temos certeza de que o seminá- um workshop, com exposições mais longas
rio merece desdobramentos futuros. Talvez e verticalizadas, mais tempo para o debate
eles possam ser encabeçados pelo próprio e possibilidade de atividades práticas cola-
Observatório Itaú Cultural em parceria com borativas, focadas em alguns dos desafios
as instituições representadas no encontro comuns apontados nesse seminário. Uma
e com outras tantas, provavelmente ávi- pessoa na plateia chegou a mencionar que
das por trocar experiências com os vizinhos participa de uma bem-sucedida plataforma
do Cone Sul. colaborativa de formação em gestão cultu-
Aproveitamos o presente relato para ral, com abrangência internacional, na qual
fazer duas sugestões. A primeira diz res- equipes com pessoas de diferentes países
peito à eventual construção de um banco realizam atividades conjuntamente9.
de pesquisas e indicadores sobre cultura. O seminário confirmou a relevância de
Diversos convidados apontaram a raridade compartilhar metodologias e a pertinência
e a inacessibilidade desse tipo de material8. da eventual criação de categorias e indicado-
Ainda que, nos últimos anos, tenham sur- res comuns na América Latina. Mostrou que
gido pesquisas sobre hábitos culturais e precisamos continuar a levantar necessida-
setores específicos da cultura, muitas não des regionais, estudar prioridades nacionais
são publicadas ou encontram-se dispersas e avaliar os impactos das ações já imple-
nos sites das instituições responsáveis. Há, mentadas. Tudo isso de forma contínua e
inclusive, risco de redundância, pois alguns articulada, construindo séries históricas
estudos tocam em questões similares, sem, que permitam comparações. Esperamos
no entanto, dialogar. Acreditamos que o Itaú que o encontro promovido pelo Itaú Cultu-
Cultural, juntamente com outros parceiros, ral tenha sido o primeiro de muitos outros
poderia constituir uma plataforma de fácil passos nessa direção.
acesso, com organização e compilação das
pesquisas existentes, em todos os níveis,
setores e cadeias, assim como de exemplos
de estudos e de indicadores de outros países,
de forma a sanar essa lacuna e estimular o
114 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Ana Letícia Fialho


Advogada, gestora cultural, doutora em ciências da arte e da linguagem pela Escola
de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris (EHESS), consultora em gestão e inteligên-
cia comercial do Programa Cinema do Brasil e pesquisadora associada ao Instituto de
Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP). É ainda coautora do livro
O Valor da Obra de Arte.

Ilana Goldstein
Especialista em direção de projetos culturais pela Universidade Paris 3 e doutora
em antropologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi coordenadora
do MBA em Bens Culturais na Fundação Getulio Vargas de 2008 a 2014 e, atualmente,
é professora de antropologia na Universidade Federal de São Paulo. É autora de vários
artigos sobre arte e cultura e dos livros O Brasil Best-Seller de Jorge Amado: Literatura
e Identidade Nacional e Responsabilidade Social: das Grandes Corporações ao Terceiro
Setor. Também atua há mais de 15 anos como consultora nas áreas social e cultural.

Referências bibliográficas

ADORNO, Theodor. Textos escolhidos. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

BARBOSA DA SILVA, Frederico; ARAÚJO, Herton Ellery (Org.). Cultura viva: avaliação
do programa Arte, Educação e Cidadania. Brasília: Ipea, 2010.

CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da


modernidade. São Paulo: Edusp, 2006.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

PENNA, Maura. O que faz ser nordestino. São Paulo: Cortez, 1992.

REIS, Ana Carla Fonseca (Org.) Economia criativa como estratégia de desenvolvimento:
uma visão dos países em desenvolvimento. São Paulo: Itaú Cultural: Garimpo
de Soluções, 2008.
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA FIALHO E GOLDSTEIN 115

Notas

1 A programação detalhada do seminário está disponível em:


<http://novo.itaucultural.org.br/programe-se/agenda/evento/politicas-e-
gestao-cultural-na-america-latina-no-seculo-21/>. Acesso em: 5 abr. 2015.

