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Africanidades Brasileiras e Preconceito

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por
sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas
precisam aprender; e, se podem aprender a odiar, podem ser
ensinadas a amar.”
Nelson Mandela

Descrição

Apresentar e problematizar com os alunos a participação da população negra (africanos e


descendentes) na construção de nosso país e de suas referências de nacionalidade, ao longo
da história. Da mesma maneira, debater os temas relativos às relações raciais e à diferentes
formas de preconceito derivados da diversidade racial e cultural, além do histórico de
resistência e luta pela cidadania dos brasileiros afro-descendentes.

Objetivos

Trabalhar conteúdos relacionados à história da África e à história cultural do Brasil, com ênfase
na participação negra na formação da nossa cultura. Desmistificar o etnocentrismo que criou o
mito da inferioridade cultural do negros e debater os temas ligado ao preconceito e às
desigualdades como fatores impeditivos do desenvolvimento da cidadania plena.

Justificativa

São dois os pressupostos deste trabalho. Em primeiro lugar, a ideia de que a desqualificação
social não é fruto de acasos, como pode parecer nas campanhas de determinados veículos de
comunicação de massas e ong’s, mas resultado de estratégias e políticas deliberadas,
destinadas à perpetuação das desigualdades. Essas estratégias e políticas se expressam tanto
na economia e nas políticas públicas quanto na esfera da cultura. O segundo pressuposto é o
de que a intolerância étnico-racial faze parte daquelas estratégias e políticas acima referidas.

Quando falamos em relações étnico-raciais no Brasil devemos ter sempre em mente que, aqui
em nosso país, há um Cruzamento das questões de classe, de cor e étnico-culturais. Isso
porque, após séculos de escravidão as classes dominantes continuaram a negar o status de
cidadão pleno aos descendentes de escravos, negros ou mulatos.
Para manter a posição de subordinação do povo brasileiro, uma das estratégias utilizadas foi a
de negar suas identidades, dificultando, dessa forma, a criação de laços de solidariedade,
apostando na divisão. Para isso, recorreu-se à desvalorização dos diferentes elementos da
cultura de origem africana, especialmente as religiões afro-brasileiras. Esse recurso, que
Bourdieu chama de “violência simbólica” consiste em justificar a dominação aos olhos dos
próprios dominados convencendo-os da superioridade cultural dos dominadores, através da
depreciação da cultura dos “de baixo”. Assim, a única forma de ascender na escala
civilizacional seria abrir mão de sua cultura e adotar plenamente a dos dominadores, incluindo
aí sua visão de mundo e de sociedade e, consequentemente, de hierarquia social. O
candomblé e a umbanda têm sido vítimas dessa estratégia de dominação. São apresentados
como religiões primitivas e como manifestações demoníacas. Na origem desse preconceito
atual está a estratégia de “dividir para reinar”.

Durante o período de vigência do regime escravista havia toda uma matização de situações
diferenciadas entre os setores oprimidos e explorados. Pretos e ladinos — termos utilizados
para diferenciar os africanos recém-chegados dos que já se haviam se adaptado à terra e ao
idioma; crioulos — negros filhos da terra; libertos; mulatos e brancos pobres. Era vital para a
política de subordinação social, manter o isolamento desses diferentes grupos, utilizando seus
interesses específicos para jogar uns contra os outros, evitando que seus interesses maiores os
levassem a se unirem. Isso explica o espanto com que o Juiz Antônio Guimarães, na década de
1820, denuncia a liberalidade do Juiz de Paz da freguesia do Engenho Velho, em Salvador, que
permitia a realização de festas, nas quais compareciam “pessoas de várias cores.” A
segregação era peça fundamental da dominação. Outro exemplo da política de segregação era
a atitude do Conde dos Arcos que, no começo do século XIX, aconselhava que se permitisse os
batuques das diferentes etnias, como forma de reforçar as diferenças, porque “proibir o único
ato de desunião entre os negros vem a ser o mesmo que promover o governo, indiretamente,
a união entre eles.”i

Assim, a desqualificação da cultura brasileira de matriz africana cumpriu e cumpre um papel


fundamental na política de dominação em nosso país. Até hoje utiliza-se o termo “primitivo”
quase como sinônimo de africano. Foi esse preconceito, já tão arraigado em nosso
inconsciente coletivo, que levou o então presidente Luís Inácio da Silva — em uma visita a
Windhoek, capital da Namíbia, a dizer surpreso que a cidade é tão bonita e limpinha que nem
parece África.

