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981,511
S587c
AnnyJackelineloires Silveira 1:335

A CAPITAL E O SONHO DE Ul\1A PETIT PARIS


Os cafés no cotidiano de Belo Horizonte: 1897-1954.

Dissertaçãoapresentadaao Curso de Mestradoda


Faculdadede Filosofiae CiênciasHumanas,como
requisitoparcialà obtençãodo título de Mestreem
História
Área de concentração: Relações Sociais de
Dominação.
Orientadora: Prof ElianaReginade FreitasOutra-
UFMG
l.2:5010
U.F.M.G.
• BIBLIOTECA
UNIVERSITARIA

lil ll lil lilill lilill li111111111111111


226101101
NÃODANIFIQUE
ESTAETIQUETA

BeloHorizonte
Faculdadede Filosofiae CiênciasHumanasda UFMG
1995
Dissertaçãodefendidae aprovada,em 29 dejuoho de 199~.pelabancaexaminadoraconstituída
pelosprofessores:

Prof ElianaReginade FreitasDulra

Prof HeloísaBuarquede Hollanda

Pro! ReginaHortaDuarte
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M,,.~

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À Dirceu Goulnr1Silveira.
que 11111dia me contou histórias de outros cafés.
outros homens. de mn outro lugnr.
de há muito tempo ntuis.
Agradeci1'fent0$:

Regina Helena, que,,,, apresentou a cidade,


feus tipos, seus traçOf,
fUas palavras;
Patrícia e Sügio,
Dirceu,
FL~io,
Vera;
Valhia,
aos t:Vffigosdo lfftitrado;
fotos: P,dro, Marc,Lo, B.atri1;
lffopd: Dôro..Marco, V~:
EliQJllaDurro.. co,,, qu,,,, CQJffi11h1i;
Rqi11tiHorta - ond, a história co,,.,çou.

Lr, trob4Uto c011toucolff fll}Oiojl1111Jfc1irodo CNPq.


Euquit1ra Vir o mwtdo
Co1'1oo vi Str~io Btrnardo:
Vir, ,ro mundo, M muitM ii6J'IOt.
qu, vi,;Ollf toh os coit•.
Smtir, toh afom,o., asfof11fas,
oi tqrldos da 1'1atíria
111tZii
• tatura dM io,rhM
d, qw r,forw,a o r,.J.

(CulM Dru,,,11101ld)
Sumário

Introdução.........................................................................................
01

1-Ocafee a il!'.agemde civilização..................................................


12
19
Ummodelodecivilização............................................................
35
O Brasil e a civilização................................................................
U~ arraial perdido no tempo......................................................
54

11-Fabrl.cll1l.do
reflexos....................................................................
72
UmJJcapitaldesonhos................................................................
76
Oscafésnoespaçoda cidade.....................................................
98

111-Acidadeparaalémdoespelho.................................................
129
Osdoisdiscursossobrea cidade...............................................
134
Lugaresde civilidade
.................................................................
143
Oshomense os cafes................................................................
.162

IV- Numpaís de há muitotempo....................................................


201
"Seqüestrode Guilhermina César- czocomplttar
r,tmt'fl1toi" (C.D.Alldrade).........................................
202
Oscafésnocotidianoda capitaL............................................
207
Temposmodernos,cafesapressos..........................................
229

Considerações 2.53
Jinais.....................................................................

.Anaos............................................................................................
277
Bibliograji,a...................................................................................
280
INTRODUÇÃO
&a ainda no tempo dos ''ficus", de uma Belo Horizonte de dois
andares, de ruas vastas perfumadas a magnólias, de cidadãos funcionários
públicos, estudantes, e os quase s~e esquecidos cidadãos operários. Tempo de
uns rapazes cheios de idéias, de projetos, de desejos e de vida, que gastavam suas
horas em discussões literárias regadas a cerveja ou café e àgua eme as mesas
redondas de mánnore de certos cafés da capital. Tempo em que os políticos,
buscando avaliar a repercussão de seus atos; junto à população, mandavam
proceder a uma "pesquisa de opinião" na porta das casas de café. Cafés onde os
operários esqueciam as angústias do dia, se divertiam entre goles de diferentes
bebidas, ou trabalhavam pela uniio da classe na luta por seus direitos, e por isso,
rrnJitas veus, eram levados ao xadrez. Tempo em que respeitáveis senhores e
jovens da alta-roda protagonizavam escandalos entre a sociedade, ao se
apaixonarem pelas coristas que se apresentavam nos cabarés e cafés-concerto da
cidade.

Casas de café não faltaram àquela jovem capital dos anos dez e vinte.
Aftnal, uma cidade que se queria moderna e cosmopolita, como estampavam as
plmu e discursos dos responsáveis por sua construçio, não poderia dispensar a
presençadesse tipo de estebelecimento comercial, vitto por m1ito1 homens da
épocacomoverdadeirotímbolo de refinamemo
e civilir.açio da IOciedade.
A bem
da verdadeOI cafél nlo erammencionado,pelOI idealizadoretda nova cidade.
Pua o lazerpúblico el• haviamdelltinadopraça•,avenidu, pradode corrido,
Introdução
3

teatro, e um amplo parque. Porém os homens que acompanharam a faina cotidiana


para o cwnprimento do decreto de transferência da capital mineira, desde sempre
apontavam a necessidade da abertura de estabelecimentos do gênero, afim de lhe
dar vida, movimento, "ares" de uma grande cidade.

E muito breve esse desejo seria satisfeito. Os pnmel.l'os cafés


belorizontinos foram abertos ainda antes da inaugunção da cidade (1897), quando,
segundo BARRETO (1936), receberam um grande número de freguêses que
comemoravam a instalação da sede do governo. Os anos seguintes veriam abrir,
naquelas ruas traçadas a esquadro, outras várias casas do gênero. Cafés grandes ou
pequenos, de diferentes tipos e qualidade. Alguns se notabilizaram pelo
refinamento no serviço e na decoração, enquanto outros ostentavam menos
elegância; no geral, graduavam-se entre casas de certo requinte e bom gosto até
aquelas-de "quinta categoria": balcão e garrafas, e quase sempre, moscas. Alguns
seriam mais "persistentes", atravessando anos a fio a história da cidade, e dos
homens da cidade que ocupavam seus salões ou se postavam junto às suas portas.
Outros de pouca duração, dos quais se encontra apenas uma referência, wrgern por
um momento em meio às páginas dos periódicos ou das memórias sobre a capital,
e depois mergulham no esquecimento: nenhum novo dado, nenhuma outra menção.
Mas, fossem ou não duráveis, esses cafés marcaram a memória da cidade.

Beirando seus vinte e poucos anos porém, a Belo Horizonte idealizada


segundo os últimos preceitos urbanísticos dividia opiniae,. Discurso, opostos
eram construído■ e divulgado■ através da imprensaquamoao fato da capital ter ou
nlo chegado a bom termo em relaçlo u a■piraçõea de ■eu, cOClltrut«es e
habitaras: moderna e civilizada, trepiduu, uma verdadein capital; ~ ao
lntroduç8o
4

contrário, urna cidade pacata e provinciana, perdida em rrw,10 a1 montanha• de


Minas. e onde, pela sua sem-gracesa, nem mesmo o trem tem vontade de parar. O
mesmo podia ser observado no que diz respeito à1 suas caias de café, variando na
sua qualificação do "chie" e refinado ao sirnple1 "rastaquera". E e11a1 imagens
heterogêneas acerca da cidade e de seus cafés haveriam de persistir por mai11de
quatro décadas entre seus moradore1, croni.tail e vi&itarw.e1.

Apesar da diversidade com que eram percebidos, e11e1 cafés são


lembrados, na história que foi e ainda vem sendo construida sobre a capital
mineira, como um dos principais espaços do encontro e da sociabilidade da sua
população. Lugar de reunião. de debates políticos e literários acalorados. de
irradiação de notícias e boatos, de contrato de negócios, de softer de dores de
amores, de aprender as novas modas e os comportamentos "civilizados", de iniciar
e estreitar amizades, ou de contatos breves e superficiai&.

É como cenário de prática• assim tão variadas que es■as caias se


converteram para nós rum importante objeto de pe1quisa a partir do qual tentamos
acessar a51>ectosdiversos da vida da cidade de Belo Horizonte. Através da análise
dos estabelecimentos de café, da sua freguesia, da fonna como ela usava esse
espaço, e mesmo da memória sobre eles produzida, acreditamos ser possível
perceber 01 costumes, as formai de laz.er, práticas comerciais, a1 experiências de
convivência e de relacionamento social, 01 wlore1, •• preocupações existenciai■

ou cotidianas, isto é, um pouco do ambieru cultural ou da cultura urbana dotl


homens que viveram na capital.

E p111 aWrndeua■ qu~•. oa caféa foram ainda tomadoa enc:,.aado


elememos resweserutivM dai rrudanç11 e tranafonnaçan dai quai1 a cidade 1e
Introdução
5

tomaria palco. A distribuição espacial destes estabelecimentos, e os deslocamentos


de concentração que sofreram durante os anos, são elementos, no nosso entender,
reveladores do movimento de ocupação da capital, da importância que
deteminadas àreas adquiriram, seja no que diz respeito às atividades comerciais
ou sociais.

Da mesma fonna nos foi possível acompanhar, também, os processos


de crescimento, desenvolvimento e de especulação imobiliária que atingiram a
cidade. E, além de todos esses a5ipectos, a crescente supremacia dos cafés de
balcão em relação aos antigos cafés-sentados, entre os estabelecimentos abertos na
cidade a partir de meados dos anos trinta, foi tomada como fato sugestivo, ou
mesmo como uma evidência, tanto dessas transformações que ocorreram na capital
mineira, como ainda, das mudanças no comportamento e nas necessidades
cotidianas que as acompanharam.

A recotlW'Ução da história das casas de café oferece-nos a


possibilidade de abordagem de variados assuntos relativos à história da cidade e,
ainda, à dos homens que percorreram, viveram e sonharam por entre suas ruas
longas e retilíneas. Acompanhar o dia a dia no interior desses estabelecimentos é
uma maneira possível de buscar perceber como se desenvolvia a vida na Belo
Horizonte: as fonnas como seus habitantes se relacionavam, os procedimentos em
público e as rewas de comportamento, formas de associação, constituição e
convivência de determinadoa !,UJ>09 de interesses úms (literatos, esportistas,
político■ ...), a amizade,•• preocupaçõe■, e ainda oa confronto■ e conflito.. E além
disso, como já foi mencionado, é perceba- também como se desenvolvia a própria
Introdução
6

Belo Horizonte, ao relacionar as t.ruw"ormações sofridas por esse tipo de casa


comercial com as mudanças que atingem a cidade ao longo dos anos.

A análise dessas casas de café nos possibilitou ainda, pensar a


respeito de alguns símbolos e idealizações que povoavam a mente dos homens a
respeito ela cidade, afinal os cafés eram percebidos, juntamente com o teatro, o
cinema, os ''boulevards", como espaços de "civilização". A idéia sobre o que era
ser civilizado filiava-se aos modelos europeus: Paris, Londres, Berlin .. . E seria
com os olhos voltados para esses modelos que os homens julgariam, não só as
casas de café, como a própria cidade.

São esses estabelecimentos tomados wn dia como modelo - os cafés


do continente europeu - e a forma como são percebidos e trabalhados por diversos
autores, como BÕDEKER. (1990), LECLANT (1951 ), SENNETT (1988),
A.GUI.RON (1971), HABERMAS (1984), que servem de orientação nesta análise
das casas de café belorizontinas. Abordando desde o surgimento e a difusão do
hábito do consumo do café enb'e as classes altas da sociedade européia, até sua
expansão para as camadas populares e a abertura dos estabelecimentos de venda
pública do café, esses autores discutem sua relação com as t.ransfonnações em
aspectos diversos da sociedade, como a estrutura social, a cultura, a sociabilidade,
o espaço urbano, e ainda, a emergência de outros, como a opinião pública ou as
idéias de civilização e cosmopolitismo. Através do diálogo com a• visõe1 e
irurpretações que esses autores constroem a respeito do• cúé• do velho
continente, é possível pensar e analinr o• estabelecimemos do gênero na capital
mineira - naquilo que os aproxima e os diltincia do1 seu1 1imilves europeu,. nas
111asespecificidades. conforme os comextos diferedes nos quais estio inseridos.
Introdução
7

Mas, assim como as próprias cidades mudam com o correr dos anos,
seus cafés também nlo serão elementos estáticos. Afinal, se esses
estabelecimentos emergiram ligados às transf onnações sociais que atingiram a
sociedade e o mundo urbano - por volta dos séculos XVII e XVIII no continente
europeu, e no século XIX no caso do Brasil - e se é possível considerar que essa
sociedade e o mundo urbano estão em movimento constante, em uma sucessão
contínua de novos momentos, os cafés também serão atingidos por essas
mudanças. É o que se verifica em Belo Horizonte [e ainda em outros importantes
centros do país] no decorrer das década&ide quarenta e cinqüenta, com a crescente
substituição dos antigos café5-sentados pelos pequenos estabelecimentos que
serviam a bebida exclusivamente em balcões. Através da supremacia alcançada
por esses cafés de balcão entre os novos estabelecimentos abertos nesse periodo,
é possível perceber e sinalizar outras transformações no contexto social e urbano
da capital mineira.

Assim, esse trabalho teve como objetivo perceber as relações


possíveis que podem ser estabelecidas entre as casas de café e a capital mineira: o
tipo de destinação dada a estes estabelecimentos, quer nas imagens e definições
que informaram seus planejadores, quer nas definições e práticas de seus
habitantes. A medida que é possível perceber uma certa identificação entre o café
e uma idéia sobre o que seria a ..civilização", buscamos mostrar como esn
idemificaçlo se insaeve no plano da nova capital, ou como é possivel, atnvés
desses estabelcimemos identificar um projeto de ordenação e um ideal elitista e
burguês,de determinados setore• da sociedade, a respeito do que deveria ser a
cidade. Ao mesmo tempo, buscamos mostrar também, como esses mesmos cafés
oferecem a pos1ibilidade de leitura de outro■ discurso■ e projeto■, diversos e
Introdução
8

mesmo contrários àquele acuna citado, através da análise da forma como a


população dessa mesma cidade cria, se apropria e convive no espaço dessas casas
de café.

Nessa história dos cafés-sentados belorizontinos o tempo é um


elemento amplo se pensado em relação à idade da própria cidade. Inaugurada em
dezembro do ano de 1897, meses antes a capital mineira veria abrirem suas
primeiras casas comerciais chamadas café. Assim, o início da nossa história sobre
os cafés da cidade começa na época em que ainda não eitavam terminados os
trabalhos de sua construção (entre abril e junho de 1897), e, talvez se possa dizer,
antes mesmo da abertura dos seus primeiros exemplares, uma vez que alguns dos
primeiros cronistas daquele ex-arraial quase-cidade já reivindicavam a necessidade
da abertura de estabelecimentos do genero, afim de honrar-lhe o nome de capital.

Antecipando-se à inauguração da própria cidade, duraram anos esses


cafés. Por quase quatro décadas eles imperaram no espaço urbano e na preferência
dos habitantes da capital, e no decorrer dos anos quarenta seriam paulatinamente
superados pelos cafés de balcão. Porém, durante certo período ainda conviveram
com estes e outros gêneros de estabelecimentos de venda pública de bebidas e
pequenos quitutes. O último café-sentado seria fechado apenas no ano de 1969,
melhor dizendo, transfonnado em moderno café de grandes balcões de alumínio.
Porém, a história aqui esaita avança apenas até os primeiros anos da década de
cinqüerta, mai1precisarneme 1954, mornerto em que, a caminho de se tomar a tio
sonhada "metrópole moderna, cosmopolita e trepidante", a capital já não precisa
mais das velhas casas de café pua lhe conferir o grau de cidade civilizada.
Introdução
9

Esta imagem encontrada entre os primeiros cronistas da capital que


associa o estabelecimento de café com a "civilização" é o pano de fundo do
primeiro capítulo. Nele se discute como e onde surge a construção dessa
associação, tomando para isso os modelos que são propalados nessas mesmas
crônicas: o Rio de Janeiro e, em especial, a Europa. Introduzido em meio às
camadas privilegiadas de alguns países europeus por volta do século XVIII a partir
dos contatos que estabelecem com o oriente, o café será apontado como elemento
transformador dos costumes, em virtude da difusão dos hábitos refinados e
delicados da sua sociedade de origem. A expansão do seu consumo será tomada
como um movimento capaz de promover a "civilização" do comportamento nos
outros extratos da população. Essa expansão porém, se dá num contexto de
importantes mudanças de cunho burguês que atingem as cidades e a organização da
sociedade, e também, quando começam a ser estabelecidas novas formas e lugares
para o contato social.

Esses novos modelos de cidade, sociedade e sociabilidade servirão de


paradi~a para muitos homens que estavam buscando construir wna imagem
positiva da nação brasileira que nascia sob o advento do fim da escravidão e da
proclamação da república. O mesmo pode ser percebido em relação à construção
da nova sede do governo mineiro, assunto discutido no secundo capitulo.
Preocupados em dar a Minas uma capital moderna e cosmopolita, di~a da
~za do estado e capaz de lhe imprimir desenvolvimento e prowesso, 011

planejadores e cronistas da Belo Horizonte iriam fundar nesses modelos o ideal


paraa nova cidade. E, sob a roupagem desse discurso moderno - tanto no que se
ref«e à organizaçlo do espaço urbano como também.da própria populaçlo da
capital - se tnveste um projeto de ordenaçlo social de cunho elitista.
Introdução
10

Ao mesmo tempo o capítulo aponta as semelhanças e as diferenças


que a nova cidade apresenta em relação ao movimento de instalação e expansão
das casas de café verificado em meio à sociedade européia. Através dessa
abot·dagem é possível marcar as especificidades que esse movimento adquire na
capital mineira e de que forma elas iriam influenciar nas imagens produzidas a
respeito de seus cafés. O capítulo traz ainda um mapeamento das casas de café
belorizontinas: a localização, a qualidade, a clientela entre outros, a partir do qual é
possível perceber de que forma eles se insa-evem (ou não) nesse projeto burguês
de cidade.

O terceiro capitulo aborda os discursos construídos sobre a cidade e


seus espaços de sociabilidade - o moderno e o provinciano. É através dos
argumentos que apoiam cada uma dessas visões que se buscou rastrear a cidade
mesma, para além de qualificativos. Quais e como eram os espaços de
sociabilidade dessa capital? Apontando os diversos lugares e situações onde se
revelam a interação e os contatos estabelecidos entre os habitantes da cidade, a
análise se detém nos estabelecimentos de café. A partir das práticas e das relaçõeii
que têm lugar no interior dessas casas buscou-se caracterizar o tipo de
sociabilidade que aí 5e desenvolveu, apontando também a importância que ela
adquiriu na vida de relação da capital.

Tradição no cotidiano dos moradores da cidade, a casa de café


começa a se transformar a partir de meados dos anos trinta e quarenta, despertando
em muitos deles um serâimento de saudosiano - do■ velho■ cafés, da velha cidade,
de um tempo que já parecia distaru. Este e outros aspectos ão tratados no quarto
capitulo. Alnvés desse saudosismo é possível acompanhar nlo apenas a■
Introdução
11

mudanças que atingem os antigos cafés da capital, mas também a relação que elas
guardam com as transformações que a própria cidade atravessava. Novos
discursos inauguram um novo tempo - o da modernização - e os estabelecimentos
de café mudam para acompanhar a nova realidade e as novas necessidades da
cidade e da sociabilidade de sua população.

Ao tratar a história dos antigos cafés da Belo Horizonte, buscou-se


aqui aproximar-se da história da própria capital. Se essa cidade, seus espaços e o
tipo de vida que neles se queria ver desenvolver, podem ser lidos enquanto
constituintes de um projeto de ordenação da sociedade, elaborado pela elite entre
fins do século XIX e irúcio desse, os cafés podem ser tomados como lugares onde
é possível perceber como tal projeto é inuojetado e contestado pela sociedade.
Porém, como aponta K. LINCH (1988), a percepção dos observadores e
participantes da vida de um centro urbano é, na maior parte das vezes, parcial e
fragmentada; talvez assim também seja no que diz respeito a visão construída sobre
a capital mineira através de suas casas de café. Certamente a abordagem que sua
análise nos oferece não dá conta de todos os aspectos e de todos os assuntos
importantes relativos à vida da cidade. Certamente também, este trabalho não tenha
esgotado todas as possibilidades que o exame desse tipo de estabelecimento
proporciona para a compreensão da história da cidade e da de seus habitantes.
Mas na certa, reconta-a sob um certo ângulo.
CAPÍTULO]
O CAFt E A IMAGEM DE CIVILIZAÇÃO
"Custei a me acostumar com a febre diurna das
derrubadas e construções, e a z.ueira noturna das
brigas (...) Eu vagava pelas ruas ainda virgens de
casas à procura de um caie inencootrável, enquanto os
italianos suaremos se comprimiam à porta da farmácia
do meu mestre Teófilo lage, disptnndo limonadas
purgativas ( ...)" (1).

&a assim, lamentando a ausência de wna casa de café, que no ano de


1897 um cronista do jornal Diário de l\finas lembrava seus primeiros dias naquele
canteiro de obras em que havia se convertido o pequeno arraial do Curral dei Rei,
futura cidade de Belo Horizonte. Ao que parece, um estabelecimento de café era
algo indispensável numa cidade, para os homens dos fins do século XIX e inicio
deste. Indispensável e, como será visto, especialmente vulgar - isto é, comum -
dentro do espectro de estabelecimentos comerciais que normabnente estavam em
funcionamento no eipaço urbano das cidades mais importarte• naquele período.
O. maiores cedroa do país, como São Paulo, Rio de Janeiro ou Salvador
comav~ cada um, com seus exemplares, de tipo■, tamanhoa e cp1alidadeso• mai■

vviados. O Rio de Janeiro e Salvadcw por sinal, já 01 possuíam desde a primeira


metade do século XIX.
O cefi , a /ma1emd, civilização
14

Ponto de passagem entre o caminho para alguma atividade, o descanso


do sol quente da rua, o aperitivo ou café acompanhado de um quitude para enganar
a fome, da conversa despretenciosa ou, ao contrário, de assunto grave e
melindroso, os cafés faziam parte do dia-a-dia dos moradores daquelas cidades.
Além disso, eram vistos, ainda,como espaço de aprendizagem e de civilização para
a população - moda, boas maneiras em público, contatos diversificados e
numerosos, acesso às mais variadas informações e aos novos conhecimentos: em
suma, educação para o tisico e a alma. Era portanto, o núnimo que se esperava
pudesse oferecer um lugar digno do nome de cidade, quiçá, o de capital.

Mas, arraial acanhado, o Curral del Rei não tinha lá esses luxos, afinal,
talvez não tivesse nem mesmo freguesia suficiente para ocupar durante cada
diferente hora do dia, e diariamente durante os anos, um bem montado salão de
café. Ía-se vivendo, porém, com uma ou outra venda de produtos sortidos. Se a
falta de uma casa de café não incomodava os habitantes do lugarejo, seria algo
insuportável para os primeiros visitantes do local, logo que, definido como lugar da
nova capital do Estado, começaram a ser executados os primeiros trabalhos para
sua construção (2).

Inexistente nos caminholi empoeirados daquele "canteiro de obras", os


cafés, porém, já faziam parte dos sonhos e das intenções dos homens que haveriam
de fuer com que tudo cp1eestava presente naquelas plantas que se estendidam
sobre o pequeno arraial- plarta1 elaboradas por uma comi1são nomeada pelo
do1 trabalhOI de planejamento e de construção da
governo do Estado, encarregada
nova capital - se tr1namt11se ruma cidade. Este era, por ~lo, o caso do artigo
de um aonista do jomal A Capital, publicado em julho de 1897:
O cofl e a imagemde cívilização
15

"Cidade em construção,verdadeira oficina de


trabalho,BeloHorizonteaindanão tem a sua rua do
Ouvidor,o pontoprediletopara as palestras~o lugar
para o madamismo chie exibindoa toilette dignade
nota (...) Falta-nostambémo café com as suas
pequenasmesas,o brouhahada freguesia,os infalíveis
italianostocando,emharpae rabecas,valsasemvoga
e polkasafandangadas(...)" (3).

Estas observações, regiitradas ainda no período da construção da


cidade, revelam alguns componentes do ideal de metrópole concebido por muitos
mineiros naqueles anos, ideal que também conformava algumas imagens que muitos
homens con...qruíamsobre aquela capital. Tomando os grandes centros europeus e,
também, o Rio de Janeiro como referência, a nova cidade deveria ser
"efervescente", povoada por pessoas elegantes, de modos refinados, enchendo de
vida tão moderno espaço que estava sendo erguido pelo governo do Estado.
Efervescência cultural e social nos moldes da rua do Ouvidor, a versão carioca do
'Pal.aysRoyal.',onde "... tudo que era inédito e civilizado estaria: vit.rines, sorvete,
bondes, literatura, iluminação à gás, e la mode. (...) Fm termos simbólicos, a rua do
Ouvidor( ...) era a Europa" (NEEDEU..,1993, p.193-194). Efervescência dos cafés,
ambientes pontuados de luz e de sons, de arte, de política, de bom gosto, como no
Rio, como em Paris, Londres, Berlin ...

Porém, como revela BARRETO (1936), ainda naquele mesmo mês, o


jornal anunciava a abertura daquele que seriaum dos primeiros estabelecimentos
de café belorizontinos:

"A 24 de julho de 1897, registrou-se um


acomuimemo notávelpara aquelesdiu iniciai• de
BeloBorizode: imopava-se o C1f4tMIMln, o Bar
O co,fé, a imagem de civilização
16

do Pomo do nascer da cidade( ...) Azevedo Júnior, no


dia imediato, pel'A Capital, comentava o
ac<decimento: 'Bravos, Belo Horizonte, bravos! Do
dia em que te tomas mais garrida, mais confortável,
verdadeiramente possuída do teu papel de Capital.
F.nquantoOuro Preto murcha, tiritando na garoa das
suas noites silênciosas, tu, Belo Horizonte, pensas em
iniciara vida noturna e já o Café Mineiro não é nada
mau para a aprendizagem(...)'" (p.621).

Assim, antes mesmo de ser inaugurada, a 12 de dez.ernbro do ano de


1987, Belo Horizonte fazia festa para a inauguração de um dos seus primeiros
cafés. Aberto ao público naquela noite do mês de julho, quase cinco meses antes da
instalação oficial da nova capital, o Café :Mineiro foi festejado pela imprensa
como mais um passo para o conforto, progresso e civilização da cidade. Um café
de primeira( - Mesas de mármore, publicidade, reservados ... Serviço fmof -
Garçons, fiarnbres, bebidas e doces ... Um ambiente "feérico"! - Música, risadas,
palestras, cantoria ...

Festa que haveria de avançar pela madrugada, com os convidados


"rumorejando alegremente" em volta das mesinhas redondas. Luzes, bebida,
conversa e música, tocada por três instrumentistas que tomavam lugar junto ao
balcão. ''F.m meio àquele rumor, tinha-se a irnprensão de se estar em movimentado
estabelecimento de~ cidade" (BARRETO, 1936, p.621). Ao menos, era assim
que o Caré Mineiro era percebido no seu primeiro dia de funcionamento.

Certameme esta seria uma noticia alvissareira para nmitos daqueles


que eiperavam ver o velho e acanhado arraial do Curral dei Rei se trand'onnar
mama bela e moderna Belo Horizorte. F.m meio às obras da capital .. 01 homens
O cofl e a imagem de civilização
17

sonhavam com palacetes. boulnards. murmurinho, luzes. gente e, ainda (como


revela a crônica citada). com as casas de café - todos eles percebidos como
elementos que haveriam de fazer da cidade uma grande metrópole. Sim. cafés
tunbém! Afinal, os melhores centros do mundo eram fartos deste tipo de
estabelecimento, que, na visão daqueles homens, lhes davam um toque mundano,
civilizado, elegante, comiopolita.

No entanto, a presença desse valor, atribuído a estabelecimentos como


os cafés, na construção de um ideal de cidade enquanto centro cultural ou
metropolitano não seria exclusivo de um cronista mineiro de fins do século XIX. Na
Europa ele também poderia ser percebido já no século anterior. como se observa
através de um artigo de BÕDEKER (1990) sobre o surgimento e expansão das
casas de venda pública de café na Alemanha.

Revelando a importância com a qual estes estabelecimentos eram


investidos pela população, o autor assinala que, no ano de 1733, seria elaborado na
cidade de Gõttingen um relatório onde estariam listadas algumas mudanças
"indispensáveis" que deveriam ser efetuadas antes da fundação de sua
universidade, de forma a garantir a ambas um bom desenvolvimento enquanto
centro de cultura e de ciência. F.ntre essas alterações "imprescindíveis", chama a
atenção o fato de ser apontada a necessidade de instalação de wn estabelecimento
de café (p.575). Afinal, para muitos homens daquela época, 01 cafés representavam
o espaço mais propicio para a reunilo pública dos notávei1, para a diwlgaçio das
informações através da leitura de jomai1 e reviltas diveno1, para o florescimerto
do debate.
O co,fi, a imagemde civilização
18

Estas duas pequenas passagens são um bom exemplo para mostrar o


prestigio atribuído a presença deste tipo de estabelecimento nos centros urbanos. Se
a imagem de uma grande cidade, uma verdadeira metrópole, borbulhava em
movimento, cultura, novidade, cosmopolitismo, os cafés pareciam ser espaços
privilegiados dentro delas. As principais referências em relação ao que se
idealizava para a futura Belo Horizonte eram aqueles grandes centros europeus da
segunda metade do século XIX, e nestes, como assinala BÕDEKER (1990), os
cafés já eram vistos como "indispensáveis à toda grande cidade" e mesmo, "à vida
urbana em geral" (p.575).

Se na Europa isto era wna verdade, então, neste caso, nosso cronista
estava certo: para se tomar uma grande capital '' ... falta-nos também o café".
Porém, diriaaindao mesmo cronista:

"Taisnovidadesvirão como tempo,quandodo antigo


arraial restar apenas recordação (...) e Belo
Horizonte,garrida e moderna,for para os mineiros
lllla pdil Pui1."(4).

Isto é, assim que a cidade povoasse suas ruas com gente e


estabelecimentos - e entre esses, com cafés cheios de elegância e vida - ela se
tornaria como os grandes centros urbanos do mundo, como uma Paris em ponto
pequeno. Paris, sempre Paris permeando os sonhos e os desejos de grande parte dos
homens em relaçio àquilo que imaginavam ser a cidade ideal. E nio só para 01

belorizomino1,mas também para outros brasileiros (como 01 paulista,, carioc11 ...),


americanos, talvez mesmo, a maior parte dos homens do planeta (S).
O cafi • a imagem de civilização
19

Mas qual era a origem dessa associação entre a imagem que se tinha
de wn "mundo metropolitano", "civilizado", "cosmopolita", e os estabelecimentos
de café? O que fez o café surgir ou ser tomado como um lugar privilegiado,
destacado dentro do espaço público das cidades (ô)? Algumas explicações para
estas questões podem ser pensadas a partir do acompanhamento e da análise a
respeito da instalação e da difusão desses estabelecimentos no contexto das
cidades.

Tanto no Brasil como na Europa, os cafés começaram a pontuar a


paisagem urbana num período de mudanças profundas que atingiram o espaço fisico
das cidades e também a organização da sociedade. Momento de crescimento e
adensamento dos centros urbanos, de ascenção de uma nova camada social, de
transformações nas relações sociais, nos simbolismos e nos ideais da sociedade. As
páginas seguintes mostrarão o surgimento e a difusão do consumo e dos
estabelecimentos de venda pública do café nos grandes centros europeus e
brasileiros, e alguns aspectos do estabelecimento dessa associação entre as casas
de café e a "civilização". Além disso, mostrarão também, como o pequeno arraial
do Curral dei Rei veria abrirem suas primeiras casas do gênero - a poucos meses
de se transformar na nova capital do Estado de Minas Gerais.

Um modelo de civilização

A imagem que toman os estabelecimertosde café como elementos


capues de inpirnir civilizaçlo e cosmopolitismo ao espaço urbano estava sendo
O c(ifi e a ímasemd, civilização
20

conformada na Europa por volta de fins do século XVII e no decorrer do século


seguinte, com a difusão da bebida entre os representantes da elite e, posteriormente,
com sua expansão em meio às demais camadas sociais e a abertura das primeiras
casas de venda pública do produto. Imagem que começava a se revelar já nos
primeiros contatos dessa sociedade com o chamado "licor de café" introduzido
'
entre os europeus por volta do século XVII, a partir das relações estabelecidas
pelos países desse continente com as sociedades orientais (7).

Inicialmente o consumo do café esteve remito às elites, fascinadas


pelo exotismo e pela excentricidade daquelas terras singulares do leste. F.xotismo
que era revetado nas ocasiões e nos utensílios em que a bebida era servida. Na
França, ao final de uma viagem a Constantinopla, o senhor de la Roque trazia para
Marselha, no ano de 1644, além dos grãos de café, finos objetos usados no oriente
para seu preparo e consumo: '\aças antigas de porcelana de grande beleza e
pequenos guardanapos de mousselina bordados a ouro, prata e seda" (LECLANT,
1951, p.2). Fariam também grande sucesso em meio aos salões da sociedade
francesa, os jantares promovidos por Solirnán Mustafá Raca, escolhido pelo Grão
Vizir de Meca para estabelecer uma embaixada daquela cidade em Paris. Estes
jantares seduziam pela elegància, pela riqueza e pelo extravagante rito do licor de
café servido por jovens escravos vestidos à moda turca (8). No entanto, apesar de
todo encanto e atnçio exercidos por aquela exótica representação em meio aos
franceses, BRAUDEL (1970) 111inat1 a retpeito de111 iniciativa: "A embaixada
fracassou ( ...),ma■ o café teve êxito" (p.208).

Durantewande
parte detse século XVII,o café leria con1idendo wna
rara e can, e por i110,restrita •• malso,u .Ugmt•s.
bebida de luxo, extremamente
O cafl e a imagem de civilização
11

A absorção deste costume oriental pelas cortes européias estaria ligada a uma
imagem de aprimoramento e requinte dos comportamentos sociais. Cercado de
normas e regras, o hábito de oferecer o café nas reuniões era visto como um
refinamento do estilo de vida. A delicadeza e opulência dos utensílios em que era
servido deveriam intluir nas maneiras e nos usos, na sensibilidade, nos padrões de
delicadeza e polidez destas classes privilegiadas. Muitos homens desta época,
veriam esses contatos com os hábitos orientais como verdadeiros motores de uma
grande mudança nos padrões de comportamento. uma verdadeira revolução.
Escrevendo sobre a cultura e a sociedade francesas das primeiras décadas do
século XVIlI, 1-fichelet aporúava:

"Emtempo alguma França conversou tanto e melhor.


Há menos eloqüência e retórica (...). O espírito
cintila, espontâneo. Desta explosão fulgurante, não há
que duvidar que a hom-acabe em parte à afortunada
revolução do tempo, ao grande evento quecriou novos
hábitos. modificou até mesmo o temperamento das
pessoas: o aparecimento do café" (9).

Outros autores também se pronunciariam a respeito dos benefícios


adivindos com o surgimento e a difusão do consumo da nova bebida:

"A corte de Luís XIV se fez notar pela delicadeza das


maneiras, pela fineza do tato, pela elegância dos
gestos. Ela serviu de modelo à F.tropa, e estes
requintes de sensibilidade incorporados i civilização
sio devidos ao café. cabe-lhe esta hoan" (10).

E essa ~ortância atribuída ao café enquamo símbolo de reftnamento


e requinte estariaexpressa nlo apenas nos delicados gestos e objetos Cf.18cercavam
seu consumo: prata, 1eda, porcelana, gemilezas. Outro, sinais também deixavam
O cefé e a imagemde civifüação
22

revelar o valor impresso por essa elite ao hábito da degustação do café. Um


exemplo seriam as telas que retratavam mulheres de certa projeção na sociedade
com suas xícaras de café entre as mãos, como a Condessa du Barry ou Madame de
Pompadour (O~ 1984, p.188), perpetuando aos olhos de seus conhecidos e
admiradores, e mesmo do próprio tempo, uma imagem de prestígio, de elegância e
de graça.

Dos salões da corte o consumo do café se difundiria para as reuniões


das casas burguesas. F.mbusca de distinção dentro de uma sociedade na qual as
relações sociais ainda eram dominadas por elementos e padrões de cunho
aristocráticos, as famílias burguesas adotaram o refinado costume da nova bebida.
Receber em casa em tomo do café tomava-se ato elegante, o que acabou criando
novas formas, círculos e lugares para o contato entre as pessoas. O café se tomava
assim, bom motivo para reuniões mais íntimas, visitas ao meio da tarde, encontros
alegres e divertidos entre grupos de amigos, momentos de distração para os homens
e as senhoras. Como assinala BÕDEKER (1990), ser recebido pela dona da casa
no seu "salão de recepção" faria, cada vez mais, parte do estilo de vida dessa
burguesia das cidades européias (p.572).

A complexidade do novo universo social urbano nascido com a


expansão da burguesi~ transpunha as fronteiras e as fonnas de relacionamento
tradicionais, como a linhageme a vizinhança, característico, da sociedade anterior.
Essas já nlo esgotavam toda I rede 1ociocultur1I dedro dai quais II relações
mmana1 estavam ba■eada1. Uma 1ociedade mais COf11>lexae liberta dai
hierarquiasldig11 abriae1paço pararelacionamento, erire II diferede1 camada,.
A. reunia. sociais ultnp111avamo circulo mai1 restrito e idirno do1 salões da
O c'7,fie a ima6em de civilização
23

corte e dai casas burguesas alcançando o público ampliado e heterogêneo do


espaço da cidade. E, se por um lado, a nova sociedade burguesa quebrou antigos
laços de companheirismo quando, pelas inovações no campo do trabalho,
dissociou antigas corporações, o café e os estabelecimentos de café seriam vistos,
mais uma vez, como elementos de reaproximação entre esses homens, quando, tanto
a bebida como as casas que a serviam, se tomaram motivo e lugar de reunião para
os trabalhadores no caminho entre o traballho e a casa.

Em pouco tempo o uso do café se propagava para as camadas


populares da sociedade. Já em fins do século XVIl e no seguinte, XVIII, como
aponta BRAUDEL (1970), ele era incorporado ao cotidiano das classes operárias,
incluído em seu desjejum acompanhado por pão e leite (p.210). Como reflexo dessa
aceitação do produto e da expansão do consumo nos centros urbanos, começaram a
ser abertas, ainda na segunda metade do século XVIl, as primeiras casas para a
venda pública da bebida. A princípio elas foram, em sua maioria, propriedade de
cafm11rs armênios. F.m Paris, ao lado dos quiosques e de outras casas
e~belecidas, encontrava-se também diversos vendedores ambulantes:

"(...) armenios vestidos à turca e com turbante,


trazendo o tabuleiro pendurado ao pescoço com a
cafeteira,o fogareiro aceso e as chávenas"(11).

Ao lado destes ambulantes, do• quiosques e de outros


estabelecimedos pequenos e 1imple1, surgiram algumas casas que iriam retomar
aquele refinarnemo que cercava o COOIUffio da bebida à época do ■eu aparecimer&o
na Europa.Demre elites o mai1 famo10 seria o Car, Procope, abertoem 1686 em
Paris, à Rue Foissés-Sa~Germain, por Francesco Procopio Coltelli. O esmero de
O cfl/i ~ Q imfl6•"' d~ civilizQ.ção
24

sua decoração já demnciava a influência da imagem simbólica de requinte com que


o hábito do café havia sido anteriormente investido: pequenas mesas de mármore,
.,cômodas e agradáveis", lustres de cristal, paredes ormamentadas com uma
"elegant.e t.apeçaria e, supremo refinamento, com espelhos e vidros" ~G1..ANT,
1951, p.7).

O bom gosto dispensado à ornamentação e organização do espaço faria


do estabelecimento um local digno do encont.ro dos homens de bem e dos
"gowmets". b"tas qualidades, irrepreensíveis para o gosto da época, se repetiriam
nos produtos oferecidos pela casa: atém do café havia frutas em conservas,
framboesas, nozes, sorvete de fiutas e flores, sem contar a grande variedade de
vinhos e licores, aromatizados com aniz, cravo-da-índia, funcho, almíscar e
pimenta (LECLANT, 1951, p.7-8)

Ainda mais atrativo se tomaria este estabelecimento quando da


inauguração na mesma rua, em abril do ano de 1689, da nova sala de espetáculos
da Conuídis Français•. Com ela uma nova clientela passaria a frequentar a casa:
homens de letras, artistas, novelistas, comediantes, preenchendo o ambiente com
alegria, cultura, elegânci~ "coquetterie" ... que marcariam a imagem que diversas
pessoas, nos lugares os mais variados e entre eles o Brasil (como será visto
adiante), criariam sobre as "casas de café". Tamanho sucesso alcançou o Procope
que se tomaria um verdadeiro modelo para muitos outros estabelecimentos
aberto■ posteriormente, quer na França ou em outros países.

Ao ganhar o público mai■ ampliado dai ca1a1 de cafés u finai


maneirai usoc:iada1 a NU con1Umo H difundiram enlre outn1 camada■ da
- O cofl e a imQem de civilização
25

população. Essa expansão de um hábito considerado refinado entre os elementos


da nobreza para a burguesia e outros extratos sociais, remete à análise elaborada
por EUAS (1990), sobre o processo de mudanças nas condutas e costumes da
sociedade ocidental a partir do Antigo Regime. Nascidos em grande parte no seio
das elites como um diferencial de "status", hábitos, regras e práticas de
comportamento foram paulatinamente "imitados", ou incorporados ao cotidiano das
demais camadas, num movimento que seria percebido e considerado como o
"civilizar-se" - entendido enquanto condicionamento ou modelação dos indivíduoii
àquilo que uma sociedade considerava como certo, como educado e que, no caso
da sociedade em questão, significava o aprimoramento dos hábitos, as boas
maneiras, a delicadeza, ent.re outros.

Dessa forma, como revela NEEDEI.L (1993). o desejo burguês de


reconhecimento social passaria, em certa medida, pela assimilação dos costumes da
nobreza (12). Além disso, o mundo urbano, onde as possibilidades de encontro e do
contato ent.re as classes eram mais freqüentes, funcionava como elemento
facilitador da transmissão des~a "cultura dos comportamentos". Pensados enquanto
uma dessas oportunidades é que os salões dos cafés surgem como lugares de
socialização e civilização dos homens, de difusão e aprendizagem daquelas práticas
e regras sociais (13). É isso, por exemplo, que sugere esta passagem de Michelet:

"O cabasé foi destronado.O ignóbil cabaré em que,


sob lnis XIV, a juventudecludbrdava-semire os
tonéis e u proltillnl. Menos canções avinhadasà
noite. Menos grands seign•urs nu ••getu. O b•
elepale • CfJereina a pale~ 1allo mais b•.
tnasf'orma.enobreceos costumei.O nino cio caf6
c--•811«-se com o elatemperança
.. (14).
O cofl , 12 imqem d, civilização
26

Caindo no gosto do público estes estabelecimentos viraram moda em


Paris e em toda a França. E é o mesmo Michelet que sinaliza em seus escritos o
sucesso alcançado por este gênero de comércio:

''Paris tornou-se um grande caie. Trezentos deles estão


abertos ao bate-papo. O mesmo acontecendo com
Bordeus, Nantes, Lyon,Marselha, etc. Observe que
todo boticário vende caie também, e o serve no
bale.ão. Obsetve, ainda, que os próprios conventos se
apressam a tomar parte no lucrativo comércio. No
parlatório, a irmã porteira, juntamente com as noviças
- arriscando-se a ouvir propostas inconvenientes -
oferecem care aos transeuntes"(15).

Um sucesso que se estenderia por praticamente todo o continente. F.m


quase todas as cidades, e em cada wna delas por quase todos os lugares era
possível tomar uma xícara de café. Na primeira metade do século xvm, a
Inglaterra contaria com centenas destes cafés. HABERMAS (1984) afirma que,
ainda na primeira década dos oitocentos. "já existem mais de 3.000 deles em
Londres" (p.48). E assim seria em Francfurt, Viena, Roma, Munique, Veneza,
Leipzig. Berlim. Porto. Nápoles, Nova York, Lisboa . .. cafés de todo tipo e
qualidade se espalhavam pelo mundo. BÕDEKER (1990) assinala que todas as
capitais de distrito da monarquia austríaca possuiam seus cafés no início do século
XIX. Mesmo as pequenas cidades alemãs também contavam com uma casa do
gênero:

"(...) por volta de 1800, havia por exemplo um café na


pequena vila portnáriade Hannoversch-MOnden; e
mesmona muito católicaPaderbom,umavila atrasada
e Udelectualmeate poucoaberta,havia,a.pie tempo,
pelo menos dois cafW (p.j7j)_
O cofl II a imagem de civilízação
27

Essa difusão dos estabelecimentos de café pela Europa se fez num


período em que profundas mudanças ocorriam nos diversos países desse continente.
Momento de transformações econômicas , culturais , de um crescente adensamento
populacional, de deslocamentos nas esferas de poder, nas formas de interação entre
os homens, na organização da sociedade. Mudanças que incindiram sobre a cidade
e revelavam, quer através de sua expansão espacial, quer através de novos lugares,
os novos usos, novas imagens que elas passaram a oferecer. É no contexto deste
conjunto de alterações que estes estabelecimentos são normalmente abordados.

F.m vários dos autores que analisam as casas de café que pontuaram o
continente europeu, esses estabelecimentos aparecem como um dos indicadores de
toda aquela gama de mudanças que atingiu a sociedade no decorrer dos séculos
XVIl e xvm. Ou, mais especificamente, o hábito do consumo do café, seja em
ambiente privado ou público, é apresentado como uma das formas pelas quais é
possível notar o processo de dissolução da sociedade de ordens e das
transformações sociais e culturais que a acompanharam (16). A nova bebida criou
outros gnipos, formas e lugares para o contato e a troca social entre os homen5,
burgueses e familiares inicialmente. extendendo-se mais tarde aos outros estratos,
transformando-se, por fim. em uma "instituição" da vida urbana. Esses
estabelecimentos de venda pública de café passaram a substituir alguns dos
fonnatos da vida associativa aristocrática reinante até então, como por exemplo, os
salaes patrocinados pela nobreza (17).

Entre os autores que defendem esse tipo de abordagem está


SENNETT (1988'), em liwo onde discute as rn.adança1 que se operaram no
compo,tamellto e nos domioio■ da vida pública e privada dos indivíduos a partir
O cofl e a imagem de civilização
28

dos séculos XVIl e XVDI até os nossos dias. Como em outras análises, neste
trabalho a sociedade do antigo regime é apresentada enquanto uma formação
profundamente fechada e hierarquizada, onde os comportamentos em público são
ritualmente ordenados e a troca social entre os diferentes estratos é bastante
restrita. Cada pessoa ou objeto era classificável, possuindo um lugar determinado
dentro de urna ordem natural. Isto significava a existência de um esquema pré-
concebido, dado de antemão, organizando a sociedade e as relações que se
estabeleciam em seu interior. Havia entre a camada burguesa um desejo de
ascenção ao "status" social da nobreza, de participação no intercânbio do mundo
social fechado da corte e, por isso, um certo empenho em ocultar as mas origens.

Nessa época, a vida associativa e a sociabilidade urbanas ainda


estavam dominadas pelas normas aristocráticas (18). Eram os salões literários, o
teatro patrocinado, os acontecimentos festivos em torno do rei que dominavam a

vida pública. Porém, a ascenção do capitalismo e as transformações e revoluções


que ocorreram no decorrer dos séculos XVll e XVIll, surgiram como promotores
de mudanças nessa sociedade. A expansão da nova ordem econômica se fez
acompanhada pela ampliação e desenvolvimento urbano. A cidade cresceu
habitada por grupos diversos e isto si~cou um alargamento das possibilidades
de encontro entre pessoas estranhas e, também, das relações ou redes de
sociabilidade que elas pudessem estabelecer.

Novos preceitos sobre o comportamemo em público, sobre as atitudes


que eram considendu civilizadas e elegaru1 pa11anm a regulu o contato entre 01

indivicllos, noa salões. teatros, rua• e puques. Se no periodo menor a procedência


das pessoas desempeniava wn papel de ~• nesse irurcâmbio, noa novos
O co,/i, a íma6"" de civilização
29

padrões de comportamento ela estaria oculta. Além das mudanças na forma como o
contato se dava e era percebido pelos indivíduos, no modo de estar em público e,
também, no próprio público (alargado a novas camadas da sociedade), outras
esferas da vida humana seriam atingidas. A nova ordem econômica agia também no
âmbito da vida material, fazendo com que certas "marcas públicas" da velha
sociedade fossem perdendo suas "formas distintivas", como exemplifica
SENNETT (1988) no que se refere ao vestuário (19).

F.m relação à interação entre os indivíduos:, as transformações que


atingiram as cidades promoveram um incremento na vida pública. Outras
instituições foram colocadas em evidência, seja para o debate político, intelectual,
o encontro de negócios, a diversão ... , enf'un, novos ambientes para o exercício de
uma nova idéia de "civilidade" - novas formas de conduta, de comportamento,
polidez e boas maneiras em público, diversas daquelas predominantes na sociedade
de corte. Entre esses novos lugares estavam: parques e boulnards construidos ou
reformados, que acolhiam um público ampliado para passeios à pé ou de carruagem
- lugar para se ver e ser visto. Os clubes, com um número de participantes restrito
em função da seleção dos sócios, espaços onde novas normas regiam discussões
de assuntos variados e que também garantiam as condições para aquele que
desejasse ficar só, em silêncio. E até mesmo alguns salões, emancipados da
dependência econômica dos mecenas passariam a proporcionar ocasiões de um
com.ato mais estreito entre camadas sociai1 diferentes. Como assinala MANNHEIM
(1974), erwre esses chamados "salõe1 do Terceiro Estado" estavam o nlio de
Mme. de Geof&i.m, filha de um val.« a chamb,w, o de Mme. ela Detfanckad(fie,
inclusive, "carecia de meios pan oferecer um jantar 101 seus convidados• (p.108).
O coji e a ima6em de civilização
30

Entre esses novos lugares que se tomaram palco de uma nova


sociabilidade. os cafés alcançaram um considerável destaque. Mais flexíveis e
informais que os clubes em relação ao público que reuni~ proporcionando
encontros mais próximos e íntimos e menos fugazes que aqueles que se davam nos
parques e nos boulnard.r, com uma regularidade de funcionamento e espectro de
assuntos muito maiores que os salões. os cafés se consolidaram como espaço
social importante dentro do novo ambiente que era criado nos centros urbanos em
função das mudanças (fie foram apontadas anteriormente.

Inseridos nesse novo contexto vivido pelas cidades. os cafés se


tomaram palco privilegiado na observação das novas práticas, relações e novos
símbolos gerados conjuntamente às transformações da sociedade. As cidades dos
novos tempos ampliaram os horizontes dos homens, libertos de muitas amarras do
Antigo Regime. Nelas, uma vida secular e impessoal, desenraizada do espaço
restrito da fanúlia e das corporações de trabalho, e uma mobilidade social e
espacial mais livres determinaram relações desconhecidas, incont.roláveis e
truwitórias. que propwiham novas experiências e, diante dessali, novas atitudes
emocionais.

É desses deslocamentos e dessas novas atitudes por eles forjadas que


surge uma nova cultur~ urbana e burguesa. As transformações que vinham
oc01Tendo desde o Adigo Regime, em decorrência das quais a cidade passou a
assumir !Vadativamem.e as funções de centro da economia e da política, se
ex1eodenm também ao âmbito cultural. Dizendo melhor, esta■ tnnsfonnaçõe1
foram gestada■ em ce>n_judonestes diferente■ âmbit011da vida humana, influindo e
sendo influenciadas uma• pela■ outra■. A noção de cultura (fie fundamenta esta
O cofl , a imas,m de civilização
31

afirmação é dada por WILLlAf\.1S


(1979), que toma a cultura enquanto um
"processo social constitutivo" (p.25), que, se envolve valores e simbolismos dos
homens, também está envolvida no meio material no qual esses mesmos homens
estio inseridos. Nesse sentido, a cultura não se define exclusivamente por idéias,
artes e simbologias, mas, a partir delas em relação ao cotidiano material e espacial.
Isto é, a cultura não se limita a comportamentos, acontecimentos, instituições ... ,
"ela é um contexto, algo dentro do qual eles [ comportamento, acontecimento,
instituições ... ] podem ser desa·itos de fom1a inteligível" (20).

Assim, se a cultura envolve significados, atitudes, valores,


simbolismos, representações mentais e materiais produzidos pelos homens, e se
esse é um processo dinâmico, um "processo social constitutivo", como afirma
WilllAMS (1979), é possível pensar a cidade moderna como espaço de uma
cultura diferenciada, constituida a partir, e ao mesmo tempo constituinte de um
modo de vida diverso. E, enquanto palco dessa cultura diferenciada, a cidade
moderna apresentaria inúmeros cenários, nos quais se divisava a criação, difusão e
o exercício de práticas culturais. Jornais, revistas, clubes, os salões burguesesj
parques, boulevards, cafés... - veículos, espaços e instituições através dos quais
estas práticas se afumavam e se expandiam pela sociedade.

Cenários dessa nova cultura, estes espaços seriam cenários também


para a noção que dela [a cultura] tinham os homens desse período: o civilizar, a
cortesia, o reísna.rnedO, o cultivo da• maneiras, da■ idéias, do espírito. Esta
identificação entre cultura e civilização, entendido■ como cultivo intelectual e do
comportamedo social eDCfJadOresultado de um processo de emcaçio ( do■ modos
e da mente) marcou p-ol\andalnede esse periodo. Por exemplo. ao questionar a
O ca,fee a imagem de civilização
32

respeito do significado do conceito de civilização predominante entre seus


contemporâneos, ~abeu escreveu:

"Se perguntar à maioria: F.mque consiste para voces a


civilização? Me t-esponderiam: - A civilização d.eum
povo é a suavização das maneiras, a urbanidade, a
polidez, e a difusão dos conhecimentos( ...}" (21}.

Essa visão de cultura e civilização como termos intercambiáveis ainda


era persistente durante o século XIX.como revela l..EACH (198.5). Abordando o
desenvolvimento do conceito de cultura, ele aponta que, por volta de 1870, alguns
estudiosos continuavam partilhando a noção de cultura como:

"uma variedade característica da moralidade e da


sensibilidade estética disciplinadas e nobres, a qual
constituía atributo exclusivo do homem culto (ou seja,
bem-educado) e que qualquer indivíduo do sexo
masculino da Europa ocidental, oriundo da classe
média deveria presumivelmente ter adquirido como
resultado da sua educação cristã" (LEACH, 1985,
p102).

Este conceito de cultura era, ainda, uma expressão da auto-imagem da


burguesia urbana. O que ele representava era tudo aquilo que essa burguesia queria
ver e, ao mesmo ~. que fosse visto em sí mesma: ou seja, uma classe culta e
civilizada. &a assim Cfl4!ela queria parecer aos seus olhos e aos dos outros. Os
elementos que conformavam essa auto-imagem guardavam hennçu da sociedade
aristocrática. Segundo ELIAS (1990), entre os membros da nobreza a auto-imagem
era expressa pelos conceitos de polit•ss• e cl.vllit'. F.nm eles (fie definiam e
(flalificavam o cari&er •especifico do seu próprio comportamtdo• e. também,
determinavam o packlo através do qual •comparavam o refinamemo de aaa1
O cafl e a imti6em de civilizaçQo
33

maneiras sociais ( ...) com as maneiras de indivíduos mais simples e socialmente


inferiores" (p ..54). EUAS afuma que não havia antíteses entre alguns dos diversos
conceitos e idéias da classe burguesa em relação aos da aristocracia:

"(...) os membros da em~ intelligentsia da


classe média situam-se na França parcialmente no
círculo da corte e, assim, na tradição aristocrática da
corte. Falam a língua desse círculo e a desenvolvem
ainda mais. Seus comportamentos e emoções são, com
algumas modificações, modelados segundo o padrão
dessa tradição"(p.65).

&am o refinamento, a polidez, os símbolos de cortesia da nobreza,


articulados às idéias de valor e virtude, que informavam o ideal burguês de
civilização. Reelaborado ent.re a burguesia, esse ideal ultrapassou o indivíduo, ao
incluir as noções de razão, progresso e aperfeiçoamento. No início do século XIX,
as nações européias consideravam que esse "processo de civilização" já estava
concluído em suas sociedades, e então, elas deviam assumir o papel de "porta-
estandartes" dessa civilização para o resto do mundo.

Elitista, esta noção sobre o que era ser civilizado, acabou por tomar
persistente também, a imagem da cidade enquanto local de civilização,
identificando cultun e urbanidade em oposição ao nístico, ao natural, ao
provinciano (22). RONCAYOLO (1986) aponta que na tradição clássica da Europa
a cidade já aparecia como "lugar da cultura". Essa seria uma idéia presente
também em alguns estudioso• dai cidade■ em íans do século XIX e nas primeiras
décadas deste. RONCAYOLO (1986) afirma que O. Spengls [1918-22)
comiderava (fie "todu u culluru nasceram na cidade e que a história do rmmdo
(oposta i da lunanidade como espécie) [en) a história dos citadinos" (p.422).
O cofl, a imagemd, cívílizaçio
34

Outro autor citado por RONCAYOLO é R. E. Park (192.5], um dos fundadores da


ecologia urbana da escola de Cbicago. F.m seu pensamento é poHivel encontrar
novamente o mesmo tema, sendo que a cidade é considerada, em última análise, "a
sede natunl do homem civilizado" (p.422). Pensados nessa perspectiva, e
considerando os diferentes aspectos discutidos acima, cidades e cafés podem e
foram tomados como lugares de civilização, cenários e contextos onde modas,
comportamentos, valores ... eram gerados e difundidos.