2 Néstor García Canclini prefere o termo hibridismo em vez de mestiçagem porque


hibridismo “abrange diversas mesclas interculturais – não apenas raciais, às quais
costuma limitar-se o termo ‘mestiçagem’ – e porque permite incluir as formas
modernas de hibridação” (CANCLINI, 2006, p. 19).

3 O Manifesto Convivialista, organizado por Alain Caillé, foi traduzido para várias
línguas. No Brasil, foi publicado pela editora Annablume.

4 O compêndio colombiano de políticas culturais está disponível na íntegra


no endereço: <https://culturaparaeldesarrollo.files.wordpress.com/2011/06/
mincultura-colombia-compendio-polc3adticas-culturales.pdf>. Acesso em:
9 abr. 2015.

5 Uma das avaliações do Ipea sobre o Cultura Viva foi publicada em forma de livro,
organizado por Barbosa da Silva e Araújo (2010).

6 As metas do Plano Nacional de Cultura estão no link: <http://pnc.culturadigital.


br/2013/01/01/2533/>. Acesso em: 9 abr. 2015.

7 Para saber mais sobre os Indicadores Unesco de Cultura para el Desarrollo (IUCD),
consulte: <http://es.unesco.org/creativity/iucd/>. Acesso em: 10 abr. 2015.

8 As autoras do presente relato também já se debruçaram sobre o tema em texto


publicado pela Revista Observatório Itaú Cultural, n. 13. Como escrevemos na
ocasião, acreditamos que diagnósticos e avaliações garantem maiores chances
de êxito às políticas, aos programas e aos projetos culturais e representam
oportunidades ímpares de aprendizagem e reflexão para as equipes envolvidas.

9 Embora não tenha sido citado nominalmente, acreditamos que se trate do curso
MOOC: Managing the Arts, Marketing for Cultural Organizations, proposto pelo
Goethe Institut e pela Leuphana Digital School. Mais informações sobre o formato
e o conteúdo encontram-se na plataforma: <https://www.goethe-managing-the-
arts.org/?wt_sc=mooc>.
118 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

COLEÇÃO OS LIVROS
DO OBSERVATÓRIO
As Metrópoles Regionais e a Cultura: O Caso Francês,
1945-2000
Françoise Taliano-des Garets
Esta obra traça pela primeira vez a história das políticas culturais de
grandes cidades francesas na segunda metade do século XX. Seis delas,
Bordeaux, Lille, Lyon, Marselha, Estrasburgo e Toulouse, são objeto
de uma história comparada que examina a articulação entre políticas
culturais nacionais e locais na França desde o final da Segunda Guerra
Mundial. É um estudo que contribui para a revisão de certas ideias co-
muns sobre política cultural para as cidades e sobre as articulações entre
as diretivas e os discursos do poder central nacional e a realidade local.
Além disso, mostra como a cultura se impôs em lugares distintos, em
ritmos diferentes, como um campo legítimo da ação pública e fator de
fortalecimento da imagem e de desenvolvimento de cidades que buscam
um lugar de destaque nacional e internacionalmente. Abordando uma
realidade francesa, este livro serve como um poderoso instrumento de
reflexão sobre a política cultural para as cidades onde quer que se situem.

Afirmar os Direitos Culturais – Comentário à Declaração


de Friburgo
Patrice Meyer-Bisch e Mylène Bidault
A publicação organizada por Patrice Meyer-Bisch e Mylène Bidault
aborda a Declaração de Friburgo, que reúne e explicita os direitos cul-
turais reconhecidos de maneira dispersa em muitos instrumentos. Le-
vando o subtítulo Comentário à Declaração de Friburgo, o livro analisa
detalhadamente e comenta os considerandos e artigos da Declaração,
tendo como objetivo contribuir para a discussão e desenvolvimento do
tema. Percebendo que a universalidade e a indivisibilidade dos direitos
humanos padecem sempre com a marginalização dos direitos culturais,
o Grupo de Friburgo – um grupo de trabalho internacional organizado
a partir do Instituto Interdisciplinar de Ética e Direitos Humanos da
Universidade de Friburgo, na Suíça – preparou um guia para a reflexão e
implementação dos direitos relacionados à cultura, previstos no Acordo
Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA  119

