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IGUALDADE RACIAL

NAS ESCOLAS

FASCÍCULO N° 03
RESISTÊNCIAS NEGRAS,
POLÍTICA ANTIRRACISTA,IDENTIDADE
E CULTURA AFRO-BRASILEIRA
Presidência da República Igualdade Racial nas Escolas

Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Autores


Márcio André de Oliveira e
Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Jucelia Bispo dos Santos
Igualdade Racial
Projeto Gráfico /Programador Visual
Departamento de Políticas Étnico-Raciais Kallyl Welton Pinheiro Barroso

Coordenação-Geral de Políticas Étnico-Raciais Designer instrucional EAD


Danyelle de Lima Teixeira
Universidade da Integração Internacional da
Lusofonia Afro-Brasileira Revisão EaD
Idalina Freitas
Coordenação Geral
Antonio Manoel Ribeiro Almeida Revisão Gramatical
Lavínia Rodrigues de Jesus
Coordenação Técnica
Segone Nadangalila Cossa

Coordenação Pedagógica
Ricardo Ossagô de Carvalho

Coordenação Audiovisual
Emmanuel Nogueira Ribeiro
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO...........................................................................................................................................4

UNIDADE 1: ASSOCIATIVISMO E RESISTÊNCIAS NEGRAS NO CONTEXTO DA FORMAÇÃO


HISTÓRICA BRASILERA...............................................................................................................................5
TÓPICO 1: RESISTÊNCIAS NEGRAS CONTRA O COLONIALISMO PORTUGUÊS.........................................5
TÓPICO 2: ASSOCIATIVISMO NEGRO DO FINAL DO SÉCULO 19: AS IRMANDADES RELIGIOSAS
NEGRAS; ASSOCIAÇÕES BENEFICENTES; CLUBES ASSOCIATIVOS NEGROS...........................................6

UNIDADE 2: MOVIMENTOS NEGROS E AÇÃO COLETIVA NEGRA NA LUTA CONTRA O RACISMO


ESTRUTURAL E INSTITUCIONAL E NA PROMOÇÃO DE POLÍTICAS ANTIRRACISTAS...........................7
TÓPICO 1: O QUE É MOVIMENTO NEGRO E QUAL SUA IMPORTÂNCIA?...................................................7
TÓPICO 2: A ORGANIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS NEGROS CONTRA O RACISMO NAS PRIMEIRAS
DÉCADAS DO SÉCULO 20..............................................................................................................................8
TÓPICO 3: “AQUI NÃO TEMOS RACISMO”: A LUTA CONTRA A IDEOLOGIA DA MESTIÇAGEM E O “MITO
DA DEMOCRACIA RACIAL”..........................................................................................................................10

UNIDADE 3: A QUESTÃO DO RACIAL NO BRASIL E REFLEXÕES EM TORNO DA CONSTRUÇÃO DE


NOVAS PROPOSTAS CURRICULARES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA.......................................................11
TÓPICO 1: O SURGIMENTO DA LEI 10.639/03..............................................................................................11
TÓPICO 2: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA NO BRASIL...................13
TÓPICO 3: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PARA QUILOMBOLAS NO BRASIL.....................14

REFERÊNCIAS .............................................................................................................................................16
APRESENTAÇÃO
Prezado/a cursista:

As re�lexões que apontamos aqui permitem vislumbrar os modos pelos quais as populações negras no Brasil têm resisti-
do e lutado contra o racismo. De maneira panorâmica, vamos percorrer tópicos que discutem desde as rebeliões de
escravizados africanos e negros brasileiros, passando pela formação de irmandades religiosas, as resistências quilombo-
las, imprensa negra e clubes associativos até as atuais organizações que constituem os movimentos negros e formu-
lações de políticas públicas em prol da igualdade racial. A ideia é sublinhar criticamente que no longo e complexo proces-
so de formação da sociedade brasileira, determinados grupos foram negativamente racializados e sistematicamente
excluídos de uma efetiva participação cidadã. Em termos práticos, isso significa dizer que populações negras, indígenas
e povos tradicionais concentram os piores índices sociais e econômicos se comparados com a população branca.

Portanto, neste módulo, vocês terão acesso a um conjunto de temáticas no campo dos estudos sobre relações raciais
importantes para compreender as mudanças sofridas nas últimas décadas na sociedade brasileira. Esperamos que ao
final deste módulo, vocês possam ter tido um panorama geral sobre o associativismo negro e as resistências negras no
Brasil, potencializado o debate entre educadores para tais questões.

