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Título: 1964: visões críticas do golpe
:democracia e reformas no populismo.

111111111
E>a PUCS PUC-Rio
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86 539

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1964:VISÕES CRÍTICAS DO GOLPE
Caio Navarro deToledo (org.)

1<)ú/4-:VISÕES CRÍTICAS DO GOLPE


I>cmocracia e reformas no populismo

EDITORADA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
UNICAMP

Reitor:José Mm·cins Filho


Coordenador Geral dce /J11tverstdade: Andrc Vllla loho,
Co11sef/10 /:"rt//or/af: Antonio Cario~ H:1nn wa1·1, 1\1•,d, 1
Xavier l.inharcs. César l'randsco Clacc o (/'l'(',, ///('11/11),
Eduanlo c;ui111:1rfics, Fernando .J 1>1')(t' da 1•,11 ~.111 PI iho ,
llugo l lor,1l'10 '1'01·1·l:tni , J ayn1l' A1111111 c, M1u ld )11111111 ,
1.ulz l(11hc rco M1111 ·11111I , l',11!111 .J11s<' ~.1111 t·111i11 ~l1 11 ,111
f)t,•, •/111' l •'.\'11, 11//1•11 11d11.11do ( ,111111,11 ,lt••
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BJBUCYI'ECA CENTRAL DA UNICAMP

1964: visões críticas do golpe : democracia e refo rmas no


populismo/ Caio Navarro de Toledo (org.). -- Campinas,
M 589
SP : Editora da U NICAMP, 1997.
(Coleção Momento)

1. Militarismo-Brasil. 2. Movimentos estudanlis-Brasil-


1964- 3. Brasil-Política e governo-1964- 4. 13rasil-Condições
econômicas-1 964- 5. B rasil-História-Revolução, 1964 - l.
Toledo, Caio Navano de. 11. Título.

20. CDD- 322.5098 1


- 322.44098108
-320.98108
- 330.98108
ISBN 85-268-0400-6 - 981.08

Índices para Catálogo Siste mático:

l. Militarismo-Brasil 322.5098 1
2. Movimentos estudantis-Brasil- 1964- 322.44098 [08
3. Brasil-Po lítica e governo-1964- 320.98108
4. Brasil-Condições econômicas- 1964- 320.98 LOS
5. Brasil-História-Revolução, 1964- 98 1.08

Coleção Mo mento
Copyrigth 1D by Caio Navarro de Toledo
Coordenação Editorial
Carmen Sílvia P. 1eixeira
Produção Editorial
Sandra Vieira Alves
Preparação de Originais
Katia de Almeida Rossini
Revisão
A Ênio Silveira e Florestan Fernandes,
Etna Li111a Macário /11/1•/('ctuais de rara virtú - que n ã o abdicaram de suas
frema de Albuquerque Mcr::eui convicç{'Jes nos tempos difíceis da ditadura,
Editoração Eletrônica nem mercadejaram suas idéias nos
Helvética Editorial Lida.
tempos da democracia política.
Capa
V!ad Cw11ar1w
sobre obra de Goya,
" Lo, rmi l:11nicn10, dei Trc, de Mayo" (detalhe). 1814

11)')7
Fd1l111,1d:1 l l11ic:1111p
(',11,11 1111, 11111,07,1 /'(lm tudos que /Jetrtirain sem d izer adeus.
t 'ui111il' 1li11 -.•.-111111,1 11111.1.. <il• 1,1hh•
1 1 1' 1 111H1 11/11 C'1111111111,1•1 SI' lh ,,sll
11'1/I 11, 1lll'H /HK 1 I /,1
SUMÁRIO

1\presentação .................................... .................. .. ......... ..... .... ....... .. 9

1, ECONOMIA ............ .......................... ......... . .... .... ......... ...... ....... .. 13


1 () significado do conflito distributivo n o golpe
dl' 64 - Paul Singer .. . .. . .. . .. .. . .. . .. ....... . ... .. .. . .. .... .. ... ... ..... ..... ..... ... 15
1)ilt-mas e perspec tivas da economia brasileira no
p1'l'-M - francisco de Oliveira ... .. .. ... .. .. .. .. ..... .. .... ...... ... .... ... .. ... 23

li I'( >I.Í'l'ICA E MOVIMENTOS SOCIAIS. :...... ........ ......................... 29


,\ dl·n10e rac ia populista golpeada - Caio Navarro de Toledo ... 3 1
l k 111onac ia & Refor mas: a conciliação frustrada -
\qwll na C. Figueiredo........................ ........................................ 47
li\ l 1,1l1,1ll1adc>rcs na c rise d o populismo: utopia e reformismo -
l 111 tl l.t d l'/\ lme ida Neves .... .. .. .... .. ... .................................. ......... 55 ,
11 t t 1111 ,vl111t·11to estudantil na conjuntura do golpe - ~
111,lt I ll1 1lwrto Martins Filho ............ ... .. ..... ........ ...... ....... .... ...... ... ! 7 5
11 w 1l111 1111111:11· de 64 como fenô m eno de política
11111 111.11 li 111,11 • 1.. A. Moniz Bandeira ........... ... ..... ...... ..... ......... 83

111 1 111 11(1)/\ ",, M ll.l'l'A IWS:A DERROTA SEM RESISTÊNCIA .... .... 101
1, 1111•11lp1 tl1 · <, 1 inL·vit:ívcl? - NelsonWe rneck Sodré ............ 103
I, 1111•11lp1 tlc · (1 1 l11t·vit:ívcl? - Jacob Gore nde r ....... .. ... ........ ... 109
1111,I q, ,, il,1 11••, h 1t•11da militar ao golpe de 64 -
11 , 1 11111 l111tl1• M11rat·~ .. ..... ......... .... ..... .................... ........ .. ...... 11 7

1 \ \ l i 1'1 111 1'1 l l "i , ......... ..... ........... ......... ...... ..... ..... .... .... ... 135
li 111 111111 ti, tlc•111•11111lvl111c1110 - O c lavio lanni ..... ...... , ..... 1:li""
12. o significado ela ditadura militar - Florestan Fernandes ....... •· • 141

V DEPOIMENTO ..................... ········ ···· ·················· ···· ········ ······"····· ~


1·3 . A resistência no plano da cultura - Ênio Silveira •· ·· :··· ···· ········· ~

VL APÊNDICE ....................... ·•··············;:·_-··T····;···.····························· ~!~


Bibliografia sobre o golpe ele 64 - Patnc1a rop1a ..... •. •••••••••••••· ••· ··
167
Colaboradores····· ········ ·· ······································· ············ ················

APRESENTAÇÃO

[. Os textos que compõem esta coletânea, na sua quase totalidade,


li,ram elaborados especialmente para o Seminário "O Golpe ele 64 : 30
t\11os" , realizado em março ele 1994, no Instituto de Filosofia e Ciências
l lu111:1nas da Universidade Estadual de Campinas. Durante quatro dias,
pl'-.quisadores e participantes ativos cios movimentos sociais e políticos
d1>-. anos 60 - políticos, sindicalistas, ex-lideres estudantis, artistas, in-
1<'11·1·t uais - analisaram as razões e o significado cio golpe político-mili-
1i11· de 11) 6/i . Economia, política, movimentos sociais e c ultura foram as
lll'il ,l11d as privilegiadas nessa ampla avaliação crítica ela história social
l 11 ,l'illt'ira, decorridos 30 anos cio golpe ele 64.
l ')(1 1: 1•/.w>es críticas do golpe é uma súmula deste seminário. Por
1 111H ,, 1·dllmiais, nem todas as contribuições ocorridas nesse evento
11 p11~•• 11•Hl-.1ram. No entanto, o leitor encontrará no livro valiosos traba-
111, 1 , 11111 1 >.., :--1 >hrc este tema ainda pouco elaborado por nossa historio-
11 tll 11 1 lt•nl'ia política.
l lt ~t.111111· :--1· que raras vezes uma coletânea consegue reunir alguns
t 1 111 " " 11•111 1111:idos especialistas, em suas áreas de investigação, das
t 1111 1.- 11,11 l,th lir.1slkiras.
I' 1111'11! IHt ' I' 1' 1:r:1nc isco d1.: Oliveira refletem sobre os dilemas e pers-
11 t il 1111 J111>11t la h1~1silcira na conjuntura ele 64 .Em seus elucidativos
, 111 11 11; ~ 11 ,i 111•1, I'. Singn e E de Oliveira - na melhor tradição da
• 1111 t 1111l11 1, ,11111 k :1 -- <.·xaminam, para além dos impasses no p ia-
i 11111111111111 "'' 1n •ll'S qm· k:varam as elites políticas e as classes
1 ,1111 l,111•111 p,tra o golpe tk: Estado, a fim de barrar o cami-

9
Argdina Cbeibub Figueiredo e Caio Navarro de Toledo - através constelação social de um bloco histórico de estratos militares e civis",
de visôes interpretativas diferenciadas - discutem a conjuntura ele 1964, ainda não teria se dissolvido no Brasil de hoje.
privilegiando a análise cio quadro político-institucional, das lutas sociais O livro conclui com um inteligente e instigante de poimento. flnio
e dos conflitos ideológicos ali prese ntes. A derrocada da democracia Silveira - uma das mais expressivas e importantes figuras intelectuais
política e o bloqueio das reformas são temas comuns a estes dois textos. no campo ela resistência democrática - relata sua rica e tumultuada
Lucílfa de Almeida Neves e João Roberto Martins Filho discutem , experiência como editor, enfrentando, com criatividade e coragem , a
respectivamente, como os trabalhadores e os estudantes, por meio de censura e a repressão obscurantistas instaladas no país com a ditadura
suas entidades, se organizaram e se mobilizaram na luta pelas "reformas militar.
de base" e pela ampliação da democracia política no mais intenso e c ria• Na forma de apêndice, publica-se um sucinto levantamento biblio·
tivo período populista da história brasileira. gráfico sobre o assunto, de autoria de Patrícia Trópia, pesquisadora na
L. A. Moniz Bandeira, em seu ensaio"O golpe militar de 1964 como área da ciência política.
fenômeno de política internacional", examina o tema dentro do contex· 1964: visões críticas do golpe é dedicado a Florestan Fernandes e
to dos sucessivos golpes ocorridos na década de 1960 naAmérica Latina ~nio Silveira, recentemente falecidos.
(1962, Argentina e Peru e 1963, Guatemala e Equador), destacando a
presença ativa e decisiva do Departamento de Estado norte-americano li.A realização do Seminário apenas se tornou possível em virtude
em todos estes episódios político-militares. da colaboração e elo apoio ele pessoas e de algumas instituições.
"Era o golpe de 64 inevitável?" Apesar do alto grau de especulação Partiu da Direção do IFCH, representada pelos professores João
histórica contido na questão, a indagação não deixa ele ter sentido do () 11artim de Moraes e Armando Boito Jr. , a inicia.tiva ele "não deixar pas•
ponto de vista teórico. Este exercício de ordem intelectual pode ser 0
,.1 1· ( ' 111 brancas nuvens" trinta anos decorridos elo golpe de 64. A este
elucidativo na medida em que exige do analista uma acurada análise da 1l'~pl'ito, deve-se assinalar que poucas foram as universidades no país
correlação de forças sociais e políticas, na conjuntura de 64, e a utiliza• q11,· M' kmbraram de discutir e analisar, criticamente e em prof"lmdida·
ção ele um consistente arcabouço interpretativo. Dois conhecidos e res· tlt•, ,·~1c momento ela vida política do Brasil. Da mesma forma, os meios
peitados historiadores brasileiros, Jacob Gorencler e Nélson Werneck li, 1 111111111icac;ão, sintomaticamente, pouco se interessaram em debater
Soclré, buscam refletir acerca desta provocativa e polêmica questão. t I I 1 111,1

Na mesma direção,João Quartim de Moraes, em "O colapso da re• l!lr:irdo Maranhão, Décio Saes, Élide Rugai Bastos, Fernando Lou-
sistência militar ao golpe de 1964" ,procede a uma documentada análise 11 11,,,1, llll'Hl' Miglioli e Marco Aurélio Garcia - professores do JFCH -
das razões que explicariam a vitória das forças conservadoras e reacioná· li \ • 1,1111 1111 1a participação importante na organização e realização do
rias e o fracasso das tentativas de resistência,de caráter militar,ao golpe. 1111111.11 111
Os dois útirnos textos são de autoria de ilustres sociólogos que têm 1
1111'11 lloq•,t·s Costa,com seu trabalho à frente da Secretaria de Even•
produzido trabalhos relevantes sobre a formação social e política brasi• 1 , ,1,, li f 11 , 1c·w 1101a atuação decisiva n a preparação e-efetivação deste
leira. Octavio Ianni, em" Estratégia de desenvolvimento", discute os clile• , 1li 11
mas vividos pela sociedade brasileira em sua história recente. O golpe 1, 11 ,111°wl'I ·.111 das fitas gravadas e no trabalho de preparação cios
de 64 representaria não apenas a derrota do projeto do capital ismo nacio• 1,, 11, 1 1111 ,,. ,1 t·11lah,1r,1<;ão eficiente das pesquisadoras Luíza Duarte
nal como também das forças sociais ·'comprometidas com o socialismo 1 11 1 11 1 /\ h11 l,11\ p,11't'l'ida !lago.
nacional". \ 1, 1111,11.,lt 1 de, ~l'll lin;írio apenas foi possível graças à ajuda finan•
Florestan Fernandes esteve impossibilitado de comparecer a este 111 ti 1 1 q 11 11111• d11 <:NPq . lgualmenH.:, no plano da Unicamp, deve-se
s<.:minário. o entanto, as adversidades pessoais por ele enfrentadas não 11111, 1 1 11 ,1p1ol1 1 l11n,1lni:ívcl da reitoria, do Faep e da direção cio
impediram o sociólogo militante de nos enviar um texto em que analisa li
o "significado da ditadura militar" no pós-64. Contrapondo-se às pen,• 11 11 111 / 'li 1 / 1°/111, ,, 1 1•/f /cm· tlu g<>I/Je, po r conseguinte, se torno u
(Kél ivas (sejam liberais o u de esquerda) que admitem a consolidação ela ' 1
11 11 11111 11 1! , 1'••lr1, tl1111·ahall10 l' tia colaboração das pessoas e
dt· n1oc racia no país, afirma Florestan Fernandes que a "ditadura, como 1111 I li ht llol il,I~

10 11
IU. Por último. Uma das dedicatórias deste livro é a mesma que
aparece numa obra do professor José Arthur Giannotti. Palavras perfei-
tas como as ela dedicatória - pela sua sensibilidade e ve racidade -
deveriam ser sempre re le mbradas, nunca esquecidas, como justa home-
nage m às vicias que foram ceifadas pela ditadura militar.
Nenhuma retórica da anistia deve escamotear a memória elas lutas
sociais e seus dramáticos desfechos nem suprimir a radicalidade de op-
ções e compromissos, válidos ontem como ainda hoje. Neste sentido, o
organizador também faz suas as palavras que encerram o artigo de fran-
cisco de Oliveira: O nosso futuro estará concluído ou estará proj etado
na niedida em que tivermos a capacidade de resgatar a luta pela
qual muitos homens, mulheres e crianças deste país morreram, de- I
ram suas vidas e seus ideais. ECONOMIA
Caio N de Ibledo
Organizador

12
1
O SIGNIFICADO DO CONFLITO DISTRIBUTIVO
NO GOLPE DE 64
Paul Singer

l l.1 alguns traços comuns entre os impasses de 64 e os de 94. O


il1 l1 111,1 d:1 estabilização, os horrores da inflação estavam resentes em
t 11 1, 1111,, c,1:io hoje no país. A inflação atual é muito maior que a daquela
1 11111 ,1, 111,1-. isso não altera o fato de que, naquele mo mento, aquela infla-
i 111 p,111 ·1 l.1 Insuportável.

1 li 1,11 11h , l·st:ívamos naquela inflação "terrível" de 30% ao ano da


1 1•• 11 11lt l 11, l·l'I l 110, rccebemos n a USP a visita de um economista ame ri-
1111 1 1(111 ,1·111 n mhccer de p erto como era possível sobreviver com
11111, 11111 11,,lt I d,11111das, coisa inimaginável de longe. Foi uma dificuldade
11 , 111 1 l111h · 11 11l' a vida podia ser normal mesmo com preços em ele-
1 1 , f\ 11''1 q11,li11ln a inflac_:ão alcançou 60% e mais, em 1963-64, a op i-
1'' li 1111 ,l •H 11(1,I\ Ol'O II . _A c:be,Jc.c e, ;, v "'- Pc:, e{'~ w[\ ,"-e:> •
1 1 11111 1lli1'11·1111·s visf><.:s dc itY,hlção e é importante saber que,
1 , , 11111,, ,111 11,t" t · :ilia, da peide ser mais contundente nos seus
1 1111111111 1 111111•1,tl 11:10 <.'.· indc,dda.Nós ch egam os a uma indexação
111 I" 1I, li t l lt •pnl-. d11 golp<.: de 64, a economia brasile ira setor-
11 ti 1 , 11111111111,1'1111,il-. hl'lll indexadas do l!J.Ulldo ,corn _!!; caderne-·
1 111 1111 1 111111 11•1 l II ulo-. rl':tj11s1:'1vcis, com a correção monetária
1l11u111 1-. , 1•
" l 11 11, 1l.t\ l,t I••'"' <)4 p ol)l'l'H, por<:xc m p lo , não tinham como
111 1 \jH "1111 tlt 11111,1 11111.11_-:10 dc ,i o, 'iO o u 60% n:io ser uma
coisa muito grave, com uma taxa máxima de juros 12% ao ano, acaba-se ao café e a alguns outros poucos produtos tropicais, agrícolas ou extra-
perde ndo dinheiro. Então as p essoas p obres p rocuravam comprar terre- tivos. E a acumulação de capital dependia da importação de bens de
nos na p eriferia p o rque era a única maneira de formar algum pecúlio. A capital. Apenas nos anos pós-Juscelino é que começa a se desenvolver
p oupança financeira era quase inexistente. uma siderurgia brasileira e um setor de produtos de máquinas.
Também o câmbio, durante um longo p eríodo, não foi indexado. Então , e m 1963, dá-se a c rise cambial, a dívida externa torna-se
Tínhamos constantemente uma inflação de 10, 15, 20 ou 30%, c umulati- _impagável, não se consegue sequer manter o serviço da dívida externa.
va ano após ano , durante quase uma década após a gu erra, enquanto a Em 64, tínhamos uma dívida, provavelmente - e m termos relativos-,
tax a de câmbio p ermanecia constante , o que representou uma expro- tão grave quanto a ele 82, embora, como Chico de Oliveira mostrou,
priação de renda nada desprezível da galinha dos ovos de ouro da pauta bas ic amente formada por c ré ditos d e ins tituições oficiais inter-
de exportação que e ra o café. governamentais, como o Banco Mundial, o Banco Inte ramericano de
A econ omia brasileira da é oca ainda era quase colonial, no sentido Desenvolvimento e outros semelhan tes.
de d epender da exportação de ~~o tr<29ica!:_O café ~_presentL Juscelino fez de tudo para obter as divisas de que p recisava p ara
va, em 64 e nos anos precedentes. cerca de 70 ou 80% de toda a receita t't·alizar o seu ambiciosíssimo Plano de Metas. O Brasil, efetivamente,
de exportaçful.._ uando o ~ço do c afé c aía o Brasil entrava em crise; _ 11·n- um crescimen to enorme em 1956-61, e a crise econ ômica que se
quando o preço do café subia havia euforia, não apenas no setor cafeei- 111·, l·nha no p aís no último ano do governo JK e durante os três anos do
ro, mas atravé s da expropriação cambial, também no setor industrial. As 1h· ,lu:ío Goulart pode ser atribuída ao sobreesforço a que a economia
divisas proporcionadas pela cafeicultura permitiam importar meios de 111 ,1, lll"i ra fo i submetida. O Plano ele Metas deixou wna série de pontas
produção. Quando o volume importado crescia, a indústria se acelera- "1111 .,.,, l' nlrc as quais uma dívida externa ele curto prazo p ara o que pre-
va. Portanto, o ritmo de desenvolvimento do Brasil e ra comandado pelo 1 l11,111,1111os ler sorte no mercado mundial, como uma melhoria dos ter-

câmbio, pela exp ortação e pelo preço do café. 111• ••• d t • l111 crcftmbio, que não estávamos tendo .
Atualmente. a inserção do Brasil na divisão...iute1:11acional do trabª - 1 )1111·, > litl <>r importante era o movime nto operário. A inflação brasi-

lho é extremamente rlj:gersifjcadaJ{_Qje, n enhum p roduto representa l, li 1>H'1111H·1· li>i uma forma ex tremamente c onveniente de transferir ren-
!Il~!s g ue 10% da receita da exportas ão. É uma situação completamente ,1, il1P1 ., ... , ,lla riados ao capital. Como o capital prec isava ele lucros
difere nte daquela da época. Por isso mesmo , como Chico de Oliveira ♦ 111 11111 1'1, pmq11c as taxas de acumulação eram bastante fortes, uma

mostrou, uma dívida ap arente mente p equena era muito grande , porque 11 11 l II lt, d t• .!0 ,;',0 " .. ao ano não era compensada com aumento ele salários.
a dívida de um país tem de ser relacionada, sob retudo , com seu fluxo de 1 ilt 1\ 1t. 11,11·poS!,._11cn.huma regra de politicasalarial,em contra12osição
re ndime ntos em divisas (dólares). 1 111 11 1 11\1h 1111111.1 :11 rasadíssima gue cum ria um a el de~ C('.;dül:il_~ .
Q_utra ~diferençi!_em~ la_ção a h oje_~ que não havia exp ortação de Ili 11 11111 Ili !' q11.1111 idadc c~ 1ão-cle-obra a pre ço 9~ase zero.

capital p ara o _B_ra~il. O capital norte-ame ricano saía em grande quantida- 1 1111111 lt 111li1.1r q11c , c m 64, mais da me tade da população ainda

â e para a Europa, que estava sendo reconstruída no pós-guerra. O ca i- 1i 11111 lJHp11 1 11 dn 111vd do padrão de vida en tre campo e cidade era
tal no te- iner i~ no ~ 1ega ao Bmsil às vésperas de 64. 5) Plano ele 11111111 1111 1111 11, 11111110 mais do que é hoje; as pessoas do campo
Metas deJuseelino começa a atrair o capital estrangeiro ,principalmente r 111!11111 1111111 l,1111 tTdo, alguns pratic amente trabalhavam só pela

o japonês, o alemão e , em menor quantidade , o italiano . Os americanos, l I li o l 1 111.111111• 1k "l'tllp rcgo disfarçado na agric ultura e, sobretu-
que não confiavam numa economia tão inflacionária e dirigista quanto a 1 •- 111 ,1.. p11l111·., do país. existia um enorme fluxo migrató,rio

nossa, boicotaram Juscelino. Posterio rmente, esse capital começa a se 11 11 1 11 1 ld,tdt•


inlcressar em vir para cá e domina parcialme nte a indústria automobilÍS•
1k a por meio dos investimentos da Ford e , dep ois, da General Motors, 11 11 11111 11ttp t ~·11,1t lq 1· Porém, adc mo<.:.r acia co.ntrariava essa
Tínhamos, assim, uma economia colonia l, n o sentido essencial do 1 11 t 11\, 111 j,1 " P'"''º 111ais intc rt·ssantc.:. ü período, qut
1nmo; cs1úvamos inseridos na divisão inte rnacional do trabalho graça~ , 1 ltll 111 11 JI' 11111 !1 1d1· d1·11HJcrad a aut ê n1 ica no Brasil: as

1 '
i~ument~s de sal~rio correspondentes à inflação, Só para recordar: em
ddçôcs e ram corretas; pela primeira vez na história republicana brasi-
195~ ~r_ia-se o D1eese, instituição importante do movimento operário
leira, os governos perdiam as eleições. Linhares perdeu a e leição porque
bras~euo,_que_ faz um_le:antamcnto independente do custo ele vida - 0
não era a favor de Dutra, Dutra perdeu porque não era a favor de Getú- que e_ uma :01sa fantast1ca no Brasil daquela época. Começa-se a fiscali-
lio, Getúlio morreu, mas Café Filho não conseguiu evitar a eleição de :ar a 1~laçao e a se estabelece r um índice ele custo de vida que merece
Juscelino, assim como Juscelino não conseguiu evitar a eleição de Jânio . confiança dos t~abalh~do~es, o qual passa a ser aceito pelos tribunais,
Quadros. Isso é uma prova evidente de que as eleições valiam e que o J~mtam:nte com outros md1ces da fundação Getúlio Vargas, ela Prefeitu-
J?.OVQE<l~ ito semelhante ao ue é hoje ou seja, extremamente crítico ia de Sao Paulo, que corresponde atualmente ao índice da Fipe.A partir
e ~ elação aos políticos, votando, cm geral, na oposição. de 1953, é possível afirmar que os salários eram anualmente indexados
Esse sentimento oposicionista tambéf!lgJD.anifes.tava em forma de N~,~ anos 60, a inflação se acelera fortemente, passando para 50, 60 e até
rebeldia. °Assinal~ ra idamente t ~ roonas_dc.reb.eldia_ iito eviden- HO, o ao ano; os aumentos salariais são conquistados em intervalos mais
tes: um movimento_estudantil_lltivo, articulado, forte e com_grande im- rn_rtos; .ª partir de 1962-63, os aumentos salariais já são semestrais. Isso
pas_l]._na opinião eública,quc tinha conquistado, em 1953, a Petrobrás; v:11 realimentar a inflação que se acelera à medida que os trabalhadores
cm 1964 ele estava no auge. Um movimen!o camponês que invadia ter- _ l111am pela reposiçao salarial.
~que não respeitava a propriedade_p.rivacla. Corria sangue, havia ~'.ltão,a sit_u~ção que se configura em 1964 caracteriza-se pela crise
uma guerra civil, embora não fosse tão forte como parecia; na época, os 1 ,11nh 1,1_ l, Je_la !:!,gidez da 3 uta de e:lffior~ações brasileiras, além de por 0

meios de comunicação davam o maior destaque, sentia-se que uma revo- 11111·1i.:.n s" üscalno Estado. Ma~ o ue s~ b1·essaiJqridam.entalmente é
lução agrária poderia acontecer no Brasil e, não por acaso, Celso Furta- 11 1111,1 de das§_e: greves multiplicam-se na cidade; fazendas são ocupadas·
1 ' ll' 11\P<>
• ..todo. >, . elo Rio Grande do Sul até o Maranhão , nr1·nc·1pa1mente no
,, i;.
do, um dos intelectuais mais interessantes deste período, publicou em
1962 um livro chamado A pré-revolução brasileira. Essa palavra, "pré- 111 \1l :-ilt , '. e111ambuco era foco das Li as Q!meonesas.
,..,,l. 11po de crise é bastante comum na história b rasileira; houve
revolução", significava muito para todos nós. 111 11, 1 ' 1l,c· d esta natureza quando do suicídio de Getúlio em 1954-55
Mas gostaria de me deter particularmente sobre a terceira rebeldia:
\l i,,, 11 q11l' tornou a _crise em 1964 tão vc a onto de pr~vocaro golp~
a rebeldia operária.,_ Os trabalhadores se organizaram; tomaram os sindi-
h il 11 111 ', ,11> lado do impasse econômico, se vivia um impasse de caráter
rams estatai~- livraram-se das diversas tuteJ~ principalmente getulistas/ 1 •tl llh 1>1• ldl'ológico.
trabalhistas. Não tanto JJ.Q..Jlw,,_mas, sobretudo, em São Paulo sur iu u 1'llill ,,111 11s. ~m 1964, no rescaldo da revolução cubana, a primeira
sindica)ismo bastante autêntico e vigoroso. Isso é uma coisa que, em .. 1111.. .i, >·11>rlalis1a na América.Tudo o que era tido,antes, como absolu-
geral,se desconhece p orque não somos suficientemente cultores de nossa 111111 1111 1111 1H1,,1vd passa a se tornar possível depois de Cuba. Os jovens
própria história. 11 1 111 11 ,1 il•' "":11·.1111 a acreditar que, depois de Sierra Maestra, pod.c riam
O PT tem precedentes no pe ríodo de 1953-63. Em 1953, a greve 1 \ 111 li 11 t ' , ,1q11I, revo lucionários de lanterna em punho, procuráva-
cios quatrocentos mil em São Paulo, d~)S metalúrgicos, têxteis, pedrei- 1 1 1 11 1111 ,Pill \'1 1 ~1 tia qual partiríamos para a conquista do d
1 1 11 1 . po er.
ros, marceneiros e gráficos, paralisou quase que inteiramente a cidade 11 ' 1 1,11 " ' o n11adC1 pela ~lireita brasileira numa quase obsessão,
durante seis semanas. Nos anos seguintes, ocorreram várias greves ge- 1111 111 11 ~111 ,1l111prt·11sa,ouv1sse o rádio ou assistisse televisão teria a
rais_e cresciam a independência, a autonomia e o ca~áter de massa desse 1' 1t I ti, 1li 11 • ,11·-.qt1l'l'd:t j:í estava no poder e que o fim da democraa
::i.io,ili_calismo, cada vez mais agressivot contundente, muito se melhante 1 1 1111111 111, 1, ol 111•, il' caldo d e cultura que as Forças Armadas de-

ao que é.hoje inclLcalismg da CUT. • 11111 1t1 1111,11.::10 de vcrdadei ·o 'mna ,~1" "se·,.,.,.......~
rnm .. ~,n ç:~fln
.ao -

A CUT re toma essa tradição vinte anos depois;quando é criada, em llt 111 ,,,, ,1pl k :t\'11t:s f'inanc<.:iras nem os salários estavam

l 98~. O que importa para entender 1964 é o efeito econômico dessl' 11 l i I I III H 111 , 11' ,1 l':tn:~lia, rcajuslcs cada V~ nmis curt~s ti-
sindicalismo. -6,. partir c!f..196Qou 61 ~ria-se efetivamente uma es irai tk l 1 11111q11l•1h1d11•1 ,1 11111ta; co111 a <Luestfto da terra não regt)la-
111 dl Jlllhl 1 ,1d,1 " ''· 111ais aguda. Nessas circ unstâncias, os
pn.:ços/salários. Os salários não ficam mais inertes perante a inflaçftll
Api'>s muita luta, a Justiça do Trabalho passa a dar, sistematicamentr, 1, 1111 1,I 11 ,111111'1111, 1l111tam 1..'0rt viq;íks "rcvolucion:írias".
Na véspera do golpe, entre o comício <le 13 de março e o golpe pai:3 que a economia possa encontrar um consenso mínin10 para voltar a
militar p ropriamente dito,em 31 de março,o dólar no mercado paralelo se ,,cumular e crescer e, com isso, efetivamente atender às as ira ões
multiplicou-se várias vezes muito além da inflação. Era a burguesia com- populares sem destruir essa capacidade de luta de re· . d' p ç .
prando dólar e mandando o dinheiro para Miami. A nossa burguesia ,. ~ Es , ~ , 1vm 1car e negoc,-
~,:· ta e a questao que, a me u ver, ainda hoje se coloca de uma forma
efetivamente se apavorou. Como o golJKD · ).!:lfeitamente..p.aciftco, p ra- tao aguda como as questões que desafiaram os clemocrntas em 1964.
ticamente ninguém morreu, não se chegou a disparar nenhum tiro; es-
ses temores eram totalmente exagerados, embora tivessem alguma
procedência.
Quando soube do golpe fiquei contente, pois não agüentava mais a
tensão; Q.gQ},JK_era 12regado diariamente pela imprensa havia seis l}le_fil.
Quando finalmente deu-se o golpe, eu estava absolutamente convicto
de que ele seria esmagado em poucas horas ou dias e, a partir de então,
teríamos uma consolidação e um avanço das conquistas, quem sabe até
uma reforma agrária. Na época, a reforma agrária, a retomada elo desen-
volvimento e a solução cio impasse econômico eram as questões consi-
deradas fundamentais.
Depois que o golpe venceu e fomos derrotados,ficou evidente que
não viria reforma agrária nenhuma, então passou-se a acreditar que o
Brasil voltaria no tempo a um período pré-industrial e colo nial. Apesar
de totalmente errada, esta visão não era absurda, diante dos nossos pró-
prios dogmas; e como é bom aca bar com os dogmas de todo jeito, deve-
se lembrar que muito facilmente se transformam hipóteses em verdades
e em inverdades que só ruem quando a realidade as remove.
A crise econômica de 1964 é muito semelhante, quanto a seu as-
pecto de impasse, à longuíssima crise ele 1981 até agora. A crise de 64
foi resolvida à força pelos militares. Os trabalhadores foram efetivamen-
te submetidos, a re beldia operária foi fortemente reprimida (não houve
!lli!is greves)J!.!ebelelia camQ._o nes~ iquiclaç!a corn.,repressão selvagem, a
rebeldia esnidantil também foi re,p r.imiQ~; como reação, em 1969- O.:Zl,J1_
oposição, cl~pet]Jt,sa.n ..!!1.1!.it2fi grup_ç,s, foi à luta & ~
{gipondo a ordem desta forma, uma políS!ca muito conv~n_çio,11al
de estabilização reduziu a infla5ão. f!ouve uma recessão forte, de quatro
anos, dois antes e dois depois do golpe, mas o "milagre econômico"
(1968 - 76) apagou as lembranças da recessão.
A saída dag_uela crise, infelizmente, parecia incompatível com a
democracia~ Na atualidÜ!e, n-ãÕ hã mais ã estreiteza e a rigidez da pauta
de exportação, não sendo por aí que a dificuldade se desenha. Existem
hoje uma espiral de preços e salários e um movimento operário mui to
fêirtc.Toclos os t;etores da sociedade civil brasileira estão bem organiza-
dos, medem a inflação com todos os índices e não estão dispostos a st·
de ixar expropriar impu nemente. Neste tipo de sociedade, como fazn
2
DILEMAS E PERSPECTIVAS DA ECONOMIA
BRASILEIRA NO PRÉ-6 4
Francisco de O liveira

/\ primeira colocação diante da indagação sobre a economia brasi-


lt 11 ,1.1-. véspe ras de 1964 deve esclarecer uma confusão generalizada e m
1111 1,1•, :1-. disc ussões que parecem encaminhar-se para u m apocalipse do
q1i.1I \' para o qual não há re médio, n e m alternativas. O golpe de 64
1p 111 1 l.1 assim , e foi muitas veze s interpre tado dessa forma.
1 , 11n111m. nos dile mas que a econo mia atravessa, apare ce r aquilo
,1111 11,1 1 nd ade é uma alternativa, uma opç ão política, como algo
1111 111 ,1\ 1·lt11l· nt<.: de te rminado pela história, c omo algo do qual não se
f 11lt 1 'li .,p.11·.
\1 1I •• 11•rl·111 e mc nte, tivemos no Brasil,de p ois de mais d e uma déca-
1, ili 1i1ll,1'111p1,;<"1es que se fantasiaram d e únicas possíveis, daquilo para
111 d 1 1, 1H11 11n la vai com o boi vai para o matadouro. Para pode r discu-
' 1,111 11 111· (1 l, t'.· preciso re cusar esta posição e analisar as opções que
1111 111111,1d,.,,
11111111,1 p.11 11• 1k verdade nisso, p o is seria leviandade dar a impres-
1 q111 111 1111· ,11·o njunturas dramáticas, as ec onomias,e a eco nomia
111 1 111 1i.111h 11la r, di sporia m de um amplo leque d e alternativas,
1 ,1111 p11d1••,-.e 111 St.'1' de le nninadas d e forma aleatória, como se
11111 1, 1 Nl,1dt• :lltc m:11 ivas c m que algu ém m e tesse a mão e tiras-
1 1111 t 111,111 d t'l,1-. 1:-iso nao é verdade, porque esses processo s
111111 11 111 41111 , 1•111 1•,1~111tk medida. ma~ não d e forma absoluta ,
,1111 1111 11 jl,I( 11 1d, l'< ll()ltH·11s t· s ua ca pac idade de a~ão.
Portanto, não se trata nem dessa história de que só havia aquele taxas de crescimento de 10 a 11% ao ano, prosseguindo assim até 64.
caminho, nem da história, mais fácil inclusive para os críticos, de que Num período de trinta anos manter-se uma taxa média de crescimento
qualquer alternativa estava à disposição. Na bela tradição da economia histórica em torno de 8% reais ao ano, uma façanha poucas vezes repeti-
política, as alternativas estavam à disposição dos sujeitos e ator~s que da na história capitalista. Motorizada no período JK, em que se instala a
tinham recursos políticos, econômicos e sociais para implementa-las. estrutura industrial que, basicamente, está presente no país até hoje. Os
Dito isso afastando esse determinismo ideológico, é preciso exá- grandes ramos e setores ela economia estavam fundamentalmente im-
minar o golp~ de 64 exatamente no contexto da estrutura de relações plantados, ainda que não suficientemente maduros; alguns, como o ela
,:igentes na economia brasileira, responsável pela capacidade, potência indústria aeronáutica, ainda deixavam incompleta a estrutura industrial.
e operação das classes, dos-sujeitos sociais à época de uma conjuntura O mesmo não se passava com o setor agrícola. Ap_esa1:..de..algw1s_
.bo~o.táx~t_aliz_a..ção,,de..a..'1a11ÇQ de relaç.Q.es..t.1:<1halh.is1as, de_
tão dramática quanto a de 1964 .
_ A economia brasileira atual, os dilemas da economia hoje, os indica- J11er.cadosi~,.não só ~ ro~ P-i!t~ Q Jta,çiíQ,.lllas..alguus..çtç:,.p..m._ _
dores sintéticos e usuais em relação aos quais se chama a atenção para a . dução interna para o consumo intem.Q, o setor agcicola..configura."'a-.s~ - -
dramaticidade de uma conjuntura econômica - taxa de inflação, dívi- cumo um dos setores mais atrasados a ~ ia..bi:.a.sileiJ.·a,JJa....conjm .
da externa, dívida interna, porcentagem ele investimento sobre o produ- lma do gol2e de_64 .•
to,salário - fazem parecer absolutamente ridículos os dilemas ele 1964. Aquela economia tinha alguns impasses? Sem clúvicla, impasses for-
Considere-se, por exemplo, os 80% da inflação anual às vésperas do gol- 1('S: laivez o maior impasse, do ponto de vista estritamente econômico,
1••,1lvcsse situado na estreiteza da base fiscal cio Estado. Uma economia
pe, que se convertem, no último mês de administração de Maílson da
q11c· 1inha crescido enormemente, que havia se diversificado de forma
Nóbrega, em 80% de inflação ao mês!
O serviço da dívida externa brasileira consome hoje praticamente 11111.1 vcl, :1 qual correspondia uma estrutura fiscal estreita.
( > 1is tado brasileiro, nesse novo estilo que o capitalismo desenvol-
de 5 a 6% do produto bruto nacional. Não se trata aqui de arrolar núme-
\ t t I<1p1 ·,s-.10, tem precocemente, devido ao próprio tamanho da econo-
ros, mas, apenas, de indicar o contraste entre esses dois momentos: em
64, o montante chegava à cifra, que parece hoje ridícula, de 3,5 a 4 111 J,1 lli ,t'iilcira, um papel central, que pode ser resumido, embora não se
1 1\111i' 11 i,;so, no papel central que as empresas estatais desempenharam
. bilhões de dólares, que poderia ser paga, toda ela, com dois meses de
111 ,.,,111pl'nham no processo de acumulação.
exportação. t )1,1, .1 c·s1c Estado correspondia uma base fiscal estreita que o leva-
O coeficiente de investimento da economia brasileira em 64 beira-
i llti.1111 i:tl' o próprio papel na expansão capitalista por meio da sim-
va O patamar de 17 a 18% do produto, o que era elevado, ainda que
menor que aquele que a economia brasileira havia conseguido em anos 1 li 1 1111•1~.111 n,onctária, que injetava diretamente gasolina no fogo da
anteriores. Essa relação entre inversão e produto nacional na economia 1111111 111, 1•11ilH,ra modesta, qi1e nunca chegou, no pré-64, à casa dos
brasileira, hoje,deve situar-se abaixo ou em torno dos 14%. A inexistência 11,11 1l11 j1·, qu:1lqucr ministro ela Fazenda será um grande vitorioso se
ele dívida interna é uma característica especial que tem que ser levada 111 li ,,. hl\,I~ dt· inl'laç ão ao nível da ele 64.
1 11 11 11 ~, • 1l'i< ' I\' ao setor agrário, a agricultura paulista e a paranaense
em conta assim como o serviço da dívida externa, esta constituída basi-
1 11111 11 11 11111 11·1·!:1111 S<.: 1' classificadas, à época, como "agriculturas ca-
camente de empréstimos de entidades internacionais, de um lado, e dí-
vida a fornecedores, de outro. A dívida externa não passava disso; 11 11 1111 111 111 ld11 pleno da palavra. Mas, certamente, isso não cor-
1111, 1,111 •1111 do llrnsil. Daí que ~ma das principais bandeiras dos
portanto, era de razoavelmente fácil manejo. ,
A questão reside em: por que, diante de uma situação dessas, da-s<.: 1 1 1 1 11 tl,1 1<'1111'11 1:i ª..!:i"•}_ria, com o que se casavam duas coisas
um golpe de Estado? Diante disso, aquele quadro ridículo deixa de ser 1 1111 1111i1 1l !' \ p ,111.,:111 c:ipi1·ali~ 1: de um lado, uma redução cio
1:w ridículo. A economia vinha, desde os anos 30, num notável desem• 1 1 1'1111 li 1,.,111 d,1 li >1' ·a de Irab:ilho urbano-industrial claclo ue o
pcnho, alinhando-se entre as taxas de crescimento de uma economia 1 1 • 11 li 11 li I d,1111 u111ul:t 'i,;ã<> de capit;Ij"á haviãt:~1n; itaclo, desde
11 11 11111 1,1 1111 l11(111~1l'i:i] . Hntfo , o agricultor tinha um papel a
capitalista das mais notáveis do mundo, neste século. A economia brasl,
11 I• 1lirn1111•11111 1·1'1:ilivo do c u:;10 d<.: reprodução da fo rça
leira, já nos anos 30, com breve interrupção nos anos 30-33, surpree n•
dentemente, ao contrário de toda economia capitalista central, alcançn 111111, 11t , ltll'1111 ·111<·111(' • o que é :i outra face da mesma