Atendendo aos anseios da nova sociabilidade e modelando-se à


imagem do Procope, rmitas cidades passaram a contar com sua casa de café "chie"
e elegante, o chamado "grande café". Normalmente, este era o maior e o mais
refinado estabelecimerto de venda pública da bebida aberto à população. Como
uma das características principais, o esmero na decoração: luminárias, espelhos,
painéis, porcelanas, mármores, couro, madeiras raras ... Certas casas ofereciam
também grande variedade nas opções de entretenimento, algumas veus salões
exclusivos para determinadas atividades, como os jogos, a leitura, ou consumo do
tabaco.

Tamanha exuberância tinha sua razão de ser: representava o ideal


metropolitano e cosmopolita que havia no seio das camadas superiores, em relação
a sí mesmas, ao seu comportamento, seu estilo de vida, e às suas próprias cidades.
A diversidade, a universalidade, o movimento, o desconhecido, experiências
irumeráveis e excitarus c:pJe eram vista, como característica■ distintiv11 de
wancSes
cemro1, tomaram-se paradi!Jlla pan a elite de outra■ vária■ cidade,. A
ostemaçio preseru nesses estabeleci.memollde cúé .. uma fonna de moatrar a 1í
e aos demais, qulo civilizada, apurada no, hibitot e no, valores era uma sociedade
O c(l,/ita í"'agem de civilização
35

- nos moldes de Paris e Londres. Esses cafés funcionavam mesmo como uma
verdadeira vitrine, onde se expunha o modo como os homens queriam ser vistos, e
aquilo que gostariam de ser:

"O viajante experimentadoe fino chega a qualquer


parte: entra no café, observa-o, examina-o,e tem
conhecidoo país em que está, as suas leis, os seus
costmnese a sua religião"(23).

Como sugere a opinião expressa acima, através de um pequeno exame


nas instalações, no ambiente e nos serviços oferecidos por um estabelecimento de
café, era possível julgar o grau de cultura, de requinte e, por que não dizer, da
civilização presentes na vida de um detenninado centro urbano. De certa forma,
essa mesma idéia estará presente em algumas das principais cidades brasileiras,
especialmente durante a segunda metade do século XIX, quando, através de
variadas transformações em sua sociedade e em seu espaço urbano, elas buscariam
se igualar e imprimir ao país, a vida, o desenvolvimento, o progresso, enfim, o
cosmopolitismo e a civilização daquelas grandes cidades européias: Londe5, Berlin.
Paris, Viena ...

O Brasil e a civilh.ação

O século XIX marcou uma época de ~ rmdanças pan a


sociedade bruileira cp!, aindanasprimeiras décadas, transpunha a velha condição
de colooia portuguesa para a de uma naçio independente. Duranteeue periodo
ocorreram trutormaçae. variadas, CfJe atinsinm 01 rúveis mais diversos desa
- O cefí , a im1211m
de civilização
36

sociedade, as suas instituições, a sua economia, sua cultura e seu estilo de vida,
entre outros. Na segunda metade do século novos fatos vieram agir de fonna a
extender e a aprofundar essas mudanças, como por exemplo a abolição, a
imigração, a instauração do regime republicano, o comércio e o desenvolvúnento
de uma incipiente indú~ia. Essas mudanças produziram consideráveis reflexos nos
centros urbanos brasileiros, em alguns de uma maneira intensa e abrangente, em
outros de uma forma mais branda e lenta, e por isso, às vezes menos visívei~
reflexos que também seriam observados em relação às casas de venda pública de
café existentes em certas cidades do país.

Assim como na Europa, esses estabelecimentos de café também seriam


vistos em meio à sociedade brasileira, como símbolos de civilização, especialmente
a partir do último quartel do século XIX. Porém, pelo que revelam as noticias de
viajantes e de escritores, as primeiras casas do gênero aqui abertas eram por
demais destoantes da"1elas que haviam se convertido nos principais modelos de
café do continente europeu (como era o exemplo do Procope). F.nt.re as
infonnações mais antigas que diz.em respeito ao consumo do café em casas
comerciais abertas ao público no país, constam algumas referentes à cidade do Rio
de Janeiro e que datam da segunda metade do século XVIll. Fm seu livro sobre a
história do café, OUVEIRA (1984) apresenta, a partir dos dados extraídos de certos
almanaquescariocas desse período, uma listagem de alguns estabelecimentos
denominados "cafés" entre um universo de botequins e tabernas abertos nessa
cidade.

Seguindo e1N1 dado• ele apora: para o ano de 1792 foram contadas
trima e mu cau1 ele car,
nac,iela capital. Em 1794 havia vinte e seis caH1 de
O cefí , a lmqem d, civilização
37

café e licores e, em 1799, quarenta lojas de casas de café. Para este último ano,
porém, o número de tabernas listadas na cidade era muito superior, cerca de
trezentas e trinta e quatro (p.361). No entanto, apesar de constarem nesses
almanaques sob rúbrica diferenciada, é diflcil tentar detenninar distinções precisas
entre estes estabelecimentos, principalmente pela falta de descrições que nos
informe melhor sobre o ambiente e também, os produtos que eles ofereciam (24).

O mesmo autor apresenta ainda, notícias sobre as casas de café na


cidade de Salvador, tomando como referência o depoimento do comerciante inglês
Tomas Lindley, do ano de 1803. Registrando suas impressões sobre a cidade,
Lindley menciona os "inúmeros" estabelecimentos, existentes "em todas as ruas",
desde que, como salienta, ...

"(...) se possa conferira dignidadedesse nome a uma


casa suja, em cuja parte da :&entese alinhamalgumas
mesas e bancos,havendo,nos fundos,uma espécie de
bar. E nelas se distribui um líquido nojento,
denominadocafé, que se torna aindamais repelente à
vista do fato de servidoem copos"(2j)_

A qualidade das casas de café instaladas no Rio de Janeiro na segunda


década deste mesmo século, não seria lá muito diferente de suas similares baianas.
Uma visão sobre esses estabelecimentos é apresentadapor dois viajantes
prussianos de passagem pela cidade no ano de 1819. Através das descriçaes e
opiniões expre11a1 por arnbot, é po11ível conhecer um pouco a respeito das
instalações e dos serviço• of•ecido1 por eua■ casas. Como aponta OUVEIRA
(1984). 01 prussianos foram bulante "impiedo101" no eeu julgamento:
O cofl, a imQ61m de civilização
38

''Devido às mwens de moscas que se eocomram nos


cafés, nenhum estrangeiro pode neles demorar-se.
Mais familiarizados com esses insetos, os brasileiros
suportam-lhe melhor o incômodo; pelo visto estão
conformados com a sua presença diária,entra ano sai
ano( ...). F.xistemtambém cafés com bilhares. [O caie
é servido em porções e] (...) consiste ela de uma
cafeteira de tamanho regular, servida com açúcar não
refinado, leite que mais parece água, e pão francês
com manteiga um tanto rançosa, de procedência
inglesa( ...). " (26).

O preço a ser pago por essa "porção de qualidade inferior" era de


quatro vinténs. Além dela, como revelam os dois viajantes, esses estabelecimentos
de café também vendiam limonada, bebida feita "não com os limões verdadeiros,
mas de outra espécie", considerada por eles tão "indiferente" camo a laranjada,
"que logo azeda com o calor". Acostumados àqueles elegantes cafés europeus, não
é dificil entender a decepção, o tom crítico e maledicente desses estrangeiros em

relação às casas de café do Brasil.

Como deixam perceber essas referências, nlo havia nenhum luxo ou


requinte, seja no ambiente ou nos serviços que eram prestados nos
estabelecimentos de cúé dessas duas cidades na virada do século XIX. Apesar da
importância política e comercial, o Rio de Janeiro e Salvador não possuiam os
atrativos e a agitação c::plese verificava nos centros urbanos europeus dessa época,
com seus clubes, praças, os cafés elegantes ou o movimento incessante das
temporadas de teatro, por ~lo. A nova e a velha capital da colônia portuguesa
~ ao conlririo. dominadas por ruelas estreitas e sujas. ocupadas na maioria das
veza, por esaavos em NU■ afaz.eres diário■. A rua ■ipiflcava mesmo uma
ameaça.npaço do inpevi■ivel, do incontrolado, do perigo (27).


O c4' • tl imq~m d• civiliHção
39

Numa sociedade como a brasileira, cuja origem era marcada


predominantemente pelo espaço rural, a vida social em espaços públicos era
bastante restrita. F.ntre as camadas mais ricas ela estava circunscrita ao ambiente
doméstico das fazendas ou às temporadas e aos salões aristoaáticos das grandes
vilas e da Corte. Nos centros urbanos, a maior parte das casas de repasto e venda
pública de bebidas em funcionamento não passavam no que se refere ao quesito da
qualidade, de simples botequins, congregando, em sua maioria, os representantes
das camadas populares.

No âmbito doméstico o café já era um artigo de consumo desde o


século XVIll. No decorrer do século XIX a bebida tomou-se um hábito entre as
famílias das diversas camadas sociais, com a implantação e expansão das grandes
lavouras e a conseqüente baixa no preço. O café era servido no desjejum,
acompanhado de leite e quitandas várias. Nas mesas menos favorecida■ era
costume serví-lo com "angú", ou então, engrossar a bebida com farinha de milho ou
de mandioca. Também era comum o consumo de uma xícara de café após as
refeições como digestivo, fora outros usos que se fazia da bebida enquanto
medicamento - na cidade de São Paulo, ele seria vendido como artigo de boticário a
wn preço elevado até o início dos anos de 1900 (28).

Seu consumo acabou por se incorporar às regras de sociabilidade


dessa sociedade, chegando até os dia■ atuais. Em Minas, aponta Daniel de
Carvalho, assim como em outra■ parte• do pala, of•ecer o cúé recém-coado às
vi1ita1 passou a represaar uma manifeltaçio de holl)italidade:
O ctql, Q /1"Q6"" d, civllízaç3o
40

"Nio oferecer cm constituio cúrrwloda indelicadeu


e da somitiquice.Recusá-lo importanuma desfeita aos
donos da cua" (29).

A este respeito, FRIEJR.O (1966) menciona que, em meados do século


XIX,

''Na cua mineira não se deixa sair o visitante sem que


lhe ofereçamuma xícara de cm - elo de cordialidade
e convivência social" (p.73).

Na segunda metade do século XIX.o costume de consunúr uma(s)


xícara(s) de café durante o transcorrer do dia. havia se estendido também ao
ambiente do trabalho, institucionalizando tanto nas repartições do governo como nos
diversos serviços privados a ''hora do cafezinho". Abarcando proprietários, chefes,
até os funcionários menos graduados, o hábito do "cafezinho" se transformaria em
uso comum. Este era um momento de relaxamento, de fugir das tensões e dos
assuntos do trabalho, de conversar sobre temas os mais vuiado1, um momento de
descontração, de reaeação. Muitos empregados, mesmo tendo a bebida à
disposição no local de trabalho, saiam 1iozinhosou em pequenos grupos até o café
mais próximo, onde, além de consumir uma ou outra xícara da bebida, permaneciam
muitas vez.es em demoradas convttsas, aproveitando para consumir, também,
alguma, dai "interminávei1" horas de trabalho.

Erue 01 ilustre• represeramn legislativos da capital do pai■ o cú'é


«a, mai1 urnavez, um cottume e tambémum convite i paleltn • ao debate. Tamo
o Senado como a Clrnara, como afuma Humberto de Campoa, coravam com ma
"ala do café", o lugar ...
O cfl/i • a /ma••"' d• civilização
41

"( •••) em queseformamospatins, que se aplainamas


dificuldadespolíticas, que se resolvem as questões
nacionais. A sala do café delibera, o plenário
confirma"(30).

Verifica-se assim, a incorporação do consumo do café dentro de outros


espaços e em outros momentos da vida cotidiana da população. Por conseguinte,
por volta dos anos de 1870-80 já era possível encontrar na cidade do Rio de
Janeiro, estabelecimentos para a venda pública de café de bom nível, organizados,
asseados, e mesmo, com ares de refinamento e elegância. Eisa transformação teve
lugar durante o decorrer do século XIX, e buscou inspiração nos diversos modelos
dos cafés existentes no velho continente europeu, principalmente naqueles da
cidade de Paris, como se percebe através de alguns dados apresentados por
OUVEIRA (1984) e GOMES (1989). Além de aumentarem em mímero, várias
casas cresceram também, no que se refere ao nível da qualidade dos seus serviços
e do próprio ambiente, perdendo pouco a pouco aquele ar de botequim
desqualificado com o qual haviam s:idocaracterizadas;pelos vis:itantes estrangeiros.

Cuidados com a decoração, com os produtos e com o atendimento


eram, então, uma forma de tentar agradar e manter a freguesia. Garçons, "joMrnaMX

/rançais, aaU.w ca.lf,, bonns bim, bill.ards'., "passatempos ao estilo


parisiense", era o que o Café de la Rlade oferecia aos carioca, em anúncio no
Jornal do Comércio emjulho do ano de 1871 (GOMES, 1989, p. 106). O desejo
de aproximar-se,de eapelhar-1eno1 eltabelecimemos mai1 famo101 do velho
nundo, em eapecial da França,nlo N restrinpia apena■ aomserviçom poato1 à
cüposiçlo da clierâla. TambémOI nomesdado• a rooita1 das casai de café (fie

estavam iflllal1da1na capital do paltl refletiam esn filiaçlo, esn busca de


- O c4i, a /ma11md, clvllizaçlo
42

identidade. Um pequeno levantamentosobre os estabelecimento1 em funcionamento


na cidade do Rio de Janeiro, entre meados do século XIXe inicio deste, é capaz
de revelu essa influência: Café Cercle du Commerce, Café de Alsace et
Lorraine, Café de La Belle Hélene, Café de La Bourse, de La Galté, Troyon,
Criterium, Espaíia, Londres, Paris ... (31).

Paris que en durante essa segunda metade do século XIX, entre a


~ maioria dos membros da elite brasileira, o símbolo máximo do
cosmopolitimio, do moderno, da civilização. Mas essa influência francesa nos
hábitos culturais e nos sonhos dessa camada da população teria raize5ijá no início
dos 1800, com a transferência da corte portuguesa para o Brasil (1808-1821) em
função das invasões napoleônicas na Europa. A vinda da família real promoveu
mudanças nos comportamentos e gostos da sociedade. Mudanças que atingiram,
inclusive, o espaço urbano da cidade do Rio de Janeiro, que entio sofreria as
primeiras intervenções, inspiradasnos melhores centros do continente europeu.

Pavimentação e iluminação de ruas, aterros, edificios, chafarizes, além


de um novo bairro residencial - a Cidade Nova - foram construidos para maior
comodidade da nobreza. Como assinala NEFDEU. (1993, 17~-178), a abertura dos
portos, provendo o mercado de artigos de luxo originários do outro lado do
Atlântico, a aiaçlo da Biblioteca Nacional, da Escola de F.ngenharia Militar, do
Jardim Botinico entre outros, e a presença da Mi11lo Artittica FnnceH em 1916,
além de comribuirem pua o •pro!Vestoe ecmcaçio" da cidade e de IUI populaçlo,
fonm também elemelltol ~ na fixaçlo do■ 1imbolo1 cultuni1 francese,
em meio 110Ciedade carioca, e por mendo, bn■ileira.
O ca/11 a ;,,,ag,m d, cívilizaç3o
43

lncindindo sobre a cultura e a vida, gostos, comportamentos e os


sonhos dos membros da corte, esta influênciafrancesano Brasil acabou por se
extender, nas décadas intermediárias dos anos de 1800, às casas de café, que
passaram a exprimir uma maior preocupação com a decoração e os atrativos
oferecidos à clientela. Se durante os séculos XVIII e XIX, conformava-se na Europa
a imagem dos cafés como símbolos de uma sociedade metropolitana, moderna e
cosmopolita, em meados do século XIX e início do XX, essa mesma imagem seria
reprocklzidapelos grandes centros brHileiros, no seu desejo de atingir o rúvel de
desenvolvimento das melhores cidades do velho continente, no seu anseio de
civilizar-se.

Porém, o aescimento no número e as melhorias no que se refere à


qualidade do serviço e do ambiente que os estabelecimentos de café ofereciam à
população nesse período, também estavam em consonância com outras diversas
1mdanças que pontuanm esse século XIX - uma época de importantes e de
pofundas transformações no âmbito da sociedade brasileira.Algumas cidades
conviviam com o aurnedO crescente das camadas médiu urbanas: profiHionais
liberais e do comércio, e funcionários públicos. A instalaçio do Império e, mais
tarde, a proclamação da República, contribuiram para um aumento da burocracia.
fazendoconsequentemeru crescer e diversificar a populaçlo em vários centros
uroanosdo pais. Com novas e mai1 complexas funções, e com a expanslo das
necenidade1 e dos serviço• a serem oferecidot i essa populaçlo, rmito1 destes
cedros creaceriam em importância,
tomado-te mai1 atrativo, pva diferente■

■etoru ■ociail.
O cq/1, 12 lma6"" d, civilização
44

No entanto, é certo que estas alteraçõe1 se deram de forma gradual,


enquanto um processo que se tomaria mais acelerado no final do século XIX.
A.final,se muitas pequenas cidades e vilas do pais vivenciaram grande parte dessas
transformações - transformações que tiveram um papel de importância na
afinnaçio dos cervos urbanos como espaço de domínio político, econômico e
social, e que, mais tarde, chegariam a suplantar em algumas regiões, a antiga
ascendência e organização da sociedade em bases rurais - é necessário considerar
que outras divenas cidades e vilas permaneceriam praticamente estacionadas nos
mesmos moldes em que se encontravam.

É exercicio perigoso tentar faz.er generalizações neste aspecto para o


Brasil como um todo. Regiões tão diversas, que apresentavam realidades tão
específicas, possivelmente acabariam seguindo ritmos de desenvolvimento e de
transformação diferentes. Exemplo dessa afumaçio era aquele acanhado arraial
do Curral dei Rei, a futura Belo Horizonte. Entre 1880-1890, segundo afirma
BARRETO (1950, p.37), o lugar contava com quatro mil habitantes, oito ruas,
cento e setenta e duas casas de residência e dez.esseis estabelecimentos comerciais,
entre os quais não se incluía sequer uma casa de café.

Considerando as transformações que se processavam em alguns


centros urbanos do paí1, aquele era um arraial como que perdido no terq>o, e que
só tomaria comato com ena• nudança• quando nele viesse se imtalar, na última
década do aéculo XIX, a comiHlo encarregadado■ trabalho• de construçlo da
non capital,. tnzmdo judo I IÍ um séquito de tnbalhadore•. Aqui porém, nlo
haveria apena mm idavençlo com o iduito de sanear e ordenar 1 '\-ede urbana•
exist.ede. Ao COdlmo. 1 COClltruçlode Belo Horizome -suiu uma pritica de
- O e~ • a lm(Jllnt de civilizaçilo
45

"terra arrasada", nada do que constava do velho arraial - ruas, praças, edificios -
estava presente nas plantas e croquis apresentados pela Comissão Const.rutora. O
adjetivo de moderna, com o qual se queria qualificar a capital, passava, em certa
medida. pela idéia do novo: uma nova cidade (sem passado), nascida da
instauraçio de um novo tempo (a República) voltado para o progresso, o
desenvolvimento, o futuro (32).

Na mai« parte das outras cidades do país que vivenciaram essas


trandormações no âmbito do espaço urbano e de sua sociedade, essa preocupação
com o saneamento, a ordenação e o progresso da malha urbana, tomaria forma
através das chamadas ações "reformadoras" do poder público. Isso quer dizer,
intervenções que tinham como objeto apenas uma determinada região, uma área
delimitada do espaço, e que, por mais destruidoras que pudessem ser, acabavam
mantendo vários dos lugares e dos aspectos da antiga cidade. Isto é, wna
intervenção localizada, daí ser chamada de "refonnadora", e não "criadora" do
espaço, como seria o caso da capital mineira. Exemplos desse tipo de ação
"reformista" são as mudanças ocorridas no espaço urbano das capitai5 do Rio de
Janeiro e São Paulo na passagem dos séculos XIX-XX (33).

Se é possivel pensarmos numa contemporaneidade entre as diferentes


modificaç~es das quais essas cidades foram palco, esta, certamente, estava
relacionada a um novo momento da organizaçlo politica, econômica e social vivida
por elu: a recém-inaugurada república, a inmstria incipiente, o crescimento e a
divenifícaçlo da■ camadas 10ci1i■. Um momento 'fl• foi percebido erue n1ito■
como decisivo para o desenvolvimeru do pai■, um teq>o em (fl• estavam sendo
O cefl , a imqem d, civilização
46

dados os primeiros passos da nação brasileira rumo à modernidade. à civilização.


ao progresso.

A.lém de estarem inseridas nesse conjunto de transformações internas,


estas intervenções podem ser inscritas ainda, num movimento de espectro mais
amplo: o da reordenação das grandes cidades apoiadas em debates sobre a
organização e as reformas urbanas que afloraram na Europa durante o século
passado. ~ transformações implementadas nas cidades de Viena ou Paris são um
exemplo e se constituiram em modelos importantes que inspiraram alguns planos
propostos por reformadores no Brasil.

Provavelmeme, a reforma urbana de maior destaque neste período, foi


a que teve lugar na àrea central do Rio de Janeiro na primeira década dos anos de
1900. Fundamentada em princípios higiênicos então em voga. esta reforma buscava
se justificar na necessidade "indeclinável e inadiável" de sanear a capital da
República, afim de garamir seu progresso e desenvolvimento, corno afirmava o
escritor Joio de Barros no ano de 1904:

"O estraogeiro que aqui desembarca( ...) leva de sua


rápida visita à nossa desprovida cidade uma triste
idéia de todo o nosso pais( ....). Proctrar tom.- o Rio
de Janeiro, pois, uma cidade moderna, confortável e
civiliz.ada,é a necessidade indeclinável e inadiável
do nosso problema econômico"(34).

NEE:>FIL (1993) chama • atenção pan o siFificado atribuido pela


elite carioca, e por que nio dizer bn■ileira, ao termo dvllbaclo cb-ame •-
periodo: •uito j 1
awopeu•, em especial, &anel•. E foi essa ~va &ancófila do
lipiftcado de cmlizaçlo CfJ4Iinapirou a reforma urbana da qual aeria palco a
- o cfl/i I a ,,,,121,,,, d, cívílizaçlo
47

cidade do Rio de Janeiro no início do século. O trabalhode elaboração do


pro~a de obras chamado "Fmbelezamentoe Saneamento da Cidade" pelo entlo
prefeito da capital carioca, o engenheiro Pereira Passos (1903-1906), foi
profundamente influênciado por sua formaçlo de orientaçio francesa, revelando
também, a presença de diversos princípios utilizados pelo Bario de Haussmam
para a reforma de Paris em meados do século passado (35).

Rasgando avenidas, pavimentando, iluminando, arborizando,


construindoedificios, rede de esgotos, dispondo rewas a respeito do funcionamento
do comércio e do uso do espaço, Passos criava uma nova cidade, bela e civilizada,
a altura dos melhores exemplares europeus, como desejavam e acreditavam os
sonhadores brasileiros. Descrevendo a cidade nesse período, CHAlllOUB (1986)
cita o seguinte artigo do jornal Correio da Manhãde 1906:

''Toda a cidade rebemava,a mn só tempo, numa


explosãobenditade trabalho(...). Mu o ck-.Pereira
Passos venceu.(...) Ruaslargas,avenidassem fim,
eolreauzaodo-se,prédios novos, altos, verdadeiros
palácios.É o deslumbramento"(36).

Porém, o prefeito não apenas tomava o Rfo de Janeiro mais belo no


seu espaço urbano, ele acabava por elitizá-lo também. As diversas demolições
realizadas na região cemnl da cidade terminaramimpelindo as camadas pobre1 da
popJlaçlo a se transferirem para01 morro, e 1Ubúrbio1
existentes na capital. Na
verdade, e11e1 habitarus nonnalmeme nio existiam, nlo faziam parte do1 desejo,
"civilizadot" doa refonnadoru, afinal tais dnejot ntavvn solidamente fundado.
em ideai1burguesa CfJ8.por sua vez. tamb4merun a ba1e de 1Ustcdaçlo do,
IOdloae du aipiraç6et dol cOIWtoret da a.pública brasileira. E. aaim como um
O co/í , a íma11md, civilização
48

oímero significativo da população, muitos representantes do comércio popular


também foram expurgados dessa região da cidade, como por exemplo os
vendedores ambulantes, os botequins e quiosques, considerados como uma
vttdadeira innrnia contra a "civilização" (37). Novas casas comerciais viriam
agora ocupar as belas avenidas, cheias de gente e de glamour.

Assim, foi destruindo e impondo uma legislação profundameru severa


e autoritária que o Sr. Pereira Passos organizou, embelezou e "civilizou" a capital
daquela "nova" nação brasileira surgida sob a República (38). Civilizar o Rio era
inseri-lo entre os grandes centros do mundo, era imprimir à cidade, aos seus
moradores e às suas práticas os padrões de comportamento e de pensamento, o
estilo de vida burguês da época, realizado em sua plenitude pelos ~des países do
contineru europeu. A própria proclamação da República estava imbuída de
intenções como esta, no seu âmbito econômico e político, no cultural e social.
Mesmo a divisa positivista "Ordem e Progresso" também pode ser lida como
uma expressão desse anseio tão forte e idealizado de atingir aquele padrão burguês
europeu de desenvolvimemo nos mais diversos setores da sociedade.

À medida que a República pode ser pensada enquantouma vontade


de "realizar a civilização européia nos trópicos", as reformas urbanas podem ser
tomadas como uma tentadva de realizar essa mesma "civilizaçio" em alguns
centros urbanos do pais. É anim que lojas de artigos finos e iq>ortado1, vitrines,
jardins, clubes, teatroa, cinemas, confeitarias e cafés de qualidade edre outro■,
vieram ocupar as novu e bel11 avenida• da uea cenlnl da cidade do Rio de
Janeiro, tnrmormando-N em npaçoa de ■ociabilidade de m.aita pra,
e■pecialmede da gerucbic e elepd,e. Ai. mesmo a ~ vista ameriOfflMdecomo
o cefí, a ;,,,a1 ,,,, d, civilízaçlo
49

uma ameaça à moral da instituição fanúliar, se constitui• agora em outro lugar


privilegiado para as relações sociais. Com Passos a cidade ganhou o seu boMlnard
(a Avenida Central)e a "família perdeu a cerimônia de frequentar a rua"
(ARAÚJO, 1993, p.284).

Seguindo
os dadosapresentados no trabalho de GO:MES (1989) sobre
os antigos cafés da capital do Rio de Janeiro, é possível perceber um aumento
considerável no mímero de estabelecimentos do gênero abertos naquela cidade, a
partir das décadas finais do século passado e início deste. Crescimento que se
refletiria também na cp1alidade destes estabelecimentos - na decoração, nos
produtos, nos serviços postos à disposição do público. Casas de café que, em
grande parte das vezes, buscavam seguir o melhor e mais famoso modelo de bom
gosto e de refinamento eme este tipo de estabelecimento, o já citado Café Procope
de Paris.

Ponto pan o encontro de político■, literatos, estudantes, caixeiros,


funcionários, negociantes, cocott•s,coristas, cronistas ou dos "encantadores da
avenida", as casas de café atraiam pelo debate, o movimento, as noticias, pelo
difereru e por aquilo que elas podiam t.ransmitirde novo. Algumas pelo sentimento
de idemidade e intimidade criado entre clientes, funcionários e proprietários, pela
possibilidade de observaçlo, de abancar-se muna men e esperar o Seu Oraçom • ...
lruer deprena uma boa média que nlo 1eja requedada, um pio bem queme com
fflldeiga i beça. um guardanapoe um copo d''gu• bem gelada", como cutava
Noel Ron, erdo cliera 111íduodo Café Bahia,localizado na e.quina da avenida
Memde Sá com rua da Lapa no centro boêmio do Rio de Janeiro nu primein1
décadu date NCUlo(GOMES, 1989, p.88). Decançlo, iauaria■, requitu I apuro
O cofl , a lma11md, clvilizaçlo
50

enm também, outros importantes elementos influêntes na freqüência a muitos


desses cafés. E estes eram, especialmente, espaços onde essa sociedade procurava
expor um pouco de sua cultura, de sua sofisticação, de sua socialidade, de seu
cosmopolitismo, nos moldes daqueles "grandes cafés" das cidades européias.

Outra conhecida cidade na qual é possível perceber a ação dos


refonnadores brasileiros é a capital do Estado de São Paulo. Centro urbano
acanhado até por volta da década de setenta do século XIX,a partir deste período a
cidade entraria num process:o de aescimeuo e desenvolvimento que acabaria
provocando diversas transformações em seu espaço urbano. Inicialmente as
alterações se deram através de pequenas intervenções isoladas. com demolições e
construções de ediflcios públicos, do clero e de residências particulares de
arquitetura inspirada em modelos europeus.

Escrevendo sobre a história da cidade, BRUNO (1954) aponta a


existência de variados projetos visando a execução de alguns melhoramemos
urbanos naquela "acanhada" capital paulista, porém esses projeto■ estavam
nonnalmente relacionados a áreas bastante reduzida~ ou então a conjwtos
arquitetônicos definidos, não possuindo abrangênciapara wna região mais vasta da
cidade. O primeiro grande plano de remodelação espacial e que incluia a região
central e alguns lugares próximos, elaborado pelo arquiteto ftanc~s Bouvard, só
seria executado, e mesmo assim apenas em parte,no■ anos compreendidos entre
1910 e 1914.

Como informa BRUNO (1954), foi no periodo que ■e atende de 1871


a 1918, que a paingem urbana de 810 Paulo laia gamado nova feiçlo, fu.endo
•"' d, civili,a,;ão
51

com que a cidade se desvencilhasse daquele seu velho ar de província colonial:


"ruas largas e jardins públicos perderam aqueles traços rústicos que traziam do
tempo em que a povoação não passava de pequeno arraial de sertanistas" (39).
Abeitura de avenidas, arborização, pavimentação e nivelamento de vias, praças e
parques refonnados, largos e varzeas saneados, bondes e luzes, aliados às novas
edificações, estavam criando uma nova face pai-a a capital paulista.

Até meados da década de dez, a cidade teria passado por inúmeras


mudanças e, ao mesmo tempo em que ie embelezava, a "nova" São Paulo também
se preparava para o desenvolvimento. A expansão e os melhoramentos verificados
em certas regiões da cidade, prnmover·amreflexos consideráveis em suas atividades
comerciais. O serviço de bondes e o embelezamento progressivo das áreas centrais,
propiciaram a ocupação desses lugares por estabelecimentos mais confortáveis e
bem cuidados, estimulando o paulistano ao passeio e às compras "nesses magazines
do Triângulo (40), que lembram os da cotte pela sua elegância" (Bruno, 1954,
p.1132). Hotéis, cafés, confeitarias de luxo, lojas de produtos estrangeiros inseriam-
se na paisagem urbana e no cotidiano de algumas camadas sociais. Mais uma vez,
a "civilização" era importada das terras de além-Atlântico, na palavra mágica
"Europa". Sobre essa cidade de São Paulo assim se expressaria, anos mais tarde
em suas memórias, o mineiro Caldeira Brandt:

''Para quemviera de OuroPreto aquiloera umaParis


em ponto pequeno. Não me fartava de passear pelo
Triângulo, entrando nos cafes e confeitarias"
(BRUNO,1954,p.911).

Paris, cafés, gente, moviment.o ... imagens do que ~e imaginava ser a


grande metrópole francesa. Imagens que povoavam a cabeça desse estudante
O cefl , a Jma11md, civilização
52

uuropretano, e que, como deixa perceber, estavam m•lito além daquilo que oferecia
a velha sede do governo mineiro.

Da mesma fonna que a capital paulista, os estabelecimentos de café


tamb~ foram lugar de profündas transformações neste petiodo. As informações a
respeito deste tipo de comércio em São Paulo são bastante reduzidas, mas deixam
entrever que ele não se diferenciava muito das primeiras casas encontradas; no Rio
ou em Salvador (41). No entanto, ao final do século XIX, o número e a qualidade
destes estabelecimentos já apresentavam algumas mudanças. "Serviço especial" ou
"prestimoso", "luxo e esmero", "luxo e comodidade" eram os qualificativos com os
quais diversas casas se apresentavam à clientela (42).

Nos primeiros anos deste século, ao lado de cafés populares como o


América, "uma espécie de bas-Jond central" (Bruno, 19.54, p.11.58), São Paulo
oferecia casas como o Café Guarani. Lugar de grande movimento e freguesia
elegante, era aí que a boêmia paulistana se reunia, especialmente à noite, após as
récitas, o café-concerto ou o teatro, como recorda José Agudo, cronista da época:

"Á porta, transbordando sobre o passeio, havia o


habitual agrupamentode bacharéis em perspectiva,
queali costumavamexpor diariamenteaos transeuotes
pacatos o irrepreensível corte das calças vincadas e
dos paletós cintados, a cromática mirabolância das
gravatas e a extravagânciamorfológicados chapéus"
(BRUNO,1954,p.1157).

Tanto para São Paulo c~mo para o Rio de Janeiro, esse processo de
tranformações e de crescimento urbano se tomou maii acelerado nas décadas finais
do século passado: Como foi mencionado, ele estava relacionado à abolição da
o cef, , a /magtm dt clvill'lação
53

,scravidão, à instituição do sistema republicano e à outras alterações a elas


articuladas, como por 'ex_emplo,o estimulo à imigração. A República acenava com
novas expectativas de ·vida para a sociedade, buscando incluir o país no rol das
pdes nações civilizadas.

No que se refere a esse último aspecto, porém, pode-se perceber uma


certa continuidade naquilo que era intitulado e almejado enquanto "civilização",
com o predomínio do modelo europeu, sobretudo francês que, como se viu, já
estava presente no país desde o início do século XIX (NEE)EI.L, 1993). Literatura,
teatro, conversa elegante, educação, ordem, refmament.o nos modos, no
comportamento,nos lugares - e, neste caso, muitas casas de café foram percebidas
como espaço propício para a aprendizagem e o exrecício destes preceitos. Passear
pelas ruas da cidade, envergando temo, chapéu e bengala, sentar-se à mesa de um
café de bom gosto, onde se pudesse conversar e conhecer pessoas de bom tom, ver
e ser visto, tomavam-se, cada vez mais, costume diário nas novas São Paulo e Rio
de Janeiro reformadas.

E, se para estas duas cidades a "civilização" estaria, em certa medida,·


incorporada nas mudanças que tiveram lugar em seu espaço urbano, o que pensar
sobre Belo Horizonte, cidade construida no final do século passado tendo por base
as últimas idéias do urbanismo europeu, e como principais modelos as intervenções
efetuadas no espaço das grandes cidades do velho continente, sintonizadas, cada
uma delas a seu modo, com um "projeto de modernidade"?
O cofl • a imo.6t"' de civlliz,:u;t1c
.54

Um arraial perdhlo no tempo

F.m Belo Horizonte os primeiros estabelecimentos de café, ao


contrário do que foi vis.to para outros centro5 ud>ano5 do país e_xan)inadoi
anteriormente, nasceriam antes mesmo que a própria cidade, no período que se
extende entre 1894 a 1897, isto é, nos anos compreendidos entre a instalação e os
primeiros trabalhos da Comissão Construtora da nova capital e a sua inauguração.

''E como se aquela notícia fosse mn toque a retmir·,por


toda parte, operários, artífices, cientistas, industriais,
comerciantes e grande número de aventureiros de toda
espécie atentaram para o caso e se puseram a
preparar, afim de se transportarempara o novo campo
de atividade, em busca da fortuna e da felicidade,
logo que fossem iniciados os trabalhos de demolição
do arraial e construção da cidade" (BARRETO, 1936,
p.13).

Seduzidos pelo que se dizia ia ser a nova capital, muitos se


decepcionavam com o "arremedo de cidade" que era, a vista d'olhos, aquele
pe~eno arraial:

" - Deveras?l (...) :Masentão é aquilo a nova Capital,


que tanto se elogia?{ - perguntei,pasmado ao Jacinto,
alongando o olhar decepcionado pela vastidão
populosa que tinha em frente" (BARRETO, 1936,
p.387-388).

A reação de malograda surpresa do meruno Abílio Barreto, diante


daquele Belo Horizonte _ belo pela paisagem, belo pelo futuro que prometia -
quando chegou, em setembrc .-ie 1895, foi partilhada por outras diversas pessoas.
Nos. primeiro 5 dia, do mêii de abt·il do ano anterior, o engenheiro e arquiteto
O cq/1, a lma,tm d, civilização
H

português
imegranteda Comissão Construtora, Alfredo Camarate,apontavanas
páginasdo jornal h-finas Gerais, o quão desguarnecido e deficiente em conforto,
gêne.rose indústria era o arraial. Vendas mal fomidas, hospedarias - se assim se
podma chamá-las - de sétuna categoria, nem luz, nen1 água, nem restaurante, nem
café... (43). Como havia dito em crônica de maio de 1894, algo realmente
impensávelpara aquele "suprin1ento[extra) de população" que ...

"(...) vinha quase todo _habituadoao conforto e


comodidadeque proporcionavam os grandescentros
de população,e que dispostoa privar-se de muita
coisa agradávele supédlua,não esperavaencontrar-
se num meio absolutamentedesprovido mesmo
daquilo que é considerado o rigorosamente
indispensável"(44).

E foi somente após o desembarque dessa "gente extra" nas poucas ruas
daquele lugarejo - entre eles, encarregados, engenheiros, operários e alguns
comerciantes, atraid05 pela promessa de maior fomento daquele pequeno mercado
local em função das obras da nova cidade - que este quadro de desalento ensaiou
seus primeiros passos de mudança. F.scolhido como local para a futura sede da
~a capital do Estado de Minas, o velho Curral dei Rei toma,,a contato com
iq>ortantes transformações. Reduzido às adjacências da Matriz da Boa Viagem,
poucas ruas e comércio limitado, o pequeno arraialcomeçaria a se expandir e
adensar com a chegada daqueles aventureiros e operários, a tomar novas feições
com o início dos trabalhos da Comissão:

"Por todas as ruas, travessase largos,por todas as


picadase veredas,o solojá está crivadode estacas,
enterradascoma cabeçaà flor da terra(...); a todasas
horas e por todos os montes e vales das
1
O cJI , il /111011,,,,ti, 1·/v///'10 11
0

"

circunjaccnciaa,os engc1d1c,lros,
manur,ettndo o rúvel,
o teodolitoou o b·Bnlto,coodutoros
e au.xillnre1.1,
b1do
numafbinnde quemquercho311r doprc"ait,e r,c,mpre
C('m n convicçãode que não du1gnr60 tifo depres!JII
quantoo dr.AarioReiade11eja" (45).

A neceHid11dede atender n HH "populaçílo"que H dirigio p1.1no


arraial, assim como aquelas que ainda seriam criadas com o andamento dot
trabalhos de cor&struçãoda capital, propiciarao-1a instttlaçlo de novas casu
comerciais.Porém, o rúvet dos estabelecimentos continuaria sendo de um grau
inferior,especialmenteno ~e diz respeito às c11nsde repasto e ao11olojamento,;.
É novamenteAlfredo Camarate,na mesma crônica de maio de 1894 citada acima,
quemrevela, a paitir das mudanças que presenciou,o estado de car!ncia e privação
(no que se refere a algumas comodidades cotidianas comuns em oulro&icentros
urbanos)em que vivia a população do lugar:

"Abriu-seum boteimais dignodeate nome,onde ae


comeregulannente,que ostentaaqui o inauditoluxo
de daraos seus hóspedesquartosassoalhadose no
qual a donada casa proporcionao aconchegode lar
às famíliasque ali se hospedam.(...) A mesaé farta,
variada e boa, os quartostodos assoalhado,(!) têm
mobilia decente,roupa limpa nas camas, lavatório,
jarTo e bacia (li). Neste ponto estamosjá com os
recursosde umagrandecidadee ficamospor umavez
Jivresde certosestalajeirosque,faz.endo-noscomere
dormir como animais,em celha e chiqueiros,nos
cobravama razãode cincomilreis diârios.(...) e não
levarámuitosdias, quenão vejamospor aqui:cafés,
botequins, restaurantes,lojas de confeiteiros,de
ferragens, e de alfaiates, annauns de modas,
perfiimarias(...) To~osda lo_calidade
se ufanam_pOI'

posauiremumpadearofrances,por se matarboatodos
os dias, por teremcarpinteirosde verdade,boticários
O cqfi , a lmo{J,md, c/1J//lz.11;,fo
57

,r

(...\, bando1de turcos butàrlnhondo ninhariu de


t llt.:lt'"umcemltól'io
provisório"
(46).

ro1êrn, me mo com todas e ,u mudança,, tudo era ainda como o


proprio<:C1mit~rio:
lmprovi111do
e provifJól'io.Em definitivo,16 o que de,cnninava • ...
plantada comi o cou~ttulora.No entanto,como 11eobservapela fala do cronista,
almndollllt\Ç0Id 1cmh1do11
em mopaae croqui11,"cidade 1e erguiatambém através
dot sonhoa,.quonto11)eciama imasinaçãodotilhom11n~.
que.para ca .s.e.deslocavam:..
"nlo levarà muitoíJcfüui"e Oi habitantes da futura capital poderão 11e "ufanar" da
conquista de novu comodidades presentei nos grandes e modernos centros
urbanos.Ato ntao, em tudo planejamentoe esp rança, imagensdo que havia de
1er. Antesmesmo do existir como cidade,Belo Horizontejá se tomavauma "cidade
do devir".

Voltando a cidade real, e focando mais detidamente as casas de


repastoe bebidH presentes naquele misto de arraial-canteirode obras, BARRETO
menciona: ''Nio havia cafés, nem confeitariu, nem restaurantes"; em seguida,
completa,bavio "... um estabclecirnentodenominadoConfeitaria Rú1tlca", situado
na principalvia do povoado, a rua Sabará. Porém,afinna o autor, a cua não tinha
nadn de confeitario,mas honrava plenamenteo "rústico" que carregava em seu
nome, "... nlo passava de um botequim". Estabelecimentosdo genko, por sinal,
multiplicavam-sepela cidade "como cogumelos":"botequinse t11ca■ - eitet 1ím -
proliferavampor toda parte" (1936, p.371) e, especialmente,na regilo onde 1e
alojavam01 operáriospobre,, 01 chamado■ bairros da Favela e do Leitão.

lugue11■e revela imersoem valores


O olharde BARRETO,obre este111
pré-concebido
61 e pr conceituosos,julgando de fonna negativa 01 bairros, suas


O e~ , a '"'ª''"'d, t:t J/tz11~!/1
J8

aas de convrcio e, por mm.to, sa11 habítaota, ()1 primeiro, e ugundot eram
vistos como espaços de vuJo dos •mau• instintos,. dos teruíros, ísto é, das
•cimadas mais ínfimas da sociedade". Por íuo eram o lugar da derorder~ do,
dístúrbios, do perigo e~ainda, do atraso - quando pensados em relação aos i~í, de
ordem e progeeo que ínformavam o moderno (e burguês) projd.o urbara0 da
Cooúaio Comtrut.on. Nermma descrição, nem.ama lembrança. Menção sobre
esta botu{uíns, tuc.ll ou tabmia~. só nu ocorrênciu policíaw, ou ~ mffll6rw
e aooica$ que abordavam cpestôet relativas: ao "mundo da ordem", ou da
•de$ordem", na"'ela cidade em COflSUlJÇão:

'"(...) afim!..[aquela, ramadas ínfimasda socíedade]


repr~ mna cultura em de,acordo com M
ideais cpe haviampr~idído a fundaçãoda capital
~. a históriade-.,-~,gnpo, na cidade
eom6tníu-ffdesilênciose e,quuímeotM,~enhada,
ao mxírno, por ~ comandada,por um oilm
a1erior, fü~ pela lente do poder. (...) Ao invés
de promessasde ~olvimeoto e emancípação,a
modemidade P3fª os moradores dos bwos
popolares era =inônímo de ~ão, carência,
comrolee reprfflão social" (JUI.lAO,1992,p,121).

Porém, tmdo em -..,ú;t,aessa ausência de um estabelecimento de café


<JJ.e
estivesse à alturadas pessoas ímportantes;do UTaíal e daqueles diversot
'MÍtarUs, ernrn mais uma "'ª ,isação, e, quando caia a noite. a
em ema a impro...
Plurmácú Abreu se transformava numa espécie de "café alternativo" da cidade.
Abata á rua General Deodoro no ano de 1894, foí a primeira e única naquele
período inicial da coowução da cídade. Seu proprietário, Theodoro Lopes da Silva,
fez do lugar • ... um dos porios predileto• para o encontro e palestra à noite, ( ...)
[atraindo] pan ali a melhor sociedade local". Além da amabilidade do proprietário,
O cefé • a l1Ha6em d, civilização
59

os; fteguêses contavam ainda, ."infalivelmente todas as noites, às sete horas", com
uma boa xícara de cafe e a "encantadora prosa" dos assíduos clientes (BARRETO,
1936, p.371).

Apenas ffl1 meados do ano de 1897 é que começaram a surgir nas


crônicas escritas na e sobre a cidade, algumas referências a respeito daqueles que
teriam sido os primeiros estabelecimentos de café belorizontinos. Por esta época, as
........... --·· --·--···--·
··•----. -- ., .._...
..... --·· .....-~--.............
.
obras de construção da capital já se encontravam em estágio bastante evoluído e se
aproximava também, a data estabelecida para a transferência da nova sede do
governo estadual. Era esperado, portanto, que começassem a surgir diversas casas
comerciais de melhor qualidade e mais bem providas, para atender à demanda da
população já ~stente e ainda daquela que se esperava vir instalar-se naquele
"quase" Belo Horizonte.

F.m seu histórico sobre a cidade, BARRETO apresenta uma listagem


de vários estabelecimentos que foram abertos durante o decorrer do ano de 1897:
pequenas fábricas, de sabão, de ladrilhos,- de pedras plásticas ... , relojoaria,
armarinhos, alfaiate, papelaria, annaz.ens de secos e molhados. Os primeiros hotéis, •
agora dignos do nome: Hotel Belém, Hotel de Minas, ambos na rua dos Caetés, o
famoso Grande Hotel, na rua da Bahia, que durante longo pe.t"iodofigurou como
importante espaço para o encontro - festas, ceias, reuniões políticas - da elite local
(1936, p. 614-622). F.ntre as casas de alimentação e bebidas figuravam, o
Restaurante Comércio, o Restaurante da Itália, a Confeitaria do Rio, a Maison
Modeme, um restaurante e café in$tlado na avenida Amazonas, propriedade de
Manoel José da Silva Lima (p.617).
O ctJ,/1
, a lma.11md, e/vlllraç ,,
60

Outra casa comercial intitulada caft, e citada 0011 levantamento, de


BARRETO, é o estabelecimento de café e bilhares de José Pinto Valeru (o autor
nio menciona o nome do estabelecimento), aberto na avenida da Liberdade, atual
Joio Pinheiro. Ainda segundo BARRETO, havia mais uma casa semelhante na
capital, o . chamado Café e Bilhares, do Senhor Joviano Fernandes, em
funcionamento na rua dos Tupinarnbas. Desta última, acrescente-,e apenas que já
oferecia bebidas resfriadas em gelo no mês de setembro de 1897. Quanto ao café
do Sr. J. Valente, conforme aponta BARRETO, não permaneceria aberto por muito
tempo, transferido a novo proprietário, acabaria sendo transformado em comércio
de faz.endas e armarinhos (1936, p.617-618). F.m relação à Maison Moderne, o
mesmo autor informa que este seria um entre os estabelecimentos de reunião
pública a receber a população da cidade durante·os festejos pela transferência e
instalação da nova sede do governo, a 12 de dezembro do ano de 1897:

"(...) a 'Maison Moderne' (...) e outros


estabelecimentosdessa naturezaefrtiveram com as
suas portas abertas quase toda a noite, atendendoà
grande freguesiaque,em grupos animados- bebendo,
comendo, cantando, conversando, fumando, num
vozear alegre, folgazão -, trocavamcongratulações
pelo memorável acontecimentoque acabavam de
assistir, da instalação da nova Capital de Minas"
(1936,p.739 e 720).

Porém, o primeiro estabelecimento de café aberto na cidade a merecer


destaque na imprensa da época foi o Café l'dineiro, citado no início deste capítulo.
Propriedade de Paulino da Fonseca ~araiva, foi inaugurado com festu em 24 de
julho daquele ano de 1897 na rua Ouajajaras. Ao que parece a cua seguia o
padrão dos cafés existentes nos grandes centro, do pais: sallo, mesinhas de
O el(/1,, imflfl!H rli ,/v,/i,,1 • 1

11

mármore,cadeiras,petiscos, café e outru bebidas.Movimentodo11fregu t, m


palestrae dos garçons que repetiamos pedidos plU'll I cozinh3em voz alt : um
café,uma cerveja,um cognac ...

D,corando as puedes do s3lio, pintuns com 3núnciosde outt3$ Urt


comerciais,o que seria, segundoBARRETO,11grandénovidt1depara o meio" (1936,
p.6~1_).
.. _Ume~abelec~1~~-o~e dava .. ...
um toque
. ...de grandecentro à nuc nte cidl\de,
um traço de mundanismoe civilidade, espacialn1enteno que dizia respeito a sua
vida noturna,na época carent.ede escolhas. Com o Café Mineiro Oil e$timado
cavalheirosda futura capital passavam a contar com um espaço apt'Opriadopara a
reuniãodiária, a conversa, a tt·oça,a e~-posiç!lo
de opiniões.

Determinar qual desses estabelecimentos seria o primeiro café


belorizontinoé tarefa intrincada,exatamentepelas poucas infonnações que se tem
sobreestas casas. A primeiramenção ao Café e Bilhares de J. Fernandes data de
junho de 1897, em crônica na qual o redator do jornal A Capital indicava "o
principaisprédios" da cidade que já estavam concluídos;porém, nio há nenhuma
informaçãoie a casa já se encontrava em funcionamentoantes desta data. Em
relação à Maison Moderne e à casa de café e bilhares de propriedade de J.
Valente,BARRETOdeclara terem sido inaugurados,um e outro,no dia 29 de abril
daquelemesmo ano. Assim, pelos dados levantados, estas duas casas figuram
comoos primeiros estabelecimentos de café da futun capitiil (BARRET , 1936,
p.617-618).

Porém, fica no entonto uma pergunta: por quê o cronistll daquele


mesmojornal lamentava a ausência de um café com as p quenas me,inha e o


- O cefí I a '"'ª''"'dt civilização
62

"brouhaha"da freguesia, nos primeiros dias de julho de 1897? (47). Afanai, como
foi visto, a cidade ja contava com duas casas para a venda da bebida. Talvez a
questão mais importante a ser colocada a este lamento do cronista seja outra: a que
tipo de casa de café o autor se referia? Mais uma vez, a ausência de dados mais
ricos e esp~cífícos sobre estas duas casas - im~v-~l»
~biente, decoração, freguesia
- dificulta a elaboração de uma resposta .. • A,"e~·:iespeito o que se pode afirmar,
levando-se em conta o material disponivel, é que o·Café :Mineiro foi con.~;derado
o primeiro estabelecimento com "ares" daqueles "grandes cafés" - cariocas ou
mesmo europeus - aberto na futura capital mineira. Certamente ele não seria o café
mais elegante na história de Belo Horizonte, porém, era o mais "chie" e moderno
naquele ano de sua inauguração.

Instalada a nova capital, novos estabelecimentos seriam abertos. Casas


de tamanho, estilo e qualidade os mais diversos. Cafés para preencher de
mundanismo e cosmopolitismo as ruas daquela moderna cidade, daquela sonhada
pdit Paris.


-- O ca/1, tJ '"'Q.6'"'
d, clvili:açio
6J

?,OTASCAPÍTULO
I

1-Diiriode Mius, Belo Horizonte,11 de deumbro de 1927.s.p.

2-Parauma descrição do arraial e dos estabelecimentosaí instaladosver BARRETO,


1936. Quantt' à fulta de estabelecimentosde cafe na cidade ver o mesmo autor,
p.613.
especialmente

3-A Capital _Belo~orizonte,g dejulho de 1897,citadoin BARRETO,1936,p.613.

4- A üpial, op. cit

l- ParaParis como modelo urbano e culturalve.r:NEEDEI..L,1993;SENNETI, 1988;


RICHARD, 1993~SARLO,1988.

6- A noção de •s,aço público aqui é pensada enquanto"obra do viver social e do


estt.nder-sedas relaçães que perfazemeste viver, e que se desdobramem termos de
procmçãoeconômica,ordem política, criação cultural" (SAIDANHA, 1993, p. 15).
Conforme esse autor,as "coisas que simbolizamo lado públicoe o lado pm·ado da vida
podmiser arroladassegundocritériosbastantediversos"(p.31).Dessaformaquando,no
decOfferdo trabalho,se classificaro cmcomo espaçopúblico de reunião,de interação
dasociedade,o que se pretendeé apontá-locomoespaçode acessoaberto,comuma todos
(oucomunitário)- ao menosteoricamente- em oposiçãoaos lugaresconsagradosà vida
privadados homens(fechadose familiares).É, novamente,o mesmoautor que oferece
1ID3 c:q,licaçãoa esse repeito: "O viver social consistee subsisteemvárias dimensões,e
mnadelas ocorre nas casas: as sociedades ao emet-girpara certo nível histórico são
cidades,e as cidades constamde casas, colocadasem ruas. E como as ruas - como as
praças- sãojá outra dimensão,a pública, eis que o planopúblicoe o privado se tocam,
secompletam., se complementam" (p.27).

1- As primeirasinformaçõessobre o produtoe o consumodo café Sl,lrgem na Arábia. O


&mo,de origemabissínia,começoua se expandirpelo orientea partir do século }Jll Uiu
dosprincipaispontos de difusãodo seu coosumoteria sido Meca, a cidade santa dos
~ muçulmanM e, também,importanteentrepostode comércio,caracteristicasque
&riamdelaumuande e movimentadocentrodo orientt. Porvolta dos stculos Ã'V e XVI,
MedinaCairo, Constantinoplae outras cidades da região, também haviam acolhido o
COSbme da bebida. querno espaço doméstico,quer pela venda em lugarespúblicos. As
casascp,eofereciam·a nova infusãose dividiamentre simples e pequenasbarracas (ou

>
O co/í , a '"'ºi'IH d, clvl//1,,.,•ção
64

.rr

~as), 116\al~ aalões requintados,frequentadospor homensde cultura,escritore,, •


e tud 1h. , mu1cose poetas,o que 111,s
,·aleria o nomede "c::cotasde sabios".A~~1.U1tos
diVf,t'S<'
rnm tratadosnesses tocais, animadosalgumasvezes por mírnicose cantore,
rontt11tad('para l\lrairo público. •

f.apl(IOSpara beber,conversar,negociar,ou ainda apenassentar-seà entrada,"... lugar


[par] os ciuepreforemver o movimentoda rua e tomarfesco"(OI.1VEIRA, 19&4),estes
caf.ósmarcariamprofundamente oumerocosviajanteseuropeusàs terras do leste. Isto é
revela..lJ
3h'avésdas con·espondêocias e depequenosensaios,ondeé possívelrecortaras
.P.~~-~..c~~ ~~-~_ebj~_.
impre:1õtrnqy~.o paladar, as casas e o hábito d~_reunião,_ _ __
deixan•nmarcadasnesteshomens.

COl'loexemplode viajanteseuropeusque relatamalgumtipo de contatocom a então


descorihecida
infusãodo qahwa(àrabes)ou kahveh(turcos)estão: Pierre Dan,Histoire
de Barbarieet de ses corsaires...; Jean Thévenot,Voyage du Levan~Jean de la
Roque,Voyage de l'Arabie Heurese...; JacquesArago,Viaje ai rededor dei mtmdo;
PietroOellaValle,De Viaggi.Ver OI.1VEIRA,1984e BRAUDEL, 1970.

g. '"Se, para agradar às senhoras um &ançêslhes oferecesselicor negro e amargo,


nossohomemganhariaas palmasdo ridículo,mas se a beberagemé servidapor umturco,
sobretudogalante, a questão muda de figura e a oferenda passa a ter um preço
incala,lável.(...) Aliás, os olhosdos presentes,seduzidospelo ambientede elegânciae
galanteria,pelas lindastaças de porcelanaem que era servidoo ambicionadolicor, pelos
guardanapos de franjasde ouroque os escravosapresentavam às convidadas(...) de tudo
te mwavilhavam. (...) Juntaia tudoisso os móveis,a excentricidadedos trajes e atitudes
du paoou da caaa,a singularidadedo fulardo senhorF.mbaixador, que se fazia entender
lb'avesde intérpretes,a estranhaposturados presentes- todossentadosem almofadas,no
chão(,..) Força é confessarque não faltavanadapara virar a cabeçaàs nossaspatrícias.
(...) Tmnioada a festa, é de se imaginarcomose apressavamem correr para todas as
casasconhecidasa fim de comentaro famosocafé bebidona embai.·udae só Deus sabe
comot anfitriãoe seu exóticolicor eram exaltados".Legrandd'Aussi,"Vieprivée des
frartçals", citado in OUVEIRA,1984, p.83. Sobre a embaixadaturca ver também
LECLANT, 19'1 e BRAUDEL,1970,

9-JulesMicbelet,Histoire de France,citado in OUVEIRA,1984,p.10~.