Objetivos do Módulo:
- Compreender as principais experiências e resistências negras nos últimos séculos;

- Analisar criticamente as práticas alternativas das populações negras contra o racismo;

- Conhecer protagonismos negros no campo cultural e político.

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UNIDADE 1 | CONTEXTO
ASSOCIATIVISMO E RESISTÊNCIAS NEGRAS NO
DA FORMAÇÃO HISTÓICA BRASILEIRA
Ao longo desta unidade, pretende-se discutir o associativismo e as resistências negras na história da sociedade brasileira e
apontar para a relevância destas temáticas para as lutas por igualdade racial na atualidade.

TÓPICO 1 | RESISTÊNCIAS NEGRAS CONTRA O COLONIALISMO PORTUGUÊS


A partir da nossa re�lexão sobre o lugar privilegiado dos povos europeus na formação da sociedade brasileira, podemos
assim indagar: o que justifica esse lugar de CENTRO, por isso EUROCENTRISMO? Trata-se de uma escolha que tomou por
critério o processo civilizatório ocidental, considerado universal, por isso tomado como parâmetro para entender os
rumos da humanidade em todo o mundo. Isso repercutiu em diferentes áreas, em especial no processo educativo.

Sabemos que toda tentativa de escravização contra os povos negros teve como resposta imediata tentativas de revolta,
resistência e rebelião. No Brasil, durante a época colonial tivemos importantes rebeliões de escravizados nascidos no
continente africano e de negros brasileiros.

A escravidão negro-africana foi um sistema social, econômico e político extremamente violento e desumanizador.
Milhares de mulheres e homens africanos foram retirados à força de suas terras por traficantes de escravos europeus e
transportados para as Américas, Ásia, Europa e Oriente Médio. Esse processo levou séculos para terminar e desestru-
turou centenas de comunidades e sociedades africanas.

Antes da chegada dos primeiros traficantes de escravos europeus, o continente já tinha uma dinâmica social e política
marcada por contradições e ambiguidades. Con�litos e guerras por territórios, bens e outras riquezas eram relativa-
mente comuns em toda região, inclusive havia sistemas endógenos de servidão e escravidão entre os diferentes povos e
grupos étnicos africanos, do mesmo modo que em outras partes do mundo antigo, sobretudo na Europa. No entanto, a
entrada das potências europeias no tráfico e comercialização de pessoas no continente fez toda a diferença. Aproveitan-
do-se de con�litos e rivalidades previamente existentes e do poderio bélico e financeiro, aportaram centenas de navios
destinados a arrancar pela força famílias e comunidades inteiras do continente rumo às plantações de cana de açúcar,
café e fumo nas Américas. Calcula-se que entre os séculos 16 e 19 cerca de 4,86 milhões de africanos e africanas foram
desembarcados no Brasil.

Enquanto o tráfico trans-


atlântico de escravizados
enriquecia os traficantes
e gerava um montante
expressivo de riqueza
Saiba para os seus países de
origem, as sociedades
Mais
africanas eram sistemati-
camente pilhadas,
saqueadas e desorgani-
zadas pelas potências
europeias.

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ASSOCIATIVISMO NEGRO DO FINAL DO SÉCULO 19:
TÓPICO 2 AS IRMANDADES RELIGIOSAS NEGRAS; ASSOCIAÇÕES
BENEFICENTES; CLUBES ASSOCIATIVOS NEGROS
A abolição da escravidão no Brasil, em 1888, não significou mudança alguma para a imensa parte da população negra, já
que não veio acompanhada de políticas de inclusão social por parte das elites. Essa imensa massa de marginalizados
continuou a ser tratada com o mesmo desprezo racista e discriminatório de antes, independentemente da região em que
se encontravam.