24
moeda - , a a ricultura oclia se constituir num dos randes ólos da ao fato de essas classes sociais realizarem uma ação política, começaram
cri~çã<2,.9~1 mercado interno que a indústria ·á Cri!1va,a~eleradamen- a não se comportar mais com.o subordinadas cio ponto de vista do tripé
-teJ mas que não encontrava contrapartida n~ undo agran~ ste certa- populista, (formado pela burguesia nacional, pelos proprietários rurais
- mas não pelo campesinato - e por uma classe trabalhadora urbana
mente era o impasse. . . emergente). O proletariado cresce significativamente e as suas orgaiüza-
E O impasse estava, de um lado, na incapacidade do Estado bras1le1-
ro de romper com a relação de força sobre a qual se assentava o par PSD/ ções vão deixando ele ter um papel subalterno; é a isso que, na verdade,
PTB - que não eram os PTBs e nem os PSDs de agora. Era uma catego- a reação chamava de projeto de "república sindicalista". Na verdade,
ria de políticos talvez - muito mais malandra e muito mais azeitada no isso nunca passou de um engodo, de um blefe; mas este deslocamento,
comando do Estado, de tal forma que, não impunemente, levaram bem essa mudança do papel subalterno que os assalariados urbanos tinham
uns sessenta anos no controle dele, c\esc\e a República Velha. E, ele ou- no tripé populista, ameaçava romper o controle elas classes dominantes
tro, no impasse financeiro no sentido de encontrar formas ele fina~ciar sobre o processo de desenvolvimento.
uma economia que se realizava numa taxa ele crescimento que girava De outro lado, uma classe sempre calada, esmagada, sempre muito
numa média histórica ele 8%, com isto começando a criar-se um grave 111ais reprimida que os trnbalhadores urbanos, começava a afirmar o que
problema financeiro. Eu localizaria nestes três aspectos o q~e pode ser 1lnha a ver com esse processo de desenvolvimento, qual era o seu lugar
i- quais eram suas reivindicações. No pré-64, o movimento agrário, por
considerado, do ponto de vista econômico striw sensu, os unpasses ela
llll'IO de sindicatos rurais ativos em algumas regiões cio país, não exata-
economia brasileira de então.
l)l( ' III C nas mais importantes, mas nas periféricas (ainda que com um
As perspectivas da economia brasileira não eram a_bsoluta~ente
1 1111rn11.: apelo, messiânico em muitos casos), com uma enorme capaci-
c\esabonadoras, caso aquelas três questões fossem resolv1clas, pois, cer-
tamente a economia tinha em si mesma a capacidade ele crescimento 11,u h· de mobilização, retira da servidão uma parcela iJnJlQ.l.:.t 4Q.ts:_@ s.ucie-
1l,11 11' 11rasileira. Estes são alguns cios atores que começaram a emergir e a
que já havia concretizado numa seqüência ele mais ele trinta anos de
11,1 , 11 .11· c m xeque a aliança de classes da época e, portanto, a aliança
continuada expansão. t u ,11 i 1, ,1q li e regia o Estado brasileiro.
Por que ·se dá o golpe? Devido às restrições da aliança de classes
que estava no poder e ao deslocamento que, nessa aliança, algumas so- l i ,da-. as reformas feitas no pós-64, se vistas, evidentemente, de fora
frem em detrimento ele outras. A bur uesJa brasileira estava sen.s!.2_ ,h 111 11 1'011t exto histórico, resultariam razoavelmente absorvíveis pela
deslocada, pel?.J?!·~ rio !)~ ~o ela ~x12_ansão <:~p~alista, ele seu luga~· 111 11 11111 •,-,l.1 brasileira e internacional. Q__gglpe de 64 não fez, como não
central; ela gão era mais a única detentora ~\e um p~cler ele c~ss~ ~om1- 1 ,d l I l,111•1•, ne nhuma agressão à propriedade, nem o pré-64 ameaçava,
J.J ante, senão q_ue, devido ao crescimento e a recepçao cios cap1tais.~ter- 1 1 111 ,1111, 11l- vista mais dramático, decisivo no sentido do socialismo a
nacionais, aquele lugar estava sendo ocupado por outro ator, u111ao ele 11 111111 d,1!11• hrnsileil]j_Sle ainca ava sim, ôr em xe ue uma ro ri;-
classes, não.-cordial. ~vjclentement;_e..,.a burgpesia não clesapar:ceu, mas 1 h 1111111 ,,, u111a propriedade que se recusava ao uso social,para o que
11111 111 1 11, 11 llt'a~ he m-intencionadas como a Rerum Ncwarum foram
gerdeu im ortâttC!!'l; ou melhor, exclusividade; c?mpet~, ~ntao,_c.9m a
111 1 Nl1tl!ll(·111 qut-ria outra coisa senão o uso capitalista da terra, por
burguesia internacional no comando da economia brasileira. Ao longo
cios últimos trinta anos, ela sofre um importante deslocamento em al- 111ph1
guns setores; por exemplo, no automobilístico, ele onde ela foi varrida 1 11 11111 11, , 1Hulpc tk 64 foi uma opção de forças políticas que,que-
1 1 tll 1111,11•, tl1• dasscs, traduzem numa nova aliança política a rela-
pelas empresas internacionais. ~
' l 1 , 11 q1 11· ~1· n ,1:1hclect: com o golpe ele Estado. Donde nem o
A famosa aliança de classes que presidiu à estruturaçao do chatrn~clo
111111 1111 1 IH 111 i1 1'. tlta dt· caminhos e nem a "cesta'' repleta de altei--
sistema populista, começava a ser abalada por deslocamentos, t_enso<.:~
a que a própria expansão capitalista levava. De outro lado, os ~ois gran• " 1u 111 tl c• 1!11\':1" q11c se cstahelece será a responsável pela
eles atores sociais tinham suas posições e seus pesos redefimdos p<.:lo 1 hlh 111111 1·111 ,111ii111lal':Í os ncg<>cios da economia e da sociecla-
próprio processo de crescimento. Em primeiro lugar, o proletariado \' 1 lt 1111 11111, 11 f
os assalariados urbanos. Estes, que haviam sido uma espécie ele fo n,; 1 1 Ili 11111 11111·1t'(lil!'11d:ts que se projctam até hoje. Evidente-
scc undária na aliança populista, graças à P.tópria expansão capitalista 1 l1tll I ti, l1istc'>ri:t de qu<.: tudo comcçou 1.:111
Ili\ 1•11(,11· u111 :i

26
1964, porque dessa forma se estaria isentando as classes sociais, os par-
tidos políticos e as organizações elas opções concretas que têm de tomar
a cada momento. Embora a economia tenha um alto grau de sobre-
determinação, pois se trata ele estruturas capitalistas de acumulação de
capital, elas não são imunes à vontade e à capacidade dos homens e dos
atores sociais; isso seria uma falsificação cio que é forte na economia
política.
Apesar disso, é preciso enfatizar que, ruLp.ós.64, cada-ator ~
c~ social, cada representação, cada organização política tomou posi-
s ~es_e fez _op_ç2e~i_~clusive ele _2is da clemocratiz~ ão. Mas, é preciso
reconhecer que há heranças deixadas pelo golpe de 64, a mais impor-
tante das quais é ter decretado e ter congelaclo, durante vinte anos, uma
minoridade política do povo brasileiro em sua extensão (e de suas clas-
ses sociais especificamente). Esta minoridade política é a responsável . II
pelas decisões, isto é , pela exclusão das classes sociais, pela repressão POLÍTICA E MOVIMENTOS SOCIAIS
ao movimento camponês, ao operário, aos sindicatos de trabalhadores,
aos intelectuais. As classes médias apoiaram essa repressão que o povo
brasileiro viveu durante vinte anos de ditadura; muito tempo depois,
elas próprias também se colocaram contra a ditadura. A incapacidade
daí decorrente, de participar e de ter o seu lugar, voz e voto nas decisões
mais importantes no que se refere à economia, não é retórica de so-
ciólogo.
Esta minoridade tem conseqüências graves e dramáticas porque,
ainda agora, quando se está de novo frente a um plano econômico, o
neo-liberalismo avança serenamente, em virtude de que as novas estru-
turas sociais que o próprio capitalismo criou foram duramente reprimi-
das durante o período de minoridade da ditadura.
É preciso, ao resgatar essa memória, fazê-lo como os clássicos da
escola de Frankfurt - não como a uma saudade, uma nostalgia ou um
resgate inativo do passado: - resgatar o passado, colocando-o dentro
de nosso presente. Nosso futuro estará concluído ou estará projetado na
medida em que tivermos capacidade de resgatar a luta pela qual muito:-,
homens, mulheres e crianças deste país morreram, deram suas vidas l '
seus ideais.

28
3
A DEMOCRACIA POPULISTA GOLPEADA:,

Caio Navarro de Toledo

1,, ,t pl'S c CQ!!!!llWP~~. freqüentemente, ameaçaram o regime libÇ,:_


1 li •h 1111w1•,i1ico instituído em 1946. No início dos..fil!_OS 60, a ~ -
11 1tl 111 111 .itiv:1dc .Jânio Quadros de voltar ao governo com plenos poderes
1, 11111 11 l.1111 c d esejava limitar ou suspender o Congresso), ~em-seª
,11,l 1111 11,,II , 1h> parlamentarismo - uma "solução de compromisso" di-
11 , h 11 1P1,1l1> µi ,lpis i-a dos ministros militares, com o pleno respaldo de
1 11 , t, ,,. 1 1111~nvadores. A rigor, a emenda parlamentarista se cons-
1111 11 1111 1 ,11111 °111 k-o "golpe branco", posto que a Constituição foi refor-
111111 il1 11,1111-.l· institucionalqueameaçavasetransformarem"guerra
t , 1 , 11 11 , l1° l 'J 1(1 proibia, expressamente, a sua alteração em clima
t I h 1111l I t , H1111 j:i se afirmou, o governo Goulart nasceu 0 _ÇQ!lyi-
' 111 11 10 11 1, 1.,igno do golpe de Estado. Durante seus dois anos e.
1 1 li III l,1 ( ~1'l\'111hro de 1961 a març o de 1964), um novo con-
111 t 11 111 !ili 1°111c'l'8 i11 no rnís. Suas características básicas foram:
t 1 , 111, 1J11J111,1d:1 nisc econômico-financeira ( recessão Ll!lll.a
111 1 1 1• ,,. ),1111,tl" l'I J1lh e cida52i_c onstantes crises olítiÇQ-
1111pl 111111h llt1.11,·:u, polític a das classe s )O ulares a~

1 1111, h ,11111 ,111° 11 11111111, ,1d.1 de· 1,·x1c, puhlic:1do naRe1•ista de Socio-
1 li l l'IVI I l ',11 ,111,1

\1
~e -: n1úlia~ a Pill!l.L<le meados de 1963, também entram em cena); for- 1 l it1ta/ba contra o parlamentarismo
1aln:imcnt:o do movimento qp_e3·ário e dos trabalhadores dg_ç_<!tl!l2..º.i.S!f-
sc do sistema pa~tidário <;. ~ inédito acirramento clªJuta ideológica de. Sob rédeas relativamente curtas,.[oão Goulart iniciou seu govc;rno
d asses. 11,1 ,·nsão parlamentarista (o presidente da República deixava ele n:s-
Este período da vida política brasileira é extremamente significati- 111 111< ler oficialmente pelo poder Executivo para assumir a simbólica run-

vo, pois nele se intensificam, se condensam e, no seu final, se resolvem ,. ,tu de chefe ele Estado).Na breve experiência parlamentarista (setembro
algumas elas contradições ela democracia populista brasileira. tl1· l 'J(Í La janeiro de 1963), o país veria sucederem-se três conselhos de
Passados trinta anos da queda do regime liberal-democrático, são 111 l 11 lst ros, além ele se defrontar com o agravamento de sua situação eco-

ainda conflitantes as interpretações a respeito do governo Goulart.Libe- 11, 1111 ico-financeira (herdada do desenvolvimentalismo cleJK e ela preci-
rais e conservadores definem os tempos deJango como a expressão mais 1)li:ida reforma cambial de Jânio Quadros) e se debater ainda com novas
acabada de toda a perversidade social (subversão, corrupção, amoralis- , 1'1 :-.l·s político-institucionais.
mo, anarquia e caos institucional). Às vésperas ele abril ele 1964, assim Ninguém contesta que o regime parlamentarista fracassou. Incapaz
se expressou um cios mais festejados intelectuais liberais brasileiros: de resolver as crises institucionais que provocava, o parlamentarismo
brasileiro revelou-se também ineficaz do ponto de vista administrativo.
Temos tido governos inertes e governos incapazes, que pecaram largamen- 1 > caráter híbrido e dualista do sistema - o presidente da República e o
te por omissão, deixando de aproveitar belas oportunidades para agir em 1 :. msdho, além de disputarem o controle do Executivo, divergiam quan-
benefício do país. Mas nunca tivemos, no Império ou na República, um go- 10 a seus programas e prioridades ele governo - dificultava a tomada d e
verno tão encanúçadamente decidido a destruir, desmoralizar e até a prosti- decisões que a realidade social e econômica do país urgentemente cle-
tuir tudo quanto neste país existe ele organizado. (Gudin, s/d)
111andava. Para além disso, o Congresso, que encerrava a sua legislatura
Dentro do largo espectro cio pensamento de esquercla,·vários são
,·m1962,sendo majoritariamente conservador (aliançaPDS/UDN), cons-
1li uiu-se num sólido obstáculo ao encaminhamento de políticos refor-
os julgamentos sobre o período Goulart; para uns, tratou-se de um au- mistas oriundos do Executivo (como ocorreu, por exemplo, durante o
têntico governo nacionalista, democrático e popular. Nesta linha estão gabinete de Brochado da Rocha). Disposto a governar, não apenas a rei-
aqueles que compartilham a visão do ex-chefe da Casa Civil de Goulart, 11:tr, Goulart se empenhou decididamente na aboliçã? do novo regime.
o antropólogo Darcy Ribeiro, para quem o governo de Jango foi derruba- Nessa batalha contou com o apoio de amplos setores políticos (com
do exatamente "por suas qualidades" (tentativas reformistas). Para ou- exceção da UDN). Poucas razões, igualmente, tinham os trabalhadores
tros, estávamos diante de um governo de caráter populista e reformista para defender o parlamentarismo; a rigor, a luta pela retomada do presi-
burguês, sem nenhum real compromisso com transformações mais am- dencialismo significava, simplesmente, dar um "voto de confiança" ao
plas de ordem econômico-social. Alguns vão mais longe nesta crítica: presidente .da República, que vinha postulando publicamente a realiza-
para estes, o governo Goulart "foi o mais eficiente agente das classes t,;ão de reformas de base na estrutura da sociedade brasileira. Em janeiro
dominantes e do imperialismo na contenção de avanço popular. De trai- de 1%11..@ós uma derrota fragorosa nas U!.ll<ci.li...Q..Wllilline.n.taris.lno...t:J;a.
ção em traição chegou à[ ... ] entrega do poder à direita"(Schilling, 1979). revogado. João Goulart reassumia os plenos poderes que a Carta de
Não obstante as divergências de interpretação, as esquerdas con- 1946 coriferià ao chefe do~Executivo. -
cordam, em geral, que, nos poucos meses da administração de Goulart,
verificou-se - para profundo desagrado de liberais e conservadores -
um avanço político e ideológico das classes populares e trabalhadoras :f,hn plano para as crises
sem precedentes na história social brasileira. A política começava a dei-
xar de ser privilégio do governo e do Parlamento para alcançar, de forma Todas as indagações passavam a se resumir na seguinte: consq 1,u I•
inlcnsa , a fábrica, o campo, o quartel e as ruas. Como acertadamente ria o governo presidencialista de Goulart superar a crise econ1í mlco 0

afirmou um estudioso ela cultura brasileira, naqueles tempos "o países- financeira, atenuar as graves tensões sociais e afastar as crises pol ít Ir a:..
la va irn:conhecivelmente inteligente" (Schwarz, 1978). que havi~ dois anos desgastavamxa administração pública? As propo1-l:1-l

32 / ' '

., ,
q111 · as diversas classes sociais e setores políticos ofereciam para resolver d1> momento em que as conseqüências ela política de eliminação dt· 1,11h
11~ problemas da inflação, do endividamento externo, do déficit do ba- ~,dios ao trigo e ao petróleo começaram a ter efeitos sobre os avilt:1dm
l:1111,:0 de.: pagamentos e da recessão econômica não deixavam de ter ori- orçamentos das classes populares. CGT, PUA, FPN, UNE, "grnpo com
1·111:1,·ücs conflitantes e antagônicas. Neste sentido, é inegável que os pac Lo'' cio PTB se unem na condenação do plano.
tl'111p()s de Goulart foram extremamente férteis, pois neles se processa- Os aspectos antinacionais da política econômico-financeira do go-
ran1 intensos debates sobre os rumos e as direções que deveriam ser 1·c rno se evidenciaram por ocasião elas conversações Brasil/EUA a rcs-
11·ililados pela economia e pela sociedade brasileiras. pci to da negociação ela assistência econômica norte-americana e o
Como era previsível, o Executivo anunciava que seu plano de go- re financiamento da dívida externa brasileira. O Plano Trienal - segun-
ve rno tinha condições de resolver em profundidade os impasses e as do as autoridades brasileiras - era a prova concreta que o governo ofe-
dil'iculclades enfrentados pelo conjunto da sociedade brasileira. Esta recia para demonstrar nosso enquadramento na ortodoxia propugnada
ambiciosa proposta foi denominada de ''Plano Trienal de Desenvolvi- pelos EUA e pelo FMI.
mento Econômico-Social: 1963-65" - , elaborado pelo economista Cel- O caso da tentativa de compra daAmerican Foreign Power (Amfürp)
S() Furtado (ministro do Planejamento),com a colaboração de San Thiago viria macular ainda mais a imagem do chan1ado "governo nacionalista".
Dantas (ministro da Fazenda). A concepção e a execução do plano, bem /\o mesmo tempo em que retirava os subsídios para o trigo e o petróleo e
como as reações dos diferentes setores sociais, contribuem de forma cortava investimentos públicos, o governo anunciou que estava prestes
significativa para uma avaliação política do governo Goulart. A análise :1 adquirir, por 188 milhões de dólares, doze usinas norte-americanas.
da composição do primeiro ministério,presidencialista,juntamente com .lango, cedendo às pressões cio governo dos EUA, adquiria um autêntico
o exame crítico do plano, demonstra, de forma eloqüente, o estilo con- "ferro-velho". As críticas cios setores naci.onalistas foram intensas; como
ciliador que predominou durante todo o governo. No ministério encon- :l'lguns técnicos ligados à própria administração federal esclareceram,
travam-se políticos conservadores do PDS, petebistas "fisiológicos" e tratava-se de uma verdadeira negociata. O governo, contudo, recuo u
"ideológicos" e militares "duros". Por outrolado, na sua formulação teó- diante desse "crime de lesa-pátria" , conforme denunciavam os setores
rica, o plano julgava poder harmonizar e satisfazer interesses contraditó- de esquerda nacionalista. (A Amforp seria adquirida meses mais tarde
rios - de patrões e empregados, de proprietários e de trabalhadores por iniciativa do governo de Castelo Branco.)
assalariados.
O PlanoTrienal procurava compatibilizar o combate ao surto infla-
cionário com uma política de desenvolvimento que permitisse ao país A batalha pelas reformas
retomar as taxas de crescimento do final dos anos 50. Como reconhe-
ciam alguns setores de esquerda, o plano constituía-se num avanço em Ao finalizar o ano 1963, o malogro do PlanoTrienal era reconhecido
relação às teses ortodoxas dominantes, pois afirmava ser possível com- por todos: nem desaceleração da inflação, nem aceleração do cresci-
bate r o processo inflacionário sem sacrificar o desenvolvimento. Ape- mento tinham ocorrido. Houve, sim, inflação sem crescimento.
sar de não atribuir aos salários efeitos inflacionários, na prática o plano Tão logo se esboçava o fracasso do plano - antes mesmo da con-
pedia - como o fazem todos os planos de"salvação nacional" - que os clusão do primeiro semestre de 1963 -, o governo Goulart passou a
trabalhadores (novamente) apertassem os cintos, em nome de benefí- empunhar de forma mais enérgica a bandeira das reformas de base (agr:í-
cios que viriam obter a mé dio prazo. Os tradicionais apelos à "colabora- ria, bancária, fiscal, eleitoral, etc.) Como reconhecia o plano, as refor-
(;ão" e ao ''patriotismo" ela classe trabalhadora eram reiterados pelos mas eram indispensáveis a fim de que o capitalismo industrial brasilci rn
formuladores do plano. Inicialmente, as "classes produtoras"saudaram pudesse alcançar um novo patamar de desenvolvimento. De outro lado,
a proposta governamental; mas esta sofreria os primeiros (e fortes) aba- as reformas se impunham para ate nuar as tensões sociais ac umulada:;
los com os protestos vindos dos setores sindicais e das organizações que se expressavam através de conflitos visíveis e latentes. O caso da
políticas nac ionalistas e de esquerda. Logo nos primeiros dias de feverei- reforma agrária era exemplar. Era preciso aumentar a produção de all
rn, o CGT difundia um manifesto em que se denunciava o"caráter reacio- mentos, de matérias-primas para a indústria e criar no campo um 111< •1\ ·:i
11:irio" do plano de Furtado/Dantas. As críticas se aprofundaram a partir cio para os bens manufaturados. Mas, principalmente, e ra preciSl> t·vl1:11•

34 35
a '\ •onvulsiio social". Recentemente, um dos mais íntimos colaboradores ,I,, movimento sindical e condenava iniciativas políticas ele esquerda (uma
dl' <;oularL esclareceu: tl<'las fi>i a proibição de um congresso em defesa ela revolução cubana).
,,.., n ,ncessões à direita não se limitavam a estes fatos, pois os mais im-
1... 1 o que Jango tentava fazer não tinha nada de muito ousado nem de radi- portantes cargos da administração federal (responsáveis pela direção da
cal. Elt: dizia sempre que, se o número de proprietários rurais fosse elevado p,,lítica econômico-financeira) eram reservados aos representantes das
de 2 para 10 milhões. a propriedade seria muito melhor defendida [... ] Por l'iasscs dominantes (empresários, banqueiros e latifundiários), ao mes-
isso é que Jango. latifuncliárío, queria fazer a reforma agrária para defender a 1i10 te mpo em que eram indicados "duros" das Forças Armadas para es-
propl'iedade e assegurar a fartura , evitando o desespero p opular e a convul-
são social. (Ribeiro, 1981)
1r:1tégicos postos de comando mi_litar.

Apesar de não ter nenhum sentido revolucionário, correspondendo,


assim, às necessidades de consolidação elo capitalismo industrial e, de <J 11em dará o golpe?
outro lado, à estratégia da dominação social burguesa, a reforma agrária
foi fortemente combatida no Congresso. PSD e UDN, representando os Sob permanente desconfiança da direita e da ~squerda, o governo
interesses dos grandes proprietários rurais e de expressivos setores da C1H1lart acabaria, de maneira gradativa, se isolando politicamente. Sua
Igreja Católica, negaram apoio a qualquer emenda constitucional que ., mhigüiclade e fraqueza políticas se evidenciaram de forma definitiva no
viabilizasse a reforma agrária proposta pelo governo. Com esta decisão, 1·pisóclio do frustrado pedido de estado de sítio (outubro de 1963).Para
o Congresso Nacional demonstrava que o caminho das reformas seria i111pedir "grave comoção intestina com caráter de guerra civil'', o Execu-
clificil e tormentoso. ti vo solicitou amplos poderes ao Congresso. Os fatos que punham "em
A partir daí, os setores nacionalistas vão desencadear uma intensa e pl'rigo" as instituições democráticas e a ordem política eram assim rela-
ampla campanha de pressão sobre o Parlamento. Por meio de comícios, tados: indisciplina nas PMs estaduais e ·'sublevação de graduados e sol-
passeatas e manifestos, as organizações reunidas em torno da Frente ele dados" ("por exemplo, a revolta dos sargentos'' em 13rasília);"freqüentes
mobilização popular (FPN, CG1; ligas camponesas PCB, etc.) passam a rl'ivindicações salariais agravando a crise político-social'' (na ocasião, em
exigir "reformas já!". Ameaçando os conservadores, clamava-se com o S:ío Paulo, ocorria uma greve de bancários e o PUA ameaçava com uma -
slogan.: "Reforma agrária: na lei ou na marra!". Em contrapartida, os decretação de greve geral). Por fim, apontava-se o fato de existirem go-
setores de direita (lpes/Ibad, ADP, Igreja, Associações femininas, etc.), vernadores de importantes estados "conspirando contra a nação". Se o
alguns amplamente financiados pela embaixada norte-americana e por l'Stado-de-sítio visava Carlos Lacerda (e, por tabela, Adhemar de Barros),
empresas multinacionais, passaram à denunciar a "subversão" e a "comu- quem poderia negar que o "esquerdista" Miguel Arraes (governador de
nicação do país". Segundo estes setores, o governo era acusado de esti- Pernambuco) não estaria também na "lista de saneamento" elaborada
mular a "desordem e a agitação social". pelos militares "duros", com a inteira anuência de Goulart?
Sem base de sustentação no Congresso, o governo Goulart se enfra- Uma vez mais, o Congresso derrotou Goulart. Direita e esquerda,
quecia, pois dele se afastavam seus tradicionais aliados. Embora agitasse por razões distintas, abriram cerrado fogo contra o governo. Se os libe-
as bandeiras do nacionalismo e elas reformas sociais, o governo, porém, rais se assustavam com o fantasma de Vargas (imaginando um golpe se-
protelava indefinidamente a realização de medidas populares e naciona- melhante ao de 1937), os setores de esquerda viam no estado-ele-sítio
listas que independiam de aprovação legislativa. Entre estas se destaca- uma tentativa clara de se reprimirem os movimentos populares (fecha-
vam: a regulamentação da Lei de Remessa de Lucros (aprovada desde mento do CGT, das ligas, ela UNE, além da prisão de líderes políticos
setembro de 1962 pelo Congresso), a nacionalização das concessioná- nacionalistas e populares).
rias de serviços públicos, moinhos, frigorificos e indústrias farmacêuti- Nos meses seguintes, uma pergunta passou a dominar a cena políti-
cas, o monopólio das exportações de café pelo IBC, a ampliação do ca: Quem dará o golpe? Para a direita, era Goulart quem o articulava
monopólio estatal de petróleo, etc.Além disso, o governo entrava em através de seu "dispositivo militar" e com a colaboração dos setores
c hoque com os setores ela esquerda nacionalista, pois afastava colabora- nacionalistas e populares. As "evidências" arroladas eram: as manifcst:a-
dores ideologicamente progressistas, combatia os setores não-pelegos <.;Ões de ruas em defesa das reformas, as manifestações ele camponeses,

36 37
as I rcqt"lcntcs greves (em particular as greves políticas comandadas pelo , 1, H /i lf '(" d11fí111:se:xta-fe ira, 13
< :e;T), as revoltas das camadas subalternas das Forças Armadas, a "sub-
versão'' estudantil, etc. Enquanto a direita promovia sua "campanha cívi- I\J,1 11 b t<iria da democracia populista brasileira, poucos atos públi-
c a" c om grande alarde, as esquerdas - embora denunciassem as '," 11, 1·1.1111 tamanho impacto e repercussão políticos quanto o comício
111anobras golpistas da reação (lideradas pelos governadores de Minas ,t 1, 1, 111rn1as do dia 13 de março de 1964. Com amplo apoio oficial e sob
( ;e ra is, São Paulo e Guanabara; a ação da imprensa conservadora; as ati- , 1•1, ,1, ·,;:H> de um eficiente e squema de segurança armado pelo I Exérci-
vidades de Ipes/lbad; as campanhas anticomunistas do padre Peyton e t 11 111,d~ de duzentas mil pessoas se reuniram em praça pública para
do "rearmamento moral", etc.) -, não deixavam, contudo, de levantar 1 , 1,111 ,,.., rclúrmas de base, além de medidas nacionalistas e populares e
s usj)eitas e desconfianças face aos propósitos de Goulart. Apesar das ti , ,1111plia<.;ão elas liberdades democráticas. Do imenso conjunto de car-
vacilações deste, as esquerdas, contudo, entendiam que ainda deviam 1111 ,, , . bandeiras clefraldados, destacavam-se frases que iriam inquietar
manter-se em torno do governo. Não lhes convinha politicamente rom- 1111,l.1 111ais as classes dominantes e a classe média:"Reformas ou revolu-
per com Goulart. ' 111", " Forc a p ara os militares gorilas"; "Defenderemos as reformas à
Novamente, buscaram elas convencer Goulart de que sua única"saí- l1,tl,1";" l.cgaliclade ao PCB"; "Reeleição deJango". Após três horas de
da e alternativa" era vincular-se de forma inequívoca aos setores popula- 1111l,1111ados discursos, Goulart encerrou o ato anunciando - através de
res e nacionalistas, lançando-se definitivamente no caminho das reformas; , I, ,i,.. decretos cio Executivo - a nacionalização das refinarias particula-
ao mesmo tempo, afirmavam a Goulart que ele deveria romper com os 1, ,, d e petróleo e a desapropriação de terras com mais de cem hectares
setores conservadores, representados pelo PSD e UDN. q 111· l:tdcavam rodovias e ferrovias federais. Na fala mais aplaudida do
O balanço de 1963 revelaria de forma dramática o. fracasso da polí-
,1111, Leonel Brizola exigiu o fim ela "política de conciliação", postulou a
tica econômica: o índice geral dos preços alcançou 78% (previa-se 25%),
1111ngência ele um "governo nacionalista e popular" e a "derrogação cio
a taxa do PIB chegou ao ponto rµais baixo (1 ,5%). Sem crescimento
,1111:1I Congresso ". Brizola foi veemente em sua c rítica ao Congresso Na-
econômico e com uma elevada inflação, todos reclamavam. Muitas gre-
' lt ,11al , •'poder controlado por uma maioria ele latifundiários, reacionários
ves iriam espoucar durante os primeiros meses de 1964. Em apenas 15
1 • privilegiados". Suas palavras finais nesse comício iriam provocar ainda
dias ele janeiro, ocorreram dezessete, na Guanabarn: em fevereiro e mar-
ço, as paralisações de trnbalhadores rurais do Nordeste foram intensas. 111:iis a fúria dos conservadores e liberais:
Na Paraíba, em Pernambuco, Goiás e Minas, as invasões de terra eram
denunciadas com enorme sensacionalismo pelos meios de comunic.t- A única saída pacífica é fazer com que a decisão volte ao p ovo através de
uma Constituinte, com a eleição de um Congresso popular, ele que partici-
ção. O governo era implacavelmente denunciado pelas classes dominan-
pem os trabalhadores, os camponeses, os sargentos e oficiais nacionalistas,
tes, pois não reprimia esses movimentos "subversivos". homens públicos autênticos, e do qual sejam eliminadas as velhas raposas
Convencido de que a direita golpista "fechava o cercô", Jango co- ela política tradicional.
meçou a se voltar para a esquerda. Em meados de janeiro, sob intensas
críticas de setores da burguesia nacional associada ao capital Nos dias seguintes, a palavra de ordem dos brizolistas, agrupados
multinacional, e dos credores estrangeiros, Goulart regulamentou a Lei cm torno cios "grupos de onze", seria: "Constituinte popular! "
de Remessa de Lucros. Semanas antes, para desagrado dos investidores A sor te estava lançada. Desde o início de março, setores das classes
estrange iros e da burguesia associada, assinou um decreto em que se médisas e da burguesia - sob a bandeira do anticomunismo e da defesa
procedia a uma "completa revisão de todas as concessões governamen- da propriedade, da Família e da moral cristã - saíam às ruas em diversas
tais na indústria de mineração ". capitais do país para pedir o irnpeachrnent de Goulart. Em São Paulo, a
Para o conjunto das forças militares e setores políticos liberais e
"marcha da Familia com Deus pela Liberdade" teve o mais amplo apoio
conservadores - bem como para a embaixada norte-americana, ator
do governo do Estado, da Fiesp da Sociedade Rural Brasileira e de seto-
ativo em toda a conjuntura-, não restavam mais dúvidas quanto à "co-
res da Igreja Católica. Em Belo Horizonte, Brizola foi escorraçado por
muni_s ação" do governo e dos perigos que isto representava para o"mun-
grupos tradicionalistas. Dessas manifestações praticamente estiveram au-
do livre"e para o regime capitalista. Adefinitiva"guinada para a esquerda"
SL' daria no dia 13.
sentes os op erários e as organizações populare s (com exceção ele alguns

38 39
111 lt ·n:s"dcmocráticos" ele organizações sindicais controladas abettamente
p l'il> lpcs/lbad e por centrais sindicais financiadas pelo governo norte- . . difítCI·1 e1n termos de_oh-
:1111nicano). Como observou um estudioso, tais manifestações públicas 1., 11 ll ·rh• 1> ool[)e
b .
ter sido evitado? Resposta
d a pcr~~m e
,. histó rica, pois estamos em ple_no terreno a , .-• ,
1i11liam o propósito cle"criar clima sociopolítico favorável à intervenção li Il i Ili ' 'ti · - b t nte razoa-
' '"' 111 ,-.-.ihil ismos". Acreditamos, n<? entanlo: .que _sao as a
militar, bem como incitar diretamente as forças armadas ao golpe de
Eslado" (Saes, 1961).
" 1,, .,,, p,imle rações de Herbert de Souza (Bet111ho) .
Alarmada com a indisciplina e a quebra ela hierarquia em suas filei- , , l11, ( uc houve falta de direçfw política articulada com a resis1ê'.1cia ~ilitar.
ras, com a politização crescente em seus quadros subalternos e com as .., , " 1:-11p·1sdo Mourão tivessem sido atacadas, elas se e ntreganam. ~e es~e
"agitações comandadas pelo ilegal poder do CGT", a alta oficialiclacle ' · ·· d O 1, 0 Ge11era1 Amaury Kruel contmuana
111111 1111 cnl0 tivesse sido abona ª• •• . • _ .
das ForçasArmadas - que a contragosto aceitara a posse ele Goulart em , ' " d ma do muro, o II Exé rcito não se defi.niria, a V,la Militar nao dcscena,e
1961,passando desde então a conspirar contra ele - decidiu agir pron- , ,,.. ,v.1vclmente o golpe teria outro resultado (Souza, 1989).
tamente. Dois episódios, após o comício cio dia 13, levaram os militan-
tes golpistas a dizer um basta ao governo de Goulart. O primeiro foi a < >u seja, o golpe teria sido abortado. Uma outra c~n~guração p~líti~
"revolta cios marinheiros", no dia 25 de março, na Guanabara, envolven- ' 'i "'ªºsurgiria.Mais à direita ou mais à esquerda, nao se pode afumar
do mais ele mil fuzileiros navais e marinheiros. ' :1111 L'crteza. Assim, não haveria, em abril de, 64, um_a ruJ;tura
O governo, alguns dias depois, decretaria a anistia de todos os 111,tlt11cional, mas um 1-e-arranjo das força~ P_Oltt~ca.s _e~·istent~s na-
revoltosos. Esta medida teve o efeito ele uma verdadeira bomba no Clu- •/lll'lrlconjuntura. Na mesma linha ele raciocm10 hipoteuco, assmallou
. 1. t a, h omem de confiança ele Gou art,
be Naval e no Clube Militar. O segundo acont~cimento deu-se cinco dias 11 111 Importante oficial nacionais

depois. Apesar de ser aconselhado em contrário, Goulart compareceu a l11lgadci ro francisco Teixeira:
uma re união da Associação cios Suboficiais e Sargentos da PM da se Presidente decidisse
Guanabara. No discurso, transmitido por rádio e tevê, o presidente, de Apesar do desgaste que vinha sofren<lo o governO • O me-
n.:si~,ir contra-atacar ( ...) talvez tivesse ganho aquela parada. Ou: pelo . .
forma dramática, denunciou as pressões que vinha sofrendo da reação, nos, es,tabelecido uma luta mais prolongada. Mas ele resolveu nao res1sttr
apoiada e financiada pelo imperialismo e pela grande burguesia associa- (Teixeira, 1989).
da. Para alguns autores, o gesto intempestivo tinha resso nâncias seme-
lhantes à carta-testamento de Vargas. Sem at irar contra o próprio peito, A própria direita se surpreendeu com a facilidade com que ch~gOl'.
Goulart preferia o suicídio político. ,, , poder Um jornalista simpático aos golpistas viria depor nest.~ 1~h;,
Na madrugada de 31 de março, algumas horas antes da data marcada '. , Nfo ho~ve luta. Goulart, com seu ,dispositivo militar', com seu um o
pela alta oficialidade para o desencadeamento cio golpe, o general Mourão 1:'.xC:rcito' do CGT, UNE e PUA, caiu com espantosa facilidade". Mas, c~m~
Filho ( 4ª Região Militar) - para surpresa e desagrado dessa mesma ofi- n ,Le mesmo jornalista observou em seu livro, o governo Goulart r_e:e•
cialidade - ordenou a suas tropas que se movimentassem em direção 1i1u não ape nas incompetência, mas completa falta de vontc~:e PJo~ttic:t
ao Rio de Janeiro. Mesmo informado dessa ação, Goulart recusou-se a / • i:>arrar o caminho do golpe. Quatro meses antes,Abela1 º. m em,1,
ordenar um ataque aéreo ele intimidação - não necessariamente abrin- :i~inistro ela Juslica de Jango, em entrevista jornalí~tica, demmci_ou ~01,1_~
do fogo - contra os revoltosos (naquelas primeiras horas, militarmente :i m )los detalhes a existência de reuniões ele conspu::dores contra o i cg_1.
inferiores e ainda sem uma estratégia coordenada com os demais cen- l; Falou dos lugares em que ocorriam estas reuruoes e deu os nomes
tros militares do país). O chamado "dispositivo militar" do governo ja- ~~o~ Jrinci ais golpistas. Nestas reuniões, compar~ci~m regula~·~11en~e o
mais seria acionado e Jango abriria mão cio poder sem a menor reação, . 1 .\nte ~ademaker Sylvio Heck, brigadeiro Mareio de Souza Mcllo,
,l m11, . M , - F'lho Cordeiro ele Farias, Nelson de Mcllo,
partindo rumo ao sul do país.Ali,mesmo pressionado por Ilrizola e outros, general Olymp10 ourao i ,
recusou-se, novamente, a qualquer iniciativa contra os golpistas. Prefe- lio Denys. Por parte cios civis, compareciam, entre outros,
marecl1aI Ody J T 1 , Mesc111I-
riu a fuga para suas propriedades no Uruguai. 0
. irista Francisco Campos e representantes cio doutor u ,o l e .
Jl . .
10 E ·t do de sPaulo. Como se sabe, todas l'l:t-4
ta Filho, diretor do iorna sa ·