10.H.Raison,escritorfrancês1798-18~4.autordo "Codegourmand- Manuelcomplete


citadoin OLIVElllA,1984,p.l0t
degartronomJ.e",


O cofl ~ a ima6•"' d• civilização
6.S

11-A respeito da expansão do consumo do cate e da presel'ça dos vendedores ambulantes


queofereciam a bebida pelas ruas de Paris, BRAUDELescreve:

"(...) Em 1782, Le Grand d'Anssy explica que 'o consumotriplicou en França; não há casa
t,wgue~a•.acrescenta ele, 'onde não lhe apresentem o caie; não há lojista, cozinheira,
criadaquie de manhã não tome cate com leite. Nos mercados públicos, em certas ruas e
passagens da capital, estabelecem-se mulheres quevendem à população o que chaman caie
com leite, isto é, mau leite escurecido com um marco de café que compraram nas boticas
das grandes casas. Este licor está mm1atalha de lata, guarnecida com torneira para servir e
de--um--Í'1gão para...o -Conservar quente. Junto à loja ou barraca da vendedora, está
geralmenteum banco de madeira De repente vê-se, que smpresa, uma mulher do mercado,
ummoço de fretes chegar e pedir caie. Servem-no muna dessa grandes chávenas de faiança
a quechmiamgénieux. Essas pessoas veneráveis tomam-no de pé, com o fardo às co5tas,
a menos que por mn refinamento de volúpia não queiram pousá-lo no banco e sentar-se.
Das minhasjanelas,( ...) vejo nwitas vezes esse espetáculo numa das ban·acas de madeira
c:pJeconstruíram desdes o Pont-Neuf até o Louvre.( ...) Digamos para corrigir este quadro
traçado por-um t.:.:-.rendobw·guês de Paris. que o espetáculo mais pitoi·esco, ou melhor,
mais comovedor, é talvez o das vendedoras ambulantes. à esquina das ruas. quando os
operáriosvão para o seu trabalho de madrugada: têm às costas a talha de folha e servem o
café com leite 'em vasos de barro por dois soldos. O açúcar não sobressai( ...)'. O êxito é
conbJdoenorme; os operários ·encontraram maior economi~ ma.is recursos, melhor sabor
neste alimento que noutro qualquer. Por isso, bebem uma grande quantidade, dizem que
isso os sustenta quase até à noite'( ...)" Ver BRAUDEL, 1970, p.210.

12- "O indivíduo se distinguia no anônimo cenário urbano através da escolha correta,
associada a um determinado modo de vida sutilmente diferente de outro meramente rico.
Afinal, alguém com dinheiro ou qualquer burguês poderia comprar roupas caras. Os
aristocratas e os burgueses que pretendiam passat· por eles, só podiam se separar por
meio de escolhas que demonstrassem um gosto distinto", cit in NEEDEIL. 1993. p.186.

13- Garçons e proprietários fi.mcionavamtambém como veículos de dissfflllllação de tais


llíbitos mais sofisticados, no trato com os fregueses, na direção da -casa, nos serviços
oferecidos e no ambiente que criavam em seus estabelecimentos.

14- Micbelet, op.cit, p.139.

U- Michelet, op.cit, p.10-5.

16-Ver: BÕDEKEll.1990; HABERMAS, 1984~MANNHEIM.1974.


O cqft , a /mfJ#tlH d, cfv,/1u ;-!,;.
66

17~l,aáôes de~ ~o-ailtwal, ~ por formalidade~e diqudas. rt$U'Íta:; â ,


mt::~~:>~ da dite e .dt,x1z wtelu:tuw burp e~. Ver: 1\1ANNHEJM,
1974, e C-1fARLOT
etWJr 1991.

g_ SlMMEL (19Z3 ~ a :.oci-ábítidadeenquanto aea forma lúdica autônoma da


~: é o e,tar eom §) <dro{,) •sem ter um propósíto ou ÍJJtffe~ raatería1
4'1lla40::. ~ o praur da ía.er~ não advém de um motivo ou wte:re$sefinal que a
~ ~ IIO próprÍI>!a.oda ramião an sí. RIAS e D~1.JlNG (1992) d~íficam a
~idade como uma das aívidadn ou 6fa-a de atívidades do homemDO seu tempo
,,'C'! ($>« ~..~ a9 ~ do trabalho). caracterizadapelo prazer e o .erumulo
•• d de :,e.e.a. an ~~ ~ outr~ sem qualquertipo de eompromí~~- Cmno
~9 mtlD'1'!raDr. vi~ ~os e ~ de trabalh~ víagem, ex.cunõe~
f-~ Inir-~. e~. r~~. ~ ou u 5ímple, eonver-.H~ com o~ vízính~
f~-~ , É m(fXiá9 Í')fl'U de ~ dos homem e eoqnaotoum ~ componente~
JII'~ rm e~ ~lecidas pelos sujfflos sociais, que a sociabilidade é
~~...etr~.fveraíradaGOA,!ES, 1993).

9- A~ ,e:peíto ~,rrr ~ (fie. uaate o Amíg_o Regi.me.o traje .fi..mdonava


~-~~da liu.:nrc,ú §Oci.al, rotubodo cada indíviduo ou piela posição. ou
pd:a ~ tp de esercia ~a e França contavam. inclu=íve, eom a= "leis
,-tn-~ ~ cp atribuãaDa c-4'Jae:.!rat.oum coojuato de trajes ··adequado~".e proibiam a
~ m,;dxo M ID glJPO ddmnínado o mo do~ traje~ de outra po~íção.Porém, com
• ..,.__w,tq das,~. a, aovas C1tegoriasprofmí~. a ímpombílídade do
~~ 6as orígem de cada habítame,essas 1eís se tomavam algo de dificíl
~, ~ tarde#a produçã<, em w~ e tambéma publícidade em j~ viriam
• ~ maÁSa~ 'lí.da-Jede cecoabecimaâo ímediat-0,da determinaçãodo ''status''
•-.a,erA.a~..-'! ~ no modelo ou aos detalhes de~ traje. (1988, 89-97).
ty,Ai·1d 6íur cp, boo-tf um taldêDciapara catos padrões do ve~ío, porém~nio se
,,,Úlli:ar ama~, uma yez que exi5tiamotir~ elemeuos que fucionavam
4íft,'flláat; ~, corte,adomo, ... mire outro,.

1IJ-~~rz, 1972, p,24. P•a um disalffio sobre cultiraver bmbém: WilliAMS,


m, l.EACH. t98..:1,m.mKE, 1989.
2 _,~•~•.EUAS, 1990e SENNEIT, 1992.

tt.. ",,, o •hat ma~ e,peci1iw c.orre,pondeua um padrão qualitatívode vida


.__,,,. ~ e ., ~f' , ~ " VÍV« DO campo, ao ~ em Certos caso,,
~-~ iaepív9 ('ndtcúbde .., ..vilão").(,.,) A partir do nwgimemoda, g,~
r. ,vi 111 /lllf/#*IH Ú!I /vJlltotlio
1

ô1

~d-d •• p o lu 1m Jllrtt vtv a d@modo "utbtmo''(por ou p•r• vJv r tt•


, •d 1 ." ~t.l ANll '1, plOd),

1 Aln <1 e,rr t, " toq o,tu u il (1?P 1.H,11), JnOJJVJtff(A1 Hd,p.1 1.
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4,,Var U J nt'H dlsponlY,, 1()1)1011 H, ófflO rôn! l)IJ e Oln'I Utm-érittnf


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po•t t o,~ l\ l 00, i '1\m(\I@ ~i.h\b"l" mé\ot01 ~11111,1"~
., camh11cJo, ou tntUo o mai•
h&J1t01, )lftJ'I o Rio do.1n-,h•o,uta '111td o t>Od4' ruttJdlv-,rt11n
1unobtunv11d1 d t1 ríçóe"
,abr I o o d nctiipúlJJk11
vi dt cb1'â
fU'l'\)JüdllnpoJ"OOM:ll O CaféJforhuutto(inido
r,,

do ~ •* Ã,') 1 mlnodo omoum"bolo(juim modo~to". O C1r6Pari,, d4!irwlfiJ~ao"chu'",


• apt~fOtl\do comoum "ttmnvl"llhlt"'c-t11lm", Por outro Indo,dênr v ndo o iru rfor do
tàm ao r J1ndo 1rêGlobo,nb rto <,m18 comluxoe gtdn, J1rnfJlo.i rma ucrevia:
cfobot'ac1nim
..(...) o 111110 (...) tbi um" novidfld4'com I ut nlton e lar 01 ,11,r,elhon,
guami96eada mlt'fflorG voituJo mettftfJ d m&nno1·a J>ratoe p@nda fc,rro".Até me~mo
Mllthodod A11111,m ca· nico d" 187 , u,fl,ri1-1eaó Café de AJ111ce et Lo1Tai.ue,na
ariS'tocriticRui Unaguinn1,comown "botequimt~ç~""· OOMfl, aír1daobuérvaque
''oaqu~lttempo,01 e tJ cruu ap licl11do1 diebotequi111,e wn "bot quimJhwce " nada
maiaeraque um e,labc,I cirncmtononmoldo, do, cllféa11-111,erJC,n", ailnnJ,a f'rança era
ludoo qu as lltH brn1iloirn1 d Hjnv11uaor.Ver OOMl!S,1989.pp.111,136,71 e 106.

25. I.JNDLEY, Thomas.N11Tadv1de wna vln1en1ao Bra,D.São 11 aulo: a. ed., 1969 .


Citadoio OI.lVEIRA,1984,p.362-362.OLIVEIRA mencionatambémobra de 17281 que
11 refereao consumodo oatl em "cauasde paato"na cidadede SalvRdor:PEREIRA,Nuno
M1rque1."Compkldio narrativo do peregrino da América em que H tratam vário,
discurso,espirituaise morai1com muitasadvertlo,eiue documento• contra oo abu,otJ
quese acbwnintroduzidospelamaUciadiabólicano Eetadodo Brasil".U1boa, 1728.

26 Tiieodorvon Leithold & Ludwig von Rango. "O Rio de Janeiro villo por dois
prussi1nos",citadoin 01.lVEIRA,1984,p.362.

27. P•a I im gemda rua comoespaço do ~eoconhecido,da desordeme do incontrolado


wr DAl\ilATIA,1981.(Cap. 1 e 2): ARAUJO,1993.(especírumente parte IV: A fàmilia
narua).

28. Ver BRUNO,1954·:volI, p.277.

Ea11spropriedadesfàrmacológicaa~o c~ já eram aaounto_emdiscu,do na Europa


desdequeI novabebida começoua ser d1fund1dapor aquele,continente.
O crefl , a imag,m d, civílização
68

emfins ~o •culo XVII e inicio do XVIIl.


Na França.._ r:artidários pró e contra a nova
btbld~ pt ,. luziram vanadas teses cieruiflcas quanto aos efeitos que ela acarretava ao
ani•.:n • ~ ~az d d ~pertnr as capacidades críticas e analíticas, digestivo, excitante,
li i :\ da ,1,gH1aà meduia que impedt1 que os "vap0t~s do estômago" subam à cabeça,
t ldo o sono. Entre as indicações constavam: febre tifõide, hemorragia cerebral,
l'))lêtico, c~léia, hémias estranguladas, males hemotTodais. Aconselhado ainda
ca,·id para um ''feliz parto" e, t1111bém,às de "regras suspensas por três ou quatro

Outl trabalhos baseavam-se na denúncia dos "ten:íveis" males que a bebida p,;,d_eria
, Jlf"incapacidade sexual e aqmetame.nto do "fogo das paixões" (sendo por isso de
d ,~i!l parapa~s , outros que tivessem votos de castidade), encm1amentodos anos
• vid nu,.greza "hru1ivel" e, supt.i-sumo de tais mazelas, ... cãncer de mão! do qual,
lft® Saint-Simon,teria padecido M de Montberon c,overnador de Flandres
- ' t:>
( UVE.IR.A~1984: 113)_

Estas t\J)ini~ .... cientificu" a respeito da bebida er·amusadas de modo a influir não
ap~ no seu consumo m~ ainda. na Ji-eqüência às casas em que ela en setvida, como se
notl pelo movimento das mulheres inglesas, abandonadas à cada noite em troca dos
pt t-es do$ salões de ente. e que daria 01-igemà "Petição das mulheres contra o caie,
lpt smtando à consideração pública a grande inconveniência para o seu sexo do uso
UUfflY\l ~$Si\ bebida emagecedot11 e enfi-aquecedora" que circulou em Londres no ano
de 1674. Nela consideravam que o hábito do cate "gasta a força viril dos homens e to:na-
oa tio midl's como as m-eias da Aribia., de onde dium que veio esse grão maldito: se
pns varem nesse gosto funesto, os descendentes de nossos robustos antepassados serão
dft\b'Q Ml breve nada mais do que venladeira raça de pigmeus". Contra tal afumação os
iagleses lançariam a "Resposta à Petição das mulheres contra o caie, sua bebida,
ddadendo-1 das imtJ-ecidas calúnias contra ela ultimamente assacadas em seu
scandaloso panfleto". Ver }lABERMAS, 1984, p.48 e OllVEIRA, 1984, p.71-72.

Das tens esse dtbare ,~olou pana publicidade, como se percebe pelo ~eguinte
IDÚnciodo jornal inglês lhe Publick Adviser, em 16.57: "'Na Travessa São Barolomeu,
por d,tris d1 Bolsa I bebida c.hmuadacafé, muito saudável e portad0t.i de excelentes
virludes: fecha o diafragma. aument~ o calor interno, ajuda a digestão, 3coUÇa
o espírito, dá
levua ao coração, ê boa pan dot· d'olho~ tosse., gripe e resfriados, ~erculose, dot· de
cabeça, bidropsia. escorbuto, escrofulose, e muitas outras moléstias. E \'-endida tanto de
mlnblcomo às tris bot"3sda tarde .. (O~ 1984, p. 129, nota 16).


-
O cq/i , a imagemde civii,zaçuv
69

.t
1

F.mMina:s, as "propriedadesassépticas"do cafe eramartigode imprensana década


XLY "O dr. lude.ritz efetuounotáYéis experiênciassobre o poder
(wal d" ;recuf\.,
'
J .,.

oucrobicid~do c:üe.Afinn:i-nosele que o b:uiDusprodfgiosusmorreem seis dias em


tlD3•--fü, de e~ a ~% (...)" Os bacilC1sda eri~ipela.,
cólera,carbúoculoeram ou1ros
•íveis i ação do café, ~nfotme apontavao artigo.Ver Gazeta Sol Mineira. São
f(mçalodo Sapucahr,li~ julho de 1891,p.2.

29-Danielde Carvalho,"O caie emMinasGerais",cit in OµvEIRA, 1984,p.358.

1984,p.358.
30-Humbetode Campos,·"Otare anedótico",citadoin OLIVEIRA,

31-Verlb'1ade catesda cidadedo Rio deJaneiroatroladaemGOMES,1989.

1992e ALMEID~1993.
32-Vera esterespeitoJUI.lÃO~

33-Paraas reformasurbanasnó Rio de Janeirover .~ÚJO, 1993;·NEEDEll, 1993;


CHAI..HOUB, 198ó; PECHMAN, 1984'198.5e BARBERIS,1991.Pari!a cidadede São
Paulover,BRUNO,1954,e SEVCENKO, 1992(especificamente
para a décadade vinte).
Paraas re.foimas e modetnizaçãodo espaçoutbanoem outroscentrosdo Brasil \'er
BRESClOO,1994.(emespecialcap.3 e 6).

34-Joãode Barros,"Crbônica",
citadoinNEEDEI.l.,1993,p.ó8.

3~- Paraa influênciafrancesana fotmaçãoe nas propostasref0f9ladorasde Pereira


Pwos verNEED~ 1993,p.1993. ••'

36-Correio da ltbnhi. Rfo de Janeiro,25 de novembrode 1906,citadoin CHAIROUB,


1986,p.89.

37-Sobreos quiosques,o escritor luiz Edmundoescreveria:"(...) o quiosqueé uma


improvisaçãoach:unboadae vulgarde madeirase zinco,espeluncafecal, empestandoà
distânciae ein cujo bojo vil mn homemse engaiola,vendendoao pé rapado - vinhos,
broas,cafe, sardinhafrita.,côdeasde pão-donnido,fumo,lascas de porco, queijo e
bacalhau."'
Citadoin CHAIROUB, 1986,p.173.

38- F.mrealguns aspectos dessa legislaçãoconsta~: : 1 \)ibi~a venda ambulantede


alimentos,0 ato de cuspirno chãodos bondes,o comerciode leite emqueas vacaseram
levadasde portl tnl porta,a criaçãode porcosdentro cioslimitesurbanos,a exposiçãoda
eamenaportadosaçougues,a perambulaçãode cãesvadios,o descuidocoma pinturadas
O cofl , a J,,u,,,m d, c1vlilwçt1n
70

fachadas-,
a realizaçãodo entrudoe os cordões sem aut'>rivção no carnaval,aaaimcomo
wia série de outros costumesbárbaros e hacultos".(Original sem grifo) Citado in
NEEDEll, 1993,p.57.

39-"Seriadificil imaginarcidade e povomais felizes".Sobreu novasvia~.comoas ruu


da Liberdadee ~a Consolação,diria L. A Gaflré: "nadase poderia imaginarm.aisbem
traçado e arbonzado"~e quanto à avenida Higienópolis,o italiano Ernesto Batarelli
opinava,no ano de 1914: "podia competircom as mais belas vias públicas das cidades
etropéias".Ver BRUNO,1954,p.983 e 1004.

40-Regiãoformadapelas ruas Quinzede Novembro,Direita e São Bento,no centro da


cidadede São Paulo, e que reunia importantescasas comerciaise a elite paulistanado
iníciodo século.Ver BRUNO,19.54.

41- ConfonneO1..lVEIRA, o primeiroestabelecimentodo gênerona cidade de São Paulo


foi o Café da h-fariaPunga,aberto entre 1850-1860.Pelas informações,a casa não se
diferenciavamuit~Jos botequins:''haveriaem rigor urnadúzia de xícaras,seis cadeiras e
mia ou duasmesaspequenas(...) A freguesiaera servidana varanda.O serviço ordinário
c00-c:tavade cafe com bolos~ constituíamconsmnoextra bons-bocados,mães-bentas,
cocadas,geléias, etc. As bebidas alcoólicas,valha a verdade,brilhavampeta ausência".
(19gt, p.369).

42- F.m1876seria aberto o Café Europeu, na rua da Imperatrizcom o Beco do Infe:no.


Este estabelecimentoera apresentadocomo a primein casa de care da capital montada
"comluxo e esmero".O Almanaqueda Província de São Paulo para o ano de 1888
publicavaanúncio do Café Java, onde se encontravam"gabinetesparticulares para
familias,com serviço especial"num"ambiêntede luxoe comodidade".F.nquantoisso, o
Café do Ten-aço Paulista, no largo de São Bento,ofereciaaos seus clientes o serviço
prestimosode "amáveis caixeiras", por volta dos anos de 1890. Ver BRUNO, 1954,
pp.1149;1152;1155.

43- AlfredoCamarate.MinasGerais.Belo Horizonte,25 de março de 1894, citado in


BARllETO,1936,p.37.

44- Alfredo Camarate.MinasGerais.Belo Horizonte,1 de abril de 1894, citado in


BARRErO,1936,p.79.

45- Alfredo Camarate.MinasGerais. Belo Horizonte,6 de maio de 1894, citado m


BARRETO,1936,p.91.



O c4/I, a IIHtZ6'"' d, civi/JzaçHo
71

46-Idem.
47- Crônica do jornal A Capital em 8 de julho de 1897, citada in B.AR.REI'O, 1936,
p.612-613.

•.
"Ainda não tenninado o século havia no centro da
cidade (...) restaurantes, confeitarias, casas de
bebidas,cafése inúmerosbotequins(...)"

Assim se referia FRIEIRO (1966, p.2.50) à respeito das casas de


repasto e bebidas em funcionamento na recém-nascida capital mineira ao final dos
oit.ocentos. Como foi visto no capítulo precedente, alguns meses ílnt.es da
transferência oficial do governo mineiro, Belo Horizonte começava a contabilizar'
suas primeiras casas do gênero. Já na noit~ de 12 de dezembrn de 1897, dia em que
se inaugurava a nova capital, a Maison Modeme e o Café ~1ineiro, junto a outros
e~belecimentos, estiveram abertos por quu;e toda a madrugada acolhendo parte
daquela população que festejava a instalação da sede da administração do Estado.
As duas casas se encontravam em funcionamento na região central -
respectivamente, na avenida Amazonas e rua Guajajaras. (BARRETO, 1936,
p.720~739) - característica de praticamente todos os cafés abertos mi cid:ide, e que,
como será visto, guarda relações com as idéias modernas e elitistas que
perpassavam o planejamento da capital.

Em meados da década de dez estes estabelecimentos iá se contavam


em wn maior número. Escrevendo sobre a época em que se tranderiu para wn
/'Qbricamío ujlexo.
74

,.olégio da nova capital, Carlos Drummond relembrava a Belo Horizonte dos


primeiros meses do ano de 1916:

"( ...) a cidade teria apenas cinqüenta mil habitantes,


com uma confeitaria na rua principal e outra que
cortava essa rua Alguns cates completavam o
equipamento urbano em matéria de casas públicas de
consumação e conversa" (ANDRADE,1976, p.20).

Café Iris, Paris, Java, Café Acadêmico, Modelo, Municipal,


Estrela, Café e Bar do Ponto foram alguns dos estabelecimentos abertos nesse
período, e que em pouco tempo começaram a fazer parte das memórias produzidas
sobre a cidade. Notícias diversas no que se refere à localização, à clientela, ao
ambiente, aos c1contecimentos_cotidianos e pitorescos que tivet-am lugar nessas
casas são apresentados através de jornais, revistas e, posteriormente, das obras
literárias de alguns jovens escritores que vivenciaram o dia a dia da capital e de
seus estabelecimentos de café durante os anos que se extendem da década dez até
meados da década de trinta.

F.m maio de 1930, o mesmo Carlos Drummond descrevia nas páginas


do jornal !\finas Gerais, o inicio do bulício em mais um começo de noite naquela
jovem Belo Horizonte:

"A tarde murchou para os lados do Calafate. A


escuridão emenda as escarpas da Serra do Curral com
o céu oode começan1 a cintilar as estrelas. ( ... ) Da
Serra até a antiga Praça do Mercado, duas fileiras de
luzes compõem um11'feerie' geométrica. A cidade
acabou de jantar. ( ...) Gente nos cafés da Avenida
Afonso Pen:i. Pedaços de maxixe saltam das vitrolas.
(.-..) O rapaz louro e de nariz grande perdeu a conta


l'ahricar.do reflexo.
75

dos chops e mandou recomeçar em beneficio da


estatística_ :Música da xic:ira sobre o mármore,
abafando o chiar dos discos ( ...)" (1).

Conversas soltas pelas calçadas, footing, bonde, cinema, praça.


Passos largos para casa, outros, dados com todo vagar, em direção aos bares e
cafés abertos no centro da capital de Minas. Uma· "féerie" de luzes, barulho e
movimento. Naquele início dos anos trinta, ruas e avenidas da cidade já contavam
com diversos estabelecimentos do gênero, assim como teriam sonhado alguns
daqueles primeiros visitantes, de quando ela ainda não passava de simples arraial.
Gente, cafés, agitação, como os grandes centros do país, como os melhores
centros europeus_ Uma petit metrópole, refletindo no breu da noite a geometria do
seu espaço urbano desenhado a bico de pena, se6'-!ndo os mais modernos conceitos
da ciência do planejamento das cidades.

Por essa época a freqüência à esse tipo de estabelecimento já


havia se tomado quase que um hábito entre parte da população masculina da
capital. Estas casas estavam como que incotporadas à vida da cidade desde os
seus primeiros dias de existência. Além disso, a própria imagem que muitos
homens criavam em tomo daquela "capital" - moderna, cosmopolita - não
prescindia,como foi visto, da presença destas casas de café. Mmal, se naquilo que
se refere ao espaço físico da nova cidade o plano elaborado pela Conussio
Construtora.acenava para "os. novos tempos" que vivia a sociedade brasileira
(através de sua racionalidade, de sua ''beleza" estética e de sua filiação ao
moderno pensamento urbanístico europeu), no campo social os estabelecimentos de
café do pensados como elementos capazes de imprinlir essa mesma modernidade
na vida de seus cidadãos.
~rr~hric.;r,do
tF,/Iao.
75

dos chops e mandou recomeçar em beneficio da


cstati~ica. :Música da xícara sobre o mármore,
abafando o chiar dos discos( ...)" (1).

Conversas soltas pelas calçadas, footing, bonde, cmema, praça.


Passos largos para casa, outros, dados com todo vagar, em direção aos bares e
cafés abertos no centr~ da capital de Minas. Uma "féerie" de luz.es, barulho e
movimento. Naquele início dos anos trinta, ruas e avenidas da cidade já contavam
com diversos estabelecimentos do gênero, assim como teriam sonhado alguns
daqueles primeiros visitantes, de quando ela ainda não passava de simples arraial.
Gente, cafés, agitação, como os grandes centros do país, como os melhores
centros europeus. Uma pmt metrópole, refletindo no breu da noite a geometria do
seu espaço urbano desenhado a bico de pena, se~ndo os mais modernos conceitos
da ciência do planejamento das cidades.

Por essa época a freqüência à esse tipo de estabelecimento já


havia se tomado quase que um hábito entre parte da população masculina da
capital. Estas casas estavam como que incorporadas à vida da cidade desde os
seus primeiros dias de existência. Atém disso, a própria imagem que muitos
homens criavam em tomo daquela "capital" - moderna, cosmopolita - não
prescindia, como foi visto, da presença destas casas de café. Afinal, se naquilo que
se refere ao espaço físico da nova cidade o plano elaborado pela Comissão
Construtora._acenava para "os. novos terq>os" que vivia a sociedade brasileira
(através de sua racionalidade, de sua ''belez.a" estética e de sua filiação ao
moderno pensamento urbanístico europeu), no campo social os estabelecimentos de
café são pensados como elementos capazes de imprimir essa mesma modernidade
na vida de seus cidadãos.


l'aht1crmdo rf/l,co:

É a respeito da ~lação dessesprimeiros estabelecímentos e wbre


quai, a1 possivei1 Jigaçae, entre a presença de11a1 casas e o próprio surgimento da
nova capital mineira, que iremos tratar. De que forma o planejamento espacial, a
organização e a1 características da sociedade daquela nova cidade influíram na
aberwra, na diwíbuíção espacial e no, diferente, tipos de casas de café
belorizontina1? Quaí• a, relaçõe1 que estes Htabelecímentos guardam com as
imagens e o discurso construídos sobre a cidade: o moderno e cí·vilizado? Gomo
eram e onde e,tavam os caféi da capital?

Uma capital dP.sonhos

O projeto &obrea mudança da capital de Minas Gerais era assunto que


vinha sendo discutido de modo efetivo desde meados do século XIX (2). Porém,
essa não seria uma idéia inédita na história mmeira, uma vez que o movimento
inconfidente de 1789 já propunha a transferência da sede do governo para a cidade
de São João dei-Rei. No entanto, a decisão só viria com a República - tempo de
novo, 1onhos _ atravé, do artigo 13 das Disposições Transitórias da Constituição
Mineira 1891. Para muitos, a antiga capital da provincia, Ouro Preto, se mostrava
por demais arcaica e acanhada para representar e abrigar a "nova era" inaugurada a
partir da instalação do regime republicano. Afmal, a velha cidade barroca estava
muito mai& identificada com o período ruitÓrico anterior da sociedade, o de um
Br11i1 portugu6s e imperial, cujo '.'passado colonial e escravista maculava a
imagem civilizatória do novo regime" (JUUÁO, 1992, p.17).
Fabricando rejlaoi
77

Assim. a proposta de construção de ~ma nova cidade para abrigar a


:zde do governo mineiro vinha carregada de significações:

"Não apenas se edificava uma Capital, também se


buscava construir a república brasileira, recém-
instatada. Ambas as obras partilhavam de um código
comum, eram expessões de um desejo de renovação
da sociedade. Convertida em bandeira da elite, a
~erênçia da capital passou a ser identificada,
inclusive, com o projeto republicano" (JUllÃO, 1992,
p.11).

Dessa forma, se a república tinha como principal projeto inserir a


nação brasileira em meio aos grandes países do mundo civilizado - como foi
apontado no c~;-~tu!o anterior .- é possível perceber que, nos debates travados a
respeito da transferência da capital, os defensores da mudança se apoiavam em
idéia semelhante. Esse "novo tempo", visto entre os seus contemporâneos como um
tempo de renovação, abetto ao progresso e ao desenvolvimento, exigia uma capital
afinada com esses "novos" ideais. Uma cidade moldada nos grandes centros
europeus, espaço de vida, •de civilidade, de cosmopolitismo, tecnicamente
ordenado e racional, capaz de imprimir progresso, de promover o crescimento e a
integração econômica e social em todas as regiões do Estado, como apontam
algumas opiniões expressas na época em que se discutia a questão da
transferência:

" (...) certo de que a civilização não pode emanar


senão da grande cidade.( ...) de uma capital que tenha
todos os elementos necessarios para a vida oficial,
assim como para a vida dos seus habitantes"(3).


l'abricando r,jla.o,
78

Segundo aqueles que defendiam e articulavam o discurso favorável à


mudança. Ouro Preto não satisfazia tais exigências. Acanhada. retrógrada e
provinciana, a velha cidade parecia muito mais um empecilho ao desenvolvimento
do Estado. Transformá-la a partir de reformas urbanas, como havia sido feito em
algumas capitais européias era considerado por muitos algo bastante operoso, e
memio improfícuo (4). Eram vários os elementos que pontuavam esse discurso dos
chamados "mudancistas" - isto é, dos que se punham à favor da transferência. Na
opinião destes~ a cidade se via às voltas com a decadência e a estagn.ição
econômica, frutos do declínio da atividade mineradora. Além disso, a topografia
acidentada da região dificultava a implantação de um planejan1ento racional e a
possibilidade de expansão urbana. Por outro lado, essa topografia prejudicava
também os acessos e as vias de ligação a outras áreas, o que por sua vez,
reforçava ainda mais a crise e a incapacidade de desenvolvimento nos moldes de
uma economia diversificada, como convinha a uma capital. Ou seja, as
características da antiga Ouro Preto se opunham a quase tudo o que, na visão de
muitos homens da época. exigia uma capital modema e civilizada:

''Poderia srs., em uma longa série de argumentos


demonstrar-vosque a cidade de Ouro Preto. não
ofereceuma só das condiçõesprecisaspara a Capital
de umaProvínciatão importantecomo essa. Poderia
descrever a sua decadência, mas que necessidade
tenho eu de apresentar-vosesse quadro, quando o
original aí ectá a vossa vist~ quando aí se vos
apresentam as ruínasde tuas inteiras~quandoem lugar
de uma população que outrora chegava a vinte mil
almas, boje ai vedes.reduzida:i menos de cinco mil,
(...), quandoenfimse vos apontasseos inconvenientes
queoferecea sua localidade,nadamais diria do ~e o
que estais sentindoa todos os momentos?.Emminha


FabrlcaJ1do reflexo.
79

opinião qualquer outro ponto da província seria


preferível a este p:ira sede do governo" (.5).

Partidário do mesmo pensamento era o então governador do Estado de


Minas, Antônio Augusto· de Lima, como revela a seguinte mensagem enviada ao
Congresso Mineiro no ano de 1891, na qual era assinalada a necessidade de dotar o
Estado de uma capital ...

"(...) que seja um centro de atividade intelectual,


indu..~·iaJ e financeiro, e ponto de apoio pan a
integridade .de Minas Gerais, seu desenvolvimento e
prosperidade, pois que de tal condição carece
infelizmente a atual capital [Ouro Preto] (...)" (6).

Acatada a decisão constitucional, ~ criada no ano de 1894 a


Comissão Construtora. Começava a surgir no papel uma moderna capital "novinha
em folha". Ruas de vinte_metros de Iat·gura e extensão a perder de vista; calçadas,
arborizadas, iluminadas, totalmente saneadas. Grandes avenidas de trinta e cinco
metros, e a avenida principal, cortando a planta de norte a sul, com cinquenta
metros; enorme, realmente sem fim. Cruzamentos regulares, dando uma perspectiva
sem obstáculos para a visão - parecendo a Paris de Haussmann - mas que acabaria
sendo um pouco prejudicada em função de algumas elevações não previstas nas
plantas, porém existentes no terreno escolhido. Prédios novos, casas, verdadeiros
palacetes com profusão e riqueza de detalhes arquitetônicos. E praças, várias; e
mais um extenso e aprazível parque bem no centro urbano. Circundando tudo isso
uma outra grande avenida sinuosa, quebrando um pouco a retidão daquelas ruas,
dando à planta e, posteriormente, à cidade wn contorno wn tanto irregular. Por fim,
os arrabaldes, também pensados, também planejados (1). Uma modernidade que,

.........__
- /lo.t, umdo rt/111/1.,;
IJ(j

rf

como ,e percebe, revelava .uma preocupação profunda com o efitétíco e. ao nu:,mo


tempo, como será vino adiante, ordenadora e excludente.

Escolhida a área para a construção era s6 deitar o '1>elo" plano sobre


ela:

"( ...) o triunfo da linha reta e dos ânguloa agudo,. e


esta [era) a razão porque, fm todo o mundo c~ería) a
única urb!; dentro da qual, em qualquer ponto, !;e veêm
as ruas em toda a ma extensão, como 5e fossem fita!;
i.mensasdeitadas ao longo de suas casas". (8).

Em 17 de dezembro do ano de 1893, uma lei adicional à Constituição


do Estado definia finalmente, após alguns estudos em diferentes localidades, o
lugar destinado a abrigar a nova capital de Minas. Quatro anos passados e um
antigo e pequeno arraial conhecido como Curral dei Rei, amanhecia um "Belo
Horizonte" (9). Muitos dos projetos que constavam do plano elaborado pela
Comissão Construtora ainda não estavam completamente temúnados, alguns
acabariam não sendo sequer executados, no entanto, o essencial para que a nova
sede do governo mineiro pudesse entrar em funcionamento já tinha sido concluí.do.

Mas, se nem tudo que constava das plantas elaboradas pela Comissão
estava pronto, já estava ao menos projetado, e assim, a 12 de dezembro de 1897 a
cidade era "inaugurada" com toda "pompa e circunstância" necessárias à ocasião.
Autoridades e comitiva desembarcando de trem, discursos pronunciados na Praça
da Liberdade, o centro dos poderes do Estado. AJ comemorações contaram com
salva de tiros de canhão e banda de música, ruas efusivamente ornamentadas

bandeirolas, arcos, festões, galhardetes e gente, ocupando todos Oi lugarei onde
Fabricando reflexo~
81

havia festa - que iria se prolongar até alta noite nos bares da Belo Horionte. E para
fechar em grande estilo os festejos de instalação da novíssima cidade, haveria,
ainda nesse mesmo dia, o nascimento daquela que seria a primeira cidadã da nova
capit.al, chamada por isso mesmo; de I\-finas Horizontina (BARRETO, 1936, p.713-
739)..

.~ _!e~ta~oroava uma grande v~tóri~, que seria percebida num artigo


publicado no jornal A Capital, como a vitória do progresso, da razão e da
inteligência. Uma grande cidade com grandes possibilidades, voltada para o futuro,
o desenvolvimento, o moderno, o cosmopolita. Uma capital digna "dos foros de
povo civilizado" ~ dos "benéficos influxos do progresso" inst.aurados com o novo
regime (1O). Tmha-se um espaço invejável, ordenado, limpo, racionalizado, primor
da estética, como <kt.enninavam as regras do pensamento urbanist.ico de ent.ão. Os
serviços oferecidos também contribuiriam para assegurar-lhe o sucesso. Com a
nova capital a elite mineira dava uma certa visibilidade ao seu projeto de
ordenação da sociedade: tudo está localizado, a tudo se busca tomar previsível: os
lugares, as atividades, as pessoas, e mesmo as possíveis relações que elas
pudessem estabelecer.

O espaço ideal estava criado, era como um "reflexo" das "melhores"


idéias, das "melhores" soluções do urbanismo dos grandes centros. Agora era
esperar que seus futuros cidadãos se vissem através daquele espelho de molduras
européias; que um comércio e uma população refinados e elegantes tomassem de
assalto essa 5 ruas, avenidai, palacetes ... Que viesse o footing, as vitrines
iluminadas, toil,tt•s requintadas, chapéu, poesia nas esquinas, nas livrarias, cultura,
noites de teatro, cÍl)emdi>, alegria nos clubes, nos cafés finos. Que se enchesse de
Fabricando ,,jlao;
81

Uurburinhoo parque, as avenidas, a cidade . . . Finalmente, o povo mineiro já podia


contar com uma capital civilizada, ou quase. Afinal, é preciso pensar que, por mais
que os planejadores tenham idealizado o· espaço da nova sede do gov~o aímado
com as ent.ão '!modernas" idéias do urbanismo, uma cidade não se faz apenas
através de traços retos, praças, casas ou palacetes. O elemento humano é que dá
vida a esse espaço. Assirn, as relações que seus habitantes estabelecem, os lugares
que eles criam, a maneira como eles ocupam a cidade são, da mesma f onna,
aspectos determinant.es na qualificação que se possa fazer a respeito dessa cidade.
E nesse sentido, é possível perceber que, em Belo Horizonte não é apenas a cidade
que era idealizada, mas ainda, a própria população - gente fina, elegante, culta ...

Da mesma forma que a planta projetada para a cidade seguia o~


modelos europeus, como por exemplo Paris ou Viena, a população, as casas
comerciais e as atividades nela estabelecidas também haveriam de seguir um tipo
de padrão considerado como civilizado e moderno. É a classe but·guesa européia,
seus comportamentos, seus gostos, suas instituições culturais e sociais que se
constituem no pattern a set" copiado. Todos esses elementos enumerados acima
eram parte integrante da idéia que se fazia do "ser civilizado": movimento, moda,
hábitos elegantes e educados, teatro ... E esta tta uma das razões da presença dos
cafés nas imagens construídas a respeito de como deveria ser a moderna capital.
Dessa forma, o café pode ser pensado aqui como espaço que funcionaria ~.nquanto
um auxiliar na promoção daquele projeto de ordenação elitista e burguês.

Esses desejados estabelecimentos de café iriam adquirir uma grande


importância em meio à sociedade belorizontina nas primeiras décadas de sua
existência, e sua presença entre as ruas dessa "urbs de linhas retas" pode ser
> Fabricando ,qluo&
83

pensada através de aspect.os bastante semelhantes aos que foram apresentados no


capítulo anterior para os estabelecimentos europeus e, também, para aqueles café5,
abertos em algumas cidades brasileiras. Se na Europa, como foi visto, as· mudanças
verificadas no âmbito da sociedade aristocrática. durante o séculos XVIl e XVIII e
as alterações urbanas que elas engendraram, exerceram influências na abertura e
expansão das casas de café, no Brasil as transformações política·s, econômicas,
sociais e urbanas, entre outras, vividas no decorrer do século XIX e início do atual,
contribuíram no mesmo sentido. É nesse contexto que a nova capital mineira e os
seus estabelecimentos de café serão analisados aqui.

Cidade republicana, erguida no final do século ~ Belo Horizonte


não conheceu o apogeu da sociabilidade aristocrática, dominada pela hierarquia, ~

formalidade e a restrição reinantes nos salões da corte e das famílias nobres que
predominavam no período colonial e, também, na época do Império. Ao contrário,
a nova capital nascia num momento em que um novo tipo de sociabilidade~ mais
aberta e mais diversificada no que diz respeito às normas hierárquicas e aos
estratos sociais, começava a surgir e a se sobrepor àquelas antigas fom1as de
relacionamento presentes na sociedade. Um tipo de sociabilidade que, como se v'iu
no capitulo anterior, comportava o estabelecimento de contatos mais divei·sificados
e menos dependentes da possibilidade de classificação dos interlocutores, como
aqueles que se davam no interior dos cafés.

Tomando o caso europeu como referência, ~i (1974)


ªPonta que, com o crescimento e a diversificação verificados no universo ut'bano, a
associação entre os homens de fins do século >...rvme XIX não se apoiava mais em
Critériosde posição social. Afinal, os novos tempos, a nova organização social e
p
l'ahrícando refle::xof
84

e51>1cial
das modernas cidades do velho mundo ao promoverem a individualiza.ção
e a indeterminação do sujeito, praticamente inviabilizavam as relações daquela
natureza. No tempo e cidade modernos predominava o chamado "tipo anônimo de
integração"·(ll);·bastante·diverso daquele que regia a interação entre os homens na
velha sociedade aristocrática. Nesse mesmo sentido, SENNETT (1988) aponta:

"À medida que a cidade continuava a se encher de


••gentê; as pessoas foram -peraetido cada vez mais o
contato funcional umas com as outr·as nas ruas. Havia
mais estranhos. e eles estavam mais isolados.
(p.172)." ·

''Além do mais, não há meios claros para se dizer


quem são os homens ~as grandes cidades, de tal mo.do
que a ênfase [para julgá-los ou ciassificá-los] recai
inteiramentesobre aquilo quefazem"(p.141).

Porém, como apontam SENNETT (1988) e MANNHETh,{ (1974), esse


anonimato que regia as relações modetnas não foi suficiente para sepultar ou
extinguir o elitismo e a segregação social em meio às essas relações. Isto significa
que, essa nova sociabilidade não era de fato inteirament.e "democrática" como se
arvorava, ou, dizendo de outra forma, o anonimato que passava a reger o contato
enlre as pessoas na sociedade moderna não deve ser tomado como garantia de
relações sociais mais "democráticas".

•.Analisando a experiência dos habitantes da capital mineira dentro


deste novo contexto das relações sociais é possível verificar que. ainda que
nascida num mome:ito em que o contato entre os hon1ens era regido por novas
regras, o tipo de integração e de sociabilidade que caracterizavam a cidade não se
encaixavam ip.ris litarls nesse chamado modelo "anônimo" de interação. Uma

b
l'ab,icando ,eflaos
8.5

consultaàs crônicas e obras literárias produzidas na e ~obre a cidade apontam


que,para uma parte significativa de sua população e em especial aquela ligada à
burocracia, esse anonimato não era moeda corrente. As lembranças de Nava (1985)
são ·exemplo:· quando aiesenta seus personagens ele tece toda sua genealogia,
expondo também as relações de amizade que aproximavam grande parte das
famílias. Outro autor quenos fala a eite respeito ·é RENAULT (1988): "A
populaçãc se conhecia e se cumprimentava. Aquele que mora no bairro dos
Funcionários sabe o nome de todos seus residentes" (p.17).

Nessas lembranças sobre a Belo Horizonte dos anos vinte, a cidade se


apresenta como um espaço no qual quase tudo e quase todos eram reconhecíveis.
No C{Ue
diz respeito aos seus habitantes, isto significava que quase toda pessoa era
passível de ser classificada, reduzida "às proporções de alguém a quem na
verdade se conhecia, se não pessoalmente pelo menos de modo abstrato, como
sendo aparentada, de forma mais ou menos estreita, com alguma família"
(CONNERTON, 1993, p.20-21). A cidade produzia, em relação aos seus
habitantes, uma sensação de existir, de ser conhecido e reconhecido, em contraste
com· o anônimo. Isto, em certa medida, facilitava as relações cordiais entre os
indivíduos: sorrisos, cumprimentos, saudações, troca de palavras. É nesse sentido
quese pensa a cidade como umà ''unidade de vizinhança" (ARGAN, 1992, p.235),
em oposição à grande metrópole, ocupada por uma população [multidão]
desconhecida e inclassificável. •

Certame~, é preciso relativizar esse aspecto dentro de uma cidade


construída como a capital mineira.Elitista, a cidade não favorecia relações entre
pobres e ricos. Estes, inclusive, tinham já seus lugares demarcados e definidos no

b
,ah,Jc,md~ ,,,Jln,;;:
86

eap■ ço urbano. P rém, •dedro de1H1 lugue1 (ou baitrOf) defmidos, como
RENAtJLT 1U ere acima, era pouivel obtervar esse tipo de te1aeionamento.
~ im, é nec árjo re ,altar, também que, 1e é poHível detectM relações mai
cordíait, apar • maie famíliaret ou íntimas, i~so não 1ítpifícava, ou era
suficíenu par• caractttízá,..Ju como menos etítistu e mais democráticas.

~ensacb desde sanpre como lugar d'> moderno~ do novo,-


seja
. .
no -que
,. - -
se rd.eria ao seu espa~o fi1íco, ao seu plano urbano, seja no seu aspecto humano,
social, Belo Horizonte deveria reproduzis-o que de melhor havía no &asíl ..., no
n1Jndo ... , na "cívitização"t É a metcópol.e~rguesa moderna que serve de modelo
a nova capital, e eram as novas formas de relacionamento dominanta nos grandes
centros que povoavam~• ídéias_dos seus cria.dores e de alguns de seus primeiro.ó
aorusta1. No erâanto, mesmo que liberadas das ~,elhas regras e ímpedímentc,s
hierárquicos, as relações estabelec,idu pelos habítarus da cidade não reproduziam
{ampla e repetidamente) os modelos erúo dominantes na sociedade européia.
Meano que o projeto da capital mineira tenha surgido sob um IJlOIDredO de
rmdança1, de ucenção de novas prátícu e valores no campo da int«a.ção eláe os
homem(e mesmo que não u reproduza quando ganhe vida), ele ni<>escondia seu
fundo elitista - eJe nio comporta as cbun baíxu, que são lembradas sempre na
forma da excludo, para além dai fronteiru da cidade (12). Na verdade, a cjdade
ji era elitista e estratíftcada de.de sua própría concepção. Esns caractmsticu se
farto •entir também em relação aoa estabel.eeimed.os de ct.f~ da nova etpital.
npecialmette no que se ref«e à relaçio entre cpJalidade e loc r ç-o corno se
verá mais adiuu.
l'abricando r,jlao&
87

Outra relação possível entre a difu!-;ão das casas de café em Belo


Horizonte e em outros centros refere-se ao aumento da população urbana. Se a
expansão urbana - fruto das mudanças vivenciadas pela Europa entre os séculos
XVIll e XIX, e XIX e XX pelo Brasil - influiu nas formas e caracteristicas das
relações mantidas pelas pessoas, ela também extendeu seus reflexos na difusão
das casas de café, tanto lá como aqui. A ampliação das can1adas médias e mais a
sua conseqüente.demanda.por.outros espaços de.interação social foram.fato:-es que
exercei-aminfluências importantes no surgimento e expansão dos estabelecimentos
de café, ou mesmo, um dos seus elementos determinantes. Atinai, como aponta
AGUUION (1971), a nova diversificação da estratificação social não suportava a
antiga dualidade elite-polular no que se refere aos espaços do encontro e da troca
social em público, e é no vàcuo dessa diver-sificação que os cafés alcançaram
projeção.

No caso da capital mineira, porém, não foram necessárias mundanças


para o surgimento de uma camada média significativa. Construída e:,q>ressamente
para se tomar a nova sede do governo do Estado sob o nascente regime
republicano, Belo Horizonte contava com um número e,q,ressivo de elementos da
classe média em meio a sua população. Muitos diriam dela nestes seus primeiros
anos:cidade burocrática ... ,

"(...) dos estudantes, dos soldados, dos fimcionál-ios


[públicos] tipo "A", tipo ''B" ou tipo "C", segundo a
casa em quehabitassem"( 13).

Situação que perduraria por certo tempo, como revelam os dados do


Anuá1io Estatisôco (1922-1925) (14): em 1920, num universo de 19.323 pessoas


Fabricando .-,:J:aoi
88

ocupadas profisc-ion1lrnente (numa população total de .5.5..563), o setor terciárió


absorvia 10.838 habitantes (56.1%), dos quais 3.314 (30,6%) apenas nos serviços
burocráticos e na força pública. Segund~ OUTRA (1988), "a grande concentração
na administração é natural numa capital de estado, onde as tarefas administrativas e
burocráticas possuem enorme peso" (p.57). Dessa forma, para B~lo Horizonte
aquele fator - existência de uma camada social média expressiva e suas demandas
- precedia a própt·ia cidade. Isto é, ele esbva dado de antemão por sua deíuúção
mesma enquant.o capital. E neste caso, Wlla clientela de hábitos sociais menos
restritivos ou aristocráticos não faltaria para ocupar os diversos cafés que
haveriam de se instalar em meio a suas ruas e avenidas.

No que se r~ere ao seu espaço urbano, Belo Horizonte também não


vivenciou o periodo marcado pelas cidades arcaicas e acanhadas, como meninas
feias e desengonçadas, que predominavam no país durante a época imperial.
Cidades que não apt·esentavam qualquer atrativo, dominadas por ruelas pequenas e
tortuosas, sem saneamento e mal iluminadas; ocupadas por tabernas, vendedores
ambulantes e escravos, e consideradas como verdadeira ameaça à mo111l da
família - lugar da pennissividade, da imprevisibilidade, da decepção. Na ausência
de um espaço público à sua "altura", as famílias viviam praticamente em reclusão
doméstica (15). Cidades como a São Paulo ou Rio de Janeiro do século XIX, que,
como foi examinado no capítulo anterior, precisaram ser alvo de detemunadas
reformas (em certos casos, como na capital do país, bastante radicais) a fim de
oferecer opções e lugares com pouco mais de refinamento e comodidade para o
desenvolvimento da vida social pública de sua população, assim como aquela que
tinha lugar nos melhores centros europeus.


- Fabricando r(/lao&
89

É preciso ressaltar porém que, ao apontar a ausência de opções


que favorecessem o desenvolvimento de uma sociabilidade de cunho familiar
dentro do universo urbano nos grandes centros brasileiros - ou, mais
e:,--pecificamente,da rua e das casas comerciais nela estabelecidas não se
pretende n~gar a e.xist.ência de troca social, de interação entre alguns dos
habitantes das cidades nesse tipo de espaço. Afinal, se a rua (assim como suas
&abemas,.seus quiosques ou qualquer outra.espécie.de.estabelecimento públ!co que
as ocupavam) não possuia atrativos suficientes capazes de seduzir ou de estimular
a freqüência da "família", outras camadas da população não deixavam de usufruir
desse espaço.

No ~nto, a "princesinha" mineira, ao contrário de outros importantes


centros brasileit·os do século passado, nascia sob o signo do planejamento, da
ordenação, da definição dos espaços urbanos inspirados no modelo já consolidado
das grandes cidades européias. Espaços [desejados] de vida e movimento,
comiopolitas, civilizados: parques, boulnards, clubes, praças, cafés ... Esses eram
alguns dos adjetivos e dos elementos que apoiavam o seu plano e que, também,.
~ervtam de substrato a tudo que se idealizava em relação àquela nova capital.
Dessa forma, Belo Horizonte já nascia com "tudo no seu devido lugar", não seria
necessário nenhum tipo de reforma para "civilizar" seu espaço urbano, como
•averia de ocorrer nas duas cidades citadas acima.

Na verdade, resultado de urn projeto detalhadamente elaborado


segundo as idéias que regiam o p~amento do modemo urbanismo no velho
eontinente, a própria cidade já se constituía numa intervenção, iniciada com o
decreto de sua cri~ção e com as demarcações determinadas em seu plano, e que

---
Fabricando refl.ao&
90

se mmteria por longo tempo, através de diversos atos administrativos de seu


governo. Como é possivel verificar em vários documentos e em diferentes esferas
da vida de seus hahitantes, a capital surgia como uma imposição, que trazia
definidos nom1as e preceitos a respeito do desenho de suas ruas, de suas casas; do
modo como ela deveria ser ocupada; de como ela deveria funcionar e se
desenvolver, e ainda, rio que se refere ao comportamento de sua população e às
formas coh10 ela deveria usufruir o espaço público urbano (16):

''Fica proibido o uso dos jardins públicos, praças e do


parque mtinicipal a pessoas ébrias, alienadas,
indigentes, e as que não estiverem decentemente
trajadas, e bem assim as que lev2rem consigo ( ...)
volumes excedentes de 30 centímetros de largura por
40 de comprimento" (Decreto n.10, 24 de jtmho de
1925).

''Nenhum indivíduo poderá pedir esmolas, no distrito


da cidade, sem •esm inscrito como mendigo, no
respectivo livro da Prefeitura" (Decreto n.143.5,27 de
dezembro de 1900).

"O adquirente de lote nos termos desse regulamento,


além de sujeiw-sc 3s regras de construção, higiene
e segurança dos prédios que forem posteriormente
estabelecidas, ainda se sujeitará ( ...) às seguintes
cláusulas:

•. 1- O adquirent~ de lotes urbanos para prédios mbanos


os edificará num prazo fatal de quatro anos ( ...); e
quando os lotes sejam contiguos, até o número de três,
poderá fazer uma s~ edificação o~ casa, mas ~om a
obrig3 ção de cultivar flores, arvores 1hitifet.i~:
hortaliças, pelo menos na metade de todo o terreno
(Decreto 803, de 11 de janeiro de 1895).
-- FQhrlcando .·rflcro~
91

"~.,enas a uma das avenidas (...) dei a largura de ~O


~etros. para_ constitui-la em centro obrigado da
Ct~adee, assnn, forçar a população, quanto possível,
a tr ~e ~e~envolvendodo centro para a periferia"
(Comtssao Construtora.,oficio n.26, 23 de março de
1895).

"As a~enidasde 3.5metros de largira, terão passeios


latet·ais de 4 metros de largura, duplo renque de
tQqo(....)_.___·-·
tkan.do _Q_cenu-.9
árvores.junto aos p$i~_seiQj)_
para trânsito livi·e dos can·os e tram-ways" (Revü,1a
Geral dos Trabalhos, 1895). •

Essas vias urbanas da nova capital, saneadas, arborizadas e


iluminadas, eram, teoricamente (17), um espaço propício para o usufruto da
"família", para o desenvolvimento daquele novo padrão de sociabilidad'._S,
moderno, burguês e civilizado. E, conforme a crença de muitos, o estabelecimento
de um comércio de qualidade só haveria de reiterar essa suposta qualidade do
espaço público da cidade. Porém, nem tudo que parece tão bem pensado, definido
e articulado num plano urbano, necessariamente funciona quando vira t·ealidade.
Na experiência cotidiana dos primeiros moradores da Belo Horizonte, as ·vias
Qum espaço de vida social intensa e trepidante. num
urbanas não se tran,_c.:formaram
lu_garde contato e troca social múltiplos, na exata medida em que havia sido
idealizado e desejado:

"A capital mineira estava longe de cumprir essa


vocação. (...) ao invés de estimulara intenç.ão social.
seu espaço a constrangia,comprometendo,é claro, sua
vida pública. (...) ao mesmo tempo que oferecia
espaços adequados e atraentes para o convívio,
contraditoriamente [a cidade] inibia, com sua
'geografia' segregacionista e disciplinador~ a



Fflhrlcando r~oor
91

interação entre os indivíduos." (JUUÃO 1992 p.86 e


90). ' '

Essa visão do espaço urbano planejado das cidades modernas como


elmiento inibidor do estab~lecin1ent.o de trocas, de relações sociais entre os seus
habitantes, é um dos principais argumentos dos críticos de algumas soluçoes
urbanísticas, con10 as que foram postas em prática através das reformas parisienses
de Haussmann., até mesmo àquelas ..preconizadas. por Le __
Corbusier e seus
seguidores. A priot-idade que davan1 ao movimento, à vi5ibilidade e à
racionalidade, mais o contro_te,a ordenação e a segregação que possibilitavam são
apontados como fatores detetnlinantes de uma cett.a supemcialidade, de un1 certo
constrangimento, ou mesmo de um declínio na vida pública dessas cidades (18).

Nesse sentido, é importante ressaltar que a interação entre os


habitantes no espaço urbano da bela Belo Horizonte não se desenvolveu
exatamente segundo os n1oldes das grandes cidades ew-opéias que havian1 lhe
servido de inspiração - "intensa e trepidante", "elegante e civilizada". Afirmar esse
descompasso entre o ndesejado" e o "realizado'\ no entanto, não significa neg.u· a
existência de vida pública na nova capital. Assim, se no traçado moderno de suas
vias a cidade constrangia, ela não deixa de apresent.ar outros an1bient.es pa.n o
desenvolvimento dessa vida píablica. Se a imensidão da rua não favorecia à
reunião, espaços, como por exemplo cafés e cinemas (entre outros), que para elas
abriam as portas, foram lugares importantes para o encontro da população dessa
cidade.