O período pós-abolição das décadas finais do século 19 e início do século 20 foram marcados por transformações políticas
e sociais significativas e que afetariam a população negra de diferentes maneiras. Enquanto boa parte dessa população
lutava arduamente para sobreviver às péssimas condições sociais ao qual era submetida, as elites brancas de todo o país
travavam uma série de debates em torno da ideia de construção da nacionalidade. Qual o projeto de nação que defen-
diam e sonhavam? Neste projeto nacional, todos os grupos étnico-raciais cabiam ou não? A resposta é que para boa parte
desta elite de ex-escravocratas e inspirados pelos padrões civilizatórios europeus, uma “nação moderna” significava
basicamente um país ocupado por pessoas brancas ou, pelo menos, racial e culturalmente embranquecidas. Os descen-
dentes dos antigos escravizados africanos e dos povos indígenas eram explicitamente designados como indesejáveis
neste projeto de nação. No lugar desses, havia uma ferrenha defesa da importação em massa de trabalhadores europeus
brancos para ocupar os postos de trabalho no campo e na cidade que “pretos, pardos e mestiços” desempenhavam até
então. Com recursos financeiros generosos tanto por parte do Estado brasileiro quanto de fazendeiros particulares,
milhares de europeus vindos de países como Itália, Espanha, Portugal, Suíça, Alemanha e Polônia aportaram no Brasil
para trabalhar na produção agrícola e nas indústrias das principais cidades da época.
Esta política de embranquecimento
Pós-abolição se refere tanto ao período posterior a
racial foi in�luente até meados dos
abolição formal da escravidão em 1888 quanto a um
anos de 1930 no Brasil. Até os dias
campo de estudos históricos envolvendo as complexas
atuais, os efeitos desse processo se dinâmicas sociais, políticas, institucionais e culturais que
fazem sentir no imaginário social tenham como centralidade as experiências negras. A
brasileiro que continua a valorizar as população negra, apesar da liberdade formal, em termos
matrizes branco-européias de nossa práticos não gozava de condições mínimas de cidadania.
formação nacional em detrimento das Saiba Pelo contrário, continuaram a amargar condições muito
in�luências negro-africanas e indíge- Mais desfavoráveis de sobrevivência durante várias décadas
nas. após a abolição. Historiadores/as têm sublinhado que as
elites governantes daquele período não se comprometeram
Para reagir às inúmeras manifestações devidamente com a construção de políticas públicas de
de práticas racistas, a população negra inserção das populações negras na vida social, diferente-
mente do tratamento recebido por imigrantes europeus
foi obrigada a desenvolver estratégias
brancos que receberam estímulo e apoio financeiro públi-
nos mais diferentes espaços de
co e privado.
atuação.
Irmandades religiosas negras tiveram um papel importante de agremiação deste segmento populacional, já que em
muitas igrejas não podiam entrar ou eram explicitamente tratados de maneira inferiorizante.

Em cidades como Rio de Janeiro, Campinas, São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Recife, Belo Horizonte, dentre outras,
geralmente os clubes associativos de descendentes de portugueses, espanhóis ou italianos praticavam formas abertas
ou sutis de racismo contra pessoas negras e/ou mestiças. Frente a esse racismo, grupos de pessoas negras criaram clubes
sociais específicos em que pudessem confraternizar e realizar festas livres do peso da discriminação racial.

Somadas com as rebeliões de escravizados no período anterior a abolição, as variadas experiências associativas negras
do final do século 19 e início do século 20 foram importantes aprendizados para o que depois passou a ser designado
como movimentos negros, sobretudo a partir da década de 1930 do século 20.

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MOVIMENTOS NEGROS E AÇÃO COLETIVA NEGRA NA LUTA
UNIDADE 2 CONTRA O RACISMO ESTRUTURAL E INSTITUCIONAL E NA
PROMOÇÃO DE POLÍTICAS ANTIRRACISTAS
Nesta unidade vamos estudar a atuação política dos movimentos negros e analisar de que maneira essa militância tem
conseguido pautar o debate nacional no combate ao racismo e as desigualdades raciais.

TÓPICO 1 | O QUE É MOVIMENTO NEGRO E QUAL SUA IMPORTÂNCIA?


Conforme visto acima, a sociedade brasileira sempre foi marcada por práticas racistas e discriminatórias contra as pessoas
negras, indígenas e de outras minorias étnico-raciais. Desde o final do século 19 e início do século 20, um importante
associativismo negro foi se formando nas principais cidades do país. No geral, esse associativismo negro se caracterizava
pela reunião de pessoas negras em espaços comunitários, religiosos, de entretenimento e outros espaços sociais privados,
direta ou indiretamente, pelo racismo antinegro existente naquele momento.

O associativismo negro e, consequentemente, a ação coletiva negra, foram as bases do que nos dias de hoje chamamos
de movimentos negros.