Depois de muito tempo, o senso comum nacional passou a admitir e reconhecer uma
"contribuição" africana no campo da "arte", da "cultura". A música, a dança, a culinária
africanas passaram a ser reconhecidas como parte da cultura nacional. Estabeleceu-se um
certo consenso em torno da ideia de que o conhecimento científico é um atributo exclusivo da
cultura europeia, enquanto que os africanos tem contribuições a dar apenas no campo da arte
e da "cultura".

Com isso, foram omitidos inúmeros aportes africano e afro-brasileiros, assim como os
indígenas, à construção do Brasil e da brasilidade, sua economia, sua cultura, sua arte, sua
maneira de estar no mundo.
A medicina tradicional africana, por exemplo, durante séculos foi a responsável pela saúde de
um povo que não tinha acesso à medicina oficial, praticada por barbeiros, farmacêuticos e, já
no século XIX, uns poucos médicos, em uma época em que não existia um serviço público de
saúde.

Segundo Gilberto Freyre, os portugueses aprenderam muito com os africanos em matéria de


técnicas de mineração e de metalurgia. Pagavam valores altíssimos em troca de escravos com
essas especialidades, que tinham o domínio de técnicas muito mais eficazes do que a
praticadas na Europa. As estátuas de bronze de Ifé e do Benin, por exemplo, estão aí para
provar o refinamento da arte e da técnica de metalurgia africanas.

A cultura religiosa africana é riquíssima, tanto em diversidade quanto em relação à


profundidade de conceitos, às cosmogonias, à arte religiosa, às liturgias etc. Basta citar como
exemplos as milhares de parábolas do Tratado de Ifá, da Nigéria ou a complexa cosmogonia
dos povos bantu, de Angola e Congo.

O senso comum secularmente difundido em nossa sociedade de que os europeus encontraram


na África apenas povos "primitivos" negligenciou a existência de conhecimentos matemáticos ii
profundos, presentes nas diferentes culturas daquele continente:

- Gráficos de pontos e linhas, que remetem à análise combinatória (povo tshokwe NE de


Angola);

- Fractais na construção de aldeias pelos Kotoko, no Camerun;

- Padrões matemáticos na música dos nzakara e zande (República Centro Africana, República
Democrática do Congo e Sudão);

- cálculo de probabilidades no jogo de búzios;

- A geometria da capoeira, na demarcação do espaço entre os oponentes.

Onde a desqualificação cultural se mostra de forma mais acentuada é nos assuntos referentes
à religiosidade. Por isso o desconhecimento, associado à má-fé levou ao nascimento de
inúmeros mitos em relação às religiões brasileiras de matriz africana. Combater a mistificação
é portanto a maneira mais eficaz de combater os preconceitos.
Conteúdo Programático

- Civilizações africanas - Diversidade e riqueza cultural;

- Civilizações africanas - Os grandes reinos (Moçambique,

- Civilizações africanas -

A História do Brasil - O Negro no Brasil - A Festa dos deuses afro-brasileiros. (Baianinho) /


Intérprete: Baianinho / Samba-de-Enredo da Em Cima da Hora 1974
i
Edison Carneiro, Candomblés da Bahia, 16-17. João José Reis, in “Negociação e conflito”, também se refere a este
posicionamento do Conde dos Arcos, p. 39.

A esse respeito, a revista Scientific American, em sua edição brasileira, publicou um número especial dedicado à
ii

etnomatemática (edição especial nº 11), que traz interessantes artigos sobre a matemática praticada em solo africano.

