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Principais desafios para as nações americanas na adoção de formas republicanas

que implicam em princípios como Cidadania e Participação


Gabriela Korman e Marcelo Melo

Os processos de independência americanos – processos, pois foram diferentes


entre si, embora abordemos aqui algumas de suas semelhanças – marcaram uma ruptura
com uma velha ordem; a mudança trouxe desafios a se pensar, principalmente em relação
às perspectivas para o futuro, justamente pela ideia da formação de Estados Nacionais,
que se coloca na primeira metade do século XIX.
A ruptura com Espanha e Portugal, ainda que não tenha transformado as
sociedades americanas em sociedades mais justas, é um marco político significativo
(PRADO & PELEGRINO, 2014); abre as portas para a discussão sobre desafios de
organização de um Estado, de que tipo de Estado se quer construir, do que significa a
democracia, os republicanismos, as monarquias.
Entre um dos principais desafios na adoção de formas republicanas de governo
nos Estados americanos - o que não ocorreu em todos os países da América, como o
próprio Brasil - havia de se pensar em organizar territórios, fronteiras, como seria o
sistema tributário, como seria a participação política e popular, qual o lugar do cidadão,
quem poderia participar desses processos; como seriam as eleições e qual o lugar da
escravidão, por exemplo. Em primeiro lugar, é importante salientar que, a partir da adoção
e da referência do republicanismo, existiu a possibilidade de diferentes republicanismos
(PRADO & PELEGRINO, 2014). Segundo Pelegrino (2015), a construção da ideia de
esfera pública constitui-se na França, para alguns historiadores, enquanto outros autores
demonstram que havia dinâmicas mais heterogêneas, anteriores ao século 18, não sendo
o republicanismo exclusivo da burguesia.
De qualquer forma, a implantação de um Estado Nacional Republicano era uma
marca da modernidade1. Nesse sentido, a República apresentava a possibilidade de
construção de uma organização social e política a partir de novas bases (PELEGRINO,
2015), com a constituição de uma sociedade civil que pudesse ter um espaço para o debate
público de ideias, pronunciar-se sobre a vida política e sobre sua representatividade.

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De acordo com Pelegrino (2015), importante frisar que a Monarquia não era o avesso da Modernidade ,
tendo como exemplo a França, país que serviu de base para o republicanismo de muitas nações americanas,
o que sustenta o argumento de que uma oscilação entre República e Monarquia foi presente nesse período.
Portanto, um dos principais desafios na adoção das formas republicanas que implicam em
princípios como cidadania e participação era pensar a construção de uma modernidade
política. Como salienta Pelegrino (2015), havia de se pensar na questão da construção de
uma civilização versus a barbárie (do colonialismo), representado pelo atraso econômico,
cultural, político, educacional; o desafio da construção de uma modernidade política era
conseguir libertar-se das ruínas da colonização e de sua mentalidade e caminhar em
direção à civilidade, em um olhar sempre baseado nos exemplos europeus, principalmente
a França2 como referência política e cultural e a Inglaterra como referência econômica.
Outro desafio que envolve os princípios de Cidadania e Participação é a questão
da identidade nacional, pensado pelos republicanos a partir do conceito de Nação, como
ressalta Octavio Ianni,

A Nação pode ser vista como uma configuração histórica, em


que se organizam, sintetizam e desenvolvem forças sociais,
atividades econômicas, arranjos políticos, produções culturais,
diversidades regionais, multiplicidades raciais. Tanto o hino, a
bandeira, o idioma, os heróis e os santos, como a moeda, o
mercado, o território e a população adquirem sentido no
contexto das relações e forças que configuram a Nação. A Nação
pode ser uma formação social em movimento; pode
desenvolver-se, transformar-se, romper-se. (IANNI, 1998, p.1)

Moldar uma identidade nacional, como categoriza Norbert Elias, implica em

Saber como e por que os indivíduos se percebem uns aos outros como
pertencentes a um mesmo grupo e se incluem mutuamente dentro das fronteiras
grupais que estabelecem ao dizer “nós”, enquanto, ao mesmo tempo, excluem
outros seres humanos a quem percebem como pertencentes a outro grupo e a
quem se referem coletivamente como “eles”. (ELIAS, Norbert e SCOTSON,
John L. (2000). Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
p. 37.)