Arte e Mercado
Xavier Greffe
Este título discute as relações da arte com a economia de mercado e
a atual tendência de levar a arte a ocupar-se mais de efeitos sociais e
econômicos – inclusão social, o atendimento das exigências do turismo
e as necessidades do desenvolvimento econômico em geral – do que de
suas questões intrínsecas. Conhecer o sistema econômico é o primeiro
passo para colocar a arte em condições de atender realmente aos direi-
tos culturais, que hoje se reconhecem, como seus.

Cultura e Estado. A Política Cultural na França, 1955-2005


Teixeira Coelho
Neste livro, Teixeira Coelho faz uma seleção dos textos presentes na
coletânea La Politique Culturelle en Débat: Anthologie, 1955-2005, da
Documentation Française, que reflete sobre a relação entre Estado e
cultura na França. A cultura francesa se associa intimamente à iden-
tidade da nação e do Estado, e os autores, de diversas áreas, analisam
os aspectos dessa proximidade.

Cultura e Educação
Teixeira Coelho (Org.)
Esta publicação remete ao Seminário Internacional da Educação e
Cultura realizado no Itaú Cultural, em setembro de 2009. Os partici-
pantes brasileiros, latino-americanos e espanhóis comparam e refletem
práticas capazes de culturalizar o ensino, por meio de iniciativas admi-
nistrativas e curriculares e mediante ações cotidianas em sala de aula.

Saturação
Michel Maffesoli
O título reúne os textos Matrimonium e Apocalipse de Michel Maffesoli.
Neles o autor estende a discussão sobre a pós-modernidade para além
do domínio das artes e analisa os fatos e efeitos pós-modernos na vida
social. A partir deste debate, Maffesoli questiona valores como indiví-
duo, razão, economia, progresso — pedras fundamentais da sociedade
ocidental moderna que está em crise, saturada.
120 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

O Medo ao Pequeno Número


Arjun Appadurai
“Arjun Appadurai é conhecido como autor de novas formulações notá-
veis que esclareceram os desenvolvimentos globais contemporâneos,
especialmente em Modernity at Large. Neste novo livro, ele aborda os
problemas mais cruciais e intrigantes da violência coletiva que hoje nos
cerca. Um livro repleto de ideias novas e originais, alimento essencial
para o espírito dos especialistas e de todos os que se preocupam com
essas questões”, Charles Taylor, autor de Modern Social Imaginaries.
As transformações na economia mundial desde a década de 1970 pro-
duziram efeitos consideráveis nas relações entre as nações e as pessoas.
Multiplicaram-se as disputas e preocupações sobre soberania nacional,
indigenismo, imigração, liberdade, mercado, democracia e direitos hu-
manos. Algumas ditaduras sumiram, outras permaneceram ativas e uma
ou outra mais insiste em afirmar-se no palco mundial, como se as mu-
danças no mundo, ao longo do último meio século, não tivessem existido.

A Cultura e Seu Contrário


Teixeira Coelho
As duas últimas décadas do século XX viram a ascensão da ideia de cul-
tura a um duplo primeiro plano: o das políticas públicas e o do mercado,
neste caso de um modo ainda mais intenso que antes. O papel de cimento
social antes exercido pela ideologia e pela religião, corroídas em particu-
lar na chamada civilização ocidental, embora não neutralizadas, foi sendo
gradualmente assumido pela cultura, tanto nos Estados pós-coloniais
como, em seguida, nas nações subdesenvolvidas às voltas com os desafios
da globalização e decididas ou resignadas a encontrar, na identidade
cultural, uma válvula de escape. Do lado do mercado, o vertiginoso cres-
cimento do audiovisual (cinema, vídeo, música) colocou a cultura numa
situação sem precedentes no elenco das fontes de riqueza nacional.