Movimentos negros são conjuntos de organizações, entidades, grupos e coletivos negros que atuam contra o racismo na
sociedade, incluindo também as esferas governamentais. Inclui organizações de diferentes tipos e modos de atuação,
incluindo-se aí as organizações negras de cunho político, cultural, associativo, religioso, literário, acadêmico, etc, constituí-
do e liderado majoritariamente por pessoas negras (pretas e pardas). Por in�luência dos movimentos negros, uma série de
organizações não-governamentais (ONGs), fundações e entidades civis passaram a incorporar em seus programas de ação
as pautas antirracistas.

Os movimentos negros são caracterizados pelo pluralismo de ideias e diversidade de ação no espaço público. Nas últimas
décadas, tem-se visto uma ampliação de parcerias dos movimentos negros brasileiros com organizações negras de outros
países das Américas.

Fotografia
Ato público na Cinelândia, Rio de Janeiro, em
1983. Lélia Gonzalez discursa pelo Movimento
Negro Unificado (MNU) (Foto: Januário Garcia)

Saiba
Mais

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TÓPICO 2 | A ORGANIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS NEGROS CONTRA
O RACISMO NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO 20

As primeiras organizações negras que irão compor o movimento negro moderno surgem nas décadas iniciais do século 20.
Entre as décadas de 30 e 40, surgem organizações como a União dos Homens de Cor, a Frente Negra Brasileira, o Teatro
Experimental do Negro, dentre outras, que se caracterizam por uma postura de atuação política contra o racismo e a
discriminação racial e por ações propositivas no campo da educação, das artes e do mundo do trabalho. Pesquisas acadêmi-
cas recentes têm destacado o papel que essas organizações exerciam em seus espaços de atuação.

Esse incipiente movimento negro desenvolveu uma série de atividades educativas, teatrais, de socialização e qualifi-
cação profissional direcionadas para o público negro das mais diferentes cidades. Nas primeiras décadas do século 20, o
nível de marginalização social e pobreza da população negra era expressivo. O período conhecido como pós-abolição não
se traduziu em políticas públicas de integração da população negra na emergente sociedade de classes. Pelo contrário, o
que se observava era a manutenção das condições sociais e econômicas semelhantes aos anos da escravização. Superar
essa situação de pobreza extrema dependia basicamente da ajuda e apoio encontrado no próprio grupo de origem.
Como toda regra tem suas exceções, algumas poucas pessoas negras conseguiam empreender negócios ou estudar um
tempo maior que a média.

Fotografia
Fotografia
Duas cofundadoras do grupo: Arinda Serafim e Marina
Biblioteca Nacional / BBC News Brasil
Gonçalves, ensaiando o papel da “velha nativa” em O impera-
dor Jones (Foto: José Medeiros)

A educação pública do Brasil do início do século 20 era precária para todos os segmentos e grupos sociais. Somente os
membros das elites agrárias e econômicas gozavam de níveis medianos de instrução quando comparados com o resto da
população. No entanto, a situação educacional era ainda pior para a população negra. Mais de 80% desta população não
sabia ler nem escrever.

Apesar do baixo letramento dessa população, resultado direto do racismo e da exclusão social existente, uma imprensa
negra digna de nota se desenvolveu. Jornais como A Voz da Raça, Alvorada, O Novo Horizonte, Senzala, União, Redenção, Cruzada
Cultural, Notícias de Ébano, Níger, O Mutirão, A Voz da Negritude, A Liberdade tematizavam os problemas e as questões que
afetavam a comunidade negra. Os assuntos abordados nessa imprensa eram os mais diversos: dicas de receitas culinárias,
divulgação literária, informações sobre eventos locais até denúncias de “preconceito de côr” (termo que se usava na época)
e análises políticas da situação do país.

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Dica de leitura

Dica de filme
CULTNE - Histórias
do Pós-Abolição

https:/ pib.socioambiental.org/pt/Quadro_Geral_dos_Povos
A Imprensa Negra pode ser definida como um conjunto de jornais impressos, periódicos,
tablóides, revistas, websites, blogues e plataformas digitais que têm desempenhado um impor-
tante papel na organização política, social e cultural da população negra brasileira. Os primeiros
jornais surgiram antes mesmo da abolição da escravidão e a partir do final do século 19 ganha-
Saiba ram maior proeminência, apesar do caráter efêmero de sua maior parte. Temáticas como litera-
Mais tura, cursos de formação profissional, ofertas de emprego, eventos festivos, preenchiam as
páginas desta imprensa do mesmo modo que protestos contra o que chamavam de “preconceito
de cor”. Nos dias atuais, a imprensa negra se reinventa das mais diferentes maneiras. Portais e
páginas na internet, blogues especializados, canais no youtube e outras redes sociais tem se
dedicado exclusivamente em tematizar as questões referentes às populações negras.