41
40
l'iguras proeminentes do golpe vitorioso. Conclui o jornalista:"[... ] é de 1111.1,.,'(°,es políticas e associações de classe.Julgava, no entanto, que t1:rla ,
espantar que,a quatro meses da revolução,portanto com suficiente tem- , 111 (·ompensação, o respaldo político da burguesia industrial brasileh~,
po, não houvesse [o governo Goulart, CNT] adotado providências. Su- 1',11.1 a consecução de seu programa reformista. Ficou comprovado, po-
bestimou a importância das reuniões" (Stacchini, 1965). 1, ·111, para igual decepção da esquerda nacionalista - defensora de uma
O golpe encontrou as esquerdas fragmentadas em diferentes cor- t1<·111e antilatifúndio -, que nunca foi politicamente significatit•o o
rentes ideológicas, isoladas das grandes massas populares e sem nenhu- , w 11/mnnísso da burguesia brasileira com a realização das refor,nos
ma estratégia política para resistir à ação deflagrada. Subordinadas e " 11 /11/s e econômicas postuladas nesse período. Conclusão análoga pode
vinculadas ao populismo janguista, não conseguiram as organizações ,11 ·r re tirada ela questão cio nacionalismo. O nacionalismo da burguesia

populares e sindicais vislumbrar e implementar uma ação independente t ,msifeira sempre teve um caráter eminentemente pragmático;ou seja,
face ao capitulacionismo do governo Goulart. Com uma crescente retó- d,·pcndendo das circunstâncias e de suas conveniências,a burguesia se
rica radical e pseudamente revolucionária, 119 pré-64, as esquerdas mos- , 11 H ie ou se associa ao capital multinacional. Neste sentido, deve-se tam-
traram-se inteiramente inertes e desorientadas frente à ação militar, l w 111 afirmar que o nacionalismo do governo Goulart - tal como o de
amargando uma derrota arrasadora e desmoralizante. As massas popula- \ ., rgas - , teve uma dimensão mais retórica que uma prática efetiva e
res e trabalhadoras não deram um passo - a não ser em casos muito 1 1111seqüente.A conciliação com o imperialismo foi uma constante, du-

isolados - em defesa do governo populista, assistindo passivamente ao 1,,11te todo o governo Goulart.A adesão do Plano Trienal ao receituário
desmantelamento de suas organizações políticas e sindicais bem como à 1 I<, F.,\11, a tentativa de compra daAmforp e a protelação ela regulamenta-

prisão de suas lideranças mais expressivas. Como um"castelo de cartas", '- .,,> da Lei de Remessa de Lucros são exemplos que negam a tese de
desabou a chamada "frente democrática" que reuniria operários, cam- ,·, i~tt:ncia de um "governo eminentemente nacionalista". Reconheça-
poneses, militares nacionalistas e estudantes - na época considerada ·,,·, contudo, que o Executivo, em seus discursos, verberava contra a
uma"força sólida e inexpugnável" diante de qualquer veleidade golpista, "L·spoliação imperialista" e sempre manteve estreitas relações com os
acreditavam as lideranças de esquerda. ~L·tores políticos nacionalistas.
A aproximação com as organizações políticas elas classes populares
e trabalhadoras fazia-se por meio do reconhecimento da legitimidade de
Algumas conclusões ~uas reivindicações, do apoio às entidades ditas ilegais (CGT, PUA, Ligas,
,·te.), da não-repressão às greves políticas, da extensão da legislação tra-
No início dos anos 60, os impasses do capitalismo brasileiro impu- h:t Ihista ao campo e do respeito às franquias democráticas. Havia subor-
nham ao Estado brasileiro a realização ele um conjunto ele reformas soci- dinação, mas a tutela da maioria dessas entidades em relação à política
ais, econômicas e institucionais. O governo Goulart representou, ele um populista deJango nunca foi completa e incondicional. Bem se sabe que
_lado, a tentativa de fazer avançar a economia para um novo patamar do :t estrada do populismo tem duas mãos, e sua política tem duas faces. A
capitalismo brasileiro e, de outro, a procura de soluções para os graves "guinada para a esquerda", nos meses finais, foi, inclusive, interpretada
conflitos e tensões sociais que se agudizaram a partir do período n>m muitas suspeitas e reservas por essas entidades. Desta forma , o go-
desenvolvimentista.Tais reformas, contudo, constituíram-se em simples 1'erno Goulart nem conseguia o pleno respaldo das classes populares
consígnas políticas; na verdade, seja pela negativa do Congresso, majori- ,. trabalhadoras, nem se legitimava face ao conjunto das classes
tariamente conservador e anti-reformista, seja pela incompetência polí- dominantes.
tica do Executivo, nunca conseguiram elas ser implementadas. Como se Até meados de 1963, pode-se afirmar que o governo obteve um
mostrou, no momento em que passou a demonstrar maior determina- relativo apoio de expressivos setores da burguesia industrial brasileira .
ção na aprovação das reformas, o governo teve seu caminho barrado <:ontudo, a partir do momento em que se comprova a incapac idade d,>
pelo golpe de Estado. governo em reverter a tendência estagnante da economia, sua l'oll'r:ln-
No caso da reforma agrária, política e economicamente a mais im- cia diante da ampliação elas greves e o clima de agitação social pn111a•
portante das propostas do governo, Goulart, em seus cálculos, sempre ncnte - interpretado e magnificado pela reação como si nal til'
contou com a oposição dos grandes proprietários rurais e de suas orga- "comunização" do país - , a quase totalidade da burguesia hraslk l1·.1

42 43
pa~so u a conspirar ativamente contra o governo. Pode-se afirmar qut· ,,
n isc econômica e o avanço político-ideológico das classes trabalhadti
rase.: populares passavam a ser encarados como realidades sociais inacl'I
1:ívc.:is. Dif1.rndiam os ideólogos liberais e conservadores que as classt·,
subalternas, no limite, buscariam impor soluções não-cap italistas à criM
c.:conômica e social. Tal ameaça - objetivamente muito remota - pro
vocou a unificação política das classes dominantes.
O golpe de 1964,como esclareceu um renomado sociólogo, visou,
fundamentalmente, in1pedil' a "transição de uma democracia restrita
para uma democracia de participaçfto ampliada" (Fernandes, 1981). Ou,
como afirmamos e m outro lugar:
BIBLIOGRAFIA CITADA:
A crescente radicalização política cio m ovimento p opular e dos trabalhado-
res, pressionando o Executivo a romper os limites do pacto popul.ista, levou
o conjunto das classes dominantes e seto res das classes médias - apoiados ,11era . São Pau-
e estimulados por agc'.:ncias governamentais norte-americanas e empresas
11 HN /\ l )Es ' •
Florestan. Brasi·z: em compasso d e esr
multinacionais - a condenar o governo Goulart.A derrubada cio governo
conto u com a participação decisiva das ForçasArmadas,as quais - a partir lo. 11ucitec, 1981. . . hor APEC, s/d. .
de meados ele abril de 1964 - impuseram ao país uma nova ordem político- e ,1 l>I N, E. Por um Bra~tl m~- D~ntas, L. Dantas (org.), História
institucional com características crescentemente militarizadas.(foled o, 1993) llll l l•,lllO, Darci. Entrevista. . .
l'il'icla Il. OESP. , . l' t"ca no Brasil". l n: Fausto, Bons
O regime militar instalado promoveria a chamada "modernização , - "CI se mecha e po 1 1
,, ,\ES, Dec10. as , Difel. ·•
conservadora", excluindo da cena política e social as classes trabalhado- (org.) , Brasil republ~cano 3,il" e outros estudos. Paz e1en-a,
ras e populares, pondo fim a uma experiência de democracia política ..,c,11WARZ,Roberto. opaidefam ia
populista considerada intolerável para as classes dominantes brasileiras. 1978. . . coloca no poder. Global, 19,?~-
Nada de muito surpreendente na história política de um país cuja bur- :-.<:1llLLING, P. Como a direita6s,,e(depoimento). In: Moraes, Denis,
guesia tem revelado pouco empenho n a permanência e ampliação de , "Personagem 989
so ZA, H.Jose. de 64 Espaço eTempo, 1 .
uma ordem política democrática que possa favorecer as lulas sociais <los A esquerda e O golpe · ,, Jn· ibidem, 1989.
trabalhadores e dos setores populares. ·
·1·1:iXEIRA Francisco. "Personagem 5 ·b 'l•zaçao
· _ da aud acict.
, · Cia.
, '
STACCHINI, Jose. a ç , M r o de 64: mo i •

. Editora Nacional, 1965. , lrpe de 64. Brasiliense,


·ro LEDO,Caio N.de. O governo Goulart e o go
l5" edição, 1993.

44 45
4
DEMOCRACIA & REFORMAS:A CONCILIAÇÃO
FRU~TRADA
Argelina C. Figueiredo

No início dos anos 60, a sociedade brasileira defrontou-se com o


desafio - com o qual ainda nos deparamos hoje - de tentar diminuir
:is profundas desigualdades sociais e econômicas no marco das institui-
c,:C>es democráticas. Naquele momento, um conjunto de reformas ocu-
pou o centro da agenda política e as instituições democráticas não
resistiram à pressão de forças polarizadas e radicalizadas a favor e contra
:1 mudança social.
A questão central que orientou meu trabalho sobre aquele período
r t1ue, tendo em vista a situação do Brasil de hoje, continua relevante, foi
:1seguinte: Por que não foi possível alcançar urna solução institucional
r/tt.e combinasse democracia corn reformas sociais?
As análises predominantes sobre o início cios anos 60 enfatizam os
aspectos econômico-estruturais e concluem pela inevitabilidade do gol-
pe. Ao contrário dessas análises, e seguindo o caminho abe rto por
Wanderley Guilherme dos Santos, procurei enfatizar o papel das va ri:í-
vcis politicas no desenrolar dos acontecimentos. Centrei minha an:ílise
na conduta dos atores p olíticos, principalmente daqueles que lutavam
pelas reformas.Não as ações,consideradas em si mesmas, mas a int:e ra<,;:tc>
com os demais atores, opositores e aliados. Tomando como ponto de
partida os interesses, as ideologias, a percepção e o cálculo que.: orknt :1•
vam a atuação dos diferentes atores políticos,formule i os prnhh: m:1:-, cm

47
ll·1·111os de possibilidades e escolhas. Dada a estrutura da situação em po líticos competidores acirrou o consenso negativo c m rclaçtt, a" P• ,,,1
q11l' :-.e desenvolvia a interação estratégica entre os diferentes atores po-
hilidades de resolver o conflito dentro das regras democ r:ítk:as.
lrl k os, que estratégias teriam maior chance de sucesso e q ue cursos de Vou , en tão, rever os fatores que nesses dois mome ntos - na l'1'Pl'
:u.;ao e ram objetivame nte possíveis? riê nc ia parlamentarista e no período pós-plebiscito - tornaram impw,
Para responder a essas questões fiz uma recon strução do p eríodo
:-.ívcl um compromisso que p ermitisse a implementação de rclürma,'i ,u,
(l 1-M, mostrando as possibilidades que estavam abertas à ação política e
.,mbito das instituições democráticas vigentes.
as oportunidades que foram perdidas, em diversas conjunturas - como
por exemplo, a posse de Jango, a solução parlamentarista, o p eríodo
• 1coalizão antiparlamentarista
prcsiden cialisla, o estado de sítio, a tentativa de formação da Frente pro-
gressista de apoio às re formas e, finalmente, a crise de março.
O parlamentarismo foi uma solução institucional adequada aos con-
Parti do p rincípio de que o regime autoritário instalado em 1964
:-.crvadores interessados e m conter o movin1ento pró-reformas. Dada a
não foi o resultado de uma todo-poderosa conspiração direitistà contra o
maioria con servadora no Congresso, o n ovo sistema era uma garantia
governo Goulart nem, tampouco, a conseqüência inevitável de fatores
.1didonal contra a imp lementação de um programa rápido de reformas.
estruturais, muitos dos quais já atuavam quando, em 1961, um golpe foi l·'.s ta garan tia era reforçada pelo dispositivo do ato adicional que impedia
abortado. ., dissolução do Congresso.
No início dos anos 60,no Brasil, tornou-se impossível a construção Entretanto, o governo de "união nacional" for mado sob o regime
de um compromisso que combinasse reformas e democracia cm um pro- parlamentarista não podia descartar a crescente deman da por reformas
jeto polític o consistente, porque democracia e reformas eram p ercebi- l' o importante p apel desempenhado p elos grupos c omprometidos com
das como objetivos p olíticos conflitantes. Em cada uma das conjunturas ,1-; reformas sociais na garantia da p osse de João Goulart. Porlanto, o
referidas acima, difere ntes coalizões se formaram em torno de cada um parlamentarismo, e nquanto arranjo institucional que favorecia a posi-
desses objetivos, estrutmadas, na maioria das vezes, e m função de um e t;ao conservadora, excluía a p ossibilidade de imp lementação de um p ro-
em detrimento do outro. Em cada uma dessas conjunturas, diferentes grama de refor mas profundas, mas permitia o estabelecimento de
fatores contribuíram para o frac asso em se alcançar um equilíbrio aceitá- rcliirmas moderadas e p arciais, como p arte de u ma estratégia preemptiva
vel entre regras democráticas de competição p olítica e mudanças de um conflito social incontrolável, da maneira como, aliás, foi clara-
socioeconômicas. 111cnte colocada por Tan c redo Neves em seu discurso de posse.
Dada a impossibilidade de reproduzir aqui, com detalhes, o jogo A estratégia desenhada porTancredo Neves, porém , não teve succs-
político em cada uma dessas conjunturas, escolhi centrar minha exp osi- , ., porque predominou , durante todo o p eríodo parlamentarista, a estra-
ção e m dois momentos cruciais em que um cenário que combinasse 1l'gia de minar o parlamentarismo visando o retorno ao regime presiden-
democracia com reformas, ainda que limitadas, não seria implausível: o \'ia lista.
período parlamentarista e o p e ríodo logo após o plebiscito e m que são Imediatamente após o estab elecimento do novo sistema de govcr-
tentados um plano de estabilização econômica e uma reforma agrária. ,u,, formo u-se uma coalizão antiparlamentarista que aliava conservado-
De maneira geral, argumento que o efeito acumulado desses dois l'l'S i:: grupos pró-reformas. Os conservadores preferiam abrir mão das
fracassos estreitou o campo possível de ação das forças favoráveis à mu- garantias que o novo regime oferecia contra um rápido processo de
dança social, condenando ao fracasso uma última tentativa de formar 111udança e agiram com base em considerações de cur to p razo e intcres-
uma frente de centro-esquerda, visando obter acordo a respeito de um ~cs imediatos. Em primeiro lugar, as lideran ças nacionais do PSD e da
programa mínimo de reformas e deter o crescente movimento direitista t ' DN, interessadas na sucessão presidencial em 1965, desde o início,
contra o governo. Naquele momento, ou seja, n o início de 1964, a opo- rngajaram-se na campanha que Goular t iniciou, n o p róprio dia de sua
sição ao governo já h avia crescido e amp liado suas bases de apoio, à posse, para o retorno ao p residencialismo . Em segundo lugar, o compro
medida que outros grupos,além do núcleo con spiratório original,foram 111isso desses partidos com a institucionalização do parlam.cntarismo loi
se juntando ao bloco antigovernamental. O confronto entre os grupos decrescendo à medida que crescia a preocupação com a suajJe1./im11fl111 ,,

48 49
1,as 1.:l<.:i<,;í'ks de outubro de 1962. O sistema parlamentarista tinha baixa grupos pró-reformas pudessem lançar mão no futuro próximo, rn > n1:11·e1,
popularidade, e esses políticos estavam preocupados em garantir o con- das instituições vigentes. Portanto, para que as reformas desejadas pudes-
trole sobre cargos públicos para influir nas eleições parlamentares de sem ser implementadas, seria ainda necessária uma solução negociada.
outubro de 1962. As duas principais medidas tentadas pelo governo logo após o n:-
Os grupos de esquerda e nacionalistas, por sua vez, que haviam se tomo ao p residencialismo - o PlanoTrienal e a reforma agrária - falha-
unificado em uma coalizão pró-reforma radical, viam no regime o obstá- ram, porque aquele não foi capaz de obter um compromisso a respeito
c ulo que ele realmente constituía a seus desejos de mudança socioeco- das questões substantivas, cm jogo em cada uma dessas medidas. Apc-
nf>mica mais profunda. Para esses grupos, seria de fato irracional aceitar sar de ambas implicarem um compromisso substantivo, constituíam me-
reformas limitadas, quando ainda dispunham ele novas oportunidades didas de natureza diversa, que requeriam diferentes condições para que
de ampliar o seu p oder dentro das instituições vigentes e aumentar as fossem implementadas com sucesso. O Plano Trienal poderia produzir
possibilidades de obter reformas mais profundas no futuro próximo. benefícios de longo prazo para todos os grupos, mas requeria sacrifícios
Essas duas oportunidades eram as eleições de 1962 e a restauração do imediatos. Portanto, seria necessário um consenso sobre os sacrifícios a
presidencialismo. Por esta razão, ou seja, com base em considerações serem impostos a cada grupo.A reforma agrária era uma qm~stão redis-
não-imediatas (ao contrário dos conservadores), os grupos pró-reformas tTibutiva; algum grupo necessariamente perde ria. Portanto, seria impor-
não aceitavam a negociação no Parlamento e adotavam uma estratégia tante a formação de uma coalizão em torno de um projeto capaz de
maximalista que excluía concessões e compromissos e consistia em obter apoio majoritário no Congresso.
questionar publicamente a capacidade do Congresso em produzir refor- Não vou tratar cios motivos que levaram ao fracasso do PlanoTrienal.
mas que não fossem cosméticas e, através da mobilização da sociedade, 1loje,nós todos sabemos das dificuldades de obter apoio voluntário para
em ameaçar seus opositores com a perspectiva de um público cada vez medidas de estabilização,pois estas implicam custos certos no presente
mais disposto a aceitar soluções extraparlamentares em relação ao con- c benefícios incertos no futuro. Vou falar apenas sobre a tentativa ele
flito político. implementar a reforma agrária, que era a principal reforma de base de-
Através dessa estratégia, os grupos pró-reformas tentavam consoli- mandada no período.
dar o apoio extraparlamentar para as reformas e aumentar sua influência Em abril de 1963, é apresentado pelo PTB um projeto de reforma
junto aos eleitores. Além disso, buscavam aumentar a ascendência sobre constitucional para Reforma agrária. O principal objetivo era modificar
Goulart, compelindo-o a um comprometimento mais forte com as refor- <> preceito constitucional que proibia a desapropriação de terras sem
mas. Em setembro de 1962, a antecipação cio plebiscito é aprovada sob indenização prévia e em dinheiro, que tornava impraticável qualquer
pressão militar e sindical. Esta decisão foi o resultado da formação de tipo de reforma agrária. O projeto apresentado, contudo, era bem mais
uma coalizão antiparlamentarista que reunia não só grupos de esquerda, amplo. Propunha o pagamento de indenização de terras desapropriadas
que viam no presidencialismo maiores chances ele implementar seu pro- por interesse social com títulos da dívida pública, com correção ele no
grama de reformas, mas também grupos conservadores m ovidos por múximo 10% do seu valor nominal , e incluía ainda o arrendamento com-
interesses eleitorais e clientelísticos. pulsório e a desapropriação por interesse social de áreas urbanas, a ser
regulamentada por legislação ordinária. Como tal, o pro jeto era inaceitú-
vd pelos grupos conservadores ainda majoritários no Congresso. Mas,
Presidencialismo: fracasso de um compromisso substantivo durante toda sua tramitação na comissão parlamentar criada e no perío-
do prévio à sua votação em plenário, a atitude do partido do governo fiil
A restauração do presidencialismo e o aumento da representação dc intransigência. Recusava-se a aceitar qualquer solução subó tim:1 ,
parlamentar dos grupos pró-reformas, como resultado das eleições de mcsmo sabendo que seria certa a derrota de sua emenda em plcnúrio.
1962, passaram a definir os parâmetros institucionais dentro dos quais <;oulart, por sua vez, mostrou-se novamente hesitante e ntre a ncc:cssl-
as reformas deveriam ser implementadas. Em primeiro lugar, as refor- dade de garantir alguma forma de emenda constitucional que pcrmil b-.t·
mas dependiam de um Congresso que ainda tinha maioria conservado- o pagamento das indenizações em títulos (tornando assim possívd u111,1
ra. Em segundo, não restava nenhum outro recurso de poder de que os reforma agrária eficaz) e as pressões por uma reforma radical. Ac:11 1011

50 51
e1p1:111do por apoiar a emenda do PTB até sua derrota em plenário, em A partir do argumento de que "a defesa da demm:racia" l·,lgi.1 .1
rn 1111hro de L96~. ruptura das regras democráticas,estava armado o cenário para u1~1gulp,·
C:0111 a sua recusa em negociar uma solução para o problema agrá- de baixo custo político que havia sido frustrado em 1961 . A sll u.11;:11 i
rio, o l'TB mostrava a convicção, difundida e ntre os vários grupos que experimentada e ntão foi revertida; desta vez, a ampla coalizão vol1011 'l'
compunham a coalizão pró-reformas. de q ue a atividade parlamentar era contra o governo constitucional.
uma mera plataforma para a propaganda radical e não uma via para a Tentei mostrar cursos de ações e escolhas que minaram as possihi
implementação de reformas graduais. Mantinha, assim, a estratégia !idades de ampliar e consolidar apoio para um programa ele rclúrma,.
maximalista, colocada em prática durante o pai-lamentarismo, quando :'-Jo entanto, as considerações sobre as ambigüidades e inconsistê ncias
ainda dispunha da possibilidade de ampliação de seus recursos políti- dos atores devem ser vistas à luz de uma situação que impõe lar<.:fas
cos. Ao manter a estratégia max imalista e a tática de buscar ape nas fora contraditórias que, muitas vezes, tornam forçosos esses comportamen-
do Parlamento o apoio a medidas que dependiam da aprovação do Con- ios. Além disso, a rapidez com que se desenrolam os eventos e a incerte-
gresso. mostrava-se inconsistente com seus objetivos se, ele fato, preten- za que caracterizam situações <le crise, como a vivida e~ 1.964, reduzem
dia imp lementar as reformas de acordo com as normas institucionais drasticamen te a capacidade de avaliação dos atores polit1cos. O alto grau
vigentes. Mostrava ainda a crença de que o confronto com as forças que de incerteza que se observa nessas situações oferece um incentivo para
se opunham às reformas o favoreceria. 1 a ação como vistas no curto prazo, ou seja, passa a ser racional maxi-
Com isso, os grupos pró-reformas praticavam um tipo de radicalis- mizar interesses de curto praz o.
mo que consiste em explorJr maximamente as possibilidades do mo- Gostaria de mencionar um último fator que, no meu entender, tam-
men to às expensas da criação ótima de novas possibilidades. Em muitas bém contribuiu para o fracasso de uma solução institucional para as
ocasiões esse senso irrealista de poder, decorrente das sempre alegadas reformas em 1964: o fraco compromisso com a manutenção das regras
vitórias de 1961 e 62,era expresso no discurso dos grupos de esquerda, democráticas, tanto por parte da direita como ela esquerda. A di~·eita,
o que os levava a agir sempre tentando empurrar o governo para uma sempre pronta a romper com a democracia, mostrava fidelidade as r<.:-
posição mais radical. Mas o seu baixo grau ele organização os colocava à gras democráticas, quando essas serviam para defender seus interesses e
mercê das circunstâncias, das quais, em conjunturas favoráveis, mostra- manter seus privilégios, como no caso da reforma agrária.A esquerda ,
vam-se dispostos e hábeis em tirar vantagem, mas os tornava incapazes com freqüência, mostrava-se disposta a apoiar soluções nfo-democráti-
de perceber a natureza derivada de seu poder. Mostravam também ceti- cas para atingir as reformas propostas. Nenhum cios dois grupos m ostra-
cismo com relação à força e à audácia da direita. va-se disposto a assumir as implicações da incerteza de resultados
É difícil demonstrar como o fracasso em se obter um acordo subs- embutida na noção ele democracia.
tantivo na tentativa de implementação cio Plano Trienal e da reforma A aceitação ela incerteza de resultados, porém, não eleve ser vista
agrária pode ter influenciado a probabilidade de resolver a crise sem o como mera adesão à democracia como valor. Ao contrário, para que os
colapso da democracia. No entando, é certo que, no início de 1964, já difere ntes grupos submetam seus interesses e valores ao jogo incert~ ~la
era muito tarde para se consolidar uma Frente Progressista, tal como democracia, é necessário que a aceitação cios resultados ela compet1çao
concebida por San Tiago Dantas, visando neutralizar a crescente institucionalizada seja melhor para as principais forças políticas que as
radicalização política e chegar a um acordo em torno de um programa chances de de rrubar o governo. Para isso, é necessário que aqueles que
de reformas. A frente foi concebida quando a cooperação entre os ato- perdem em uma rodada específica achem que é ele seu interesse aceita r
res políticos não era mais possível. O pequeno grupo de conspiradores a derrota e esperar a próxima oportunidade de competir dentro das re-
cm horário integral, tanto de militares quanto de empresários, já em gras. Neste caso, teremos uma democracia consolidada.
plena ação, mas totalmente isolado em 1961, ao capturar a bandeira da
legalidade e m março de 1964, ampliou sua margem de ação e atraiu
amplo apoio da.opinião pública.

1. /\o 1'1'11. (N. do E.)

52 53
5
TRABALHADORES NA CRISE DO POPULISMO:
UTOPIA E REFORMISMO
Lucília ele Almeida Neves

Introdução

A crise institucional que caracterizou os primeiros anos da década


de 1960 foi antecedida por um período ele euforia e de crença no futu-
ro. Os anos 50, especialmente a segunda metade desta década, são até
ltoje relembrados como sendo um período de esperança e de fé na
111oclernidade. Todavia, a essa lembrança de um passado coletivo que
, islumbrava o futuro com olhar de otimismo, acopla-se outra lembran-
,a coletiva, relativa à conjuntura histórica imediatamente subseqüente ;1
dos anos 50. Neste caso, o que vem à tona são lembranças não de um
tempo marcado pela convicção no progresso, mas sim um outro tem-
po caracterizado por conflitos sociais e políticos. Conflitos estes prota-
gonizados por segmentos sociais, por organizações da sociedade civil
l" por partidos políticos que projetavam perspectivas oposta:; sobre o

fuluro do país. Se os anos 50 foram os anos da euforia , o início dos


,1110s 60 foi um período de co1úlito aberto nas sociedades civil e polít i-
l'a , bem como de crise institucional.Teria o país mudado em tão pouco
t('mpo?

55
t 1to/J/o, cidadania e conflito sua organização. Essas eram condições entendidas pelas vanguard.,.., t ui
turais e políticas como necessárias à construção, no Brasil . tk u111:i dt·
l) gov<.:rno JK implementou no Brasil a utopia da modernização mocracia social e de uma ordem política e econômica emancipad:1.
tlcscnvolvimentista. A economia brasileira redirecionou seus rumos. Emancipação, por sua vez, e ra palavra sinônima de nacionali:-,1110 1·
Novas necessidades e anseios de consumo foram criados. A população de esperança. O fmal da década de 1950, apesar do aproii.mdamcnto da..,
se mobilizou em torno de um projeto de industrialização modernizante, marcantes contradições sociais econômicas que se faziam visívci:-, no
traduzido pelo slogan : "Crescer cinqüenta anos em cinco". Esse cotidiano do cidadão brasileiro, apresentava-se como um tempo de ·ui
qiiinqi.iênio, popularmente conhecido como "Anos Dourados", foi tam- tivar utopias, como um tempo de possibilidades mágicas para as pessoa..,
bé m um contexto de intensa mobilização da sociedade civil e das insti- e para organizações que acalentavam projetos de transformação ec..:oni>•
tuições políticas que compõem a estrutura do Estado. O clima eferves- mica e social para o país. Nacionalismo , niodernização distributi1•0 L'
cente ela é poca ressoava em um Parlamento politizado e atuante, e se reformas sociais eram expressões que exaltavam a mudança e a integi~11,;·:u>
concretizava através ele uma mobilização ativa dos partidos políticos e do povo como sujeito ativo cm um processo que pretendia ter a marca
da cotidiana manifesta ão de organizações ela sociedade civil mo as ela re novação.
ligas camponesas, a União Naciona s uc antes, as comunidades Na medida em que se desdobrava esse processo transformador, os
eclesiais de base e os sindicatos. segme ntos da população que projetam reformas e mudanças integra-
Os movimentos e manifestações culturais, segundo Helo isa Starling vam-se ao cotidiano da vida nacional, buscando implementá-las. essa
(Os senhores das Gerais; os novos inconfidentes), também viviam um conjuntura, a política deixou de ser considerada pelos membros dos
tempo de e uforia traduzido pelo movimento ela bossa-nova na música, movimentos populares como privilégio das elites e também como reali-
pelo vanguardismo do Cinema Novo, pela renovação temática e estética dade restrita ao espaço das instituições estatais, ou a elas relacionadas.
do teatro, levada à frente pelos grupos Arena e Oficina. Também as li- Governo e Parlamento, bem como partidos políticos,viram-se quase que
nhas arquite tônicas de Oscar Niemeyer, que apostava em construções compelidos a ter, na sociedade civil, não somente uma referência para
dinâmicas arrojadas, futuristas, representavam o signo da modernidade os desdobrame ntos de sua ação política, mas também um interlocutor
cio período. A crença na mudança contagiava diferentes segmentos da legítimo que, dia a dia, buscava estende r mais e mais sua influência so-
sociedade brasileira. A palavra renovar estava presente nos corações e bre as decisões a serem tomadas por essas instituições.
mentes da população. Marcava também o projeto desenvolvimentista A sociedade civil mobilizacla,com capacidade de crescente influC:n-
que proporcionou a introdução, no mercado de consumo da popula- cia sobre as decisões do governo, representava,para os setores que con-
ção, dos eletrodomésticos, que mudaram hábitos, condições de confor- formavam uma oposição ao projeto "nacionalista-reformista", que e ntão
to e o ritmo do dia-a-dia.Por sua vez,foi também a dinâmica ela economia se constituía, uma ameaça efetiva de transformação do país. Ap resenta-
dcsenvolvimentista que provocou uma marcante agilização no sistema va também um potencial de autonomia incontrolável.
de comunicações do país, introduzindo, de forma definitiva, a era do Já no final ela década de 1950,e mais fortemente no início dos anos
automóvel e das rodovias na vida nacional. Por outro lado, foi esse mes- 60, as manifestações reformistas nacionalistas adq uirirnm conotação i na-
mo modelo econômico que internacionalizou a indústria nacio nal e q ue ceitável para i11vestidores internacionais, segmentos das forças armadas,
contribuiu para o aprofundamento das estruturais contradições sociais setores cio capital nacional, proprietários rurais e para a maio r parte dos
brasileiras. integrantes de partidos como a UDN e o PR. Seus corolários eram a n:•
Às novas experiências culturais cio período mesclavam-se propos- forma agrária e projetos políticos de apelo popular, como a extcns:ío do
Las econômicas e sociais de caráter reformista. Era o tempo da c ultura direito de voto aos analfabetos e p raças de ré. O coro reformista n:il'iu•
engajada, sobretudo nacionalista. A idéia ele mobilização e conscie ntiza- nalista passou a ser ouvido com um desconforto cada vez mais :11..:e nt ua•
ção passou a predominar entre os segmentos da sociedade que aposta- cio p elos referidos setores. Uma crescente contradição, portant o ,
va m na superação ela condição ele subdesenvolvimen to do país mediante constituiu-se como elemento integrante do cotidiano nacional. A pariir
adoção de políticas econômicas nacionalistas e programas de reformas de 19 58 até 1964 essa contradição aprofundou-se num ritmo acl'lt·1•;1do
sociais. Era preciso "mobilizar o povo", "conscientizá-lo" e apoiá-lo em De um lado, p ostavam-se os nacionalistas unificados pelo so11I 10 rd i >1'

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111 i:..ta. lk o utro, estavam os partidos e setores da sociedade civil que se vamente, a proposta ele que o governo federal adotasse co111(1 1111 11 ,1
:n11 ode nominavam antipopulistas, antiestatistas, modernos e antinacio- prioritária de gestão pública a implementação elas reformas de h:tSl' p ,1-,
nali:..tas.'lhis segmentos investiam na defesa de uma proposta de conti- sou a orientar as pautas ele reivindicações e propostas dos movillll'1llw,
nu idade: na internacionalização da economia capitalista brasileira e na de trabalhadores no Brasil.
implementação de programas econômicos liberais. Divergindo dos gru- Os anos 50 foram , assim, anos de grande efervescência. Se no i111l'lo
pos sociais que apostavam na utopia reformista, como caminho para da década as organizações ele trabalhadores, especialmente as sindicais,
superação do subdesenvolvimento, e ntendiam esses segmentos que os eram quase que na sua integridade atreladas ao Estado , já no seu 11nal o
reais pressupostos da modernização e do progresso estavam na mesmo não ocorria com igual intensidade, ou m esmo com simila r
internacionalização da economia e na redução do nível de investimento p roporcionaliclacle. Os desdobramentos conjunturais dessa d (;cada
do recurso público em empreendimentos e mpresariais. marcada pela campanha do petróleo, pelo suicídio de Vargas, pela clci-
Dessa forma, no final dos anos 50, a economia capitalista brasileira <_:ão de Juscelino Kubitscheck, pela expansão ele organizações da socie-
havia se modernizado. Todavia, o processamento dessa modernização dade civil,pela implantação da política desenvolvimentista cio Plano de
11:10 foi linear nem livre de contradições. O país da era cio automóvel Metas, pela extensão do sindicalismo ao campo, pela organização das
també m se tornou o país da luta pela reforma agrária. O Brasil, que abriu ligas camponesas, pelo acelerado e intensivo investin1ento de capital
seu território à implantação de empresas estrangeiras, também se cons- estrangeiro no país, pelo endividamento externo , pela criação de orga-
tituía como um país marcado pela luta nacionalista. Essas contradições, nizações intersindicais, pela inflação crescente mudaram o país e l'am-
dentre outras, foram as marcas mais contundentes de um tempo de uto- bém as formas e o nível de organização dos trabalhadores.
pia reformista, de luta pela ampliação da cidadania, de implementação Também na década ele 1950, concepções sociológicas e econômi-
de um projeto econômico capitalista calcado na concentração da renda cas sobre estratégias para a superação do subdesenvolvimento foram se
consolidando. Expressivos intelectuais da época insistiam em que, para
e, portanto, também de conflito social aberto.
se alcançar o desenvolvimento, era necessário superar o atraso elas áreas
rurais e, principalmente, o do país. Destacavam, no entanto, q ue o pro-
cesso industrializante só seria eficaz para a consolidação de uma econo-
Trabalhadores e utopia reformista
mia emancipada se setores estratégicos do processo de produção
industrial fossem controlados pelo capital nacional, público ou partic u-
Na conjuntura do final dos anos 50 e início dos anos 60, as manifes-
lar.Tais concepções foram adotadas na sua integralidade pelas organiza-
tações coletivas da cidadania conformaram um tempo no qual a repre- ções de trabalhadores que a elas acoplaram outras propostas, como a
sentação, no imaginário social, de uma esperan ça reformista e transfor das reformas de base, isto é: a reforma tributária, a reforma agrária, a
madora impulsionou manifestação até então inédita na vida política na- reforma bancária, dentre outras.
cional do sujeito histórico coletivo. Nessa ép oca, expressivos segmen- De fato, o nacionalismo, no decorrer da década de 1950, tornou-se
tos da população constituíram-se atores de um processo que, apesar de tema destacado nos debates parlamentares e na sociedade civil. Na pri-
contraditório, posto que marcado pelo autoritarismo paternalista intrú1- meira metade da década, durante o governo Vargas, as campanhas pe la
seco ao populismo, possibilitou manifestações participativas da socie- criação da Petrobrás e da Eletrobrás mobilizaram diferentes segme ntos
dade civil, qualitativamente novas, posto que definidas, por parte dos sociais e partidos políticos.Tornou-se comum empresários, oper:irios e
movime ntos sociais, por um forte potencial de autonomia em relação ao po líticos, filiados a uma gama diferenciada de partidos como o P'l'II. o
E:;tado. PSD, o PCil e a própria UDN, manifestarem sua convicção nacionalista•
A partir da segunda metade da década de 1950, os trabalhadores desenvolvimentista na esperança ele que a nação brasileim pudeSSl' 1.:a-
brasileiros, influenciados pelas concepções dualistas da Cepa!, passa- minhar com as próprias p ernas em direção à industrialização cfl:I iva de·
ram a investir na construção de um projeto nacional que se pautava pela sua economia.
convicção de q ue as vias de superação do subdesenvolvimento eram a Ainda em 1952, buscando fixar uma posição teórica nacio nali-.1:1,
industrialização nacionalista e o reformismo social e econômico.Gradati- alguns intelectuais formaram o "Grupo Itatiaia". Desse gru po migi11rn1

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:-.t'o Instituto Brasileiro de Economia Sociologia e Política Obesp), res- /\ liga era muito influenciada pelo PCtl e, portanto, de es pcc l ro d1· :11,.111
prn1:-.:Í\'l'I pda edição cios Cadernos Novos Tempos, publicação de cará- limitado. Logo após seu fechamento, muitos de seus int q ~r.11111·-..
ln nacionalista que marcou significativamente a produção intelectual objetivando constituir uma organização nacionalista mais al)l':1111•,1•1111•.
"l'11gajada" da década de 1950. Estes mesmos intelectuais acabaram por :1poiaram a criação da Frente Parlamentar Nacionalista que, apl'sar d\'
fundar, cm julho ele 1955, o Instituto Superior ele Estudos Brasileiros adstrita ao Congresso Nacional, desenvolvia uma forte intcrloc ll(,:ao t ' <1111
<lscb) qm:. apesar ele não apresentar homogeneidade de concepção teó- a sociedade civil através das inúmeras organizações de trahalhadort·-.,
ric a entre seus integrantes, também em muito contribuiu para a e mpresários, estudantes e intelectuais que atuavam naquela conj11n I w·.1.
ckrvescê:ncia da discussão em torno cios temas do desenvolvimento e A Frente Parlamentar Nacionalista, caracterizada por uma ex pro-.i
do nacionalismo. va heterogeneidade, reunia o apoio ele diversos setores da socil.:d:1dl' l'
Entretanto, se a dinâmica da p rodução intelectual e ela organização de políticos de extração partidária diferenciada: socialistas, cat<Ílicrn,,
da sociedade civil centrava-se no discurso e em projetos de forte teor petebistas e udenistas nacionalistas. As entidades que se faziam re pre-
nacionalista, a implementação da economia capitalista no país se conso- sentar pela FP eram a UNE, diversos sindicatos e outras organizaç<>cs
lidava com base em outros pressupostos substancialmente contraditó- da sociedade civil, como as ligas camponesas e as comunidades eclesiais
rios aos que propunham expressivos segmentos da intelectualidade, bem de base.
c omo o s movimentos populares. Dessa fo rma , as bases d a crise O desenrolar dos acontecimentos levou o movimento nacionalista
institucional dos anos 60 se delineavam na década que os antecedeu. a se transformar também em um movimento reformista. O reformismo
A partir do qüinqüênio do governo JK, a conjuntura p olítica do país nacionalista constituiu a grande utopia do final dos anos 50 e início dos
tornou-se profundamente complexa. A velha estratégia populista, de anos 60. Se no Congresso Nacional o principal baluarte cio movimento
mobilizar a população controlando-a e dificultando sua organização au- reformista era a FPN, na sociedade civil fo ram as organizações de traba-
tônoma, começou a ser minada devido, além de outros fatores, à própria lhadores urbanos e rurais aquelas que mais se comprometeram com a
dinâmica por meio da qual se processou o grande salto modernizante proposta de transformar o subdesenvolvin1ento nacional em desenvolvi-
dos "Anos Dourados" juscelinistas. mento. Essas organizações empenharam-se na luta p ela efetivação de
O processo de dominação peculiar ao populismo conjugava, com políticas públicas reformistas e pela promulgação de leis protecionistas
l:nfase estratégica, o verbo nacionalizar. Dessa forma, o povo era das riquezas naturais brasileiras, bem como dos investimentos do capi-
comumente ·'convocado" a participar de campanhas nacionalistas. Des-
tal nacional.
de a fase autoritária do Estado Novo, a proposição nacionalista foi am-
O sujeito coletivo histórico, que a partir da segunda metade dos
plamente utilizada pelo governo federal como instrumento d e
anos 50 desenvolveu uma linha de ação e de organização que o distanci-
consolidação da unidade popular em torno cios projetos governamen-
ava cada vez mais ela tutela e cio dirigismo estatal, peculiares à prática de
tais. Todavia, se esta estratégia governamental ele mobilização e contro-
dominação populista, trilhou o caminho da construção de uma cidada-
le da população era facil mente realizável em períodos ele autoritarismo,
nia emancipada e ampliada. Neste caminhar constituiu um imagin:írio
o mesmo não aconteceu em uma fase ele predomínio ela democracia
social a respeito cio progresso e do desenvolvimento econômico, segun-
f<>rmal. Desde a Campanha pelo Petróleo, a mobilização popular foi ga-
do o qual o nacionalismo e o reformismo seriam os principais sustcnt:í-
nhando autonomia gradativa e a estratégia de controle autoritária-
paternalista do populismo foi sendo minada. culos ela nova realidade econômica-social a ser constin1ícla. Uma realidadt·
Ora, a p roposição nacionalista, a partir da década ele 1950, ganhou utópica, que se caracterizaria p or transformações na estrutura de produ•
uma estatura fenomenal. Inúmeras organizações não-governamentais se ção capitalista, agregadas a reformas ele natureza mais política que in-
constituíram para defender a nacionalização da economia brasileira em cluíam a ampliação do direito ao voto.
seus setores estratégicos, bem como para evitar um aporte substantivo Os trabalhadores brasileiros abraçaram a utopia reformista l ' pda
de capital estrangeiro em setores altamente lucrativos da jovem econo- sua realização se empenharam. Organizaram-se, por meio da l'~t 1'111111·a
mia industrial do país. Em 1950, foi constituída a Liga de Emancipação sindical oficial, nas áreas rurais e urbanas, e também das centrais :-.lndl
Nac ional, posteriormente fechada por Juscelino Kubitscheck em 1956. cais, que eram oficialmente proibidas. Desafiaram a Cl:I' ao c rlart·111 e.,