A Cultura pela Cidade


Teixeira Coelho (Org.)
Qual a relação entre a cultura e a cidade? Nesta publicação, 12 autores,
nacionais e estrangeiros, são convidados a refletir sobre o tema. Os
artigos abordam questões como: Agenda 21 da cultura, espaço público
e cultura, política cultural urbana e imaginários culturais, entre outros.
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA  121

Leitores, Espectadores e Internautas


Néstor Canclini
A publicação contém artigos dispostos em ordem alfabética, podendo
o leitor transitar livremente por eles sem interferir na compreensão do
texto. Seu tema são os novos hábitos culturais surgidos com o avanço
das tecnologias de comunicação e entretenimento, e nossas respos-
tas frente a eles como leitores, espectadores e internautas. Por meio
de provocações, o autor nos incentiva a pensar sobre nossos “novos
hábitos culturais”, colocando mais questões a serem respondidas do
que conceitos estabelecidos, como num fragmento de Leitores, onde
questiona as campanhas de incentivo à leitura: “Por que as campanhas
de incentivo à leitura são feitas só com livros e tantas bibliotecas in-
cluem somente impressos em papel?” (p.56), abrindo assim a discussão
da necessidade de reformulação das políticas culturais públicas, uma
vez que, atualmente, somos leitores de revistas, quadrinhos, jornais,
legendas, catazes, blogs.

A República dos Bons Sentimentos


Michel Maffesoli
Como observou Chateaubriand, é comum chamar de conspiração po-
lítica aquilo que na verdade é “o mal-estar de todos ou a luta da antiga
sociedade contra a nova, o combate das velhas instituições decrépitas
contra a energia das jovens gerações”. O momento atual é um desses
em que jornalistas, universitários e políticos, em suma, a intelligentsia,
mostram-se em total falta de sintonia com a vitalidade popular. Para
entender melhor em que isso consiste, é preciso pôr em evidência a
lógica do conformismo intelectual reinante. Só quando não mais im-
perar o ronronar do “moralmente correto” é que será possível prestar
atenção à verdadeira “voz do mundo”.
Este é um Maffesoli diferente, polêmico e que não receia ser até mesmo
panfletário. Seu alvo é o pensamento conformado com as conquistas
teóricas dos séculos passados que não mais servem para entender a
época contemporânea. Discutindo com o pensamento oficial, Michel
Maffesoli investe contra o politicamente correto, o moralmente correto
e todas as formas do bem-pensar, isto é, contra as ideias feitas que se
transmitem e se repetem acriticamente.
122 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Cultura e Economia
Paul Tolila
Durante muito tempo os economistas negligenciaram a cultura e por
muito tempo o setor cultural também se desinteressou da reflexão eco-
nômica. Vivemos o fim dessa época. Para os atores do setor cultural, as
ferramentas econômicas podem se tornar uma base sólida de desenvol-
vimento; para os tomadores de decisões, a contribuição da cultura para
a economia do conhecimento abre oportunidades originais de ação; para
os cidadãos, trata-se de ter os meios para compreender e defender um
setor cujo valor simbólico e o potencial de riqueza humana e econômica
não podem mais ser ignorados.

SÉRIE RUMOS PESQUISA


Os Cardeais da Cultura Nacional: O Conselho Federal de
Cultura na Ditadura Civil-Militar − 1967-1975
Tatyana de Amaral Maia
Tatyana de Amaral discorre, neste livro, sobre a criação e a atuação
do Conselho Federal de Cultura, órgão vinculado ao Ministério da
Educação e Cultura, no campo das políticas culturais. E analisa a re-
lação entre seus principais atores, relevantes intelectuais brasileiros,
e as questões políticas e sociais do período da ditadura, bem como os
conceitos relativos à cultura brasileira, tais como patrimônio e iden-
tidade nacional.