Se enquanto espaço alternativo às vias e praças da cidade. os cafés


podem ser tomados muitas vezes como uma forma de reagir às imposições que 0


f abricQJ'/do
t'{ffr:xoi
93

pllno da cidade carrP.ga;se esse plano induz ao constrangimento no que se refere


ao contato· entre os homens, esses podem criar ou se apropriar de outros espaços
da cidade, entre os quais o café. Idéia a primeira vista ambígua, se lembrarmos das
possibilidades de controle e ordenação que se inscrevem na visão que toma o café
como lugar de civilização. Porém, no fundo, o café é espaço de manifestação e
confronto dessas duas forças: se ele se presta à ordenar, dirigir, impor normas e
comportamentosburgueses, serve também como e~aço· para burlar essas mesmas
normas,para a criação e\ou prática de formas de comportamento que se inscrevem
emregistros diversos ao do "moderno e civilizado burguês", como espaço onde se
criamrelações que fogem à essa tentativa de a tudo controlar.

Se um dia a nova cidade teria seu café elegante (o Estrela), aberto r.J

rua mais elegante, onde se reunia o funcionário público classe média e ot


medalhões locais [o que, para certos cronistas ainda não bastava para igualá-lo aos
cobiçados modelos europeus], ela também teria, espalhados em várias de suas
ruas, outros diversos cafés, pequenos e simples, e cuja freqüência mais popular os
caracterizaria, na opinião de alguns, enquanto espaços de desordem e
provincianismo, como era o caso, em especial, de alguns estabelecimentos da
região do meretrício, que costumavam aparecer nas notas policiais dos jornais da
capital cm função dos excessos cometidos por seus frequentadores. Até mesmo
algumas casas da região central protagonizaram momentos de desordem: brigas,
tiros, bebedeiras no Bar do Ponto, no Trianon [assunto a ser observado no
próximo capítulo]. Outro momento onde é possível perceber os cafés na contra-
mão dos projetos de ordenação da sociedade está no fato desses estabelecimentos
lerem sido tomados por vários clientes como lugar de ócio ou de negócios,
(flebrando a funcionalidade e a classificação que o plano original buscou imprimir


Fabrícandor,j/exoi
94

ao espaç_o~..~-~pital.
Passar o dia no café contrariava O projeto urbano, que havia
designado a casa (familiar) como espaço do descanço, e também o projeto social,
que buscava criar e controlar o homem digno e trabalhador.

Para além dessa questão, um outro aspecto influênt.e no prestígio que


os cafés haveriam de adquirir na nova capital diz respeito a própria experiência
urbana anterior que teriam alguns moradores que para ela se transferiram. Ao que
parece, para muitos daqueles habitantes que se fixaram na cidade, a freqüência a
est3belecimentos desse gênero já era como que um hábito, fazia parte de seu
cotidiano·.É por exemplo, o· que nos sugere a crônica publicada em dezembro de
1927 no jornal Diário de ~finas, citada no capítulo anterior, na qual o autor
recorda a demora em acostumar-se· à inexistên.:ia de uma casa de café na cidade
ainda em construção (19).

Fm Ouro Preto, lugar de origem da grande maioria dos funcionários


que viriam se instalar na nova capital, essas casas de café não eram nenhuma
novidade em meio à população. Como revela o cronistá MoaC)T·Àlldrade, o sr.
Felipe Longo - antes de se tomar proprietário do mais famoso café belorizontino, o
Cafée Bar do Ponto - mantinha na antiga cidade de Ouro Preto estabelecimentos
de café e bilhares (20). Outra informação sobre a presença desse tipo de
estabelecimento aberto ao público na velha capital mineira é dada pelo gaúcho
Pedro Rache. Em suas memórias sobre a época de estudante naquela cidade, ele
aponta a presença de algumas casas de café entre um universo de diferentes
estabelecimentos comerciais em funcionamento. Recém-chegado à velha capital de
Minas na última década do século passado, ele se surpreendia com a animação e a

variedade do comércio local:


Fabricando refle.xoI
9.5

"(._..) a rua principal movimentada. com bons cates.


l~Jas de fazendas bem sortidas, gente de bom aspecto
cu~tand~ pela limpa calçada de paralelepípedos.
Aqu~lo nao era tão ah-asado como supunha e mais
admirado ficou quando o seu cicerone, ao entrarem
num café, pediu uma garrafa de cerveja Pá, de
fabricação alemã'" (21)

Além de sugerir uma familiaridade entre razoável número dos


habitantes da nova capital e os estabelecimentos de café, essa passagem aponta
para outra questão importante: em que medida a presença de um estabelecimento
de café no espaço urbano da cidade era sinal, ou mesmo medida de civilização?
Afinal, a "provinciana" e "acanhada" Ouro Preto, assim como o velho Rio de
Janeiro antes das reformas de Pereira Passos, jâ possuíam seus exemplares do
gênero (22), n1as, apesar disso, essas cidades na maior parte das vezes não eram
vistas como exemplos de centros civilizados. Neste caso, é possível pensar que o
café em si não constitui um sinal de civilização ou cosmopolitismo. O que lhe
confere esse caráter são o serviço, a decoração, a clientela (com seus modos e
comportamentos), que juntos poderiam criar um ambiente elegante e refinado.
Como será visto, mesmo na Belo Horizonte de meados da década de trinta alguns
moradores iriam considerar os cafés locais extremamente n1edíocres.

Mas se essas casas de café não foram parte da experiência, da


realidade anterior presente no dia-a-dia de todos aqueles que seriam seus futuros
~ .
habitantes. elas não deixaram de compor as citadas imagens que grande parte deles
faziam a respeito de como deveria ser uma verdadeira capit.al. Afmal a Europa era
pródiga neste tipo de- estabelecimentos, e se essa mesma Europa era o exemplo



l'ahricando r,J[c.o;
96

5Upremode civilização e cosmopolitismo, aquela nova e moderna capital, de futuro


úo promissor, não poderia prescindir deles.

No que se refere a todo esse discurso sobre a decantada modernidade


daquela Belo Hor-izonte, é preciso ter em mente que, mesmo que tenha sido
planejada e construída para o novo, a capital e os seus habitantes não se
constítuiram como um exemplo acabado e perfeito do que se considerava o
moderno, o civilizado. Diversamente disso, a cidade e a sua ocupação também
ofereceram exemplos: de provincianismo, seja em seu espaço urbano, seja no
âmbito social. Algumas crônicas, reportagens, e mesmo obras literárias revelam
imagens bastante contraditórias àqueles ideais de modernidade em meio aos quais
a cidade foi pllú..c:jada- tanto no que se refere às plantas da Comissão Construtora
como em relação acs sonhos, aos desejos de grande parte dos homens que viriam
habitá-la. Como será visto de forma mais abrangente no capítulo seguinte, a
capital haveria de conviver por um longo período, com dois discursos distintos e
antagônicos a respeito dessa sua tão almejada "civilização".

Em diversas lembranças produzidas sobre a cidade, é possível


det.edara presença de um certo arcaísmo, um ar de coisa ultrapassada, de coisa
como que parada no tempo. Um bom exemplo des:se tipo de sensação está nes~

passagem do escritor Cyro dos Anjos a respeito das suas primeiras in1pressões
sobre a capital nos começos dos anos vinte:

"( ...) pelo menos nas aparências, o estilo de vida dos


fins do século XIX imperava, ainda, em Belo
Horizonte, quando para lá fui, adoleGcente, fazer os
meus preparatórios. (...) O certo é que pude ver,


- ,ahrícar.do rq/aoi
97

ainda, na capital mineira,as marcasdo rm.mdoantigo..


(Anjos, 1974,p.117).

Entre elas, cita o autor, estavam o poder dos antigos próceres do


império, os ctvalheiros em velhos fraques, os passos pachorrentos, monóculos,
tílburis e cupês, a quadrilha, a valsa ... uma gente com seus modos e seus valores,
bem específicos e tradicionais, inclusive no que diz respeito ao relacionamento
social. ~fas, da mesma forma, isso não significa dizer que a cidade seria o exemplo
claro e acabado do seu contrário - ou seja, do provincianismo. No fundo, o que se
vivia naquela Belo Horizo~ era a experiência de um período de mudanças. de
tnnsições, como muito bem explica o mesmo autor da passagem citada acima:

''Vejo, nesta altur~ desmoronar a tese que tão


laboriosamente esbocei no começo deste artigo. O
século XIX vinha-se esfarinhando há mais tempo. A
sociedade m3l"cha desigualmente,como mn batalhão
de recrutas. Cettas de suas manifestações adiantamo
passo, outJ·as o atnsam, quando não retroce~
desorientadas" (ANJOS, 1970, p.118).

A capital era, no fundo, uma mistura de tempos. Uma cidade de quem


viveu o passado, de quem trazia seus hábitos, manias, costumes arraigados~ de
quem já tinha uma lo~a história percorrida. Mas, também, uma cidade de quem
ansiava pelo futuro, de quem era só desejo e novidade. Essa diversidade nos
anseios, nas experiências e nos seus variados tempos conbibuiu no sentido de
~ .

impedir que a Belo Horizonte se tomasse apenas cópia de um modelo qualquer.


Ser i~ (moderna) ou aquilo (provinciana)! - propwlharn os discw·sos engendt-ados
sobre ela. Nem uma cÕisa, nem outra - respondia a cidade no seu concreto.


l'ahrlcando ujlaos
98

Durante as primeiras décadas de sua existência essa "moderna urbs"


'
de linhas retas acabou por abrigar um grande número de estabelecimentos de café.
Afinal, como foi visto, a cidade possuia quase todos os elementos que foram
influent.esna expansão desse gênero de casas no continente europeu, e também, em
algumas das principais cidades brasileiras. Como será discutido no próximo
capítulo, talvez esses estabelecimentos não tenham c~rrespondido em refinamento e
elegância, em civilidade e cosmopolitismo àqueles modelos que povoavam os
sonhos e os desejos dos construtores e de muitos dos homens que se deslocaram
para a nova cidade. Talvez, ~lgumas dessas casas [seja em função de seu aspecto,
ou então de sua freguesia] tenham mesmo se transformado em espaço de negação
de tudo aquilo que se ansiava· para a nova capital.

Para analisar as casas de café da Belo Horizonte frente às visões do


que era considerado uma verdadeira capital, ou ao que era concebido como
moderno, civilizado· e cosmopolita, é imprescindível conhecer e mapear esses
estabelecimentos através da· cidade. Em que lugares essas casas estavam
localizadas? Como eJas se classificavam no que diz respeito à sua decoração? à
sua clientela? ao ambiente criado pelos garçons e proprietários e também por sua
freguesia? - Onde estavam e como eram os cafés da Belo Horizonte?

Os cafés no espaço da cidade

1"rwportei-me, lendo O Binóculo, ao Belo


Horizontede 1908. (...) Como era boa a vida aqui em
1908! (...) Seguia pela avenida e vi o Café Paru,
,.,...,0 no começo da rua da Bahia, jovens literatos
::> .

........_
l'ahricar.do ,~Raot
99

.ri

falQndosobre o simbolismo[aquelesmoçospálidos e
~ªf!º~ e suas paixões tenebrosas por moças
matmgtveis]"(23).

C~é e restaurante, o Paris estava instalado no salão onde havia


funcionado o antigo restaurante Acre, na rua da Bahia, uma das vias de maior
importância na nova cidade (24). Naquela primeira década dos anos de 1900, o
_Paris ha~~a s~ transformado num dos principais pontos de encontro, daqueles
- - . ·- - .,._., __ ·---
poetas e, tambén1, da haJ1te-gomme da capital mineira_,como revela FRIEIRO
(1966, p.251). Bebida, poesia e música americana vinda de um piano elétrico, eram
algumas das atrações que a casa oferecia, e a freguesia, como nos cafés existentes
no Rio e em São Paulo, era especialmente masculina.

Essa mesma· rua da Bahia seria endereço ainda de outros célebres


estabelecimentos do gênero, além do citado Café Paris. Entre eles destaca-se o
Café e Confeitaria Estrela, em funcionamento durante as décadas de dez e vinte.
Este café seria apresentado através das memórias escritas sobre a capital, como
um de seus exeniplares mais inipottantes e afamados. Fan1a que se petpetuaria
pelo. fato de ter sido uma espécie de "quartel-general" da geração modernista de
Belo Horizonte (25), o que o tomaria uma referência praticamente obrigatória na
hi~ória da literatura mineira.

A casa estava instalada em um sobrado de cinco porbs, no segundo


quarteirão para quem subia a Bahia a partir da avenida Afonso Pena. Uma crônica
no jornal Estado de :Minas em dezembro de 1959, apontava que seu verdadeiro
nome era Café Municipal, como, segundo seu autor, estava impresso em ladrilhos
no passeio em frente à entrada (26). De fato, até o ano de 1933 o número 1004 da

Fabricando ref[ao&
100

rua· da Bahia abrigava o Café Municipal, e a partir do ano seguinte o mesmo


número surge sob nova denominação, Café e Bar Agubr (27). Mas, apesar de
contar com seu nome gravado em lugar tão visível, esse estabelecimento seria
chamado Estrela pela grande maioria da população. Confonne revela o mesmo
aoni~, e~ segundo nome se devia ao fato da casa "ostentar no alto da
fechadura uma estrela de cinco pontas" (28). E tão difundido se tomaria este
costume, que até mesmo os anúncios publicados pela casa nos periód;cos da
cidade vinham com o nome de Estrela:

"Parai um pouco, leitoras, e entrai, deveis dar


preferência à Confeitaria Estrela, onde sereis
servidascom a maior distinção!"(29).

Além de reafirmar o costume, esse pequeno anúncio aponta para outro


aspecto importante, e bastante específico: o fato do Estrela funcionar também
como confeitaria, nos moldes da famosa Confeitaria Colombo existente na antiga
capital do país, o Rio de Janeiro, onde honradas senhoras encontravam um lugar
requintado e respeitável para o encontro e o chá ~om as amigas ou o passeio com
os filhos durante à tarde. Por alguns anos o Estrela seria, ao lado do Trianon, uma
das principais e mais indicadas confeitarias da cidade.

A crer no que apontam crônicas e memórias escritas a respeito da


jovem cidade, o Estrela seria o mais elegante e refinado esta~elecirnento de café
existente na Belo Horizonte dos anos vinte. Como confeitaria a casa atraía as
representantes das melhores famílias da sociedade mineira: mães e tias
acompanhando s~orinhas e criança~ para um lanche durànte a tarde. Como café,
a casa se converteu em ponto de encontro de jornalistas e do~ colabot·ado.-es de


p
l'ahrícando r,jlno&
101

.rr.

~ns periódicos (!Ue mantinham suas redações naquela região e também, em


tspecial, da geração modemist.a reunida naquela mesma década. AJém do salão de
frente, o Estrela mantinha nos fundos ·um gabinete particular, "dis~etíssimo",
com uma pequena entrada pela lateral do edificio. Funcionando como uma e~écie
de reservado, esse espaço era destinado aos clientes especiais (30).

Na descrição feita por Pedro Nava, a casa primava pelo luxo e o


requinte da decoração:

"'(...) as [ duas pottas] dos extt·emos tinham sido


viradas em vitrines (...) [no interior do salão] um par
de estantes, uma de cada lado do caie, com prateleiras
circulares que diminuíam de tamanho na medida que
se sobrepwiham. Pareciam fruteit-as antigas, altas de
metro e meio. F.ramtorneadas na mesma madeira dos
oufros ornatos. Na parede do fundo abriam-se duas
portaspara entrada dos detrás do café. (...) :Entreestas
[portas] as dos am1ários em cujas prateleit-as:ficav~
os espíritos (...) F.m cima destas estantes via-se um
largo painel de madeira preciosamente entalhado. No
centro, relógio redondo do tamanho de uma lua Aos
lados deste, frente a frente, um par de grifos ou
dragões, cada um com duas patas de galinha cheias de
garras dilacerantes, rabos e línguas armados de ponta
como as das setas. Corpo de penas e escamas. Bico,
olhos ferozes, crista, asas membranosas,unguladasno
exiremode cada dobra Dos grifos ou dragões ao teto
e às paredes laterais - florões heráldicos envolviam o
par de monstros nos seus anéis cheios de graça e
nobrezaou de curvas como as que se estilizavam nas
plm:nas dos paquifea dos bra~ões.Esse painel ~e
madeira era reluzante da limpeza e do venuz
avermelhado que o lustrava. Do mesmo material e
sempre ao fundo er:ª o b~cão ~0~1 a o~áquina
registradora e emba,xo mais armanos cheios de
l'ahricando reflexo.
102

delicadezas de confeitaria (...) ~ paredes laterais


eram cobertas de espelhos onde se escrevia com tinta
branca, ou rósea, ou azul - as especialidades do dia
(...) Espalhad~ na l()ja, mas vinte, vinte e pouc~
mesas de ·cindido mármore"' (NAVA, 198.5,p.99-
100).

Todo eHe apuro no mobiliário e nos objetos e enfeites que ornavam o


ambiente ~ repetia nos produtos oferecidos pelo estabelecimento. Bebidas
- - •
importadas, chamada.s acima por NAVA de "espíritos": Chianti, Nebiolo Gran
Espumante, vinhos portugueses, franceses, e as garrafas de Veuve Clicquot, para
as bolsas de velhos e poderosos senhores. Cerveja, café e água, para os bolsos
fundos da maior parte dos estudantes. Doces e salgados que eram verdadeiras
•delicadezas de confeitaria": empadas, pastéis, -:oxinhas e camarões recheados,
brioches, sonhos, brevidades e as "famosas" bomb~~ de creme e chocolate. Sucos
finos, macerados a mão, e sorvetes, dos mais diversos e também dos mais
exóti~: amora, caju, marrnelo, araticum, umbu, pitomba, gabiroba, bacupa.r-ipanã,
licuri, maracujá (NAVA, 1985, p. 100). Todos eles para o desftute das senhoras e
a alegria de seus garotos durante os seus passeios vespertinos. E havia ainda"
queijos estrangeiros, latarias caras, sardinha, atum, salsicha, e outros produtos do
gênero.

Uma casa de primeira linha para aquela que, em pouco tempo, havia
se transformado na "rua do Ouvidor" belorizontina, e que assim seria vista por
, ,

mais de cinqüenta anos. Af'snal a Bahia concentrava o que havia de mais "chie" na
1

cidade, especialmente nesse trecho, acima da Afonso Pena em direção à Praça da


Liberdade:


l'ahricando ujlaos
103

~'(•••) ú~ica rua de Belo Horizonte que dava a


1JUpressaode poder conduzir-nospara fora do espaço
moral de Belo Horizonte. ( ...) com seus dois
quarteirÕe$ comerciais, era a rua. Sem a vastidão da
Avenida, onde a alma provinciana ainda não se
acomodava, contentando-se em admirá-la, a Rua da
Bahia era naquele trecho o lado feérico dos
habitantes, a fantasia, a inquietação" (31).

No comércio a Bahia concentrava os produtos de primeira qualidade:


tinha confeitat·ia, restaurante, charutaria, bomboniere, atelier de costura,
chapeleiras, agência de automóveis .. . F.ntre os seus moradores contavam-se as
mais ilustres. famílias da cidade: o Comendador Fonseca, os Rocha !v1elo,o consul
pol'Woauês Comendador Avelino Femandes, o Sr. Artur Hass, conhecido
comerciante de automóveis, o professor da Escola de Medicina, ~- Bot·ges da
Cosu. ... Quanto aos hábitos, modas e diversão a rua da Bahia reunia tudo do que
havia de melhor: o Teatro ?viunicipal, o Cinema Odeon, o Clube Belo Hor-izonte, a
Livraria Francisco Alves ... , e ainda distribuidora de jornais e revistas, bondes,
luzes. gente, movimento, sem falar no aclamado Jooting. Quer dizer: en a
civilização (32).
\
Ainda na rua da Bahia, durante a década de dez, encontramos o c~ré
Martini. Instalado no número 933, um pouço abaixo do Teatro Municipal, foi uma
das primeiras casas na cidade a oferecer música aos seus frequentador·es, tocada
por urna pequena orquestra (33). Em setembro de 1913, a revista Vita publicava
anúncio do Café e Confeitaria High-Life, localizado à rua da Bahia, núrnei·o 361
- "urna casa de chopes ... que pertenceu à Ifigênio Sales" (FRIEIR.O, 1966, p.254).
Ponto de reunião da "rapaziada chie da capital", a casa servia café, chá, chocolat.e,
bebidas nacionais e estrangeiras, sorvetes e gelados. Como apontava o anúncio, no
1''2hricQJ'ldo
ujle:xo:;
104

café o cliente podia encontrar " ... uma bem montada seção de confeitaria ( ...).
Confortável salão com cinco excelentes e novos bilhares. [E mais uma] bem
sortida secção de charutaria" (34).

Na década de vinte, o número 911 abrigava o Trianon, famoso nas


memórias de Pedro Nava pelas "empadinhas pulverulentas" que "desfaziam-se na
boca, e difundiam-se no sangue" \NAVA, 1985, p.10). Segundo FRIEIRO (1966), o
estabelecimento era muito frequentado "pela gente de bom tom, para o drink e o
chope" (p.254). Fundada por Otaviano Soares, no ano de 1931 a casa aparecer·á
como propriedade da firma Caldeltas & Irmãos, a mesma que por duas vezes
seria, tambén1, :i administradora do Café e Bar do Ponto, nos trinta e cinco anos
em que este estabelecimento esteve· em funcio~.~nento (35). Conforme os dados
levantados, o Trianon era um misto de bar, confeitaria e café, classificação que
dependia da hora do dia:

''Havia a hora cheia do aperitivo da manhãtomado em


pé (...) Depois morria o movimento_ e todo o dia era
de .freguesiafamiliar e escassa( ...) As quatro da tarde
(...) começavao movimentomais fume dos aperitivos
e dacervtja (...) Outn hora oca, correspondendoà da
janta da Família Mineira Nova enchente à noite"
(NAVA,198.5,p.9-10).

Não há nenhum dado, em meio ao material consultado, que qualifique


0 Trianon ê:iefotma mais precisa quanto ao gênero: café, confeitaria ou bar. Sua
inclusão nesta análise sobre os estabelecimentos de café belorizontinos se deve ao
fato de ser reitera~-nente citado, nas memórias e crônicas esa·itas sobi-e a cidade,
como um espaço de encontro de sua população. Além disso, a casa mantinha
-~· s al"'ao• com as características mesinhas de
Várias semelhanças com os c.ues:

....__
l'flhrfcando rpj[c:xo.
105

adeins., _, l'Ç<>m, o café servido em mesa, bebidas diversas, e outros


• ~ ~os. Assim como os cafês., este também era um espaço de reunião e
conversas as mais ·vui:idas, no assunto e na duração, ou apenas de se
~ o tm1>0 e as pessoas passarem.

Do lado oposto ao Trianon e um pouco mais abaixo, na esquina


bm:it<D ~Ja rua da Bahia, avenida Afonso Pena e rua dos Tupis. estava aquele
set'ia o nuis famoso e popular estabelecimento do gênero aberto na cidade de
Bel<>Hoeizoote~ o Cafê e Bar do Ponto. Fundada pelo já mencionado Felipe
l.ango a casa ~~1l instalada num grande sobrado que se estendia por todo o
mxr>me,lto formado peJa ruas citadas acima, e abrigava no primeiro andar o Hotel

Globo mm tarde chamado Palácio. O espaço inferior era dividido com mais doi=
c•-•6.idos estabelecimeutos comerciais na capital entre os anos dez e vinte: :i

-eli~•nt.nsi55:irna• Sapataria Central, casa de artigos masculinos, e a Papelaria e


Lm-aria Olivein & C.osta (NAVA, 1985,p.5).

Os am'mcios publicados nos diversos periódicos editados na cidade


c&ocomo endereçodo estabelecimento a avenida Afonso Pen~ número 1048. Mas.,
estendo •quase• localizado na rua da Bahia - a mais "chie" e feérica" das vias da
nova capital -. o café acabaria estendendo a ela um pouco de sua popularidade.,
recebendo também algumas influências da fama adquirida por essa rua - quem quer
Cfle se recordasse de wn, sempre haveria de se referir ao outro. como se nota
llravés de grande parte das fontes levantadas. Porém, ainda que estivesse "quaseu
na rua da Bahia, este café não seria tão pródigo em luxos con10 er11o Estrela.
Afinal, se a Bahia reunia o que havia de mais "chie" no esp•ço urbano e na
sociedade da capital. nio era. necest.ariamente, ocupada apenas pelos


-- l't1hricando r(J'laot
106

í1$tabelecimentos e pelas pessoas da elite, outras casas mais modestas também


abr1~1suas pottas para essarua (36).

Fundado no ~o de 1906, ,.ao tempo ~ fncação da esquina da rua da


Bahi~com 3Venida Afonso Pena como cenb·o da viação da capital" (37), o café
fie.ava e.xatamente em frente ao ponto de onde partian:i os bondes para todas as
dir-eçõe.sda cidade. Ponto que lhe daria o nome: Café e Bar do Ponto. Esta
coincidência haveria de e.xercer intluências em certas características deste
estabelecimento. Aberto nwn lugar de tt-ãnsit.o. o café recebia uma clientela
bag.ant.e·i;rariada,composta por pessoas dos mais diversos bairros. Dessa forma,
mesmo que frequentado •pelos homens importantes da cidade - negociantes,
políticos, empresários - o Bar do Ponto rece~ia também pessoas comuns. em
maior número e n1ais amiúde que os demais estabelecimentos ~"1.alados nessa
região.

:Essa freguesia heterogênea, vinda de todos os lados pai-a un1 café


rápido, uma conversa pequena. um negócio, um ''fuxico", fez desta casa o principal
espaço de divulgação das 01ais diferentes noticias sobre as coisas e as pessoas da
cidade em suas primeiras décadas:

"[o] Bar do Ponto, tndo sabia e informava Era um


jornal vivo.( ...) Dalí ~s fat~s eram irradiados~...).:~º
•.
recolher-se à casa, a noite, cada belo-honzonbno
conhecia tudo o que ocorrera no dia, porque ouvira
no ·Bar do Ponto. (...) E no Bar do Ponto punha-se
pick-ets nos fatos (...) Cada h~bitante lá. chegava,
parava. ficava informado do que ignorava e informava
0 quesabia" (38).
>
Fabricando reflexo&
107

Montado com o "capital fabuloso de cinquenta contos de réis"


(RENAULT, 1988, p.18), o Bar do Ponto, como já foi mencionado acima, não
chegava a~ refinamento do Estrela. No salão as mesmas mesinhas de pés de ferro,
tunpo redondo de mármore e suas cadeiras pretas de palhinha, presentes na
esmagador~ maioria dos estabelecimentos do gênero. À frente, do lado esquerdo,
um "armário quiosque de metal brunido como ouro vivo, aquecido por fominho
inferior", onde se guardavam os _quj_tutes
_-~ol~os, pastéis, ernpadinhas - e mais o
balcão e a estante de cigarros, vários, para todos os bolsos, e os fósforos para
todos os· usos:

"(...) Pinheiro e Brilhante, dos grandes, dos pequenos,


de pinho do Paraná ou dos de cera - com fama de
darem pouco peso. (...) [Ao fundo a] poita que dava
para os depósitos, para a latrina sempre quebrada,
descarga enguiçada, cheia até às bordas" (NAVA,
1985, p.3-4).

Ponto de encontro das mais diferentes camadas da sociedade e,


tamb~ . da maioria dos ~e estivesem em visita à cidade - entre eles:
com~rciantes, turistas, políticos do interior do Estado - esse estabelecimento
~sumia certos "ares" daqueles "grandes cafés", citados no capítulo anterior. A
diferença mais significativa entre eles pesava no que se refere ao refinamento, ao
luxo, inexistente em suas instalações, conforme sugere a passagem transcrita acima.
Mesmo não sendo uma casa que se poderia qualificar como "espetacular" [na
decoração, nos serviços], o Café e Bar do Ponto era uma das prediletas. dos
"senhores respeitavéis" ao simples h~em do povo. Talvez. também por isso (além
do ponto, é claro), ele tenha se tomado um estabelecimento de caráter mais
popular, uma vez que não intinúdava a freguesia pelo refinamento, pela ostentação,

--

J'"Ci.(,lflLWTIIAV • v--
108

como era, por exemplo, o caso do Estrela, um café a respeito do qual não consta
nenhumi referência que indique a frequência das camadas mais baixas da
população (39).

E t.amanha havia de ser a popularidade e a fama alcançadas por esse


estabelecimento na capital mineira que, já nos primeiros anos da década de vinte,
toda aquela região abrangida pelo entroncamento entre a rua da Bahia e Afonso
Pena passou a ser chamada entre os seus habitantes como ''Bar do Ponto". Assim,
era no ''Bar do Ponto" que se n1arcavam os encontros - os encontros de amigos e
também os de obrigação-, lugar onde as senhoras e as donzelas "pervagavam", e
no qual os jovens se divertiam e namoravam faz.endofooting. Era ainda no mesmo
''Bar do Ponto" que o santo padre abençoava seus fiéis. Tão arraigado havia se
tomado este costume que, como escreveu NAVA (1985), "enraizou-se ( ... ) na
toponímia da cidade( ...) e fez desaparecer, imaginem! o nome do Alferes - Praça
Tiradentes-" (_p.4), que ei·a a verdadeira designação dada à região pelos velhos
mapas da capital (40). Essa ampliação espacial do nome da casa às suas
circunvizinhanças ainda permaneceu por algum tempo, n1esmo depois de
desaparecido o café.

Com um pé na rua da Bahia, o Café e Bar do Ponto tinha o


outro plantado na avenida Afonso Pena, aquela que seria a principal artéria da
cidade, conforme constava nos planos elaborados pela Comissão Construtora.
Essa escolha provavelmente acabou contribuindo para que a avenida tenha se
transformado na via que contava e~ o maior número de estabelecin1entos do
gênero. O mais famoso foi sem dúvida o Bar do Ponto, mas havia muitos outros,


---------------
► Fahríc(1}1do ~,•flo:ot
109

corno se pode notar pelas listagens dos almanaques, dos catálogos e, ainda·,
lembranças e crônicas escritas sobre a cidade.

Ent.re as várias casas comerciais abertas nessa avenida figuravam: o


Café C.olombo, número 402, como apontava o Almanack Comercial para o ano
de 1925, mesmo número que em 1931 pertencia ao chamado Café Passos (41).
Este mesmo almanaque traz também o Café Avenida, que permaneceu em
funcionamento durante mais de quinze anos ocupando o mesmo imóvel - número
.596da Afonso Pena (42). No início dos anos trinta surgiam novas casas do gênero
na avenida: havia o Café Cascatinha, número 504, e no 920 o Café Paládio,
propriedade da mesma firma administradora do Bar do Ponto, Caldellas &, Irmãos
(43). O Café Iris, que em 1924 aparece como o número 403 da Afom;o Pena e, ~~

meados da década de trinta ocupava o imóvel de número 948 da mesma avenida


(44).

Se nos anos vinte a rua da Bahia possuiu seu Café Paris, no início
dos trinta sua nova localização seria a avenida Afonso Pena. sem número (45). F.rn
meados de trinta havia o Acadêmico, número 732, que aparece nas listas dos
almanaquese catálogos do período como "bar", mas que, segundo a lembrança de
velhos moradores e conforme se verifica através de fotografia da época, ostentava,
inscrito no pára-sol fixado à fachada, o nome de Café e Bar Acadêmico. Em outra
foto, atribuída aos anos dez, é possivel ver mais um estabelecin1ento chamado
Café Acadêmico. Instalado no número 560 da mesma avenida, a casa ocupaV1l
metade do salão inferior do sobrado onde funçionava o Hotel Central, e ofet·ecia
torno atrativo e divertimento para sua clientela o jogo de bilhu (46). Na passagem
Para a década - de quarenta, novos estabelecimento$ s;eriam abettos na avenida,
p
Fabricando reflexo&
110

porém.eles fazem parte de um·outrO momento da história da cidade e, também, da


..,stoi'ia dos seus cafes - assunto qu• sera• d'1scut1do
,.. 'U
· em outra parte deste trabalho.

F.m outras ruas, outras várias casas: Café Santo Antônio, instalado
na a~da Cm-andai, número 161. Café Santos Dumont, nu1 Curitiba, 265. O
Guarany e ° Cascata, ambos na avenida do Comércio, respectivamente números
446-458 e 481-490. Café Java, um dos mais importantes cafés de balcão nessas
primei~s décadas, aberto dtuante os anos vinte e também na década de trinta, no
auz:nnent.o enb·e a avenida Amazonas e a tua Espírito Santo. Na rua Tupis
estanm instalados o Café e Bar Popular, número 29, e o Café e Bar Pedercini,
número 23. Dm-ante os anos trinta havia o B~u e Café Parque itunicipal, em
funcionamento 11" interior do parque, talvez como que remediando a ausência do
restaurante pres~~ no plano original e nunca consbuido (47).

Através desses dados a respeito do lugar que as casas de café


ocupavam no espaço da nova capital, é possível perceber que a maior pot·cent.agem
destes estabelecimentos estava localizada na àrea central da cidade. Segundo o
relatório apresent.ado pelo prefeito Cornélio Vaz de Mello aos membt·os do •
Conselho Deliberativo, a cidade contava no ano de 1916 com um total de vinte e
três cafés e oitenta e cinco bot.equins. O maior número, para os dois tipos de
estabelecimentos estava concentrado nas três primeiras "zonas urbanas" [região

limitada pelas avenidas do Contorno, Bias Fortes, Álvares Cabral e o Pvque
Municipal]: trinta e sete botequins e vinte e uma casas de café. Entre as demais
zonas urbanas (àrea restante no ifit:erior do cinturão da avenida do Contorno)
contavam-se mais trinta e um botequins. Na regiio suburbana (fora da Conton10)
havia apenas duas. casas de café, enquanto os botequins somavam vinte e set.e
> Fabricando ,,Jlooi
ili

estabelecimentos. Distribuição parecida pode $er observada para O ano de 1921:


todos os quatorze cafés existentes na zona urbana estavam localízado5 naquela
3rea central, enquanto, de um total de vinte e um bote~ins, apenas doze estavam
abert.os nessa n1esma região. Para a zona suburbana O relatório apontava a
existência de duas casas de café e mais seis botequins (48).

Informações semelhantes podem ser levantadas em· documentos de


outra natureza. Para o ano de 1925 o Almanaque Comercial apontava que, entre
os seis estabelecimentos chan1ados café listados em suas páginas, apenas um
estava situado fora da àrea central da cidade, o Café Pinheiro, aberto à rua Santa
Rita Durão, número 1159, no bairro dos Funcionários. Dez anos depois, em onze
estabelecimentos listados no catálogo telefôrúcv, :;omente dois deles não estavam
localizados nessa mesma região central, Café e B:sr São João, instalado na rua
Platina, número 1516, e. Café l\fário, na rua Silva Ortiz, n.57. Uma proporção
parecida na comparação entre as casas em funcionamento dentro e fora desta
região, assim como das áreas urbana e suburbana pode ser observada em relação
aos outros anos da década de trinta.

Esta característica da concentração das casas de café na àrea central


da cidade pode ser tomada em relação ao próprio planejamento através do qual se
definiu O traçado e O uso a que se destinava o espaço urbano. Nesse caso, é
possível pesisar que a distribuição desse tipo de estabelecimento coincide com o
padrão elitista que norteou a criação da capital. Todas as atenções foram
dispensadas para ess! região da cidade, era aí que deveria desenvolver-se un1a
vida moderna, trepidante, cosmopolita. E nesse caso, se era essa a imagem que se
faz.ia a respeito das casas de café, então era, realmenu,, nesta região que esse 5
► • l'ahrlcando ,(11.exot
112

estabelecimentos deveriam estar localizados. Essa idéia está bem evidente, por
exemplo,ria localização da casa de cafe mais elegante da cidade, 0 Café Estrela,
em plena Rua da Bahia, a via mais "chie" e de maior sucesso entre a ·ftnesse, a
gentede "esco l" da soc1e
• dad e mmeu-a~.
• • ....

Porém, é verdade que nem todas as casas que ocuparam essa àrea
poderiam ser qualificados como o Café Estrela. Estabelecimentos simples e
modestos e, muitas vezes bem diversos daqueles sonhados como dígnos de uma
verdadeira metrópole, também se ftzer~ pt·esentes no centro urbano. É certo que
eles ocupavam regiões menos elegantes, com maior presença de populares,
espaços de trânsito e de um comércio menos refinado. Ainda assim esse é um
aspecto importante, à medida em que aponta que nem tudo que tinha sido ti~
medido e pensado nos planos da moderna capital haveria de ter correspondência na
cidade "de fato", na cidade concreta.

Outro ponto dessa região central da capital mineira onde é possível


perceber uma pequena concentração de estabelecimentos de café e, também, de
cafés-concerto, é a região da zona boêmia, especialmente a àrea con1pt·eendida
entre os cruzamentos da rua Guaicurús e as avenidas Amazonas e Afonso Pena.
Casas de estilos bastante diferentes recebiam uma clientela diversificada, que se
divertia, conchavava e satisfazia os desejos do corpo. Estabelecimentos mais
refinados, como o Café Guarany, onde o freguês encontrava champanhe francês e
madmoissllt1s de origens várias, dividiam as calçadas com casas simples e de
qua1adaue duv~dosa, nas quais se reuniam os operários, as "rameiras,. e os
estudantes (especialmente no fim do mês e de suas mesadas), consumindo cachaça
e cerveja barata.


l'ahrlcando ,('//no&
JJj

,r.

Esse caracteristica quanto à localização do1 café1 fica ainda mais


patente quando visualizada no espaço urbano da capital mineira [ver mapa em
anexo], além de ser reafirmada nas mais diversas noticias sobre ·a cidade.
Recordando a· Belo Horizonte dos anos vinte, um artigo do jornal E,tado de Minas
reforça essa observaçio. Num pàsseio pelas ruam do bairro dos Funcionários o
aonista interroga &enão havia ''bares"naquele bai1ro:

"Como não há? Ati na esquina da Padre Rolim com


aVfflida Brasil, está a venda do Barto, (...) Lá
podemos tomar uma ( ...) Teutônia ou wna
Hamburguesa(...) Sem gelo, é claro, que geladeira
(sem eletricidade)ainda é luxo dos bares do centro,o
Bar do Ponto, o Iris ( ...) Aqui são as vendas. Nas
vendas é que a gentese entende"(49).

Um ponto in1portante que essa passagem levanta diz respeito à


variação na designação que os moradores davam a esse tipo de estabelecimento. É
possível perceber a presença de um certo costume, especialment.e em a·ônicas e
memórias produzidas tempos depois do período em observação, de se referir ao
café como bar. Escrito em 1974 o artigo chama por "bar" estabelecimentos que~ na
época em que estavam em funcionamento, tinham por nome e erun conhecidos e
chamados por toda população da cidade como cafés (o Ponto, o Iris). Essa
mudançana denominação do estabelecimento talvez se explique pelo tàto dessas
casas de café terem, naqueles anos, usos semelhantes aos que hoje tem os bu-es
(50).

Além disso, o artigo também reafirma o fato de não ser con1w1~para o


periodo em estudo, a existência de grandes bares ou cafés nos bailTos da cidade,
ou em reg_iaesmais afast.adas do chamado centro comercial. Estabelecimentos de


► Fabricando reflexo&
114

bairro, como diz O cronista, "são as vendas", ou então. como apontavam as crônicas
escritas sobre os primeiros dias da capital, os simples botequins. Atendendo uma
freguesia menor, essas vendas eram casas, a um só tempo, mais simples, no que diz
respeit.oàs -suas instalações - "geladeira ainda é luxo dos bares do centro" - emais
diver~iticadas, no que se refere aos produtos que ofereciam à clientela. Esta, por
sua vez, também ei-a diferente daquela que frequentrava o centro da cidade: mais
restrita, no que se refere ao número, e localizada, isto é, composta norma~ por
pessoas do próprio bairro.

De forma diversa, as casas de café apresentavam produtos e usos bem


mais específicos. Bebidas diversas, café, alimentos prontos; um serviço restrito,
exclusivamente de bar, onde as pessoas faziam uma parada rápida, ou então se
reuniam em gnipos an volta das suas pequenas mesinhas. Na sua grande n1aioria
estes estabelecimentos estavam concentrados na àrea central de Belo Horizonte,
lugar de trânsito, de um movimento mais intenso - e, en1 conseqüência disso,
reunindo clientes diferentes, de bairros diferentes. Talvez em função das
especificidades dos estabelecimentos de bairro (clientela n1a1s reduzida e
específica, e a necessidade de diversificação no gênero dos produtos postos à
venda), não fosse rendoso manter uma casa que oferecesse produtos e serviços tão
específicos, como os cafés, nessas àreas da cidade.

Assim como através das crônicas e mesmo obras literit-ias esa1tas


sobre Belo Horizonte, essa ausência de estabelecimentos de café na região externa
da àrea central da cidade também p,ode ser percebida, como foi visto acin1a, a
Partir dos dados reproduzidos em almanaques comerciais e catálogos telefônicos
da capital relativo;; ao período em quei.tão. Poré~ no que se ref«e às ct·ônicas e

b

l'abricando r(/luo,
JJJ

outros escritos do gênero ' essa ~alta


,., d e re.1.er
i:: êneta
• pode estar relacionada
· •
amda.
com as escolhas efetuadas por seus autores no momento em que recordam. Quem
rememora prioriza aspectos, situações, lugares. E o lugar privilegiado na maioria
dessas memórias ••é sempje.a,região central -da cidade, e são normalmente os seus
cafés que povoam as lembranças desses escritores.

Reunidos nessa região central, os estabelecimentos de café se


.--- .. -- ·----·· ....__ --·-·- ......
dividiam entre os mais diferentes tipos: grandes, pequenos, com ou sem garçom,
sent.ados, de balcão . . . E como revelam algumas das descrições apresentadas
acima, o maior e mais elegante era sem dúvida o Estrela, com todo o refinamento
na decoração e nos produtos vendidos. O Café e Bar do Ponto, contando a média
de vinte mesas, também aparecia entre os estabdccin1entos de maior porte, apesar
de menos requinte. De outro lado, figuravam os estabelecimentos pequenos, con10
o Java, o Cascatinha ou o Iris, com um número mais reduzido de mesas, quatro
ou cinco, ou mesmo alguns nos quais havia apenas o serviço de balcão - esses,
começariam a tomar conta das grandes cidades especialmente no final dos anos
trinta, crescendo em número rapidamente durante as décadas de quarenta e
cinqüenta. Modestos em tamanho, eram-no tamb~ muitas vezes, nos seus
serviços: sem luxo, sem garçon e com poucos produtos. A respeito desses últimos,
chamados cafés-de-balcão, as referências para as primeiras décadas da capital são
bastante escassas, nenhuma crônica, anúncio, ou citação nas obras sob1·e a cidade.
O serviço de balcão não era desconhecido, muitos frequentadores passavam por
esses eitabelecimentos apenas para um cafezinho rápido, tomado em pé. Estando
ocupadas todas as mesas, 0 balcão se transformava numa opção para aqueles que
desejassem permanecer na casa .

....___
• Fabricando reflexo&
116

A única referência que caracteriza explícitamente um desses

~belecimentos abertos na cidade como café em pé, ou de balcão, entre as


décadas de dez e vinte, está em depoimento prestado pelo Sr. Valentim Ferreira
Diniz. Recordando a Belo.Horizont.e de fins dos anos dez , ele-menciona o háb1to de
frequentar o Café Java, juntamente com os amigos que trabalhavam como baleiros
em cinemas da capital. Sobre as instalações dess~ café ele diria: "o salão era
pequeno, ( ...) não tinha mesa, era só. o balcão e as. prateleiras onde se expunha a
mercadoria'\ etn geral, empadas e pastéis de azeitona (51).

Num meio como este, com razoável número de estabelecimentos,


várias casas criavam atrativos extras, buscando seduzir a freguesia. Nas primeiras
décadas, era a música, como no Café Martini cc1n uma pequena orquestra, ou no
Paris, com sua pianola elétrica martelando músicas americanas (52). Alguns
mantinhammesas de jogos, exemplo do Café Acadêmico ou do High-Lüe, onde o
freguês encontrava um "confortável" salão que contava com mesas de bilhar,
"novas e excelentes" (53). Em outras casas havia muito mais: charutaria,
confeitaria, bebidas importadas, serviço prestimoso, preços módicos . . . etc e etc.
Mas·,para muitos deles, o atrativo principal era mesmo a :freguesia. que fazia do
estabelecimento um ponto de reunião de determinados grupos, como será visto no
capítulo seguinte .

..Outros estabelecimentos ainda, reuntam música, Jogos. teatro e


rrulheres, mas mulheres artistas, para sermos bem claros: eram os cafés-concerto
ou cafés-cantantes, c~o alguns os chamavam. Em Belo Horizonte um dos mais
destacados seria O Caí é e Re1ta111ante Guarany, aberto na avenida do Comércio.
números 437-4~8, bem no "centro da perdição", do randflz-vouz da capital no


p Fabricando reflexo.
117

período dos anos dez e vinte. Praticamente não são nomeadas nas crônicas e
artigosdejornais, outras casas do gênero que tivessem em seu nome O designativo
•café", exceção
.
feita ao Acre, apontado num artioo
b
sobre a vida boêmia da cidade
como ''bar e restaurante ... [e] café-cantante" (.54). Porém, como sugere o cronista
Moacyr Andrade, um número expressivo dos cabarés da capital funcionavam de
maneira idêntica, ou então bastante semelhante a este tipo de estabelecimento
(café-concerto, café-cantante). Danças, bebidas, jogos, pequenas apresenta'iões ...
O que talvez tenha sido o grande diferencial era o fato dos cabarés manterem
quartos para o uso dos clientes e de suas escolhidas, o que não acontecia nos
cafés-concerto. Assim como esses cafés, os cabarés também privilegiavam a região
central da cidade:

'Tudo até 1920 e, um pouco além desse tempo, se


praticava, mesmo no centro. ( ...): o 'C,1latNoir', onde
hoje é o Cine Brasil; o 'Molin Rouge', perto do atual
edificio da Embrava; o ··Rat Mort', lá onde está o
Café Pérola, 'Boêmios' e 'Elite' do outro lado, onde
agora é banco( ...) Quem passava pela Avenida ouvia
o barulho doS'cabarés. Os aplausos, as gargalhadas, a
música e os coupiets das artistas. E do 'Rat Mort'
vinha, para a rua, o ruído das 'fichas' com a voz de
comando dos croupiers: Façam o jogo, Jogo feitof
F.ram bancadas livren1entea pavuna e a roleta( ...) À
porta, cartazes anunciavam as especialidades das
artistas, francesas na maiot·ia, e muito bonitas. Fram
as chanteuses(...)" (55)

O Café Gyarany seria contemporâneo de boa parte desses cabarés.


lnaugurado por volta de 1908, era .Pt:opriedade da fuma Irmãos Pianna. Durante os
seus primeiros anos, o estabelecimento estaria funcionando apenas como Café
Guarany, sem oferecer qualquer luxo na decoração e com um serviço bastante


► Fabricando ujlexos
JJB

ainples - café, café-com-leite, média com pão e manteiga e umas poucas bebidas.
fksta época O serviço era executado pelos próprios irmãos, responsáveis pela
abertura do estabelecimento, 11enotti, Ricciotti, Alfeu, Anita e 3 mãe, Dona Júlia
Secundina,responsável pelo caixa (56).

Nos anos dez, a casa se transformava em café e restaurante, ocupando


o mesmo salão do antigo café: três portas para a avenida do Comércio e uma para
a rua Rio de Janeiro. Assim como o Estrela, o novo Guarany contava também
com o nome gravado em seus passeios. Mais refinado, oferecia um cardápio
sortido, pratos franceses, italianos ... , "ceias noturnas, café, chocolate, doces,
fumos, vinhos, conservas, bebidas e cigarros" (57), e atendimento por garçons
uniformizados. Além disso, o salão possuía ainda, um pequeno tablado de madeira
que servia como palco onde se apresentav-um, contando com considerável
assistência e sucesso, algumas artistas estrangeiras, como "A Violetera". Aberto
vint:ee quatro horas, só cerrava as portas na Sexta-feira da Paixão e, por isso, seria
chamado pela população como ''Fecha-Nunca" (58) .

. Nesta época o Guarany ficou conhecido como o "'pivot' dos boêniios


intelectuais" (59), recebendo um público bastante seleto, cavalheiros da "alta-
roda", políticos, universitários e beletristas, "... gente notívaga, frequentadoi·a das
pensões de mulheres e dois ou três cabarés da vizinhança" (FRIEIR.O, 1966,
p.253). E além deles, as meretrizes, "educadas. e respeitosas" como frisu-am as
filhas do proprietário cm depoimento de 1993. Meio café, meio cabaré, o
Guarany aguçava a ~uriosidade de muitas pessoas da cidade, que na época de
carnaval se aproveitavam do movimento em frente ao estabelecimento para espiar
um pouco O 5 eu interior. Na década de vinte, segundo a fanúlia, os Pianna


l'ahricando "P/.'r~or
119

fechariam o restaura.'lte. abrindo então um armazém, em outro ponto da avenida dó


Comércio (60).

Assim, cafés é que não faltaram para, segundo a crença de muitos, a


tarefa de "civilizar" a vida dos habitantes da nova capital. Vagando pela cidade em
julho daquele ano de 1897, poucos meses antes de sua inauguração, o cronista do
jornal A Capital reclamava a ausência de uma casa de café, porém, acrescentava:

" (...) tais novidades virão com o tempo" (61).

Grande adivinho havia de ser o _nencionadojornalista. Afinal, como se


viu, poucos dias depois, a 24 de julho, aquela "quase" capital fazia festa para a
inauguração do Café l\~eiro, e seguindo •este vieram muitos outros. Já na~
décadas de dez, vinte e mesmo trinta, a população de funcionários, estudantes,
políticos, operários, comerciantes e toda a "fauna" de tipos urbanos, além dos
visitantes "ilustres" (ou não) da moderna cidade, contava com estabelecimentos
vários, atendendo a todos os gostos e acessíveis às bolsas de qualquer tan1anho:
Belo Horizonte fartava-se de cafés - como era o esperado para uma capital
cosmopolita.

E tome café, de dia ou de noite, às quatro da tarde, um aperitivo


para relaxar depois do expediente maçante; logo de manhã. um cafezinho fresco
para acordar e saber das notícias mais frescas; à noite, antes do cinema, um café
rápido, depois, cervejada ou um café quente antes de ir para casa dormir.
Frequentava-se o café para e pelos mais diversos motivos: conferir o resultado do
"bicho", acertar negócios; informar-se das novidades da política, as notícias do
futebol. da vida da vizinha; para fugir do trabalho. da esposa irritada, para fazer


► ."t;bticu.do n/!2.Xos
!'10

.1

nada, ou então S•e er.:t.regar-à poesia. ao devaneio. "dor de como" ... Como se vê~
desculpa é o que não faltava.

Reunidos nessas casas, os moradores daquela jovem capital da


primeirametade do século, criaram redutos de convívio social, de grupos definidos
segundo interesses comuns: cafés dos esportistas, dos jornalistas, dos escritores,
~os ''basbaques"_, de qualquer um. Nestes cafés e~es riram, discutir:~. batet·~. e .
apanharam, planejavam o futuro ou íam se apagando aos poucos ... morrendo de
uma curose qualquer.
Fabricando r(/lao,
111

NOTASCAJ'ÍTIJLOll

1- car:tos ~o~d de _Andrade,'Vamos ver a cidade", publicada em Minas Gerais, 17


demato de L JO, citado m: Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte, Imprensa
Oficial,AnoXXXV,1984,p.64-65.

2- "Cogitou-se do assunto em 1833, sem insistência. O Presidente da Província, Soares de


André~em 1843,,p~ou transferir a sede para Mariana ou São João Dei Rei( ...). Em 1851,
o Presidente Jose Ricardo de Sá Rego também su..'1entoua mudança, sem êxito. (...) O
priricipãl projelo-foi apresentado pelo Deputado Padre Agostinho de Souza Paraíso, em
1867". Citado in As Constituintes Mineiras de 1891, 1935, 1947: 1IIIUI análise histórica,
1989,p.46.

3- Promlll(iamento de Bernardino Au~o de Lima no Congresso Constituinte do Estado de


MinasGerais de 1891, citado in JULIAO, 1992, p.12.

4- Tão desfavorável era Ouro Preto, que parecia mais iac:,ilconstruir uma nova ·cidade com
"estas mamas verbas que se consumirão no embelezamento local, que jamais será
satisfatório".ln: O Contem.poeâneo. Sabará, 16 de fevereiro de 1890.

5-José de Sá Rego, 1851, cit in Rvista do Arquivo Público l\ilineiro, Belo Horizonte, Ano
XXXIII. 1982, p.20-21. Quase dez anos antes, outro Presidente da Província também havia
se manifestado a respeito da inadequação de Ouro Preto como capital: "As Capitais ou
chefes de lugares de qualquer divisão de terreno devem ser nas posições mais v:mtajos~
não $Ó às comunicações internas e externas dos seus habitantes, como de preferência nos
lugares, em que mais interesses se jogarem~ ( ...). Nesta Capital está longe de satisfazer a
todas estas exigências, e mal poderá em qualquer tempo desenvolver-se com aquele
explendor, e acumulamento de interesses, que tocam a capital de uma Província tão
importantee tão extensa como é esta e ou ela tenha de continuar unida, ou tenha de ser· feita
algumadivisão por esses setões do Brasil, que facilite mais a Administração das três
Províncias centrais, é certo que se deve pensar em uma mudança de localidade para a
Capital mesmo de uma Reoião que compreendesse, por exemplo, toda a Costa do mar entre
Campos e Belmonte, e a ;arte desta Província e~tre os Rios Jequitinhonha, das Velhas, e
Paraibuna:até ao Paraíba e por este até o mar. E esta uma divisão sonhada, para a qual
ficaria fora de propósito uma Capital nest~ lugar:: ~utras. s~ podem imag~nar, ~ que o
mesmoca:;o de dê~ e por isso sendo para mam negocio dec1d1doque esta Cidade nao pode
Continuara ser a Capital da Provís~cia,t~o ~~ o é que_~o~vé~ esperar ~lgwua ~oi~a do
tempopara resolver negócio de tal 1mportanc1a. - Fala dtngtda a Assemble1a Provmc1al de


> F'1bricando reflexo.
121

llftnas·-Geraisna abertura da sessão ordinária do ano de 1843 pelo Presidente da Província


P'rands·code Sollia Soarc:;d'Andréa. Citado in Revista do A;.qnivo Público ~.finciro. Belo
Ano XXXIII,1982,p.19-20.
Horizonte,

6- Mensagemditigida ao Congresso Constituinte l\.iineiropelo Dr. Antônio Agusto de l.ima


Governadordo Estado, citado in Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte,
Ano~ 1982,p.25

7-Para o plano ver Revista Geral dos Trabalhos, Comissão Construtora da Nova Capital,
BeloHorizonte, 189.5.

8-Alberto Olavo. Revista Alterosa. Belo Horizonte, dezembro de 1943, s.p.

9-Inauguradaa 12 de dezembt·ode 1897, seria chamada "Cidade de Minas" até o mês de


julho do ano de 1901, quando retomaria o nome de Belo Horizonte, adotado pelo antigo
arraialdo Curral dei Rei através de decreto do Govemadoi·João Pinheiro, datado de 12 de
abril de 1890. Ver BARRETO, 1950, p.61;61.

"Concordamos com o colega do Bello Ho1izonte que, no seu último número, fez ver a
inconveniênciade dar-se a em:acidade o nome de Minas. Oficialmente podem chamá-la
assim,mas o povo nunca há de seguir a burocracia O nome de Belo Horizonte já está
consagrado,já está aceito~já tem o cuobo da popularidade. O de !,finas é exatamente o
contrário: ninguém o prommcia para referir-se à cidade e sim ao Estado. Demais Belo
Horizonteé título expressivo e que realmente esta localidade merece: o horizonte que aqui
se descortina é vasto, é límpido, mormente nos dias límpidos, em que a nossa natur-e.za
deslumbra-nos na sua louçania primaveril. O de Minas não exprime coisa alguma, é
am:ipático.Concordamos, pois, com o colega que. nesta linhas, tem a nossa adesão, à idéia
queacabade aventar. O Congresso resolverá a questão? O nome llinas foi dado por letra
constitucional.Hoc opus( ... )" -Artigo do jornal A Capital, de 1 de julho de 1897 em apoio
ao protesto do jornal Bello Horizonte ao nome escolhido para a nova capital. Ver
BARRETO, 1936, p. 704.

10-A Capital Belo Horizonte, 21 de dezembro de 1897.

11-SegundoM.ANNHEIM:(1974), "A base do amálgamajá não é mais o estilo de vida e as


amizadescomuns,mas opiniões Gemelhantes.( ...) A associação moderna, que se consolida 8
P~ dos cafés ingleses e franceses, despreza a posição ~ o_s~aços ~" família: é o pt·oduto
de umasociedade de massa liberalizada na qual o md1v1duo tsolado e sua opinião
Constituema base das afiliações políticas." (p.111).


> FfJhrlcando ttf//P.xo
J]

12- Para o caráter SJfregacionista expresso pelo plano da nova capital ver: ALVES DA
5n.,V.~1991e JUI.lAO,1992.

13- MeJlo Cançado, citado in Re,ist:t do Instituto mstórico e Geográfico de l\finz,s


c;enis. vol. IV. Belo Horizonte, lmpt-ensaOficial, 1957. p.129.