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:-as organizaçües horizontais, numa atitude demonstrativa de que já não desenvolvimento nacional. Projeto esse que, além de propor a p1·011·
:>L' deixavam controlar, integralmente, pelos limites impostos à sua orga- <,:fio dos investimentos e de riquezas nacionais, trazia em scu l'l' l'IH' .1
11izac.;fo pelo arcabouço legislativo sindical constituído ainda no período compreensão de que qualquer transformação substantiva na vid:11.'l.'11
do Estado Novo. nômica bras.ileira precisava incluir um amplo planejamento de refor-
Às organizações cios trabalhadores, que insistiam em trilhar, com ma agrária.
passos cada dia mais firmes, o caminho de conslrução da autonomia A organização elos trabalhadores que cultivavam e buscavam rra n~-
o rganizativa e participativa, somavam-se o movimento estudantil, grµ- formar em realidade o sonho reformista se contrapôs à ação ele cmprcs:í-
pos religiosos como os vinculados à Ação Católica, grupos de c ultura rios, proprietários rurais, investidores internacionais e expressivos
popular, bem como movimentos de alfabetização de adultos. O clima da segmentos das forças armadas. Dessa forma, como afirma Caio Nava rro
é poca era, pois, de visíve.I efervescência. Mesmo dividido por inúmeras de Toledo (em O governo Goulart e o golpe de 64), no i11ício dos anos
lc ndências internas, o movin1ento popular ganhava uma força incontro- 60 a luta pela defesa de projetos contraditórios para o Brasil estava dd'i-
lável. Sua ação fazia história, influenciava os desdobramentos conjunturais nitivamente recrudescida.
c era necessária referência para a ação governamental. Reforma agrária, controle ela remessa de lucros, extensão elo direito
À fre nte dessa gama de organizações, como se fosse uma vanguarda de voto aos analfabetos, reforma da Previdência Social, restrição aos in-
política no mundo do trabalho, estava o mov imento sindical. Era princi- vestimentos estrangeiros, incentivo à organização cios trabalhadores ru-
palmente nos sindicatos que os trabalhadores se reuniam para traçar seu rais, amplo programa de sindicalização cios trabalhadores urbanos eram
projeto reformista. Era também nas organizações sindicais que sindica- propostas e ações que conformaram a utopia reformista nos anos da
listas, muitas vezes egressos ele partidos diferentes, mas potencialmente crise do populismo.
aliáveis, encontravam-se para pensar e planejar o futuro do país. Suas 1a.I utopia alimentou e orientou a organização dos trabalhadorcs
diretrizes principais constituíam o cerne do projeto nacionalista refor- brasileiros e também a reação de segmentos que projetavam o f1.1turo do
mista, que era, por assim dizer, o élan daquele tempo de sonhar transfor- país em uma perspectiva oposta à dos movimentos populares.
mações.
Buscando a realização concreta de seu sonhar transformador, os
trabalhadores brasileiros imp lementaram uma série de ações que marca- O mundo do trabalho e suas organizações
ram época por sua contundência e abrangência. Por meio d e greves,
congressos, passeatas, o movimento sindical foi ganhando espaço ex- Desde meados da década de 1940, na conjuntura que imediatamen-
pressivo no cenário nacional. E à sua ação coube uma reação. De fato, te sucedeu ao Estado Novo, os trabalhadores brasileiros, participanlcs
a proposta reformista dos trabalhadores era integralmente incompatível cio movimento sindical, empreenderam tentativas de se organizarem dc
com o modelo econômico de capitalismo concentracionista e internacio- forma horizontal,isto é,por meio de centrais sindicais regionais o u mcs-
nalizado, implementado a parfü do governo JK. mo de uma nacional. O objetivo que norteava essa ação vinculava-se ao
No início da década de 1960, o populismo, que tinha uma p rática esforço de despreendimento cio mundo cio trabalho elas amarras que a
de controle dos movimentos populares baseada em duas li11has comple- estrutw;a corporativa estadonovista havia criado para bloquear a consl i-
mentares de ação: cooptação e coerção, já não apresentava a mesma tuição da autonomia do mesmo.
dkácia. Os mecanismos da cooptação estavam prejudicados pelo mo- Todavia, não existia, mesmo naquela época, unanimidade dos inl l'-
delo econômico concentracionista, e os de coerção não possuíam legiti- grantes do movimento sindical quanto à necessidade de se criarem orw1-
midade de implementação na ordem democrática. nizações horizontais nos sindicatos. Para alguns sindicalistas vi nc ulado:--
Dessa forma, os trabalhadores insatisfeitos passaram da euforia ªº PCB, ou mesmo a uma ala reformista do PTB,seria uma central sindi
inicial quanto ao desenvolvimento dos "Anos Dourados" a uma crítica cal o carro-chefe de conclução das lutas dos trabalhadores c111 lodo 11
político-estrutural d esse mesmo modelo. Ao desenvolvim entism o território nacional. Para outros, os chamados "sindicalistas a111ardrn,",
industrializante cleJK, passaram a contrapor um alternativo projeto ele que defendiam idéias de que o mundo sindical não deveria se vinnil:11· :1

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qu:ilqucr tipo de organização ou movimento político, a criação ele uma tensão da legislação trabaJhista à zona rural. Por trás destas 1'1l1i111a-. pr11
l'L'lltral sindical não era bem-vista. postas já se elaborava a concepção da necessidade de reforma agr;1rl:1,
o que já estava em jogo, no coração cio movimento sindical, era a como forma de superação das contradições estruturais da re alidade hra
11q.~cmonia interna ao mesmo. Disputavam essa hegemonia sindicalistas :-.ileira.
que caminharam par e passo na direção das lutas sindicais reformistas A própria atuação do MUT acabou por transformá-lo. em um org:i
nacionalistas nas décadas de 1950 e 60 e trabalhadores que, vinculados nismo não-absorvível pelo Estado. Em 1946, quando da iniciativa dl'
umbilicalmente ao sindicalismo oficial, não apostariam p osteriormente registrá-lo como sociedade civil, o Departamento de Segurança Públ ic:i,
no projeto de transformação social ao qual se vincularam militantes sin- por ordem do Ministério cio Trabalho, impediu a conclusão dessa açiio.
dicais cio PCB, da chamada ala esquerda do PTB e de outros partidos . alegando que o Movimento Unificador cios Trabalhadores exercia a fun-
como o PSB e mesmo o PDC. ~:iio ilegal de federação dos sindicatos.Todavia, apesar da interferê nc ia
No final dos anos 50, mas principalmente no início da década de governamental , os fundadores do MUT buscaram transformá-lo em uma
1960, tomou-se hcgemônica no movimento sindica.! a idéia de que as centml sindical. Para tanto, organizaram um congresso ele sindicalistas
transformações reformistas-nacionalistas ela sociedade brasileira só reali- que, em 1946, reuniu 1752 delegados sindicais, representando 1499
zar-se-iam, ele fato, se a luta operária-camponesa viesse a contribuir para cnticlacles. O congresso não esteve livre de atropelos. Além ela oposi<,:iio
tal. Era necessário, portanto, organizar de forma eficaz o mundo do tra- dos si.nclicaJistas, denominados"ministerialistas" por terem estre itos vín-
balho. Uma organização que contemplasse o cotidiano das relações de culos com o Ministério do Trabalho,os organizadores do evento tiveram
trabalho nas fábricas, nos bancos e propriedades rurais, mas que sobre- de enfrentar uma forte oposição do governo, que interveio no encon-
tudo tivesse urna face de identidade nacional visível para todos os traba- 1ro. Para que o esforço de mobilização dos inúmeros sindicalistas que se
lhadores. deslocaram dos mais distantes rincões cio território nacional não fosse
Reforçou-se, em decorrência de tal concepção, a idé ia de se criar inútil, o Congresso Sindical foi transferido para outro recinto. Fundou-se
uma central de trabalhadores que tivesse legitimidade para comandar as então a CTB, que teria vida curta, pois o Ministério do Trabalho interveio
lutas sindicais em todo o território nacional. Em agosto de 1961, foi cm todos os sindicatos que a ela se filiaram. Não bastan do a ação repres-
criado,portanto, o Comando Geral dos Trabalhadores do Brasil. siva, este mesmo ministério, visando esvaziar a influência dos fundado-
Mas sobre que bases se constituiu essa organização? Quem a lidera- res da CTB no movimento sindical, injetou junto aos sindicalistas
va? Que impacto suas ações tiveram na crise do populismo? ministerialistas recursos financeiros e ajuda política para a fundação da
As bases de criação do CGT retomam 1945. Logo após a queda do
CNTI, que se transformaria na mais poderosa confederação oficial de
Estado Novo, militantes do PCB, que anteriormente à década de 1930
lrabalhadores do Brasil. A CNTI, desde sua fundação até 1961 , esteve
haviam constituído o Bloco Operário e Camponês em 1928, e em segui- nas mãos dos ministerialistas.
da a Co1ú'ecleração Geral dos Trabalhadores Brasileiros - CTB - , em
Após o fechamento da CTB, o movimento sindical brasileiro passa-
1929, desenvolveram esforços para a criação cio Movimento Unificador
ria por uma fase de refluxo decorrente não só da ação controladora do
dos Trabalhadores. Quando ela criação do MUT, demonstrando uma de-
:Vlinistério do Trabalho, mas também cio fato ele ter sido o PCB declarado
tiva capacidade de mobilização, eles lançaram um manifesto assinado
por mais de trezentos dirigentes sindicais, inclusive não-comunistas, ele um partido ilegal. Como a ação cio Partido Comunista era muito expres-
treze estados da federação. siva junto aos sindicatos, sua ilegalidade em muito contribuiu para 0
referido refluxo.
O manifesto traduzia o embrião do sonho reformista que mobiliza-
ria posteriormente o contingente mais expressivo dos sindicalistas mili- Entretanto, após a morte de Vargas e também em decorrência de
tantes do início dos anos 60. Além de defender a idé ia de se alcançar a um suave atenuamento na guerra fria, os comunistas, após 1955, vol ta•
unidade sindical necessária ao fortalecin1ento do mundo cio trabalho, rama atuar mais livremente no movimento sindical. Nessa fase ta111 l>L·111
propugnava pelo fim ela legislação que permitia ao Estado interferir nas o PTB, partido que tinha expressiva influência junto aos trabalhadol'l'S,
organizações ele trabalhadores. Insistia também na necessidade de passou a adotar uma linha de ação sindical menos dependente L'lll rela
sindicalização imediata dos trabalhadores rurais, além de defender a ex- <.;ão ao governo federal. Esses fatores, dentre outros, peculia rcs :1l'<>n j 1111-

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1ura da segunda metade dos anos 50,contribuíram para que novas inicia- central, para que este viesse a incorporar, em sua gestão política, 1111·dl
l ivas voltadas para a criação de intersindicais se concretizassem. das de teor reformista.
Na década de 1950, já sob o signo das lutas nacionalistas, foram A partir de 1961, a principal liderança elas lutas dos trabalhadon:/oo
c riadas algumas intersindicais que se constituíram em embriões do Co- llrasileiros foi o Comando Geral dos Trabalhadores. Mesmo tendo c n-
mando Geral dos Trabalhadores, organização que lideraria as lutas sindi- l're ntado, quando de sua fundação, a oposição cios antigos ministe ria Iistas
cais reformistas no início dos anos 60. Dentre as intersindicais criadas que criaram, na década de 1960, o Movimento Sindical Democrútico, a
na segunda metade da década de 1950 destacaram-se, entre outros, a liderança cio CGT capitalizou apoio substantivo dos trabalhadores bras i-
Comissão Permanente das Organizações Sindicais (CPOS), fundada em leiros, e com passos seguros consolidou-se como uma organização que
1958, e o Pacto de Unidade e Ação (PUA), fundado no final de 1959. legitimamente representava os interesses dos mesmos.
No crepúsculo ela década de 1950, embalado por propostas ele trans- O MSD se opunha ao CGT, afirmando abominar atividades políticas
formação das condições econômicas e sociais do país, o movimento sin- nos sindicatos. Sua criação, entretanto, foi financiada pelo Ibade. O Ins-
dical, já bastante organizado em todo o território nacional, se mobilizaria, tituto Brasileiro de Desenvolvimento Econômico se contrapunha :1 por
cm consonância com outras organizações populares, na luta por: supe- ele próprio denominada"política demagógica populista" de João Goulart.
ração do subdesenvolvim ento e elas desigualdades regionais e sociais,
Na verdade o Ibade, assim como o MSD, vinculava-se a um projeto de
desenvolvimento industrial cio país, controle ela economia pelo capital
desenvolvin1ento econômico de alicerces substantivamente opostos àque-
nacional público ou privado, reformas de base, controle elas remessas ele
les pelos quais lutavam os movimentos populares nos anos 60. Aos pa-
lucro, democratização da política - entendida como extensão do direi-
trocinadores do Jbade, quando a partir de 1963 João Goulart demonstrou
to ao voto aos analfabetos - , reforma ela CLT - extinguindo-se o con-
estar aderindo, mesmo que de forma ainda vacilante, à causa popular
trole cios sindicatos pelo Ministério do Trabalho - e implementação ele
reformista, não restou outra alternativa para a defesa de seu projeto se
programas efetivos de alfabetização ele adultos e crianças.
não a de estreitar ainda mais sua aliança com setores da conservadora
Todas essas proposições faziam parte de um projeto maior ele trans-
sociedade civil e política brasileiras. Na verdade, essa aliança constituiu-se
formação das condições sob as quais se implementava o capitalismo no
Brasil. Caso viessem a ser adotadas pelo governo federal, processar-se-ia, como coroamento ele acordos e aproximações que tiveram seu germe
em desacordo com os interesses daqueles que apoiavam o modelo capi- antes mesmo da posse de Jango, e que tinham como objetivo primordial
talista-internacionalizado , uma mudança de rumos no modelo evitar que o país enveredasse pelos caminhos do reformismo econômi-
inclustrializante-desenvolvimentista implementado desde o governo JK. co-social.
Após a renúncia de Jânio Quadros e a posse de João Goulart como
presidente da República, pareceu aos trabalhadores organizados nos sin-
dicatos que a realização ele seu sonho reformista seria mais viável. Emba- O CGT e os partidos jJo~íticos
lados por esse sonho foi que trabalhadores urbanos e rurais, vinculados
principalmente ao PTB e ao PCB, fundaram o CGT A experiência de A história do movimento sindical brasileiro é profundament e
lutas sindicais anteriores prepararam o terreno para a criação dessa cen- marcada pelo estreito vínculo entre sindicatos e partidos. Sempre houve
tral sindical. Contudo, os desdobramentos da política econômica no Brasil, desde a fundação das primeiras organizações sindicais urba-
desenvolvimentista de JK que levaram a uma forte contração salarial, nas, ainda nos primeiros anos do século XX, iniciativas que buscava m
acompanhada ele uma inflação que corroía ainda mais os salários já re- transformar o espaço da luta sindical em um espaço de militânc ia pari i-
baixados, também contribuíram para o êxito dessa iniciativa dos sindi- clária. Os anarquistas se opuseram com vigor a esse tipo de pr:í1ic a.
calistas. Aliado aos desdobramentos ele ordem econômica, o processo Todavia, no alvorecer dos anos 20, ao perderem sua hegemonia no nw-
político também favoreceu a organização do CGT. Quando Jango assu- vimento sindical brasileiro, viram também desmoronar seu sonho tk
miu a presidência da República, mesmo que sob o sistema de governo um sindicalismo apartidário.A década de 1920 foi marcada pela cx pa11•
parlamentarista, desenvolveu-se no seio do movin1ento sindical a expec- são da influência cios comunistas no movimento sindical. Aca lc n 1:idos
tativa ele que seria possível, a partir de então, influenciar-se o governo pelo êxito inicial da revolução socialista na Rússia, os militant es do rt·

66 67
l'L'111-l'undado Partido Comunista cio Brasil não pouparam esforços para dt > apostava no dirigismo estatal sobre o movime nto sindic 1I. .J:i t>:-
:1111pliar sua inserção e liderança junto ao movimento sindical. Jll'Lebistas vinculados ao teórico trabalhista Alberto Pasqualini h11:-t·:i•
A tútica dos comunistas de se vincularem ao movimento sindical 1•:1111 influenciar para que o partido adotasse uma pos l ur:1 d e
1ornou-se quase que uma norma de ação durante os desdobramentos dcspreendimento do Estado. Foram os reformistas originúrios d:1 i11I 111
conjunturais da história brasileira subseqüentes aos anos 20. No início c ncia <le Pasqualini que, gradativamente, conseguiram um espac.;o 111:i it 11·
d:1 década de 1930, foram os comunistas que ex erceram hegemonia so- de influência sobre o partido e levaram o mesmo a adotar uma linha dt·
bre o movimento sindical. Durante o Estado Novo, entretanto, foram :1t:;'t0 em defesa das reformas de base.
obrigados a refluírem em sua militância sindical, devido não só à forte Houve, dessa forma, uma coincidência ele proposições entre os dois
repressão do governo estadonovista, mas também à estratégia sofistica- partidos que tinham maior influência sobre o movimento sindical: o PCII
da e bem-elaborada de cooptação do governo Vargas sobre os trabalha- L' o PTB. Entretanto, como a articulação estratégica do PCB era mais be m

dores brasileiros. Terminado o período ditatorial, o Partido Comunista elaborada do que a do PTB, coube aos comunistas uma maior influência
voltou a investir em sua ação junto aos sindicatos. Datam deste período na definição programática das lutas cios trabalhadores filiados ao movi-
a fundação do MUT e da CTB. mento sindical no período, principalmente àqueles vinculados ao CGT
Entretanto, a partir de 194 5, e principalmente nos anos subseqüen- A definição cio PCB por se engajar na luta pelas reformas de base foi
tes à morte de Getúlio Vargas, tornou-se para os comunistas praticamen- adotada explicitamente no V Congresso do PCB. O entendimento que
te impossível desconhecer que uma nova influência partidária se fazia subsidiou essa decisão foi o ele que a revolução brasileira, naquela e tapa,
notável no movimento sindical. O Partido Trabalhista Brasileiro, funda- deveria ser antiimperialista e antifeudal.A primeira fase de seu proces-
do no crepúsculo do Estado Novo sob o patrocínio de Getúlio Vargas, samento, entretanto, deveria ser democrático-burguesa," sob hegemonia
crescera significativamente. Dentre suas principais bases de sustenta- do proletariado". Dessa concepç ão decorreu o forte investimento do
ção estavam os sindicatos. Portanto, desde esse período, evidenciou-se partido nas lutas sindicais.
para os comunistas a necessidade de constituir uma sólida aliança com o Em uma conjuntura na qual o pensamento reformista alcançara forte
Partido Trabalhista Brasileiro. Tal aliança foi se fortalecendo à medida ressonância junto a expressivos segmentos da sociedade civil, e na qual
que ambas as organizações partidárias passaram a compartilhar o sonho partidos inseridos no movimento sindical também optaram pela adesão :1
reformista, comum aos movimentos populares organizados do período. via reformista, as lutas políticas mais gerais tenderam a predominar sobre
Dessa forma, a partir de 1955, trabalhistas e comunistas desenvol- as lutas econômicas, de objetivos mais imediatos. Em contraposição à ori-
veram ações conjuntas junto ao movimento sindical, tendo também, em entação ele que os sindicatos se integrassem às mobilizações políticas cm
inúmeras ocasiões, se coligado nas disputas eleitorais dos sindicatos. O defesa das reformas de base foi que se manifestaram tanto os"sinc\icalistas
que sustentava essa aliança era a convicção de que o país precisava supe- ministerialistas" quanto os vinculados ao Círculo Operário Católico. Se u
rar o estágio de subdesenvolvimento no qual se encontrava mediante e ntendimento era o de que o movimento sindical deveria se ater à luta cm
estratégia desenvolvin1entista-nacionaLista. defesa ele interesses econômicos específicos elas categorias profissionais
Nos anos finais do período populista, a aliança entre PCB e PTB já representadas pelo sindicato oficial.
se solidificara. A hegemonia ideológica da mesma, entretanto, estava Não foi a orientação "apolítica", todavia, a que predominou no mo-
nas mãos do PCB. Com certeza, a força do PTB não era desprezível. vimento sindical. A marca das lutas sindicais ele então foi dada, não pela
:Vluitos dos mais destacados líderes sindicais do período eram vincula- corrente católica cios círculos operários, ou mesmo pelos ade ptos do
dos ao Partido Trabalhista Brasileiro. Todavia, devido ao estigma "sindicalismo amarelo", mas sim pela ação política dos sindicatos vinni•
paternalista que marcava o Partido Trabalhista desde sua origem,não se lados ao PCB e ao PTB reformista,que se organizaram em torno do <:<:'I'.
constituiu entre seus quadros uma convicção programática tão orgânica Dessa forma,o CGT propunha,em consonância com a utopia n:1l'lt>
como a que instruía a ação do Partido Comunista. nalista-reformista que caracterizava o período, que o governo lt:dcm l SL'
Na verdade, desde os primeiros anos de vida, o PTB não conseguiu comprometesse com soluções político-econômicas da seguinlc ordL·n1 :
estabelecer inte rnamente um consenso quanto ao entendimento relati- reforma agrária radical; reconhecimento cios sindicatos rurais: t'l'l<,l'lll,I
vo do que deveria ser seu suporte programático. A ala getulista cio parti- urbana, entendida como política ele habitação p opular; rclcirm:1 h :11H ',1

68 69
ria , com nacionalização dos depósitos; reforma eleitoral, com extensão 111cnte presenciados na história republicana brasileira. Florc:..t:111 Fn11:111
do direito de voto aos analfabetos, cabos e soldados; reforma universitá- dcs, em sua obra clássica, A revolução burguesa nu Brasil, ao av:111:ir n
ria, com a participação dos estudantes nas congregações e nos conse- processo desencadeado pela expansão da pressão popular no PL' l'H>d1>,
lhos universitários; controle do investimento de capitais estrangeiros no qualificou-o como "potencialmente revolucionário".
O processo político caminhava para um nível elevado de.: c onfront ll
país com limitação da remessa de lucros; participação dos trabalhadores
social e polarização.Na dinâmica constitutiva desse confronto,as li>n.:a~
nos lucros das empresas; revogação de todo e qualquer acordo lesivo
conservadoras se uniram e prepararam a ação intervencionista militar-
aos inte resses nacionais; fortalecimento da Petrobrás e adoção de medi-
das para o eficaz funcionamento da Eletrobrás. c ivil de 31 de março de 1964.
Naquela data, o sonho reformista-nacionalista e ele moclerniza<.;:io
Tais proposições eram, em sua essência, incompatíveis com o mode- distributiva do movimento sindical e elas vanguardas culturais e políticas
lo internacionalizante que então predominava no país. Eram também se esvaiu em uma realidade que a ele contrapôs a força do poder ccont>-
dissonantes em relação à tradição brasileira, que excluía os trabalhadores mico e a repressão de um governo autoritário.
rnrais das ações constitutivas da cidadania. Contra aqueles que as defendi-
am organizou-se o que denominamos "golpe preventivo ele Estado".

Fim da utopia nacionalista-reji:mnista

No início de 1964, o Brasil passava por um período ele visível con-


turbação interna. João Goulart, altamente pressionado por condições
adversas ele variadas naturezas, esforçava-se por manter as condições de
governabilidade do país. Dentre as pressões às quais estava submetido o
governo federal, destacavam-se as de natureza político-social.De um lado,
os setores conservadores se organizavam em torno ele uma radical ofen-
siva oposicionista ao governo. Seu argumento principal era o de que as
ações governamentais colocavam o país sob a ameaça do comunismo,
além de propiciarem o controle do próprio governo pelo movin1ento
sindical. De outro, insatisfeitos com a não-adesão definitiva do governo
federal à proposta reformista-nacionalista clo"movimento popular orga-
nizado", postavam-se os sindicatos, ligas camponesas e segmentos do
movimento estudantil.Tais grupos e entidades pressionavam João Goulart
para que aderisse, ele forma inequívoca, às proposições de se transfor-
mar o Brasil em uma efetiva democracia social-nacionalista.
O jogo político radicalizou-se. Na verdade, estava definitivamente
explicitada a dificuldade de se continuar reproduzindo o pacto de domi-
nação que até então tivera resultados. Em outras palavras, os mecanis-
mos sociais e institucionais, peculiares ao populismo, de controle e
cooptação de trabalhadores operários e camponeses já não apresentava
a mesma eficácia alcançada em períodos anteriores.
De fato, as demandas e reivindicações dos movimentos populares
alcançaram uma dimensão e um significado de ruptura nunca anterior-

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crita Ensaio, 112 4. São Paulo, Vertente, 1978. l 977~ uando eu já estava fora da universidade. Talvez_ por isso c u
WEFFORT,Francisco."Democracia e movimento operário: algumas ques- pertença a uma geração que tinha uma relação mui~o parucul~r co_m_<}
tões para a história do período''.In:Revista de Cultura Contempo- movimento estudantil de 1968, porque minha geraçao esteve 11<1 un1ve1·
rânea, nru; 1/2. São Paulo, Cedec, 1978/79. sidade num momento em que tudo era proibido. Era absoluta'.~entc _ve-_
- - - . O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro, Paz e
dado tentar uma manifesta ão Qública. Lembro-me das mamfestaçoes
Terra, 1978. aqui na Unicamp e na USP: cm 1973, quando ingressei na _?nicamp hou-
ve, já em março, uma missa de protesto, realizada em Sao Paul_o, pd<.>
assassinato do estudante Alexandre Vanuchi Leme, preso e de~)()IS])r:111-
camente executado sob tortura.Em 1975,houve um surto 1m11to rap1do
de indignação na universidade pelo assassinato do jornalista Vladin1lr
Herzog, também sob tortura.
Quando propus meu projeto ele pesquisa para o mestrado, l·n 1_1<)77 ,
eu era um estudante de 1973 -76 que tinha muito recente a memoria dl'
1968. Enquanto estudante em Campinas, no inte1:ior de S_fío Paulo, 11111:'.
cidade não muito ativa no movimento estudantil, ac redito q11c o q111

74 75
111:iis me motivou a estudar o movimento de 1964-68 foi a con vivência l'ipalmente hoje. Isso perde peso em relação ao que se pmk l'1 1a111,1r, .,
dl' minha geração com o mito de 1968. partir dos anos 70 , de "novas formas de produção c ultural".
Todo o meu trabalho é marcado por uma admiração pelo que ocor- Por que os estudantes ele 1977 e 78 não se dispunham a :-q..;1il1· :1,
rera cm 1968 e, ao mesmo tempo, por um intuito de desm-istificar o palavras de ordem de suas lideranças? Em 1977, as caractl'l'í:-.1k:i1-o d1 1
objeto que me propunha a estudar. Tratava-se de enfrentar o mito de movimento estudantil- com o surgim ento das "tenclências"l':-.tud:11111,
19ú8, uma esfinge que até hoje se procura decifrar. <Caminhando, Refazendo, Liberdade e Luta, Con ve1-gênci:1 Soci:tli.~1.1,
Para fa lar do tema proposto, começarei com uma introdução que l'tC) -, parecem se explicar não por uma mudança ela extração social,
busca basicamente captar os aspectos mais estruturais, que explicam a do status social que possibilitava o acesso à universidade, mas sim pda
lürça e a importância do movimento estudantil n<í início dos anos 60. mudança na cultura, e não apenas na cultura "política". Os jovens du:-.
/\o mesmo te mpo, uma análise conjuntural, que tente explicar qual foi a anos 60 se formaram num quadro cultural muito específico, que é fun-
posição do movimento estudantil no m ometo do golpe de 1964. damental para entender o tipo de militância que tiveram.
De início, queria deixar claro que esta análise é limitada, porque é A cultura brasileira de 1964 a 68 e ra muito diferente das formas de
impossível estudar a participação política dos estudantes sem conside- produção c ultural que vão se implantar, principalmente, a partir da lúr-
rar a relação íntima que existe entre esse movime nto e os processos de mação ele um aparelho moderno de mídia que o regime militar muito
produção da cultura. favoreceu e que me parece fundamental para entender os movimentos
Isso me leva a pensar como é impossível entende r 1968, o início estudantis a partir dos anos 70; pelo me nos, e antes de mais nada, os
dos anos 60, sem um conceito adicional que é o de "gerações estudan- movimentos contemporâneos como o da França em 1986,o da Itália c m
tis''. Este conceito não tem a ver com uma noção muito usada nos anos L990 e do Brasil em 1992. Sem e ntender a relação da mídia com esse
60, que explicava a rebeldia estudantil a partir do conflito de gerações, movimento, tem-se pouca condição de entender as práticas do estudan-
partindo basicamente da situação do estudante como ''jovem": a condi- te nesse período.
ção juv<::nil explicava o papel político do estudante. No entanto, o m eu trabalho, que procurava e ntender estrutmal-
De forma diversa,"geração estudantil'', aqui, é um conceito que tenta mente as práticas estudantis nos anos 60, segundo as quais o estudante
dar conta desse agente particular vinculado à classe média que é o estu- era antes de n1do um radical ele classe média, continua válido para estu-
dante universitário e da configuração de sua prática num momento cultural dar os anos 60. Acho que p rincipalme nte no início cios anos 60, como
específico. Tal conceito estava ausente na minha análise sobre 1968, em vou procurar mostrar, a relação entre as expectativas da classe média e
que tentei m ostrar um quadro cultural das idéias políticas da esque rda, as palavras de ordem centrais, as reivindicações básicas, as campanhas
principalmente das organizações políticas. Há um capítulo sobre as pers- principais do movime nto estudantil, é uma relação muito clara.
pectivas da esquerda, em que fica clara a influência de uma série de aconte- Esse movin1ento do início dos anos 60 até o golpe de 1964, que
cimentos como a revolução c ubana, a revolução c ultural chinesa, as estamos tentando especificamente analisar aqui, tem raízes na década
campanhas contra a Guerra doVietnã,o conjunto de lutas populares e antiim- ele 1950. Parece óbvio que a década anterior tenha condicionado o iní-
pcrialistas da época, mas não considerei com a devida atenção a questão da cio da outra década. Mas o q ue quero dizer, mais exatame nte, é que o
c ultura. Hoje, acredito que a importância dos processos de produção da p rocesso básico para se entender a efervescência estudantil cio início
c ultura na configuração do movimento estudantil é fundamental. dos anos 60 é o processo ele expansão, crescimento e abertura ela uni-
Por que estou afirmando isso? Porque, quando analisei mais recen- versidade brasileira aos setores médios, muito claro depois de 1945, prin-
temente o movimento estudantil dos anos 70 - os anos de 1977 e 78, cipalmente nos anos 50.
até 1980 -, a tese principal é que esse movimento, apesar de a univer- Para se ter uma idéia, havia em 1945 um total de 27.253 matrículas
sidade ter então três vezes mais estudantes do que tinha em 1968, foi universitárias no Brasil. Não por acaso eram tão presentes no imagi n;í rio
significativame nte me nos massivo do q ue o movimento de 1968 - e estudantil a culpa, por se considerar uma elite, e o desafio de ten tai' Vl'I'
não é possível explicar isso sem essa questão das"gerações estudantis". o que tal elite podia realizar nos p rocessos ele mudança da socicdadt·
O fato de o estudante pertencer a certos extratos sociais é um fator brasileira. Este número vai aumentar a uma taxa anual bastante signilka-
l'X plicativo das p ráticas estudantis c uja importância mudou muito, prin- tiva de mais de 12% ao ano,de 1945 a 1964. Uma taxa que não tem nada

76 77
camadas médias que estavam dentro da universidade, fazendo-sl' pm1 a
:1 vn c om as de países do Primeiro Mundo, muito mais baixas. Uma taxa
voz dessa insatisfação.
significalivamente maior que a de crescimento do ensino de primeiro e
Nos anosJK,a UNE aparecerá em campanhas importantes Cl>lll 11m
segundo graus no Brasil, o que se explicaria pelo fato de que o sistema
nítido comprometimento popular, mas sem um movime nto estuda111 il
político existente - a forma particular das políticas do Estado depois de
de massas. Neste período, a partir de meados dos anos 50, o que acontL··
19-i 5 - beneficiava nitidamente as camadas médias com uma política
cede efetivamente relevante é o processo gradual e lento de politiza,·fo
educacional que privilegiava a universidade em detrimento dos graus do meio universitário. Esse processo não vem nem dos comunistas, nc n,
hflsicos de ensino. dos socialistas, mas sim de uma tendência muito moderada para os pa-
Considerando isso no quadro mais geral da intensíssima industriali- drões posteriores que eram a Juventude Universitária Católica OUC) e a
zação pela qual passava o Brasil nos anos 50, proponho que um dos .1 uventucle Estudantil Católica OEC), duas organizações vinculadas à Igre ja,
aspectos fundamentais para entender a insatisfação estudantil da época como o próprio nome diz, e que tinham uma grande penetração no
lüi justamente essa demanda por crescimento da universidade, num con- mundo estudantil.
texto de deslocamento dos canais ele ascensão da classe média brasileira A JUC passa, a partir dali, a ter peso nesta politização cio movi-
nos anos 50. Processo que ocorria em conjunto com a política do Esta- mento estudantil e, juntando existencialismo cristão com nacional-
do, que atendia a essa demanda, que criava universidades públicas ou desenvolvimentismo, esses grupos católicos vão aparecer, no início
aglutinava faculdades e institutos isolados, que aumentava o número de dos anos 60, como os porta-vozes por excelência das classe s médias na
vagas e fazia com que o sistema educacional brasileiro fosse cada vez universidade. Em 1961 ,isso se reflete no famoso"Manifesto do Diretório
mais gratuito e público, suspendendo as barreiras entre o segundo grau Central dos Estudantes da Pontificia Universidade Católica do Rio de
e a universidade.Tudo isso marcou uma nítida expansão do ensino supe- .Janeiro", que marca a radicalização desses setores que, depois, iriam
rior, a ponto dos 27 mil estudantes de 1945 terem se transformado, em fundar aAção Popular (AP). Esse documento fala ela revolução brasile i-
1950, em 72 mil; cm 1960, a 93 mil, chegando a 142 mil em 1964. Uma ra com um discurso que não é ainda o da esquerda dos anos 60, mas
taxa de crescimento muito maior que a da população brasileira e muito Le m nítida inspiração no humanismo e no personalismo católicos. Em
maior que a do ensino básico no país. 1961, com a consolidação desse catolicismo progressista, às vésperas
Até 1956,pode-se dizer que não havia sinais de insatisfação de mas- do 24Q. Congresso ela UNE, em que Aleio Arantes assume a presidênc ia ,
sa na universidade. Existia, evidentemente, política universitária, com a Juventude Universitária Católica passa a ser a liderança cio movime n-
todas as nuances da vida política brasileira, mas não existia o menor LO estudantil.
indício do tipo de movimento de massa que apareceria nos anos 60. A A ascensão da esquerda cristã representou sua capacidade ele ex-
UNE estava, nessa época, nas mãos do que se chamava "a direita" estu- pressar a reivindicação pela reforma da universidade, bem como a inti·
dantil, denominação problemática, uma vez que aquilo que não era es- midade desses setores com as reivindicações do estudante comum, da
querda no movimento - o liberalismo udenista,por exemplo - aparece massa dos estudantes, não do estudante politizado, do militante.
nesse discurso como uma flor exógena no movimento estudantil, quan- Em 1961 e 62, a UNE vai estar comprometida com a luta p ela refor•
do, na verdade não existiria contradição em considerar que um movi- ma universitária. Isso foi o que marcou o movimento estudantil no iní-
mento de classe média, como o dos estudantes nos anos 50, tivesse cio cios anos 60. Era um movimento com uma bandeira: reformar a
grandes espaços para o liberalismo de elite de corte udenista. Assim, universidade. As reivindicações estudantis deste período vão radic.:ali-
quando a UNE esteve nas mãos do que se chamou "direita", isso não foi zando o movimento, clanc\o-lhe uma característica própria em rehu.;ão its
só o resultado de uma "manobra", mas bem poderia expressar uma certa reivindicações das camadas médias em geral. A UNE passa a ser uma das
tendência que realmente existia na universidade. principais organizações na Frente Nacionalista e Popular, que se l<rnna
Em 1955, o bloco nacionalista toma a União Metropolitana dos Es- nesse período de aguda crise.
tudantes (UME), e depois a UNE, e começa um período no qual a ascen- A UNE promove, nesta época, seminários principalmente vollados
para a temática da ''universidade e desenvolvimento" e começa a se pre-
dê ncia da esquerda vai ficar mais nítida. O bloco nacionalista passaria,
ocupar - sobretudo a Ação Popular - com a participação do intdce-
dali para a frente, a expressar com mais clareza a insatisfação daquelas

79
78
111al IH> processo da revolução brasileira. O nacionalismo radical que passa l >s rumos que o movimento estudantil tomava, os ventos que o k vav.,m
a se expressar nesses documentos encontrará a maior base de apoio de um lado para outro,muitas vezes se fizeram sentir primdrantcnll' 11:1
estudantil no ano ele 1962, quando da primeira greve nacional universi- 11:\1E.
l:íria , a chamada "greve por um terço". Essa greve reivindicava que o Então, para resumir, as principais questões aqui levantadas s:io: prl
est udante tivesse um terço ele assentos na direção ela universidade, o 111<.:iro, que no momento elo golpe ele 1964 não existe um movi mento
que era visto como um ponto-chave, como alavanca para conseguir mudar 1·stuclantil de massa;segundo,que existe um claro distanciamento e nlrl'
a legislação e reformar a universidade brasileira. os setores militantes e o estudante comum; terceiro, que esse estudante
A greve, no entanto, foi derrotada, e dali para a frente houve um parecia tomado por disposições ideológicas e políticas que não diferiam
rc.:fluxo desse movimento de massa. Ao mesmo tempo, ocorria em 1963- muito das ele suas camadas de origem; por último, que esse processo de
64 uma radicalização da vanguarda estudantil, cios grupos militantes, ago- afastamento não é uma coisa nova. A análise histórica do movimento
ra oriundos principalmente ela Ação Popular e ele outros grupos de l'Studantil mostra como que um gráfico em que existem duas linhas: a
esquerda. Mas o peso cios grupos católicos radicais é aqui muito nítido; o do estudante comum e a do militante, organizado politicamente. Essas
grupo que realmente dominava esses setores era aquele vinculado àAP. linhas correm mais ou menos paralelas; em certos momentos existe uma
O movimento estudantil participará então, intensamente, de todo aproximação, quando os setores militantes expressam as grandes aspira-
o processo de radicalização elas lutas populares nesse período, mas não l.' Ões da massa. Isso acontece em 1962, voltando a acontecer em 1968,
mais como um movimento de massas e, sim, por meio de seus setores depois em 1977-78 e,cle uma forma completamente cliferente,em 1992 ...
militantes, de "vanguarda", organizados, de direção.
O que se dá então, entre 1963 e 1964, é um processo ele distancia-
mento - depois daquela aproximação que acontece visivelmente na
"greve por um terço", em 1962 - entre as perspectivas dos setores
militantes e as da massa dos estudantes. Às vésperas do golpe de 64, o
meio estudantil expressou uma tendência de aproximação com as pers-
pectivas ideológicas de suas camadas de origem, enquanto os setores
militantes, a vanguarda estudantil de esquerda, não apenas comunista,
mas basicamente católica, se entregam de corpo e a.lma ao processo da
revolução brasileira e passam a ser uma das forças mais radicais da frente
nacional e popular. Exi.stem indícios suficientes para afirmar que a mas-
sa dos estudantes foi tomada por uma certa paralisia no momento do
golpe, passando a refletir as orientações das altas camadas médias, cujos
filhos estavam em sua maioria na universidade, uma das bases ele apoio
ao golpe de 1964.
Com isto não se está dizendo que a massa dos estudantes apoiou o
golpe ele 1964, mas que não existe evidência de recusa de massa do
movimento estudantil ao golpe. Ao contrário, existem alguns sinais de
que a massa dos estudantes, o estudante comum, se deixou levar pelo
discurso anticomunista e por todo aquele quadro que se criou para jus-
tificar o golpe militar. Por que estou dizendo isso? Porque a própria União
Metropolitana dos Estudantes do Rio de Janeiro, que era a mais impor-
tante organização estudantil depois da UNE, já não estava na mão ela
esquerda em 1963; a "direita estudantil" ganha essa entidade, que é cha-
ve para se entender as mudanças de direção do movimento estudantil.