Discursos, Políticas e Ações: Processos de Industrialização


do Campo Cinematográfico Brasileiro
Lia Bahia
O tema deste livro é a inter-relação entre a cultura e a indústria no
Brasil, por meio da análise das dinâmicas do campo cinematográfico
brasileiro. A obra enfoca a ligação do Estado com a industrialização do
cinema brasileiro nos anos 2000, discutindo as conexões e as desco-
nexões entre os discursos, as práticas e as políticas regulatórias para
o audiovisual nacional.
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA  123

Por uma Cultura Pública: Organizações Sociais, Oscips e a


Gestão Pública Não Estatal na Área da Cultura
Elizabeth Ponte
A autora traz um panorama do modelo de gestão pública compartilhada
com o terceiro setor, por meio de organizações sociais (OSs) e organi-
zações da sociedade civil de interesse público (Oscips), procurando
analisar seu impacto em programas, corpos estáveis e equipamentos
públicos na área cultural. O estudo é baseado nas experiências de São
Paulo, que emprega a gestão por meio de OSs, e de Minas Gerais, que
possui parcerias com Oscips.

A Proteção Jurídica de Expressões Culturais de Povos


Indígenas na Indústria Cultural
Victor Lúcio Pimenta de Faria
A proteção jurídica das expressões culturais indígenas, de suas formas
de expressão e de seus modos de criar, fazer e viver é analisada sob as
perspectivas do direito autoral e da diversidade das expressões cultu-
rais, a partir do conceito adotado pela Unesco.

AS REVISTAS DO
OBSERVATÓRIO
Revista Observatório Itaú Cultural
Nº 17 – Livro e Leitura: das Políticas Públicas ao Mercado
Editorial
Esta edição reflete sobre livro e leitura no século XXI, levando em conta
novos aspectos e dimensões que vão além das publicações em papel,
das bibliotecas e das livrarias físicas. A revista contempla abordagens
históricas, discussões contemporâneas, contribuições de pesquisadores
acadêmicos e de profissionais do mercado.
124 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Revista Observatório Itaú Cultural


Nº 16 – Direito, Tecnologia e Sociedade: uma Conversa
Indisciplinar
Esta edição mistura autores provenientes de campos diversos do co-
nhecimento para tratar de temas que se tornam cada vez mais centrais
nos nossos agitados tempos, em que as ruas e as redes se misturam, em
que o real e o virtual se fundem. Privacidade, direitos autorais, liberdade
de expressão, limites e possibilidades do “faça você mesmo”, conflitos
envolvendo mídias sociais e tradicionais, os sucessos e falhas da pro-
messa da aldeia global. São temas que estão hoje no centro do palco e
despertam ao mesmo tempo esperança e preocupação.

Revista Observatório Itaú Cultural


Nº 15 – Cultura e Formação
Esta edição destaca o Seminário Internacional de Cultura e Formação,
realizado no Itaú Cultural em novembro de 2012. O seminário é fruto
de dois processos relacionados: primeiro, uma grande reflexão sobre
os destinos da instituição, que completara, nesse mesmo ano, 25 anos
de fundação; consecutivamente, o desejo de dialogar sobre como o ter-
ceiro setor pode contribuir para o desenvolvimento dos processos de
formação cultural, bem como qual lugar lhe cabe nesse cenário. Para a
revista, selecionamos contribuições de natureza diversificada derivadas
desse encontro: discussão de conceitos, debates de políticas, análise
de situações ou simplesmente narrativas de experiências, compondo,
assim, um pequeno retrato do seminário, bem como das relações entre
cultura e formação na contemporaneidade.

Revista Observatório Itaú Cultural


Nº 14 – A Festa em Múltiplas Dimensões
Os muitos carnavais, aspectos socioeconômicos das festas, políticas
públicas e patrimônio cultural. Essas e outras questões acerca das
festividades brasileiras são discutidas tendo as políticas culturais
como ponto de partida.
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA  125

Revista Observatório Itaú Cultural


Nº 13 – A Arte como Objeto de Políticas Públicas
Nesta edição, a Revista Observatório apresenta reflexões sobre alguns
setores artísticos no Brasil a partir de pesquisas, informações e percep-
ções de pesquisadores e instituições, vislumbrando contribuir para que
a arte seja pensada como objeto de políticas públicas.