14- Anuário Estatístico, 1922-1925. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1929, citado m
DUIRA, 1988, p.57;59;65.
!, :

15- Ver ARAÚJO, 1993, especialmente Pat1e IV: • "A família na rua". Segundo
SALDANHA(1993), essa 1·eclusãopode ser observada desde. o pe.i·íodo colonial, citando
Gibeto Fre}'Te,ele aponta "o desdém do brasileiro colonial pelos espaços públicos. pelo
quenão fosse o específico recinto da casa de moradia e suas adjacências imediatas:
imlusive no plano da higiene, vez que o li."'to- inclusive algwnas formas terríveis de li."'to-
erajogado à rua (ou rio) sem nehuma cerimônia e sem nehum respeito ao que fosse público,
comunal,de todos". Ver SAIDANHA, 1993, p.103-104.

1'- ''Nesse particular, mostrando as necessidades de 'uma cidade que surgia dit-etamente do
matoe da flore5ta e que prometia muitas galas aos arquitetos, muitas folistrias científicas aos
eagenheirose sobretudo muitas ralações e dores de cabeça aos futun,s edis, que tivessem de
por oa regra do bem viver o bom povo de Belo Horizonte. seus subúrbios e cercanias'.
comentavaAlfredo Camarate, em crônica n'A C:tpital: 'Porque, confessemos mna verdade:
não há povo mais avesso do que o nosso á disciplina municipal. Não porque dei."'tede ser
bom,cordato e razoável; mas pot·queninguém pode aprender o que se lhe não ensina ( ... ).
~ não começarmos desde já a por em vigor algumas posturas, a edificação da nova Capital
será ·um problema itresolúvel. AtTiarão mantas de toucinho nos degraus da majestosa
e~adaria do Palácio Presidencial~ atarão as animálias às colunas do Palácio do Congresso,
comose elas fossem moirões de estrebaria, apassentarão bois e vacas nos talhões do nosso
majestosoParque, se é que não lhe ativarem a cultura com estrumes gratuitos e fornecidos
de boa vontade; cortarão os cuidados macadames, as ruas calçadas de pedrn ou de madeira
com as rodas desses monstruosos carros de bois e que se talham em gume como que
tspressame:ntepara reduzir as ruas a talhadas de melancia; pintarão, finalme~. o padt-e, a
manta,o caneco, o diabo,"'. Mais adiante, BARRETO (1936) aponta que foi "pensando mais
oumenos" como O cronista, que o F.ngenheiro chefe da Comissão Constrntoru incumbiu à
terceiraDivisão o encargo desde tipo de serviço. ''E tudo teria de ser resolvido de acordo
COQl as circunstâncias de momento, sem prejtúzo do futw·o des~11Volvime.nto da ddade e
das boas normas de um centro que teria de servir de modelo para as demais
lllunicipalidadesdo Estado".(p. 568-.569).

>

Fahricando .·e,fll!ror
124

.rr

17• Teoric~ente, se_~do .as opiniões expressas por ARAÚJO (1993). Analisando as
transformaç.oesque atrng1rama capital da República a autoraafmna: "(...) a remodelação de
s
Pere~aPas~o_, que trai:is-fonnouo cenário urbano, intensificou a frequência e. o go$fo do
p~sern funultar ao ar livre, promovendo interação social e valorizando es~e tipo de lazer,
como ocorreu em outras cidades do mundo, através de programas de embelezamento e
reformasurbanas"(1993, p. 327).

18- Paraa crítica a respeito das influências negativas exercidas pelo w-bani::momoderno
sobre a vida pública das cidades consultar: SENNEIT, 1988; BERMAN, 1986; GHOAY,
1979, HOLSTON, 1993; outras críti_c~ a_o pl~~j&nento _ro,o~o _ 4~ cidades são
encontradasem SITTE, 1992, e ARGAN, 1992.

19-Diário de !,finas. Belo Horizonte, 11 de dezembrode 1927. s.p.

20- Citado in Revista do Arquivo Público ~fineiro, Ano XXXIII,Belo Horizonte, 1982,
p.281.

21-PedroRache, citado in FRIEIR.O,1966, p.209.

22- Considerando essas casas de café da velha capital, é possível pensar ainda que os
encontros, os debates, a reunião social dos quais os cates belorizontinos fo1·am palco
tambémtiveram lugar naquela antiga Ouro Preto, e neste caso, a nova capital talvez não
tenhain~onrado nada de tão novo ou "civilizado" no que se refere à sociabilidade no
interior das casas de café. E neste caso, se o café era tomado como signo de civilização,
Ouro Preto talvez não devesse ser vista como wna cidade tão pi·ovinciana, como
proclamavamalguns.

23-Djalma Andrade, Revista Alterosa, Belo Horizonte,Ano m,n.22,jan/fev de 1942.

24- Para a importância alcançada pela rua da Bahia nas primeiras décadas da capital
consultarCHAGHAM,1994.

2~. Sobre a ligação entre os componentes da geração modernista e o Café Estrela, ver
NAVA,198~ e DIAS, 1971.

26-Estado de Minas, Belo Horizonte, 13 de dezembro de 1959, p.13.


Fabricando ,ef[aos
125

1J-Ver L!s!a de Assinantes~ Companhia Telefônica para O mês de julho de 1933 [Café e
uarMurur.1pal]e para fevereiro de 1934 [Café e Bar Aguiar]. Ver também Almanaque
tammerl Edição para o ano de 1936.

2.8-Estado de Minas. Belo Horizonte, 13 de dezembro de 1959. p.13.

29-Revista Minasem Foco, 1919 cil in \VERNECK, 1992. p.37-38.

30- Sobre a "sacristia" do Café Estrela, ver NAVA, 1985, p.101, outras informações
tambémno próximo capítulo deste trabalho.

31-Paul~ Mendes Campos, "Subir & descer~ Rua da Bahia" in: ANDRADE, 1967. p.59-
61.

32-"(...) iremos ver de novo a rua da Bahia alvoroçada, revivendo os seus dias passados,
naqueletempo em que alí se reuniam os elegantes da cidade". Folha de A-fius, Belo
Horizonte;8 de a6 :.stc de 1941, p.3. Ver ainda reportagem especial sobre Belo Horizonte na
RevistaO Crnzeiro, Ano XLIII,n.11 de 17 de março de 1971 - artigo "Rua da Bahia de
onteme de hoje", e Fernando Sabino, ''Belo Horizonte de todos os tempos", in: Estado de
Minas,Belo Horizonte, dez de dezembro de 1987.

33-Estado de Minas, Belo Hot-izonte,13de dezembro de 1959, p.13.

34-Revista Vita. Belo Horizonte,_setembro de 1913. s.p.

3~- ·ver Catálogo telefônico para dezembro de 1931. "Caldellas e Irmãos, 911,
Bahia ..........3921.

36- F.ntre os estabelecimentos mais modestos instalados na rua da Bahia estavam, por
exemplo, a casa do sr. Balila, onde eram vendidas balas, biscoitos, e produtos afins e a casa
de frutas do "negligente" Baiano (sujeira, ftutas velhas e mosquitos). Entt-evista: Valentim
FerreiraDiniz, Belo Horizonte, 28 de setembro de 1993, ver também Fernando Sabino,
"BeloHorizonte de todos os tempos", op. cit

37-Folhade A-finas.Belo Horizonte, 6 de abril de 1940. s.p.

38-Moacyr Andnde, crônica publicada no Estado de Minas de 22 de novembro de 1973.


Revistado Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte, Ano XXXIII, 1982, p.280-282.
► JTahric'2.r.do
reflaoi
126

JJI-Não exi~, ~e Omateri~ consultado, referências quanto à freqüiocia de membros das


C301adas _n131sbauas da sociedade ao elegante C:síé Estrefa. Como e:rtabeJecimeotos
.,merci~s, ..os cafés e~avam teoricammte abertos a todos, pormi é possível notar uma certa
4~c1açao ffll relaçao a essas _casas,baseada no tipo de clientela mais assídua Um entn
os vanos elementos que determmavam essa diferenciação era o poder aquisitivo. C~as
"chies"e refinadas como o Estrela acabavam intimidandorepresentantes das camadas mais
pobre~,quer_peloluxo, quer pelo preço.

40-"Além de US1rpara do Herói, a designação Bar do Ponto excedeu-se psicologicamente


e passou a compreender todo um pequeno bairro não oficial mas oficioso: o que ~~ pode
colocar dentro do circulo cujo centro seria o da praça e cujo raio cortasse a esquina de
Goiás,mn pouco de Goitacazes, o cruzamentode Tupis com Espírito Santo, que tomasse a
AfonsoPena, descesse Tamóios, entrasse no Parque defronte ao início do Viaduto Santa
Teresa e voltasse à origem depois de reincursionar na espinha dorsal de Afonso Pena.
Dentrodesse círculo tudo é Bar do Ponto." NAVA, 1985, p.4.

41-Ver Almanak f.'ommercial, referente ao ano de 1925 para os cafés Colombo e Avenida, e
alista de Assinantes para dezembro de 1931 para o Cale Passos.

42-Ver dados constantes no Almanak Comercial para o ano de 1925 e Catálogo Teleíonico
de 1940.

43-"A firma Caldellas e Irmão~, que é também proprietária do Café Paládio e do já fümoso
Bar Trianon, além de outros pequenos estabelecimentos (...)" - além do já citado Bar do
Ponto.Ver Folhade Minas,Belo Horizonte, 6 de abril de 1940, p.3.

44-Ver Almanak Comercial para o ano de 1924 e Catálogo Telefônico para fevereiro de
1935.

45- CatálogoTeleíonico para dezembro de 1941.

46- Porém, como se percebe peta foto, o.essa época o estabelecimento já estava fechado,
sendoo imóvel anunciado para aluguel. Não foi possível determinar se o cafe dos anos
trintaera O mesmo estabelecimento que, alguns anos antes, esteve aberto nesse DÍlmero560
da avenida A falta de documentação seriada, como catálogos ou almanaques, para ~sses
período, impedem afirmações a esse respeito. A. ~~eia de dados em outros materiais
consultados(crônicas, artigos, publicidade, obras hteranu) convergemno mesmo sentido.

47. Ver projetos par~ 0 Parque Murucipal em BARREfO; 1936, p.560- 562.

b
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- Paraos dad~ rel tivo • 0 to d 1 1 con ult r o r lnt 1•lodo pr UoA1JõnsoV _zd
MeU~ .. É . pt c.t O h..maa trnç {\ pat m 111rnn fl\11, d i t ,nmti.1.a~~.
cte,continu1dde d ~e. levftnt m_ntos e ttlt iti . Umn r,nnda p rte dos relnt rio
n {\b't\ m d <fo.~, tt,·o~a, , tip i-i t' t 1,,~ imentoi,.Ontf'ft v Zf , qu. nc1o
cM..'IJltad('._
m i n d , esses e, t bolecim nl ão todos reunidos oh n d n minaç o de b , qum
rJ• p« exemploO 1 1 t~rio de 01 rntoM irei do onode,191• ). Diflouldadete 1 cuno•
~ est•o pre entes n uso dos d dos dos hn quc,s cnt lo oo, ni>reaootodos a a guir.

49Istade de l\.!inas~B('lo Hot'iz~ 1974,s.p.

~O-Escrevendosobre o p rtodo d d cada de d z, Edu do Friairo aponta que, "Bar era


nomeaindanão us do... FR.IEIRO,1966,p.2.52.

St-Entrevista:ValentimFerreirn Diniz.

S2-Para o C6'fé Mm-tiniYt',r: Eshdo de :Mi11ns,


13 de de.z~ubrode 1959, p.13, e para o
CaféParisv,r FP!EIRO, 1966,p.251.

S3-Vita, Belo Horizonte,7 de setembrode 1913.

S4-RevistaSocial Traballdsta(Edição especial comemorativado cinqüentenáriode Belo


Horizonte).
Belo Hotizonte, 12 de dezembi-ode 1947,n.59, p.44.

ll- Moac)YAndrade,citado in Re'\iistado Arquivo Público l\finelro. Belo Horizonte,Ano


XXXI1L 1982,p.248-250

56-F.mrevista:Yolanda e Rosina Piarma,Belo Horizonte,9 de junho de 1993.

57-R.evisbT~ Belo Horizonte,Ano I. n.1, janeiro de 1919.

58- "Umpouco abaixo, na boca da Suburra,ficava o Restaurante Guarany, chamado o


"Fecha-Nunca"procurado principalmentepor casais alegres e mais gente notivngíl
frequentadora das pensões de mulheres e de dois ou três cabarés da vizinhança,onde entao
se jogava abertamenteo bacará, a campista e a roleta. Havia pelas proximidades outros
Cafése restaurantesdo mesmotipo, wn deles o "lndinna", do Chico Ruftblo, que depois se
denominouo "Rei dos Sanduiches" ••. FRIEIRO (1966, p.2.53-2.54).Referência a stn
denominação tambémfoi feita na entrevistarealizada com a flunUiaPianoa,em 1993.
► f'abricando reflexo~
128

,9-·Jü~ista Social Trabalhista (Edição especial comemorativa do cinquentenário de Belo


gorizoflte).Belo Horizonte, n.~9. 12 de dezembro de 1947, p.44.

60-Infonna~ão dada pela família em entrevifrta Há porém nas páginas da Revi~a Bel?
Horizonte, n.7~, de 21 de defflllbro de 1936, publicidade do Restaurante e Bar Guaram.
localizadoà rua Santos Dumont, 415, esquina com rua Rio de Janeiro, mesmo endereço do
antigo_cate,~egundo as informações prestadas pela família

61-A Capital Belo Horizonte, 8 de julho de 1897, citado em BARREfO, 19:36,p.613.


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11111------
CAPÍTULO 111
A CIDADE PARA ALÉM DO ESPELHO

~V~i~~ e múJtiplo_s~~o ºs fªto_resexig~~QSp~~-~ _


a nossa capital se tome wna grande cidade. ( ...)
Enumet·arei alguns detalhes que caracterizam as
grandes cidades e de que se ressente a nossa capital.
(...) Os nossos caies, apesar de terem melhorado
muito, ainda se mostram medíocres quanto às
in..c;talações; o respectivo serviço sanitário é
simplesmente sórdido" (1)

Assim o arquiteto Luis Signorelli, "personalidade de projeção na vida


social e artística da cidade", via os estabelecimentos de café existentes em Belo
ambiente Horizonte, nos primeiros anos da década de 30. O depoimento fazia parte
de uma, entreas várias enquetes que eram constantemente promovidas pelo jornal
Correio :Mineiro junto à população da capital mineira. Durante todo o mês de
junho de 1933~algumas "personalidades" dariam sua opinião a respeito da seguinte
questão proposta pelo jornal:

_ "O quefalta a Belo Horizontepara ser uma grande cidade?"

A pergunta já era indicativa. Pressupunha que a capital ainda não


havia alcançado O "status" de "grande metrópole civHizada", perseguido desde a
época em que ela era apenai uma intenção, um desenho impreiso em papel.
"i cidade para aiem 00 uyu,.-
131

Projetada segundo conceitos urbanísticos em voga nos grandes centros


do século XIX. como apont.ado anteriormente. Belo Horizonte foi construída para
dot:ir a população das terras mineiras de uma capital à altura de seu
desenvolvimento e civilização. Uma cidade moderna, bem traçada, pensada nos
seus mínimos detalhes e, por isso mesmo, tàdada a se transformar, em muito pouco
tempo, numa grande metrópole. ~ refom1as urbanas realizadas no velho continente
europeu tinham contribuido muito para revelar a face cosmopolita de várias
cidades. O movimento, o but"bw-inho,a elegância das construções, as vitrines, os
bou[JVard.s, os parques, os_ cafés, surgiam como elementos distintivos da vida
civilizada destes centros. E esta não seria uma opinião apenas dos planejadores da
nova capital, as intervenções· e.icecutadas em outras cidades brasileiras mostram o
quanto esse padt-ão bm·guês de cidade era identificado como "a civilização".

Porém, pouco mais de trinta anos após sua inauguração, a enquete do


Correio l\fi.nefro listava diferentes aspectos percebidos como car-act.erísticos das
cidades cosmopolitas que, no entanto, na opinião dos entrevistados, ainda estavam
ausentes naquela jovem capit.al nlineira. Ina·emento à indústria, ao comét·cio,
melhoria na prestação de alguns serviços públicos, incentivo à cultura,
transformação de certos costumes, uma vida social mais intensa, mais agitada, e
ainda, um pouco mais de habitantes, uma vez que, como dizia o arquiteto Angelo
MUf&el:''havendo gente, uma grande densidade de popula~ão reunida em cidade,
aparecem fatalmenu. • pela força da necessidade, todos os outros elementos
próprios às g,-andes aglomerações" (2). Mas, como o pt·óprio J\,furgel salientava,
não demoraria muito -e isto estaria resolvido, uma vez que Belo Horizonte tinha
todos os recursos para um rápido desenvolvimento:


1
• ,nl:dt ~r~ ~bt dt rr;c:k ..
J_..

"Breve -~mos tudo mudado: Essas ruas largas e


retas d1e1as ~e Yciculos ripidos, de povo. ~ss--3
massa. anôruma das metrópole~, de ~
Dl3gmn,s :ibtindt' su:is viltines vistl'~:i~ de luz
intensa e faiscante. ( ...) E os nossos babitos também
~º• sere1uos mais alegres, iremos mais ao
cmem~ ao teatro, às casas de chá, aos .(ooh1'gS, aos
clube~ f.u'emos sport e seremos standanii.z.adw
como todos os habitantes das gnodes cidades
Tempo vit·à (...)" (3).

Ainda que a cidade apresentasse certos aspectos não muito adequados


a uma grande metrópole, ou ent.ão, que sofresse a ausência de outros considerados:
indispensáveis, nem tudo estava perdido, at"ínal,como responderia o Dr. Geminiano
Pereira à enquet~ do jornal: "Ternos adirnu-ável moldut11 para uma gn.nde 'utbs'.
Temos um traçado moderno e geométrico, metódico e ar~iadinho ... • (4). Mas
como revelam as outras respostas à enquete.., se tinha uma bela moldw~ falta"\f-a à
capital um pouco mais de conteúdo.

Porém, se as enquetes do Correio h-fineiro apontavam que a cidade


ainda estava no meio do caminho para se tomar a metrópole desejada, outros
artigos afirmavam o contrário. Moderna, bonita, inquiehmte, cientific:unente
planejada, "aberta às novidades de vinte séculos" (5). Já em 1897, antes mesmo de
oficialmente inaugurada, a cidade prestigiava a festa de ifh.-talação do Café
Mineiro, um dos primeiros e muito bem montado estabelecimento do gênero em
Belo Horizonte. Em 1906 o Café e Bar do Ponto abt-ia suas pott~s pai-a a
população da capital e, em pouco tempo passaria a representar. "socialmente. ( ... ).
o centro dos elegantes da cidade" (6) Três anos mais tarde. em 1909, a famosa atriz
mineira Nina Sanzi inaugurava o Teatro Municipal (1). Na década de dez. vivia-se
rnomentos intensos de boenúa, com cabarés e cafés-concerto espalhados pela

b

.Acídod, para alím d1,.,,;pelho
133

avenida Afonso Peru- (8). lim 27, vejam só, tínhamos "mais de 2.000 automóveis~"
(9), e em 38, "hipismo, e piscinas e 'canchas' ... Breve, regatas ... Maillot e concreto
armado... " (10). Tomando de empréstimo a afirmação de certo artigo na Revista
Tank. em 1919: "Belo Horizonte civiliza- se" (11). E, como mgeríam os autores
das crônicas citadas acima, publicadas entre 1897 até fins da década de trinta
deste século, não apenas por volta deste ano de 1919: Belo Horizonte civiliza-se
desde sempre. _ ·-·· _ . . ...

Mas, afinal a cidade era ou não era civilizada? Eis a questão.

Opirúões tão diversas a respeitá da cidade, dos seus espaços, da vida


que a população nela imprimia, tomaram-se uma constante por mais de meio
século. Até mesmo para· os cafés, as visões se dividiam: cafés medíocres, cafés
dos elegantes, cafés dos aristocratas (12). Para este período é possível acompanhar
por meio da imprensa um verdadeiro debate, com artigos que se tomariam porta-
vous de dois discursos sobre a nova capital: o do moderno e do provinciano.
Através das referências que tinham sobre cada um desses conceitos, os cronistas
de Belo Horizonte não apenas expunham sua opinião a respeito da cidade e de seus
lugares, ao mesmo tempo eles contribuíam para a construção de imagens sobre ela.
Imagens fortes que perduraram, mas que, fundadas em modelos, acabavam muibs
veus desconsiderando a cidade em sí mesma. E é nas entrelinhas destes mesmos
artigos que essa cidade surge.

Pua além desse debate, interessa muito mais tentar perceber a cidade
encoberta por essas imagens e esses discursos. Como eram e quais eram os
contornos dos seus "lugares de civilização", e em especial. dos seus cafés.


.A cidade para alim do e,pelho
134

Os dois discursos 5obre a cidade

"Foi a vitória do progesso contra a rotina; da razão


cootra o preconceito~ da inteligência contra a
ob~~ação; dos que procuravam .alargar os
horJ.ZOme$da Pátria Mineira (...) De fato, fazer
mrgir do nada uma cidade -moderna,grande e beta,
observando os preceitos da ciência e todas as regras
da arte, dentro do mais e~ass-0 período de quatro
~ ( ...),.é umacontecimentoassombroso" (13).

E foi com essas palavras que o jornal A Capital em seu número de


21 de dezembro de 1897 celebrava, _sob a epígrafe "O triunfo", o êxito com que
foram conduzidos e concluídos os trabalhos de construção daquele Belo Horizonte.
Ao mesmo tempo, o artigo vislumbrava o futuro e a missão que a nova capital
haveria de desempenhar em prol do crescimento do Estado :

"[Ela] deve ser como o coração animal - um


verdadeirocentro de vida, atividade e força" (14).

A cidade estava dada, ruas, casas, equipamentos e serviços. Era o


triunfo do moderno, das novas _idéias e soluções urbanísticas preconizadas pelas
wandes metrópoles. Que viessem então os homens para cumprir os desígnios de
uma verda~ira capital: vibraç~o. civilidade, cosmopolitismo, Aqui. a cidade se
tomava o triunfo do porvir.

Eram estes os desejos e as representações que se projetavam par-a a


cidade e para seu futuro. Criada à imagem dos grandes centros urbanos, Belo
Horizonte, porém, guardava-lhes pouca semelhança. Dez mil habitantes ou pouco

--
- A cidad, para além d, 1.p1:lho
135

~is, vindoi de diferentes lugares, muitos funcionários públicos, alguns estudantes.


c.omerciantes, operarios e, ainda, as senhorinhas e donas de casa. Na opinião de
muitos, ainda não era O suficiente para fazer da cidade uma Paris ou a mrt.ígacorte.
R se o ideal en de uma vida cosmopolita e movimentada, sua população ainda
era, além de pequena, bastante provinciana. A moderna capital se via às voltas com
wna gente simplória e "rastaqüera", com muitos hábitos que depunham contra
todos esses desejos, contra o papel que "tão moderna" cidade devia desempenha.r. _

Na vet·dade, durante mais de meio século a capital conviveria com


discursos diferentes a respeito de sua "civilização". Nestas décadas iniciais é
possível acompanhar através dos vários periódicos editados na cidade, opiniões
diversas e adversas sobre o estilo de vida de seus moradores, os seus costume.i,
os comportamentos, a sociabilidade e, também, sobre as formas de divertimento, a~
atividades e os lugares que a capital oferecia à população. Certas crônicas se
caracterizan1 pela afirmação da cidade como centro de vida movimentada e
animada. Páginas nas quais era enaltecida e elogiada a precoce cidade, seu
ttescimento, a agitação dos cinemas, teab·o, dos cafés, os banquetes políticos, o
"bultcío" das ruas, dos bailes, dos bondes. Uma vida trepidante em consonância
com a moderna cidade, verdadeiramente um pequeno centro cosmopolita:

''Isto aqui é Belo Horizonte, cidade aberta às


novidades de vinte séculos - o automóvel,o sorvete,
a promissória, o fraque" (15).

Algumas crônicas começavam citando uma certa monotonia,


característica presente em muitas das críticas feitas em relação à capital, "... que a
alguém já pareceu uma 5 imples ampliação do cemitério de Barbacena: belos
túmulos e lindas árvores" (16). Mas, uma monotonia que, se já não era coisa


- .A cldad• para a/ím dr.,1tp11/ho
136

! .: rr
..
supet'ada, estava com os seus dias contados. J-lavia a todo momento um
~t imento que fazia dela algo como que inscrito no passado: ora, pois como
diriti o cronista: ..Belo Horizonte civitiza:se!". Novamente os bailes, o~ cinemas,
os clube$, as nows e bem inst.aladas casas de comércio , O movimento das ruas,
estavam mostrando o quanto a cidade promissora já havia percorrido, a passos
111-gos.,
no caminho da civilização, desenhando, para um futuro muito próximo, o
horizonte_.de.uma ..metrópole. Estava-se sempre ma eminência do civilizado, a um
passo do cosmopolit.ismo.

Ao lado dessas crônicas encontramos outras que apontavam para a


t.ot.31incompat.ibilidade entre o esperado - o desejo de civilização - e aquilo que a
cidade reahnente oferecia. Assim, opondo-se ·a aquelas imagens de cidade gran<R.
havia crônicas nas quais a pasmaceira era r·einante, alguma coisa tecida junto à
construção da própria cidade, por isso diflcil de destruir. Uma cidade fria,
burncrática tipo "A" "B" e "C" silênciosa modorrenta de noites "longas e
1 , 1 ' '

tranqüilas", como apontara João do Rio (17), um povo roceiro, arraigado em seus
velhos hábitos interioranos. Uma cidade sem imprevistos:

"(...) a menos interessante das cidades mmeiras;


menosinteressantedo que qualquerestaçãozinhade
estradade ferro perdida no mato, onde o trem não
passa"(ANDRADE, s.d. p.148).

Porém, é nas entrelinhas dessas opiniões adversas, naquilo que é


negado através delas, que a cidade lilerevela. Uma crônica publicada na revista
Vita, no ano de 1913, a respeito da população e do smbiente que ela imprimia à
cidade, serve como um bom exemplo no que se refere a esta polarização das
imagens construídas sobre a capital. Questionando se Belo Horizonte devia ou não
p
A cidade para além d<..upelho
137

.,r

ser considerada nma cidade civilizada, 0 autor argumenta que ela oferecia todas as
condições· e os equipamentos necessários para a diversão e o conforto de seus
moradores: avenidas, praças, prado de •corridas, teatro ... , tudo completamente
tntregue "às moscas", abandonado pela população:

''Não se vê viva alma do smartismo nune1ro


gozando as delícias dessas largas avenidas, os
encantos das Y.astas..pn'"'as,.-ostentan.do artísticoS.-----
coretos, onde somente o zumbido dos inset\°>S, a falta
de uma banda de música, quebra a monotonia em
que vivem estes logradouros públicos. Os elegantes
preferem o inveterado hábito de se postarem no
ponto dos bondes ao prazerque oferecem os
aprazíveis recantos próprios de sua exibição, do
rend~vouz, do flirt, etc. A culpa também é das
elegantes.que se deixam ficar em suas casas (...)"
(18).

Assin1., na cidade construída foram pensados e destinados espaços


vários para o divertimento, o encontro aprazível, o relacionamento educado, de
bom-tom e elegante, que se desejava numa capital civilizada. Todos eles ocupados
apenas pelo "zun1bido dos insetos". Mas isso não significava que os ho111ens
estivessem encerrados nos seus ''belos túmulos" erguidos pela cidade. Não! Eles
estavam pela rua, postados nos pontos dos bondes, em um pequeno bar, em un1
café qualquer. Para o autor, no seu plano, a capital é perfeita, é moderna. é
civilizada. Mas o elemento humano, quando a ocupa, desvirtua conipletan1eme o
planejado.

Percebe-se. através disso, uma desconexão entre aquilo que se


esperava enquanto comportamento condizente com a idealizada ..capital civilizada"
e a atitude tomada por aqueles que vieram habit,á-la, dai o povo sunplório,


.A cldarltJpara aftm do f!.p«lho
/38

rut.aqOera. Se a cidade tinha plano, para 011 homens, a ocupação que· eles nela
fizeram acabou por subverter alguma,, ou muita, dessas metas. Não há que negar
aqui a intenção d cálculo e previsibilidade, de eficiência e de ordenação social
que o espaço urb:mo cientificamente projetado contém e propicia. Mas, há que
pensar que os homens que para ele 1e dirigem nio necessariamente prevêem,
sentem ou desejam em 1intonia com 01 1eu1 • idealizadores. Eles têm
comportamento~ próprios, têm sonhos e ojetivo11outros que aqueles para eles
ptnsados. Assim, existe um embate entre o que é traçado pelo discurso de quem
cria e os aMeios e ações de ~em habita, de quem transforma um plano em cidade.
Isto não significa que o plano não consiga atingir muitos dos seus alvos, porém~
que seu bóto não costuma ser completo. A cidade, primor do que se pensava
moderno, era, na opinião de muitos, rnodorrenta e provinciana.

Essas imagens destoantes inspiravam grande parte dos cronistas


mme1ros, como mostra ALVES DA Sll.VA (1991). Segundo esta autora, a cidade
é apresentada nos escritos desses cronistas através de dois discursos: aquele
construido pela fala oficial e o que surge através da literatura, nomeadamente dos
participantes da geração de vinte: os modernistas. O primeiro, como já foi
mencionado, era dirigido pelo racional, o cientifico, as tecnicas modernas e visava
ordem, progresso, civilização, quer dizer, era a partir desses conceitos que a cidade
se definia. O segundo, calcado nas idéias estéticas do período e sobre como seria a

experiência· do viver numa capital, buscava dar forma ao que se imaginava ser o
"espírito moderno" eo "ser modermo".
Nessa busca, esse1 literatos seriam, como afirma a autora,
"participantes da criação, e emiHário11da imagem da cidade de Belo Horizonte,
.......----
A cldtYÍ• P""' •"'" do -,p,l/11,
JJ!)

se definia. O segundo, calcado nas idéias estéticas do perlodo e sobre como 1ería a
experiência do viver numa capital, buscava dar forma ao que se imaginava 1er o
"espírito moderno" e o "ser moderrno".

Ne!'sa busca, esses literatos senam, como afirma a autora,


"participantes da criação, e emissários da imagem da cidade de Belo Horizonte,
como sendo moderna e provinciana ao mesmo tempo" (ALVES DA Sil.,VA, 1991,
p. 7). A.través de seus trabalhos é possível rastrear a cidade dos homens que a
planejaram e dos que a idealizaram, mas também, aquela dos homens que a
ocuparam, a percorreram, que nela viveram e sonharam. Através de suas crônicas
eles constroem a forma ideal. de se viver no espaço urbano da capital, reforçando o
discurso do moderno que se inscreve na própria concepção espacial da cidade (o
plano).

O problema que se impõe nesse discurso literário é que ele se constrói


à base dos modelos e da oposição. Se o moderno, o "ser civilizado,
irr,ariavelmente, significa(va) acompanhar as modas e costumes do Rio de Janeiro
e a. cultura européia" (ALVES DA SILVA, 1991, p.129) - o teatro, o cinema,
bailes, saraus literários, o grande café, lojas, vitrines, o movimento das ruas,
educação, cosmopolitismo - tudo que não o fosse na exata e mesmíssima medida
era provinciano. Nesse sentido, esses cronistas não se satisfaziam com qualquer
tipo de comportamento ou acontecimento auto-intitulado culto ou civilizado, mas
apenas, com certos modelos que deviam ser seguidos.

"(. ..) Não querem umfooting qualquer pelas ruas da


cidade. (...) Não b~a existirem a!l salas de
exibição ou se inaugurarem cada vez mais cinemas.

---
.Acidade para além do espelho
140

Tem que ser da fonna comoimaginam"(ALVESDA


Sll,VA, 1991,p. 128).

E como tinha que ser?

'7 emos o cinema, é verdade, mas não o posruímos


como no Rio, com matinês diárias, frequentadas por
gente da elite, possuímos como qualquer outro
centro bw-guêsda província" (19).

Porém não era apenas quanto aos cinen1as que a cidade pecava em
relação • aos modelos de civilização desejados, aos modelos que deviam ser
seguidos. O mesmo se passava quanto aos cafés. Afinal, como apontava a "opinião
valiosa do arquiteto" Luis Signorelli à enquete do Jornal Correio ~fineiro, os
estabelecimentos do gênero· existentes na capital, mesmo que já tivessem
melhorado bastante, eram ainda muito "medíocres" em suas instalações. Quer
dizer, também não bastava um café qualquer. É certo que o pt·estimoso at·quiteto
tinha em mente os cafés de grandes cidades como São Paulo e o Rio de Janeiro,
quiçá outros, para além da imensidão do Atlântico.

Assim como a própria cidade, os estabelecimentos de café que


pontuaram o espaço urbano de Belo Horizont.e também foram percebidos de formas
diversas. Por quase meio século, as notícias e memórias escritas sobre a capital
apresentavam imagens bastante heterogêneas sobre essas casas variando, como
aquela, do rastaquera ao civilizado. Medíocres na visão de Signorelli; espaços sem
vida: "mesas vazias, garçons cochilando, ( ...) uma sensação de modorra", como
apontava um artigo do Diário de Minas em 1916 (20).

--
A cidad• para além d.:, e&pelho
141

Por out"o lado, numa crônica sobre os "áureos tempos" da rua da


Bahia, o Café Martini era considerado um estabelecimento aristocrático, com sua
orquestra e seus garçons trajados à rigor, " ... um dos mais agradáveis âmbíentes
que os nossos homens mais exigentes conheceram" (21). O Café Estrela, de
meados da década de 20, era visto por Pedro Nava como a Confeitaria Colombo
de Belo Horizonte. E anos mais tarde as instalações do Estrela seriam lembradas
nas memórias do escritor, "pelo luxo das madeiras entalhadas e pelos espelhos
(...)", aquilo era "um prodígio de decoração belle-époque " (NAVA, 1985, p.99).

Desta forma, o fato de diversos cronistas se descontentarem com o


grau de "progresso" da cidade, dos seus espaços e de sua população, ou mesmo o
desta, muitas vezes, preferir abancar-se nos pontos dos bondes à desfrutar o pra.z."':'
que a cidade oferecia, não pennite inferir que a capital não tenha acolhido, em
meio ao comportamento social, vários dos elementos que caracterizavam aquela
"idéia de civilização". Na verdade, ela incotporou ao seu cotidiano muitos
daqueles hábitos e imagens proclamados por esse discurso, como por exemplo a
freqüência aos cafés, decorados com espelhos e mesas de mármore, ou o footin.g
em ruas e praças, onde desfilavam "velhos e moços rigorosamente escanhoados e
melindrosas ii la garçonne" (22).

Certamente essefooting não era como os que tinham lugar na avenida


Centeal, no Rio de Janeiro, porém faziam um enotme sucesso entre os bons
partidos e as mocinhas sonhando casamento, a ponto de ainda serem reivindjcados
para outras praças da cidade já em fins da década de tt·inta (23). Da mesma fotn1a
é possível pensar sobre os cinemas, os concertos, as exposições de arte, os bailes e



A cidQJ~pca t,;Jó,r d7 e;ye:_,;:;
1n

05 cafés. Podiam não ser a cópia fiel daqueles existentes nos ganc1es cemros, mas.
nempar isso deixavam de atnir a população belorizontina.

Lugares onde se ia em busca de díves-são. de novidades de expor-se


ao público. de se estar em companhia agradável e amíst~ de i:meraçio
espontânea e sem compromisso. de desfilar moda, eleg!mcia., ou um certo ar blasé.
esses cinemas, clubes. praças, cafés ... se coostituiam nos principais espaços de
. . -- - •. - - - - -
sociabilidade em público dos habitantes da capital. 1-Aas,cada um desses espaços
acolhiam fotn1as de contato social especificas - a duração, a inte,-.i:Sid3de a
informalidade, os assuntos, os laços estabelecidos, o tipo de frequentadores. entre
outros. Conhecer alguns desses lugares, palcos do relacionamemo social e da
civilidade dessa sociedade, é importante à ~da em que eles nos auxiliam., a
partir das semelhanças e das difecenças que apr-eseatam em relação aos cafés~ a
compreender o tipo de contato que era estabelecido nessas casas e. amda, o que
elas representavan1 para a vida em sociedade na capital.

Além disso. a abocdagem desses outros lugares de encontro. do estar


em público. que faziam parte da vida dos habftaores da capital. serve também como
um meio para que a cidade se revele para além daqueles discursos que foram
aiados sobre ela e sobre os lugares de relacionamento social que ela ofececia à
população. Aíravés deles é possível perceber as redes de imeração e
sociabilidade estabelecidas por sua população. estivessem elas em acordo ou
desacordo com o projeto que informava e ordenava a nova cidade. Nesse sentido
esses lugares possib!_iitam perceber que a capital tinha vida própria com ~s .
espaços de sociabilidade e civilidade que. talvez, não se encaix:assem
necessariamente em nenhum dos dois discursos apontados acima. Isto signifi~ ver


o que era a cidade,~ a ~~~<lladt" pn~uwu r t hti
la ou instti-1 ffll nl<>del '-e ~ d ~ 00 .. ..COllQ'N ..

Lug3res de c.hilid:tde

buJj i
monotonia da n1odema capibl, como seria m.1131,a '\-ida..soci•l
Quais en.n1 os e-Spaços que a cidade om-ecia: par-a o e~~ledn
de intenção entre os seus habitantes. As mesmas cronicas que ~uinm as
imagens citadas ac-ima SUgeRm aJgmna.s t-espoms pai-a esb.s ques:t~ É tr.l'\-~.;:

delas que podanos rastrear os rugares e a.s e.~êncàs de sc~abili.dade e de


civilidade entre os mor-adores da Belo Horimnt.e,

Como se Y-iuanteriormente. dentt-o do mundo e tempo moda~ nos


quais a nova c.apirnJ mine.ir11 m-~ é possível verific.a.r que! o mbib:a"ltê das
cidades participav-a de numerosas formas de assoc-iaçio e contno sociaL e
~va c.ercado de v.ulê\dos grupo~ fonmis ou infurmus. Além dL~o~ no,1'0$
lugares surgiram como e::,--paçode encontro e de interação entre os homem;: teatros,
clubes, passeios em público, e.stabeleciment,os de com«cio da bebidas e alinleOtos,,
como resburantes e cafés. Porém o tipo de contato que etia estabelecido em cam
um desses espaços não se desenvolvia de nl:Uk?.it-a
idêntica. Ainda que as t-elaçõe.s
em cada un1 deles apresentassem algun1as ou ·várias Sc?ll - elas t:unbérn
guardavam suas especificidades, que estavun relacion:ubs con1 c~s
características assumidas por esses lugares conforme a cliente! atendida _
"st~tus". idade. sexo ... - e ainda. o tipo de integnçio que propiciG'Vffll.


.A cldod, para a/ím do 1tp1/ho
144

Assim. ª participação e freqOência no,v encontro• que tinham lugar


nesses diferentes espaços dependia, em certa medíaa, da identificação do individuo
com o ~po, dos atrativos, e mesmo do tipo de contato que determinado lugar
propidava. Lugares elegantes, como por exemplo o teatro, reuniam as melhores
familias da sociedade e, em geral, não contavam com a presença das classes
pobre.. Outro., como os clubes, se dividiam em mais ou menos refinados - cada
um de5tinadoa uma camada social. As ca.sas de café , mais numerosas e ~,oltadaSí
pan o comercio, eram muitas vezes, ambientes mais "democráticos", informais,
porém, também podiam apresentar algumas versões diferenciadas, em
coafomúdade com com uma determinada clientela. Por outro lado, elas também
podiamser classíficadas segundo outro referencial: eram ambientes exclusivamente
masculinos. Nesse sentido, mesmo que apresentasse divisões elite-popular em
meio a esses espaços de encontro, não se deve imaginar que o contato entre os
homens estivesse reduzido a apenas essas duas categorias. Afinal, havia outros
dr1ersos referenciai5 capazes de criar uma determinada "identidade" entre os
homerw,como por exemplo os interesses políticos, esportivos ou literários -
rwltíplicídade característica dos centros urbanos, como aponta BARRY (1993)
(24).

Ainda na época de sua construção, a cidade contou com um pequeno


teatro provís6r'ío, afím de oferecer um pouco de diversão aos operários e
encarregados pelas obras. Inaugurado em 189S peta companhia de zarzuelas Félix
Amwrío (25), era um espaço battante 1imple1, e seria demolido dias antes da
;,..,..., ., d a cap1·ta l . Em 1898 ·surgia o Teatro de Variedades na rua do
..-.uguraçao
, . "taJUU
e<>mér'cao, _.,_ 11•cto crorande a concorrência de espectadores e ruidosos os
:anl
-r ausos
do pu, blº1co aos artistas, não obstante ser a Companhia de terceira ordem"
p
.,! cidale para alim do e;pd.ho
145

(J,Õ). Com sua pequena população Belo Horizonte não era uma boa praça para a
apr-esent.açãode grandes companhias, mas, mesmo que O espetáculo inaugural fosse
levado por um grupo de terceira, não deixou por isso de ser um acontecimento
saudado pela imprensa.

Na virada do século, em 20 de dezembro de 1899, Francisco


Soucasaux mont.ai·ia à rua da Bahia, o Teatro Soucasaux. Convicto de que o antigo
''Variedades",

"(...) não satisfazia às exigências t·ecreativas da


melhor sociedade da capital, deliberou dotá-la de
um teatro que (...), apresentasse maior bom gosto,
oferecesse mais conforto e ficasse melhor situado"
(27).

Este não era, decerto, o teatro sonhado para a cidade, uma ·vez que
funcionava num velho galpão ren1anescent.e da época da construção, adaptado por·
seu fundador às funções de uma casa de espetáculos. A mobília vinda do Rio de
Janeiro, aponta BARRETO, era "sóbria mas elegante, sólida, confortável e de bon1
gosto" (28).

Apesar de não ser uma casa como as dos grandes cent.t·os, toda
sociedade prestigiava as diversas companhias que se apres~~ntavam no pequeno
teatro. Numa série de crônicas publicadas na met.ade da déca~a de qlliuent.a (29),
BARRETO narra diversos eventos de que o teatro foi palco, até o ano de 1906,
quando foi demolido. Os espetáculos recebiam grande e concorrida platéia: moças
e senhoras "lindamente penteadas a trepa-moleque", trajando "longos e elegantes
Vestidos dos gi·andes dias", com seus leques, jóias e binóculos au·aves dos quais
admiravam tudo:· 0 teatro, os rapazes e, especialmente, as outras toilatts~

---
.....-- " .Acidadt para além dv eipefho
146

cavalheiros bem t.r~iados~.estudantes vários; o próprio Presidente do Estado, que


iambem costumava frequentar a casa.

Além de ser um espaço da arte, o teatro o sena, ainda, da arte do


relacionamento social - um palco também pan os "atores" sociais, onde era
possá'veldivisar, a partir de atos e comportamentos partilhados, a construção de
uma imagem sobre como a elite mineira queria ser vista pelos outros e, ainda, por
sí mesma. Lugar para ver e ser visto, para mostrar aquel~s novas toil'1ft'1.s vindas da
capital, para estat· em meio às famílias mais finas e educadas da cidade, para
exercer em público as boas maneiras da gente elegante. Não seria de se espantar
que se pudesse identificar aqui a nesma opinião expressa por NEEDEI.L (1992) a
respeito da platéia do Teatro da Ópera, na capital do país em fins do séct:1~
passado e início deste:

"Como no caso das corridas de cavalos, a ópera


exigia apenas uma participação passiva Apesar de
certa familiaridade com a arte tomá-la mais
palatável para aqueles que sufocavamnuma gravata
branca ou num corpete parisiense, todos
concordavam que a ópera em si era secundária,
comparada à ostentação evidente e à congregação
da elite, que era de fato, o centro dos
acontecimentos. Parte da platéia, de acordo com o
que se dizia na época, tinha apenas uma vaga idéia
do que estava ouvindo. Mas todos, sem dúvida,
tinham uma noção precisa do que estavam fazendo"
(p.103).

Também na capital mineira, para grande parte dos ftequent.ador·es do


teatro, mais importante do que a peça encenada no palco, era a representação
desempenhada por cada um na própria plat.éia. Roupas, compottllmento, gestos,



.A cidad~ para aüm do c;;pelho
147

palavras, movimentos, eram sinais carregados de significação: a sua inclusão num


universo de cultura, requinte, civilização. Nos dias de espetáculo, a assistência
podia "atuar", ainda, no ''bem sortido botequim ao ar livre" instalado num
"pitoresco ten-aço", que o sr. Soucasaux havia mandado construir em janeiro de
1900. sobr~ a entrada do teatro. Neste lugar os cavalheiros se encontravam para
beber, fumar e trocar opiniões sobre o espetáculo ou ouu·os assuntos. Algum ten1po
depois, o teatro contava com novo atrativo para a reuniã_osocial, em especial par~
as moças e rapazes: un1 pequeno jardim com coreto onde as bandas da cidade se
aprese~vam aos domingos e dias santificados.

Os melhores espetáculos eram conu·atados durante o período de


funcionamentc, :!o Congresso mineiro, entre os meses de junho e agosto, quando os
representantes de ../"árias regiões do Estado se deslocavan1 para a capital. Essa
população extra também enchia outros espaços de encontro na cidade, clubes,
cafés, cabarés . . . Dut·ant.e boa parte do ano não havia apt·esentação de companhias
de fora, porém, a casa era utilizada para outras atividades. Entre elas os circos de
cavalinhos, espetáculo de ilusionismo e de "revistas teatrais locais de n1uito
espírito" (30), concettos, bailes de carnaval, e mesmo reuniões cívicas. Em 1904
inaugurava-se o Joyer do teatro com a exposição que reunia aspectos fotográficos
do antigo arraial e da nova cidade. Em dezembro de 1905, antes de ser demolido, o
Soucasaux exibia com grande sucesso o "cinematógrafo falante, uma máquina
cinematográfica ligada a um fonógrafo, que funcionou durante uma semana" (31 ).

No ano de 1909, final~ent.e, a cidade inaugurava com um espetáculo


da atriz Nina Sanzi , O seu sonhado Teatro Municipal. Localizado na mesma rua da
Bahia, pouco acima do lugar ocupado pelo antigo Soucasaux. ., principal via


p .Addade para além do e$peo10
148

"

urbana no que se refere ao comércio e ao lazer elegante do período. E era uma


gent,erefinada e elegante que frequentava o lugar. O prédio do teatro ...

"(...) no seu neoclássico simplificado, imperante


ainda no começo de século, nada teria de
extraordinário. Mas conchegara-se à cidade, às suas
casas, às suas árvot·es, apadrinhara amores, fizera
história Quem, dos coevos, não lhe dava alguma •
emoç.ãoparticular?" (ANJOS, 1974, p.121).

Artistas de todo país e do exterior apresentavam-se no Municipal,


palco de peças, concert.os, ·exposições, recitais de declamação, dos encontros da
sociedade mineira e, como aponta Cyro dos Anjos, de "emoções particulares". O
novo t.eat.ro concentrou a maior pat!.e das manifestações artísticas da capital ( em
especial, de sua elite) até por volta da década de quarenta quando, depois de
vendido, se t.t·afu)--forn1ou
em cinema.

Este, por sinal, foi outro importante espaço para o encontro da


população belorizontina. Toda gente ia ao cinema: moças, r-apazes, fanúlias, grupos
de amigos; crianças, nas matinés; gente importante, como o governador, outros nem
tanto. O cronista f\.foacyr Andrade aponta que, nos primeiros anos da cidade "o
cinema era a única diversão noturna, característicamente honesta para a população"
(32). Cinema Comércio, Colosso, Familiar, Avenida, Glória, Odeon, Pathé vão
aparecendo através das lembranças de diversos cronistas e dos anúncios em jornais
. .
e revistas da cidade. Por volta de 1916, os cinemas surgian1 aos olhos do ainda
jovem estudante C~los Drummond, como o· centro da aglomeração social,

"(...) concentrandotodos os prestígios, impondo-se


pelas seduções que emanavam de cartazes
coloridos, que pareciam rutilantes e gigantescos, e

>
.Acldod, para aUm G',•, 1::p11/ho
149

~ene~ciando-sea noite (contavam-nos)com a


irrndrnçfiod focos IW11inosos
diopostooem fileira
na tàchada(...)"(ANDRADE,1976,p.20).

A inauguração do Cine Pathé, "dotado das mais completas condições


de conforto", era saudado com felicitaç6es pela imprensa da década de 20 e
recebido com alvoroço pelo público da "elite", uma vez que, como afirmava a
crônica social do jornal Diáa·io de !\finas, "o cinema é a coqueluche da gente dúc
da soc.iedade atual" (33). Tamanho era o sucesso que,. como observa o autor da
nota, as noites, antes passadas entre os serões familiares, eram agora sempre
dedicadas ao cinema. Fitas francesas, e mais tarde americanas, eram
acompanhadas, durante a apresentação, por pequenas orquestras, como a do
maestro Airigo Buz.zachi, no Pathé, ou a de Vespasiano Santos, no Odeon. E~
costume entre os :frequentadores pedir ao maestro a execução de suas músicas,
prontan1enteatendidas, conforme o prestígio do solicitante:

'1Jma noite ví o Capanema erguer-se, reclamando


repetidamente a Riv1n~, de Schwnann, enquanto o
meu primo Artur Veloso se batia pela Valse
Erotique, de Kurt lubbe. Esta veio depois daquela
Capanema era quintanista de Direito, conhecido,
prestigioso; teve pt1111aziasobre o primeiranista"
(ANJOS, 1974,p.120).

o Cine Glória, através de "hábeis recursos escondidos atrás da tela" 7

oferecia ao público um sistema próprio de sonorização dos filmes mudos: "podiam-


se ouvir as chicotadas nas corridas de bigas de Ben-Hut·, ( ...), ou o pipocar das
metralhadoras de Big Parade ( ...)" (34). Ainda no Glória, no início dos anos 30,
uma "multidão" fazia dos dias de fita extra, verdadeiros dias de guerra. Precavendo


A cidadt para além d,; espelho
150

rf ,

• quetes que iriam se aventurar em tal combate , Drummond avisava:


. ''há farmácias
03 vizinhança e o telefone da Assistência e meia-quatro-zero" (35).

Em algumas casas a orquestra executava pequenas peças antes mesmo


da projeção, :ifinl de distrair o público no saguão do cinema. Mas não era apenas a
música que tinha lugar nestas ante-salas. As mesmas considerações feitas em
relação à platéia do teatro podem ser observadas no que se refere aos
frequentadores dos cinemas da capital. Relembrando u~a seção no Cíne Odeon
nos anos 20, NAVA (198.S) revela alguns hábitos da sociedade daquele período:
"Antes da luz apagar, era costume dar um espaço de tempo para as famílias se
repararem" (p.50). Este era um momento de cumprimentos, de pequenas
conversas, políticas, artísticas, füteis, de opiniões sobre o último crime, o últir:l~
baile, as realizações do governo, de procurar os olhos da amada ou do rapaz do
quadro de formandos (36).

"Como vários rapazes, o Paulo, eu e o Cavalcanti


permanecíamos de pé e corríamos os olhos nas
moças sentadas e.ntn seus pais e mães e tias
solteironas.Isoladas como dentro de uma vin-ine. Os
leques se agitavam, subia um perfume de pó de
arroz e os namorados começavam a b'ocar suas
greladas ofidianas" (NAV~ 1985, p.50-51).

o saguão do cinema representava, também, uma oportunidade para


entrar em contato com os detalhes da moda, para apt·ender e prnticar gestos e
modos educados e civilizados, como se percebe através de várias passagens em
NAVA, (1985): "A sala de espera estava cheia. Olhávamos e é.ramos olhados.
Estávamos no trinque dos almofadinhas da época": chapéu, colarinho alto, gravata
longa ou borboleta, colete de doze casas "de que a inferior nunca era abotoada ..,


► ,A u:J~<p~ e::;~-·t,,,, d~ r-;,-...,•.,
,
#
~


.

paletós "cintadissimos e compridos, atochados de ~ 005 oai,r"O$ e .nos:


peitos'', calças "largas em cima e apertadi.5,ímas em baixo•. polainu sapato peda
de agulha, flor no peito "como os outros moços, e como eles c,Jase todo o lenço
para fora do bolso alto do paletó". (p.49-.50).

Tudo isso tinha lugar no saguão e, às ,,,e-as, se exundi:a também aos


intefValos, frequentes naquela época. Esses com.atos porém, ~ aos
horários do cinema, um pouco mais prolongado antes da ~o. e cmcnnriD:lê:G~
mais rápidos nos inteivalos (37): contatos polidos, comidos. e.cooômicos. Ao final
da fita, cumprimentos de despedida e impre~es sobr-e o filme. que poderi2m
prolongar-se frente a uma taça de sorvete, uma xícara de café, ou mão, de
inúmeras cervejas na casa mais próxima. Ir 2'~ cine,m en emociooar-re com
Rodolfo Valentino, apaixonar-se por Annit.a Pag~. 3Pf"endeca $er fiivob com Joan
Crawford, a vestir-se como Paris ou Hollywood, era dr1ertír-se, e:ocootr2r os
amigos, combinar programas, ver e ser visto e, até mesmo,~~ ~-attna[tl.c.:::a

nos "cinemas-poeira". depois dofootíng (ANJOS. 1974, p. 121).

Nestes anos iniciais, os clubes também tiveram um papel destacado oo


encontro entre os belorizontinos. Um sobrado da rua Goiás ~a-rn o Club das
Violetas, grêmio "recreativo, fino, seleto mas modesto, COfJlO a flor que lhe
emprestava o nomeN (38). Além dele, havia ainda o Clube~ aberto em 1899
"seletíssímq" e aristocrata, e_ o Clube das Rosas, meio termo cntr~ os dois
primeiros. O Violetas abrigaria uma outra espécie de clube. os •Jardineiros do
Ideal", formado no ano de 1898 por um g,upo de ideJectuaú. e ~~do a
estimular a cultura e a diversão agradável e útil na cidade. Ainvés de suas
promoções. 0 Clube das Violetas. foi palco de diversas pai~ rttibis de

........_

A cidade para além do tspelho
152

p<>esia,
pequenas apresentações musicais e festas, que contavam com a presenç~
do "e.scol social da Cidade de lv~as, que aplaudia e cobria de flores o vitoriM<>
grupo ( ...)" (39).

Outros clubes abertos posteriormente, também se esfMçaram para


oferecer entretenimento interessante à sociedade. Sucedendo o Club elas Violetas
foi inaugw·ado ern 1904 o Clube Belo Horizonte. Ocupava a parte superi<>f' do
sobrado onde estava in::.-taladoo Cine Odeon e possuía sala de leitura com revistas
e jornais~ unia sala pat·a os bailes - "muito belle époque" - e outras menores.
destinadas aos jogos: a pav-una, o cuncample~ o pôquer ... (NAVA, 1985, p.52-53).
Da aliança de alguns de seus dirigent.e.snasceu o Clube CentraL que reunia seus
associados no Palacete Dantas. Foi esse grupo ç,~ fi.Jndou,pouco tempo depois, o
aristocrático Automóvel Clube.

Beneficiado pela doação de um terreno em plena avenida Afonso Pena


pelo então Presidente do Estado ~feio Viana, o Automóvel Clube tet-ia sua sede
construícla pelo arquiteto "recém- chegado à capital", Luís Signorelli. Decorado nos
estilos Luis XV e Luís XVI, era o majs elegante, remado e selebvo da e.idade.
Oferecia salas de jogos com mesas, bilhares e até uma roleta "às ocultas". chás
dançantes, e bailes •memoráveis" que cont~vam com a participação das melho-1--es

familias mineiras (RENAULT. 1988, p.82-84).

•.Além de se consÚtuirem em lugares de dives-são, os clubes t.u:nbén1


representavam espaços de aprendizagem e de difusão de modas sociais e culturais:
livros novos, jomais,-jogos, danças, comport mento, novidades nas roupas, nos
cabelos . e a.li ·to ma,s.
· is do que era visto como de bom-tom. como práticas
s~ft
uaa
...

civilizadas e refinadas. As atividades promovidas nessei clubei. abriam espaço

........_
A cidade Pª!ª afim d:; eirulho
153

.,,arao contato entre H familias, os jovens, o início de romances ... Participar numa
a~emiação contribuía para a inserção dos indivíduos entre a sociedade, facilitando
também as possibilidades de aumentar e diversificar as relações sociais. Mas, se
por um lado facilitavam uma aproximação, especialmente entre seus associados,
esses clubes também impunham algumas restrições ao contato social, afinal não era
cpalquer pessoa que tinha acesso aos seus salões, além dos sócios, só os
convidados estariam aptos a participar em ~as reuniões.

A admissão no seleto grupo tinha um custo elevado, assim como nos


clubes da capital da república e nos seus similares europeus. Esta característica
permitia selecionar os indivíduos e familias que poderiam gozar o convívio da
elite. É nesse sentido que a sociabilidade desenvolvida no interior destes grêmio~ ~
caracterizada como mais restrita e fechada, tomada em relação àquela que tinha
lugar em outros espaços da cidade. Porém, se essa elite mantinha seus clubes, as
camadas populares, ausentes destas casas elegantes, também constituíam seus
espaços de associação. Reuniões familiares, festas, retretas na Praça da Estação,
bailes e reuniões nas sociedades beneficientes desempenhavam papel semelhante
ao daqueles clubes. sendo também espaços de difusão e prática de códigos
socialmente estabelecidos, espaços para o exercício da sociabilidade entt·e esses
outros grupos da sociedade.

Outro importante lugar para o encontro era o Parque Municipal.