80 81
7
O GOLPE MILITAR DE 64 COMO FENÔMENO DE
POLÍTICA INTERNACIONAL
L. A. Moniz Bandeira

O Brasil emergiu do regime colonial como Estado unitário e desfru-


tou de plena estabilidade política quase to do o tempo do Império, no
sfculo XIX. Sua ordem constitucional só foi subve rtida em 1889 pelo
golpe tnilitar que proclamou a República e instaurou o presidencialis-
mo. Esta forma de governo constituía um fenômeno típico do continen-
te americano. Ela surgiu nos EUA que, por ocasião de sua independência
e da instauração da Rep{;blica, eram um país de economia agrícola em
que a pequena burguesia predominava, ao tomar por modelo a monar-
quia constitucional, ainda prevalecente na Grã-Bretanha, onde o regime
parlamentarista, mais democrático, só se afirmou depois de 1831. Como
George Washington, comandante da luta revolucionária pela indepen-
dência dos EUA, não quis pôr sobre a cabeça a coroa, elegeram-no presi-
de nte da República, com os mesmos poderes de um rei, embora dentro
de um determinado tempo de mandato. Nos países da América espanho-
la, onde os caudilhos militares promoveram as lutas pela independência
e assumiram o poder, o presidencialismo propagou-se, encobri.nclo for-
mas ditatoriais de governo. O presidencialismo teve,portanto,suas raízes
no governo pessoal , apresentando as mesmas características das chama-
das "monarquias constitucionais", com suas contradições, ou seja, legis-
lação democrática e execução autocrática, irresponsabilidade do
presidente, que o punha a salvo das sanções criminais e cujos atos per-

83
<.liam o caráter delituoso. O remédio, como o impeacl1ment, para a solu, nas de contra-insurreição e da ação cívica.Tanto isto é certo que a mani-
ção ele crises no poder, só excepcionalmente funcionou, como acontc festação das Forças Armadas, em princípio, visou, sobretudo, a ditar de-
ceu com o presidente cio Brasil, Fernando Collor de Melo, em 1992. N:t cisões diplomáticas, a modificar diretrizes de política exterior, e ocorreu
Europa, devido à participação das massas no processo político, o que se: geralmente nos países cujos governos se recusavain a romper relações
desenvolveu, pelo contrário, foi o parlamentarismo, uma forma de go• com Cuba. E daí o surto militarista, com a propagação dos golpes ele
verno mais flexível, mais aberta, que permitia a solução das crises de Estado, que tinham como principal fonte de inspiração a Junta
poder dentro cios marcps constitucionais. A única experiência presi- Interamericana de Defesa. Logo após a reunião de Punta dei Este, en-
dencialista que a história registrou no século XIX ocorreu na França e; quanto a crise atingia o ápice naArgentina e a situação no Equador dete-
culminou com o golpe de Estado ele 2 de dezembro de 1851 , o célebre riorava-se, os militares peruanos, em serviço na Junta Interamericana de
18 Brumário ele Luís Bonaparte. O golpe de Estado constituiu o reverso Defesa, procuraram os representantes chilenos e os convidaram "para
ela moeda do presidencialismo. fazer no Chile o que eles pretendiam no Peru ". 1 O governo chileno, que
A proclamação da República no Brasil representou um retrocesso se abstivera como a Argentina, Brasil e o Equador na votação para ex-
institucional. O golpe militar ele 1889 que a gerou substituiu o presiden- pulsar Cuba da OEA, foi notificado, e o informante do embaixador Ilmar
te vitalício (o imperador), de um regime parlamentarista, pelo sistema Pena Marinho manifestou-lhe a impressão de que, se o candidato ela opo-
ele imperadores temporários (os presidentes), com poderes mais abso- sição à presidência da República, Victor Haya de la Torre, líder da Apra
lutos e um regime presidenci.alista em que o Exército se tornou o poder (Aliança Popular Revolucionária) triunfasse, o golpe militar no Peru ocor-
moderador. Não obstante, o poder civil, sob o controle ele oligarquias reria quiçá até mesmo antes que as eleições se realizassem. 2 Pouco tempo
agro-exportadoras, predominou e manteve a moldura democrático-re- depois, o ministro da Guerra do Peru advertiu contra o apoio de Ke1medy
presentativa, não só no Brasil (salvo os 4 anos subseqüentes à proclama- à "convivência pradismo-aprismo", ou seja, entre os partidários do presi-
ção da República) como naArgentina,entre 1890 e 1930. Àquela época, dente Manuel Prado e os "segunda conseqüência"; na Argentina fora o
a prof-tmcla crise do sistema capitalista, manifestada com o colapso ela "estúnulo indireto" dado aos militares para que anulassem praticamente a
bolsa de Nova York, em 1929, estremeceu praticamente todos os países Constituição daquele país cm virtude da vitória do peronismo. 3
da América Latina e desencadeou, nos anos subseqüentes, fortes abalos As contradições entre o Departamento de Estado e o Pentágono, a
~olíticos, golpes ele Estado e revoluções. Os EUA, sem dúvida alguma, gerar atritos dentro da administração de Kennedy, não implicavam, natu-
tiveram responsabilidade pelo estabelecimento e sustentação de muitas 1-almente, uma dualidade de objetivos, porém uma diferença nos métodos
ditaduras em vários países da América Latina, ao apoiarem as facções considerados mais eficientes. Desta.rte, enquanto o Departamento de Es-
políticas mais dóceis aos seus interesses econômicos e políticos. Não se tado tendia a privilegiar os regimes que mantivessem, ainda que aparente-
pode negar, naturalmente, que os golpes de Estado que as instituíram mente, o caráter democrático-representativo, incentivando soluções dentro
foram, em larga medida, desencadeados por facções militares que trata- da moldura constitucional, o Pentágono procurava favorecer os governos
ram de resolver problemas de política interna, uma vez que a crise de de exceção com base militar, por julgá-los o melhor meio para reprimir a
poder, devido à rigidez do regime presidencialista, não encontrava solu- ameaça revolucionária, de acordo com a percepção de que o comunismo
ção dentro dos limites constitucionais. Entretanto, a partir de 1960 a constituía mero caso de polícia. 4 Evidentemente, tanto dentro cio Depar-
tendência das ForçasArmadas para intervir como instituição no proc~s- tamento de Estado quanto do Pentágono elementos havia contrários à
~o político da An~érica Latina não decorreu apenas ele fatores endógenos, orientação de suas respectivas agências na formulação e condução da
merentes aos paises daquela região. Constituiu, na verdade, muito mais política exterior dos Estados Unidos. Mas, de qualquer forma, as discre-
um fenômeno de política internacional continental que de política nacio- pâncias entre elas transparecerain nitidamente durante a administração
nal argentina, equatoriana, brasileira, etc., uma vez que fora determina- de Kennedy, sobretudo nos seguintes episódios:
~a, em larga medida,pela mutação que os Estados Unidos,a partir daquela
epoca, promoveram na estratégia de segurança do hemisfério, redefi- 1. A tentativa de golpe no Brasil, a fim de impedir a ascensão de
nindo as ameaças, com prioridade para o inimigo interno, e difundindo, João Goulart à presidência da República, vacante em virtude da renún-
particularmente por meio da Junta Interamericana de Defesa as cloutri- cia deJânio Quadros (1961).

84 85
2. O golpe militar naArgcntina contra o prcsidenteArturo Frondii1i, ao Ocidente e à liderança dos Estados Unidos, o que os comenta-
logo após a Conferência de Punta dei Este (1962). ristas norte-americanos assinalaram como uma "completa revira-
3. O golpe militar no Peru, depois das eleições para a presidência ela vo.lta" na situação de alguns meses antes, quando Frondizi
República (1962). procurava mediar o conflito com Cuba;
4. O golpe militar na Guatemala (1963). f) em 7 de junho, o Tesouro norte-americano restabeleceu o apoio
5. O golpe militar no Equador (1963). ao peso, que se desvalorizara desde o começo da crise em 60%,
O golpe militar, visando impedir a ascensão de Goulart à presidên- concedendo à Argentina um empréstimo de US$50 milhões, ao
cia do Brasil, não se consumou devido à resistência liderada por Leonel mesmo tempo em que o Fundo Monetário Internacional lhe per-
Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, bem como ao fato de mitia uma retirada de US$100 milhões.
que o governo Kennedy não se dispunha a aprovar a ruptura da legalida-
de no maior país da América do Sul logo após o lançamento da Aliança O comportamento vacilante e , por fim, o recuo de Kennedy diante
para o Progresso. A fórmula do parlamentarismo representou uma tran- da situação na Argentina, estimularam, sem dúvida alguma, o golpe de
sação que conciliou o objetivo do Pentágono, colimado pelos ministros 1•:stado que os militares, a cumprirem suas ameaças, desfecharam pou-
militares (retirar de Goulart os poderes de governo, na medida que não rns dias depois no Peru, a fim de anular as eleições do dia 10 de junho.
mais podiam evitar sua investidura como presidente, diante da resistên- <:om efeito,
cia nacional), com o método preferencial de Kennedy e do secretário de a) já em 31 de maio, os ministros da Guerra, Marinha e Aeronáutica
Estado, Dean Rusk (respeito ao funcionamento formal do regime demo- do Peru anunciaram que anulariam as eleições para a presidência
crático-representativo). No caso da deposição de Frondizi, como, de- da República, se indícios de" fraude" nos seus resultados houvesse;
pois,por ocasião dos golpes militares no Peru,na Guatemala e no Equador, b) a imprensa dos Estados Unidos comentou que"o peso da declara-
a reação em Washington evoluiu, rapidamente, de um quase protesto ção caía principalmente sobre Haya de la Torre e a Apra'' e regis-
inicial para uma atitude de expectativa e, por fim, para uma acomoda-
trou certa inquietação nos círculos governamentais de Wa-
ção total diante dos fatos consumados. Assim,
shington;6
c) realizadas as eleições no dia 10 de junho, três dias depois que
a) durante os 12 dias da crise de março de 1962, Kennedy demons-
os Estados Unidos restabeleceram a assistência financeira àAr-
trou que preferia o democratic procedure para a sua solução,
gentina, os militares desencadearam as pressões sobre a junta
uma vez que a continuidade de qualquer auxílio àArgentina, den-
apuradora, para que não publicasse os resultados e, depois,
tro do programa da Aliança para o Progresso, afigurar-se-ia como
sobre o presidente Manoel Prado, com o objetivo de o compe-
apoio à anulação das eleições e a implantação de uma ditadura
militar; lir a decretar sua nulidade ao verificar que Haya de la Torre
b) consumado o golpe de Estado e preso Frondizi, o governo dos obtivera a maioria dos votos, mas não alcançara o terço consti-
Estados Unidos suspendeu a ajuda econômica e retirou qualquer tucional;
apoio à moeda (peso) argentina; d) como as pressões não tiveram êxito, os militares, no dia 18 de
c) no dia seguinte, a imprensa norte-americana começou a registrar junho, derrubaram o governo e prenderam o presidente Prado;
o fato de que "felizmente para a administração um mínimo de e) no mesmo dia, os Estados Unidos romperam relações diplomáti-
sucessão constitucional foi mantido" com a posse de José Maria cas com o Peru, cortando-lhes toda a cooperação econômica e
Guida na presidência;; militar, enquanto o próprio Kennedy condenava publicamente
d) em 18 de abril, vinte dias depois do golpe, os Estados Unidos aquele golpe de Estado como um ser.ious setback para a Aliança
reconheceram o novo governo da Argentina; para o Progresso;'
e) em 7 de maio, Bonifácio del Carril, como novo ministro das Rela- f) no dia 26 de junho, o chefe ela junta militar acusou o Embaixador
ções Ex teriores da Argentina, declarou que "não toleraria qual- cios Estados Unidos em Lima.James Loeb, de interferir nos assun-
quer manifestação de política neutralista" a advogar total fidelidade tos internos do Peru, a fim de favorecer Haya de la Torre;

86 87
g) e 29 dias depois do golpe ele Estado, os Estados Unidos reconhece- O caso cio Equador, onde a prolongada crise culminou em 1963,
ram a jw1ta militar como "governo provisório" do Peru; em trnca c.:om a deposição do presidenteArosemena Monroy, apresentou alguma
de uma promessa de eleições, previstas para 1963, restabeleceu similitude tanto com o que se passou no Brasil, após renúncia do presi-
relações diplomáticas, bem como a cooperação econômica e mili- dente Quadros, quanto com o que ocorreu na Argentina e no Peru, a
tar com aquele país. revelar as oscilações e a ambigüidade da política dos Estados Unidos vis-
:i-vis a América Latina.
O golpe de Estado na Guatemala também não surpreendera o go-
verno dos Estados Unidos, embora seus porta-vozes não encontrassem a) De modo semelhante ao de Goulart, Arosemena Monroy, como
uma explicação para o fato de que os militares derrubaram o presidente vice-presidente do Equador, arrostara a oposição dos ministros
Miguel Ydígoras Puentes, acusando-o de fraqueza e tolerância diante da militares e assumira o governo, em 1961, com o apoio de forte
ameaça comunista quando ele reclamara medidas drásticas contra Cuba, movimento popular e de parte das Forças Armadas, em nome da
duas semanas antes, durante a Conferência dos Presidentes Centro-Ame- legalidade democrática;
ricanos, em San José de Costa Rica. b) seis meses depois, em maio de 1962, um levante militar compe-
De acordo com a análise da embaixada do Brasil em Washington, os liu-o a romper relações com Cuba, tal corno se passara em março
acontecimentos na Guatemala representaram o modelo clássico dos gol- com Frondizi, e o Fundo Monetário Internacional, logo em segui-
pes militares hispano-americanos, ou seja, derrubada do governo, sus- da (junho), concedeu ao Equador um crédito de US$5 milhões, a
pensão das garantias constitucionais, deportação do presidente, fim de ajudar o seu equilíbrio orçamentário;
fechamento do Congresso, proibição de atividades políticas e concen- c) Arosemena Monroy realizou então uma visita oficial aos Estados
tração dos poderes Executivo e Legislativo em mãos de um coronel que Unidos, mas não obteve grande êxito nem conseguiu estabilizar
governaria por decretos.8 Deste modo, a situação política no Equador;
d) cerca ele um ano depois, foi deposto e deportado para o Panamá
a) a deposição do governo autoritário e francamente anticomunista e substituído por uma junta militar, que suspendeu as liberdades
do presidente Miguel Ydígoras Fuentes representou uma políticas, proscreveu o comunismo e desencadeou a repressão
radicalização de extrema direita; contra todos os elementos de esquerda cujos nomes foram retira-
b) apesar da alegação de que guerrilhas castristas ou comunistas dos de uma lista de vigilància e controle que a CIA. fornecera; 10
operavam nas montanhas da Guatemala, o golpe de Estado teve e) 21 dias após a deposição de Arosemena Monroy, o governo dos
como objetivo evitar o retorno ao poder, através das eleições, cio Estados Unidos reconheceu a Junta Militar, que já emitira um co-
ex-presidente Juan José Arévalo, apontado como homem ele es- municado afirmando que não permaneceria muito tempo no
querda; poder.
c) nas eleições para a Presidência da República, a ocorrerem naque-
le ano (1963),Ydígoras Fuentes tendia a apoiar a candidatura de Conforme se pode observar, o governo Kennedy, que considerava a
Roberto Alejos, grande fazendeiro de café e irmão do Embaixa- democracia representativa um dos meios mais eficientes para o comba-
dor ela Guatemala em Washington, mas foi acusado de manter te ao comunismo, condenava os golpes de Estado, mas, pouco tempo
entendimentos com Arévalo, que facilmente venceria as eleições, depois, demonstrava tolerància e, por fim, acomodava-se com as ditadu-
segundo observadores; ras de extrema-direita por eles instituídas. Esta falta de consistência evi-
d) em 17 ele abril, dezoito dias depois cio golpe de Estado, os Esta- denciou-se nitidamente na política dos Estados Unidos diante dos
dos Unidos reconheceram a ditadura militar do Coronel Enrique acontecimentos na Argentina (1962), Peru (1962), Guatemala (1963) e
Peralta A.zurdia,havendo o Departamento de Estado aceito como Equador (1963). Durante a administração de Kennedy, o Departamento
"compromisso" uma declaração informal por ele divulgada, no de Estado sempre manifestou publicamente sua preocupação com qual-
sentido de que poderia convocar eleições na Guatemala, mais ou quer atentado à democracia representativa no hemisfério. Porém, mes-
menos, dentro de dois anos. 9 mo que provas concretas não existissem sobre a ingerência direta do

88 89
Pentágono, a estimular golpes militares na América Latina, não restava a Branca, bem como o Departamento de Estado, souberam antecipada-
menOl' dúvida de que suas pressões levaram os Estados Unidos a reco- mente do crime cometido com êxito em maio de 1961. 14 Outro complô
nhecer e a cultivar "relações amistosas com as piores ditaduras de direi- igual fora planejado, simultaneamente, contra o ditador do Haiti,François
ta", segundo a análise da embaixada do Brasil naquele país, a salientar Duvalier, conforme o próprio embaixador Adolf Berle Jr. revelara ao
que "cio ponto de vista dos setores militares de Washington, tais gover- chanceler Afonso Arinos, ao visitar o Brasil em fevereiro de 1961. 15 O
nos são muito mais úteis aos interesses da segurança continental do que plano dos Estados Unidos, para o qual Berle Jr. pedira então o apoio ou,
os regimes constitucionais". 11 pelo menos, o beneplácito do presidente Quadros, consistia em apre-
De fato, àquele tempo, o que mais afetava, no hemisfério, os inte- sentar a invasão de Cuba como parte de um movimento mais amplo,
resses de segurança dos Estados Unidos não era exatamente a luta arma- com o objetivo de restaurar a democracia representativa nos diversos
da pró-comunista, como as guerrilhas na Venezuela e na Colômbia, mas países do continente, onde quer que ditaduras existissem. 16 Como fidel
sim o desenvolvimento da própria democracia naqueles países, onde o Castro, no entanto, sobrevivera ao derrotar em Playa Girón (abril ele
recrudescimento elas tensões econômicas e dos conflitos sociais aguça- 1961) o ataque organizado p ela CIA, Kennedy passou a receber pres-
va a consciência nacionalista e os sentimentos antinorte-americanos, a sões para autorizar seu assassinato, e tanto admitia a possibilidade que
e nvolverem a maioria do povo, passavam a condicionar o comporta- consultara a opinião do jornalista Tad Szulc, especialista em Cuba, du-
mento de seus respectivos governos. Assim, de acordo com todas as rante uma conversa off-the-record, em novembro de 1961.
evidências, mais que uma questão ele politica nacional, de política inter- Segundo o jornalistaTad Szulc, o projeto Ai\1 LASH para o assassina-
na de países como Argentina, Peru, Guatemala, Equador ou Brasil, os to de Fidel Castro fora tão sigilosamente mantido pela CIA que nem
golpes ele Estado que depois da revolução cubana abalaram toda a Amé- mesmo Kennedy soubera de sua existência.'" Por sua vez, tanto Dean
rica Latina, constituíram um fenômeno de política internacional cujo Rusk, secretário ele Estado, quanto McGeorges Bundy, ao prestarem,
epicentro se encontrava na mutação da estratégia de segurança conti- posteriormente, depoimento perante o Senado norte-americano, julga-
nental, promovida pelo Pentágono. E, não sem motivo, o embaixador ram difícil conceber que Kennedy permitisse o uso de um estratagema
Ilmar Pena Marinho, chefe da delegação do Brasil na OEA, manifestou para assassinar Fidel Castro, enquanto o embaixador William Atwoocl .
sua preocupação com a possibilidade de que o Colégio Interamericano realizava gestões a fim de normalizar as relações entre Cuba e os Estados
de Defesa, criado por pressão dos Estados Unidos, viesse a transformar- Unidos. Mas não era improvável. O Grupo Especial cio Conselho ele Se-
se em uma "academia de golpes de Estados", 12 em que os estagiários e gurança Nacional, durante o mês de outubro de 1963, autorizou várias
instrutores norte-americanos, a influenciar seus colegas latino-america- operações ele sabotagem que incluíam a destruição de uma central de
nos, manifestavam abertamente opiniões sobre a necessidade de se cri- energia elétrica, uma refinaria de petróleo e uma usina de açúcar, visan-
ar um sistema permanente de ação coletiva, capaz de intervir onde quer do a desestabilização do governo de Fidel Castro. 18 E não o fez, aparente-
que não se pudesse enfrentar, com recursos internos do próprio país, a mente,sem o conhecimento de Kennedy. De qualquer forma,foi durante
ameaça comunista. 13 O empenho de Kennedy,por meio cio Departamento sua administração que os Estados Unidos começaram a recorrer mais
de Estado, em preservar, ainda que aparentemente, o invólucro demo- amplamente ao terrorismo sob todas as modalidades, como instrumen-
crático-representativo dos regimes políticos nos países latino-america- to de política exterior, ao mesmo tempo em que preparavam os grupos
nos visou a criar condições morais que justificassem a continuidade da especiais de contra-insurreição (CI ou Green Berets), com treinamento
campanha não apenas contra Cuba como, também, contra qualquer re- em táticas militares e paramilitares, bem como em técnicas de guerri-
volução social que no continente viesse a ocorrer. Entretanto, não signi- lhas, para intervir nos diversos países, inclusive o Brasil.
ficava que ele e seus colaboradores, os homens da "Nova Fronteira", . A penetração do Brasil pelos norte-americanos, com o empreendi-
tinham preconceitos contra golpes de Estado. mento das mais variadas modalidades de covert action e spoiling action,
Eles, aliás, não tinham preconceitos nem mesmo contra assassina- engravesceu, sem dúvida alguma, a crise interna, induzindo artificial-
tos e outras ações de terrorismo. A CIA fornecera todos os armamentos mente o processo político à radicalização muito além dos próprios im-
- rifles, pistolas e metralhadoras - aos dissidentes que tencionavam, pulsos intrínsecos das lutas sociais. Nao havia, naquelas circunstâncias,
na República Dominicana, assassinar o ditador Rafael Trujillo, e a Casa sequer a possibilidade de que Cuba viesse a estimular qualquer insurrei-

90 91
ção contra o governo de Goulart, que defendia seu direito à autodeter- provavelmente não executasse o plano de estabilizaç_ão i~onetária e,
minação; nem à União Soviética, empenhada em combater o stalinismo inflectindo mais para a esquerda, possibilitasse a "po lanzaçao das forças
chinês, interessava criar outro problema na América Latina. O jornalista políticas domésticas"; e, em uma segunda etapa, o ~olpe de ~stado, com
Ta<l Szulc, do The New York Times, reconheceu como "evidente" que a instauração de forte regime militar de direita,"ma1s bem on en_tado para
"não foi a influência direta de agentes, dinheiro ou armas de Cuba que os Estados Unidos" .2 ~ John Richard, executivo da RCA e pres1~ente da
levou Goulart e seus companheiros à beira de um Estado quase revolucio- Câmara Americana de Comé rcio,sugeriu-lhes que os Estados Unidos for-
nário no Brasil", embora fosse "inconfundível a influência psicológica e çassem o colapso econômico do Brasil, com o corte de t?da ajud_a ao
intelectual" da revolução de Fidel Castro, "ainda que transmutada em governo de Goulart, de modo a produzir sua queda e abnr o camtnho
termos puramente brasil.eiros". 19 Com efeito, o que levou Goulart à bei- para os militares. 24 Gordon, por outro lado, temeu que Gou~ar\ se fort~-
ra de um"Estado quase revolucionário", se é que assim se pode conside- lecesse pela onda do antiamericanismo e realizasse exproynaço~s maci-
rar o desbordo da democracia sob o seu governo, foi principalmente o ças ele empresas dos Estados Unidos,razão pela qual pr~pos o a~1a~ento
fato de que Kennedy, com as promessas de reformas ela Nova Fronteira e de tão drásticas decisões, por poucos meses mais ate a reahzaçao do
da AJiança para o Progresso, reagiu, diante de algumas nacionalizações, plebiscito, em 6 de janeiro de 1963, quando o povo decidiria pelares-
que nada tinham de socialistas e, sim, visavam a expansão nacional do tauração do presidencialismo. 25 • _
capitalismo, bem como dos esforços do Brasil para manter maior inde- Entretanto, embora o governo de Goulart aprovasse a mspcçao dos
pendência em suas políticas interna e externa - do mesmo modo que navios com destino a Cuba durante a crise dos mísseis, demonstrando
Eisenhower, em face elas primeiras mudanças empreendidas por Castro. que a defesa de sua autodeterminação não significava favorecin1en:o da
Assin1, as lutas socias, das quais, no Brasil, a comunidade empresarial expansão militar da União Soviética ou abdicação dos comprom1_~sos
norte-americana participava como significativo segmento de suas clas- fundamentais com o Ocidente, Kennedy, em dezembro ele 1962, lª se
ses dominantes, condicionaram, em larga medida, o comportamento de mostrava desmesuradamente inquieto e nervoso com a situação no Bra-
Kennedy e a forte hostilidade dos Estados Unidos a Goulart; porquanto sil. No dia 11 daquele mês, reuniu o Comitê Executivo do Conse~o ele
àquela época as corporações multinacionais, em busca de fatores mais Segurança Nacional para examinar a "ameaça con:u~sta" no Brasil e ~
baratos d e produção, não podiam tolerar nos new industriali:âng crise de seu balanço de pagamentos. Ao que tudo 111d1ca, naquela opor-
countries nenhum governo de corte social-democrático que, sob influ- tunidade decidiu-se que os Estados Unidos suspenderiam totalmente
ência dos sindicatos favorecesse a valorização da força de trabalho. qualquer financiamento ao governo Goulart, nada fazendo, como pror-
O Conselho das Amérkas, sob a lide rança de David Rockfeller, em- rogação de vencimentos, para aliviar as dificuldades de suas conta~ ex-
penhou-se efetivamente na desestabilização do governo de Goulart, com ternas e só destinando rec ursos aos estados, depois denominados ''ilhas
o conhecimento e a participação da CIA,conforme o depoimento do ex- de sanidade administrativa" ,26 cu jos governadores fossem militantes
embaixador do Chile, Edward Korry, perante o Senado dos Estados Uni- ·mticomunistas.2~ No dia seguinte, ao falar à imprensa, referiu-se dura-
dos. 20 No segundo semestre de 1962, a somar-se à ITI, a Hanna passou a :Uente à situação do Brasil, declarando que uma inflação de 5% ªº;~ês
pressionar o governo Kennedy para não dar nenhuma assistência fman- anulava a ajuda norte-americana e aumentava a ins:abi~dade pohttca.
ceira ao Brasil até que Goulart resolvesse o caso do cancelamento de Segundo ele, uma inflação no ritmo de 50% ao ano nao tu:ha preceden-
suas concessões no quadrilátero ferrífero de Minas Gerais. 2 1 O banquei- tes e os Estados Unidos nada podiam fazer para benefic1ar_o povo ~o
ro WilJiam H. Drapper, que visitou o Brasil em missão oficial, manteve Brasil , enquanto a situação monetária e fiscal dentro do pais fosse t~o
durante as primeiras semanas de outubro daquele ano diversos contatos instável.28 Sua atitude, ao afirmar praticamente que uma outra naçao
com elementos da comunidade empresarial norte-ame ricana e, a refletir estava bem bancarrota, chocou o governo Goulart, que a conside rou
suas opiniões, sugeriu a Dean Rusk que os Estados Unidos adotassem a irresponsável, pois seus efeitos econômicos e políticos seriam desastro-
linha dura, recusando qualquer ajuda ao balanço de pagamentos do sos para O Brasil e, em particular, para seus créditos exten'los. E, en_~ua~-
Brasil até que Goulart aplicasse um plano de estabilização monetária to sua entrevista repercutia, Kennedy, no dia 13, recebeu em aucltenc1a
satisfatório para o FMI ou caísse do governo, tragado pela voragem da 0
senador Juscelino Kubitschek, ex-presidente do Brasil, e LIeras ~~marg~,
crise de suas contas externas. 22 Sua perspectiva era a de que Goulart ex-presidente da Colômbia, abordando com eles o tema <laAmenca Lati-

92 93
na e'. em particular, do Brasil-Kubitschck, que notara uma crescente ani- e ,rupo Especial cio Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos
m osidade contra o Brasil nos Estados Unidos, defendeu Goulart como ,1111orizara novas operações ele sabotagem em Cuba, os soldados do l Ll
um "homem de sólidos princípios, com bom entendimento político" 11a1alhão da Polícia do Exército brasileiro, sob o comando do major Ary
que necessitava sentir-se apoiado para contrarrestar as influências ad'. ,\brahão Ellis, vasculharam um sítio em Jacarepaguá (Rio de Janeiro),
versas, tais como a do seu cunhado, Leonel Brizola, "violentamente pnto de uma p ropriedade de Goulart, e descob riram dez metralhadoras
2
antiamer~cano". ~ Kennedy ponderou que não importava quanto os Es- Thompson, calibre 45; vinte carregadores; 72 caixas de cartuchos
tados ~ mdos ap!tcaram no Brasil, mas a verdade era que o dinheiro não lk mington Kleanbo re 45; dez granadas Federal B!ast Dispersion Tear
prod_uzira nenhum resultado, uma vez que a inflação e a fuga de capitais <;as (CN); e um rádio transmissor Motorola, marcado com o símbolo cio
contmuavam. O outro fato a preocupar, segundo ele, era a forte influên- programa Ponto IV (mãos apertadas), da embaixada dos Estados Uni-
~ia marxista ou comunista no movimento operário e em outras áreas dos.-12 O ministro da Justiça, Abelardo Jurema, declarou que as metralha-
unportantes ~a so:iedacl~ brasileira, o que contribuía para O total agra- doras Thompson entraram clandestinamente no Brasil, pois nenhuma
vamento da ~1tuaçao. Kub1tschek expUcou que os elementos de esquer- daquele tipo existia nas organizações ela Polícia nem no Exército, cujos
da, embora nao apresentassem wn peso significativo, eram muito atuan tes oficiais desconheciam todos aqueles modelos de armamentos, tão mo-
e barulhentos, d e modo que contribuíam para impopularizar a Aliança dernos que eram. 33 E as investigações evidenciaram a existência de uma
para_ o Progresso, e .instigou Kennedy, várias vezes, a cooperar com 1rama para a elminação de Goulart e de seus filhos, bem como de muitos
0
Brasd - e sem demora - na solução de seus problemas de balanço de políticos e generais favoráveis ao governo .34 A CIA, sem dúvida alguma,
paga~cntos. No c urso da conversa, salientou que na sua administração t·stava por trás do complô. Entretanto,cerca de quarenta dias depo.is,foi
o Brasil recebera mais de US$2,S bilhões, o equivalente à média anual de l(cnnedy quem sucumbiu, tornando-se ele próprio alvo também do ter-
~S$500 milhões, o que contrastava com os parcos US$10 milhões inves- rorismo. E o governo de Goulart não sobreviveu mais que quatro meses.
hd~s n~quele ano. Kennedy ponderou que as políticas radicais de nacio- l 'm golpe de Estado, em ] !! ele abril de 1964, derrubou-o, com apoio
nalizaçao do ~apit~ e ex~ropriação de empresas estrangeiras afugentavam aberto dos Estados Unidos, que começaram a desencadear - aí, diver-
cada vez mais os investimentos. E Kubitschek aproveitou, mais adiante, gências entre o Pentágono e o Departamento de Estado não houve - a
uma oportu~idade para salientar que, dmante seu mandato, promovera o peração Broth er Sam , a fim de intervir militarmente no Ilrasil, se ne-
o desenvolv1IDento do Brasil, alcançando grande sucesso mesmo sem cessário fosse. Uma força-tarefa norte-americana,incluindo o porta-aviões
quase receber ajuda do governo dos Estados Unidos. E havia certas áre- /•c1n-estal, recebeu ordem ele rumar para o Atlântico Sul. 3s E, caso a guer-
as, como a situ~ção do balanço de pagamentos, em que a cooperação ra civil irrompesse no Brasil, aArgentina solicitaria a intervenção ela OEA,
dos _Estados Unidos, ele enfatizou, seria muito útil. Os argumentos de conforme o general Leopoldo Suarez, ministro da Defesa, comunicou a
Kub1tschek em favor da colaboração com GouJart não sensibilizaram Washington, após conferência com o presiclenteArturo Jllia e o ministro
~enne~y. : ºr duas vezes, ele repetiu que considerava a situação do Dra- das Relações Exterio res, Miguel Angel Zavalla Ortiz.36 Evidentemente,
stl, devido a sua natureza e à sua posição-chave nos assun tos do hcmisfé- da se dispunha a invadir seu território, e essa p erspectiva fora a que
r~o , mais grave que a de Cuba, que afinal e ra um país pequeno, e por isso levara suas Forças Armadas a autorizarem a construção de rodovias com
t111ha a máxima prioridade. Con tudo, acentou, o fato era que, não im- recursos da Agência Internacional ele Desenvolyjmento, nas p rovíncias
portando o que os Estados Unidos fizessem, a situação do füasil deve- de Entre-Rios e Corrientes, limítrofes do Rio Grande do Sul, ao mesmo
ria deteriorar-se. 3o
tempo em que multiplicavam as guarnições existen tes naquela região.3"
Efetivamente, desde, pelo m enos, julho de 1963, os Estados Unidos Tratava-se, provavelmente, da outra face da operação Brother Sam, como
começaram a estudar vários planos de emergência denominados Brother primeiro ensaio para a constituição de uma força interamericana perma-
Sam,_ª. ~lffi de intervir militarmente contra o governo Go ulart, diante da nente, de iLcordo com os p lanos do Pentágono.
p~~s'.bilidade de que ele, como conseqüência da p ressão econômica, se O governo de João Goulart, quando caiu, contava com 76% da opi-
dm gisse para a esquerda, não p ropriam ente comunista e sim sob a for- nião pública a seu favor,38 elevado índice ele popularidade, não obstante
ma ele autoritarismo ultra11acio11alisla, algo no modelo Vargas ou Perón, a formidável campanha que as oposições interna e externa promove-
conforme a CIA avaliara.3' Em 10 de outubro, à mesma época em que ram, com o objetivo de o desestabilizar. E o embaixador dos Estados
0

94 95
Unidos, Lincoln Gordon, ao comentar a "Marcha da Família com Deus e
pela Liberdade",realizada no Rio de Janeiro como manifestação de apoio
ao levante militar, observou que "a única nota tr.iste foi a participação
obviamente limitada das classes baixas" ,39 ou seja, a ausência de traba-
lhadores. Com efeito, o golpe de Estado no Brasil, instigado e sustentado
pela comunidade dos homens de negócios e pelos proprietários de ter-
ras,40 constituiu nitidamente um episódio de luta de classes, a refletir o
aguçamento tanto no nível nacional quanto internacional dos antagonis-
mos sociais e políticos, que atingiram a partir da Revolução Cubana uma
gravidade inaudita na América Latina. Os militares, vinculados política e
ideologicamente à antiga Cruzada Democrática, foram os que então se
apossaram do poder e, a sagrarem o putsh como Revolução Democráti- NOTAS
ca ou Revolução Redentora, recorreram aos métodos de guerra civil
para destruir a oposição e esmagar toda e qualquer forma de resistência.
Entretanto, como homenagem do vício à virtude, eles tiveram de con- Telegrama n 2 149, 18h,secreto,recebido, DEA DAM 600.(35), da Delegação do Brasil na
servar, formalmente, os traços constitucionais e alguns aspectos da me- OEA, a embaixador limar Pena Marinho, Washington, 5/6.4.1962, AHMRE-B, 600, (35),
cânica democrático-representativa, de modo a não constranger a Peru, Situação Polít ica, secreto, 1957/66.
2 Jbid.
administração do presidente Lyndon Johnson, sucessor de Kennedy,
.\ Carta-telegrama nº 42, secreto, DAM/DAS/600.35, da em baixada em Lima, a) embaixa-
perante a própria opinião pública nos Estados Unidos, e a não dificultar, dor Orlando Leite Ribeiro, 23.3/ 2.4.1962,AHMRE-B, CTs-Telegramas, recebidos e ex-
em conseqüência, sua cooperação militar e financeira. 41 pedidos, secreto, H-l, 1962/63.
Assim, embora o presidente John Kennedy adotasse, como um dos ·1 "Política externa norte-americana, análise ele alguns aspectos", anexo 1 e único ao
pressupostos da Aliança para o Progresso, a diretriz de não reconhecer Oficio nº 516/900.1 (22), secreto, ela embaixada do Brasil em Washington ao Ministério
elas Relações Exteriores,a) Roberto ele Oliveira Campos.Washington, 13.6.1963,AHMRE•
governos que não obedecessem às normas do regime democrático-re-
B, 900.1 (00). Política Internacional, ele (10) a (98), 1951-66.
presentativo, sua administração foi a que mais ,incentivou as Forças r, lbid.
Armadas, percebidas como a organização social mais estável e moder- <, lbid.
nizadora, a participar da política interna de seus respectivos países me- "' Ibid.
diante "ações cívicas" e contra-insurreição, inaugurando um ciclo de H lbid.
'! lbicf.
golpes de Estado no Cone Sul. E o presidente Johnson, sem vacilações, 10 lbid.
deu-lhe continuação. 11 "'Política externa norte-americana, análise de alguns aspectos", anexo 1 e único ao Ofí-
cio n º 316/900.1 (22), secreto, embaixada em Washingt0n ao Ministério das Relações
Exteriores,Washington, 13.6.1963,AHMRE-B, 900. 1 (00),Política Internacional, ele ( 1O)
a (98), 1951-66.
12 Telegrama n" 303, confidencial, da Delegação ·do Brasil junto à OEA, a) embaixador
limar Pena Marinho,Washington, 25/25.6.1962, AHMRJ,-8,Junta Interamericana ele De-
lesa, América, 1961/63.
1.\ "Política externa norte-americana, análise de .ilguns aspectos", anexo 1 e único ao Ofi-
cio nº 516, secreto, ela embaixada em Washington, fac. cit.
J ,I US. Senate, Alleged Assassination Plats lllvolving Foreign Leadcrs, An Jntcrin Report

ofthc Sclect Committce to Swc/y Govcrnmental Operations eith Respect to Jntelligence


Activities, 94th Congress, 1st. Session, November 20 (legislative clay, November 18)
1975, US Government, Print Office,Washington, 197 3, pp. 191-213 e 262-263.
1~ Afonso Arinos de, MELLO FRANCO, Planalto-Memórias, Rio ele Janeiro - Livrnria José
<llympio Editora, 1968, pp. 83-84.

96 97
16 Memorandum de Arinos a Quadros, 28.2.1961, secreto, sem cópia no AHMRE-B, repro- .16 Telegrama da embaixada americana para o Departamento de Estado, Buenos Aires,
duzido. In:A.A. de Mello Franco, op. cit., pp. 83-84.Telegrama n• 1130, 3.3.1961, lh 1.4.1964, LBJL.
p.m., embaixador John Moors Cabot par.i o secretário de Estado, confidencial, desclas- :P Rogelio Garcia Lupo, "El ojo en Brasil". In: Marcha, Montevidéu, 8.3.1963, nº 1147.
sificado em 27.8.1975,JFKL. :18 Pesquisa do lbope revelada pelo Correio Brasiliense, Brasília, 11.9.1989. Vide também
17 Kennedy dissera a Tad Szulc que estava a sofrer pressões por parte de alguns de seus pesquisa completa de Antônio Lavareda. ln: Isto é Senlwr, São Paulo, Editora Três, 12 de
assessores, para que ordenasse a eliminação de Fidel Castro.mas ele entendia que, por dezembro de 1990, nº 1 108, pp. 44-46.
"motivos morais", os Estados Unidos não deveriam participar de assassinatos. E a seu .W Telegrama, Lincoln Gordon a Dean Rusk, Rio de Janeiro, 2.4.1964, National Security
assessor, Richard N. Goodwin, ponderou, alguns dias depois:"Não podemos nos envol- File, CEP, vol. 3, LBJL.
ver nesse tipo de coisas ou todos nós nos transformaremos em alvo". Memora.ndum de /40 Vide L. A. Moniz Bandeira, O governo João Goulart, pp. 64-74, 126 e 140.
Acinos a Quadros, 28.2.1961, secreto, sem cópia no AHMRE-B, reproduzido. In:A. A. /4 1 Entrevista de Lincoln Gordon ao autor,Washington, setembro de 1977.Vide também P
Melo Franco. • R. Parker, op. cit., pp. 105 e 111-115. Dardo Cuneo, La batalia de América Latina,
18 US Senate, AJJeged Assassination Plots lnvolving Foreign Leaders, pp. 173-176. Buenos Aires, Siglo Veinte, 1964.
19 Tad Szulc, "Exportação da revolução cubana". ln: Cuba e os Estados Unidos. Editor
John Plank, Edições O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 1968, p. 91.
20 Depoimento de Edward Korry, ex-embaixador dos Estados Unidos no Chile durante o
governo de Salvador Allende, perante o Senado norte-americano. ln:Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, 14.2.1977.
21 Ruth Leacock,"JFK,Business and Brazil".In: HispanicAmerican Historical Review, 59
(4), Novcmber 1979, p. 654. O estudo de Ruth Leacock é um dos mais elucidativos
sobre as relações entre os governos Kennedy e Goulart.
22 Leacock, op. cit., p. 655.
23 Ibid., p. 656.
24 Ibid.
25 Ibid., p. 657.
26 Entrevista de Lincoln Gordon a Roberto Garcia. ln: Veja, São Paulo, 9.3.1977.
27 Um dos beneficiados foi Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara.
28 Public papers,John F Kennedy, 1962,p. 871. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 13.2.1962,
Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 14.2.1962.
29 Memon111dum oi Conversation, December 13, 1962, NLK-76-96 §2°, JFKL.
30 Ibid.
31 Central Intelligence Agency, NIE 93-263:"Situation and prospects in Brazil", 2.7.1963,
JFKL.
32 Relatório do general de brigada Paulo Francisco Torres, encarregado do inquérito poli-
cial militar que investigou o caso DJG. Vide também O Estado de S. Paulo, São Paulo,
11.10.1963 e 12.10.1963. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 11.10.1963 e 12.10.1963.
33 Ibid.
34 "Diante das provas colhidas [ ...], não poderemos fugir à hipótese de que houve maqui-
nação contra a vida ou a incolumidade ou a segurança do presidente da República".
Parecer do general Jair Dantas Ribeiro, mülistro da Guerra, encaminhando o relatório
das investigações à Justiça Militar, DJG. Vide também Correio da Manhã, Rio de Janei-
ro, 28.11.1963. Sobre o assunto, maiores detalhes em L. A. Moniz Bandeira. O governo
João Goulart: As lutas sociais no Brasil - 1961-1964, Civilização Brasileira, Rio de Janei-
ro, 1977, pp. 133-137.
35 L.A. Moniz Bandeira, O governo João Goulart, pp. 174-186. Philis R. Parker, 1964: O
papel dos Estados Unidos no golpe de 31 de março, Civilização Brasileira, Rio de
Janeiro, 1977, pp. 102-11 O. íntegra de vários documentos sobre a Operação Brother
Sam. ln: Marcos Sá Correa, 1964 visto e comentado pela Casa Branca, PM Editores,
Porto Alegre, 1977, pp. 20-24.

98 99
III
ESQUERDAS, MILITARES:
A DERROTA SEM RESISTÊNCIA
8
ERA O GOLPE DE 64 INEVITÁVEL?
Nelson Werneck Sodré

Para situarmos historicamente o problema de 64, temos que come-


çar em 1945, quando termina a Segunda Guerra Mundial com a derrota
do nazi-fascismo e do militarismo japonês abrindo perspectivas a uma
ampla democratização, em termos internacionais para todos os países.
O reflexo dessa vitória sobre as formas totalitárias de poder abre real-
mente possibilidades para uma reordenação democrática. Ocorre, en-
tretanto, um acidente de percurso da maior gravidade: EUA e União
Soviética, em campos opostos, defrontam-se naquilo que ficou conven-
cionado conhecer como Guerra Fria. Começa, então, uma terrível luta
política, em termos internacionais, que é viscerada essencialmente pelo
anticomunismo. A burguesia dos países, e o caso brasileiro com evidên-
cia, tem como ideologia fundamental o anticomunism o; isto é, toda e
qualquer reforma que se pretenda fazer no sentido do avanço e do pro-
gresso será travada porque batizada de comunista.
Ocorre, de 1945 àos nossos dias, uma sucessão de golpes de Esta-
do: o golpe de 1945, imediatamente após o fim da Guerra; o de 1954,
que depõe Getúlio Vargas; as tentativas de golpe de 195 5 e 6 1; e o golpe
de 1964, cujas conseqüências e características vamos estudar mais pro-
fundamente.
De que forma se apresentam estes golpes? Em primeiro lugar, uma
intensiva preparação da mídia; quer dizer, jornais, televisões e rádios
buscam isolar politicamente os detentores do poder naquele momento.