Imagem
Exemplos de jornais da imprensa negra.
Domínio Público

Dica de leitura
sobre imprensa negra:

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TÓPICO 3 | “AQUI NÃO TEMOS RACISMO”: A LUTA CONTRA A IDEOLOGIA
DA MESTIÇAGEM E O “MITO DA DEMOCRACIA RACIAL” https:/ pib.socioambiental.org/pt/Quadro_Geral_dos_Povos
Após o declínio das teorias racistas oriundas da Europa, novas leituras sobre a formação do povo brasileiro ganharam
terreno nos meios mais intelectualizados. A Segunda Guerra Mundial e a nefasta experiência do nazismo alemão, que
perseguiu e matou centenas de milhares de judeus, ciganos e outras minorias étnicas, religiosas e políticas na Europa,
transformou qualquer tentativa de defesa da superioridade racial no mundo moderno em elemento danoso para a
convivência humana.

Dessa maneira, ao invés da afirmação da “raça branca” em detrimento das demais “raças”, surge entre nós no Brasil a
valorização da mestiçagem interracial. As elites intelectuais e políticas partem em defesa do “mestiço”, que não é nem
totalmente branco, nem totalmente negro e, tampouco, indígena. O mestiço seria o resultado ao mesmo tempo biológi-
co e cultural dessas três matrizes fundantes do povo brasileiro. O livro Casa Grande e Senzala, publicado em 1933 pelo
sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, foi uma das principais obras a defender o caráter profundamente mestiço da
nossa população. Os críticos da obra de Gilberto Freyre sublinham o tom romântico nas narrativas do autor quando
descreve as relações entre os colonizadores portugueses e as mulheres negras e indígenas, pautadas fundamentalmente
pela violência sexual e pelo estupro. Abdias do Nascimento, na obra O Negro Revoltado, faz duras críticas a essa construção
freyriana das relações raciais no Brasil. Outras tantas obras literárias e ditas científicas defendiam a mestiçagem como
um dos principais elementos da identidade nacional.

Dica
de leitura

A obra a "Redenção de Cam" de Modesto Brocos ilustra esteticamente ideia


Saiba
chave do branqueamento posto em prática no Brasil.
Mais Veja
ht ps:/ www.edusp.com.bar/mais/aanálise
-tela-a-redencao-de-cam-e-a-tese-do-braqui.
anqueamento-no-brasil/

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O pano de fundo histórico de condenação mundial ao nazismo e sua defesa da supremacia racial ariana contra as demais
raças, somado com a valorização da mestiçagem possibilitou o fortalecimento do que se passou a chamar de “mito da
democracia racial”.

O “mito da democracia racial” é na verdade um conjunto de argumentos, narrativas e justificações de negação da


existência do racismo e da discriminação racial na sociedade brasileira. Desde fins do século 19, tem-se registros de uma
celebração da brasilidade como sinônimo de integração e incorporação dos “diferentes” no seio nacional. Preconceito,
intolerância religiosa, racismo eram coisas que se viam em outros países, mas no Brasil, não.

Esse mito e ideologia foram tão poderosos e convincentes que se espalharam por todas as instituições sociais e políticas
brasileiras. Florestan Fernandes, sociólogo paulista e um dos principais pesquisadores das relações raciais no Brasil, dizia
que o “brasileiro tem preconceito de ter preconceito”, já que não admitia o fato de se comportar por valores racistas no
dia a dia. Nosso imaginário social, ou seja, a maneira como imaginamos a nós mesmos, passou a ser moldado pela ideia
de que ser brasileiro/a significava automaticamente ser cego a cor da pele e mais tolerante às características culturais do
outro. Entretanto, em termos práticos, a realidade era completamente diferente.