Projetado pelo arquiteto e paisagista francês Paul Villon, seu plano seguia as
idéias inspiradoras da cidade: seria executado segundo regras modemas, a.fim de
prover a capital de jardins tio belos quanto Versailles, além de se tomar ponto para
o contato e O passeio da população. O projeto contava com variadas edificações,


A cidade para aum "'J ~~, -

154

cornocoreto, ponte, observatório, cassino, restaurante, sendo que, assun como


ocorreucom 3 cidade, alguns deles acabaram não sendo construídos. Além dos
passeios atra,.rés dos jardins, na ponte dos amores, das retretas com a Orquestra
CarlosGomes, o Parque ofere~ia ainda espaço para os esporus. E.mjulho de 1898,
umgrupo de rapazes fundaria o Velo Club, promovendo corridas de bicecleta na
pista oval consttuída no seu interioi-. Estes eventos- eram prestigiados com a
presença das aburgu~s~da~ famílias da capital, vestidas à caráter para um baile,
emmeio à poeira e o calor (FÓSCOLO, 1979, p.155-156).

Localizado na região central da cidade, o Parque era um espaço


agradâvel e convidativo e, nos primeiros anos sena frequentado
0
especialmente
pela elite - festas vespertinas, esportes,footing. !)urante a semana ele se enchia de
crianças, velhos, operárias e solitários; nos domingos ei·a tomado por esses e mais
as famílias, os casais de namorados, guardas e fotógrafos "de 6$000 a meia dúzia

de instantâneos" (40)_ Porém, se o Pat·que é constantemente len1brado como espaço


agradável, enfatizando seu caráter de lugar do encontro, de festa das senhoras da
sociedade, da gazeta enu·e anligos, de se deixar ficar admirando a paisage.m e as
passantes, em certos mon1entos ·ete também será apresentado como verdadeira
"inutilidade". Vasto demais, era um deserto de dia, e uma mancha negra à noite. No
escuro, os gatos que gozavam a· calma de suas alamedas eram pardos: o Parque se
tomava espaço de "gatunos" e encontros furtivos:

Um senador, dado a amores ancilares, foi certa vez


411 pilhado, entre moitas, por 001 guarda-civil que,
~sast:radamente, lançara para aquele rwno o foco
de sua lanterna O guarda balbuciou desculpas. 01as
0 egrégio, possesso, só não o fez prencrer porque o
Jomlll do Am d u T bceir r,odi flll r escindalo"
(.ANJO!--:
197rl,p.1"1)

AI m do Pt1rqu Muni ipal; a cid de contava ainda com outras form3s


dt div r ão •o ar livrt; como • o ex mplo do JooNng, o passeio de lá para c.i de
• p11rn18, que fnzift uc o entre moç cnsadouns e rapazes namoradores.
Jr,,amba tant com ntadoi o /ootlng da Afon o Pena, o da rua da Bahia, e o da
Praçada Lib rd;,,de, quê $aparava a .fin"s (I dorJg e os pobres em lados opostos
entrcmtado pcJa11viitosias ro eiras de u jardins. Passeai· à pé por· essas praças
e rua tamb rn eu uma fo~ma de contato e1ocial- mesmo que fosse un1 contato
mais wp r.ficiaJ -, especialmente para sses jovens, já que o footing funcionava
comouma ''tala de apresentação" para rapazes e moças em idade de namoro.

O sucesso desse tipo de passeio ah-avessou anos, a ponto de., eni fins
da década de 30, o Jornal Folha de !\tinas noticiar na coluna "A Cidade", o desejo
da senhorinha da Praça Hugo Wetneck em estabelecet· alí un1.,f<."<."'>ting.
Afinal
belos logradouros, belos jardins e belos passeios apenas desen1penh varn sua
ftnalídade, ou ~e completavam, com a presença das moças e dos moços. E qual
haviade ser a finalidade desses belos passeios e belos jardins?

"O jooHng existe quase na me~ma função dos


espetáculos cioemat6graflcos,_teatrais:horas de,arte. e
quaisqueroutras diversões. Ha ~111 diferença: e mais
barato.E faz parte da vida da cidade com a mesma
di~'Jiidade dos outros habito elegantes, sóbt'ios e
impreocindíveia"(41).

E havia··ainda reiltaurante, confeituia e bar .. como o n~staw'ant.e


<>lo o, a ~im chamado. segundo aponta RENAUL T, pelas proporções
Íf

'Vtrdadêirarn nte pantagruélicas doi 'beefs"' que servia aos fregueses (198~
,,,,,.--- .,! cidade p<ZNl alim do espt·u,v
156

. "-r-rt•lado à rua da Bàhia, °


Ili 19
r'> Colosso en fr qu do pelas fanúlias da
,idJ~ especiahnente aos mingo~ dia de almoçar fora ou levar esposa e filhos
pari umlanche d~ois da matinê. Porém, ao fim da noite, a casa se entregava ao
~ dos boêtnio~ aliis~ con10 a maior pat1e dos estabelecimentos do gênero
e.~~~es _na cidade. Como foi apontado anteriormente, outro exemplo dessa
dife,'ellCiaçSode cJienteJa confo1n1e o periodo do dia era o Tri~non, que durante a
rnanhie a tarda recebia senhoras moças e aianças pan o sorvete a soda oc
wgado~ enquanto a noite e.staw 1·esetvada aos amigos do wsque e da cervejada.

N~ bairros mais popular·es da cidade havia inúmeros botequins,


consolo de pobre" (ANDRAD~ 1976'" p.20). Est~ tambérn eram Jogar de
reunião,de ccnYersas, jogos e de muitas brigas. Espaço normalmente freqü.emado
por uma popufaçio mais pobre-, que nio tinha acesso aos gr-andes e refinados
estabeleciment.os da. capital. Ainda no centro da cidade~ havia o Fiora1r"31Jti -
restaur-ant.eque t·e.cebia as "fanúlias nlellOSgrã-fims" -'" e os bares e caf~ cafés
concertose cabarés. Aqui porém tocamos numa sociabilidade de cui.ter diferente,
umavez que estes últimos ·e.srabeleciment.os nio eram locais de frequência da
"familia mineira•. mas sim dos seus represent.ant~ masculinos-. daqueles que
fua1Una boemia da cidade.

A crer nos depoimentos dos cronistas e liuratos,. essa foi uma boemia
lle~e e moviment2da. lnicialrneot.e ela se instalou em plena Avenida Afixwo P~
onde pontuavam os cabarés famosos: "Cbat Noir", ~{oulin Rouge 11, NJtat ~lort .
"Boêmios" e "Elite". A "função" c~eçava já ao meio dia com nlÚsica~ danç..a,
~alhadas e muito jogo (42). Mais tMde, essas casas se agruparian-i ern outra
região da cidade, próximo 3 Estaçio FerToviâ.ri~ onde u nmigiariam polit~co
p A cidadE para além ti? espelho
157

"familia minein ", mas sim dos seus representantes masculinos, daqueles que
fiztnlll a boani:i d3 cidade.

A aer nos depoimentos dos cronistas e literatos essa foi uma boemia
• • ~. . ·-...... , ...... ,,,. !....... . ..

alegre e movin1entad~. Inicialment.e ela se instalou em plena Avenida Afonso Pena,


onde pontuavan1 os cabarés famosos: "Chat Noir", 'Moulin Rouge", ''Rat Mort",
'13oêtnios" e "Elite". A 'lfunção" começava já ao meio dia, com música, dança,
gargalhadas e muito jogo (42). l\,fais tarde, essas casa~ se agrupariam em outra
região da cjdade, pr·óxin10 à Estação Fetroviát-ia, onde se r·efugiai·ian1 políücos,
funcionários e o público universitário beletrista. Em suas memórias, Pedro Nav~
r·esgatanumer·osos est.abeleciment.os desse gêner·o pat·a o per·íodo da década de 20:
"Palace", ''Éden", "Palácio das J\:.oUias",.,Curral das ~auas" ... Além de funcior.::-~
..• a d o a ".e.
como espaço de.stm • .. d o pi-azei·", esse mun d o da pros t·-1tu1çao
.1IU1çao • .. exer·c!a

ainda outras funções dentro da sociedade, como aponta RAGO (1990).

F.m Belo Horizonte, os cabai·és tan1bém não se linut.avam ao ''u·abalho


horizontal, fatigante e benemét·ito" das moradoras, como mostram as lembranças de
alguns escritores a respeito dos episódios vividos nestes locais. No bor·del
discutia-se política, traçavam-se conchavos, debatia-se sobre arte e literatura.
NAVA (1985) se recorda de André Dumanoir. cabaretü1r e.xperient.e, que já tinha
trabalhado em bordéis do Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, e até mesmo
Paris. Inst.alado em Belo Hotizonte, no início dos anos vinte, além das funções de
animador de cabaré, ele e.xerceria ainda a de jornalista, sendo o fundador e diretor
do hebdomadário Risos e Sorrisos - meio tetmo entt'e L~ '\tie P~1isienne e a nossa
Revista da Semana" (p. 132).


f cidade para além do upeino
J )58

Os cabarés mais caros ofereciam entre suas moças algumas meretri.ze5;


.,ogeir3S, bincadas sempre pelos coronéis da cidade e, por isso,
tsf1
, ,eis aos bolsos dos
in3cess1, .
estudantes no campo dos prazeres se>.'Uais. Porém, em
diasde pouco movimento, elas podiam se tomar ótimas companhias, conversando

sobrePoesia, sobre suas experiências nas cidades do. velho mundo , e na língua que
freeuêsprefetisse: :francês, inglês, espanhol, italiano,· ...
o ..,

'Tinha pois latin e conversa, mostrou-se inteligente


e amiga das letras. :Mencionouo Ariosto, o Tasso,
~letastácio
. e Goldoni. Falou em Manzoni,
D'Annunzio, Pinndelfo e Papini. Citou autores
franceses, esponhóis, ingleses e tedescos.
Bestificado prestei atenção naquele reboque do
7..egão. (...) Quando ela nos contou CfUetinha
exercido na Indonésia e Java, que fora cocote em
Xangai, animadora dos caies-concerto da
Alexandria,Bagdá, Atenas e São Petesburgo, que
conheceraRasputin, l\fadame Viroubova e o Grão
Duque Cirilo, mais, que muito jovem fizera a
GrandeGuerra no Seviço Secreto Italiano( ...) nossa
admiraçãonão conheceu limites. Fon de qualquer
dúvida estávamos diante de uma continuadora da
grande linha Bela Otero, Liane de Pougy, F.milienne
d'Alençon e tínhamos de recebê-la com champanha
e pompa" (NAVA, 1985, p.130-131).

Talvez as lembranças de NAVA sobre os idos de vinte estivessen1 já


embaçadas._
e embaralhadas, talvez ele pudesse estar exager·ando quanto aos
atributosde certa italiana que conheceram no cabaré da Olympia. Ou, quem sabe,
ela prôpria não os teria ludibriado Porém não era raro enconb.u- mulhei·es de
difer,....•- - ,. l
~•&UCSPartes do mundo prestando serviços nestas casas, atma , como apont.a

lt.4..GQ
(1990), a novidade, 0 nomadismo eram impottantes elementos de excitação
hessern
Unclo da prostituição (43).

Ji cidade para além do e&pelho
159

Estes cabarés também foram palco de lazer, de brincadeiras, de jogos,


piadas, chistes e bebedeiras. E eram lugar de difusão de modas e hábitos sociais:
as danças,. o bhies, o tango, o raanme·
õ·· '
das modinhas rrrusicais·' da e1e~0 ância nas
maneiras e no modo de vestir, do extremo requinte de ser servido à mesa com o
champanhe_.No mesmo episódio mencionado acima, NAVA (1985) recorda o fato
de terem tomado champanhe no Éden, o famoso cabaré da Madame Olympia.
Estudantes e de poucos recursos, ele e seus amigos frequentavam mais amiúdt
bordéis mais simples e baratos, tomando sempre a cerveja de costume. Porém,
naquela.ocasião, em troca do anel e relógio de ouro, mais a pérola da gravata de
um dos amigos,• eles puderam gozar o prazet· de manter sobre a mesa e saborear
dois ''botelhaços" de J,éuve-Cliquot. Nova toalha e novos copos para encenar um
novo ritual, afinal aquela era uma bebida fina, um néct.ai· do mundo civilizado,
servido em baldes cobertos com "alvos" guardanapos.

"(...) ao estouro, todos olharam aquela roda de


boiardosdechainés. ( ...) comovidos provamos da
bebidados coronéis. (...) Sentíamo-nosnas Folies
Bergêres,emParis( ...)" (p.131).

Nessas aventuras pelo meretrício da cidade, esses jovens mineit·os se


solidarizavam e compartilhavam os primeiros encontros amorosos, os prazeres do
dinheiro, das mulheres e de certos vícios, o orgulho de serem observados por todo
cabaré, de tomar champanhe francês, ou de conquistar determinada meretriz. Uma
noite como essa era um momento de vazão das mais difet·ent.es fantasias desses
rapazes em relação à vida boêmia. Fantasias moldadas à imagem daquela vivida
pelos grandes poetas franceses, uma vida boêmia de grande cidade cosrnopolita.
Ultrapassando as fantasias, essas aventuras também estavam carregadas de
simbologias, elas ·representavam um "rito de passagem para a sua abertura à


.A cidade para além do espelho
160

alterictade e para a sua integração social" (RAGO, 1990, p.271). Era o ser homem,
serviril, ser tratado pelos outros com respeito, talvez com inveja.

Apesar de ser um espaço de reunião e sociabilidade para certos


grupos, havia algumas regras a serem observadas entre os frequentadores dos
cabarés. Aqueles que vinham em pequenos grupos divertiam-se juntos, porém não
cumprimentavam os "respeitáveis senhot·es" conhecidos que por ventura
encontrassem pelo mesmo canúnho: "se se cruzavam, mesmo se se adivinhassem
íntimos· não se vian1 nem se conheciam. (. ..) envolvidos [todos eles numa]
cumplicidade tácita". Entre eles passavam "leves e rápidos uns raros moços".
Vultos de homens "honestos" e de "respeito" que desciam as ruas ela cidade para
um_pouco de c.ii-.,ersão.D_eslizavam como peixes,

"a catTegar para os olhos os chapéus desabados ou


arvorar óculos escuros, esconder os bigodes e as
nucas dentro do cai1ucho·dos cachenês empurrados
por mãos previdentes até as orelhas narizes.
Andavam sem barulho como se estivesse.m
transpondo· o solo duma nave a ponta de pés.
Estavam descendo (NAVA,1981, p.383).

Ao lado destes cabarés, que marcaram a memória e a sociabilidade


dos homens da cidade de Belo Horizonte, sobt·essaem-se os cafés. Assuu como
aqueles os cafés também seriam, por essa época, espaços privilegiadamente
masculinos. Não existem referências à presença feminina, seja ·nas pequenas rodas
de conversa ou sozinhas, no interior destes estabelecimentos. Na verdade, é bem
rnais fácil encontrar nas crônicas sobre as primeins décadas da cidade, afinuações
negativas a este respeito:

b
.,4cidad, para além do eipelho
lól

"&a só para homens ou artistas de caie-concerto.


As senhoras não entravam ainda em restaurantes e
cafés"(FRIEIR.O,
1966,p.251).

"Senhoras porém não entravam no Café e Bar do


Ponto, ou no Iris e· Aóidêmicó ( ...) Neles sõ a
homaiada se reunia( ...)" (44).

''Não tínhamos a presença sequer de •uma mulher.


~{oç~-~-~Q.çied~4ejamais sentaria na mesa de um
bar( ...)" {RENAULT,19i8, p.92). •• ••- - - •

E muito n1enos na de um café. Aliás, isso não em uma caractet·ística


específica da cidade, fosse no Rio, São Paulo ou em Paris, não era muito comum a
presença de mulheres nestas· casas. Nos países eut·opeus a freqüência fenlinina só
começa a ser mencionada a partir. do século XIX. Na França, alguns estudos
apontam que somente em meados dos oitocentos set·ia facultado às senhorns da
sociedade a entrada em cettos estabelecimentos de café, mas apenas àqueles dos
grandes ''boulevanls" e, assim mesmo, num período em que a presença no café é
vista como ação dissociada do debate, da interação social, num momento em que o
silêncio, a busca da intimidade, são apresentados como u·aços "caracte.risticos" do
comportamento burguês. Este é um dos aspectos analisados por SENNETT (1988)
como fenômeno do processo de deterioração da vida pública, sobt·epujada pelas
Ntiraniasda intimidade". O autor ainda chama a atenção para o fato de que, ainda
em 1890, em Paris e Londres, não era considerado de bom tom uma mulher
freqüentar •.desacompanhada umsalão de café, arriscando-se, inclusive, a ser
impedida de entrar (p.267-269). Até mesmo para a5 kahve.h kasses do orie,nte não
há menção à presençã de mulheres (OLIVEIRA, 1984).



.Acidade para além do Espelho
162

Possivelmente apenas Os -~·


CGJ.es-concerto contavam com fj
,guras
&..-.ininas
1guu.. '
assim mesmo daquelas a quem Ja
· · nao
.. unportava
• · a reputaçao.
mmto ..

l\r'as
1 i::eeram
• - .
semelhantes aos cab ares
• no que se refere, por exemplo, a, frequencta
-• •

txclusivamente nlasculina, os cafés- ·se- diferiam destas casas em outros ·vários


aspectos. ~ assim poderá ser observado em relação a paticamente todos aqueles
lugares de exercício da sociabilidade entre os habitantes da cidade , mencionados
no decorrer desse capítulo. São esses estabelecimentos de café, sua~
caract.eristicas, seus :frequent.adores, seu cotidiano que serão examinados de forma
mais detalhada nas páginas seguintes.

Os homens e os cafés

As informações citadas anteriormente revelam que opções de espaço


para o encontro não estavam ausentes por completo na nova capital como deixan1
imaginar certas crônicas que _abordam sua vida social, examinadas anteriormente.
Talvez apenas, como já foi discutido, eles não se encaixassem nos modelos ou nos
desejos que algumas pessoas tinham acerca destes espaços. Não faltavamfootings,
clubes, cinemas, parque, e mesmo alguns t·estaurantes . . . Mas, em se tratando de
casas de repasto e venda pública de bebidas os cafés seriam, especialmente nessa

região central da cidade, os estabelecimentos mais proeminentes e, em certo


sentido, os mais populares.

Esta importância e popularidade alcançada pelos cafés belodzontinos


em meio a outros lugares de interação social, pode ser pensada através de
proprosições semelhantes às que os estudiosos dos cafés eu1·opeus apontam para

.....____

.Acidad, para aüm d? espelho
163

.ri'

os estabelecimentos daquele continente. Como se viu no primeiro capítulo, os


cafés se difu nd iram pela Europa num momento de transformações sociais, em que
novas camadas ocupavam o espaço das cidades e promoviam mudanças nos
fom1as de ,·elacionamento entre· os• homens. -Ponto de encontro de indivíduos de
diversas classes, os cafés se tomaram lugar de uma sociabilidade de curso li-vre,
desobrigada que estava em obsetvat· símbolos de "status" nas relações travadas
entre seus. freqüentadores, símbolos que, muitas vezes, ainda regiam o§: con_t_~t9s..
estabelecidos em clubes, salões, no teatt·o, nos passeios a parques, praças e jardins,
entre outros.

Como foi apont.ado acima, a nova capital mineira também contava


com seus clubes, saraus, bailes ... , porém, assim como os clubes e sal e~~
europeus, restJ'itos e selecionados, caracterizados por um tipo de sociabilidade
mais fechada, circunscrita e elitista:

"( ... ) havia na Cidade de :Minasum club rea·eativo,


fino e seleto ( ...) Chamava-se Club das Violetas. E
havia outro club seletíssimo, com tendências
aristocraticas, que se denominava Rose( ...)" (45).

''F.ntrei comovido na in..~tuição por um


corredorzinho estreito ( ...) o Clube Belo Horizonte
( ...) era a casa onde se reunia a elite da cidade"
(NAVA, 1985,p.52)

Os bailes e saraus não diferiam muito desses clubes, reunido às vezes


moças e estudantes, às vezes apenas senhoras da sociedade, outras o crima dt1 la
crem11. Por outro lado, reuniões promovidas pelas e.amadas mais popuhu·es
dificilmente contariam com a assitência da "escol social" belorizontina. Footings,
praças e cinemas por sua vez, propiciavam contatos que. na maioria das vezes.



.A cidade para além d) e&pelho
164

erammuito fugazes e superficiais. Mesmo que públicos, eles também revelavam ·a


presença de uma certa seleção: as roseiras da Praça da Liberdade eram a fronteira
entre o footing de ricos e pobres. Entre os cinemas, o Odeon era o· templo da
turma raffinée, enquanto o Glória ou os ·•"cinemas-poeira" reurúam as outras
camadas da população: ..onde a_gente podia ·ir com a roupa de andar em casa" (46) .
.,. . -
E, além disso, cinema era lugar· par~. ~e:-~er ·fitas, local de simples cumprimentos,
conversas mais .curtas,_ao "pé do ouyido" e de..gmpos_bastante r.eduzidos.

Os cafés, ao contt·ário, mantendo suas portas. abertas diariamente para


as ruas da cidade, atingiam um público muito maior e mais diversificado. Afinal,
nestas casas não era necessário a indispensável apresentação através de um amigo
ou de simples conhecido, como de praxe, por exemplo, em clubes ou nos salões J::.
sociedade. Como revela Nava, ele não poderia desfiutar as salas de leitura ou ée
jogos do Clube Belo Horizonte se não fosse pelas mãos de seu amigo, e sócio da
instituição, Paulo J\-ionteit·o Machado: "Obtemperei que não éramos sócios, o
Cavalcanti e eu. Mas o Paulo disse que com ele entrávamos ( ... )" (NAVA, 1985,
p.51).

Um desejo de empadinha, de café quente, de cerveja, de água fresca,


de conversa despretensiosa, fazia reunir nestes estabelecimentos pessoas de
diferentes estratos sociais. Certamente havia casas que se caracterizavam por
manter uma clientela refinada, como por exemplo o Café Estrela, ou então,
aquelas onde predominava uma freguêsia mais popular, como o Bar do Ponto ou 0

Café Java. No entanto, mesmo que revelassem certas preferências sociais, estes
estabelecimentos apresentavam um tipo de sociabilidade menos restritiva. formal e
seletiva que a maior parte dos; outros espaços mencionados acima.



A cidade para além do e;pelho
165

Da mesma maneira que as casas de café existentes no continente


europeu. ou aquelas abertas em grandes centros brasileiros como São Paulo e Rio
de Janeiro, os cafés belorizontinos se constituíram num dos principais espaços de
sociabilidade para a sua população durante as primeiras décadas da nova capital -
lugar para exercitar a "arte de bem conversar, o gosto pela anedota, a inventi~,a na
aiação de histórias, a Í!Tesistível vocação para a malediscência, ( ... ) o admirável
bom-hum'>r" (47), reuniões nas quais velhos companheiros e também alguns
desconhecidos compartilhavam o prazer, o estímulo agradável de estar com o
outro, sem qualquer compr~rnisso. Assim também parecem entender os cronistas e
os responsáveis pela publicidade destes estabelecimentos. Umas e outras
constantemente salientam a •imagem dos cafés como um lugar de encontro, de
reunião social, de estar entre amigos:

''Pontode reunião da elegância belorizontina (...)" -


Trianon(4&).

''Ponto de reunião da rapaziada 'chie' (...)" - Café


Bigh-life (49).

''Ponto de reunião da classe acadêmica,sportmen..e


famílias( ...)" - Café Diamantina (.50).

"(...) ponto de reunião de torcedores de :futebol(...)


de reunião de literatos (...)" - Café lris e Café
Estrela (ANDRADE, 1947, p.44-45).
•.

Além de evidenciar o caráter de espaço de enconb·o que n1 .u·cava


estas casas de caf~ as passagens citadas acima apontam, ainda, para outro
Írnp<>rtante aspecto: a formação, em grande parte destes estabelecimentos. de
pequenos grupos, constituídos a partir de certos interesses específicos. Em muitos

11111-...___
.,1cidade para além do e&pelho
166

casos, esses grupos serviam, inclusive, como um elemento de identificação ~

distinção entre estes cafés, marcando, por sua presença e preferência, cada casa
como reduto de determinada corrente ou atividade: profissional, literária, política,
esportiva entt·e outtc1s.

A localização era um dos fatores intluêntes na caracterização do tipo


de clientela mais freqüente, como se nota pelos estabelecimentos em
funcionamento na rua da Bahia. Nesta via •estavam instaladas algumas das
principais redações de jornais e revistas em circulação na cidade, o que acabava
' .
contúbuindo para o fato de seus cafés serem pródigos em jornalistas e
colaboradores. Os modernistas que "davam plantão" no Diário de !\,finas, faziam
sempre uma hora-extra nas mesas do Estrela, onde tinham também o seu "li'vro de
ponto", os r·edatores da revista "\'1dade !\,finas 0:vERNECK, 1992, p38).

Na verdade, a presença desses pequenos grupos - reunidos a partir de


algum tipo identidade, do reconhecimento em partilhai· traços, preferências, valor·es,
atividades . . . semelhantes - parece ser um aspecto característico desse tipo de
estabelecimento. O mesmo pode ser dito quanto ao fato da identidade destes
grupos acabar se excedendo, tomando-se como que uma característica do próprio
estabelecimento, como é possível perceber para grande parte das casas de café
nomeadas até aqui. No Rio de Janeiro, por exemplo, GOl\ffiS (1989) aponta o
Café de Da Bourse, frequentado por comerciantes, o Café do Amoriin, que
mantinha banqueiros e tabeliães como clientes mais fieis, o Nice, reduto de
sambista5 e radiali~s. ou o Café Rio Branco, conhecido como a sucursal do
Clube de Regatas Flamengo. (p.65~ 78~ 79~ 83). Os cafés europeus parecem não
fugir à regra. Na Inglaterra do século À.'VIII, essa caract.erist.ica é apontada att.ivés

>
p .Acidade para além do e.peího
167

de um artigo da National Review (n.8), citado em Habbennas: "Toda profissão.


todo ramo de comércio, toda classe, todo partido tinha a sua cafeteria predileta"
(51).

Em Belo Horizont.e vários grupos também marcariam certas casas de


café, como os integralistas no Café Paris, os· jornalistas do Java ou os
investidores que buscavam infotn1ações, negociavam papéis, títulos e fechavam
contratos com Arlindo Pardini no Café Acadêmico, filho da proprietária do
estabelecimento.

O grupo dos literatos, modernos e sonhadores, elegeram como o "seu"


café, aquele que havia de mais "chi~" na cidade. o Café Estrela:

"À noite, quemlá entrasse, havia sempre de ver em


tomo de mna mesa, os estudantes alegres, que hoje
se tomaram os varões mais circunspectos e
legítimas expressões da inteligência brasilein"
(.52).

Aspirantes à intelectualidade, aquela vanguarda, chamada por· seus


opositores naqueles anos vinte pelo nome de futuristas (NA V A. 1985, p. 92), se
cercara de uma moldura elegante e refinada: os espelhos e as madeiras
envernizadas das vitrines e prateleiras do café, mais o movimento e o burburinho
- da chama~ "rua do Ouvidor" belorizontina, a rua da Bahia. Além do gosto pela
"arte" (da casa) e pela "civilização" (da via), havia outros aspectos à tàvor da
. .

escolha do Estrela: a proximidade que este café mantinha daquelas r·elíquias


expostas nas estante; do Alves, a melhor livraria da capital, aberta a apenas alguns
passos Bahia acima, e também, alguma5. redações de revistas que funcionavarn
nas proximidades do estabelecimento, como a· Tank. no mesmo sobrado onde


► .14cidade para além ó., l!&pt!ho
168

.rf

!1Sl3V3
instalado o cúé, ou a Vida de :Minas, na esquina de Bahia com a avenida
Augusto de Lima.

·Esses estabelecimentos reuniam escritores, jornalistas e


1,1 1

pensadores se t.omar·iam conhecidos como "cafés literários", dos quais um dos


expoentes seria o Café Procope de Paris. Espaço público aberto à conversação,
eles passariam a desempenhai· o papel dos antigos salões literários. Poemas, prosa,
filosofia .eram dados ao conhecimento público e à crítica. E para um público
int.electuale selecionado, os espaços tambén1 seriam especiais, car·acterizados pelo
luxo de suas instalações. Como observa :MATONTI (1992). casas de venda de
bebidas como cafés~ cabarés e tabernas acolhiam "clientelas específicas para
consumações específicas", e dessa forma os cafés deveriam oferecer um ambiet.a!..:.
refinado para um público de "qualidade" (p.104). No entanto, ele chama a atenção
para um erro freqúente: o de assimilar o café literário simplesmente à um café de
luxo. Como aponta, um café literário não se define unicamente pela qualidade de
sua decoração, seu serviço e de sua arquitetura, ou ainda, as atividades (o ato de
escrever) que nele tê.tu lugar, mas, principalmente, por seus frequent.ador·es e por·
..
seu estilo de vida:

"Desde sua origem, não são tanto as atividades


praticadas no interior do café e sim a ~idade
_nos dois sentidos do teimo - de seus chemes que
transforma wn cate em caie literário. (...) o nome
café literário tem mais a ver o com >netie,.. do
escritor com seu status e seu estilo de vida do que
com 3 ~tividade da escrita propriamente dita. (...)
ele é por excelência o lugar das controvérsias
littrárias" (p.103)


? .A cidad, para afim d,. e&pelh.,
169

.rf

A r~uniio nesses cafés representava para os escritores,


. tanto em p aras

coato na jovem Belo Hor-izonte, um momento de troca de ínfonnações, opiniões,
criticas e ex-periências, seja de assuntos· exclusivamente literários ou não. Através
dest!CS encontros, esses jovens literatos tomavam contato com as mais novas
c«rentes artísticas do mundo civilizado, ao mesmo tempo em que começavam a
construir as bases se seu próprio estilo. Para os "aspirantes" à escritor, esses cafés
eram lugar especialmente de aprendizag~m e inspiração, algumas vezes 4.e
vtrdadeira veneração, como revela Guilhennino César, referindo-se ao grupo
modernista do Café Estrela:

..urrávamos de gozo toda vez que o Simeão,( ...), nos


servia uma xícara de cate na mesma mesa em que
havi~ sentado, horas antes, tantas celebridades
paroquiais"(53).

Se os "modernistas" eram vistos por alguns rapazes daquele pedodo,


como o supra-sumo do movimento literário mineiro, partilhar o espaço, o ambiente
por eles frequentado era como que partilhar suas idéias, compottan1entos,
p-eferências, visões de mundo, era quase como "ser um deles". Sentar-se na
mesma mesa em que esteve Drummond, A.scânio, Nava, F.mílio, Abgar ... , ser
servido pelo mesmo garçom, ter em volta de sí aquela mesma moldura - o café,
com seus ares de requinte francês - era como que incorporar o signo de "ser um
moderno", que não se restringia apenas à poesia, mas também, e em especial, à
vida, ao comportamento, às preferências, à juventude daqueles rnpazes da Belo
Horizonte dos anos vinte.

Para Guilhenruno César, frequentar o EstreJa naquela época que-tia


"dizer" algo, era como incluir-se num determinado grupo, marcar uma posição para
A cidadt para aiÉm do t.pdho
170

t e paraoo demais (~4) Ness t'd


s • e sen I o, como "lugllr" de um d t rmin do grupo,
Como seu espaço de ação cen.1..n·o
• ª de ati'tudes e comportamentos s1gi1dicantes
· ·
(que
simbotiz m algo, ou onde se inscreve uma adesão a um tipo de pensamento, de
e• ninortament.o)
-r ,'
é mae
'r
o~ c"'"~s · • • •
.. u.ii... parecem mcorporar a 1dent1dadedesse grupo. E

assim q~1e,_para alguns ir ao Estrela era ser poeta, ou melhor era ser modernista.
Afinal,poetas havia aos montes pela capital mineirn - como se viu, no início desses
anos vint.e, o Paris seria reduto da corrente simbolista - por isso não er~ difici:
enc.onb-á-losnos dive.r·sos est.abeledment.os de café abettos na e.idade:

"( ...) os cates regorgita\."3Dlde poetas que


procunivamno absinto,afogarmáguasimaginárias.
k; namoradas serviam apenas de pretexto para
devaneios alucinados. Não mi a noiva que se
procurava, mas apenas a musa inspiradora"
(ANDRADE,
1947,p.63).

E dê-lhes absinto e horas ,raziaspara que seus sonhos e divagações


tomasRro forma de versos rimados entre as mesas cla.t-ase redondas destes cafés.
Pelo que sugere as infonnaçõ.es sobre alguns desses grupos literát'ios (modernistas
e simbolistas, por exemplo), a idenlifícação com dete.nninada con·ent.e,gnnde parte
das veus, excluia a freqüência ao "reduto" do outro grupo, uma vez que essa
identificaçãoenvolvia uma escolha - a de ser\peitence.r a uma ou outn con-ent.e.O
mesmo pode ser observado, por exemplo, em relação aos cafés franceses
(MATONTI, 1990, p.106). Porém, como aponta BARRY (1993), no mundo ut-bano
essas"identidades" apresentam um caráter_múltiplo, o indivíduo se inset·e numa

rede de grupos e preferências e opin~ões diversas (polit.ica, artist.ica, esportiva, ...).


É segundo essa perspectiva que se pode encontrar os modernistas no Bar do
Ponto, ou esses e 05 simbolistas no Café Guarany, ou no Java, no Acadêmico ...


p
A cidad, para além do npe1J1o
171

Da mesma forma, caracterizar uma casa do gênero. como reduto de determinado


grupo não exclui 3 presença de um público variado e diverso do mesmo.

Assim, apesar da freqüência mais amiúde de determinados grupos, a


gr"!ndemaioria dos estabelecimentos se caract.erizava pelo ecletismo - afinal isso
er·aum comércio e todo mundo era cliente potencial e bem-vindo. Lugar de estar
entre amigos, de conversai· sobt·e a política, o futebol ou outra coisa que se queira,
os estabelecitnentos de café atendiam aos mais diversos desejos e necessidades.
Entrar nwna casa do gê.net·o era oportunidade de sabot·ear um café aromático,
servido em mesa por garçom, mas, muitas vezes, não se resumia apenas a isso. Ir
ao Estrela, na Belo Horizont.e daqueles idos de vinte, para. Nava, Dtun1mond,
Emílio ~.{oura e outros jovens daquela geraçãe, ~ra, além do café e das cervejas,
discutit·lit.et-ah.Jt-a.,
poesia, conhecer novos autores, novos livros, fundar revistas.

''Escrever era bom, sobretudo para mostrar aos


companbeu·os de café, quando cada um de nós tirnva
do bolso seus produtos literários do dia e expunhaà
aitica informal dos outi·os" (.5.5).

Poesia, crônica, ficção, histórias que um dia estariam estampadas em


páginas de alguma publicação - jornal, revista, coletânea, livro -, outras que
ficariam esquecidas pelas mesas do café ou numa gaveta velha cheia de papel
amarelado:

"Lembro-me de que passei uma noite inteira de


Natal a escrever de colabor-ação com o '.Milton
Campos, nas margens da~ . ~olhas ~ 'Edição
Comemorativa do Centenano do Jornal do
Comércio' wna epopéia belorizontina em que
fazíamos alarde de rimas raras e •introduzíamos


►· A cldarü para além do e&pelho ..
172

todos os amigos e conhecidos nraticando façanhas


extraordinarias. Creio que a co~posição se iniciou
~o C~fé ~strela, pouco depois de comprarmos os
Jornais vmd"s do Rio, por volta das dez horas da
noite, e só foi terminar, ao amanhecer, num
botequim da Central do B.-asil (.56).

Toda a atividade, a discussão, o cruzar de opiniões que tinha lugar


nesses estabelecin1entos, fazia desses cafés um lugar onde se poderia encontrar
conversação construtiva e inteligente. É segundo essa imagem que seus salões
t.ambémserão vistos como espaço onde seria possível "educar-se socialmente",
aprendendo sobre as formas, os códigos e os significados dos atos e do
comportamento em público. Assim não era só "aula de literatura" que os cafés
ofereciam aos ~~us frequentadores; distinção, boas-maneiras também faziam parte
do currículo que essas casas oferecian1. Na Europa do século XVIIL era
considerado de grande importância o papel que os cafés desempenhavam na
socialização dos indivíduos. O esa-itor Gil Bns de Satú.illane dii-ia a esse respeito:
"Aítnal, os cafés são lugares excelentes para desasnar a juventude, que atí pode
corrigir seus defeitos imitando os exemplos alheios" (57).

Também em Belo Horizonte os estabelecimentos de café serviam para


"desasnar" os jovens estudantes aspirantes a escritor, tanto no que se refere à
cultura livresca como à dos comportamentos sociais. Ao mesmo tempo em que 0

salão do café facilitava o contato e a disseminação das novas idéias, conentes,


autores e livros _ em especial os estrangeiros, mais caros e por isso mesmo
rnfflos acessíveis -. ele ainda propic~ava o contato e a disseminação dos sirnbolos
de um comportamento tido como moderno e civilizado. !\iodas, costumes, e até
mesmo um certo "estado de espírito" podiam ser apreendidos e compartilhados

>

.rf.

nesses estabelecimentos. Entre muitos jovens, 0 ambiente da cidade e o dos seus


espaços de encontro eram vistos como elementos de civilização, capazes de
"educar" especialmente os colegas vindos do interior. Ao chegar na capital mineira
ainda na década de vint.e, Alfredo Renault seria questionado ironicamente numa
roda de amigos: ''Veio civilizar-se?" (RENAULT, 1988, p.80).

Ainda no âmbito literário, os cafés foram palco da fundação de vários


jomais, para não dizer redação de alguns deles. Traçand<?um histórico da imprensa
em Belo Hoi-izonte, BARRETO (1950) escreve: ''Houve mes1no uma quadt·a, lá
pelo ano de 1914, em que a fundação de jornais na Capital se tomara iniciativa de
porta de caféº (p.235-236). Entre um gole de café e outro discutia-se da
arrecadação de dinheiro- ao aluguel de máquinas, autorização de anúnci~~.
confecção e distribuição do primeiro exemplar da nova folha. E fosse lá o CJl!e
''Deus quizer".

Os redatores e colaboradores eram reaut.ados muitas vezes no n1esmo


local.. Citando um destes vespertinos fundados sem a núnima infra-estrutura,
BARRETO acrescent.a: "A matéria de redação et·a encomendada, às pressas, ao
primeiro intelectual da cidade encontrado num café" (p.236). Jornais não faltavam
à cidade, nem os "aspirantes" a intelectuais, que existiam "aos cachos", con1o
aponta o cronista Moacyr Andrade. Ele se recorda que alguns colaboradores eram
convidados a tomar uma média no Café Java, tradicional pont.o dos reporte.res das
folhas diárias da capital, e ali mesmo rascunhavam seus artigos: "Eu escrevi muita
coisa naquelas mesas, para a~der à solicitação, imediatamente ( ...)" (58). Porén 1
duravam pouco estes jornais, nascidos de um delírio, morriam do "mal-de-un1bigo".

>

.1

Na Europa também é possível perceber uma forte ligação entre esses


estabelecimentos e os jornais. Inicialmente os cafés funcionariam corno
"erdadeiros "jornais falados", lugar onde ''fatos econômicos, políticos, sociais ...
er-an1d3dos ao conhecimento público" (STEPHENS, 1993). fvfais tarde, durante os
séculos XVII e XVIII, a leitura dos jornais seria um dos elementos que identificava
estes estabeleciinentos. Este seria un1 dos principais au·ativos oferecidos pelas
casas e, também, parte integrante da idéi3. geral que delas se fazia, como se nota
através da enumeração que fez o publicista de Gõtt.ingen, A. L. Schlozer, an 1786,
dos aspectos que deveriam caracterizar um bom café. Entt·e higiene, serviço,
decoração e outros itens, encontn-se a oferta de jotnais e ouu·os periódicos de
procedências diversas e os mais distintos da Europa, aiim de oferecer uma
distração út.il aos seus frequentadot·es (BÕDEKER, 1990, p.575-576).

Fora do campo jornalístico, os cafés eram ainda, espaço de


concretização de outros tipos de negócios: e.mpr·ést.in1osde agiotas, cobranças
destes, transação de pequenos objetos, títulos, venda de bilhetes lotéticos, dos
jornais impressos . .. negócios lícitos e ilícitos. O Acadê-mico concentJ--ava os
negociantes de papéis e títulos. O Bar do Ponto reunia can1bistas, jotnaleiros,
engraxates e toda so11.ede vendedores ambulantes, que se aglomeravarn naquela
região em função da proximidade do ponto dos bondes. Agiotas pareciam e.~stir
em todos os cafés - onde quer que houvesse alguém necessit.ado, ou onde qua· que
estivessem seus devedores. Fora, ainda, as pequenas vendas ou o "comércio
clandestino" de perfumes, cortes de seda ou tropical conh-abandeados, que o velho
boêmio Mingote costumava oferecer aos clientes c;ue espreitava pelos cafés e
bares da avenida, entre os quais o Bar do Ponto (RENAULT. 1988, p.34).

b

A cidade para além do eipelho
175

Também no lüo de J · • .-. • , · t


aneiro ou na Europa os cafes se tomariam ugar
de traflSações comerciais, sendo que alguns chegariam mesmo a se especial~~-nps.
negócios em função da clientela atendida. Em Londres havia o café ehbolsa de·
valores, 0 Robin's e o· Mrs Rochefort's. Como principal exemplo· e~va o
Lloyd's, que concentrava os assuntos relati-vos ao comércio marítimo e onde surgiu
uma famosa cooperativa de agentes de seguro bri~ica. SENNETT (1988) aponta
que, entrP. os séculos XVIl e XVIII, "negócios tais como o de seguros, ligados à
necessidade de informações sobre a probabilidade de sucesso em uma transação
particular, cresceram nos c~és (p.108).

Mas se eram lugar de negócios, os cafés também o eram do ócio.


Reunidos em grupos, jovens estudantes, ~.:ncionários, boêmios e outros
representantes da camada n1asculina da popula~ão, passavam tardes e noites em
libações, divagações e c_onversas sem importância:

"(...) contavam-sehistórias pornográficas e diziam-


se besteiras, puras e simples besteiras,
angelicamente, até se fechar a última porta (...)
(ANDRADE,s.d., p.54).

No Estrela, quando já não havia nada mais a discutir ou escrever,


desenhava-se no mármore da mesa, onde, no fim da noite, "o mosquito comia o
açúcar derramado sobre as últimas caricaturas de Pedro Nava" (ANDRADE, s.d.,
p. 54). Às ·vezes, sem muito o que fazer, os fregueses do Bar do Ponto também
deixavam impressos seus rabiscos pela tinta das paredes, em "inflan1adas
legendas" políticas ou mulheres de "formas provocantes" (59). Outros postavam-se
emsuas portas, ''basbaques" vendo a vida e as mulheres passarem (60).


? A 'dade para além do upelho
CI }76

Como espaço de visibilidade e convers?., de movimento diversificado


fJ inteflSO, os cafés seriam ótimos lugares para a bisbilhotice, 0 fuxico e o boato. E
emBelo I:Iorizonte, o Bar do Ponto, mais central e popular, parecia ser o hors-
conc.ours,como revelam as seguintes passagens:

"O Bar do Ponto devora com alegria duas ou três


reputaçoes por dia" - Don Ruy.

"(...) o umbigo, meca boateira, polpa de ódios e das


paixões, o sal da malediscência viva, por onde
passavam todos os bondes e boatos" - Guilhermino
César.

"As t~oninhas trabalhavam, sobretudo no Bar do


Ponto" - Pedro Nava

"(...) vida alheia, sobretudovida alheia, antigamente


eram pasados metodicamente em revista, com vagai·
e malícia mineiros, entre dois bondes, dois chops,
dois cafezinhos sentados" - Carlos Drnmmond (61).

Boato público ou privado, não havia assunto que não frequentasse as


mesas dos cafés, em especial, do Bar do Ponto. Essa visão das casas de café•
como espaço de divulgação de notícias sugere outra característica deste tipo de
estabelecimento, observada quer seja na "movimentada" Pai-is, quer na "pacat.a"
Belo Horizonte. A liberdade de abordagem, a riqueza e diversificação de seus
frequentadores fizeram dos cafés um espaço propício para a cu·culação de notícias
diversas. Na França dos séculos XVII e XVIII, por exemplo, havia mesmo algumas
figuras cuja principal atividade e:onsistia em abastece.r tais locais con 1 as
infonnações mais recentes e variadas das cidades: os chamados nou,·allista.s (62).
Na capital mineir~ não seria diferente. Noticias da política, da econonlia, da vida
pi.VI-da
ien:.,...e acaba ~am hl!gando n1'! a dt; l!~fi ,; 'l'-7. prA 1)'1Jf_r11'YA('1t p~
cidade um caso pítore co. Se nJo se ala a"1am m wa ,u ff1trn:4 d,,, J?rlu,
cc,rríamde boca em boca até o ommtárí dU! r ~" Jàr do Pootr,11
1988.p.34).

írtfluêrú
Um dos eler-ner-do1 na ft'e<~.rvfa ~ J'.irr,:,Ji~ ... 1- i';~~

estabelecímentoi era ju ffSa caracterinic~ ~ ~ ~v_,,,~,, " u M


informação".O ainbient.e do café era verdadeiro b{.(J ~ ím;pfrat;ãQp-:w~~ r;rr_)fA•
diária. afinal ali se díscutia o~ acootedrJ;.er-1/J ~díai ,. na r rúf~.
problemas enfrentado, pela admínístração, a~ nova: tí~ ttrn. ,,~tt:t.zrl1j (;~, 0

romancesem surdina. e maís uma gama infindá-v~Jde a nw :

" (...) effl'ítore,,joma!í,w, e~ea §t rm1iam

no~ bare~ em bu:;ca de fato, para rua pr du,ção


intelectual. O eotídíano urbano. ai:,, pwc-91J,
tomava-se matériapara a crônica E a tntellig~ntna
tramfonnava aquele5mome~. apar~ ~
ócio em horas de trabalho,o que CJJrlfigunva Uftr•
c•ad~ão da boêmia É desn ar.obi ídade CfUt
fala uma crônica da revim Vida de Mlaas. Um
profi,sional da imprensa.e,crevendo no 1bndode
um café dffabafava: 'Hoje por Ir veut me
recolhi ; 0 meu quarto, ferozmente,ptguei por tri
vezes a e~ ras~í três tiru de papel e ...) oio
conoeguí e,crever coiaa alguma. (,.,) _pego do
chapéu e, automaticamente, de1apercebadar~.
,em querer, dou comigode novona rua l:-> Porem o
diretor da revim e o redator do meu JotnaJ, qut
dirão? (...) que ando na re,nca. que e ou ~
b b deíra que eotouna preguiça(...) Rua! Maldita
,:.,e( ...) ,,'(JUI.IÃO,1992,p.92,93).
A cidade para além do e&peLho ~
178

Politica e politicos frequentavam praticamente todas as casas: o Bar


do ponto, o Java, Acadêmico, Estrela .... Apenas o Café Iris é lembrado nas
crônicas sobre ª cidade, como reduto exclusivo de uma facção ideológica: os
,i_mpatizantesdo integralismo. Reunidos neste café, os "Camisas Verde" liam e
disicutiamos artigos da "Ofensiva", diário que orientava o movimento. Foi também
no meimO eitabelecimento, que estes rapazes traçaram os preparativos para a
recepção a Plínio Salgado, quando de sua visita à capital. ANDRADE (194 7)
recorda que,

"(...) agressivos e intolerantes, os integralistas muitas


vezes promoveram rolos no Café bis, que acabou
sendo propriedade exclusiva do grupo" (p.45).

Nas rodas do Bar do Ponto, a política seria um dos temas de


destaque. Paulo Pinheiro Chagas relembra de um velho bemadista dos anos trinta,
"(...) em pleno Bar do Ponto, de chapéu e roupa sempre frisada, ereto, cravo
vermelho na lapela e bengala na mão, atacando o governo e a polícia em altas
vozei, para que todos ouvissem" (CHAGAS, 1982, p.191-192). Durante todos os
. anos em que esteve em funcionamento, este café seria palco do desfile de
senadores, deputados, e secretários, especialmente pelo fato de ter funcionado no
mesmo casarão que abrigava o Hotel Globo, lugar onde se alojavam muitos
políticos vindos do interior para as reuniões anuais do Congeresso I\-fineiro, enb·e
ot meses de junho e agosto, Um andar abaixo, o café atraia todos os seus
hóspedes.Mas não .era somente por esses fregueses que a política se constitui a no
prato do dia em suas mesas. Na verdade. toda clientela discutia e opinava, sobre
os Candidatos, as realizações do governo, os prognósticos da eleição . . . Sobre as
eleições em fins da década de vinte NAVA (1981) escrevia:

11111
_____
A cidade para além ó....l!~peino
179

.rf

..,.•••) os, nomes de Míltom Campoo,Abgar Renault,


Carlos Drwnmond, Gustavo Cap:inema, F.milio
Moura, Gabriel Passo$ (...), estavam aparecendo nas
C('nversa5do AutomóvelClube e do Bar do Ponto
como os de futuros deputados estaduais, quiçá
secretáriosde governo" (p.363).

Espaço de debates, da diwlgação de informações, de críticas, os cafés


se tomaram centros de elaboração e exposição de pensamentos e juízos a respeito
dos mais variados assuntos - seja vida alheia, seja qtie~ões de intesse corrwm dos
cidadãos. É em função dessa esfervescência, dessa Jiberdade de expressão, e da
abrangência de diferentes camadas sociais nas discussões que tinham lugar no
interior desses estabelecimentos, qtie os cafés se constituíram em espaços
propiciadores e\ou formadores de uma opinião pública. Esta é mais uma das - ~

para muitos uma das mais in1portantes - características presentes na grande maior!a
destes estabelecimentos. Como aponta BÕDEKER. (1990) em relação ao continente
europeu: 'Mesmo nas pequenas cidades [alemãs], os cafés, poI" volta de de 1800
haviamadquirido um papel primordial na formação da opinião pública" (p.581).

Os estudiosos do tema da opinião pública, como HABERMAS (1984)


e MATTEUCCI (1991 ), localizam o surgimento desse conceito junto à genese dos
novos Estados Modernos. A opinião pública exige a presença de uma "sociedade
civil", desvinculada do Estado, onde seja possível a existência de espaços que
Permitama reunião de gn.apos independentes. É do encontro, da reflexão racional,
da crítica, do diálogo estabelecido entre tais grupos que essa sociedade civil
emerge. Para esses estudiosos, foi a partir do surgimento da burguesia que se
estabeleceu esse domínio público, apartado da esfera privada e também fora do
âmbito do Estado. E, como exemplo de espaços onde pessoas privadas poderiam


.,e·reunir em público, e onde seria possivel divisar a formação de uma opirii, 0
,ubJica esses autores apontam, entre outros o teatro, os clubes e os café,.

• Enquanto espaço de formação de uma opinião pública, os cafi


tambémforam lugar, na jovem capital min ira assim como em outros centro. , d
. .
elaboração e e.x-pressão de uma opinião politica. Afinal, funcionando como uma
espécie de escoadouro de notícias, ponto de debate, era de se esperar que es e
estabelecimentos se tornassem centros de produção e difusão de idéia e
julgament.osa respeito dos governos. A leitura e conversação que tinham lugar
dentrodessas casas, são consideradas como prenúncios do estabelecimento de uma
opinião pública poJít.ica. Sinal dessa afirmação estava na preocupação dos
governos corH os assuntos e atitudes observados no interior destes
est.abeleciment.c,s

Como revelam algumas crônicas, as opiniões expressas pelos


frequentadores dessas casas tinham um alto valor: "Os governantes se interessavam
demais pelo que dizia o Bar.do Ponto. Pois era a opinião da cidade", escreve a
este respeito, Moacyr Andrade (63). Em outro momento, o mesmo autor aponta
que essa opinião influia inclusive na composição das chapas de deputados e
senadores candidatos nas eleições:

"a opinião do Bar do Ponto valia como a op_inião


pública Raul Soares, quando o P.R.?\.f.orgamzava
chapas de deputados e sen_a~ores,manda~a <JUe
alguémfosse ouvir o que se dizia naquele cafe sobre
as decisõeGdo partido" (ANDRADE,1947, p.44).

Recordando a cidade no segundo se.mestre de 1929, nos me~ei qu


antecederam a ;'Revolução de Trinta", NAVA (1981) aponta que, além da


.A cidade para além do 1!.pefho
181

rf

,novirnentação de político5 no Palácio da Liberdade e da perambulação de oficiais


e praçaspelas ruas da cidade, o tom acalorado das conversas nas rodas das casas
de café era outro pequeno sinal que • revelava Hno ar certo bafo d~ pólvoraH,
dtnunciando que algo grave estava- -para acontecer (p.381). -Em 1932, quando
explode o movimento constitucionalista em São Paulo, a capital rrúneira era
bombardeada por infonnações contraditórias que chegavam através de diversos
boletinsproduzidas pelas forças em confronto:

"Já não dávamos crédito ao noticiário proveniente da


fonte dos 'legalistas' ou dos 'revoltosos'. Mas o Bar
do Ponto continua a manter a sua rede de
informações. Tinha-se na mão o jornal do Rio que
muita vez escapava das tenazes da censur-a."
(RENJ\ULT,1988,p.241).

Aqueles que chegavam de lugares próximos da fronteira com São


Paulo traziam informações frescas sobre a revolta, informações que, em pouco
tempo, estariam abastecendo os frequentadores daquele importante café
belorizontino. E assim como o Bar do Ponto, outras casas abertas na cidade
também seriam espaço de intensos debates políticos. Relembrando os encontt·os
com os amigos do Estrela, Carlos Drummond escrevia:

''Nossa roda no Café Estrela, da Rua da Bahia, era


tão literária quanto política, e reunia estudantes
destacados na Faculdade, a gente que vagamente
estudavaou simplesmentevadiava, como o cronista.
Mas se alguns apenas comentavam a realidade
nacional, outros queriam transformá-la. Grabiel
Passos era um desses últimos" (64).


A cídad1 para aum uv ... , -
182

Espaço público de circulação de pessoas e noticias as mais variadas,


o• cafés 1 eriam vistos como lugar privilegiado para a difusão de orientações
idcolóªicas diversas. Est.a característica acabava produzindo um certo receio por
parti do• governos, com a possibilidade destes locais se tomarem "quartéis de
opo,íçio" com poderes para angariar e influir nos pen,;amentos e julgamentos da
população.E maior seria esse receio especialmente quando esses estabelecimentos
,e transf<'rmavara1
em espaço de reunião da classe trabalhadora. Se os governantes
,e prtocupavam em saber o que pensavam os clientes dos cafés belorizontínos a
respeito dos assuntos da po_lítica, tal procedimento não tinha por finalidade apenas
conhecera opinião destes sobre os atos de seu governo. Saber o que se dizia no
café era principalmente uma forma de controlar, de detectar qualquer "desvio"
dtssa opinião e da própria população. Se em tempos de calmaria esses locais já
eram normalmente visados pelo poder, em momentos de crise e de "ex.cessão"
wíam espaços de uma constante e extrema vigilância. E, neste último caso, punha-
se a polícia em ação. Na conturbada década de trinta, por exemplo, distribuir
"boletinsextremistas" para a freguesia dos cafés era motivo mais que suficiente
para alguém ir para a casa de detenção, como revela notícia na crônica policial do
jornalDiário da Tarde. em 24 de outubro de 1934:

"& 2h. da manhãde hoje foi preso na zona boêmia, o


indivíduo José Simões. Motivou a prisão estar José
Simões ligeiramente embriagado, espalhando boletins
•.
extremistaspelos caies daquelas ruas (65).

Não haveria de ser muito diferente no continente europeu, onde os


governos temerosos, -buscavam constantemente conb·olar estes estabeleciinentos.
Por Volta de 167~ os cafés londrinos já eram ameaçados por Carlos II, que,
lernendo
o sucesso por eles alcançado, pensara em eliminar esses "( ... ) illllros de


00 ,y•.i•,,.
A cldad, para ai "'
J8J

. oal desconsideráveis, que discutiam e espalhavam propostas en ano, s,


peSS .
,naliciosase escandalosas para difamar o governo de Sua Majestade e perturbar a
,.,y e
O sossego da nação" (H.i\BERMAS, 1984, p. 77)
p- .

Essa visão do café como centro de oposição ficaria ainda ma•~


rnar~da a ·partir da Revolução Francesa. Como revela DARNTON (1987), muitas
das idéias desenvolvidas e expostas nos salões e nos grandes cafés por importantes
pensadores do iluminismo, encontraram eco nas casas mais modestas através do
submundo cultural e boêmio de Paris (66). Esses cafés de oposição, chamados
ca.fisborgne.r, foram objeto de receio por parte das autoridades, que buscaram
controlara situação através de leis discriminando os horários para o fechamento
destas casas: neve da noite no inverno e dez horas no verão. Também a Revolução
de 1848 teria suas ramificações espalhadas pelos café franceses, palco do encontro
e do enfrentamento das correntes liberais e conservadoras. Conspiradores
republicanos, partidários democratas, jotnalistas influentes no governo, líderes da
comuna,operários utópicos e o homem comum transitavam pelos cafés de Paris
(67). H~via mesmo un1a rede de infonnantes espalhados pela cidade afim de
"relataremos locais onde as pequenas molécuas de trabalhadores se congregavam:
em quais cafés e a que horas" (SENNETT, 1988, p.265).