Revista Observatório Itaú Cultural


Nº 12 – Os Públicos da Cultura: Desafios Contemporâneos
Esta edição se debruça sobre as discussões da relação entre as práticas,
a produção e as políticas culturais. Refletindo sobre o consumo cultural
e o público da cultura com base na experiência francesa, a revista põe o
leitor em contato com a produção atual de pesquisadores que têm como
preocupação central as escolhas, os motivos, os gostos e as recusas dos
“públicos da cultura”.

Revista Observatório Itaú Cultural


Nº 11 – Direitos Culturais: um Novo Papel
Este número é dedicado aos direitos culturais em diversos âmbitos:
relata o desenvolvimento do campo, sua relação com os direitos hu-
manos, a questão dos indicadores sociais e culturais e o tratamento
jurídico dado ao assunto.

Revista Observatório Itaú Cultural


Nº 10 – Cinema e Audiovisual em Perspectiva: Pensando
Políticas Públicas e Mercado
Esta edição trata das políticas para o audiovisual no Brasil e passa por
temas como distribuição, mercado, políticas públicas, direitos auto-
rais, gestão cultural, novas tecnologias, além de trazer texto de Silvio
Da-Rin, ex-secretário do Audiovisual. Parte dos artigos de ganhadores
do Prêmio SAV e do Programa Rumos Itaú Cultural Pesquisa: Gestão
Cultural 2007-2008.
126 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Revista Observatório Itaú Cultural


Nº 9 – Novos Desafios da Cultura Digital
As novas tecnologias transformaram a indústria cultural em todas as
suas fases, da produção à distribuição, assim como o acesso aos produ-
tos culturais. Em 12 artigos, esta edição discute as questões que a era
digital impõe à indústria cultural, os desafios que permeiam políticas
públicas de inclusão digital, a necessidade de pensar os direitos auto-
rais e como trabalhar a cultura na era digital. E traz também entrevista
com Rosalía Lloret, da Rádio e TV Espanhola, e Valério Cruz Brittos,
professor e pesquisador da Unisinos, sobre convergência das mídias e
televisão digital, respectivamente.

Revista Observatório Itaú Cultural


Nº 8 – Diversidade Cultural: Contextos e Sentidos
Esta edição é dedicada à diversidade. Na primeira parte, são explora-
dos vários aspectos culturais do país – aspectos que estão à margem
da vivência e do consumo usual do brasileiro – e como as políticas de
gestão cultural trabalham para a assimilação e preservação deles, de
modo que não causem fortes impactos na dinâmica social. A segunda
parte da revista é composta de artigos escritos por especialistas em
cultura e tem como fio condutor a discussão sobre a sobrevivência da
diversidade cultural em um mundo globalizado.

Revista Observatório Itaú Cultural


Nº 7 – Lei Rouanet. Contribuições para um Debate sobre o
Incentivo Fiscal para a Cultura
A Lei Rouanet é o tema do sétimo número da Revista Observatório.
Aqui os autores discutem diversos aspectos e consequências des-
sa lei: a concentração de recursos no eixo Rio-São Paulo, o papel
das empresas estatais e privadas e o incentivo fiscal. O ministro da
Cultura, Juca Ferreira, comenta em entrevista a lei e as falhas do
atual modelo. O propósito desta edição é apresentar ao leitor as di-
versas opiniões sobre o assunto para que, ao final, a conclusão não
seja categórica; o setor cultural é tecido por nuances; há, portanto,
que pensá-lo como tal.
POLÍTICA E GESTÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA  127

Revista Observatório Itaú Cultural


Nº 6 – Os Profissionais da Cultura: Formação para o Setor
Cultural
O gestor cultural é um profissional que, no Brasil, ainda não atingiu seu
pleno reconhecimento. A sexta Revista Observatório é dedicada a expor
e a debater esse tema. Neste número, há uma extensa indicação biblio-
gráfica em português, além de artigos e entrevistas com professores
especializados no assunto. A carência profissional nesse meio é fruto
da deficiência das políticas culturais brasileiras, quadro que começa a
se transformar com a maior incidência de pesquisas e cursos voltados
à formação do gestor.