E hoje em dia, ainda somos marcados pelo “mito da democracia racial”? No geral, não mais. Os movimentos negros e as
produções acadêmicas que atestam a existência das desigualdades raciais e do racismo estrutural ajudaram a enfra-
quecer significativamente a força discursiva desse mito. Porém, a ideia-força de que vivemos em uma democracia racial,
em um país sem racismo, voltou a ser estimulada por segmentos conservadores nos governos e na sociedade civil.

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A QUESTÃO DO RACIAL NO BRASIL E REFLEXÕES EM TORNO
UNIDADE 3 DA CONSTRUÇÃO DE NOVAS PROPOSTAS CURRICULARES
PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA

Nesta última unidade, pretendemos abordar a questão racial no Brasil e re�lexões em torno da construção de novas
propostas curriculares para a Educação Básica. Vamos analisar como surgiu a Lei 10.639/03 e como essa nova proposta
curricular se legitimou na educação brasileira.

TÓPICO 1 | O SURGIMENTO DA LEI 10.639/03


O que mudou na educação brasileira depois da criação da Lei 10.639/03? Essa lei alterou a LDB (Lei de Diretrizes e Bases,
1996) e tornou obrigatória a inclusão de temas relacionados à História da África e a cultura e história afro-brasileira no
currículo escolar de todos os níveis de ensino da rede privada e pública. A partir da nova norma, as escolas brasileiras têm
a missão de promover a divulgação e a valorização do legado cultural africano e da cultura afro-brasileira.

Quais foram as primeiras medidas adotadas pelo Ministério da Educação para que a Lei 10.639/03 fosse implementada
de modo mais sistemático nas escolas brasileiras? Em 2004, foi aprovado pelo Conselho Nacional de Educação, o Parecer
CNE/CP 3/2004, que criou diretrizes curriculares do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana para a
educação básica e entendeu este projeto para o ensino superior também. O que diz essa norma criada pelo Conselho
Nacional de Educação?

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Atender os propósitos expressos na indicação CNE/CP6/2002, bem como regulamentar a alteração trazida à
Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pela Lei 10.639/2000[...]. Desta forma, busca cumprir
o estabelecido na Constituição Federal nos seus Art.5º, I, Art.210. Art.206, I,§ 1°do Art.242, Art.215 e Art.216, bem
como nos Art. 26,26ª e 79 B na Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que asseguram o
direito à igualdade de condições de vida e de cidadania , assim como garantem igual direito às histórias e
culturas que compõem a nação brasileira, além do direito de acesso às diferentes fontes da cultura nacional a
todos brasileiros (BRASIL, 2005, p. 9).

Através da divulgação do parecer CNE/CP 6/2002, a lei 10.639/03 tornou-se mais ampla, e assim criou subsídios
necessários para a implementação efetiva do ensino sobre aspectos da história e sociedades africanas na educação
básica e para o ensino superior.

A Lei Federal 10.639/03 se apresenta como uma conquista dos movimentos negros e educadores/as antirracistas e um
desafio tendo em vista a conjuntura social brasileira, marcada por clivagens de discriminação histórica para com os
africanos e afrodescendentes, além da sistemática desvalorização da cultura africana e afro-brasileira. Qual é o principal
desafio enfrentado no processo de efetivação da Lei Federal 10639/03? A Lei Federal citada obriga a escola a trabalhar
temáticas africanas e afro-brasileiras, o que re�lete a realidade do Brasil. O ensino brasileiro, durante séculos, foi
construído sob bases eurocêntricas e ainda na atualidade representa grande in�luência europeia. Atualmente, a escola
tem a missão de construir uma educação antirracista, mais democrática e respeitosa para com os direitos humanos e de
fomentar a partir dos conteúdos produzidos na sala de aula uma construção de representações positivas sobre as lutas e
história da população negra.

Lei 10639/03, o que ela diz e qual a sua importância?

Com a aprovação da Lei 10.639, sancionada em 09 de janeiro de 2003, tornou-se obrigatório, no ensino funda-
mental e médio, o ensino sobre História e Cultura afro-brasileira e africana. O que mudou na organização
curricular da educação básica? Com a aprovação da 10.639/03, o conteúdo programático da educação básica
(ensino fundamental e médio) passou a incluir o estudo da História da África e dos Africanos e a cultura negra
brasileira. A lei 10.639/03 não criou novas disciplinas no currículo escolar, mas gerou um tema transversal que
deve ser incluído nas diversas áreas do conhecimento através do método de ensino que valoriza a interdisci-
plinaridade.