Além das questões políticas outro assunto que encontrava grande


acoJbidanas mesas dos estabelecimentos de café era o futebol. Afinal, con10 dizia
RENAULT (1988), "o futebol é a diversão apaixonante da população masculina"
(p.1B3).Uma paixão tamanha, capa~ de mobilizar uma multidão em plena tarde de
dornina • • a tr ansrrussao.
--oo na avenida Afonso Pena para prestigiar • ,., via
• telefone. de
.A cidad, para alím do upell10
184

urnapartida jogada entre um time da cidade e outro da capital do país. Incrédulo,


prumrnondobservava a respeito da cena:

"( ... ) contemplar, pelo fio, a parábola que a emra de


couro traça no_ar, o golpe do center half investindo
contra o zague1.ro, a pegada soberba deste e extasiar-
se diante desses feitos, eis o que excede' de muito a
minha imaginação" (68). •

Depois das transmissões, os grupos se deslocavam para as casas de


café, sendo que cada estabelecimento tinha sempre um grupo de torcedores
dominante. No Café Iris é no Paládio reuniam-se os simpatizantes do Clube
Atlético, os americanos ocupavam o Bar do Ponto e o Trianon (RENAUL T,
1988,p.183). O Café Avenida era reduto do: torcedores do Cruzeiro, chamado
entãoPalestra Itália. Nessas ocasiões, apostas, prognósticos, discussões acaloradas
e ruidosas comemor~ções tomavam os salões e as calçadas destes
estabelecimentos.

Conflitos, por sinal, não faltavam nesses cafés, estivessem eles


classificados entre os mais populares ou, também. entre as casas mais finas e
elegantes.Palavrórios, cadeiradas, garrafadas, "sopapos" e até tiros fariam parte
da confusão. Lugares que se queriam elegantes e civilizados se transformavam em
espaço do incontrolável, onde as pessoas expressavam suas diferenças, seus
conflitos e.. descontentamento~. F.m janeiro de 1920 as ofensas trocadas entre
professores das escolas de Fannácia e Odontologia num artigo de jornal terminaria
nurnconfronto de bengalas e revolveres:

''Tudo -começou com wu attigo publicado na imprensa


da cidade, 00 qual as duas classes se ofendiam
.A cldadt para além do e&pelho
185

J . Na contenda verbal com o prvJ.C3Sor


mutuamente. -1-

• oaquuu Coelho Júnior• o Dent1'st"'


.. O:1::t"ao F ana
• usou
a bengala para fortalecer seu argumento.O agredido
sacou
. . do revólver
. e disparou aigtms .,;_ ,,
UI os que nao

aüngtramrunguém."(RENAULT,1988,p. 18).

. Ao que parece, essas rixas eram bastante comuns, visto que, no


mesmomês e ano O Diário de !\finas noticiava mais um "imbróglio" no interior do
e.stabrlerimento~ dest.a Xª. _et)yplvendo duas crianças. Como já foi dite;
anterionnente, enquanto lugar de grande movimento, a região onde se localizava o
Bir do· Ponto concentrava muitos vendedores ambulantes, entre os quais vários
cambistas, c~mo Joaquim José Barbosa, "que já é um rapaz", e alguns jornaleiros,
como o "pequeno" Guilhem1e. ''Um motivo qualquer, sem importância", levou o
cambista a esbofetear o pequeno Guilherme no interior daquele estabelecimento.
Paradarftm à confusão foi necessária a intervenção dos guardas-civis. Resistindo
à prisão, Joaquim acabou o dia "trancafiado no xadrez" (69).

Até mesmo o Trianon, das "suntuosas empadinhas pulverulent.as",


teria seu·s dias de copos e garrafas "maxixando" pelo ar. A casa também foi palco
de ·àlguns conflitos, e conflitos violentos, a ponto de NAVA diz.er a respeito de
certosfatos acontecidos no interior deste estabelecimento: de simples café ou bar a
casa havia se convertido numa "lapa de animais ir-ados", "fogo de brutas feras",
"rinha de valentões ameaçadores - gente de cadeirada fácil e garratàda pronta"
(70).Fm outros cafés, outros conflitos. A última noite do carnaval no ano de 1921,
acabou com um "pequeno sarilho" no interior do Café Pedercini, onde mais uma
vez garrafas e copos entraram em ação: "A noite da terça-fein foi assin1 a noite
das garrafadas( ... ) Por onde se vê que a história se repete (71).


..~ cldad~ para além r,:, upemo
186

rf

Além dessas .brigas costumeiras, havia também a contravenção do


108°
do bicho", :e et'a apontada como mais uma justificativa para as prísões
rt,tit.àdasno mtenor destes estabelecimentos, como aponta esta nota do Diário de
~ 15 ~ julho de 19 20: ''Foi ontem preso Joaquim Teixeira Paes quando
ifetuav• o ~ogo de bicho' no café da Praça da Estação, n. 230, onde se
id iram dive.n,---aslistas referentes a este jogo" (72). Mais uma vez é possível
percebercon10. esses estabelecimentos se prestavam a acolher __(e.. r~✓.elar)
tp01tameJ1t.os
db-viantes daqueles que haviam sido pensados e planejados para

1 D)Odanacidade. E nesse sentido, perceber também, como o poder e o projeto de


«den3ç.ãosocial que perpassavam e info1n1avam o plano da nova capital eram
contrapostos pelas ações, reações e os interesses dos homens que a
const-antement.e
ocup:u-am.

F.mbriaguês, ·vadiagem, libidinagem, furto, porte de arma, lesões


corporais,homicídio, tentativa de homicídio, enm ainda outt·as causas possíveis
paraa prisio dentro destes estabelecimentos, como revelam os exemplares do
Anuirio Estatístico Policial e Criminal. Estes anuát·ios tt·azem divet-sos quadro~
estàtisticos com informações ·variadas sobre as ocorrências policiais da capital.
F.mreeles, destacamos o que aponta o número de contravenções e crimes segundo
0 dia, hora, e lugar em que foram praticados. Cafés, botequins, tavernas e bares
surgemcomo palco de apenas cinco prisões, entre as 646 que foram efetuadas no
anode 1929 (73)

Já o ano de 1930 aponta uma difei-ença expi-essiva em t·elação a estes


lotais: um total de 324 prisões no ano, entre as quais dez no interior de
tsllbel ecunenios
• daquele gênero. A obse.rvação mais imediata a ser feita ffll
.Acidade para a/é"1 tJ 7 f~P' '' ✓
187

.1

,, esses dados refere-se ao pequeno percentual de ocorrências registradas


relaçao3 .
cafés, bares e botequms. Porém, como salienta p AIXÃO (1982), é
nestes
e áfio extremo cuidado no uso e análise dessas estatísticas crímínaí . Antes de
necewS
s~emVl·st.as
~
-como indicadores indiscutíveis da criminalidade , elas detem ser
s principalmente, "como produtos organizacionais refletindo condições
tomada ' '
aperacionais, ideológicas e políticas da organização policial" (74). Além disso, a
própria natureza do "fenômeno criminoso" - atos ilegais - "leva seus atores e
agentes,por raz.ões óbvias, ao ocultamento e 30 segredo", o que confere a esses
dados uma sombra de incerteza, inviabilizan..do que sejam vistos enquanto um
retratofiel ou mesmo confiável da realidade. Nesse sentido, é possível pensar que
algumas,ou várias das ocorrências no interior desses cafés possam estar ausentes
daslistagens presentes nesses anuários.

Em função desses conflitos e prisões ocorridos no interior desses


estabelecimentos, para muitas pessoas os cafés não passavam de antros de
desordeiros e vadios, ou de "brutas feras", como havia escrito Pedro Na,..ra. Lugar
de perigo, de malandragem, ameaça à Of'dem, à m<>f'ale aos. bons costumes,
expondoà visão e ao passeio públicos um cenário de vícios [ o extremo oposto das
representações construidas a respeito desses espaços por mujtos escritor-es e
tronistas, de Belo Horizonte e de outros centros urbanos, como é possível· examinar
ernoutros momentos desta análise]. Essa imagem negativa construída por muitos a
respeito dos frequent.adOl'es e do âmbiente destes estabelecimentos, era um dos
assuntos abordados no jornal Folha de 1dinas através de sua coluna "A Cidaden.
~ setembro de 1939. Comentando o artigo de um policial, divulgado pel~
llnprensa norte-americana, que atribuía às casas de jogo. cafés e barbearias

.,_/1\J:.,,r1"aem
IP'' e.•- cerca de 7001,da ........ _.. J1"dadeem
crimin , 0 av,~
seu pais. _;.,..,.. ..,,.,.inP,_;.,0
11~"--u

-na
••• em certo ar de pilhéria:
escrc.

"Convenhamos, porém, em que O vício e a


malandragem têm seu habitat natural nessas três
espécies de casas que o dinheiro e os artistas
decoradot·es costumam trnn~··formar em amáveis
ambientesde l~o e de conforto, rebrilhantes de
espelharias, e a que a mobiliaria moderna e o aço
cromado emprestam um ar de seáução e de acalanto"
(15).

O cronista podia dizer isso em tom de troça e de crítica., mas para


muitos a imagem das casas de café era extremamente negativa. &-t-M" nun1

estabelecimento do gênero às vezes .depunha ccnt_rao sujeito. Exemplo disso era a


existência dos chamados reservados no interior de alguns café.s, como a já
mencionada "sacristia" do Estrela. Desaprovação que, ao que parece, incidia de
formamais explícita e contundente sobre as pessoas de algwna importância dam·o
da sociedade. Alguns textos literários que trabalham a cidade confimwn essa

imagem. Um exemplo seriam os conselhos dados pot· um amigo e professot· da


•Escola de Medicina a dois de seus alunos. Como .futuros profissionais eles
deveriam assumir "novas atitudes diant.e da vida", bem diversas daquelas dos
temposde estudantes:

•. "( ...) a vida 4e estudante que levaram - ac~bou. A-


CA-BOU. Acabaram as noitadas, as cerve_1adas as
conversas até de madn1gada. (...) Não podem mais sei·
vistos _ já não digo nos cab~s e na zona. mas
mesmonos c~fés do centro d3 od:tde. (...) Porque
aquilo é falta do que fazer, disponibilidade errada
(...)" (NAVA. 1981,p.119).
p
.A Jdad11para ai m d1; 11 f/ 8 /f,,,
J Jj'

influência em cerca de 70C3·ó


da criminalidad m 11.u pel•. o crorii•ta miMfro
escrevia, em certo ar de pilherio:

"Convenhamos, porém, em que o vicio e a


malandrngem têm seu habitat natural neHH trio
espécies de casas que o dinheiro e ou 1rtíutau
decoradores costumwn transformar em amáveis
ambientes de luxo e de conforto, rebrilhanteo de
espelharias, e a que a mobiliaria moderna e o aço
cromadoemprestamum ar de seduçãoe de acalanto"
(75).

O cronista podia dizer isso em tom de troça e de crítica, mas para


.
muit.os a imagem das cas~s de café era extremamente negativa. Estar num
estabelecimento do gênero às vezes .depunha contra o sujeito. Exemplo disso era a
existência dos chamados reservados no interior de alguns cafés, como a já
mencionada "sacristia" do Estrela. Desaprovação que, ao que parece, incidia de
formamais explícita e contundente s.obre as pessoas de alguma importância dentro
da sociedade. Alguns textos literários que trabalham a cidade confirmam ess;.a
imagem. Um exemplo seriam os conselhos dados por um amigo e professor da
. Escola de Medicina a dois de seus alunos. Como futuro• profissionais eles
deveriam assumir "novas atitudes diante da vida", bem diversas daquelas dos
tempos de estudantes:

"(...) a vida 4e estudanteque levaram - acabou. A-


CA-BOU.Acabaram aa noitadao,ao cervejadao, a,
conversasaté de madrugada.(...) Não podtrn mais ser
vistos - já não digo noa cabaré, e na zona~m11
me·smonos car,s do centro da cidade. (...) Porque
aquilo é falta do que iuer, diriponibilidadeerrada
(...)" (NAVA,1981,p.119).

1111---
► À t:!dadtpara o.Uml 1~ t:yeino
189

Não seria n~cessário que deixassem de fazer todas essas coísas,

1orém elas devian1 acontecer na surdina. Diante de olhos alheios era preciso toda
"cerimônia ( ...) compostura, comedimento, seriedade, gravida.de, círéunspecção,
cautela, ponderação, prudência" (p.119), ou, no dizer de NA V A, muita hipocrisia.
É assim que ele se referia a esta questão, quando critica a atitude de ír.oportantes
figuras da sociedade - magistrados, políticos, advogados, engenheíros, médicos - de
recorrerem ao biombo, ao detrás dos balcões, aos reservados de ''botecos
escondidinhos, camuflados nas folhagens de caramanchão" (198.S, p. 169), para
tomar seus "espíritos", para trocar dois dedos de prosa inocente ou sem-vergonha,
para apenas se deixar estar. Hipocrisia ~e estava pre.sente também, na bebida
servida em xícaras: "conhaque e pinga fingindo cafezinho" ou "uísque travestido de
chá" (p. 169).

Até mesmo para um aspirante à literatura, a constância aos


estabelecimentos de café podia não ser vista assim de forma tão benéfica como se
poderia, a princípio, imaginar. E quem o diria seria rúnguém menos que Mário de
Andrade. E.m carta à Carlos ·nrummond, o moderno da safra paulista advertia:
aquela vida de redação de jornal, cinema, nwlheres e "café com amigos, sobre tal
livro, tal escritor .., não era uma vida de verdade, mas "vicio", que poderia levar à
decadência e à infelicidade" (WERNECK.1992~p.81).

Visões parecidas também podem ser encontradas pan os


estabelecimentos do gênero existentes no continente europeu, onde a condenação a
essas casas se fortaleceu com O discurso anti-alcoólico. Apoiada em co ídençõe
rnédicas, a burguesia teceu uma rede de implicações negativas que seriam
promovidas pelo álcool em meio à sociedade (76). Suas criticas ao consumo de


► .A cidad~ para aüm do esp,l};o
190

bebidas se extenderia aind a aos estabelecimentos que comercializavam o produto.


Da mesma forma, ª classe trabalhadora também produziu seu discurso anti-
alcoólico, e se posicionou muitas vezes, de forma contrária às casas de venda de
bebidas, acusadas - uma e outra - de demobilizar e desacreditar a luta dos
trabalhadores (77).

A prisão de José Simões, citada acima, distribuindo "boletins


ex-tremistas" e "ligeiramente embriagado", como informa a notícia, numa das casas
de café da zona boêmia belot·izont.ina, pode ser· pensada nessa pet·spect.iva. A ação
policial busca se justificar não apenas em função de uma tomada de posição
política do sujeito, de uma filiação ideológica vista como ..perigosa,, pelos olhos
do poder. Ela também . encontra- justificatiY?. num tipo de comportamento
"socialmente reprovável". Se aos olhos de diversas pessoas a adesio a um
pensamento político podia não ser motivo suficiente para a prisão de algúem., o
apelo à boa conduta, ao bom exemplo funcionavan1 como elemento capaz de
validar essa ação. Tomando ainda o mesmo episódio, é possível imaginar quais as
consequências que essa vinculação entre uma filiação a pensan1entos políticos
· "extremistas" e atitudes socialmente condenáveis: como a população processai,-a
esse tipo de informação? qual a imagem que esse tipo de vinculação con...q:ruiae
focava [em relação a esses homens e também a esses espaços] entre os habitant~s
da cidade?

Independente, porém, das imagens de espaço de vício e perigo


assumida pelos cafés da capital mineira, ou mesmo daquelas heterogêneas, onde
eles apareciam ora como lugares medíocres, ora como "muito b11ll•-Jpoqua". to,dos
os aspectos que foram apontados acima, confluem no propósito de revelar como
.A ctdad, para além do ~.pefho
191

,stes estabelecimentos foram •


tmportantes na vida social belorizontina,
especialmente para a fração masculina de sua população. Outra questão importante
que essas passagens abordam diz respeito às diferenças existentes entre o tipo de
relação que tinha lugar dentro destas casas de café e aquelas que eram
estabelecidas nos outros lugares de encontro que pontuavam O espaço urbano da
capital.

Como se viu, no café essas relações eram muito mais abrangentes


quanto às classes envolvidas: pobres, ricos e "remediados" tinham acesso muito
mais fácil a esses estabelecimentos - ao Bar do Ponto, por exemplo - do que aos
clubes - ao Rose, ao Automóvel Clube. Nesses, além da reunião de um número
menor de pessoas, os contatos estavam qua~e que reduzidos a determinadas
camadas, excluindo alguns eleitos a quem era dada a possibilidade de participar.
Outra divergência estava em que as relações no interior desses pequenos círculos
se caracterizavam pela maior formalidade e menor flexibilidade quando pensadas
em relação aos cafés. No caso dos cinemas e teatros essas relações eram, em geral,
mais rápidas -marcadas pelo tempo de espera no Joyer e o dos. intervalos - e
reguladas por normas e etiquetas sociais bem menos fluidas. Os contatos
estabelecidos durante os passeios ao parque e o Jooting, além da freqüente rapidez
eramtambém mais superficiais: Todas essas diferenças contribuíram muito para a
popularidade que estes estabelecimentos alcançaram em meio aos habitant.es da
cidade. •.

A abor~agem das atividades, dos grupos, do ambiente, das


características assumidas por essas casas de café, assim como de outros espaços
destinados à reunião social da população da capital, servem aqui, como meio
capaz de revelar ª cidade existente por detrás daqueles dois discursos apontados
no inicio do capitulo: 0 discurso produzido pela fala oficial (o modemO e
civilizado) e aquele construído pelos literatos (o rastaqüera). Apesar de tantos
modelos que fotilffl sonhados para a jovem capital, a sua vida em sociedade
acabou se definindo muito mais em função daquilo que a cidade podia oferecer, e
pela fom1a como seus habitantes usufrui.ram desses ·~""J)açose atividades. Como já
foi dito, talvez eles não se encai..xassem, eles não satisfizessem os modelos
sonhados, mas é inegável o sucesso alcançado entre a população. Sucesso que
pode ser-percebido pelo fat~ destes lugares e, em espe,cial, de certos cafés tef'em se
tomado espaços tradicionais da cidade, que causariam imenso pesar, imenso
saudosismo quando foram desaparecendo entre novas lojas, novos edifícios, novos
costumes que estarian1 tomando conta das tuas e dos homens daquela capit.a.1-


NOTASCAPÍTULOID

1. CorTtloMineiro. Belo Horizonte,23 de junho dt 1913,p,l e 7.

2-Con-tioAiineiro. Belo Horizonte,22 de junho de 1933.p, 1 e 8.

3-Idem,p.8.

4. Con-eioMineiro. Belo Horizonte, 16 de junho de 1933,p,1.

5-RevistaTank.Belo Horizonte,3 de março de 1919.e.p.

6-Follaade l\finas. Belo Horizonte,6 de abril de 1940.p.3,

7-Revistado Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte,Ano XXXIII. 1982, p,219, Sobr-1!
a atrizPauloKrüger Mourão escreve: "F.raela mineira,natural do Di~íto de CtirllW do Rio
Verde,(...) Não se sabe por que artes saiu do seu interior so~egado (...) Na Eur-~. ~ma
fezparte de afamados conjuntosam~icos, como o da CompanlúaDramática de El~a
Ouse(...) Mais tarde, (...) passou a integrar uma companhiafrancesa que fazia tornu pela
Europa.Edmond Piccard teceu elogios à arte da atrízinha mineira. Adolfo Ef'...,,· "'__,..._
enaltecendo Nina, achou po$sÍvel viesse seu nome a ser célebre algum dia NBeloHorízom.e
recebeu.ano auge da fama. Seria a Sarah Bemardt d3$ aJteros~." (MOURAO, 1970. 12.~-
126).

8-Revistado Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte,Ano XXXVIlI.,1982, p.248-2-'0.

9-Diáriode Minas. Belo Horizoute,5 de outubrode 1927.p.1.

10-Revi~a Belo Horizonte.Belo Horizonte,n.92, 2 de maio de 1938, ~-P-

11-RevistaTank.Belo Horizonte,abril de 1919,p.22.


12-Eatadode Mina,. Belo Horizonte,13 de ~o de 1959.p.13.

l3. A Capital Belo Horizonte,21 de deumbro de 1897, in: BARRETO,193.S,p. 7.S0-7.Sl.


.A cidade para alé1'f do upev,v
194

14-Idem.p. 753.

15_Revista Tank. Belo Horizonte, 3 de março de 1919. s.p.


\

ló-Revista T:mk Belo Horizonte, 4 de abril de 1919. s.p.

17-RevistaAlt~rosa. Belo Hot·izonte,Ano II, n8,junho~ulho de 1940, p ..5.

18-Revista Vita. Belo Horizonte, n.6, 15 de dezembro de 19ÍJ. s.p.

19-Diário de Afinas. Belo Horizonte, 10 de dezembro de 1910, citado in ALVES DA


SILVA;1991:128.

20-Diário de Afinas, Belo Hor·izonte, 10 de fevet·eiro de 1916, citado in JULIÃO, 1992,


p.86.

21-Estado de !\finas. Belo Horizonte, 13 de dezeml,;~ de 19.59.p.13

22-Diário de A-finas.Belo Horizonte, 11 de dezembro de 1927, p.1.

23-Ver a carta das senhorinhas r-esidentes nas proximidades da praça Hugo \Vemeck à
coluna"A Cidade" do jornal Folha de Afinas, de 26 de novembro de 1939, reivindicando a
realização do .footing naquele logradouro (assunto discutido na segunda parte deste
capítulo).

24-°Aschamadas "identidades urbanas" são entendidas pelo autor·como "o ter· em comum
suficientestraços semelhantes capazes de criar uma identidade". O termo identidade é
definidopor ele segundo a noção de "similitude": traços característicos manifestadamente
semelhantes(BARRY 1993, p.8.53-8.54).

2~-Zarzuela,espécie de opereta cômica espanhola.

26-Abílio Barreto. Revista Alterosa. Belo Horizonte, novembro de 1946, p.78.

27- Revista Altero . ~lo Horizonte, novembro de 1946. p. 78.


13

28- Revista Alterosa. Belo Horizonte, dezembro de 1946, p.109.


• cidadt para aíé,,, do e~pemv
J~ 195

. "lleci>t'dar
é viver", conjunto de cronicas publicadas por Abílio Bareto na Revista
29· .. eJitreoutubro de 1946 e jwibo de 19.:J7.
~~~. .

·iO-
~foacyrAndrade. Re,ista do Arquivo Público :Mineiro. Belo Horizonte, Ano XXXIIL
Í9S2p.27S.

3t.Abilio~arreto. Revista Alterosa. Belo Horizonte,junho de 1947. p.79

32.Mo3cyrAndrade. Revish! do Arquivo Pública, :Mineiro, Ano XXX, 1982, p. 265. Ao


queparece,o autor não considera casas como o Soucaseaux ou o Variedades, mencionado!.
00 dtcon-e.r
deste capitulo.

33.Dwio de !\finas. Belo Horizonte, 7 de fevereiro de 1920, p.20.

34-Sylviode Vasconceltos. Revista !\finas Gerais. Belo Horizonte, n.34, fev de 1991~
p.28.

35-CarlosDnmimond de Andrade. Revista do .Arquivo Público ~fine.iJ·o.Belo Hoi-izonte,


AnoXXXV,1984, p.141.

36En1 crônica publicada no jornal Estado de ~finas, em 1973, :Moacyr Andt·ade apontava
cpieos quadros de formatura dos estudantes universitários sacudiam toda a cidade. "O
Ultttesse,
então, das moças solteins por tais quadt·os- e1·aimenso". Tal sucesso e-t·awedido
peloempenhodas casas comerciais junto às comiss•es de formandos, pela pret"et·ência na
exposiçãopública destes quadt·os. Ver Revista do Arquivo Público ~fine-iro. Belo
Ano xxxm,1982. p.243-245.
Horizonte,

~7- "A Chichica [Dona Francisca, irmã do ministro Cândido de Oliveit-a], nos int~valos,
tillba
~zes que levantava e andava dum lado para o outro, conversando com um, com aquele.
coai~enhoras,com os rapazes. Ela tinha esse hábito ou então o de ficai· repimpada na sua
~ll'a (grupo do centro meio do cinema,e:drema direita) onde vinham corteiá-la seus
llnigosde todas as idades:" NAVA. 1985, p.51. • • -
38
• AbilioBarreto. Revista Belo Horizonte. Belo Horizonte, n.38, nov de 1937, s.p.
3g_ldezn_

40. ~!hi
as Gerais. Belo Horizonte, 13 de março de 1933. p.20.
p ,
_.t':trffl' Andrade. Estado de Mma.s. Bt'f Hori?.«J 2t~"·
4.-:lU '-J" - ' ,_,, ,y; o, ,,
~ ,
(3· "Nômade,3 prostituta não ,e. fixa tJUm ÚflÍeQ bf-otkJ,WJ ' "'Yf:/J,Hlf~,rf
rtllÇÍO,-,da ~onstaotemente de •~~- omad.., tp)f'J' I ,
~~e oo a nnadar-se com freqtJfflCJ a, ... ~ nr, . _;d~ r. ~
ptl• ~oca..rápí~ dos íre~se.s:. aw p~l ~ ll . •~ ~ ~ iJ'ff .
idedJdade ora fumcesa , ora polaca , ora -'br~d,e1ra", n "ª'
t ir~
suas{aotasias e as expectativas do fregu.ês". • , 1 (j _ p. 04 ,
.,.,madismonão e~va presente em todu ~ mu . , ~ b«tfi. , (fel 7
;. _í'I~ r,11 ~
pn muitasdelas.

«..Syfviode v~concellos, op. cit..

45-RevistaBelo Horizonte, Belo li«Íz()nte~ V~n.38, 13 ~ v~

46-1.&a de A-finas. Belo ·Horiz.oote,5 de m:aíode 1943.

47-JoãoMáximo. O Globo. Rfo de Janeiro, 2 de maio ~ 194 .

48-Revista
Bel• Heriz•te, Belo Horizoote, Ano N, n.13, 30 de CdlJtwode 191

49-Jlevista
Vita, Belo Horiz.onte, 7 de sdftnbr'o de 1913.

T~ Belo Horiz.oate, ArJD1.,n.1,_jaaeú'ode 1919.


Revista
jO_


! cidade par.:i ai.em "'v ~-,
J 191

~anças do OreshamCollege e os intelectuais da modareuniam-seno \Vílls, no Button':;


Tt'nt's~tod<.'sna Great Russel Sb·eet, onde se J.o~ava pique depois do teatro e onde
l'llno . • ""' •
reint\11
até • meta-noite um magnific~ ambiente ... No Lloyd's, os comerciantes mais
~~ftd1.'~p3rlitvmn ~~bt~ 3 ~Jta t a baixa das ~ções. N<.lRobin's e no ~frs. _Rochefort's ~e
aconselhavam entre s1 os diplomatas estrangea.ros e os banqueiros. Os amtgos das artes
~ 11vam II cafeteria Don Saltem em Cheyne \Valk ( ...)" Ver HABBERMAS, 1988, p.299-

00.

~2-Folhade Minas, Belo H01·izoote,


1.5de nove.mbt·ode 1942, p.3.

53.GuilherminoCésar, citado in \VERNECK, 1982, p. 78.

54-Par:iessa idéia sobre as ações, atitudes e pf"áticaslwmanas pensadas como significantes,


como"ULc:trumentos" que comunicam algo consultar GEER.TZ, 1989, especialmente a parte
1:"Umadesaição densa".

55-CarlosDrummond de Anclrade, citado in \VERNECK, 1992, p.43.

56-DjalmaAndrade, citado in: DIAS, 1971. p.111.

57-Gil Bras de Santillane citado in: OUVEIRA, 1984, p.160.

58-Mo:icyr Andnde. in Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Hot·izonte., Ano


XXXIII,
1982, p.2.56.

59-Folha de l\finas. Belo Horizonte,20 de maio de 19941. p.3.

60- Carlos Drummond de Andrade in Revista do Arqui'vo Públlico J\.fineiro. Belo


Horizonte,An.oXXXV. 1984, p.39-40.
61- DonRuye Guilhennino César citados in: WERNECK, 1992, p.3.5- 36; Nava in: NAVA.
198S,pJ; Carlos Drummond citado~ LEMOS, 1988. (Disset1ação de mesh11do)

62-0 termo aparece~ STEPHENS, 1990, p. 97, com a seguinte observação: "nouvelle é a
Palavrafrancesa que designa noticias". Essa imagem dos cafés seria bastante mat·cante por·
Voltados séculos xvne xvm. como revela esta sátira inglesa do ano de 17.57: "À noite
O
~;a Tom·s ou Chapham' lá vou eu, ansioso por saber o que de novo aconteceu.
l'EPHENs, 1993, 100).
.. ,J ..y/, para .,.·J~,,,
dv c&p ,,,..,
Jl J98

•s selttiVi>Se restnlos __em t-elaçao aos grupos sociais presentes em seus encontros •e
~:,_t3ç5,·.os clubes e saloes apresentavam alguns obstáculos ao flLL~ode infon11ações que
: verificava n~s ~~s, ond~,. c,?'11.ºassinala SENNETr, 1988, p.111- 112), a "aparente
~~~ das ~•~Ç('t'S S('Ctats V1sava sobt-etudo à e~$3 cir·culação de jnfNmaç3e~. ~Jém
diSSº a p<>ss1bthdadede contato con~ pessoas de lugares ditcrentes tinha ma•or~s
\,bsbilidade.s de acontecet· nesses locais~ abertos diariamente ao público, o que nao
~rii cc~1_clubes e salões, novamente pelo seu caráter elitista e, também, em função de
IJllJpa-iodic1dademe.nor·nos seus e.ncontn,s..

dados sobre essa maior liberdade nos contatos que ocorriam dentro
()ulrOS dos
~belecime.ntos de caie podem se.r·encontrados em AGUlHON, 1971.

6'1-MoaC}T
Andrade in Re,ista do .A.rquh10 Público ~.fineiro.. AJioXXXIII, 1992, 281.

6-i-C.-fos Dnimmond, citado in: DIAS, 1971, p:110.

65-Diárioda Tarde, Belo Horizonte, 24 de outubro de 1934.

66- Camille Desmoulins, Dantoo, l\·larat, Robespier1·e, Legendt-e, Hébn~t nmniam-se no


de onde haveria de partido, segundo Jacques Hillairet, "as ordens para os ataques
Precope-,
ao Paláciodas Tulh~-ias, ... e possivelm~lte., também, dos massac.t-es do mês seguinte"
(OLIVEIRA.1984,p.141)

67-Para o papel dos cates nas revoluções de 1789 e 1848 na Frnnça ve.r: DARNfON,
1987; SIEGEL,1992 e L.\LOUE1T, 1977.

68-CarlosDrummond de Andrade in Rcvist1 do Arquivo Público Mineiro, Belo Hotizonte,


AnoXXXV, 1984, p.1.55.
69-Diário de Afinas, Belo Horizonte, 25 de janeiro de 1920.

70-NAVA,citado in \VEIU~ECK,1992, p.36.

71
-Diãrio de Minas, Belo Horizonte, 19 de fewreiro de 1921..

72- n:..:..• o
uaano de ~finas, Belo Horizonte, 13 de julho 192 •
.1! cidade para além do eipelho
199

.,. ,~· a este r-espeitodados presentes no Anuário Estatístico Policial e Criminal de 1929,
• apt ~.nt~d~s os num~t\)S de contravenções e crimes praticados na capital durante
~ ~Nk'- Dtsc~nunando ~.ttp~ de delit~ e, também, lugares de sua ocorrência, entre ~s
·: ~ ~C3" 1~ n. ?- C~s. botequms, tavernas, bares, etc." Para os dados a stgmr
....tun,e do ano de 1930.
~~'"'·

_ IDt"'. ~~ei,,a 3 ~~ '~i>eito: "Qual o grau de confiabilidade dessas estastísticas?


pss ~ incluem_o ~~e .,escondido" das classes média e alta - o que afeta tanto as medidas
bot. cb n,msnahdade quanto o perfil de sua distribuição. Por outro lado, ( ... ) elas
~!{(:li\ t3mbffll o e:,"1:ilo
e a capacidade or·ganizaciona1de administrar a lei. Assim. quedas
~ mm ~.s. de a-iminalidade, por e."templo, podem t·esultar tanto de alterações no
, ~ent" dos atores quanto de problemas internos da organização policial( ... ) Daí que
~ fl2Ç'5es em ta.ns de a-iminalidade podem ser e."Cplicadascomo efeitos de variações na
~ de detecção, ~Ob-=-troe processamento de atos criminosos pela organização
p.~ Sffllqualquerrelação com a r-e.alidadedo fenômeno. Ver·PAIXÃO, 1982, p.97.

,: hlb de Minas, Belo Horizonte, 4 de setembro n.e1938, p.3.


""" &Ir~ ~'aS implicações negativas estaV'3lll~a desorganização da famíli~ a degeneraçãoo
.h ~ pt\)Voc:ada pelas doenças acarretadas pela bebida: o atentado à patria, quer à sua
~ e~ naçã" ao per,"etter seus cidadãos, quet· na rua rique~ ao afetar a
~Yi<bde e a rentabilid? 4c econômicas~ a discordia social fermentada eníre as classes
~ ..mmltas... J>'."'f. indivíduos sem "esctupulos, ideal e mor-a!" partidários de novas
~ ideológicas. R se a bebida devia ser combatida como a responsável por tantos
Wil!Mt'ln~~ e di.~abores,. necessário se tomava, também, combater· esses locais onde ela et-a
9fJVida. Ver L1'1.0UEI IE (1977) e ArlARR.US(1977)

-~ um mais a anâlise de.sse discur·so, SENl't"EIT (1988) mostra como a


Jk."'fllCO
81a~lica se r~"e::.--tiade outras intenções_ O crucial não era a bebida em si. mas
cpe el~ pr~ciava e O que de.la decon"ia. O embriagar·-se não era causa do medo .. ela
~ • reunião, m conversa, na liberdade, no acesso à informação que o encontro em
- ;garrafas pn,movia. c~o revela, o silêncio entre os operários em público scr"ia
_ dt ~. tanto que muitas casas seriam fechadas não em função de tumultos, mas
- •• rio se toma\>a evidente que as pessoas no interior· dos cafés estavam sóbtias,
~ e coaveasando" (p.26o1. Completando essa análise, SENNE1T afitu1aria:
o ~ s.et-OtUoo \) foc--.a1
"fllllldt\ ~ conver-saç.ãoentJ·epai·es no trabalho, ameaçava a onlem
(fJ:ando O cate se t\lt'Doutm local onde o alcoolismo destruia o discurso, mantinha à
• SOciaJ•.Alm:i de~ coostituirem um perigo para a "ordem" da sociedade, o álcool e a
~ nos cales também O er.mapara a "ordem" da produção.
.A cidade para aUm do espe,nv
200

Se a burguesia~ava o álcool e os 1 .~i~; .A~ ê~t~ 1:~~"'. ido de exercere~- um ~ap,.J


11· ·,ação e subversao, os trabalhadore 1_ t:; • i '--!.mim~d ~JV~1de despol1!1za~ao _da
de: (IJ\LOUEI_IE, ~990, p.315). A e~b~t,.~-1?.~ ·zr•redia~ rn{'iocinio, a conscientizaçao,
d: acidadede d15cut1re formular e~~te~1as, aifm di"s , fa de-~.ic-i·editava o _tr·abalbadoi-
a ~ 1 socied~- ~e al~ soc1altsta:; o à1cool chegaria a ser cons1d_er~d? um
r,er ,, da burguesia. mais um opto, como a religião. Ver l\i.ARR.US,1977 e Histona da
'1,r,erivadavol 4, 1991, e!.-pecialmenteo capítulo ''Bast~dores"(Alain Corbin)
CAPÍTULO IV
NUI\I PAÍS DE HÁ MUITO TEMPO
.rf,

"Um dia convoco Cyro ciosAnjos I pbnejo com ei, um 11qO,i,dra.


Vo111101(parucas • bigod11desput•dOf'ts) P•• Porto Alegre.
U fiurtmo1 • tspreit• na Avenida Indepe.ndiricia.
Qumdo sair de certo edificio txn incauto seahor de óculos
nono cano lhe em1nwpt'á os passo~
e ele suá convübdo a sepJÍr conosco
rumo a lupr que bem sabe.
Assim roubaren101 GuiDtenninoCéur 10 P.aís do Rio Grmde
e o trmsportaremos ao Pais da Manóm,
p.is de cafés-sentados e redações não eletrômcas elejonuis,
de repartições públicas onde se cumpru o destino de literatos sem pecúau,
autores de discursos que jamais prommcurfamos,
pois os concebíamos para outros promJDci..em
no majestático p~que do Podec,
enquanto refocilávamos em m~s
con1 a ninfa de coxas de espuma e smos-or-quídea.

aosso auiOI' MDOI' • pudiçio.

Levuemos Guilhermino p.va liw~


que aio uistem ~,
ciaeaus, bailes estudantis, pàqueaiques sa1n11os,
que não Distem mais,
debat,s fbmivomos, camb~tH ele v~d.
~ aJo uistem QMU._
tudo a que nio uute m.i_st cootiau. 1

lllllltclo~uutiodo.
Ne111 p.ás que foi o ao110

na a•blinou c:ompmtu. de Emilio Mowa,


Joio Alphonsu1, outros, outros
de que ji alo há noticia terr11tr1
'
r•tlor-.sceremos

•o som indelével <b valsa e do fox-trot


brindados pela orquestra do mael1ro Vesp11i.mo.'

Reftoresceremos todos. O tempo, acidente.


Outro, mucbnç,s. GuiJhermmo
,ub, de chepr de C.ata~ses,
estucbote de medicina e ritmo,
.nosso mais moço comp~e.iro para sempre.
Nuac, sairá cbq1Kyalo s.-emas.
N'mguém fará de nós os sep1uagenários que somos,
disperso:;, divididos no mapa das circumtincu,.
Este, o nosso eterno, etéreo temtório.
Aqui assisfimos7 somos. O rerio, ,p•êacia.
EsteDllmlO escrito: ,parênm.,
alo , reúdade que se Hfere.
No úaico pab real eacontriHDO-DOS em Guilhenniao,
o que, meaino, pediu ao p.ú um.1 biciclet.i
e o velho deu-lhe H poesias de Bil1c.
Que aio nos Pf'OC~em, aio nos importunam. Detna-aos
&uiro néctar absoluto.•

(CAl'losDrummoacl da Andnde)
rf

Durante os anos dez e vinte os cafés já faziam parte do cotidiano dos


habitantes daquela jovem Belo Horizonte e tanta era sua popularidade que
haveriamsempre de concentrar mais pessoas, de forma mais constante e mais
desconstraída,que muitos lugares pensados pelos planejadores como os espaç~
de encontro "por excelência" dos habitantes daquela moderna cidade. Como
apontavaa crônica da revista Vita no ano de 1913

''Não se vê viva alma do smartismo mineiro gozando


as delícias dessas largas avenidas. os encantos das
vastas praças( ...) os aprazíveisrecantospróprios de
sua exibição, do rendez-vouz,do flirt (...)" (1).

Segundo o cronista, elas preferiam os postes, ou então, as casas de


café.A popularidade destes estabelecimertos estaria intimamente relacionada com
0 papel que lhes era atcibuido enquanto espaço de reunião do vário, do encontr~
da convivialidade, com a importância com a qual foram revestid05 no que se
refereà vida social da cidade _ característica por sinal, que marcaria os cafés em

todosos centro& do mundo. Uma popularidade que, alguns anos mais tarde, seria
Percebidaentre os homens da Belo Horizonte como uma verdadeira tndição.


f)1Jl1 t/1 hli mu//lJ
Nu.1'1 IIIIH/1'1
205

&11 vjllo qun rnl1cjon11


o, nntl(IJ01nf6 de 01pltal om uma Imagem
detradlçftodeve Hr P ntndn no cont6xto do, mudon91t1da qual, ,. capjtal .foi
palco,ern 1pachilno fln~J dos nno1JJ
trlnt» " duront"a d6cada.de quarmita,período
esnque 11 tranlfonnn9õe1 cotJdíMH qu4' ntingc~ ,, u e,paço .,, potencializam,
1 m11i1 vidcmt II e mud ndo n pn Hgcm d~ idade traçada no, mapH da
1do••
torn
Con1ttUtoro.Dizer i110 tign1fü:ap4'n~nra ídade e 01 1eu1 Jugare• como
COflli11lo
,,pa901cimconstanlo,mutação, cm coruitnntcmovmumto,um pouco a cada dia, um
poucotodo• 01 ano1. Itto ~, na hi1tó1·iadí1 ldadti não eJci11tc
um tempo de
imobilidade,o que hé 110. momento11am r1u e movimento te concentra e
acelera,e que acabam tendo tornado, como marco, de mudança, do inicio de um
novotempo. E a perccpçlo de11e1 momonto1 pelo, homent que habitavam a
cidade,1e faria, em grande parte da ■ ve.u,1, acompanhada de 1entímento1 de
e noltalgia.
11udo1i1mo

''Deadequevivo emBeloHorizonte(e já vai distante


o dia da minhachegada),nuncapudever a cidadecom
1 tua feição definitiva,a cidadeacabada.Se por um
lado isto nos traz a imprcsaãode r,rogrc110,dá-nos,
em compemação,wnagrandenostalgia(...)"(2).

Ea■a pennanente tran,formação levaria a capital a ver desaparecer ou


converterem-1e em tipo• diver101,muito, daquele■ HUI lugares de estar e
interagirem público. Entre elH, ettariam 01 1eu1 velho• café1, e toda a ag.itaçio
quelhes erà peculiar. AHim, na cUcadade trinta já era po11ivelperceber um certo
"11rnento
11
em relaçlo a HHI mudanç11,que 11e tomariamcada vez mais insistentes
nas décadas seguiJ.tei, quarenta, cinqOenta... Nlo é que aqueles cafés tives em
acabadopor encanto, 0 fato é que ele• estavam ,e transfonnando, como a própria
cidade:diferentes em seu ambiente, em ieu serviço, em ieu espaço .. . Como
'
t,rit I)nunmond ltlOll
apotl
nui11 t1l'de, r farindo-110101 ncontroi do• intelectuai• e
•tor'flino• volho1 11t.t\b
t_J(lfl
lcclmento1do g nero·•

''Elesviram&cluu·-11a,
ouconverter-se,cmlllllcbonctcs
abomb,àwis, OI nntigos C~IMentados, onde •cóm
escasso dinhcia·o e muita riqueza de tempo
con\'lt'IIVWll bon111" fio Bobrc coi11u literáriu,
artlsticas,poUticftll,fitsceninas~
mostravam-11e
os seua
~spectivott. sonetos e artigos, criticavwn-1e e
criticavamespccinlmcnteos ausentes"(3).

A.goro, em contrHte com os velhos cafés-sentados, Drummond se


interrogavaa respeito dos cafés de balcão:

"A colherzinha não é mais de prata


(se algwndia foi), e um sorriso
de bou-vindu nos acolhe
sob_os bigodes do gerente?
É mais café o cafezinho,
mais quente,inspira mais piadas
a seus costumeirosclientes?
Temumpó ~ais fino, o adoçante
nlo matamaisque o ciclamato,
e há no açúcar um principio
de tomar o dia contente
quandoo céu da boca relembra
o cafezinho em pé tomado?"
(DR.UMM:OND,1987)
Essas antigas casas de café, tão comuns em meio às ruas da Belo
Horizontedurante vários anos, marcaram de uma forma impossível de se apagar a
CUituradaquela capital e a vida de várias gerações. É certo que a sua perda leve ao
11
Udosisrno, à nostalgia, e que muitas das imagens criadas sobre elas sejam
recobradas pela memória em meio a (e revestidas por uma) dimendo valorativa. É
""'"'ºfttmp()
Num pais d, h/J.
'J(J'l

!l.

~o, também, qu~ neste contexto, a lembrança de11e1 caU• se 1'a.ça,


espeaahriente.
pela recupernçSo dos seus aspectos tidos como "positivosn, como
pere.UffJPlo,sua importância como espáço de reunião e contato, de l~r e alegria,
siffibolos
de um -outro tempo, tido como um tempo -ideal. Porém, ainda que seja
pc,sstvel
perceber essa idealização em relação a estes estabelecimentos e ao
período
em que eles predominaram no espaço urbano da cidade é inegável, como
stJi visto.,_qi.uLcomo declínio dos -cafés--sentadosvai se__
espir.ar to.d.oum..tempo •.____
todauma época, para muitos daqueles velhos habitantes. e mesmo para o próprio
BeloHorizonte.

Oscafés no cotidiano da capital

TeaCroMunicipal:A matinée de hoje é dedicada a


senhoras e senhoritas. Representar-se-á a comédia de
sucesso "O Caie do Felisberto", uma das mais
cômicas do repertório. As senhoras e senhoritas
pagarão apenas 2$000 de enh·ada" (4)

As. casas de café estavam tão presentes no cotidiano das


J>essoase dos centros urbanos nas décadas de dez e vinte, que até mesmo enredo
de comédia teatral esses estabelecimentos haveriam de ser objeto. A peça em
questão foi apresentada pela Companhia de Teatro do ator Leopoldo Froés,
COnhecidodo público belorizontino por outras diversas montagens trazidas à
capital.Nesta época as companhias programavam vários espetáculos com textos
difi
et'entes, montando uma especie de temporada que se prolongava em cada
"pra "
ça por duas ou mais semanas.
~
~- --
~ dis) ,:;.t:!•~~t~·,_ Çnuám*Jt• -,,,.:;

---- liaD.,. ~~
-mm'~-~.~~ ~-"
-~.~~~iJ>".' ,,
,Gil~:ds>~~~~-~

'.~ ~~~,,.·~~ ~ ~ ~:,.,,_,.:: -~l;til!"~

1:tet 1 ~ ~ ~ ,:0~~~- ,pj!iaa!Jl~.~~!ftàii~,~

-~~~~~.,,.~*$~,,(;,e

~ ~ -- :tufí~p • ~ -~~
:tál>.6,ef~~.--, • ~~~~ ·J:rz•·'A~;~~U',.!!!!!'

:~,_.~_.~
-~ - ~ - ,~.;a:; .. ~ ,~--iilSii()~

~- ~~~~~~~~~:ffll.~~
-,- • ~ , ----Allt~ ~~ráitl~lt!~p$',fm,.;~!P:'raid~~

~·~9~
•Mãu.~- ail.!Pffllll-
~-
--,~e~•~-
Num pais d, há m1A1tor11mpo
109

~to. Belo Horizonte -viu_abrirem-se numerosos estabelecimento• deste tipo


~ osanos da primeira metade deste século. Casas de estilos variado•1
~ ou simplórias, caras ou nem tanto, grandes, pequenas ... E havia freguesia
umadelas a qualquer hora do dia e da noite. Tornando ruas e avenidas,
para-cada
de5Viand<>
pacatos funcionários à caminho de casa, estudantes apaixonados,
reumodo
geme dos bondes, do cinema, ou simples trenseuntes, os cafés se tomaram
~ famífütres, como que íntimos, .dos seus habitantes. ____.. __ . _ _ . _ _ ....

Estar no centro da cidade e entrar num café era hábito comum e


costumediário de grande parte dos representantes masculinos da população. Sai:'
de can com o ÍdDÍto exclusivo de se dirigir a um estabelecimento do gênero
t3mbém..
Diversas crõmcas publicadas na imprensa da capital durante essa époc.::i,
pocfan revem como este hábito de ir, de estar no café era algo um tanto ordinário
ep!riódicomire seus bahifantes_ No ano de 1919, por exemplo, o editorialista de
amarevista em lançamento, esaevia que toda gama de frequentadores de um
famoso
café da cidade seria "caricaturada" com minúcias nas páginas da nova
(5). Uma coosuJta aos periódicos da cidade nas três prin1eiras décadas
tJUWícação
4eaaséculo r.eveta como era comum a referência a esses estabelecimentos, seja
!lal tzôaicasociaL política, ou policial - o encontro de elegantes senhores, a
-~. os debúes sobr'e a adminisfraçio, a presença de políticos, as brigas e
~ as prisões CfJf!se efetuavam no iiurior dessas casas - até mesmo o
Pt'a,rioj<ll'IJa1
ou revista m:JÍbS vezes nascia e\ou en escrito em suas mesas.

Maraao algumas aôoicai cpJ.e não tinham a cidade como principal

~~ ou cpe se ccmuuíam ccmo uma história c:palqu.er. um simples conto.


~IIWnciomvan as casas de café. ~ páginas das revistas que circulavam
l•• ano• rio '""º''"m 11fAtnpk>tJ4'i"'"' ttpo, PnllAMo , nt1n<>..
raaêJU
perion•m criadopor Jot,, JUlneFUhoIJBJJplt8'n1t1 dft revJmaN-""º'' Mil m1jo
de1940(6' • levou hora, 'lltbiufg• ooft,4jfJíM§ do cjnM13 1 ~§f)~8n4(> v111~r urm

o,u;ft, 3í,ut11 #pM0rí1 outro tAntAJpelo prçom e


me••em certocftliJd1 8Vfflid11.
rnai•.pelo caié, trio, Jl m, mtfflW 1u8ftr ltt fJ d#bcarii fwv, ~J,ncóUco
outro. e
pen,atlvo,aUt noit. alta quando, com a caia Já vazia, 1" paiw o, duzent<>t
peto1er,~o e• retirou para tomar o bonde,
deVido1

Ataliba Siqueira., por iW turno1 ,er~Aa em um pequmo a,tj130 a


hittória de certo '~opdor viciado", recebendo con,eJbo, e pedindo dínheiro
empreitadona mua de um •ue1 cafn, O amí30lhe prevenia: • ,e ganhar na
ro~a "a noticia círculará rápido cá fora na rua, na, me1a1de café,,,)" (7). Manai,
como1e viu, o café era lugar privilegiado para 1e ínfonnar •obre qua•e tudo o que
a,eontecia
na capital e, e91>ecialmente,com •eu• moradore1.

Affím, enquanto ~ prnente na vida díáría da cidade e do~ seus


ha~, 09 ~- u conltituiam tamb~ em eJemento. comum na elaboraçt_o
de texlosliteráríos para m.dto• cronista• beloriz.ontino•.Isto é,, recortando de suas
Pl'ópriu experi.ênciu. do contextoonde 1e a.dwn inlerídol, híltóriu, assuntos,
e unáríos, eHe• cronista• e e1aítore1 fazem 1aJtar 01 cafés da vida
Ptr1<>nagens
cotidianapara suu cria~• literária•. E neHa medida, •e a pre1ença denes
"labelecímentos de café em romance• e a6nica• pode ser pensada como uma
decorrência da imagem revntida de popularidade alc~ada por estes
ettabelecimemo, e IObre ele• consquída, ela pode •er tomada, ainda, como mais
Utn~orlante ~onente pre•ede na af'cp.Jiteturadena meama imagem. Ou seja.
lo mesmo
tempo .que" revelam influerw:iadospelo papel atr"ibuido aos cafés na
~

.,ida,oáa1 da cidade. essa escritosC<dc~ 09 ~ de ,d«? e.e~


~-

Outro extmpi§ capazde rr✓dar vsm t:rMD ~& as casu de' c:afi
to bábítode frequertá-~, é dado fJUtm a-~ &! Cz:rlr~ Jrm.r.iffli~ de ~
ttllabrilde 1930 (3). ~ sobt'~ o ~ae da· term.de de~~
~~lmente nos modos e modu ~ l~hA *art~ M ~ na ãcata de
ciitqpír~. oa busca de tomar~ mw ~. Dn.m:~ v;;e,tía-: - ~

ci, Joan Cr-awfordte COOIVúfa


para um café rta e-r~ .. Af'ad, diria de, SOfJJC;S

&odos
~- Isto é, o cost,ine de fre.r-,,iecúr Dm estaj-.,,eS,...cimaJto de café iJ
tomadocomo nw.dida capaz de detamioar o caráúi- de ~ ~ , de ~

comxn erae todos os homms.


partilhado,

0utcu páginas e OO"'nsmmrµs a estes ~- .Agora um


~ de fev«áro de 1940. Um f2'JCOl'MO com famoso artHta cb
f!rO!,amu de f'ádio da c:apita1dr~ pelas chapas de um fatógr'afo da
0/Ílta Alteron: e ~ míoeá-o",
"(...) Delê, o CO!Jbp...ci4, e admís-adocam.or
CCJrr✓ersaodc, com wn repé,d.e,"do mesno pa-'JOCfico
mma das mesas de um café da
t'lenída. Com uma GU~✓ista •~• com acJJde
eam«, o repé,rt.e,"aio
Pft'deutempo (fiando O av.ístou no ida'i« do caff. A nmá'ia~ rq,t"Nirrida na
r!'~ saia feita " ... ali me:IDIO,~ saborer,amos um a,n ~" (9).

Como H vê, a pr~ destes eáab~lecimedos DOS~ que ~D

a cidade
comoobjeto ou eemrio, - exteodepor uro período de ap-oúnac:lamente
ff.J1rertaanos . um per'iodo, como se v«á adiante. em cp,.ea cidade atará sofrendo
~ e ContaJadu ~- ~ dLWaru o c,gl os ca:fá atnda mantém sua
~ncia comoespaços de reunáio dos seus habítarús. Se a lítaatura é capaz
~~-1)fl!I~~~~

~~
-~~~ tl.'drdkr

~ ~---6íií~~!i:«-.,*d&
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NWlf país de há mullo nmy-
21J

-nond, em depoimento de 1985 ao Jornal de Brasília": "( ... ) A marca desses


J)rUIIIO•• •

ciféina vida literária da primeira metade do século e~. põr ser analís;ada" (11 ).
•velrnente,as casas de cafés não ·tenham sido o· el~mento determinante no
p0sst
..recunent<>desses grupos literários, (como no caso dos modernistas de Minas),.
apoi
orérnnão há como negar que muitas delas tenham influído e contribuído para isso7
p .
enquanto espaço de encontro, de foro de debate, do contato entre escritores e de
Aut~~e~9~. ~_µf!as con:~~-e
dis.GJssão_de.coisasliterárias. e. também cotidiaJ;l&~--
geraçõesseguiriam os mesmos passos, pelo menos enquanto houvesse casas de
cafédesse gênero disponíve_is pelas ruas da cidade (12).

Se a .freqüência. a estabelecimentos desse gênero era comportamento


assimtão comum e repetido como revelam os ~critos da época, isso haveria de
influir nas relações estabelecidas no interior dessas casas. Muitos clientes,. ou
mesmo grupos deles, _acabavam íntimos do café, do proprietário e de seus
funcionários. O estabelecimento se tomava assim uma segunda casa, e seus
empregadose .frequentadores, uma verdadeira família. Na Europa esta seria uma
das características mais marcantes dos cafés vienenses, considerados, entre os
ªoutores aqui apresentados, estabelecimentos bastante distintos quando
comparados às casas de outros países do continente - ''uma instituição de um
gênero particular" (13). Discorrendo sobre esses cafés, OLIVEIRA (1984)
lpresentaa opinião de alguns escritores a respeito da forma como os habitantes da
capital austríaca se relacionavam com esses espaços, entre os quais o alemão
lleittich E. Jacob, segundo quem, os vienenses têm ...

N(...) a convicçãoprofundamente enraizadano espírito


(... ) de que todo homem tem direito a seu café
particular (privé), lugar que, sendo público, a ele se
Num pai& de há mu:to tampo
114

~esenta_ como um anexo de seu próprio lar. Um


vienenseinstaladoem seu caie sente-seem um meio
que se confimde com sua casa e a rua (...)
Estabelecem-se relações familiares entre ele e o
a moça da caixa e o cateteiro" (14 ).
garçon, o pic~_ol_o, ~ ... • •• >"' •• , '.

A visão do café como uma "sala de estar particular", como lugar onde
se estabelecem laços de intimidade e familiaridade, pode ser percebida também
lJD outros_lugares, talvez apeoas ..não..na_mesma_lntensidade com .que é .atribuída.
aos cafés vienenses. Na Inglaterra do século XVIII, por exemplo, Jonathan Swift,
/
autorde As viagens de Guliver, recebia muitas de suas correspondências em
determinadoscafés, indicados previamente por ele (OLIVEIRA, 1984, p.158).

Dois séculos mais tarde e a velha imagem do café como um "grarJ6


lar" ainda era pertinente para um colunista de uma recém-inaugurada cidade
encravadana América do Sul: "A Família do Bar do Ponto será caricaturada com
_vagar(...)", lía-se nas páginas do primeiro número da revista Tank a circular por
BeloHorizonte (15). Foi reconhecendo os laços de identidade e intimidade que
D'llitasvezes se estabeleciam entre os frequentadores de determinada casa de café
(clientes e funcionários, ou clientes entre si) que esse colunista informava c10

público seu propósito de incluir a freguesia do famoso café em suas notas sociais
publicadas pela revista.