103
Em seguida, feita a preparação, mobilizada a opinião contra o poder Estas intervenções, entretanto, devem ser condicionadas a uma
constituído, uma intervenção militar e a deposição daqueles que estão análise histórica. Se recuarmos no tempo, verificaremos que as Forças
no poder. O conteúdo desses golpes sucessivos é o de manter as velhas Armadas no Brasil sofrem um movimento pendular: ora apresentam uma
estruturas que r,esistem a qualquer mudança. Se analisarmos o golpe de conduta positiva, ora negativa. Asseguraram a monarquia e o regime
1945, o primeiro ele uma série, verificaremos que se trata do impedi- escravocrata e depois o derrnbaram; asseguraram, ao longo do tempo,
mento para estabelecer no Brasil um regime democrático que as condi- várias ações contrárias aos interesses do povo, mas algumas vezes, man-
ções internacionais já permitiam. Pela Guerra Fria e pelo anticomunismo, tiveram a estrutura do regime democrático, como, por exemplo, em
o presidente seria um ditador: Getúlio Vargas, que governava o Brasil no 1955,garantindo a posse do presidente eleito, e em 1961, mesmo dividi-
Estado Novo, foi deposto, e a forma como ele abriu a democratização das, culminando na posse do vice-presidente João Goulart.
convocando todas as correntes partidárias a participarem do processo O que significa esse movimento pendular, ora pró, ora contra os
ele construção de uma nova estrutura política fracassou. Foi estabeleci- interesses populares? Devemos considerar q ue as Forças Armadas estão
do um governo transitório que levou ao poder, por eleições, justamente inseridas no processo histórico e, portanto, sofrem e participam das
o condestável do Estado Novo, o general Eurico Dutra. contradições que a sociedade brasileira atravessa ao longo do tempo.
O golpe de 1954 também foi para deter qualquer avanço no proces- Isso vem a propósito,porque tanto é errado condenar a intervenção das
so político das reformas econômicas. Desde que Getúlio Vargas esposou Forças Armadas, ou condená-las em si, como supor que sejam sempre
a tese do monopólio estatal do petróleo, mobilizando a opinião pública defensoras de determinado tipo ele governo e ele poder.
para forjar a Eletrobrás, e tomou providências no sentido de prover o Mas é preciso mais que isso. No processo h istórico há sempre uma
Estado brasileiro ele órgãos capazes de intervir na estrutura econômica mistura, uma heterogeneidade muito grande de acontecimentos. O mis-
de forma progressista, foi condenado pelas estruturas reacionárias, de- ter do historiador é discrinlinar, neste conglomerado de verdades e falsi-
posto e levado ao suicídio em agosto de 1954. dades, o que é importante e o que é acessório. O processo histórico só
Em 1955, uma tentativa de golpe militar visava impedir a posse do pode ser entendido quando se despoja cio que é acessório e se concen-
candidato Juscelino Kubitschek, que havia sido vencedor nas eleições. tra a atenção sobre o que é essencial. Há uma diferença grande entre a
Em 1961, as forças reacionárias levaram ao poder, numa ampla aliança, aparência e a realidade. ,
Jânio Quadros, que se propunha preservar os interesses dos setores mais Então, é preciso ver o que está por trás das Forças Armadas. O Esta-
conservadores. A renúncia do presidente e a divisão elas forças que de- do Novo ele 1937 a 45 , anterior ao período que estamos estudando, era
fendiam os propósitos retrógrados fizeram com que fosse tentado um uma ditadura, instalada e mantida pelas Forças Armadas. Mas ditadura
golpe militar, inviabilizado pela divisão das Forças Armadas. Contudo, exercida por um civil que foi Getúlio Vargas. Por que houve o golpe ele
estes propósitos tornaram-se triunfantes, em 1964, quando o governo 1937? Por que ocorreram as tentativas, às vezes vitor.iosas, de 1945, 54,
João Goulart buscou efetivar as reformas de base, isto é, as modificações 55, 61, 64? Por que as Forças Armadas foram instrumentadas, manipula-
estruturais na vida brasileira. Jango acabou sendo deposto, não pelos das, mobilizadas pelas forças políticas mais conservadoras, quando não
seus defeitos, mas por suas qualidades e virtudes. reacionárias, que este país conheceu. Então, a fachada militar das dita-
Sendo assim, a forma dos golpes é sempre a mesma: a ação prepa- duras esconde seu conteúdo prof1.mdamente reacionário, o conteúdo
ratória da mídia, uma pregação intensiva, visando isolar as forças políti- que resultou da mobilização das forças mais retrógradas da sociedade
cas progressistas e o coroamento por meio de uma intervenção militar brasileira.
do tipo que vai e vem. Ou seja, as forças militares intervêm, depõem o Isto deriva de um problema histórico na nossa vida, que é o retardo
detentor do poder naquele momento, asseguram a sua substituição e se da revolução burguesa no Brasil. A revolução burguesa é aquela que leva
retraem. Em 1964, no entanto, o modelo sofre uma modificação, pois as ao poder a classe dominante, a burguesia, e que introduz modificações
Forças Armadas tomam e instalam-se no poder, não o cedendo às forças superadoras, particularmente no quadro europeu, dos entraves feudais;
políticas que as manipularam. Há um significado novo, portanto, na for- no quadro brasileiro superam as reminiscências e heranças de um regi-
ma de intervenção das Forças Armadas, que é o de manter as velhas me colonial. Este atraso é ligado a um problema de defasagem histórica.
estruturas que controlam este país desde a época colonial. Nossa revolução foi tardia, posterior à ocorrida no ocidente europeu e

104 105
nos EUA, e admitiu vários modelos: o de Vargas, por exemplo, com um períodos de arbítrio. Daí a sucessão de intervenções militares,de golpes
período ditatorial em 1936-45 e um democrático, tanto quanto pode ser ,. de interrupções do processo político. Fato este advindo da debilidade
assim apelidado, entre 1950 e 54. Modelo este que era caracterizado da burguesia brasileira, que, mesmo detendo a hegemonia do processo,
pela mobilização das energias nacionais, pela ampliação da participação não o faz de forma completa e total. Ela necessita se amparar em forças
popular no processo político e pela intervenção do Estado na economia. que resguardem os seus privilégios, geralmente no imperialismo, na
Sucede-se o de Juscelino Kubitschek, de ampla participação e recepti• medida em que a intervenção estrangeira é um dado na vida política de
vidade de capitais externos em condições de privilégio para impulsio- todas as nações latino-americanas, e portanto, na nossa vida também.
nar aquilo que foi batizado, então, de desenvolvimento, sinônimo para o Conseqüentemente, temos a constatação da fragilidade das institui-
avanço material em determinados níveis. ..;ües democráticas, no Brasil, e o extremo cuidado que devemos ter para
Esses sucessivos golpes padeceram de uma condicional: a amplia- mantê-las, mesmo que à custa de grandes sacrifícios e renúncias. Cres-
ção da participação política do povo, isto é, a cada processo, a cada ce, portanto, a importância do mercado interno no processo econômi-
etapa, amplia-se no Brasil a participação popular no processo político; co, influenciando consideravelmente o processo político. O mestre da
hoje o Brasil tem quase 100 milhões de eleitores que irão dizer, em outu- cconomia na ditadura militar dizia: "Exportar é a solução". Mentira; o
bro de 1994, o que preferem. Para ir longe: na época da monarquia era mercado interno é a alavanca do desenvolvimento brasileiro; é preciso
possível eleger um senador com duzentos votos; Rui Barbosa foi um dotar nosso povo de poder aquisitivo para que o desenvolvimento de-
recorde de votação popular ao se eleger deputado com quatrocentos sencadeie um aumento da produção e e ncontre um mercado receptivo
votos. Compare-se com as eleições de hoje e veja-se como há uma gran- :1sua altura. De qualquer forma, há uma grande complexidade no fenô-
de ampliação da participação popular no processo político. Isso vai afe- meno político-brasileiro que, freqüentemente, apresenta formas inédi-
tar, também, a fisionomia dos golpes e seus resultados. Chegamos ao tas de manifestação. Estas acabam nos surpreendendo, na medida em
quadro atual e estamos vendo uma decomposição acentuada das velhas que raciocinamos sempre por analogia, buscando ver a semelhança com
estruturas do Brasil: estão viciadas, corrompidas e evidentemente inca- dados e modelos anteriores.
pazes de conduzir o processo político. Para esta mesa foi colocado um problema de extrema complexida-
Isso se verifica, inclusive, na forma de resolver um problema crôni- de. Seria possível evitar o golpe de 64? Sim, teria sido possível se real-
co que é a inflação, com períodos agudos como o que estamos atraves- mente nossas instituições fossem democráticas e sólidas. Não haveria as
sando agora. Sempre, quando há uma tentativa de deter a inflação, intervenções, nem os golpes, daí o cuidado que devemos ter, hoje, para
observa-se que se faz à custa do trabalho; e aqueles que defendem o que não haja uma ruptura no processo democrático.
processo democrático buscam preservar os direitos de quem trabalha E para finalizar, buscando responder qual o papel das Forças Arma-
em desfavor daqueles que o exploram. Neste conjunto de decomposi- das neste processo: foram sucessivas intervenções,inclusive com a maior
ção do processo político a que estamos assistindo e vivendo, extrema- e mais profunda delas em 1964, criando um profundo fosso entre elas e
mente complexo, cabe certamente um papel às Forças Armadas. Qual é o povo brasileiro. No entanto, é preciso contar com as Forças Armadas
este papel? É a grande interrogação a que responderei mais à frente. como um dado da realidade; elas estão num processo de reconciliação
Quero colocar ainda alguns conceitos que devem presidir nossa com o povo brasileiro. O que o povo deve exigir é que tenham o papel
discussão: as categorias de ritmo e de defasagem. A burguesia brasileira ele defensoras das instituições democráticas e dos interesses populares.
é um exemplo de defasagem ao ter ascendido ao poder atrasada, num
momento de hegemonia da dominação imperialista. Nossa burguesia,
portanto, tornou-se incapaz de promover grandes transformações soci-
ais, daí inclusive sua resistência a qualquer forma de avanço e receio por
tudo que é novo e progressista.
Esta é a razão da inércia social que vem presidindo o nosso desen-
volvimento histórico. Sabemos que, em nossa história, houve uma su-
cessão de curtos períodos de liberdade, evidentemente relativa, e longos

106 107
9
ERA O GOLPE DE 64 INEVITÁVEL?
Jacob Gorender

A categoria de inevitável e de inevitabilidade é uma categoria discu-


tível na história. Já se atribuiu ao marxismo a afirmação de que a histó-
ria tem um curso inevitável. É preciso dizer que não se pode inferir esta
idéia do marxismo: uma coisa é determinação; outra, inevitabilidade. O
que os historiadores marxistas, fiéis ao espírito do trabalho de Marx,
podem afirmar é que os acontecimentos históricos e as transformações
sociais são o efeito de causas definidas, ocorrendo dentro de um conj un-
to de determinações.
Como diria Marx, na célebre frase: "Os homens fazem sua própria
história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias
de sua escolha...". Ou seja, cada geração recebe um quadro social elas
gerações anteriores, não criado por ela. Nós vivemos no fim cio século
XX e, queiramos ou não, é dentro de certas condições que coexistimos
e que cada um de nós, por suas ações ou omissões, clá sua contribuição
para que se faça a história. Daí, porém, não se segue qualquer fatalidade.
Não que a categoria de inevitabilidade eleva ser totalmente expurgada
cio pensamento historiográfico. Creio que, dentro ele certos parâmetros,
sobretudo no que se refere a conjunturas de curto prazo, podemos dizer
que algo é inevitável quando se torna flagrante no curso dos aconteci-
mentos. Sempre sob a condição de que não ocorra alguma coisa total-
mente imprevisível.
Penso que o golpe de 64,até talvez dezembro de 1963 ou janeiro de
1964, ainda não era inevitável. O exame dos acontecimentos daquela

109
época, tanto do lado daqueles que foram apeados do poder com João ço, continuar com uma série de comícios em outras capitais, apostando
Goulart e as alianças de esquerda que o apoiavam, como do lado da num crescendo da campanha pelas reformas de base, até que pudesse
direita, revela este fato. O golpe só seria evitado se a esquerda tivesse proclamar sua permanência no poder. Verificava-se, portanto, um vai-e-
uma unidade e um poderio tão grandes que intimidasse a direita. Se as vem; esta era a realidade concreta.
forças reformistas - aquelas que lutavam pelas reformas de base (a re- Mas, como historiadores - e Nelson Werneck chamou a atenção
forma agrária, a fiscal, a urbana e assim por diante) - tivessem uma para isto -,precisamos separar sempre o principal do secundário. Aqui,
coesão e uma superioridade muito significativas, talvez fosse possível cabe citar outra sentença de Marx: "Se a aparência fosse igual à essência,
que os setores adversários considerassem inadequado marchar para a então a ciência seria desnecessária". Se as coisas aparentes coincidis-
aventura de um golpe. sem com a essência dos fenômenos, então não há o que pesquisar, o que
Entretanto o golpe ocorreu, e daí foi fácil dizer que "era inevitável". se vê já seria a verdade. No entanto, a realidade confirma a frase popular
Surgiram relatos de seus protagonistas, desde o do general Mourão Fi- de que "as aparências enganam".
lho, que foi o seu detonador, até os do governador Magalhães Pinto e Não vou entrar em detalhes, salientando apenas que o capitalismo
outros, nos quais se auto-atribuíam um exagerado papel naquele evento, brasileiro alcançou um grande ascenso durante o governo Kubitschek,
sugerindo que o golpe decorreu de alto grau de articulação e que tudo graças, em boa parte, a consideráveis aportes de capital estrangeiro e a
ou quase tudo funcionou como se estivesse preestabelecido. maciços investimentos estatais. Segue-se, em 1961-62, um período de
Isto não é verdade. Não se pode confiar nos depoimentos desses descenso próprio dos ciclos capitalistas. Em particular, nas condições
personagens ao pé da letra. Na realidade, houve muitos vai-e-vens. Em brasileiras, com uma alta inflação, sem mecanismos de correção mone-
1963, Jango tentou conciliar com as forças conservadoras, depois que tária. O Brasil não tinha uma economia tão diversificada como hoje, as
recuperou os poderes presidencialistas, em janeiro daquele ano. Buscou exportações eram modestas e a dívida externa pesava fortemente, em-
implementar o Plano Trienal de Celso Furtado, conter as reivindicações bora fosse pequena em comparação com a atual.
salariais e reprimir as organizações populares. Entrou até mesmo em Nesse quadro entra em crise a hegemonia burguesa de feição
aventuras golpistas. Uma delas, em abril de 1963, conectada com um populista. Hegemonia instaurada por Getúlio Vargas, originando a lide-
discurso que pronunciou em Marília, tentativa de golpe direitista que rança burguesa da classe operária através do PTB como partido e do
fracassou porque foi denunciada a tempo. Outra, a da decretação de populismo em geral. Liderança carismática sem intermediações, que se
estado de sítio em outubro de 1963, sua última tentativa que, também estabeleceu com Getúlio e prosseguiu, depois dele, nos governos de
por falta de apoio, tanto à direita como à esquerda, foi anulada poucos Juscelino e de Jango, herdeiro do espólio juscelinista.
dias depois. Tudo isso dentro do contexto internacional da Guerra Fria. Os EUA
Nesse período , de 1962 a 63, as forças conservadoras esperaram começaram a se afundar na Guerra do Vietnã. Houve, antes, a crise dos
para ver se Jango seria capaz de conter as forças populares e dissolver o mísseis em Cuba, que também esquentou o clima internacional. Depois,
Comando Geral de Trabalhadores, atacar os sindicatos e discipliná-los e veio o assassinato de Kennedy. Ou seja, uma série de fatos, sobretudo
pôr ordem no quaclt-o econômico em deterioração. No entanto, a partir após a vitória da revolução cubana, contribuiu para que os americanos
de novembro de 1963, Goulart deu uma guinada e passou a se entender desenvolvessem uma "marcação homem a homem". Assim sendo, eles
com as forças de esquerda, com o PCB em particular, germinando tam- jamais admitiriam que no Brasil se instaurasse um regime de esquerda,
bém uma idéia golpista. Esta inspiração golpista está visível nos docu- mesmo não sendo socialista.
mentos que temos à disposição. Jango se preparava francamente para o Naquela época, somente alguns setores da esquerda, que não dis-
que se chama de continuísmo. Luís Carlos Prestes declarou, numa en- punham de influência de massas, falavam em implantação imediata do
trevista à televisão, em janeiro de 1964, que a Constituição deveria ser socialismo. O PCB e outras forças da esquerda não tinham essa idéia.
reformada para possibilitar a reeleição do presidente. Era um convite Falava-se de um governo que aplicasse medidas de reforma agrária, de
aberto ao golpe, neste caso já com motivação esquerdista aparente. distribuição de renda, de construção de casas populares para os traba-
Havia, pois, golpismo, não só da direita, mas também da esquerda. lhadores, enfim, medidas que também hoje estamos pleiteando, nas no-
Jango pretendia, após o comício da Central do Brasil, no dia 13 de mar- vas condições, dentro da legalidade constitucional.

110 111
A vitória das forças de esquerda, em 1964, teria grande influência Bulhões, respectivamente ministro do Planejamento e da Fazenda, no-
na América Latina. Sem dúvida, o quadro latino-americano se modifica- meados por Castello Branco.Aplicaram, naquela conjuntura de meados
ria se prevalecessem os partidos e as correntes políticas que lutavam de 1964, um programa recessivo, com estímulo às exportações, ao arro-
pelas reformas de base, naquela ocasião: de Brizola aArraes, do PCB aos cho salarial, à liberação dos aluguéis, etc. A inflação caiu e, a partir de
militares. 1968, inicia-se um ciclo de ascenso na economia brasileira. Foi o único
Um fator inteiramente novo na conjuntura daquela época consistia período, na história recente, em que a economia brasileira experimen-
na atuação política dos subalternos das Forças Armadas, com liderança tou um ascenso vigoroso com inflação descendente, estendendo-se de
própria e não dirigidos por oficiais. Foi a primeira vez na história do 1968 até 73.
Brasil que sargentos, marinheiros e soldados se apresentaram com rei- Já do ponto de vista institucional-político, manifestaram-se as gran-
vindicações próprias, seja do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, des divergências entre os conspiradores. Os líderes civis do golpe -
como também das polícias militares. Isso provocou grande repercussão Lacerda, Magalhães Pinto, Adhemar de Barros - ambicionavam todos a
no meio da oficialidade das Forças Armadas. (A este respeito, o único presidência da República. Lacerda, ainda em outubro de 1964, foi esco-
precedente relevante é o da célebre "Revolta da Chibata", na Marinha, lhido pela convenção ela UDN para candidato nas eleições presidenciais.
em 1910). Portanto, os udenistas apostavam em eleições em 1965, de acordo com
Dentro deste contexto, portanto, as contradições se agravaram con- a Constituição. Não tinham em vista uma ditadura militar, não era o pro-
sideravelmente, apontando, de fato, para o golpe. Se não era inevitável, jeto das mais importantes lideranças civis do golpe de 64. Lacerda e
era extremamente provável. Não quero aqui mencionar toda a história Adhemar de Barros foram depois cassados. Entre os militares, no entan-
republicana cios anos 50 para cá; basta referir o seguinte: a renúncia de to, as posições também não se evidenciaram homogêneas.
Jânio foi a antecipação do golpe de 64. Esse ato do presidente Jânio A solução encontrada foi inédita na história do Brasil, porque tive-
Quadros pretendia o que os golpistas de 1964 obtiveram: poderes excep- mos, logo depois do golpe de 64, a partir do Ato Institucional nºl, a
cionais que reduzissem as atribuições do Congresso e permitissem ao prin1eira ditadura militar brasileira. Ao contrário de quase todos os paí-
presidente governar de maneira autoritária. ses daAmérica hispânica, que tiveram desde cedo ditaduras de generais
Jânio fracassou em 1961, com a sua manobra de pernas curtas, mas golpistas, e, alguns, por muitos anos. Deodoro tentou estabelecer um
deixou uma semente que iria germinar no golpe de 64. governo autoritário, mas fracassou. Foi obrigado a renunciar. Floriano
Aqui, devo fazer também outra observação. É uma idéia falsa a de enfrentou revoltas armadas e governou com mão dura, mas, no fim de
que os golpistas estivessem fortemente articulados. Pelo contrário, a ar- seu período de mandato, retirou-se, entregando o poder, embora de má
ticulação era frouxa e havia muita desconexão. Mourão Filho tomou a vontade, a um presidente civil. O Estado Novo não foi uma ditadura
iniciativa de movimentar as tropas de Minas Gerais por conta própria, militar, mas civil. Getúlio Vargas encarnava, em sua pessoa, a liderança
Castello Branco ficou assustado, mandou até o recado para que se deti- carismática própria do populismo. Exerceu um poder ditatorial apoia-
vesse, não avançando de Juiz de Fora e de Belo Horizonte para o Rio de do nas Forças Armadas - Góes Monteiro,Eurico Outra, etc. - , mas isto
Janeiro. No Rio de Janeiro a detonação do golpe provocou confusão não chegou a caracterizar uma ditadura militar.
entre os conspiradores. Salvou-os a capitulação precipitada de João Pela primeira vez, com o golpe de 64, as Forças Armadas, como
Goulart. instituição, assumem o poder. Aqui, não tivemos um caudilho militai·
Por conseguinte, também não corresponde à realidade a idéia de para dirigir o país como um Pinochet ou um Vidella. Não tivemos ditado-
que os conspiradores golpistas possuíam planos perfeitamente elabora- res militares do tipo de tantos que governaram aArgentina, a Venezuela,
dos para tudo. Talvez a elaboração mais avançada se encontre no âmbi- a Bolívia, o Equador e assim por diante. Nem mesmo um ditador, ele
to da política econômica. A instituição chamada Ipes, dirigida por Golbery certo moclo,progressista, como o p eruano VelascoAlvarado. No Brasil, o
do Couto e Silva - general da reserva-, reunia grupos ele intelectuais poder foi assumido, em 1964, pelas Forças Armadas, que institucio-
para examinar fatos da conjuntura e preparar, eventualmente, as medi- nalizaram um processo de sucessão de presidentes da República esco-
das econômicas de um futuro governo direitista. Fixaram-se algumas lhidos entre os pares do alto comando, de tal maneira que não houve
idéias, logo aplicadas pela dupla Roberto Campos e Otávio Gouveia ele lugar para um caudilho militar.

112 113
Talvez tal fato tenha facilitado a passagem da ditadura militar para a Por conseguinte, a derrota das forças que queriam reformas no Bra-
atual democracia. Este procedimento certamente criou uma aparência sil também não era inevitável. Ocorreu devido às divisões das forças
de democracia, através da substituição ritual de presidentes da Repúbli- democráticas e nacionalistas. As lutas internas, as desarticulações, as
ca. Mas estes, na verdade, eram ditadores. Algumas sucessões foram um ambições de Brizola e de Jango e as vacilações do PCB, que se atrelou a
tanto críticas, provocaram dissensões às vezes agudas no seio das Forças Jango e a seu projeto de golpe por meio de Prestes e ele Giocondo Dias
Armadas, mas acabaram se resolvendo dentro do alto comando sem - tudo isso debilitou a frente popular. Em biografia recentemente
maiores problemas, sem grandes rachaduras, até chegar no último go- publicada, escrita por João Falcão, do qual sou amigo, Dias aparece qua-
verno, o do general Figueiredo. • se como um santo. Ao contrário cio que afirma Falcão, Dias estava iri:se-
Essa também foi uma particularidade do pós-64 . Pela primeira vez, riclo no plano golpista de Jango. E testemunho isso como membro do
as Forças Armadas, enquanto instituição, sobretudo o Exército, assumi- Comitê Central do PCB naquela época. Sem falar em Prestes, Giocondo
ram o governo. Por que o Exército, por que as Forças Armadas? Havia era mais comedido, mais realista, porém, também estava envolvido.
militares que eram anti-golpistas. O golpe começou botando para fora Foram estes fatores que levaram, afinal, à derrota das forças de es-
das fileiras das ForçasA.rmadas algumas centenas de oficiais e sargentos. querda. Não que fosse uma derrota inevitável.
Havia, de fato,no meio dos oficiais elas Forças Armadas, desde generais a Para concluir, quero apenas dizer, com muita brevidade, que a situa-
tenentes, uma facção que era democrática, a favor das reformas de base.
ção ele hoje não deve ser identificada com a de 1964 . Embora o Brasil
No entanto, ela se mostrou mais fraca, incapaz de resistir durante o gol-
não tenha sofrido mudanças profundas, hoje é um outro país, com uma
pe, e se deixou comandar por João Goulart, que não queria luta e evitou
população e uma economia muito maiores.A economia é também mais
dar qualquer ordem de combate.
complexa e diversificada. As relações com o exterior são diferentes, não
E, aqui, entro em uma outra questão. Repito, visto de perspectiva
há o quadro da Guerra Fria, o mundo está vivendo uma terceira revolu-
ampla, o golpe não era inevitável. Contudo, tornou-se inevitável na
ção tecnológica que, obviamente, repercute aqui dentro de maneira
curta conjuntura dos dois ou três meses que o antecederam. A derrota
muito forte. Estamos envolvidos com outros fatores sociais; mal recupe-
das correntes que a ele se opunham também não era inevitável. Os pró-
prios golpistas do Rio ficaram surpresos com a iniciativa do general ramos as franquias democráticas e o Estado ele direito, infelizmente, é
Olímpio Mourão, em Minas. Naquele momento, se houvesse um coman- decepcionante.
do realmente combativo das forças que queriam as reformas de base, a Para a grande massa da população, a situação da vida cotidiana hoje
ação de esquadrilhas de bombardeiros e de aviões de caça teria paralisa- é pior que no tempo dos militares. Ouve-se, em filas de supermercados e
do a coluna do general Mourão, que descia de Minas, dispersando aque- de bancos, a frase de que "no tempo dos militares era melhor". E era
la tropa, o que teria um efeito moral tremendo. melhor mesmo, mas não por mérito dos militares. Afinal de contas, o
No dia 31, também, se os fuzileiros navais tivessem recebido ordens que hoje existe é herança daquele regime - a inflação é uma herança
cio almirante Aragão (que aguarelava um sinal ele Jango) e desencadeas- de Delfim Netto, a dívida externa foi formada durante os governos mili-
sem uma ação ela tomada do Palácio Guanabara, no Rio ele Janeiro, onde a tares. Mas, se tais fatores atuaram antes, seus efeitos estão pesando agora
defesa era muito precária, teria sido possível prender Lacerda, o que tam- e, queiramos ou não, precisamos reconhecê-lo.
bém provocaria um efeito moral de enorme importância em todo o Brasil. Os congressos legislativos, que surgiram depois ele 1985, e os presi-
Mas isso não ocorreu. A operação Brother's Sam, organizada pelos ameri- dentes que nos governaram - Sarney, Collor e Itamar - têm sido la-
canos no Caribe e composta de uma força naval que viria ao Brasil trazen- mentáveis e decepcionantes. No plano ela economia e da administração
do armas, munições e outros meios materiais para os golpistas, ainda levaria pública, agravaram consideravelmente a herança da ditadura militar ao
dez a doze dias para chegar. Era o tempo para organizar uma grande re- invés de anular tão nefasta herança. Para o raciocínio popular, que não
cepção a essas forças e desenvolver a resistência. Os americanos já esta- possui erudição sociológica nem historiográfica, a conclusão é muito
vam se enterrando na Guerra doVietnã. Não seria fácil,portanto, ocupar-se simples: antes havia ordem e nós tínhamos aJguma coisa que nos sus-
ao mesmo tempo de "dois Vietnãs". Eles foram derrotados na Ásia, seriam tentava e protegia. Não havia tanto desemprego, tanta corrnpção, en-
derrotados aqui também naAmérica cio Sul. fim, tudo o que há de podre e deteriorado nos dias atuais.

114 115
Mas, em que pese esse estado psicossocial que é evidente, seja qual
for a orientação política que cada um de nós tenha ou o apoio que qual-
quer um cios presentes dê a este ou aquele partido, penso - e aí quero
concluir com o que disse o meu predecessor Nelso n We rneck Sodré -
ser indispensável que defendamos a democracia, as franquias de mocrá-
ticas, as liberdades democráticas. Procuremos uma saída democrática!

10
O COLAPSO DA RESISTÊNCIA MILITAR
AO GOLPE DE 64

João Quartim de Moraes

Resistência a golpes militares: urna análise cornparativct

Por que não houve resistência ao golpe de 1964? A pergunta ocorre


imediatamente aos que interrogam os acon tecimentos de março a abril
daquele ano. O presente estudo visa a discuti-la e aprofundá-la.
Outra maneira imediata de formular a mesma questão é perguntar
se o golpe de 64 era inevitável. Sob esta forma, a questão acentua os
fatores econômicos e os interesses sociais em confronto no Brasil de
então. A discussão tende, assim, a girar em torno da avaliação do peso
determinante destes fato res, de maneira a discernir, na trama do proces-
so histórico,a margem de responsabilidade dos vencidos na derrota que
não foi apenas deles, mas de todos os democratas e de todos os trabalha-
dores brasileiros. Obviamente , cumpre descartar de imediato, por de-
masiado simplista, a opinião que podemos caracterizar como fatalismo
vulgar, ou previsão retrospectiva. Mencionamo-la apenas po rque enco-
bre, atrás de seu simplism o, u ma questão de fundo. Há semp re, na d inâ-
mica dos processos históricos, um momento em que de terminada
tendência assume a força de uma irresistível avalanche. O inte resse está
em determinar quando e como ocorreu esta "decisão" objetiva.
A questão inicial exige outro esclarecime nto . Quem resiste a wn
golpe, esp era derrotá-lo. A história registra resistências ditadas pelo

116 117
método prussiano a "questão social" na nascente República de Weimar,
heroísmo em que a esperança de sucesso era praticamente nula. Não
foi completame nte esvaziado, a 13 de setembro de 1920, por uma greve
longe de nós, no tempo e no espaço, o presidente chileno Salvador
geral que paralizou completamente o país, inclusive e principalmente
AJJe nde, ao morrer sob as bombas do golpe militar fascista comandado
seu sistema ele transportes ferroviários; b)A resistência popular que, em
pelo sinistro Pinochet, escreveu com o próprio sangue uma página de
Madri, Barcelona, nas Astúrias e em várias outras regiões ela Espanha,
grandeza moral que honrou a causa da democracia e do socialismo, em
desbaratou os golpistas e só não logrou salvar a causa da democracia e
nome da qual disputara e vencera as eleições de 1970. Evidentemente,
da República porque Hitler e Mussolin i prestaram constante e mac~ço
te ria sido muito melhor para o Chile e para a humanidade se não tivesse apoio miJitar a seus correligionários franqui~ta~ ,enqu:1-1:,to _que as po~e~-
sido reduzido a tão trágica extremidade. Tal constatação, de um lado, cias liberais ociden tais, sob o pretexto hipocnta da · nao-mtervençao ,
nos remete ele volta à questão anterior: com o e quando a derrota cio impediram O governo legal e legítimo da Espanha de adquirir no exteri-
governo de unidade popular tornou-se inexorável? De outro lado, aponta or as armas de que carecia para defender a liberdade.
para questão presente: qual o sentido da resistência? PamAJJende e para Fazer comparações históricas é fácil. Mais difícil é fazer compara-
os que com ele morreram,a 11 de setembro de 1973,no bombardeio do ções pertinentes. Do putsch Kapp não há conclusões a extrair para_o
palácio presidencial de La Moneda, o sacrificio supremo teve valor de caso brasileiro. Uma quartelada malpreparada, desferida com um Exer-
exemplo: com os fascistas, a luta é de vida ou morte, antes morrer que cito gravemente abatido pela derrota de 1914-1918, fracassou canhes-
aceitá-los. Mas para os milhares de operários, estudantes, camponeses, tramente diante de um movimento operário que, embora dilacerado pela
intelectuais que durante alguns dias resistiram de armas na mão ao gol- ruptura entre sociais-democratas e comunistas, dispunha de longa e lar-
pe militar-fascista, havia esperança, senão de uma vitória imediata, ao ga experiência de organização sindical. Nada que se assemelhe ao golpe
menos de prolongar a resistência na perspectiva de impedir a consolida- ele 1964.
ção da ditadura.A esperança frustrou-se: alguns bolsões de operários e Já na Espanha de 1936, há semelhanças notáveis. Do lado dos
estudantes e nfrentaram durante vários dias as forças golpistas. Cerca- golpistas, sobretudo. Prepararam-se meticulosamente: o general Fra•;-
dos, fo ram aniquilados um a um. co, cuja fama de carniceiro quando da repressão da greve geral nas Astu-
Se, portanto, hou ve resistência ao golpe no Chile, não hou ve, em rias em 1934 lhe assegurou a confiança do comando civil do golpe, fez
momento algum, qualquer p erspectiva de resistir com sucesso. Vale in- depositar grande soma de dinheiro num banco inglês parn manter bo~
sistir em que não é indiferente, para a moral de uma causa, q ue seu padrão de vicia caso a sublevação fracassasse. O apo~o civil ao gol~e foi
máximo dirigente e seus mais corajosos militantes tenham preferido tão decisivo quanto o seria no Brasil de 1964 e no Clule de :_97 3. Ev~cl~n-
morrer a capitular. Entre o ora indeciso, ora abúlico João Goulart e o temente, em cada caso, as formas de organização e de açao da direita
heróico SalvaclorAllende,o contraste é gritante.Mas para o povo e para eram diferentes, mas em todos ela pesou decisivamente no curso cios
a sociedade c hilena,suportar a ditadura odiosa de Pinochet foi uma des- acontecimentos.Já o apoio externo foi muito mais importante no golpe
graça tão grande quanto a de suportar, no Brasil, o "ciclo dos generais". ele Franco que nos de Castelo Branco e Pinochet. No Chile, a _interv~n-
Por isso, a questão politicamente decisiva concerne à possibilidade ção foi mais policial que militar:o aux ílio de fora para a subversao r~ac10-
nos (casos referidos,à impossibilidade) de resistir com sucesso ao golpe nária interna foi, como se sabe, proporcionado pela CIA. No Brasil, ele
militar. Já vimos que a impossibilidade não é absoluta, mas historica- poderia ter sido tão grande ou maior ainda que na Espanha. Em?o1-a
mente determinada: por hipótese, houve um momento em que a vitória ainda haja sicofantas que o neguem , o deslocamento para º .Brasil d<;
dos golpistas se tornou inelutável. Cabe à historiografia política detectar algumas das mais aguerridas unidades da esquadra norte-amencana esta
este momento, isto é, o momento em que a correlação de forças se tor- provado até em docum entos oficiais do arqui~o do p residet~te Lyndon
nou a tal ponto desfavorável à resistência q ue esta se viu acuada ao duro Johnson, que confirmam o clesencadeamento, as 15h e 30 m111 de 31 de
dile ma de capitular sem glória ou ser heroicamente massacrada. março de 1964, da operação Brother Sam, te ndo por objetivo fornecer
Dentre os exemplos de resistência vitoriosa a golpes militares, dois aos golpistas o carregamento de quatro petroleiros gigantes, bem c~~10
são especialmente significativos: a) o chamado putsch Kapp, desferido 11 o toneladas de ru:mas e munições, a serem transportadas por av1oes
pelo genernl alemão portador deste nome que pretendeu resolver pelo militares. Incluía também - e sobretudo - o envio de uma/ast carrier

118
119

1 1
task group do qual fazia parte o porta-aviões Forrestal. O sucesso fulmi- tais ele províncias, além elas colônias e clo"protetoraclo"marroquino,
nante do golpe de 31 de março tornou desnecessária esta expedição nas mãos ela sedição fascista;
colonial-fascista. b) 0 território sob controle republicano atingia cerca de 270 mil
Do lado dos golpeados, entretanto, a comparação entre Espanha e quilômetros quadrados, enquanto os sublevados controlavam cer-
Brasil oferece, sobretudo, contrastes. O maior deles está na forte e deci- ca ele 2 30 mil;
dida resposta dos sindicatos e das forças democráticas espanholas, que, c) a população do território sob controle republicano era de cerca
sem esperar iniciativas governamentais, encarregaram-se, com amplo, ele 14 milhões de pessoas, enquanto cerca ele 10,6 milhões viviam
embora não generalizado sucesso, de enfrentar na rua e até invadindo nas zonas ocupadas pelos sublevados (sem contar a população elas
quartéis a sedição militar-fascista. No Brasil, como se sabe, a greve geral colônias).
anunciada pelos dirigentes sindicais em caso de golpe fracassou melan-
colicamente. No que concerne à resistência militar ao golpe, o contraste A conclusão é clara. O golpe ele Estado, enquanto conspiração polí-
é menor. Como no Brasil, houve na Espanha uma parcela, minoritária tico-militar visando a tomar o poder por um ato ele força fulminante,
mas não insignificante, de militares que permaneceram leais à Repúbli- havia fracassado. Não havia fracassado completamente, como o putsch
ca e à democracia. Mas muito dificilmente teriam logrado esmagar a cio general Kapp. Se tivesse, teria poupado à Espanha uma atroz guerra
sedição militar-fascista se o próprio povo não tivesse tomado a iniciativa civil e o imenso retrocesso histórico de quatro décadas de ditadura
de enfrentá-la. Como este é o ponto nevrálgico de toda e qualquer resis- franquista.
tência democrática a um golpe liberticida, parece-nos valer a pena Falamos em fracasso do golpe e, portanto, em sucesso ela resistên-
examiná-lo mais de perto. cia ao golpe, relativamente ao projeto dos golpistas, que pretendiam
O golpe militar na Espanha, seja notado desde logo, foi desfechado resolver a questão do poder na Espanha não por meio de uma longa e
e conduzido com uma carga de violência e ódio muito mais forte que o terrível guerra civil (cujo resultado permaneceu incerto até a asfixia fi-
de 1964 no Brasil. Para não nos alongarmos na descrição das atrocidades nal ela causa republicana graças à intervenção maciça de Hitler e Mussolini
cometidas desde o início pelos golpistas, lembraremos somente que a e à hipócrita neutralidade da Inglaterra e da França), e sim pelo aniquila-
regra foi fuzilar em massa os militantes de esquerda, até mesmo os que mento, no curto tempo histórico de um golpe, de toda e qualquer resis-
sequer esboçaram um gesto ele resistência. O caso ele Lorca foi típico, tência.
neste sentido. O prestígio internacional ele que dispunha, como um cios É difícil saber se a experiência espanhola esteve presente no espíri-
maiores poetas espanhóis ele todos os tempos, longe ele protegê-lo da to cios conspiradores bnisileiros de 1964. Considerando seu nível cultu-
sanha assassina cios fascistas, espicaçou-a. ral médio, parece pouco provável que tenham meditado proft.11:,cla°:ente
Do lado da resistência antigolpista tampouco faltaram execuções sobre os antecedentes históricos do golpe que preparavam. Nao ha, en-
sumárias, mas se pode, com toda objetividade histórica, afirmar que não tretanto, dúvida nenhuma de que levaram muito a sério a possibilidade
ele um sucesso (e, portanto, ele um insucesso) parcial.Tinham, em todo
assumiram o caráter ele execuções em massa, como as efetuadas pela
caso, fresca na memória a experiência ele 1961, quando a tentativa ele
sedição militar-fascista. De qualquer modo, o sucesso da resistência
impedir, mediante um pronunciamento militar, a posse do vice-presi-
pode ser avaliado com precisão na carta político-militar da Espanha, uma
dente João Goulart, frustrou-se a partir da resistência organizada no
semana após o desencadeamento do golpe, iniciado na tarde ele 17 de
Rio Grande do Sul pelo governador Leonel Brizola, apoiado pelo III Exér-
julho de 1936. (O prazo de uma semana significa, obviamente, o tempo
cito lá sediado.
histórico do golpe. A partir daí, começou a guerra civil.) Os dados
São de domínio público, como já lembramos, as articulações cios
mais relevantes desta carta, ou se preferirmos, desta fotografia ela situa-
conspiradores com a embaixada norte-americana, a CIA e o Pentágono.
ção político-militar tal como se configurou em torno ele 23 a 24 de julho, Dentre os muitos documentos que comprovam tais articulações, um
são os seguintes:
telegrama da CIA ao governo dos Estados Unidos é particularmente signi-
a) 21 capitais ele províncias, incluindo as regiões mais industrializa- ficativo, tanto pela data quanto pelo conteúdo. Enviado a 12 ele abril de
das do país, estavam sob controle do governo republicano; 29 capi- 1963, um ano antes cio golpe, portanto, descreve o armamento de que