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TÓPICO 2 | DE
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS
AÇÃO AFIRMATIVA NO BRASIL

Neste tópico, iremos analisar como aconteceu a institucionalização das Políticas de Ação Afirmativa no Brasil e quais
foram as mudanças que essa nova proposta curricular consolidou na educação brasileira.

O que são Políticas de Ação Afirmativa? Como surgiram? Inicialmente, essas políticas surgiram nos Estados
Unidos, mais especificamente na década de 60 do século XX. Depois de inúmeros protestos feitos pelo movi-
mento negro dos Estados Unidos (também chamado de movimento pelos direitos civis), as políticas de ação
afirmativa começaram a ser implementadas na gestão do presidente John Kennedy com o objetivo de reduzir
as históricas desigualdades raciais entre negros e brancos e também de atuar na promoção da diversidade
social. No contexto brasileiro, a institucionalização das Políticas de Ação Afirmativa aproxima-se das questões
que se estabelecem entre o discurso da diferença cultural e o discurso da desigualdade social (temas que estão
inseridos na agenda de reivindicação do movimento negro).

A efetivação da institucionalização das Políticas de Ação Afirmativa no Brasil ocorreu a partir da década de 2000. Na
perspectiva de promover mudanças efetivas no processo de garantia de direitos da população negra e assim atender às
expectativas dos movimentos sociais vinculados a essas comunidades, o governo Lula criou no dia 21 de março de 2003 a
Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). Nesse período, foram desenvolvidas ações
afirmativas para a população negra, especialmente no acesso ao ensino superior, visando reduzir as desigualdades
raciais e os efeitos do racismo estrutural ao longo da formação brasileira. Dentre as metas de ações afirmativas
efetivadas para a população negra destacam-se (BRASIL, 2003): o Estatuto da Igualdade Racial; a Lei de Cotas no Ensino
Superior; as Leis 10.639/03 e 11.645/08; a Lei 12.990 que instituiu a reserva de 20% das vagas no serviço público federal
para a população negra.

Quais foram os principais objetivos desse projeto de institucionalização das Políticas de Ação Afirmativa criado no Brasil,
a partir dos anos 2000? No contexto brasileiro, a criação de políticas está associada aos discursos que tentavam criar uma
imagem de governo democrático, justo e legítimo, através da ampla participação da população em suas instâncias repre-
sentativas. Esse projeto de gestão de políticas públicas tinha por principal objetivo a construção de uma sociedade justa
e solidária, sem preconceito de cor, raça, religião e sexo, abolindo todas as formas de discriminação, segundo os artigos 1º
e 3º, da Constituição Federal.

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TÓPICO 3 | PARA
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS
QUILOMBOLAS NO BRASIL

Nos dias atuais, é comum ouvir a expressão quilombolas, ou remanescentes de quilombo, mas você sabe como essas
terminações surgiram e como são utilizadas atualmente? Essas terminações possuem uma conotação que está marcada
a partir de diversos contextos e por múltiplas análises. Falar dos quilombos e dos quilombolas no atual contexto é,
portanto, falar de uma luta política e, consequentemente, uma re�lexão científica em processo de construção e que
passou por várias adaptações.

O termo quilombo surgiu oficialmente no Brasil na constituição do século XVIII, quando, em 1740, o Conselho Ultramari-
no valeu-se da seguinte definição, de que quilombo era: “toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte
despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões nele”. Pelos tradicionais livros de história, a ideia
de quilombos está associada à reunião de escravizados fugidos que resistiam às tentativas de captura ou morte. Este
exemplo poderia ser compreendido na identificação de grupos de fugitivos que viviam na estrada à custa de assaltos às
fazendas ou mesmo aos passantes, ou seja, uma espécie de grupo nômade de economia predatória até uma organização
complexa (num território organizado).

A partir do final do século XX, o conceito de quilombo recebeu novos significados. Esse novo conceito de quilombo foi
organizado em torno das demandas por reconhecimento e redistribuição de terras das comunidades negras brasileiras,
especialmente aquelas que estavam no espaço rural. Como surgiu o termo remanescente de quilombo? Esse conceito
surgiu no Brasil depois da produção da Constituição de 1988. O texto constitucional entendeu o conceito de quilombo
como uma categoria histórica atemporal, por isso estabeleceu uma relação direta entre a ideia de quilombo e a organi-
zação do território étnico. Dessa forma, o direito constitucional brasileiro determinou a revisão do conceito clássico de
quilombos, uma vez que compreende o quilombola não necessariamente, como descendente de escravizados que
fugiam e se embrenhavam nas matas antes do fim da abolição. Assim, considera-se a hipótese de formação de comuni-
dades quilombolas num período pós-abolição.