ANEXO:
Cultura afro-brasileira
O Brasil tem a maior população de origem africana fora da África e, por isso, a cultura desse continente exerce grande influência, principalmente na região nordeste do Brasil. Hoje, a cultura afro-brasileira é resultado também das influências dos portugueses e indígenas,
que se manifestam na música, religião e culinária.
Devido à quantidade de escravos recebidos e também pela migração interna destes, os estados de Maranhão, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul foram os mais influenciados.
No início do século XIX, as manifestações, rituais e costumes africanos eram proibidos, pois não faziam parte do universo cultural europeu e não representavam sua prosperidade. Eram vistas como retrato de uma cultura atrasada. Mas, a partir do século XX, começaram a
ser aceitos e celebrados como expressões artísticas genuinamente nacionais e hoje fazem parte do calendário nacional com muitas influências no dia a dia de todos os brasileiros.
Em 2003, a lei nº 10.639 passou a exigir que as escolas brasileiras de ensino fundamental e médio incluíssem no currículo o ensino da história e cultura afro-brasileira. Para ajudar na criação das aulas e na abordagem pelos professores, o Sinpro-SP preparou um site com
várias dicas e material para estudo.
Música
A principal influência da música africana no Brasil é, sem dúvidas, o samba. O estilo hoje é o cartão-postal musical do país e está envolvido na maioria das ações culturais da atualidade. Gerou também diversos sub-gêneros e dita o ritmo da maior festa popular brasileira, o
Carnaval.
Mas os tambores de África trouxeram também outros cantos e danças. Além do samba, a influência negra na cultura musical brasileira vai do Maracatu à Congada, Cavalhada e Moçambique. Sons e ritmos que percorrem e conquistam o Brasil de ponta a ponta.
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)
Ampliar
O samba é a principal influência da cultura africana e cartão-postal musical do Brasil
Capoeira
Inicialmente desenvolvida para ser uma defesa, a capoeira era ensinada aos negros cativos por escravos que eram capturados e voltavam aos engenhos. Os movimentos de luta foram adaptados às cantorias africanas e ficaram mais parecidos com uma dança, permitindo
assim que treinassem nos engenhos sem levantar suspeitas dos capatazes.
Durante décadas, a capoeira foi proibida no Brasil. A liberação da prática aconteceu apenas na década de 1930, quando uma variação (mais para o esporte do que manifestação cultural) foi apresentada ao então presidente Getúlio Vargas, em 1953, pelo Mestre Bimba. O
presidente adorou e a chamou de “único esporte verdadeiramente nacional”.
Religião
A África é o continente com mais religiões diferentes de todo o mundo. Ainda hoje são descobertos novos cultos e rituais sendo praticados pelas tribos mais afastadas. Na época da escravidão, os negros trazidos da África eram batizados e obrigados a seguir o Catolicismo.
Porém, a conversão não tinha efeito prático e as religiões de origem africana continuaram a ser praticadas secretamente em espaços afastados nas florestas e quilombos.
Na África, o culto tinha um caráter familiar e era exclusivo de uma linhagem, clã ou grupo de sacerdotes. Com a vinda ao Brasil e a separação das famílias, nações e etnias, essa estrutura se fragmentou. Mas os negros criaram uma unidade e partilharam cultos e
conhecimentos diferentes em relação aos segredos rituais de sua religião e cultura.
As religiões afro-brasileiras constituem um fenômeno relativamente recente na história religiosa do Brasil. O Candomblé, a mais tradicional e africana dessas religiões, se originou no Nordeste. Nasceu na Bahia e tem sido sinônimo de tradições religiosas afro-brasileiras em
geral. Com raízes africanas, a Umbanda também se popularizou entre os brasileiros. Agrupando práticas de vários credos, entre eles o catolicismo, a Umbanda originou-se no Rio de Janeiro, no início do século 20.
Culinária
Outra grande contribuição da cultura africana se mostra à mesa. Pratos como o vatapá, acarajé, caruru, mungunzá, sarapatel, baba de moça, cocada, bala de coco e muitos outros exemplos são iguarias da cozinha brasileira e admirados em todo o mundo.
Mas nenhuma receita se iguala em popularidade à feijoada. Originada das senzalas, era feita das sobras de carnes que os senhores de engenhos não comiam. Enquanto as partes mais nobres iam para a mesa dos seus donos, aos escravos restavam as orelhas, pés e
outras partes dos porcos, que misturadas com feijão preto e cozidas em um grande caldeirão, deram origem a um dos pratos mais saborosos e degustados da culinária nacional.

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