120 121
necessitarão os golpistas "nos dez dias seguintes ao desencadeamento pressuposto no enunciado (não houve resistência eficaz) é absolutamente
da ação" e sugere que o governo norte-americano"poderia fornecer umn incontestável, o segundo merece algum esclarecimento. Não houve,com
parte deste equipamento" .1 Outro telegrama, enviado ao mesmo dcs11, efeito, atos bélicos de resistência: os golpistas não precisaram combater
natário pela mesma agência de espionagem a 30 de abril (me nos de trt-, para triunfar. Houve, porém , uma tentativa séria de organizar a resistên-
semanas depois,portanto) anuncia que o primeiro objetivo do golpe cm cia militar, a empreendida pelo general Ladário Teles. Nomeado in
preparação seria derrubar Goulart, pondo em seu lugar um "presiclentt· extremis comandante do III Exército, sediado no Rio Grande cio Sul,
provisório", mero "boneco controlado", "provavelmente Ranieri Mazzill, Lactário tentou, com firme determinação (que faltou à grande maioria
presidente da Câm ara ele Deputados". Este é o nome preferido pelo gc.: dos d emais chefes militares antigolpistas) estabelecer, no sul d o país, a
nera I Mourão (fascista impenitente e conspirador crônico), embora,pros• base territorial da resistência ao golpe . Ainda no ite e na madrugada de
segue o telegrama, "não seja esta a escolha do almirante Sílvio Heck".2 L!.! para 2 de abril de 1964, ele insistiu, com o apoio de Brizola, em persu-
Dos dois telegramas infere-se que a CIA, em estreito contato com a adir Goulart, que chegara a Porto Alegre após haver deixado Brasília às
conspiração militar, tanto assim que conhecia até divergências em torno pressas, a aceitar a lula. Só depois ele reite radas recusas por parte do
de quem seria o boneco ele molas a ser sentado na cadeira presidencial, presidente, que já aceitara a derrota e a deposição, Lactário considerou
previu com um ano de antecedê ncia a possibilidade de uma guerra civil inútil prosseguir em seu corajoso esforço e inclinou-se diante do fato
e preconizou o envio ele material bélico para os sediciosos. consumado.6
Na medida em que não chegou a se concretizar na forma de inter- Embora isolado, este gesto, por partir de quem partiu (ninguém
venção militar direta, a participação none-americana no golpe de 1964
pôs cm dúvida a determinação de Ladário de passar das palavras aos
interessa apenas lateralmente à presente exposição. Concerne-nos, po-
atos, desde que autorizado pelo presidente) constitui a prova histórica
rém, mais de perto, o encorajamento que a certeza deste auxílio, se
de que se não houve nenhum ato de resistência militar ao golpe,foi por
necessário, trouxe aos conspiradores.Vale lembrar a este respeito que,
decisão, aliás clarame nte assumida, da única autoridade à qual, na já
em depoimento a um jornalista, Carlos Lacerda, evocando sua participa-
moribunda legalidade constitucional, Laclário devia obediência, isto é,
ção (decisiva, como se sabe) na articulação do golpe de 1964, admitiu
que Magalhães Pinto, na dupla qualidade de governador de Minas Gerais ao presidente João Goulart.
e, ao lado do p róprio Lacerda, ele chefe civil ela conspiração golpista, Não é, portanto , gratuita a suposição de que , se n o in terior do cha-
havia mantido negociações visando obter armas e apoio diplomático mado "dispositivo militar" de suste ntação do governo Goulart, tivessem
dos Estados Unidos. 3 Magalhães Pinto, também em declaração à impren- sido tomadas atitudes semelhantes à de Ladário, o curso dos aconteci-
sa, havia reconhecido, até por serem evidentes seus contatos com a em- mentos teria sido diferente. Goulart era hesitante, mas não covarde.Tan-
baixada norte-americana, negando, entretanto (mas só os muito ingênuos to assim que se recusou, rep etidas vezes, a ced er às pressões de chefes
poderiam levá-lo a sério), ter p edido armas a seus interlocutores estran- militares como o general Peri Beviláqua, então à frente do Estado-maior
geiros.4 das ForçasArmadas, e o generalAmauri Kruel, comandante do II Exérci-
Vale lembrar, enfim, que a participação norte-americana na conspi- to (com sede em São Paulo), que, a 31 de março, quando as forças sedi-
ração e na preparação do golpe está amplamente documen tada no livro ciosas do general Mourão Filho já avançavam em direção ao Rio de Janeiro,
de Phylis Parker, inteiramente consagrado ao tema, bem como em traba- ofereceram-se para servir de mediadores"desde que Goulart se compro-
lhos ele L. Moniz Bandeira.; metesse a proibir a greve geral anunciada [... ), intervir nos sindicatos,
governar com os partidos po líticos, não com o CGT, apoiando-se nas
Forças Armadas".'
Por que não houve resistência militar ao golpe? Ladário não foi o único general fiel à legalidade democrática que
tomou iniciativas decisivas no sentido de organizar a resistência militar
Colocada à luz elas considerações precedentes, a questão poderia ao golpe. Embora colocado num escalão inferior ele comando (o da In-
significar tanto "por que não houve resistência militar eficaz ao golpe?" fantaria Divisionária da Il Divisão de Infantaria, com sede em Caçapava,
quanto "por que não houve nenhuma espécie de resistê ncia militar ao São Paulo), o general Euríalo Zerbini cumpriu sem hesitações ne m reser-
golpe?" Se o primeiro significado dispensa comentários, já que o fato vas mentais seu dever ele oficial fiel à legalidade republicana. Informado

122 123
em São Paulo, na tarde de 31 de março, que o general Kruel, a quem to careciam os legalistas, haviam atravessado o Rio Paraibuna, penetran-
estava subordinado, dispunha-se a aderir ao golpe, procurou seu supe- do em território fluminense. Compunham-se ele quatro batalhões de in-
rior imediato, o general Aluísio Mendes, que lhe assegurou estar decidi- fantaria, cerca de 2.500 combatentes, de dois grupos de artilharia e
do a defender o governo legítimo e até mesmo a prender o gener-J.l Kruel, unidades menores, perfazendo um total de cerca de 4 mil homens. Se-
se ele de fato confirmasse sua adesão ao golpe. Zerbini seguiu, então, guiam-nas doze batalhões da Polícia Militar de Minas Gerais com cerca
para seu Q.G. em Caçapava e, logo ao chegar, contatou os oficiais sob de 18 mil homens. Caía a noite quando a vanguarda de Mourão deparou-
seu comando para tomar o pulso da situação. Constatou haver condi- se com patrulhas do 1 º Batalhão de Caçadores, de Petrópolis, que cons-
ções para defender o setor sob sua responsabilidade, mas não de enfren- tituía a vanguarda das forças do l Exército, enviado por comandante, o
tar o grosso do II Exército se este, com Kruel à frente, aderisse à causa general Moraes Âncora, para deter os sediciosos. Eram forças respeitá-
sediciosa. Às 22h e 30min, ao conseguir se comunicar com o general veis,compostas de dois regimentos de infantaria e de um grupo de obuses,
Aluísio Mendes em São Paulo, recebeu deste a informação de que "a num total de cerca de 5 mil combatentes bem-armados. Em termos estri-
situação mudara" e que Kruel o convocava em São Paulo. Obviamente, a tamente militares, não teriam grandes dificuldades para obrigar os sedi-
principal mudança na situação militar do II Exército era que tendo este, ciosos a recuar tão rapidamente quanto haviam avançado.
Não foi, entretanto, em termos puramente militares que o confli-
por meio de seu comandante, aderido ao golpe, o general Aluísio Men-
to se decidiu. Embora vulgar, a expressão "guerra da saliva", utilizada
des inclinara-se diante do fato consumado, abandonando qualquer velei-
mais tarde para descrever o episódio, é pertinente. Logo no primeiro
dade de resistência.
contato entre o 1 2 B.C. de Petrópolis e as forças de Mourão, um tenen-
Longe de se deixar contagiar pelo mau exemplo de seu interlocutor,
te daquele batalhão bandeou-se para os golpistas. Deserção sintomáti-
Zerbini, em contato com o chefe da Casa Militar do presidente, general
ca, cujo caráter epidêmico revelar-se-ia algumas horas depois, quando
Assis Brasil, informou-o de que controlava a situação em sua área, mas
as forças do I Exército, comandadas pelo general Cunha Melo, chega-
sem reforços do Rio de Janeiro não poderia deter o ataque de Kruel.
ram à altura de Três Rios, a poucos quilômetros das posições dos
Assis Brasil prometeu-lhe enviar o grupamento de Unidades Escolas e
golpistas. Na cidade, um moço, em trajes civis, apresentou-se ao coro-
um batalhão de carros blindados. Às 23h e 30min, recebeu um telefone-
nel Raimundo Ferreira de Souza, comandante do 12 Regimento de In-
ma do próprio João Goulart, que confirmou o envio urgente do reforço fantaria dito ("Regimento Sampaio"), uma das tropas mais aguerridas
prometido por Assis Brasil. A promessa não foi cumprida. Ao longo ela do Exército brasileiro. Filho cio coronel João Batista da Costa, que fazia
madrugada, o vírus adesista alastrou-se pelas forças de que Zerbini pen- parte cio Estado-maior do general Mourão,pediu ao coronel Raimundo
sava dispor. Na manhã de 1º de abril, já na condição de general sem que entrasse em contato telefônico com seu pai, que estava em Juiz de
tropa, dirigiu-se para a Academia Militar de Resende, em que, diante de Fora. O simples fato de aceitar a proposta revelava pouca disposição
cerca de duzentos oficiais, o comandante do I Exército, general Moraes em combater. Ela se tornou menor ainda quando, do outro lado do fio,
Âncora, disse-lhe que estando "acéfalo" o governo, nada mais havia a em vez da voz do coronel João Batista, o coronel Raimundo ouviu a cio
fazer. Zerbini tentou ainda, de São Paulo, para onde retornara, tomar um marechal Odílio Denis, patriarca da conspiração golpista: "Você está
avião que o conduzisse ao Rio Grande do Sul: tendo tido notícia de que contra mim, Raimundo?" 9
Lactário dispunha-se a resistir à frente do III Exército, tratou de juntar-se Se ainda estivesse, deixou de estar no ato. O poderoso Regimento
a ele. Não conseguiu. Foi juntar-se, a 4 de abril, aos presos do Forte de Sampaio bandeou-se com armas e bagagens para o lado do golpe, se-
Copacabana. 8 guindo seu comandante. Desfalcado do melhor de suas forças, o general
Dignas, corajosas, mas raras, atitudes como as ele Laclário e Zerbini Cunha Melo retrocedeu paraAreal. Só lhe restava negociar sua rendição.
contrastaram com a - em muitos casos também digna, mas passiva e Tanto ele, comandante do teatro de operações, quanto Moraes Âncora,
resignada - atitude ela maioria dos oficiais legalistas. A passividade ele chefe tio I Exército, rimaram lealdade com passividade. Não mudaram
mais graves conseqüências ocorreu perto da divisa entre Rio de Janeiro de barricada durante a "guerra da saliva". Mas a indecisão que mostra-
e Minas Gerais, na noite de 31 ele março. No final ela tarde, as forças ram desde o início das operações encorajou as deserções espontâneas e
golpistas cio general Mourão Filho, com um sentido ofensivo de que tan- facilitou as estimuladas pelos adversários. Basta notar que o 1º B. C. ele

124 125
P~trópolis, vanguarda do I Exército, havia recebido instruções para não - General, está tudo perdido? •
disparar o primeiro tiro e autorização para recuar. - Está tudoperdido.Não há mais nada afazer. - respondeu Ancora.
No Rio de Janeiro, em vez da "guerra de saliva", houve uma batalha - H o Ili Exército no Rio Grande do Sul? - indaga Assis Brasil.
de fantasmas, produzidos pela convergência objetiva da fanfarronice de - O III Exército está ern deliqüescência. 14
dois exibicionistas, um de di reita, o utro de esquerda, respectivamente 0
governador Carlos Lacerda, cujo anticomunismo doentio costumava se
expressar em freqüentes surtos h istérico-parnnóicos, e o contra-almiran- Causas políticas da vitória dos golpistas
te Aragão, que, à frente dos fuzileiros navais, criara fama de revolucioná-
rio dur~ e intransigente.Vivera, durante a semana que precedeu O golpe, O relato das manobras militares de 31 de março a 2 de abril de 1964
seu maior momento de glória: aclamado como herói pelos marinheiros mostra claramente que, nas fileiras legalistas, a vontade de resistir foi
e fuzileiros anistiados por Goulart após os dramáticos episódios ocorri- exceção, e a indecisão, logo transformada em apatia, a regra. No conjun-
dos na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, 10 parecia destinado a um to, portanto, as forças antigolpistas partiram de moral, baixa ~ar~ o con-
papel decisivo no e nfrentamento desencadeado a 31 de março. Lacerda fronto. Não somente, de resto, os militares, mas tambem os smd1catos e
~ seus amigos davam como provável uma fulminante investida de Aragão, as forças de esquerda em geral. Donde a hipótese, sustentada inclusive
a frente ele fuzileiros e marinheiros, contra o Palácio da Guanabara, onde por alguns dos mais sérios e respeitáveis protagonistas e analistas do
se entrincheirou desde o início do golpe. Nu ma atmosfera confusa de campo antigolpista, de que este estava politicamente derrotado antes
fortaleza cercada, centenas de voluntários, militares e civis, provindos mesmo de que os generais Mourão e Guedes, secundados pelo governa-
da fina flor da direita carioca, esperaram, ao lado do governador fantasi- dor Magalhães Pinto, iniciassem o golpe em Minas Gerais. _ .
ad~ de guerrilheiro, metralhadora em punho, o ataque anunciado. Nin- A discussão sobre a inevitabilidade do golpe travada no IFCH/Umcamp
g uem os incomodou. com uma perspectiva histórica de trinta anos, concentr?u-~e, como ª~~i-
Se o grau de responsabilidade é proporcional à importância do car- nalamos Jogo no início deste estudo, nos fatores econonucos e sociais
go, o maior responsável militar pela paralisia e pelo desmoronamento que fizeram pender o lado dos golp istas a correlação política de forç_a~
do ?ispos_itivo legalista nas Forças Armadas foi o general Argemiro de no Brasil de então. Particularmente significativa - e , parece-nos, equili-
Assis Brasil, chefe ela Casa Militar da presidência. Como Goulart mante- brada - foi a opinião sustentada por NelsonWerneck Sodré. Re!omou-~
ve um_ i:responsável otimismo que chegou ao burlesco no episódio da em artigo p ublicado em Carta, cio qual reproduzimos a conclusao relati-
d_epos'.çao deA.rraes pelo IV Exército.Ao oficial que lhe deu voz de pri- va às causas da paralisia dos militares antigolpistas:
sao, chzendo-lhe para se recolher à sua residência, o governador de
Pernambuco responcleu: "Não tenho casa. Moro no Palácio". Intimado a A ausência de resistência militar por parte do governo surpreendeu os pró-
n el~ perman~cer até segunda ordem, Arraes telefonou para Brasília e prios empreiteiros do golpe. N; verdade, Goulart dispunha de _elementos
miUtares suficientes para a resistê ncia. Se tal resistência - face a presença
ou vm de Assis Brasil lapidar conselho: "Resista, govern ador, porque cios heróis da Brother Sam - teria ~ido suficiente, teria condições de deter
estam os vencendo em todas as frentes ". 11 o golpe, é outro problema. O que paralisou a ação das forças militares de
Sem dúvida, a intervenção cirúrgica a que fora submetido O general que o governo dispunha foi,justamente, a prévia derrota política ~as f~15as
Jair Dant~s Ribeit·?•ministro ela Guerra (estava ainda hospitalizado quan- p opulares que apoiavam o governo... Daí o fato de que o golpe foi poht1co.
cl~ ~clodm o movunento golpista), contribuiu para desarticular a cúpula embora operado por fo rças militares.
militar do governo. Tanto mais que o chefe do Estado-maior do Exército
general Castelo Branco, estava participando discreta, mas ativament~ Lembrando que de 1945 em diante, as intervenções políticas das
das articulações sediciosas. 12 Mas a demora em destituí-Jo 13 foi de exclu- ForçasArmadas foram inspiradas pelos parti.dos reacionários derrotados
siv~ responsabilicl~de de Goulart e deAssis Brasil. Este, correndo sempre nas urnas, acrescenta:
atras dos acontecimentos e chegando semp re atrasado, travou, já nos
Devidamente dopados pelo anticomunismo e pela ação maciça da míd ia,~s
estertores de seu melan cólico desempenho (por volta das 14h do dia 12 militares faziam sempre o serviço que lhes era solicitado.Jejunos em polit1-
de abril, n o Rio de)aneiro), o seguinte diálogo, curto mas patético, com ca alimentados IJela propaganda, supunham que estavam mesmo salvando
o general Moraes Ancora: 1 •

D eus, a Pátria e a Famftia, nada menos que isso.


l'i

126 127
Especialmente relevante para nossa questão é a afirmação de que clarmente expresso na fónnula"rouba, mas faz") pela postura compungida
Goulart dispunha de meios militares de resistência. O exame da correla- ele sacristão improvisado. Marchas semelhantes estavam programadas
ção militar de forças às vésperas do desencadeamento do golpe confir- para outros grandes centros urbanos. O golpe veio antes, transformando
ma-o claramente.Não somente o I e o III Exércitos permaneceram sob o a mobilização da direita em desfiles de triunfo. Ela provara, de qualquer
controle dos oficiais legalistas (o 11 Exército, como vimos, só balançou modo, antes do 31 de março, que podia pôr na rua muito mais gente
para o lado do golpe na noite de 31 de março), mas também na Fm-ça que a esquerda.
Aérea havia muitos oficiais decididos a resistir. Mesmo na Marinha, em A superioridade da mobilização reacionária de massas sobre a das
que, como conseqüência da crise provocada pela mobilização dos mari- forças progressistas resultou de um enorme esforço de organização exaus-
nheiros e dos fuzileiros navais, a motivação golpista da oficialidade esta- tivamente documentado e analisado em 1964: A conquista do Estado,
va especialmente exacerbada, o ministro Paulo Mário, secundado por de René Dreifuss. Publicado em 1981, o livro, inicialmente redigido em
um grupo de oficiais "que fizeram a difícil opção de colocar-se em anta- inglês como tese de doutorado, apóia-se nos arquivos, até então inédi-
gonismo à grande maioria dos de sua classe", 16 defendeu com dignidade tos, do discretamente intitulado Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
e firmeza a causa da legalidade. (lpes), na verdade, uma vasta organização política do patronato, dirigida
Entretanto - e esta é a tese fundamental da explicação de Sodré - , por um Estado-maior composto de plutocratas e prepostos de alto nível,
a correlação política de forças na sociedade brasileira havia se tornado formando a cúpula do aparelho ideológico do capital no Brasil de então.
tão favorável aos golpistas que já não mais podia ser contrabalançada O livro de Dreifuss é suficientemente conhecido para nos dispensar ele
pelos meios militares de que dispunha a resistência. Não teria sido a resumir aqui suas conclt1sões. Importa-nos ressaltar apenas as que
desproporção militar e sim a desproporção política de forças o fator concernem mais diretamente ao exame da tese de Werneck Sodré.
decisivo para o fulminante sucesso do golpe. Enquanto linha geral de A mais notável é a de que o Ipes constituiu o principal centro da
interpretação, a tese nos parece justa, mas para aquilatar seu grau ele articulação golpista. De seu núcleo dirigente participou desde o início o
pertinência explicativa é indispensável desdobrá-la em questões mais general Golbery do Couto e Silva que, com zelo metódico e eficiente,
específicas, como de resto sugere o próprio Werneck Sodré ao lembrar a contribuiu decisivamente para a montagem de uma tentacular rede
influência dos meios de comunicação e das marchas da "Família com conspirativa, da qual as atividades de "pesquisas e estudos" constituíam
Deus pela Liberdade" sobre a oficialidade. apenas a fachada. Além do patronato industrial e financeiro, a rede envolveu
O exame da correlação política de forças às vésperas do golpe deve, a hierarquia da Igreja católica na época com posições virulentamente rea-
com efeito,levar em conta as diferentes frentes em que se desenvolvia o cionárias,(e sobretudo a das ForçasArmadas que,contrariamente à Igreja,
confronto, notadamente a luta de massas. Na falta de um estudo minuci- estavam na época profundamente divididas, o que só aumentava a impor-
oso e aprofundado sobre os movimentos e tendências da opinião públi- tância de articular sua ala direita na perspectiva do golpe).
ca, devemos nos ater às suas manifestações mais evidentes: as marchas Dreif-l1ss, em seu livro, caracteriza o Ipes como "elite orgânica na
da "Família" promovidas pelos golpistas e o comício de 13 de março no burguesia multinacional e associada". Como qualquer outra fórmula
Rio de Janeiro, a favor das reformas de base propostas pelo governo. Foi definitória, esta se apóia em uma visão teórica, no caso em uma determi-
esta a mais notável manifestação de massa da esquerda na conjuntura do nada análise da sociedade brasileira, que pode ser mais ou menos perti-
golpe. Reuniu uma multidão calculada e ntre 150 e 200 mil pessoas. No nente e adequada, mas que, de qualquer modo, é exposta clara e cuida-
palanque, ao lado de Goulart, estava o cunhado Brizola, bem como diri- dosamente pelo autor. Foge a nosso escopo discuti-la enquanto tal.
gentes do Comando Geral dosTrabalhadorcs (CGD, membros do gover- Importa aqui, tão-somente, enfatizar a relevância da noção de organi-
no e o governador d e Pernambuco, Miguel Arraes. cidade para a compreensão da dinâmica política que fez pender para o
A direita replicou, no dia 19 de março em São Paulo. Cerca de meio lado do golpe a correlação de forças. Cabe notar, neste sentido, que nem
milhão de manifestantes votaram com os pés, em nome de Deus, da o Ipes, nem o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (lbad), organiza-
Família e da Liberdade, a favor do golpe liberticida. À frente da gigan- ção com objetivos próximos ao do lpes e que com ele acabou se fundin-
tesca passeata reacionária estava o folclórico governador Adhemar de do na prática (Dreifuss se refere ao"complexo Ipes-Ibad") foram criados
Barros, trocando momentaneamente seu estilo cínico e debochado (lapi- na perspectiva imediata de preparar um golpe de Estado. O Ipes foi

128 129
oficialmente criado a 29 de novembro de 1961, dois meses após o fra- Estudos posteriores ao livro de Dreifuss, notadamente Os senhores
casso da tentativa de impedir a posse de João Goulart em substituição a das Gerais, de Heloísa Starli11g, consagrado à conspiração e à mobilização
Jânio Quadros. Tal proximidade cronológica sugere, de um lado, que as golpista em Minas Gerais, 19 confirmam ampla e circunstanciadamente a
precondições orgânicas para a institucionalização de um núcleo dirigen- função hegemônica exercida pelo Ipes. Evocaremos apenas, para con-
te da burguesia industrial e financeira estavam reunidas desde antes: não cluir, como ela operou no interior das Forças Armadas, lembrando a im-
se forja uma vanguarda de classe, mesmo tratando-se de uma classe do- portância, na interpretação de Werneck Sodré, cio argumento de que os
minante, em tão curto espaço de tempo. P De outro lado, porém, é in- miJitares foram manipulados e intoxicados pelos "empreiteiros do gol-
contestável o vínculo de causa e efeito entre o insucesso da manobra pe" e de que,portanto,o que ocorreu em março-abril 1964 foi um_golpe
golpista para impedir que um vice-presidente "populista" "sociologuês" reacionário da direita do qual os militares constituíram o instrumento
que, no caso, significa "ligado aos sindicatos e partidos de esquerda", decisivo.
assumisse a presidência face à renúncia do titular e a iniciativa de conso- Dreifuss consagrou um capítulo (o VIII: "A ação de classe da elite
lidar orgânica e institucionalmente a vanguarda do patronato. orgânica: o complexo Ipes/lbad e os militares") a esta questào. Contém,
Neste sentido, acompanhando a inspiração gramsciana da caracte- como o resto do .livro, preciosas informações, elas quais salientaremos
rização do Ipes como "elite orgânica", parece-nos estar fortemente pre- apenas a minuciosa descrição das atividades conspiratórias do general
sente, na dinâmica de sua criação, a percepção de uma "crise de Mourão Filho.Já no final de 1961 e início de 1962, quando comandava
hegemonia". O fiasco do janisrno - versão periférica do bonapartismo um regimento em Santa Maria, Rio Grande do Sul, Mourão estava vincu-
reacionário, isto é, o de Napoleão III, e não o do primeiro Bonaparte - lado ao Ibacl, ao qual prestou desde logo alguns serviços, notadamente ·
anulou a única vitória eleitoral da direita udenista na disputa da presi- ajudando a promover uma reunião cio patronato rural gaúcho. Engajado
dência. A "elite" burguesa tirou deste fracasso a conclusão de que não na conspiração com o zelo de cripto-fascista impenitente, tornou-se ra-
lograria dirigir o país através cios partidos políticos burgueses. Pior: suas pidamente um de seus principais articuladores. Imaginava ser também
próprias posições e privilégios de classe estavam ameaçados pelo que a um de seus principais dirigentes, mas como mostra Dreiü.1ss com am-
imprensa a seu serviço iria chamar de "comuno-peleguismo". Da con- plos pormenores, estava sendo manipulado pelos verdadeiros chefes da
clusão teórica à aplicação prática, o prazo foi curto. No início ele 1962, conspiração, isto é, pela cúpula do "complexo Ipes/lbad". 2º Quando,
sob a coordenação do general Golbery, o Ipes lançou sua primeira ofen- guindado ao comando ela 4• Região Militar e da 4• Divisão ele Infantaria
siva ideológica. Uma tropa ele jornalistas alugados passou a anunciar com do I Exército, com sede em Juiz de Fora, decidiu agir por conta própria,
mercenária disciplioa 18 que o espectro cio comunismo rondava o país. desfechando o golpe de Estado, por pouco não pôs a perder o tenaz e
Paralelamente, desenvolveram-se profícuos contatos com o clero reacio- metódico trabalho subversivo do Ipes. Era grande o risco de que, se
nário. Um certo padre Vclloso, ex-reitor da PUC do Rio de Janeiro, ajuda- permanecesse isolada, aquartelada de Mourão seria contida e derrotada
va a "branquear" os fundos ilegais repas~ados ao Ipes pela plutocracia pelo governo federal. Posta diante do fato consumado da intempestiva
assustada. Outro sacerdote, também mais preocupado com o profano sublevação mineira, a direção cio Ipes não podia deixar de apoiá-lo, pre-
que com o sagrado, o padre Leovigildo Balestieri, organizou uma elas cipitando seus planos. Mais tarde, vitorioso o golpe, iria colocar Mourão
mais importantes frentes de massa da reação, a Campanha da Mulher em seu lugar.
pela Democracia (Camcle), ele onde saíram as furibundas "marchadeiras".
Graças a esta bem-articulada combinação ele propaganda "mediá-
tica" e de agitação política ele massas, de formas ilegais e conspirativas e
ele formas legais de atuação, o lpes logrou erigir-se em centro dirigente
da burguesia brasileira, notadamente nas regiões mais desenvolvidas eco-
nomicamente cio país. Chegada a hora da batalha final contra Goulart,
não precisou improvisar. Bastou-lhe coordenar o desencadeamento ela
ofensiva golpista, último ato da "guerra de posição" que vinha travando
contra o "peleguismo" e o "comunismo".

130 131
9 Extraímos o relato deste episódio de Carlos Chagas,"Goulart foge e termina a ' resistên-
cia"'. ln O Estado ele S. Paulo de 4.4.1984.
10 A análise elas conseqüências do movin1ento dos marinheiros e fuzileiros navais, bem
como dos sargentos para a dinâmica do golpe exigiria um tópico especial.Bastará.para
os fins limitados deste artigo, notar que não lograram escapar do efeito de inércia que
vinha de cima e assistiram impotentes ao triunfo da reação. No que, ele resto, partilha•
ram cio destino de toda a esquerda, militar e civil.
11 Citado em Hélio Silva, ibicl., p . 4 11.
12 Logo após o famoso comício de 13 de março de 1964, pelas reformas de base, redigiu
um documento, dito l.EEX - Lealdade ao Exército - , visando "harmonizar duas prin-
cipais correntes: a dos conspiradores mais antigos [...] que havia dois anos ou mais
trabalhavam para a derrubada armada do governo e a daqueles que esperavam provas
mais contundentes de ação subversiva do governo antes ele qualquer ação armada". Em
estilo eufemístico digno de figurar numa antologia ele jesuitismo político, Castello Bran-
NOTAS co define, com incontestável talento organizatório, as linhas mestras do plano estraté-
gico e dos prováveis desdobramentos táticos da intervenção militar golpista.A passa-
gem entre aspas foi tirada de José Stacchini, "O ritual tardio da deflagração", oitavo
artigo ele uma série que tem como título Março 64: mobilização da audácia. Embora
1 CIA,Reportnº TDCS 3543,633 de 12.4.1963 .ArquivoJoh.n E Kennedy. assumidamente apologético, o tr:ibalho ele Stacchini contém preciosas informações e
2 CIA, Report n°TDCS 3545, 753 de 30.4.1963.A.rquivo John E Kennedy. apresenta razoável objetividade jornalística. Utilizamos a reedição do artigo. ln O Esta-
3 A entrevista de Lacerda está publicada em O Estado de S. Paulo, em dias sucessivos.A do de S.Paulo de 27.3.1984.
passagem citada é do dia 9 de junho de 1977. 13 Por si só o documento LEEX constituía um ato de sedição contra o governo. Mas Goulart
4 Em entrevista aojornal do Brasil do dia 23.12.1976.Esse jornal havia publicado, a 18 e perdeu dias preciosos para tomar a iniciativa de demiti-lo do posto-chave que ocupava.
20 de dezembro, vários documentos do arquivo Lyndon Johnson relativos à participa- Quando se decidiu, às vésperas do golpe, era tarde demais. O general Benjamin Galhar-
ção norte-americana na articulação do golpe, notadamente um memorandum do em- do, designado para substituí-lo, não logrou sequer tomar posse.
baixador dos Estados Unidos no B,<1sil, Lincoln Gordon, classificado como "ultra-secre- 14 O diálogo está em José Stacchini,"Em algumas horas, a metamorfose" , décimo da série
to" e dirigido aos principais conselheiros políticos, diplomáticos e militares do presi- supra referida. Cf. O Estado de S. Pauto de 29.3.84.
dente L. Johnson Dean Rusk,Thomas Mann, coronel J. C. King, representante da CIA 15 Nelson Werneck Sodré,"Trinta anos depois". ln Ccirta nº 11, 1994-2 (Informe de distri-
junto ao presidente, general Maxwell Taylor, adido militar da presidência e outros. Com buição restrita do Senador Darcy Ribeiro), p. 40.
a data de 27 de março de 1964,o memorandum clá o sinal verde para o golpe,salien- 16 A frase é de Hélio Silva, op. cít. , p. 142.
tando o papel a ser desempenhado pelo general Castello Branco, cuja "cristalização" 17 Sobre as origens do Ipes, ver René Oreifuss, 1964:A conquista elo Estado, Petrópolis,
como"líder de um grupo de resistência militar" é considerada como"o mais significati- Vozes, 1981, pp. 161 e ss.
vo desdobramento" da situação no Brasil. 18 Elio Gaspari, apresentando em Veja (nº 670, de 8.7.1981) o livro de Dreifuss observa
5 Phylis Parker, O papel dos Estados Unidos no golpe de 31 de março,Rio de.Janeiro, que o retrato do lpes e o da atividade de seus "intelectuais orgânicos·· "permitem um
Civilização Brasileira, 1977.Além de nos conhecidos P,·e sença dos Estados Unidos fascinante passeio pela plutocracia brasileira, seus usos e costumes políticos". Os méto•
no Brasil Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1973, e O governo João Goulart, Rio dos de lavagem de dinheiro para financiar a conspiração, muito bem resumidos por Gas-
de Janeiro, Civilização Brasileira, 1977, Moniz Bandeira trata da questão em seu re- pari em sua resenha, sugerem-nos um comentário de ordem psicanalítica. Ao acusar os
cente artigo "Segurança continental e o golpe de 64 .,. ln: Carta Informe de distribui- vencidos de 1964 de"subversão e corrupção",os golpistas estavam simplesmente pro-
ção restrita do senador Oarcy Ribeiro n" 11, Brasília, Senado Federal, 1994, pp. 91- jetando nos adversários seus próprios métodos de ação.
104. Cf. também Marcos Sá Correa, 1964 visto e comentado pela Casa Branca.Porto 19 O livro de H. Starling foi editado pela Vozes (Petrópolis, I 986).
Alegre, LPM, 1977. 20 Cf. Dreifuss, ojJ. cit., pp. 373-396. E. Gaspari, em sua mencionada resenha, considera
6 Ver em Hélio Silva, 1964:golpe ou contragolpe?, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, "divertido como a leitura de um romance policial" o capítulo "mostrando como o gene-
1975, PP ,434-46, o depoimento do general Ladário Teles, bem como sua ordem do dia ral Mourão Filho era manipulado pelo lpes - que lhe dava ou tirava gás, infiltrando
ao assumir, a 1° de abril (e por menos de dois dias), o comando do III Exército ib., pp. militares que agiam sob sua coordenação do Estado-maior de sua tropa·•.
472-473.
7 Cf. o depoimento do general Peri Beviláqua. ln: II. Silva, oj). cit., p. 403. Kruel, na noite
do mesmo 31 ele março, ofereceu sua mediação em termos semelhantes (cf. Moniz
Bandeira, O governo João Goulart, op. cit., p. 180).
8 O depoimento de Zerbini está em Hélio Silva, op. cit., pp. 390-393.

132 133
1

IV
TRINTAANOS DEPOIS
11
AS ESTRATÉGIAS
DE DESENVOLVIMENTO
Octavio Ianni

No século XX,a sociedade brasileira experimentou várias estratégias


de desenvolvimento. Ainda que essas estratégias tenham sido formula-
das ou postas em prática com base em requisitos principalme nte econô-
micos, elas sempre tiveram implicações sacias, políticas e culturais. São
estratégias que marcam de modo evidente os vais-e-vens elas controvér-
sias políticas, das lutas sociais, elas produções culturais dos experimen-
tos democráticos e dos ciclos ditatoriais.Talvez seja possível dizer que as
épocas marcantes ela história da sociedade brasileira no século XX assi-
nalam épocas nas quais esta ou aquela estratégia de desenvolvimento foi
formulada, idealizada ou posta em prática.
É claro que as estratégias de desenvolvimento adotadas em cada
época defrontam-se com obstáculos políticos, econômicos, institucionais
ou outros. Inclusive, é importante reconhecer que elas se confrontam,
tencionam, estimulam ou negam. São formulações ideais e práticas, en-
volvendo grupos sociais, classes sociais, partidos políticos, movime ntos
sociais, correntes de opinião pública, grupos de pressão. Envolvem em-
p resários, operários, setores de classe média, intelectuais, estudantes,
militares e ouros. Daí porque as estratégias não se revelam nítidas e arti-
culadas à observação imediata. O que aparece à observação imediata,
impressionista ou apressada é uma história contraditória, errática, caóti-
ca, sem sorte. Uma história atravessada nas reivindicações, tensões, Ju-

137
tas, revoltas, quarteladas golpes M'ts a ~ sentido de implantar o socialismo nacional. Muitas vezes, o nacionalis-
revela que, na base des;a hist,. . 'd observaçao demorada e atenta mo presente nos debates, nas diretrizes governamentais, nos programas
marcantes. ona, estacam-se estratégias distintas e
de partidos políticos, nas atividades de movimentos sindicais e em ou-
Em uma formulação breve estas s~ , . tras esferas da sociedade, era um nacionalismo no qual convergiam for-
mento formuladas, idealizadas o~1 ao as e~t1:'1tegias de desenvolvi- ças sociais comprometidas com o capitalismo nacional e forças sociais
sileira ao longo cio século XX. postas em prauca pela sociedade bra-
comprometidas com o socialismo nacional.
0 Brasil entra no século XX . Nesse sentido é que o golpe de Estado de 1964 não só derrota o
senvolvimento capitalista dep cdompromet1do com a estratégia ele ele- projeto de capitalismo nacional, mas incute mna séria derrota no proje-
, . · en ente. Trata-se de l ,
mana . exportadora, predom·mante ate, .1930 ' A d ima. economia pri- to de socialismo nacional. Ambos estavam apoiados na hipótese de que
real.tzações de tipo industrial o c . d' . es_pe1to ele algumas o nacionalismo, a nacionalização de empresas estrangeiras, a estatização
principalmente organizado c' bon1unto a economia e socieclacle está da economia nacional e outras diretrizes e práticas poderiam fortalecer
. om ase na econom· · , •
ra.Mmto cio que se produzn . 1 ia pnmana exportado- o Estado com capitalista coletivo. E isto poderia significar, para o proje-
. a agncu tura na mine ~
orgarnza-se segundo as exigê c· d ' · raçao e no extrativismo to de capitalismo nacional, a criação de normas e melhores condições
~ n ias o mercado exter· e! ·
naçoes industrializadas. no ommaclo pelas para a realização do mesmo. E poderia significar, para o projeto de socia-
A partir de 1930 começa a concreti ·- . ., . lismo nacional, a criação das condições materiais para a transição para o
mento destinada a fortalecer· e d zar se a estrateg1a de desenvolvi-
, esenvolver O · 1· socialismo.Mas os dois sofrem pesada derrota com o golpe de Estado de
rante os anos 1930-64 d . . capita ismo nacional. Du-
' a espe1to dos vais-e ven d h. , .
mundial, esteve em curso t1ma t , - s a istona nacional e 1964.
• es rategia desti d · No fim do século XX, o Brasil está sendo levado a experimentar
hsmo nacional, fortalecendo a soberania. na a a implantar o capita- uma estratégia de desenvolvimento que pode ser definida como de capi-
Naturalmente houve muitas luta , . talismo twnsnacional, 011 globalizaclo, no âmbito do qual a sociedade
durante essas décadas mas . s, controvers1as e reorientações
. · · , esse tipo ele cap·t l' ., . brasileira se configura como uma província da sociedade global. Em ou-
implantado. O Est-1clo "01· levaclo a cnar
. c' t ct·
a ismo
~ ,:oi,.em boa medida'
' 1'
bem como a iniciar empr·e·encl·unentos produt" on tçoes Al,
de mclustrialização ' tros termos, a economia brasileira transforma-se claramente em segmen-
estrutura propícia às inici"at·ivas d a mdustnalizaç~
. . . tvos. t embde to ou província econômica do capitalismo mundial.
, criar infra- São muitas as articulações das forças produtivas e das relações ele
u~n empresário ou capitalista coletivo E .. ,· , ,ªº' am ~m tornou-se
çao substitutiva ele importações. . ssa e a epoca da mclustrializa- produção que influenciam ou determinam decisivamente as configura-
ções e os movimentos da sociedade brasileira. As corporações transnacio-
Mas a guerra fria, iniciada em 1946 infl . . . nais e as organizações multinacionais estão cada vez mais presentes no
temente as diretrizes e as pr·'at·icas d estmaclas
.' uenc1ou
a pô e distorceu
, . crescen-
volver a contribuição nacional. ' r em exercic10 e desen- modo pelo qual se mobilizam e orientam as diretrizes e as práticas go-
vernamentais. São diretrizes e práticas cada vez mais influenciadas pelas
Durante a guerra fria, a sociedad b . . .
a estratégia de desenvolvimento ele u e ra~lie~ra foi levada a abandonar exigências da transnacionalização.
estratégia ele desenvolvimento ass ~dcapitahsmo nacional e a adotar a Esse é o contexto em que se desenvolve a reestruturação cio Esta-
oc1a o, ou depende t E , do, compreendendo a desestatização, a desregulação, a privatização e
nifjteae!o do golpe de Estado de 1964 , . n e. •sse e o sig-
as diretrizes e as práticas clest· , d . ~m 1964 te rmmam drasticamente a abertura dos mercados. Redefine-se ele alto a baixo a estrutura cio
· ma as a implantar O c ·t 1· aparelho estatal, ele modo a fornecer e dinamizar a transnacionalizaçit0
mauguram-se as d1·1·etr1·.z, es e praticas
, . dest' e! ·api a ismo nacional e
mo associado ou clepenclente ·o- ma as a implantar o capitalis- ela indústria, agricultura, comércio e sistema bancário. Aos poucos,
Estados Unidos ela Améric
. •
d. N1ante da presença e predominância cios
a o orte no mundo cap·t- 1·
tudo é posto em termos de produtividade, competitividade, lucra-
e1as ex1gencias ela guerra fr·i·a comane! ad a por esse , i aBista,· e em
. face tividade, racionalidade ou modernização, segundo o modelo estabele-
a abandonar a estratég1·a ele capita
. 1·ismo nac· pais,o rasilfotlevaclo cido pelo Fundo Monetário Internacional, pelo Banco Mundial e pela
• 1 •
capitalismo associado ou depende t ' 10na e por em prática a de Organizaçào Mundial do Comércio.
N . n e.
É claro que a reestruturação do Estado, nos termos em que está
. ~s anos 1930-64, ao lado ela estraté . cl . .
cap1tahsmo nacional clesen 1
,
, ?'ª estmada a implantar
vo veu-se t,tmbem a estratégia orientada no
o sendo realizada, envolve a modificação mais ou menos radical das arti-