Na América, esse discurso vai sendo elaborado pela elite – branca – que, tenta
olhar para a realidade, mas apresenta uma harmonia que não existe (a ideia de
miscigenação no Brasil, por exemplo), transformando a identidade nacional em uma
representação (PRADO & PELEGRINO, 2014) – o que sempre é a identidade nacional.
Sobre a identidade nacional, se lançam esforços de enquadramento (HOBSBAWN,
2012), de emolduramento estático, sustentados por fantasias, estórias coletivas, na
tentativa de gerar laços de pertencimento. No entanto, a identidade nacional é um

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A França não teve um papel passivo nesse processo (Pelegrino, 2015), pois trabalhou para ser a grande
referência republicana para a América Latina, principalmente, além de referência cultural, vide a construção
urbanística das cidades e os artigos de consumo apropriados.
elemento sempre em construção e reconstrução, objeto de disputas políticas, pois como
bem aponta Ianni (1988, p.35):
Talvez se possa afirmar que as revoluções burguesas
verificadas nos países latino-americanos não resolveram
satisfatoriamente alguns aspectos básicos da questão nacional.
Em quase todos os países, não se formou o povo, como
coletividade de cidadãos. O operário, camponês, empregado e
outras categorias, muitas vezes como índio, negro ou branco,
não ingressaram de forma ampla nos espaços da cidadania. As
diversidades e desigualdades sociais, raciais, regionais e
culturais, expressas em termos políticos econômicos, mostram
que a fisionomia da Nação burguesa pouco ou nada reflete da
cara do povo.

Pensando nisso, um dos principais problemas em relação à construção da


identidade nacional nas nações americanas se dá pela questão da escravidão. No Brasil,
damos uma ênfase muito grande para o tema a partir da metade do século XIX (PRADO,
2015). Mesmo com leis durante todo o século que visavam restringir o tráfico negreiro e
o número de escravizados, a Campanha Abolicionista consolida-se apenas no final dos
1800, com os nomes de Joaquim Nabuco, André Rebouças, entre outros que culminaram
na assinatura da Lei Áurea em 1888, ainda com forte oposição de inúmeros setores
sociais, como os cafeicultores paulistas, desgostosos diante a perda de sua principal força
de trabalho.
Por outro lado, na América de colonização espanhola, a mão de obra central não
é a mão de obra escrava africana, mas indígena, como aponta Prado (2015). O México,
por exemplo, durante o período colonial, foi um grande produtor de prata em propriedades
comunais indígenas, diferentemente do Brasil, focado no açúcar. A permanência das
comunidades mexicanas com o fim da colonização tornou-se um grande problema para
as elites, que buscavam mudanças, mas não estavam dispostas a renunciar a certos
privilégios, assim como a questão da escravidão no Brasil.
Referências:

ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar, 2000.

HOBSBAWN, Eric. Nações e Nacionalismo de 1780: Programa, Mito e Realidade. São


Paulo: Paz e Terra, 2012.

IANNI, Octavio. A questão nacional na América Latina. Estudos Avançados [online].


1988, v. 2, n. 1 [Acessado 13 Junho 2022], pp. 5-40. Disponível em:
<https://doi.org/10.1590/S0103-40141988000100003>

PRADO, Maria Ligia & PELEGRINO, Gabriela. PRADO, Maria Lígia. “O horizonte
republicano nos Estados Nacionais em Formação”. In: História da América Latina.
Contexto, 2014, p. 43-56.

PRADO, Maria Ligia. História: Século XIX na América Latina - Maria Lígia Prado. Youtube,
26 out. 2015. Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=XxFAMK3gIVw> Acesso
em: 13 jun. 2022

PELEGRINO, Gabriela. História: A modernidade na América Latina. Youtube, 19 nov.


2015. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=bdQ47j_-E6k> Acesso em:
13 jun. 2022.

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