Revista Observatório Itaú Cultural


Nº 5 – Como a Cultura Pode Mudar a Cidade
A quinta Revista Observatório é resultado do seminário internacional
A Cultura pela Cidade – uma Nova Gestão Cultural da Cidade, orga-
nizado pelo Observatório Itaú Cultural. A proposta do seminário foi
promover a troca de experiências entre pesquisadores e gestores do
Brasil, da Espanha, do México, do Canadá, da Alemanha e da Escócia
que utilizaram a cultura como principal elemento revitalizador de suas
cidades. Nesta edição, além dos textos especialmente escritos para o
seminário, estão duas entrevistas para a reflexão sobre o uso da cultura
para o desenvolvimento social: uma com Alfons Martinell Sempere,
professor da Universidade de Girona, e outra com a professora Maria
Christina Barbosa de Almeida, então diretora da biblioteca da ECA/
USP e atual diretora da Biblioteca Mário de Andrade. A revista número
5 inaugura a seção de crítica literária, com um artigo sobre Henri Le-
febvre e algumas indicações bibliográficas. Encerrando a edição, um
texto sobre a implantação da Agenda 21 da Cultura.

Revista Observatório Itaú Cultural


Nº 4 – Reflexões sobre Indicadores Culturais
O que é um indicador, como definir os parâmetros de uma pesquisa,
como usar o indicador em pesquisas sobre cultura? A quarta Revista
Observatório trata desses assuntos por meio da exposição de vários
pesquisadores e do resumo dos seminários internacionais realizados
pelo Observatório no fim de 2007. No final da edição, um texto da ONU
sobre patrimônio cultural imaterial.
128 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL

Revista Observatório Itaú Cultural


Nº 3 – Valores para uma Política Cultural
A terceira edição da revista discute políticas para a cultura e relata a
experiência do Programa Rumos Itaú Cultural Pesquisa: Gestão Cul-
tural e dos seminários realizados nas regiões Norte e Nordeste do país
para a divulgação do edital do programa. A segunda parte desta edição
traz artigos que comentam casos específicos de cidades onde a política
cultural transformou a realidade da população, fala sobre o Observa-
tório de Indústrias Culturais de Buenos Aires e apresenta uma breve
discussão sobre economia da cultura.

Revista Observatório Itaú Cultural


Nº 2 – Mapeamento de Pesquisas sobre o Setor Cultural
O segundo número da revista é dividido em duas partes: a primeira trata
das atividades desenvolvidas pelo Observatório, como as pesquisas no
campo cultural e o Programa Rumos, e traz resenha do livro Cultura e
Economia – Problemas, Hipóteses, Pistas, de Paul Tolila. A segunda é
composta de diversos artigos sobre a área da cultura escritos por es-
pecialistas brasileiros e estrangeiros.

Revista Observatório Itaú Cultural


Nº 1 – Indicadores e Políticas Públicas para a Cultura
Esta revista inaugura as publicações do Observatório Itaú Cultural.
Criado em 2006 para pensar e promover a cultura no Brasil, o Observa-
tório realizou diversos seminários com esse intuito. O primeiro número
é resultado desses encontros. Os artigos discutem o que é um observató-
rio cultural, qual sua função, como formular e usar dados para a cultura
e as indústrias culturais. A edição também comenta experiências de
outros observatórios.
Esta revista utiliza as fontes Sentinel e Gotham
sobre o papel Pólen Bold 90g/m2. Os pantones 2273
e 2293 foram os escolhidos para esta edição.
Duas mil unidades foram impressas pela gráfica
Pancrom em São Paulo, no mês de julho do ano 2015.
Realização

/itaucultural itaucultural.org.br fone 11 2168 1777 atendimento@itaucultural.org.br


avenida paulista 149 são paulo sp 01311 000 [estação brigadeiro do metrô]

Você também pode gostar