Como o Estado brasileiro se apropriou da perspectiva de efetivação da Constituição de 1988 para reconhecer os rema-
nescentes de quilombos? Após a Constituição de 1988, o Estado brasileiro passou a ter a obrigação de catalogar e identifi-
car as comunidades quilombolas, onde se localizam, quantos moradores possuem, como vivem e quais dificuldades
fundiárias encaram. Desse modo, foi articulada uma luta empreendida entre ativistas, movimentos sociais, membros de
organizações não governamentais, bem como intelectuais empenhados na transformação social progressista. Esse
movimento tem promovido a visibilidade desses grupos, até então desconhecidos da sociedade e ignorados pelo poder
público. Como frutos dessa luta, podem-se citar: a construção de um arcabouço de leis e normas; o estabelecimento de
políticas públicas e programas governamentais dirigidos aos quilombolas; além de uma centena de titulações. A partir
de 20 de novembro de 2003, foi outorgado o Decreto 4.887/03, que trata do procedimento de demarcação, reconheci-
mento, delimitação e titulação das terras quilombolas.

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Linha de tempo das políticas para quilombolas no Brasil

Na Constituição de Na década de 1990 houve Entre os anos de Em 2003 foi criado o Em 2012 foi criada a
1988 nasce o termo o reconhecimento e a 2000 e 2001 foi Decreto n.º 4.887, resolução Nº 8, que
remanescente de demarcação de publicado o que regulamenta a define as Diretrizes
quilombo. No território quilombola Decreto n.º titulação das terras Curriculares Nacionais
mesmo ano foi eram feitos através das 3912/2001, a fim de ocupadas por para a Educação Escolar
criada a Fundação orientações dos laudos regulamentar as remanescentes das Quilombola na
Cultural Palmares. antropológicos. terras por eles comunidades dos Educação Básica.
ocupadas. quilombos.

Essa nova legislação considerou o critério de autodefinição no processo de reconhecimento das comunidades quilombo-
las. Assim, consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos (ou quilombolas) os grupos étnicos raciais,
segundo critérios de autoatribuição, com trajetória própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção
de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.

Saiba mais sobre a trajetória dos quilombolas no Brasil acessando as seguintes obras:
Indicação de leitura:
Devir quilomba e a feminização do conceito de quilombo no Brasil - Geledés
Saiba htps:Acesse
/w .gelds.orgb/devir-quilomba-e feminzaco-d coneito-dequilombo-n brasil/#:~tex=Devir%2C 0coneaqui
ito%20filos%C3 Bfico%20que%20presup%C3 B5e,quilombolas%20na%20luta%20pela%20tera.
Mais
Sugestão de documentário:
Memórias do Cativeiro (2005, legendas em português)
htAcesse
tps:/ www.youtube.com/watcaqui
h?v=JEw4k8Wpofw

Possibilidades pedagógicas
A intenção deste documento é a de subsidiar o trabalho dos (as) agentes pedagógicos (as) escolares na construção de

uma pedagogia antirracista. Para tal, desejamos apresentar orientações didático-pedagógicas em relação à inserção

dos temas trabalhados neste módulo no Ensino Fundamental.

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Temas que podem ser trabalhados da sala de aula:
Racismo como uma questão atual e não parte de um passado histórico isolado, o qual está presente em nosso cotidia-

no; Comparação entre diferentes imagens de representações racistas presentes nos livros didáticos (especialmente da

área de história); História de luta do movimento negro no Brasil; Políticas de Ação Afirmativa no Brasil.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Quilombos: sematologia face as novas identidades. In: Frechal: Terra de Preto -
Quilombo reconhecido como Reserva Extrativista. São Luís:

BRASÍLIA, Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das relações Étnico-raci-
ais e para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, DF, CNE, 2004.

DOMINGUES, Petrônio J. Uma História Não Contada: negro, racismo e branqueamento em São Paulo no pós-abolição.
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GOMES, F. S.: "Quilombos do Rio de Janeiro do Século XIX", In: REIS, J. J. & GOMES, F. S. (orgs.): Liberdade Por um Fio.
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