138 G)
culações entre o Estado e a Sociedade Civil, ou vice-versa.Todo um vasto
sistema de instituições, diretrizes e práticas que articulavam a sociedade
e o Estado em épocas anteriores é modificado de modo mais ou menos
drástico e radical. Mas o Estado é levado a reformular a sua relação com
o capital, em âmbito nacional, regional e mundial. Desenvolvem-se ali-
anças entre as classes dominantes nativas e estrangeiras, nacionais e
transnacionais, em geral ampliando e aprofundando o monopólio do
Estado pelo capital transnacional, segundo as determinações predomi-
nantes no capitalismo globalizado. Esse é o contexto em que a socieda-
de nacional se transforma em uma província da sociedade mundial.
Nesse contexto, a economia brasileira é definida como economia
emergente ou mercado emergente; já não é mais simplesmente agrária, 12
subdesenvolvida, dependente, em desenvolvimento ou doTerceiro Mun- O SIGNIFICADO DA DITADURA MILITAR
do. Depois da Guerra Fria, quando o capitalismo transforma amplas áreas
do globo em fronteiras de expansão, são muitas as economias que pas- Florestan Fernandes
sam a ser denominadas emergentes. Emergem como províncias do capi-
talismo recentemente globalizado.
Estas, em sú1tese, as contradições sob as quais a sociedade brasilei-
ra está entrando no século XX: como província da sociedade global.
A ditadura militar tem sido caracterizada por uma peculiaridade:
Trata-se de um dilema prático e teórico.Teórico, para os que se empe-
pela "primeira vez" os militares não resolveram apenas dilemas ela crise
nham em interpretar os desafios criados com as configurações e os mo- de poder dos políticos e estratos privados civis. Tomaram-no para si.
vin1entos da sociedade global. E prático, para os que se empenham em Essa equação é ambígüa e mistificadora. Como país ele origem colonial e
desvendar as perspectivas de emancipação na época cio globalismo. que oscilou, depois ela Independência, do neocolonialismo para a de-
pendência (preservando e fortalecendo certas funções sociais coloniais
e neocoloniais, nascidas da dominação externa conjuminada aos inte-
resses das elites cio poder), aqui militares e civis sempre formaram uma
comunidade indissolúvel. Possuíam a mesma origem social, malgrado o
desnivelamento de "famílias tradicionais", escolhiam a "carreira das ar-
mas" por contingências, reforçando sua estabilidade social; cruzavam o
público e o privado em seu proveito: faziam frente comum aos escra-
vos, aos libertos, aos "homens pobres livres", aos trabalhadores assalaria-
dos. Viam através ela mesma ótica a necessidade ela opressão e ela
repressão, usavam o Estado com o instrumento ele "preservação da or-
dem" e o "meio legal" ele defesa coletiva em disputas defensivas e ofen-
sivas para conter "a gentinha em seu lugar".
Só em casos excepcionais - que confirmavam a regra - desfaziam
essa aliança sagrada e batiam-se em campos opostos (na aparência ou na
realidade). A união restabelecia-se prontamente,pois o antagonismo per-
manente seria a ruma de militares e civis. A comunidade política com-
portava e resolvia a "lógica militar". Esta operava como tática de

141
compensação, pela qual a suscetibilidade do militar em converter críti- aprenderam, seus verdadeiros guias. A própria assessoria civil adaptava-
cas e desentendimentos em ofensa a toda a corporação extorquia rapi- se às pautas ele um saber tenso e decepcionado, que simplificava os
damente as acomodações pretendidas, como exemplifica a "questão meios e complicava os fins. Aqueles provinham dos modelos tecno-
militar", no Segundo Império e posteriormente. Oliveira Viana interpre- cráticos recentes, descobertos por uma prática rápida e superficial de-
tou magistralmente essa tática. Eu mesmo tive a oportunidade de cons- mais; estes vinham de longe, na sucessão de malogros que atingiram o
tatar o quanto a interpretação continua verdadeira, quando da redação ápice durante a década de 1950 e foram vasculhados depois da renúncia
do artigo 142 da Constituição de 1988. O texto definitivo brotou do de Jânio Quadros.
consenso militar, não da vontade dos constituintes. O grupo encarrega- Esses motivos levaram os militares a procurar na esfera do saber
do do assunto aguardou que os bons ofícios do senador Fernando civil (principalmente acadêmico), o encantamento do''Abre-te Sésarno".
Henrique Cardoso trouxessem a fórmula salvadora, assimilável aos de- Em 1962 se inicia, sob o impulso da intclligentzia militar, tanto a "limpe-
sígnios militares e compatível com as concessões civis. za da área" (a demissão de intelectuais "radicais" nos meios de comuni-
O caminho percorrido no 1n de abril de 1964 foi incomum, porém, cação de massa e a redução do espaço de dissidência consentida pelos
dentro da moldura histórica convencional e da associação indissolúvel patrões), quanto as "sondagens" do que os luminares da cultura civil
(até aquele momento) entre as elites das classes dominantes civis e mili- tinham a fornecer aos líderes da direita do movimento militar. Encontra-
tares. Esse padrão, aliás, é genérico e tem vigência tanto nos países cen- ram o talento conservador, disposto à contra-revolução. Mas os "teóri-
trais quanto na periferia. O que escapou da rotina e causou estupefação cos da contra-revolução" raramente estavam enfronhados na p1wâs
foi o deslocamento dos civis para as posições atribuídas pelos líderes contra-revolucionária. Eram, na maioria, auxiliares de segunda catego-
militares e que estes se apossaram abertamente da hegemonia do poder ria, em um campo no qual o "uso da força" e o "comando vertical"
"institucional", procurando salvar as aparências da "normalidade demo- tecnocrático já tinham amadurecido entre os militares sediciosos. A,pro-
crática". Li, em uma revista de circulação de massas, declarações do ge- veitaram o que puderam e organizaram seus quadros civis para secundar
neral Meira Matos (infelizmente não recortei a "importante matéria"*) a ação decisiva, que viria de cima, do intelectual militar orgânico.A asses-
verdadeiras e esclarecedoras. À pergunta do entrevistador, a respeito da soria norte-americana (e estrangeria em geral) revelou-se desastrosa. Li-
"revolução", ele corrigiu prontamente: "Revolução não, contra-revolu- mitada pelo "contraterrorismo" e a concomitância ele "inimigo interno"
ção"; e não aconteceu uma contra-revolução, ocorreram duas, que se e "inimigo externo", caiu em um anticomunismo primário e devastador
separaram por um curto intervalo. A da tomada do poder por militares e para a mencionada relação desequilibrada entre meios e fins, moldada
civis (especialmente dos governadores aliados); e a decisão de manter na imaginação militar do fator político. Essa assessoria só foi produtiva
os militares à frente do governo e do Estado. Ele colocou claramente o para os mentores de certos países, particularmente os Estados Unidos e
dedo na ferida! Dez dias depois ela ocupação do governo, os militares já aliados que podiam aumentar suas interferências reacionárias no :Brasil
haviam arrebatado para si a "responsabilidade" de governar segundo sua (inclusive Portugal).
ótica geopolítica das causas, ela gravidade e ela solução ela crise brasileira. Impõe-se perguntar: por que os militares julgaram-se no dever de
Atravessando por dentro a mentalidade militar "moderna", é por dar um golpe de Estado cujo paradigma procede da contra-revolução
aqui que se desnuda a razão militar. Depois do suicídio de GetúlioVargas, "preventiva"? Indo além, por que quebraram uma tradição secular, in-
os militares imprimiram nova orientação à "sua" intepretação do Brasil e cumbindo-se de uma missão que rompia com a conciliação específica
consideravam-se, de sua perspectiva histórica, em condições de arcar ele civis e militares no Império e na República, adotando uma crítica
sozinhos, com a colaboração ele alguns civis de confiança, com as exi- implícita (poucas vezes explícita),que pressupunha sérias restrições aos
gências da situação. Não fizeram do general Golbery um mago de po- civis aliados, reduzidos a técnicos? Ambas as perguntas conduzem à
ções certeiras nem do general Castello Branco o sacerdote de uma nova mesma resposta: sem a presença ativa dos militares, o governo ditatorial
ordem democrática. Viam neles e em alguns outros mestres, com quem se ria incapaz de defrontar-se com algo mais grave que "turbulências" e a
restauração da ordem continuaria ameaçada (ou condenada). A nova
• O ódio do governador Carlos Lacerda à pessoa do presidente Castello Branco - tido
lógica militar salientava, a um tempo, a insuficiência de um golpe arma-
como o "marco" democrático da contra-revolução - é emblemático. do e a de bilidade congê nita de um governo que retornassse de ime diato

14 2 143
1-

ou rapidamente à hegemonia civil, ainda que contasse com forte susten- elites no poder brecaram a história por todo esse tempo e viam-se, re-
tação civil-militar. A hipótese cios "brasilianistas" e ele estudiosos brasilei- pentinamente, diante elas imposições de uma guerra civil.
ros, que subestimaram a necessidade histórica de um horizonte militar E neste nível que se deve separar a história descritiva ela história
sólido, ostenta várias fraturas explicativas. Os militares de direita aceita- interpretativa. O topo, especialmente os conservadores, reacionários e
ram os riscos apontados pelos assessores estrangeiros. Mas foram muito parafascistas, moveu-se em busca do socorro militar. Contaram com diag-
mais longe, pois intuíram (ou perceberam) que se impunha encarar o nósticos simétricos e corroboradores dos parceiros militares. Só que es-
poder como prática militar por meios políticos.A democracia, por im- tes haviam avançado mais em suas concepções táticas defensivas e na
perfeita que fosse,abriria seus flancos às lutas de classes e à propagação estratégia político-militar"restauradora". Não se engajaram na propalada
e ao crescimento de forças sociais desestabilizadoras incontroláveis a "defesa da democracia" e na "defesa da melem". Avaliaram os argumentos
partir de uma tirania civil com apoio militar. "Cortar o mal pela raiz" era, com outro olhar, que ligava o anticomunismo à construção da "Pátria
em essência, a opção por uma contra-revolução, e o "mal menor" reque- Grande". As discrepâncias e as contradições entre a imaginação política
ria a montagem de um Estado subfascista e de um governo militar ditato- dos militares e a imaginação política cios civis iriam expandir-se em se-
rial! Isso não resolveria a crise social crônica, mas permitiria salvar as guida e produziriam conseqüências imprevistas, embora os beneficiários
classes dominantes e suas elites de uma tragédia histórica. maiores tivessem de ser os civis. Ocorreu, portanto, um deslizamento
Note-se que essa problemática elementar repunha o passado no ideológico, gr~viclo de história para os de cima. Como o substrato das
presente e favoreceria o influxo contínuo da "modernização conserva- divergências se circunscrevia na mesma órbita·, os militares ocuparam o
dora", com todos os seus efeitos nocivos. As revoluções e as reformas poder, resguardaram para eles a hegemonia global e abstiveram-se de se
capitalistas frustradas, interrompidas pela ganância e pelo espírito es- alinhar sob um denominador comum, pelo menos antiimperialista e ele
treito da burguesia brasileira, poderiam permanecer estranguladas. Por abertura social. Com o tempo, tiveram de ceder e acabaram presos às
sua vez, os requisitos do desenvolvimento capitalista associado foram cadeias ela conciliação tradicional. Serviram de mão-de-gato da burgue-
intensificados e desvinculados de qualquer contexto democrático, agra- sia, nacional e estrangeira, e servos do capital financeiro. No conjunto,
vando em profundidade e extensão os problemas e dilemas sociais her- venceu a dinâmica da fraca sociedade civil.
dados cio passado remoto e recente ou pelas condições anormais ele Essa descrição, como um todo, fica incompleta se forem omitidos
opressão, repressão e espoliação dos trabalhadores e dos oprin1idos. três questionamentos. O principal diz respeito ao fio condutor de toda a
A cegueira e a tibieza do governo Goulart permitiram e facilitaram evolução apontada (englobando-se civis e militares,ressalvando-se a per-
essa espantosa evolução. Ela não deve, contudo, ser atribuída àquelas cepção mais fina elas contingências pelos últimos).
condições. Tão pouco seria razoável debitar à desmobilização das mas- Como, durante a Independência, as crises que desagregaram o Im-
sas alguma importância incentivadora. As massas responderam, do Norte pério e a chamada "revolução" de 1930, a "questão social" sempre foi o
ao Sul, ao apelo da devolução do poder a Goulart. Ele e o seu "disposi- núcleo mascarado cios conflitos que subiam à tona, na sociedade civil e
tivo militar" abrem dois elos. Um, o da incompetência de um governo na esfera do Estado. À representação ideológica de que o povo brasilei-
débil, que viu nascer e crescer a contra-revolução e só tomou providên- ro "é ordeiro e pacífico" está inevitavelmente colada a consciência opa-
cias inócuas (para a defesa da estabilidade política) e assustadoras (para ca ou clara das opressões,repressões e amputações da condição humana,
os setores civis e militares reacionários e parafascistas, internos e exter- que semelhante inércia aparente implica. Passando para os dias que cor-
nos). A bandeira da contra-revolução tremulou sozinha, pois não se pode rem, vem a ser uma loucura tentar fortalecer uma ordem social cujo eixo
tomar como resistência iniciativas desesperadas e levianas de agitação, estrutural e dinâmico se baseia na violência sistemática. Os militares -
que multiplicaram por mil o terror disseminado pela "república sindica- pela própria responsabilidade que decorre de suas funções - são sensí-
lista". Ações de desespero não se confundem com o dever de um gover- veis a esse fardo histórico, que recai sobre seus ombros. E não recebem
no responsável, paralisado diante ela alternativa de desencadear e levar compensações pelo porte ele algoz que devem suportar. Estudaram, à
às últimas conseqüências uma guerra civil, incubada na sociedade brasi- luz elas doutrinas militares e geopolíticas que fermentaram depois da II
leira há um século e meio (sob o referencial da Independência) e há Grande Guerra, o que tudo isso pressupõe como fator do desequilíbrio
mais ele três quartos de século (considerando-a a "Lei Áurea"). Classes e da nação, da instabilidade do Estado e das compulsões ardentes de con-

144 145
tra-violência das massas e das classes trabalhadoras. A mão-de-ferro ar- que deveriam ter sido expurgados da herança constitucional brasileira,
mada se adiantou para impedir uma insurgência, que desabrochava deixando o Estado e o governo como bimkers dos que mandam.
nos quartéis e nas ruas. Por isso, as predisposições conservadoras, As elites militares têm diante de si vários caminhos a seguir, inclusi-
reacionárias e pró-fascistas fervilharam em suas cabeças, produzindo ve por causa da precariedade de suas instalações e meios de ataque ou
uma avalanche que despertou os acontecimentos mais horríveis de de defesa. Pois bem, apenas oficiais jovens e algumas figuras da
nossa história. "intdligentzia militar" empenharam-se contra a "revisão ultra-conserva-
Outro questionamento relaciona-se a uma contraprova. Na atuali- dora" e apresentaram-se como paladinos da autêntica revisão saneadora.
dade, as resistências mais duras à universalização da democracia e da Os fios da contra-revolução chegam aos nossos dias e de uma perspecti-
cidadania procedem dos oficiais reformados e dos que poderiam ser va militar que empobrece e inquieta as próprias forças armadas. Falhan-
indigitados como seus discípulos fiéis nas gerações militares mais jo- do nesse dever, elas malogram no dever maior de um entendimento do
vens. Publicações, jornais, manifestações de rebeldia e intolerância até que deverá ser uma nação periférica na era da revolução capitalista dos
contra o governo e algumas de suas instituições, decisivas para a associ- robôs. Sem uma boa Constituição, o país fica à mercê ela dominação
ação do desenvolvimento político à consolidação de uma República externa e de ondas de pseudomodernizações e "privatizações". Essa é a
democrática, medram entre eles. Li vários desses documentos. Só uma herança dramática ele uma contra-revolução e de uma ditadura militar,
extrema violência favorece sua circulação livre.Filtrou-se o que havia de que viraram o país de cabeça para baixo e forjaram uma concepção que
pior no caldo de cultura cio antigo governo ditatorial. Um subfascismo insiste em enxergá-lo nessa condição degradada.
infantil é servido como um elixir de "salvação da ordem". Sua predispo- A ditadura, como constelação social de um bloco histórico de estra-
sição para a tirania ultrapassou todos os limites toleráveis. Ele não é pos- tos militares e civis, não se dissolveu.
A "transição lenta, gradual e segura" resguardou a composição, gra-
to de quarentena nem repelido no cume do governo. Dadas as dificulda-
ças à derrota do movimento das"diretas já", conciliação elástica manobra-
des econômicas com que se defrontam os funcionários militares, ativos
da por Tancredo Neves e a transfiguração de Sarney - grão-vizir da ditadura
e reformados, e o "sucateamento" do aparato militar aplica-se como ins-
- em presidente da República (com o recuo do PMDB como "frente de-
trumento de chantagem política. Distante da ótica militar, de que se
mocrática"), a ascensão e o colapso de Collor e sua substituição por um
alimentou a virada ditatorial, a junta militar e a invenção diabólica da
vice-presidente disposto a jogar simultaneamente com os ganhos e com
"transição lenta, gradual e segura", ainda em vigor clandestino, a situa- as perdas alternativas cio "fortalecimento ela democracia" e com a
ção como um todo confirma o nervo da contra-revolução c seu significa- redefinição dos papéis ativos dos líderes militares, em posições-chave cio
do político crucial. governo "civil" e nos seus bastidores. A ·elita "Constituição cidadã" não
O terceiro questionamento refere-se ao quantum de democracia poderia tolher, por si só, os usos e abusos que suportou.A sociedade civil
que as elites militares admitem "em nossas circunstâncias". Embora se- alterou-se, conferindo maior alcance à presença e às atividades dissiden-
jam, no governo, as principais beneficiárias de uma instauração demo- tes de grupos de interesses populares, entidades e movimentos sociais ele
crática vigoro~a, elas refluem para fórmulas arcaicas de integração ao franca rupmra progressiva com o status quo. A centralização e a monopo-
universo cultural das classes dominantes e as ajudam a robustecer uma lização do poder especificamente político, como no passado recente, con-
"revisão constitucional" perversa. Há uma revisão a ser feita: a que está seguiram barrar essas tendências construtivas, mas demolidoras para os
na ordem do dia das classes dominantes e dos países centrais e é destrutiva de cima. O centro radical, que se autoqualificou como social-democracia,
para o Brasil. Cheguei a designar a constituição vigente de"constituição graças ao PSDB, conferiu um passaporte de credibilidade às figuras e ccm-
inacabada". Ela não responde a necessidades vitais da nação como um figurações-chave emblemáticas (que se situam como "partidos") daquele
todo; não solta as revoluções e reformas capitalistas interrompidas, per- bloco histórico. O que havia de pior, mistificador e hipócrita no
sistindo à altura dos interesses estreitos das classes dominantes e das trancredismo - o "mudancismo" como profissão de fé - ressurge como
nações capitalistas centrais; não atende à humanização das classes subal- força política "moderna".
ternas e dos excluídos (a começar da educação, das oportunidades de A hegemonia militar perde terreno. A posição estratégica das elites
trabalho e nível de vida, à saúde, à hesitação, etc.); e reteve privilégios militares - antigas ou renovadas - adquire, todavia, perspectivas de

146 147
duração e de influência ultra-compensadoras. Aquelas elites fixam-se
ainda mais como esteio da defesa da ordem. Em suma, elas desprende-
ram-se da batalha militar (que não ultrapassou a encenação e alguns com-
bates singulares), mas ganharam a guerra política. Para inverter esse
quadro histórico seria necessário que a sociedade civil caísse sob uma
comoção interna extensa e profunda, que reduzisse a cacos o bloco his-
tórico no poder e repercutisse na forma, na infra-estrutura institucional
e nas funções político-sociais do Estado. Parece pouco provável, conser-
vando-se estáveis as demais condições, que a via eleitoral se tome o
agente ele um parto histórico tão difícil.

V
DEPOIMENTO

148
X

13
A RESISTÊNCIA NO PLANO DA CULTURA
Ênio Silveira

1964 marcou profundamente a minha vida como indivíduo, cida-


dão, profissional, editor. Sempre lutei p elos princípios democráticos,
pois acredito que apenas a sociedade democrática, com todos os seus
defeitos, possibilita o real desenvolvimento do ser humano. 64 foi terrí-
vel, mas o pior é que foi um golpe anunciado, pois se sabia com antece-
dência que ele poderia ocorrer.
Lembro-me de que diversos intelectuais de esquerda, de várias de-
nominações ideológicas e partidárias, sempre se reuniam em meu escri-
tório para discutir a crise que estava no ar; chegamos, inclusive, a
conversar com o João Goulart para prevenir que o golpe iria acontecer a
qualquer momento. Nelson Werneck Sodré, homem admirável, grande
brasileiro, grande intelectual, militar de carreira, organizou com mais
alguns companheiros uma lista de todos os militares que estavam com-
prometidos com o golpe. Isso foi levado ao Jango, que era uma figura
hamletiana, que vivia numa permanente incerteza a respeito de tudo,
não tomando providência nenhuma para evitar o golpe.
Recordo-me também de um episódio muito engraçado: na véspera
do golpe, fui com um grupo de amigos - o teau·ólogo Dias Gomes, o
cineasta Alex Vianni e o próprio Werneck Sodré - à Rádio Nacional, do
Rio de Janeiro, fazer uma proclamação ao povo brasileiro chamando a
) atenção para o golpe. Então me lembrei de um filme, Último ato, em que
' no bunker de Hitler em Berlim, no momento em que a derrota nazista já
j era :irreversível (os russos já estavam tomando a cidade), dois generais
nazistas, no porão da chancelaria, travam o seguinte diálogo:"Bom, não há
Mas, aí começa meu trabalho. Evidentemente, eu achava que a pri-
meira obrigação de todo e qualquer cidadão democrata era começar a
mais nada a fazer; provavelmente, os russos nos fuzilarão, mas eu espero luta imediatamente e, embora eu fosse membro do Partido Comunista, a
que Deus nos perdoe". Ao que o outro, :irritado, responde: "Deus, você
coisa surgiu dentro de mim pelo seu lado pessoal: a vontade de não
acredita em Deus?""S:irn, a minha família é luterana, eu acredito em Deus:' aceitar aquilo.
"Mas Deus não existe e eu tenho provas de que não existe.""Que prova?"
"A prova é que nós existimos; se Deus existisse, não existiria.mos." Daí começamos. A Civilização Brasileira passou a ser um centro de
reação sistemática. Sistemática, porque achávamos que tinham sido co-
Daí, continuei a alocução dizendo: "Brasileiros, estou falando para
brasileiros, milhões e milhões estão ouvindo nossa conversa e suponho metidos muitos erros no passsado; muita discussão bizantina tinha sido
que a maioria seja religiosa ou tem alguma definição religiosa; se Deus travada sobre aspectos menos relevantes da vida política brasileira.Tra-
existe para vocês, certamente não pode existir para esses militares que tava-se, então, de organizar um sistema de reação à ditadura. É bom que
estão conspirando!" Eu me enganei, poi~ Deus estava com eles naquele se diga e que se louve o fato de que, naquele momento e nos anos em
momento, e eles dernm o golpe! E deram o golpe de uma maneira tão que durou a ditadura, a maioria esmagadora da inteligência brasileira
súbita que, enquanto estávamos falando na Rádio Nacional, os militares esteve contra o golpe. Foram pouquíssimos os intelectuais que deram
começaram a tomá-la. Um companheiro avisou que tínhamos que sair apoio ao regime da ditadura militar. Uma dessas pessoas foi uma brilhan-
dali imediatamente porque eles estavam entrando e já tinham desligado te escritora, mas não menos reacionária, Raquel de Queiróz. Dias atrás
os elevadores. nos encontramos num acontecimento social e ela se dirigiu a mim com
Nelson Werneck Sodré, Alex Vianni e Álvaro Vieira Pinto (antigo um "oh, meu querido! " Esse negócio meio brasileiro (brasileiro é muito
diretor do Iseb) e eu descemos os trinta andares da Rádio Nacional pela pródigo nestas manifestações superficiais de afeto). Então eu disse:"En-
escada de serviço, correndo. O golpe já estava dado, a UNE estava sendo graçado, hoje você tem uma visão bem distinta de mim daquela que
incendiada, o jornal Última Hora tinha sido invadido e empastelado. você tinha antes de 1964". Ela me perguntou: "Como assim?", ao que
Então, dirigi-me para a embaixada da Iugoslávia, cujo embaixador era respondi: "Você se esqueceu que escreveu um artigo publicado no Jor-
um querido amigo. nal do Comércio pedindo minha prisão como 'agente de Moscou' no
Chegamos na embaixada e a encontramos fechada: o embaixador Brasil?" "Eu fiz isto?" "Sim, como sou organizado, tenho uma cópia." Aí
estava em Brasília. Uma senhora que falava uma lfagua estranha, ou não ela perdeu um pouco o rebolado e disse: "Afinal de contas, es.távamos
falava lú1gua nenhuma, nos atendeu; pedimos para abrir, pois tínhamos cm campos opostos e guerra é guerra.""Guerra é guerra",respondi,"mas
que entregar um pacote que não passava pela grade.Assim que abriu, usam-se armas limpas; é o meu caso". Aí ela se levantou e foi embora.
entramos e ocupamos a embaixada como um asilo provisório. O embai- Vou lembrar, para vocês terem uma idéia, de alguns livros que pu-
xador chegou depois e confirmou que a situação estava mesmo ruim. blicamos antes do golpe: Breve história do fascismo, de Mário Fioranni,
Pedi para ficarmos lá por um tempo, umas horas, até que se definisse a italiano, cineasta, jornalista, que morou no Brasil um tempo e que era
situação. Ficamos vinte e quatro horas na embaixada da Iugoslávia, sem membro do PCI. Escreveu um belo livro sobre o fascismo, mostrando
formalizar pedido de asilo; depois, cada um foi para o seu destino. em que condições ele surgiu na Itália e em outros países; é um livro
Aí começou todo um processo de violência e de abusos. Eu fui logo didático, por assim dizer. Publiquei outro livro muito important"c, de , I!, ri
cassado pelo Ato Institucional, meus direitos políticos foram suspensos Facó - Cangaceiros e fanáticos-, que mostra o que havia p o r· 11 1111 , 1,,
por dez anos. Sete dias depois do golpe, compareci à editora; voltei a cangaceirismo, as condições sociais que levaram ao s1.·t1 ,~11q~l1111 111 11 1
trabalhar e fui preso. Foi a primeira das sete prisões; fui submetido a · um outro, muito importante também, de defesa <ll' p o 1111111vi 11 11 111 11 ,11
quatro processos por crimes contra a Segurança Nacional.A editora so- tas, de Delmiro Gouvea, chamado Pionei ro c n w/1 ,11 1/l'l!t ,
freu dois atentados à bomba, destruíram a nossa livraria - na época, a Mas um dos livros mais :importantes q11,· p11l1llq1 11 1 111 11 1
maior do Rio de Janeiro - e botaram uma bomba em nosso depósito. chama O Estado militarista. Este é um ll v,,. 1111, 11 1111 1
Eles queriam fechar todas as portas de comunicação com a liberdade, complexoindustrialmilitar es1av11 c•f1 •f h ,11 1r, 111 , ,
manter o país, como militar gostava muito de dizer, unido em torno de preponderância na condu~·i , , 1111 1 /, I , , , 1 11 , ,
seus supostos ideais. o risco do militarismo d1qw 111l11 111 I'" h, 11

152
1 '
--
americano, os bastidores cio poder. Era um livro premonitório que falava o segundo livrinho foi do Osny Duarte Pereira: Quem faz as leis 120
ele possíveis golpes na América cio Sul, sem imaginar o caso brasileiro. Brnsil? Esses dois livros estabeleceram os parâmetros para uma coleçao
Publiquei Introdução à revolução brasileira, de Nelson Werneck que chegou a publicar uns trinta, quarenta livros, até ser proi?ida ~oste-
Sodré, pessoa muito ligada à min11a vida, não só como amigo pessoal, de riormente. Todo livro que saía, eles proibiam. Lançamos mais dois que
quem editei quase toda sua obra. O Nelson era, naquela época e ainda foram apreendidos e, então, ela foi suspensa; mas enquanto durou, pres-
hoje, considerado por muitas pessoas corno alguém com urna visão um tou um enorme serviço político e cultural à resistência democrática.
pouco fechada das coisas; há quem diga que ele seria o último stalinista Paralelamente, foi lançada em Brasília uma coleção de poesia. Eu
vivo! Não é verdade,ele é um homem que tem uma visão militar.Nossos sei que, para muitos de vocês, estudantes de letras, a palavra engajada
militares, todos eles, têm uma visão um pouco limitada, os seus horizon- ligada à literatura tem sempre uma conotação meio suspeita, dando uma
tes são colocados em nichos muito definidos. idéia de "literatura programada", de urna"literatura de partido"; mas nào
A título de brincadeira, conto um caso: um dia telefonei para a casa era bem isso. Essa coleção, Violão de Rua, era uma reunião de poetas
de Nelson; sua mulher disse-me que ele não estava. Perguntei a que ho- dos mais variados matizes ideológicos. O importante era isso: sempre
ras voltaria, ao que me informou que chegaria às 5h e 17min. Eu disse usamos e praticamos uma grande e ampla liberdade,ninguém era cercea-
que isso era horário ele trem na lnglaterra,ao que ela me respondeu:"Ele do na sua liberdade de publicar nessas coleções ou pela editora, fosse
chega às 5h e 17min, pois fica esperando na esquina para entrar às 5h e qual fosse a sua posição política. Eu era membro do partido, mas lancei
17min". De fato, o Nelson tem essas pequenas lin1itações; fora isso é um livros, por exemplo, do Edmundo Muniz, notório trotskista, por_ sinal
cios mais brilhantes e sérios intelectuais brasileiros. É um homem que, um livro muito corajoso, talvez o primeiro livro publicado no Brasil ana-
como militar, ao contrário de nós, civis, que somos pouco dispersivos, lisando o golpe.
bota uma idéia na cabeça e vai até o fim, atmvessando qualquer obstáculo. Enfim, esta coleção revelou muitos poetas hoje famosos. Afonso
Ele foi um dos homens fundamentais da linha de retaguarda da re- Romano de Santana, inclusive, teve os seus primeiros poemas publica-
sistência à ditadura, assim como o Osny Duarte Pereira e a figura maravi- dos na Violão de Rua. Há dias, num lançamento na Biblioteca Nacional
lhosa do poeta Moacir Félix. Constituímos um grupo de resistência e da Revista de Poesia, ele lembrou:"Está aqui o Ênio Silveira, responsável
começamos a planejar: primeiro, edição <:le livros usando a lição de Brecht pelo lançamento de urna coleção que marcou época, e que ~eu_niu os
- de que há pelo menos cinco maneims ele se dizer a verdade -,lançá- poetas de vanguarda". Posso dizer, sem nenhum~ f~lsa n_iodestta, que
vamos coisas que os militares, na sua belíssima e honorável ignorância, tenho a convicção de que, naquele momento, reahze1 aquilo que se de-
não conseguiram perceber. Porque eles têm uma aversão, uma alergia veria esperar sempre de um editor.
total a livros, eles não tocavam em livros e, então, não liam. Como sabía- Um editor não é um mero mercador de livros,não é um açougueiro
mos das coisas notórias que eles não deixavam passar, conseguimos edi- que enrola a carne em papel; é alguém que procura colocar a causa ~
tar muita coisa. frente dos interesses comerciais. No meu caso foi assim, por isso me det
Antes de 1964 ainda, a Civilização Brasileira começou a planejar, mal em termos econômicos e financeiros. Se o editor for apenas um
em decorrência dessas reuniões, uma coleção que marcou época: Ca- comerciante, ele pode ganhar dinheiro, ser feliz, etc., mas não presta
dernos do Povo Brasileiro. O que era essa coleção? Livrinhos em for- um grande serviço cultural_ e político. Acabei entrando numa situaç_ào
mato de bolso, vendidos a preços muito baratos, colocados em bancas financeira difícil,agravada,evidenternente,pelo golpe, que cerceou muito
de jornais e que abordavam assuntos como, por exemplo, o primeiro nossas possibilidades de trabalho.
livro: Quem é povo no Brasil?, de Nelson Werneck Sodré. Uma defini- Gostaria de registrar rnn fato muito interessante e, ao mesmo tem-
ção do que é povo, o que era realmente, porque, é claro, os golpistas po, muito desagradável. Depois das intimidações, dos atenta<.~os, _os
se apresentavam como defensores cios interesses do povo brasileiro. miJicos começaram a fazer o seguinte: intimidar o mercado. Pnme1ro
Que interesses eram esses? Que povo era esse? De que povo falavam iam a todas as livrarias importantes do Brasil e ameaçavam: "As livrarias
eles? Este livro mostrava que eles não falavam em nome do povo, eles que trabalharem com os livros da Civilização Brasileira ficarão suspeit~s,
falavam em nome deles como um povo muito suspeito e muito entrarão na nossa lista". Resultado: perdi um enorme mercado; mmta
internacionalizado em suas concepções. gente ficou intimidada. Segundo, proibiram-nos de trabalhar com o Ban-

154 155
co cio Brasil. Ora, hoje o Brasil está cheio ele grandes bancos comerciais ambos não posso ser";"Não pode, por quê?" Eu, então, tive de explicar,
que são bancos .nacionais; naquela época, o único banco verdadeira- dar uma aula, pois não sabiam dessas diferenças.
mente nacional era o Banco do Brasil. Assim, quem não traball1asse com Aliás, o que nos salvou um pouco na área cultural foi a ignorância
o Banco do Brasil não tinha acesso ao resto do Brasil, ao interior todo: patente na área militar.Talvez por uma deformação ele treinamento pro-
tinha que sacar títulos, duplicatas e, em pequenas cidades, só havia o fissional, a cultura é deixada muito à margem no ensinamento militar.
Banco do Brasil. Os elementos mais refinados das Forças Armadas foram treinados nas
Dessa forma, eles foram cerceando nossa liberdade ele publicar. Com escolas norte-americanas, basicamente para os lances da Guerra Fria.
a censura, tivemos dezenas e dezenas de livros apreendidos; eles faziam Nesse sentido, foi vendida a noção de que, não tendo poder ele fogo para
tudo de caso pensado. Deixavam os livros serem impressos e, quando participar ele grandes exércitos militares em escala internacional, os mi-
eram lançados, apreendiam a edição inteira. Ora, isso significava um litares brasileiros tinham, entretanto, uma área importantíssima de
enorme prejuízo financeiro. Eles nos levaram realmente a um estado de atuação: lugar contra o "inimigo interno". Luta que eles exerceram com
penúria extrema; mas resistimos, vendi tudo o que tinha: móveis, qua- eficiência e sucesso.
dros. Nessa época não pensava no valor material, mas no valor afetivo; Logo depois do golpe de 64, publicamos um livro muito importan-
assim, vendi oito Pancetti, oito Di Cavalcanti, de quem fui editor. Como te do Nelson Werneck Sodré, História de burguesia brasileira. Não se
era amigo pessoal de ambos, vendi até quadros com dedicatória. Tudo o tratava de um livro circunstancial, não era um livro que se referisse àque-
que pude fazer, fiz; fui até o fim e começaria tudo de novo. Não é ato de la parcela da burguesia diretamente engajada no processo golpista, mas
heroísmo; é um ato de consciência. Então, lutar contra a ditadura foi que mostrava as contradições da burguesia brasileira. É um livro de aná-
para mim algo visceralmente necessário.
lise muito importante. Publicamos também um livro sobre Zapata, o
Outro detalhe importante ele se registrar é que, apesar de ser mem-
líder revolucionário camponês mexicano, um livro belíssimo, mostran-
bro do Partido Comunista, a editora não foi cio partido, nunca foi por ele
controlada. O Prestes uma vez me disse: "Ênio, a nossa eclitora podia do por que e contra quem e.te lutou.
[... ] "; eu disse "nossa não, minha editora". Não é nossa, fiz questão de Apesar da censura e da intimidação cios livreiros, não puderam con-
frisar. Naquela época, o partido não teria deixado publicar muitas coi- ter o desejo de liberdade que, pouco a pouco, foi crescendo, germinan-
sas; por exemplo, publiquei a famosa trilogia do Isaac Deutscher sobre do na consciência ele cada brasileiro. Vocês sabem, Carlos Heitor Cony,
Trotsky, O profeta armado, O profeta amado e O profeta banido, três nessa época, escrevia no Coffeio da Manhã pequenos artigos num tom
livros fundamentais, de grande significado político. Primeiro, porque altamente irônico e mordaz. Ele analisava os episódios grotescos do gol-
muito bem-escrito, segundo, o autor, evidentemente era um trotskista, pe, essas coisas que todo mundo sabe.As anedotas, infelizmente, eram
mas seu livro é de grande elegância e com forte substância ele análise· verdadeiras; como por exemplo, os militares apreenderam tábuas ele
não é um livro tendencioso. Se a editora fosse controlada diretament~ logaritmo, achando que eram códigos. O Carlos Heitor Cony escreveu
pelo partido, o livro não sairia, como outros que editamos de dissiden- um artigo que fez um grande sucesso,"O ato e o fato". Posteriormente,
tes do partido na Polônia, na Hungria. Nós proporcionamos, assim, uma deu esse mesmo nome ao livro que reuniu seus artigos e que nós publi-
abertura para o livre e amplo debate de idéias. camos. Foi tal o sucesso do livro que, ao fim do primeiro dia, a primeira
Esclareça-se que essas idéias eram debatidas dentro ele um amplo edição já se havia esgotado! Em 1964, as tiragens iniciais eram de cinco
leque da esquerda brasileira; evidentemente, não se publicavam idéias mil exemplares;hoje estão mais reduzidas - dois a três mil - ,porque a
cio outro lado; estas, obviamente, tinham e têm um amplo aparato de crise e a inflação, infelizmente, afetaram o mercado consumidor.
difusão: a TV Globo e outros jornais e televisões controlados pelo gran- Lançamos, sucessivamente, quatro ou cinco edições; Cony passou
de capital. Então a Civilização Brasileira era uma editora de esquerda, a ser um "herói nacional", transformando-se numa espécie de " messias".
mas não uma editora partidária,ponto este que deve ser sempre frisado. Lançamos duas edições depois ele 1964; ainda nesse ano, mais duas edi-
Nas minhas várias prisões fui acusado, dentro da confusão mental ções de O c:staclo militarista, e começamos a lançar as memórias ele um
que existia entre os golpistas, de ser simultaneamente "agente de Mos- escritor soviético que acompanhou, desde o começo, a revolução russa;
cou" e de "Pequim". Em uma das vezes disse: "Os senhores, por favor, tratava-se de rnn livro sobre a história da revolução - os militares engo-
façam uma opção: ou me nomeiem agente de Moscou ou ele Pequim, de liram isto.

156
Lancei também a 4ª edição de um livro muito importante chamado
Ascensão e queda elo Terceiro Reich; esta obra é, talvez, a mais completa
e brilhante história da ascensão e queda do nazismo. Publicamos tam-
bém um livro muito importante, também premonitório, no sentido das
análises posteriores - Quem matou Kennedy? Neste livro, Kennedy
teria sido assassinado pela conspiração do grande poder econômico ame-
ricano, tese em que acredito piamente, mas foi um assassinato planeja-
do, não um atentado num momento de emoção, de raiva de algum
indivíduo, como tentaram caracterizar.
Em 1965, lançamos a Revista Civilização Brasileira, em formato e
grossura de livro, com artigos longos. Era uma revista de estudos brasi-
leiros e internacionais, políticos, econômicos, sociológicos e literários VI
feitos por pessoas de alto nível intelectual, brasileiras e estrangeiras.
Naquele período em que a vida cultural era controlada pela ditadura, APÊNDICE
pela censura, pelas repressões de toda natureza, havia tanta vontade e
tanto desejo de comunicação e ele abertura ele horizontes, que a revista,
apesar ele séria e até "pesada", teve uma tiragem inicial ele 20 mil exem-
plares. Durante anos ela foi a maior revista cultural cio mundo. Jean Paul
Sartre, um dia, disse-me que a revista ela qual era diretor Temps Modemes,
publicada numa língua universal, o francês, tinha uma tiragem menor
que a Revista Civilização Brasileira.
Foi um feito verdadeiramente raro. Não há universidade no mundo
que não tenha a coleção completa, e continuo recebendo freqüentes
pedidos ele números ela revista para completar a coleção. É uma revista
que tem um prestígio internacional enorme; várias pessoas aqui presen-
tes, como o Schwarz, o Ianni, foram seus colaboradores. Nós reunimos,
pois, o que havia de melhor na inteligêp.cia brasileira e realizamos um
bom trabalho.
1- ·

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GOLPE DE 64"'

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João Roberto Martins Filho ~ Professor de Ciência Política da Universi-
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Lucília deAlmeida Neves - Professora de Ciência Política da Univesidade
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Luiz Alberto Moniz Bandeira - Professor titular de Ciência Política da
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leiros (Iseb) e militar cassado nos dias imediatos ao golpe de 64.
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Patrícia Trópia - Mestre e doutoranda em Ciência Política pelo IFCH/
Unicamp.
Paul Singer - Professor titular de Economia, FEA/Univer~tda.de de São
Paulo.

168
período do governo Goulart re-

O presentou um momento privile-


giado das lutas sociais e políti-
cas no Brasil. Reformas sociais e eco-
nômicas e a ampliação da democracia
política eram reiv indicadas, no campo
e n_? cidade, por amplos setores soci-
ais. Em l 964, liberais e conservado-
res, com o apoio das forças m ilitares,
golpearam o caminho das reformas e
da democracia.
Neste livro, renomôdos p esquisa-
dores brasileiros - economistas, cien-
tistas políticos, historiadores e sociólo-
gos - refletem criticamente sob re o sig-
nificado desse período que m arcou
em profundidade a história social e po-
lítica brasileira.
No Brasil atual, às vésperas do fim
do século, a democracia política foi re-
conquistada; no entanto, as reformas
sociais, ainda não realizadas, põem
em risco a sua plen a consolidação.

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