Esta imagem do salão do café como espaço da "grande família"


rernetea uma tentativa de inserção desse tipo de estabelecimento em relação ao
âmbitopúblico ou privado da vida urbana: como o café se classifica quanto a
essas esferas? Essa questão deve ser pensada tomando-se os cafés denu-0 do
contextoem que eles se disseminaram pelas cidades. Tanto no caso europeu como
ff

,, o,uU,• MMrf,Mv:At~ ~• • ili d#u nump rli>d94- de•ae,esa.çlo ~ uma


1
~ orMffl ti., ood, um, JU>puJ~.çlom crejc~ c;OOJ1tenteliberada de 7

f#"tÍl'NJu~r,,l!r,I,~ hfMf#lfJ).J;o,;1
tfJttt l çj3 f1tfaçõ ç~ mtis
"111.7; transitórias, qiJ1!

wrtOf~tVJ,m t m#t pfr'I.. ffltfe I fwúHa e o• atmw>'íntimos, e se lançavam


;IÕ,J#Mi
1/) f,11,V' lfi ~,,::,,'ffl ~- .P•í.odo ffll qu se ç~tí.dwvam novos típo• de
.,-v''f'>' ~.;.vJo f.Mado circulode intluM<:itda ariit.Ocracia, como

p(#~
"W>PIH fuprn d, ~1g e bzer. Outro a~peeto que pode ier observado
,;j.jJtl~fiA M ~ajg ~~) é que, ao ine~rno~o, no campo econômico o
fl'~ prodtmvoH derti.ooubva do ~o ~C9 7 criando novos ambientes
,.,. o WMeieio p,c,f~J, A ~idade §e povoava de lugar.e, distintos e variados,
fll' o~®? o t,31',aJJ,,.> dnc3n90 a adminiw·ação ... dístinguíndo-se esferas
1 • 1

6') ,,,. púbtk-o1 da ~wk.~ civil, da vida mma.

&fN ~ameáo do cotidiano (o ta'abaUM>,


a familia., a diversão~ o
_,.e outro.s'jffll lugar~s públicos e príYados dentro das cidades
~.eio
~~é~ por- dáf«aJtes autores (16), aue eles PROST (1992 ..

P,1Í'), ~ (f,Jffl'l, *a ~ízação dos ~• e lugares acentua o


VAkaae owe a nt.a p,Wica e a esf«a prívada.., e aponta as caracteristicas
~ de cada uma ddas"- Porém, PROST mamaa atmçio para as
ani-.i,:7..1,~aa.
a •~sedade• ~ aê'e aas cisas afens. Nlo há limites
r'~ _,.e das,, ao c.oda'árío~•• froruiru são feitas de "transições e
~...., - _ Como eump&o de poatos de cootato oode essu esferas se
.r., "Lers,

a ele apreseata os 1,ain-os -..ps,. -..:•--
'n.....
w es. o comercio
. . de bairro~
~ de lrwe aceHO~ por• oade persiste um CMfw:ímmto mútuo. um convívio

1
1
!
Nw,t pais de há muito tempo
216

. ,otl11ivio
que, a seu ver, "define bem um espaço de transição entre o privado e o
'blico"(p.116).
pU

_ __ _ ~ s~~~~~- es_s~_P~~_e_ctiya que _oscafés são pensados aqui. Como


e.ctibelecimentoscomerciais, eles se inseriam na esfera pública da sociedade civil.
&amespaços abertos a grupos e indivíduos particular:es, de caráter associativo e
queultrapassava as formas de relação agregativistas de cunho familiar e
doméstico.Estar num café era estar em público, ao alcance do olhar desconhecido.
Porém,esses espaços "públicos" propiciavam muitas vezes, como se viu, relações
bastante estreitadas. Os grupos que aí se instalavam. a convivência ent.re
proprietáriose habitués, criavam um ambiênte de intimidade, de identidade e
convivialidadeagradável (17). A especializaçio de algumas casas em relação a
círculos de frequentadores mais assíduos (como os políticos, comerciantes,
escritores ...) era exemplo disso. Se juridicamente o café era espaço público,
. observadoem seu ambiente, muitos poderiam ser classificados enquanto espaço
privado,ou semi-privado.

. O mesmo pode ser percebido para a cidade de Belo Horizonte,. onde


esseslaços de identidade e intimidade entre alguns clientes e os estabelecimentos
de café resultavam muitas vezes, em cuidados especiais. F.rn alguns locais como
Porexetnpto o Bar do Ponto, velhos e conhecidos senhores recebiam o inestimável
b'ttamento•.de serem servidos de sua cachacinha predileta em inocentes e
lllsuspeitáveis "xicrinhas" com pires, colherzinha e tudo mais de direito. afim de
li
•••não escandalizar a Família Mineira passando na rua" (NAVA, 1985, p.4).
Ar111a1... - • . Ih •
, nao ficava nada bem a alguns promissores cava earos, e também . aos
respeitáveispai~ de família. ostentar pela cidade a fama de ''borracho" (18).
NWH pais d, há multo umpo
217

, li ,,t q1,,sntJ1dor
I do Cofó E1tt·c,II tambémtinham lá suas regalia•.

# m@daJhfhu1
onttlvftm CJ6mn "111cri1tia",louJlizada de forma estratégica nos
nmdofJ
~o @§~ b I im nt,0, como é ttpont,do anu,rionrumte. Numa sala discreta e
do olht1r11ineonfidente1,
rrot@Sldt elea enm ervido1 pelo Simeão em pe•soa,,
s@ront@
d1 1111, ropro11cmtftnte1
modmnima , 1tpesar de menos tarimba, não
n1v1un
1td1 tm pr1t1og11tivo1:

"(,,,) [o) Símc,io (...) nos dava amplo crédito.


PtndJWéVMlOU muitocomo seuassentimento amávele
1 infallvel.complacência do 'modestoBazzoni'e do
'1ingeloEpitácio'ª todo, no1so~amigos(...)" (NAV~
198,,p.101).

Et,n nmizflde do• .funcionário• pelo grupo chegava ao ponto de, como
rovtiltNAVA,ftl du11 hora• da manhã ir-1e o gerente e ficarem os fregueses, não
H Hquc,eendo 1to1 último• da incumbênciade encostarem a porta e fecharem o
portloquando10 r tíra11em (J>.104).

Em outros e11tabelecimento1,como uma espécie de cortesia e


dlt;tln.çlo,era comum que clientes antigos e assiduos contassem com "cadeira
cativa",i1to é, lugar reservado entre as mesas do estabelecimento. Alguns tinham
IIUU pr fi r6ncin1 conhecidas pelos garçons, e nem era necessário fazer o pedido.
Outro, crtm identificado• por sua• mania,, como o caso de certo "velhote" do
Trianont ..

"(...) cheio de compo~a que bebia b~ a fi~.


aempre correto e convemeote,mas de meaaem meia
Brabmade queo garçomtinhade_tirar o cuco vazio e
IÓ noutraviagemtrazer nova meta gm~a. (...) ÁJi
onze em ponto ele retirava-se lotado. subandoa rua
~- ~ t(l-~~ ,.,,,jl:íf!VA;f~~d ~~~- ~ ~ '1~ ~•,,

""~~li'•~'""' ~ --- • ~,,~$>~-~"

~~li·~~~ ~~~~
~m-~~a ~ ~~-~~
fMlll'llftl'~~~~ ~ ~ ~~~ 6e ~fl.UK, ~

v~.,~lif,S; , ~ ~~á.'áàamllp'~.ioleóm-
,_.? ~ • • ~~ san ,atá~ §>m' ~

iMlffiÚ ~' ~
J"'AH- ~ • a(~ ~ 4'fle ~5 ,; ~
tftrl~WN~'49 • ~~~--~~~('"~ ·~'2.m~L:o,de

&J , .. ~ita. ## ~ ~ ~- ~, ,qimvdo.., entre as


df .,...,n,,.;_~ ~ 1\m~rme:~ • e.a. · .-,.n,ar.11 6- P''Íi1w.icm ~11i1w

~ ,..* . ~, pw~.~!Dll'lo' , ~ ' .oda


t ~. ,~ d) «6U'~rrMír6' {j ?

CM:-..e~.-..
~ ~~lllid1Jn 1 ~«.Qlf:QW~~---1Sa--~
• Ao que parece, este era um artificio bem difundido especialmente entre
~~- ,
,<p>tJes
diversos estudantes que durante longos anos desembarcaram nas pensões,
~ e cafés da capital. Como um dia foram Juscelino Kubitscheck
rua~ e Miltom
~1)05 •- ·mais• tarde poHticos de renome - e que também passaram· pel•
espenênciade "pendurar" suas continhas no Café Guarany, como recordam as
filhasde um dos irmãos proprietários da casa (20). Consumir durante o mês para
saldaras dívidas com a mesada recebida da família, ou então com o sa!ário de
algumacolocação na vasta burocracia da cidade. Pobres em dinheiro n1as ricos em
simpatia. esses estudantes conquistavam garçons, gerentes e mesmo os
proprietários.

Este recurso de ,.vender ou comprar fiado", não era porém,


exclusividadedo Estrela ou de outros cafés. Naqueles anos ele se constituía um
usocomum entre muitos propietários e fregueses de vários estabelecimentos, e que
nãoeramnecessariamente casas de café. Este é um hábito que ainda hoje pode ser
observado em algums estabelecimentos comerciais localizados em bairros, ou
fllesmoem pequenas cidades ·de interior. Facilidade para o cliente, o "pendura" ao
rnesmotempo funcionava (e ainda hoje funciona) como uma espécie de estratégia
deVendas.de marketing da casa junto ao freguês.

Esse crédito facilitado, no entanto, não era extensivo a qualquer um,


Cltigiae envolvia uma relação de conhecimento prévio, confiança e empatia entre
proprietário e cliente. Abrindo crédito a qualquer desconhecido, o proprietário
Pllnbaernrasco
• • • negocio,
a sobrevivência de seu propno • • afina 1, mesmo que alguns
0
1hosVtssern
• o café pelas lentes da intimt'dad e, enquanto casa de uma "grande
rlrnir•a". ele era, antes de tudo, uma casa de comércio. Para merecer tamanha
,egaliao freguês devia ter reputaçto ilibada na praça, iáo é~ ter por c«t1eeirnertn
púbJico
o costume de honrar seu-1 compromíuos,de saldar suu dr✓idas, É cttto
~e outras razões tarnb~ poderiam influir na eoneeffio & crédíto, coroo a boa
a amizade ou a b~✓olincía, porém a certeza do pag;:trtfflM "Fº
aparêfleia, no
fínl1
do mês ainda era uma du principais (21).

Cidade pequena, a Belo Hori:rmU das décadas M dez, vi:rú ~

começode tr~ conser,ava iwíto deHu condições partíada.res, fazendo desa


modalidadede a-édito um procedimento rotineiro em mútos ~~ da
regiãocenteal da capital. Situação díf.erente pode sa- nota.da ffl1 re1ação aos
estabelecimentosde café europeus, para os quais a literatura ~ não faz
qualquerreferência a respeito dessa fonna de- crédito. Se ccdlec.er a vida do
clierUque postula o crédito, a forma como se oonciJzquamoaos eotq,romissos
anumidosna praça, era _umadas condições para cpe ele fosse amcedido, naqoelH
enormes
cidades modernas e comwpotiw (como a capítaJ míneã-a sonhava se
tomarum dia), era possr-elmeme bem mais dificiJ ~ retações de
identidade,de familiaridade, de pro,ámídade em-e os iochíduos. Eocpamo

•verdadeirasmetrópoles, a impeffoalidade já se toniara marca para a maior parte


du fonnas de contato e para a convivência estabelecidas por seus babitaúes (22)_

Porém, vivendo mma realidade diversa e com ~o.. boa

. COrrvena,crédito e fartura de tempo, os homem da Belo Horizome dos anos dez e


~ - comdestacp.ie para os fregueses diários e incluíodo ai nmitos repr~
daboemia - passaval_!lhoras nos cafés, especialmeme a.queJu irâermediarias entre
0
fundo expedierU ou o jarUr e o sagrado descanso. Se estes estabelecin.wuuc
lllartinhamclientela fJ.utuade clJraU
uma todo o dia. bon mais. hora meno. .. carno
Num pai&d• 1,/Jl#ullo t•mpo
111

NAVA ( 1985 ) em relação ao Trlanon (p.10), a s,-ande "enchente" ocorria


apontou
semP'eà noitinha, entrand0 madrugada a dentro: hora do cinema, do Joottng, do
circo,do ~tube,teatro ou outra diversão qualquer em cena na capital.

Uma xícara de café era pretexto para esperar O inJcio da fita no


Ode~n,nas quais faziam sucesso Eva Novak, Glória Swanson, Oeraldine Farrar,
JanetGaynor e Theda Bara, ao lado de Jack Holt, Nat Crosby e Rodolfo Valentino.
E ainda para comentar a última temporada da companhia de Clara Weiss no teatro
Municipal,discutir sobre a campanha de Arthur Bernardes à sucessão de Epitácio
Pessoa,sonhar com as apaixonantes garotas do footing ou do último baile dos
estudantesno Clube Belo Horizonte, farrear com os amigos, aguardando o
momentoapropriado para "descer" ladeiras rumo à ''La Gran Via", aos braços e
pernasde Conchi~ Moreno, Alzira Caolha, Odette Monedero, !\,faria Bango-Bango
... (NAVA, 1985, p.~4 e 55). Traduzindo: o café era também, para os homens da
capital,um ponto de passagem antes de irem se entregar aos "prazeres da carne"
comas famosas "rameiras", as "meninas" que faziam a vida na e da avenida do
Comérciona Belo Horizonte dos primeiros anos da década de vinte - a vida delas
própriase a da famosa rua, e por que não dizer, a vida da própria cidade.

F.ra ainda nesse mesmo período do dia que grande parte dos clientes
mais se demoravam no interior destes estabelecimentos. Afinal, sem compromisso
após o fun do expediente, a única hora marcada de alguns fregueses era com a
Paciênciada esposa. Além disso, nio eram raras aquelas noites de "nada prá fazer"
nacidade, e ir ao café nesses dias j~ era, por si só, uma distração. As lembranças
dePedro Nava estão repletas de encontros com os urugos
• rateratos, que varavam
•s no·te
1 s compridas dos anos vinte: eram as "eaMlçoes
_._ "' demorada s " da cerveja• da . E
Num palt d, há multo limpo
111

quando se reunia um grupo grande de conhecidos, " ... Jun1,vamo11familiarmente


~as ou tr~s (mesas] e abancávamos em roda", deixando-se .ficar em tertúlias de
horas~AVA, 198.S, p.9B). Muitos não permaneciam tanto tempo, mas davam
,empreuma "passadinha" pelo café, às vezes aproveitando o passeio para fazer a
sesta.ou p~ra os cumprimentos de praxe trocados entre os caminhantes do fim do
dia, outras vezes era só para niio perder o costume.

Independente porém da ''hora da enchente" - isto é, a hora de maior


concentraçãoda freguesia - os cafés eram estabelecin1entos que agrupavam uma
clientelaexpressiva e diversificada, mesmo considerando a presença de rodas de
clientesmais a~siduos, algumas vezes responsaveis pela identificação da casa
enquantoreduto de um grupo especifico, como já foi apontado anteriormente. E
essa característica é um dos elementos constituintes da visão que toma os cafés
comoimportantes espaços do exercício da sociabilidade, do "comércio" social,
isto é, do contato, da troca, da aquisição de informações sobre os mais variados
assuntos,da aprendizagem de certos comportamentos e valores entre os diversos
habi~s da capital mineira. •

Assim como em vários outros centros urbanos do mundo. os cafés da


Belo Horizonte se constituíram, ao lado do teatro, do cinema, dos clubes ... (sem
consideraras especificidades apresentadas por cada um deles), um dos principais
espaços públicos onde se desenvolveram as relações de convivialidade entre os
habitantesda cidade durante quase quatro décadas. Fossem elas o convivio que se
desenvolvia no interior daqueles gr:upos formados por amigo& e conhecidos, ou
ertio, e especialmente. as que envolviam indivíduos sem contato prévio, sem
COnhecirnento~ior, individuos que se relacionavam momentaneament.e, de
HUlfll J)(1Í:Sd~ lt/z ,,unto te:pv
111

/t,iratasvezes superficial. que apeou trocavam inf~ões ou ~essões sobre


oOlassud<>
qualquer.

Lugar de leitura das folhas chegadas do Rio de Janeiro, que "só os


OJIÍSabonados adquiriam", mas que passariam de mesa em mesa e volfariam
•~das" às mãos do dono. Lugar do encontro, da pilhéria~ de dois dedos
de prosa educada com um desconhecido, de pequenas cortesias. Lugar de política,
• -- -- -··. --- - ------- -- --- --- - --
de fofoca, de negócio, de chope e, mesmo, de sorvete ... No limite, lugar de
aproximação,de estar com o outro, de interagjr, de se relacionar. É por tudo isso
cpeos cafés são um lugar de socialização e do exercício da sociabilidade, tomada
conformeapontado no primeiro capítulo, como fonna de associação e também
comoum componente presente nas relações estabelecidas entre os homens. De
uma sociabilidade, como já apontado, de caráter masculino, uma vez que a boa
coowtae o respeito impediam a presença feminina nestes locais.

Ena imagem de espaço da reunião do vário, do diverso, da interação~


é revelada num an'mcio do Café e Bar do Ponto do ano de 1933:

"O B2r do Ponto é hoje o ponto preferido pelas


pessoas elegantes, pelos políticos, pelos militares,
pelos forasteiros, pelos amantes do cafe saboroso e
•omático. Uma verdadeira multidão desfila
incessantemente entre as mesas do Café e Bar do
Ponto. Se v.s. deseja encontrar o amigo ou- um
conhecido que se encontra na capital, vá ao Café e
Bar do Ponto. Ele fatalmenteestará lá" <23>-

Todo mundo ia ao café, a sociedade os populares e~ inclusjve~ os


"r,<>rasteiros",os que estivessem apenu; de passagem pe la capata
·1p·. oas, aqui como•
emoutros centros, •...
Num ptrís d~ J,á 111u:to tCMpo
21tl

,{
.'J,

"( ..)as ~ssoas que procurassemum 'lugar agradável'


e conf~tavel, aqueles que estivessemem viagem, os •
que estivessem apenas .de passagem (...) poderiam
encontrar n~ cafe uma companhia útil e cheia de
encanto"(BODEKER.1990, ~.573)

O salão do café facilitava a aproximação entre os homens, o contato


entredesconhecidos, entre representantes de classes diferentes. Um cumprimento,
wnaopinião a respeito da política ou de ~tgum acontecimento recente na cida~ e
atémesmo aquela "manjada" referência às condições do tempo já serviam como
motepara entabular uma conversação, que poderia ir se esticando, esticando . . . e
se prolongar por horas. F.ntre aqueles que já não eram estranhos o café se
transformava num espaço propício para o estreitamento das relações com o(s)
outro(s).

"Entramos em 1924 e eu, durante as lerias, cmtiflJU'!i


minhas relações com os jovens literatos da ma da
Bahia O já formado "Grupo do Estrela". A alguns
desses moços eu já conhecia da década dos dez. De
vista, de cruzar na rua, mesmo pessoalmente. ...
Faltava a aproximação de todos. Ela foi acontecendo
das carteiras escolares ao Bar do Ponto" (NAVA,
1985, p.157-158).

Esta passagem de NA V A é mais uma, entre várias outras. referência


aos Cafés como um espaço de interação. de convivialidade para a população
(rnascuJina) da cidade. No entanto, existem algumas análises que negam essa
característica_tal como se entende aqui - a esses estabelecimentos.

Este parece ser O caso de ARAÚJO (1993), em estudo sobre a


li•

Interaçãoda família na cidade do ruo de Janeiro durante o primeiro período


NmHf/lJÚ d, h/J.mui! o t1111po
'J25

,,,-,ut,U
ano'',ltlfi ríruJo•Mff
IOM 1001 quo pr e dfram , rofommda regJlo e ntral da

_,plt•IdO pai lttlf-Jlernontftdapor reira Pa,101, a autora aiirma qpe1 nem


J}

perlotJO,
01 1t1b1t lm.,nt,01d nfó iem OJi prlneipnh,cfffllro• di "vída noturna
eirloc•"•m ••P• 111do, 1J1Jpo1bo mio1, que então r urunm %trato• diYff'•os da
p pulaçlo~"intAI tu1i1, poUtí.m jorn~H11t✓Ju,,
ltuda.ott,r.1, I artiNt1111 ad 1ogados e
1

profl11ionai1Uborai1"(p,J O).
domile

Ápói0111 roforma,~cmi:-~ da cidade", o aumento da


~'~o;m"~p~Jití~mo
ofiria d@ progamat1 ., div r1ôei noturnatB,a autora aponta que et~• caf éfi
pHttrlama • e1peciaUzar'em det.ermínadotipo de clientela., de caráter "mais ou
meno1"
popular. Attavé1 de ,ua anáU,.;cela bu1ca mowar que "o projeto
normatlzador
[na1cido com a República e pomo em prática com a reforma do
centroda cidade] redefine o eltilo de boemia, aburgue1ando e ampliando as
prát1c11de lazer da intelectualidade e do povo" (p.341). E.u aburgue,;amento dos
prazer • mundano-1• o teatro, a ópera, cinema•, bailei, restaurante• • acabaria
conquiltando a fanúlia para a vida noturna: a familia e, em ec,pecial, os chefes de
farnJlia.''.É como H a boemia também se domemca11e". I.io é, 01 1enhore5 de
re,peftotinhamagora maí1programa• noturno• em farrúlia, e menos noites perdidas
P•lo1café1,entrevinho, mulhere1e toda 1ortede 1tegue1e1.

A.t1im, 1egundo ARAÚJO (1993), corno uma comeqO&lcia da reforma


Utbtnae ~ aburgue1ament:o d9 lazer que ela promove, algum café1 1e tomariam
•tp1.çoexclu1i,,o para 11 elíte1, enquanto •• e1pecializariam nos •etores médios~
Porén\ ele, "nlo ião um local de interação 1ocial" (p.350). Não exi.ste nenhun 1 a
oUt,areferincia 101 - eltabelecimento• de café na análi•e de1envolvida por e . 1
•utora,nemqualquer outra propo1içlo 1obre o tipo de relação social da qual eles
Num país d1 há ,,,ulto 11,,,po
226

• ernpalco, nem mesmo novas consider ,.,


foSS açoes que ie extendam sobre essa visão
'"'d)eitodos cafés. Essa ausência dificulta O deb te . .
• -r a , uma análise mais detalhada
e esta afirmativa. Duas questões pod
sobr . , em ser pensadas aqui com relação a essa
.J.c)aração:ARAUJO não considera os cafés como "lugares de ;_,._ açao
~
· 1"
,., socia
uu.c;i

ernfunção •dessa especialiução ' que a seu ver -··r


imnede O CODVIVIO
, · çiaue
_._ índ'IVI·du OS
deestratos diferentes. Ou então, pelo fato dos cafés não serem espaço que contava
coma frequência da família, objeto em foco na rua análise.

Decerto os cafés não eram espaços de interação social "das famílias"


[comoa pr~pãia autora diz, eles não eram "um reduto da família"], apesar de
poderemter sido um propiciador de relações entre uma e/ou outra, pelo contato ou
convívioque alguns de seus membros tivessem estabelecido em função da
freqüênciaa casas desse gênero. Quanto à primeira proposição é possível pensar
que, se· aqueles cafés mais especializados revelavam algum tipo de exclusão
. social,impedindo o contato ent.r·ecertas camadas da população, eles não deixavam
porém,de ser espaço do contato entre os seus fregueses e, neste caso, de espaço
de interação social.

De modo diverso, no que diz respeito a afirmação proposta pela


autorapara aqueles estabelecimentos cariocas. através dos dados aqui expostos., é
Possível perceber como os cafés da velha Belo Horizonte se converteram em
importantesespaços para O contato, para o estabelecimento de -redes de convívio e
sociabilidade entre os homens da cidade (fossem eles "modernos", perrernistas ou
Cidadãoscomuns). A mesma visão ~parece nas análises de um número variado de
IUtore•• c1·tados no de correr de-"-
:i.1,11,
trabalho • para os quais o café se impunha como
nova fonna de so~iabilidade em meio às novas cidades e sociedade eu,·opéjas.
,4J.,1,., que ehe •nanit#UlO I mm11d u, tJfJ ,lfútf,"111,lttillflh .~ u, 1 r;,,
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Mn• é im,gii-w,Jqut, grtuuforn.1rt.fj d<J"qu~ltl'IJ


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t.arito
aqui como no• c1té1 europ@tJt,E luo l.n&fp dMU do fito &J ~í(J
manterem
algum grupo, de :&equ@rrt1d<we1
mnl, jd.rtttfi 11do-,1 nmi iHM
01 e1porti1tt11.Afinal, 1e algun• ctl~, 1@ wrntr•m r ,t.w &J f1JJfJ
•Heanonnalmentenlo 11 c0Mtitui1mna ónfo1 U rUlt dt •••·
boaparte do• e1ttabeJecime11to1
d• c-8f;~ttwv8m 8bfft6j t &tqll,mc,-,,
de t:lientela,vinda de todo1 01 ladoi dti cidMdl,r,pr,,i,i1ru dl1 _,,~-~~ .. "lliif••-
dJveno,.

Talvez 1eja e11e o prjncjp1f p1p1I qu, ,e poda l'fllooir


centro,de conviv6ncia ,ocial, ~•tabeleellmmto•póblíco• de uur1çlo
l.usarde beberasern, de de1l'1n90, d4ln• ó foi, dMlrtfmmaflo, ti. tni',r ,
di\'ettlo, etpaço de t\atHidadtt11g,1dével11 d# dj1 UH6•1 •érj 1, if1
hluna,, de piada, e ~hi1tA11 ... OI ,,.,;. t'otlffl obj,to da• mal• Vlfll
do1 rn1i1 variado• ,isnificado• pira 1qu•I•• que 01 &•qu atavan1. P r ít. ,-,
Nu"' pai, d1 há ,,,uito ll"'Pº
118

it,doSque se lembram desse espaço , na memoraa


, • que foi. e contmua
. sendo, =--'-
aua.ua

t,oje.construida sobre 3 cidade e, em especial, sobre sua vida sociaJ, é por este

aspecto que
. os cafés se fazem presente.

E se os cafés podem ser caracterizados como espaço importante para

0 ex~cíco •de uma sociabilidade urbana, que se estabelecia tanto entre grupos de
amigos, de desconhecidos e forasteir-os daquela nova capital mineira - uma
sociabilidade mais informal, mais espontânea, ampliada a várias camadas da
sociedade e ainda, e.ssencialme.nte masculina - é possível pensá-los também
enquantolugar de expressão de práticas culturais dessa mesma sociedade. Afmal.
comose viu no decorrer deste capítulo, e também no capítulo anterior, é possível
acompanhar o desenv~lvimento no interior destes estabelecimentos, entre
propriet.ários,fJncionários e :frequentadores, de diversas atividades: de lazer, de
trabalho, sociais, e mesmo políticas; de diversas formas de relacionamento; de
aprendizagen1de modas, de novas formas de estar e se compottar ern público.
Além disso, o café era ainda espaço onde o debate propiciava a formação de

opiniões, sobre a literatura, à administração política, os assuntos cotidiano5; da
cidade,da conduta de seus moradores; a adesão a um tipo de orientação, seja ela
Partidária,cultural, esportiva . .. Práticas e atividades que se inseriam em meio a
todoum repertório que regulava e conformava o relacionamento dos indivíduos na
capitalmineira. Assim, enquanto lugar de sociabilidade, os cafés dessas primeiras
décadas também se~ão lugar de expressão e conformaçio de ·uma cultura urbana
rnasculina,pensada enquanto códigos, valores, práticas e simbolismos pattilhados
Peloshabitantes da c~pital nesses seus primeiros anos de existência ..
Num pai, d, lt/J w,ullo ""'Pº
229

c,pitalrnifleira. Assim, enquanto lugar de 1ociabHidede, o■ caf~• de111• primeira•


década5 também serão lugar de expre....sãO e· confonnação de uma cultura urbana
,nasculina~
pensada enquanto códigos, valores, práticas e simbolismos partilhados
peloshabitantes da capital nesses seus primeiros anoi de existência ..

Temposmodernos: cafés expressos

"Sabe-se a importânciaque os cafes representamna


vida de relação de uma cidade. Não há melhores
lugares para uma tertúlia, uma reunião breve, um
prazo dado. Por is$O é um velho hábito do
belorizontino (...) marcar encontros com amigos
nesses estabelecimentoscitadinos"(24).

Durante •longos anos os estabelecimentos de café dominaram a cena


públicanaquela ainda jovem cidade de Belo Horizonte. Alguns chegaram mesmo a
servistos como uma verdadeira "tradição" da capital, e de sua população, como se
percebeatravés de certas crôrtlcas escritas sobre a cidade. F.m artigo da década de
quarenta,o cronista Franklin Salles diria a respeito de um deles: " ... companheiro
de rrwito tempo, cuja presença cotidiana tomou-se um fato indispensável" (25).
Sentimentoque não haveria de ser diferente para outros homens, de épocas várias,
ernrelação a outros cafés: 0 Estrela, dos modernistas, o Paris, de poetas vários. o
Guarany, escoadouro dos boêmios, o Acadêmico dos hom~ns dos papéis, dos
negócios, ou O Ponto, de politicos, comerciantes, dos esportistas, dos simples
Passantes ..., de todos, de toda a cidade.
:1

Nas quatro primeiras décadas de eJCÍ$t.ênciada capital, os cúés se


,onstituirànlem presença quase que diária na vida de sua popuJação. Amda que se
percebatransformações na cidade, com a sua expansão e O ~ e
adeflSamentourbano - novos prédios, novos .espaços de comércio e diversio, a
crescente importância da Praça Sete como centro viário; ainda que se possa
acompanharmudanças no comportamento de sua população, cada dia maior, mais
desconhecida,.menos classifi_~ável, ç~da.J);a_a.v.an~o~-ª ~~__f9fo._

de relacionamento mais impessoais; e mesmo nos seus estabelecimentos de café


casasque fecham, casas que se abrem nos novos pontos de aglomeração. DOTOS

clientes que se nústurarn a velhos frequentadores, novos ~, ~

preocupações,é possível notar que, durante todos esses anos, o café ainda l'OMf;ém

muitasde suas velhas características e permanece como uma das principais opções
de espaço de encontro e de contato social para os habitantes da cidade.

Nessa ''história dos cafés", os anos quarenta viriam e.amo cpe


"inaugurar"uma nova época para os estabelecimentos desse gênero. M:Jdançasqoe
teriamraiz.es na década anterior, e que estavam relacionadas à~ transfonnações ~
atingiama própria cidade. Se nas duas primeiras décadas a capital •passou por um
processo de conformação e consolidação do seu espaço" ~ID.O, 1991, p..35), o
Períodoque se extende de trinta a meados de quarenta será considerado como a
llrancada para o progresso" (PLMIBEL, 1979, p.185). Essa época é vista cum,
urntempo de reforma "constante, duradoura [e] ~ o que faz com que que a
cidade esteja sempre em mutação" (CHACHA.M. 1993. P- 108).

. Durante a década de quarenta constitui~ uma nova paisagem para •


Jovern capital:
• o arranha-céu, •
movunento, o • -•-
ae5ctnlça-,
demo,_,1.ç.;
~-•co .. a expansão
0
Num paíz d~ há multo tempo
2,1

da•t,aitf0I, a eapeculaçlo e 0 encarecimento do espaço urbano, a modenúda~ da


p,rnpulha,antecipando O perfil de metrópole que caracterizaria a cidade nos anos

eitlq0enta.No plan_o económico,


. Belo Horizonte começa a se preparar para a
jn(tulffialízaçio,com a criação da Cidade Industrial, os debates a respeito do
rornentº
à produção e da necessidade de solucio~ar os problemas relativos ao
trtnlPortee à eletrificação. Todos estes 1igno1 ~e unem na constituição de um
novo discurso para a cidade: o da modernização - discur~o que, por sua vez,
estavainserido no contexto amplo do país.

Os periódicos publicados no período íam revelando novas imagens


daquelacidade que surgja a partir dessas transformações:

"O arranha-céu tornOD-seuma construção wlgar em


Belo Horizonte. Dezenas de edificios modernos,
IIJDiuosose imponentes [são] erguidos no centro da
capital ( ...)." (26).

"A vida em Belo Horizonte, dia a dia, toma-se mais


dificil. Com o aumento da população tudo se
modificou, porque em tudo a concorrência aumentou.
(...) Rixas e brigas em toda parte: nos clubes, na rua,
nos abrigos de bondes, no Instituo Histórico, na
Academia Mineira de Letras, nas filas dos ônibus e
em outras filas" (27).

"Belo Horizonte está crescendo demais. Crescendo e


•.
modificando. Talvez seja por isso que a gente, ao
dobrar a esquina, não encontre mais o mesmo
habitante da cidade de província, que estavamos
acostumados encontrar diariamente. Era sempre a
mesma esquina, era sempre o mesmo camarada, era
sempre à mesma hora. E o ~onhecido d~ ~te era
estudante funcionário ou agiota. ( ...) HoJe nao. Os
fimcionários, estudantes e agiotas continuam.Mas a
...
cidade cresceu den1a.ise eles perderatn-H ao meio d
outros h:ibit:mtes(...)" (28).

Porém, se os anos quarenta surgiam como um mn co, co~o o tempo


d1lque as n1udanças se to1nnvarn visíveis nn paisagem wbann. é possiwl perceber
atravésdesses mesmos periódicos, que essas mudanças começaram a se mostrar já
nadécada anterior. CHACHAlvl (1994) aponta que, 001 meBdos dos nnos trintG, n
capital,ri,ria uma era de derrubadas e construções, sendo cham da _numa coluna
do jornal Folha de l\,Jina~ "a cidade da picareta e dos llfld:tin1es" (29). A
~--centralização e expansão dos subúrbios, as obnis constantes que se realiznvun
na avenida - at.en·os, pavin1entação, redes de àgua, esgoto, ~lefones -, abertunl de
novas e importantes '\lias fora do cinturão da Contorno, cam1Jinçio de córresos
e.xtemãoda linha de bo,ndes et1llll alguns dos assuntos que pontuttvun1 j0tnttis e
revistas. No entanto, essas transformações cotidianas muitas vezes passavam
desapet"cebidas,de n1odo que, como assinalava Wll tutigo no jotnttl Diirio de
Minas já no ano de 1927 ...

"(...) os sinais de progr-esso,um hoj~ amanhã outro,


vão, paulatinamente,mudando a fisionomia urbana.
sem que os antigos moradores de Belo Hotizome
possam registrar dia a dia a evoluçãoda cidade" (30).

Estas transfom1ações que a capit.aJ atravess:sva tan1bhn ta-iam sua


correspondêncianas casas de café abertas entre t1ns de trint.a e início de quarenta.
Mudanças que iriam se revelar através da localização, do t.amanho, do tipo de
lerviço oferecido, da clientela .. . Mas. assim como em relação à prórpia cidade,
eESasmudanças muitas vez.es passavam ao largo da observação de seus habitantes
e frequentadores. Como será visto adiante, no decorrer da década de vinte e trinta
lrllitos daqueles cafés citados nos capitulos anteriores fechanun suas portas s~n
Num pais d, há multo ,,,,,po
233

notado&. Outro, e&tabelccimento11do glmero, sentados ou ~ balcão,


qu~(0111cm
.w1 ,endo aberto•. Em meio a e11a1 mudanras "impere
11,,. .,. ept~ • ", um ep•s
1ve1s • ód.io ser á
,narcantc, .0 fechamento do famoso Café e Bar do Ponto no início dos anos
quarenta.Alguma• crónicas escritas nessa época fazem supor que chegava ao f'un a
"era~o• c~é•" • Porém, se o fechamento do Bar do Ponto pode ser tomado corno
um marco, é preci110 antes enten~"lo enquanto parte de um processo de
...que atingia...e11setipo de comércio, esse espaço de contatt> socia~
ttanlforma.ç8e1
quea caH de café representavaentre os habitautc, da cidade.

Com a trasferência do eixo comercial e do tráfego para a Praça Sete é


possfveJacompanhar um movimento, ou deslocamento da concentração de casas
de1,e ginero, da àrea próximi à rua da Bahia para aquela região. Nessa passagem
dai década, de trinta e quarenta, novos estabelecimentos seriam inaugurados na
capitalmineira. e as marcas do crescimento e da especulação urbana se fariam
sentirpela redução no espaço dos cafés que se abriam: as cadeiras começavam a
darlugar a um único e comprido balcão. O salão do novo Café Gallo, taivez o
principal·exemplar dessa nova era dos dos cafés, teria, por exemplo, apenas um
rnetio e oitenta de frente (31). Num espaço assim tão reduzido toma-se
pÍ'atícamenteimpossível reunir-se em rodas de amigos, como se fazia nos antigos
Café1,e a opção de se permanecer na calçada em frente não era a mesma coisa.
O eçaço e também os serviços e produtos~ e o preço da xícara de café
R.eduz..1e
nlo paga a atenção e solicitude do garçom; aHim duas ou três pessoas davam
tontado atendimento. Tão atarefada, e&tariamque não sobrava muito tempo para
conver,as prolonsadas. Afinal, 0 mesmo começava a acontecer com a clientela,
Cadadia mais apressada: 0 homem entra na casa, toma um café pequeno e em
minuto,
mergulha nov- no fluxo de paHante& da avenida.
Num pt1ls d~ hJ muito umpo
234

Alguns dos estabelecimentos que forarn inaugurados nesse período


,tcançararn
grande destaque, como por exemplo o Café Palhares, aberto ainda em
38, alguns metros antes da esquina entre a avenida Afonso Pena e a rua
19
fupinambás.Nos primeiros anos de funcionamento, segundo infonnações do
gerenteda _casa,o café servido em balção dividia o pequeno salão com o comércio
de leite, bananas e uma caixa de engraxate. Adquirido pelo atual proprietário em
o Palhares perdeu as bananas e o. serviço _de engraxate, começando então a
1943~
setransformar no reduto dos esportistas e dos boêmios em f"'imde noite - os grupos
mais assíduos da casa, seguidos de perto pelos funcionários e os artistas que
trabalhavamnas emissoras de rádio instaladas naquela região.

Essa caracterização do estabeleciemnto como um espaço dos


"apaixonados" pela noite e pelo futebol, estaria intimamente relacionada aos
serviçose atrativos específicos que a casa oferecia a esses grupos. Durante toda a
décadade quarenta (e mesmo na seguinte) o Palhares estaria aberto durante toda a
madrugadasendo por isso e, em especial, pelos sanduíches e pelo famoso Kaol
(cachaça, arroz, ovo e lingüiça) servidos à freguesia, lugar de convergência de
todos
os notívagos, procedentes seja do tris-chic Cassino da Pampulha, seja do
quartode uma pensão qualquer, abundantes alguns quarteirões abaixo rumo à
regiãoda Lagoinha.

Os torcedores também contavam com atenção especial: jogos


Irradiados através de alto-falante; placar nacional com os resultados parciais dos
carnpeonatos e que podia ser co'1Sllltado como se fosse verdadeiro serviço
telefônico; venda de ingressos para as partidas realizadas no Estádio do
lndepêndencia; cer,t.ral de apostas do chamado ''bolo esportivo"; e além de tudo
,,,..-- Num país d~ há ,,,uíto le"'Pº
135

. -~é cerveja, kaol e muita gente entendida em futebol rendendo conversas de


isSO,Cal' ' '
b0"1s.en certas ocasi6es, a clientela tinha a companhia, em carne e osso, de
,.,indes craques" - dos times da cidade ou dos que estivessem em visita à capital,
com<>
Pelé, Leônidas ou Domingos da Guia. F.rn fins dos anos cinqüenta; ·a
1r1dicional
_assistência que acompanhava as partidas de futebol pelas ondas do
rádiopassava a contar -com n1odemo aparelho de televisão, através do qual se
Podiacontemplar com os próprios olhos e s.e extasiar diante da tal "parábofa que a
esferade couro traça no ar", como anos antes havia descrito Carlos Drurnmond
(32).

Outra importante casa em funcionamento na cidade durante esse


mesmoperíodo, foi o Café Nice, aberto no ano de 1939, na avenida Afonso Pena,

empleno coração da Praça Sete. De certa forma, o Nice incorporava dois tempos
distintosna história dos cafés belorizontinos, era como um café de ''fronteira", de
"transição".No que se t·efere ao serviço, esse estabelecimento seguia o n1odelo dos
artigoscafés sentados: mesinhas, cadeiras e garçons - no qual persistiria por mais
de vinte anos, tomando-se como wn baluarte dessa velha forma de atendimento.
Quántoà sua localização, a casa acompanhava a tendência de se concentrar em
tornodo novo ponto de aglomeração - centro de viação e comércio - da cidade.
Alémdisso, se o Nice ainda contava com urna :freguesia que dispunha de ~
Paradesfrutar as horas do dia entre suas pequenas mesas, ele também conviveria
corn
um outro tipo de clientela cada vez mais crescente: aquele homem ligeiro que
seni 0 se demorava no café mais que os d ois
• "go 1es de uma xi ·crinh a " .

De forma semelhante ao que foi apontado para os outros cafés.. essa


localizaçãoteria grande influência no tipo de clientela (bastante heterogênea) que
Num pais d• há mu;to umpo
1!J6

.:f

~~-:a • casa• •f\Jém -~ publico dh"'et'SOque circulava pela região central,

0
~ tinha ~incb como ~~si:a cotidian:s advogados, corretores, negociantes,
~isQS. ••• e politi~ especi:.bnme· nas épocas de campanha eleiíoral, af'mal
~ um cate popubr en consic:kndo. um ótin10. exercicio de marlading
~ (~ ao que parece., aincb permanece como aença até os dias atuais).
~ em termos de orientação politica" a casa en território neutro acolhendo toda
e cpatqu-ertendência. No campo dos esportes o Nice tamb~ . seria u_m café
dem(>aitico,,mesmo que em fins dos anos cinqüenta tivesse sido palco de críção e
reumãodo "Clube dos Pardaisª. grupo que reunia diretores e torcedores do
América
Futebol Clube (33).

O Café Gallo, citado anteriormente, fui outro conheci~~


embelecimem.o desse periodo e que m~e desbque: seria o primeiro caf~-
expresoda capital. Inaugurado em 1940 na avenida Aíõn..~ Pena, esquina de Tupis
eE..-:pmtoSanto~ a casa ocupava rm1 pequeno e antigo salão de barbeiro, estreito e
carqrido, mas onde permaneceriapor mais de '\>-m1e anos, até fechar em 1963. F.m
vistado pouco espaço disponive-1 no interior do imóvel, o mais indicado era a
instalação de um café de balcão. Além disso, o equipamento encomendado
pda nova casa se adequava ban a um estabelecimento do gênero: uma máquina
de ªcafé-expresso•, de coador e preparo rápido, que mantinha o café aquecido
de um elaborado ~~ de banho-maria, evitando sua fervura. Sem
através
hllito espaço disponível e freguês entrava, consumia~ e saía de imediato. Um
pr0qo atevfimento para CfJelDnão tinha ternpo de sobra. Pan muitos~ ao invés
tiniplesmem.e
de qualificar a máquina, o "expresso" caracterizava muito mais essa
"nova"formade consumir a bebida (34).
Nw,, país d~ Irá 1'1UÍf() U1'lp0
137

Mas. se era também um café-expresso pelo mimto gasto em se,J

cou---- • o G~llo não deixava de ser um -r--


__.,..uno ~ço de reuruao
.,., de consunu ·dor es COfDO

sepoderiaimaginar. Certamente O exíguo salão do café não era o cenário dessa


aglofileração,os clientes costumavam se postar na porta do estabelecimento,
distribuídosem pequenos grupos pela calçada, encostados nos seus carros novos
traziam para serem vistos pelos amigos, pelas· moças do footing, por toda a
cp1e
cidade-Das dezenove às vinte e duas horas o café fazia o papel de polo da
"aglutinação" daquela região da avenida. Militantes políticos, estudantes,
funcionários,
. . do comércio, tomavam mais de t.rês cafés, às vezes
professores, gente
quaseque seguidos, enquanto pennaneciam em prolongadas conversas. Depois da$
dezhoras, porém, morria o movimento e a calçada em frente ao café :ficava deserta.
Para alguns, toda essa atividadé diante do estabelecimento significava a
marrutençãoda antiga "tradição dos cafés como lugar para o bate papo, um ponto
de encontro social" (35);

Durante os anos seguintes as Organizações Gallo passariam a mar,f;pt"

outros estabelecimentos no centro de Belo Horizonte. Em 1953 a firma abre o


•Café Gallo Carijó, uma mistura de casa de café e lanchonete localizada na rua dos
Carijós. Fm 1954 Nelson Gallo, filho do fundador do Café Gallo .. passaria a
trabalhar numa nova casa do· gênero aberta na Praça Sete.. o Café Pérola.
Propriedade do sr. Cândido Ribeiro e localizado a poucos metros do já citado Café
Nice, o Pérola seria adquirido no ano seguinte pela firma dos Gatlo. Café-
eltpresso,ou café de balcão, 0 Pérola manteria uma clientela bastante semelhante à
daquele seu vizinho. Nestes novos estabelecimentos a firma continuaria inovando:
Primeiracasa a servir o café-creme italiano, primeira a adquirir uma máquina de
Café sobre pressão, primeira a servir O público em balcão de aço inoxidável. Poc
.... ~10 18 o' ltiltl "1111111•M•o",
l)KMUrll •• ,,1 • Mm "" •
li , li.,. 1111111,o,,
"pl)Vll mn111 l'Vh
• j'\11 llflllllll I O Ih r,i O ~, 1111jll l,ol'lllNVt H f/1,11•Ili 1dli•1",

dit f ~ 'º" ~ d,o,N~ln~fi I pt r ftln111t,t'lW'Ptht~,


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lHtptwJo, e, hébíW d,
1orvlro 01fô m 1>ftnlo @ra11 o lnôditonn t,ttpft,atmtn@irft,
muHAt§ i§ti d# wlí1:
Hntedom1ntlnhtUno bnl lo, utHtdo tnmbjm p()r um elient1"m#i npr~do •
1 n8p rir v151r um lu!tr.
dltpt!Mttvno 1@rvl90d" m4HJft ou ulo .-it dlt;1punh1

Bm Bêlo Horlzontfl, um do• cllf@i M baleio mait coolu,(;jd()j que


elLevaem1\anclorumumtodurent@
01 prlrrutlro•
eno da cidade tol o Java, ab4Jt1.Q
na
.etqulnada rua, Tuplruunbt\1 ., 'ilplrUo Santo com I averuda A.nla7.ona•_
Eatabolacimento modc11toe, popular o Jnv1 nlo deixava, por i• o, de er um
Pontode reunllo tMto quanto 01 d4'mnl• 4'itab4'lcclmento1(36), ~,mo em ••
c6lebre■ me111 do m6rmore fl 01delr11 d8 palhinha, e11c cat6 também funeonada
cornolugar..de eltar, de demon,r-1e em doi• dedo• de pro••• em um café ou cerveja
l'nli1 etticadoi, de "matar" 0 tempo cu1to10 da Bilo Horiz.onte do1 ano, dez •
Viflt4.Durante muito uempo ette pequeno café inltalado no centro da capital
mineiradividiu cU~la com 01 gand•• e famo101 c1c!é1-1entado• Porém~ estes
I
~·"uno, seriam mai• conhecido• e ft'equentado1. llo • 1•• que e.tio presem.e,
01
Num pais d~ hli 1'1U, to tempo
239

pascrônicas,nas memórias dos velhos habi•MUu.c:,.


..-•-~ •da e,ºdade . Monta dos em sa1ues
s .

,naiores,contaod o com O conforto de mesa, cadeira, e garçon, os cafés-sentados


estimulavammais ª permanência dos clientes, seja na simples degusbção de um
cafe.zinhoacompanhado por copo d'àgua, seja. no consumo de garrafas de
ga,nburguesa,T eutônia (37) ou outra bebida qualquer, na falação de horas sobre a
p<>litica,a literatur·a, a vida alheia, na leitura dos jornais. Onde, afinal, se podia
esperar pelo garçom que gastava-·· _ . ____. _ __ _..... _____ ______ _

"(...) um quarto de hora a trazer o continente~outro


quarto a trazer o conteúdo, e outro quarto a dar o
troco (...)" (38).

No fundo, o ~enriço de balcão era mais apropriado para os fregueseG


ligeiros,um café rápido, 'de minuto marcado.

A memória da cidade presente nas crônicas dos seus periódicos, não


registra a abertura de nenhum grande café-sentado na capital a partir da década de
quarenta - ou não seria inaugurado nenhum estabelecimento desse tipo ou então,
úre~evante(s),ele(s) não deixaria(n1) registros nessa memória. As novas casas se
dividiam em algumas categorias diferentes. Elas podiam. por exemplo, se
caracterizar como estabelecimentos mais diversificados. reunindo pastelaria, casa
de chá,bar e secções de café, como a chamada "Casa de Minas" aberta no mês de
agosto de 1941 ...

"( ) no térreo do ·Edificio Cruzeiro, o moderno


~~a-céu inaugurado recentemente na -~venida
Afonso Pena. Instalada com todos os reqmsttos da
moderna técnica de serviço, para o absoluto c~orto
de seus 1requentadores, o novel estabel~ctmento
dispõe de amplas secções de caa.bar. rc1hgerante.
Nu,,, país d# há ,,,u:r,;1t111po
140

.rf

d:á, pastelaria.etc, contandoaindaum mn de


vendade estampillw''(39). posto

Por outro lado ' elas podia.cuu


.......•eoer cas as menores, de serviço
O · mais
• · rapi
, ·d o
....,.., produtos mais ll"«ftec!~cn.
e Cvau --r UJ ..,..
N a sua ,maior · parte, esses novos
estabelecimentos eram urna espécie de "lanchonete" - salgados, sucos e café - ou
e,do cafés-expresso, onde atenciosas mocinhas serviam café de máquina. Mas
. essas"garçcmetes" não foram novidade- -inau~rada com esses cafés-e:xpr-e~.-- •-
Quandoinstalado no ano de 1939, o Café Nice já contava com jovem ~oritas
desempenhandoo serviço de atendimento de mesas: "Antes só ha-via garçons, mas
eu resolvi colocar algumas garçonetes, anumadinhas, de unifonne ( ...)", conforme
revelava o fundador do estabelecimento (40). Inovação que, ao que parece,
agradoubastante: ''Eram· lindas. Os fregueses adoravam", recorda Afonso Caldeira,
atualproprietário da casa (41). Se as beldades da rua ainda não entravam em· café,
a cliemela se consolava com o sorriso franco de suas atendentes. Mas só até as
•seis da tarde, depois era o turno dos garçons - moça que é direita não trabalha em
café à noite.•

Porém, enquanto a cidade via inaugurarem novas e inovadoras casas


de café na passagem para os anos quarenta, muitos dos seus habitantes estavam
CC>rneçando
a sonhar com os cafés do passado, em especial, aquelas pessoas que
viveramtodo --..:-~
O muvuuçu1,0,
toda a efervescência das casas de café dos anos dez e
'1irte.Estavam fechando as portas alguns daqueles famosos estabelecimentos da
região central da cidade, lugares que 09 homens da capital povoaram dia e noite,
diari~n-.-6- . e d.1a, U1C1111a.•
-• ...•a.e, noite . -•.:.veis anos. Os velhos cafés-sentados, que um dia
abundaram entre suas ruas; e averu·das comer.avam
T
então a rarear. Muitos daqueles
estabel . dez e vinte foram se perdendo em meio ao .
ecunentos dos anos
Jf!tfnvolvimontod1 oldtdff, 1@m qu@ ro,Ntt ,,o,,dv 1 ,,,,,,,, . lo• •-~ lfftl
porn multo11o ,mod" 1!'40,,, t,0mAv1t urn ffUitl.'..-O,A
df!,pftfttclmento,No nn&nnto,
flfflll alcJolhut& lrn1fto11
ttnun luva @ fo t18 m nt,o do fflmo,o l11trdo 11u,at,o,
Jltini 1ha1 no, Jon,,.;,,:
nt,· ln ~d11l1J1t no8t:nl1h}111ur1Jhtm

"( ...) er,1ru,noUoht ,tu,tsf>4'rn4tt,trm1,rt " rttMfJIOO


de1con11olo qu" m., frftrla o dHttpiwc,ci~t,0 ,.i. um
aompanhttlro d-,multotero110( ...)" (42).

''Wt1uma notfchtqu-, dar{t 1ur1d,oqiu, tm muito~


lollorH(...)" (43).

·Ataum11 ,ugerJom que outra f11m@ ,,uaJqtJ6f adqujJ'Jfje o


de,fo1mna 1@ pre§@rvaro velho " tradicional café:
eltnbolaciment<>,

"A 11otlcia SJnão houvtr


j ( ... ) da~maiomelanc6Jka1t
algu6mque 1c, di§ponhna rrumt-,ra trn.dição,1 vtlh.3 e
movimentadaHquína pastar{t a Hr um 'memento'
no,tálgico,paraquantoocoohecfframo Bar do Ponto"
(44).

Ma, nem o choque, o &:,1alento, a no8talgla, e nem me,;mo att


proposto,para a manutenção do café ,urtiram efeito.

"A1lnal, Belo Horizonte vai meomoperder uma de


tuftt tradiç~H maio antígu: O Café Bar do Ponto
1er6trannomu1donumacata de comércio( ...) O Bar
do Ponto ficou tendo umatradiçãona cidade. (...) Ele
encheu todo um periodo de nooaa hiutóría. Por i110
ninguém podia acreditar qu.e pude11e ter fechado
algum dia. Mu at1t1ím aconteceu.(...) Tran.sfonnado
numa cua de comércio, do nudo10 Bar do Ponto só
rellará a g16riade umpuaado ruido110''(4,).
,,,,,po
Nu"' paú d, J,/J1'11J1fo
141

Agora não havia mais retomo, era fato consumadol Fechado ~e


,neados de 1940' o prédio do famoso C aae
r• e Bar do Ponto veria
. anaugurar-se
· no
anode 1941 uma casa de louças (46). o· Bar do Ponto não tinha mais ~olta, como
tambémnão teve O velho ponto, que reunia todos os bondes e pessoas da cidade e
que,anos antes, havia .sido transferido para para outra àrea alguns quarteirões
avenidaabaixo, para •aquele que haveria de lt!e transformar no novo centro de
circulaçãoe.comércio-da capital:. a Praça .Sete..

Restava agora a nostalgia de um tempo que parecia ia se perdendo aos


poucos em meio a transformação muda, silenciosa, mas constante que vivia a
capitalmineira, uma mudança que ia se processando dia a dia, desde os seus
primeiros anos. Mmal, uma cidade nunca •se acaba de const.ruir, nem mest11~
aquelas que se queiram por completo planejadas. A cidade não é apenas o
conjunto,o resultado das formas criadas por suas ruas, seus edificíos, parques,
pontes,luz.es, a natureza circundante .... Ela é o emararuiado de tudo isso e mais os
homens,os seus desejos, os seus sonhos, as suas ações. Com Belo Horizonte não
haveria de acontecer de um modo diferente. Como foi visto anteriormente~ nem
tudoaquilo que a cidade pensada em seus mínimos detalhes oferecia, se encaixava
Perfeitamentenos desejos de sua população. A capital mineira haveria de nascer
da interação de ambos: 0 espaço planejado e os homens que para ele se
deslocavam.Não sendo estática, quando definida a partir desses dois elementos, a
cidade também não haveria de sê-lo no que se refere à sua economia, sua vida
CUitural,
seu aspecto tisico.

;...,.eirosanos Belo Horizonte viveria, às vezes de


D es de os seus pruaa
fortnaaltema da , as
. vezes con.,
iiu-• ente, períodos de aise e surtos de crescimento
•-..........
Nu,,, paí. d~ J,/J,,,u,:o te"'Pº
141

, prol1"''º· Oi an:>s vinte por exemplo, sio percebidos, tanto em documentós


oflciai,,como em alguns estudos sobre a cidade, como momer1<>de retomada do
desenvolvimentoy
após ª crise econômi~a que haveria se abatido so~e a capital
•Pº' 01 ano• de SUi construçio. Como aponta-ALVES DA--s.ILVA (1991), nessa-
,nearn•década de vinte já se começava tàlar em remodelação, afim de controlar
problema•1Urgido1 no período anterior (47). Por outro lado, CHACHAM (1994)
revelacomo a cidade estava sendo atingida por-diversas tnnsf-Onnações-dur:ante-os-
1
ano1da déc1da de trinta. Nes~a mesma época, os jomáis estampavam propostas
do reestruturaçio urbana, especialmente nos anos da administração do prefeito
OttcJlioNegrlo de Lima (48). E.m meados de quarenta abre-se wna nova era, o
perlododa modernização. Já os anos cinqüenta seriam marcados como a época da
metropolização(49).

Alguns desses momentos estariam assinalados na história da cidade


comtraços n111isdistintivo~ como por exemplo, as mudanças das quais a capital
seriapalco nos seus anos de modernização e metropolização. No entanto, mais
importante é perceber que enquant.o wna cida~ a capital estava em constante
movimento,cotidianamente - e talvez por isso, sem que fosse nota~ sem que os
habitantes se dessem conta, como apont.a artigo do Dimo de :Mhus citado
lnteriÓnnente (50). E é desse mesmo modo que diversos ~oares e hábitos
•cabariam desaparecendo do espaco urbilllo da capibl, alguns com mais alvoroço,
outro, quase sem que fossem percebidos. Essa mesma dinâmica que se tinha para
1 cidade também atingia as casas de café." Boa parte daqueles estabelecimemos

quepovoaram o centro da capital foram desaparecendo paulatinamente durante


0
lnos, alguns depois de wna vida longa. outros que a tinham mais cwta - abriam

e fechavam num piscar de olhos.
Nw,, país d, há 1'tuito tn,,po
144

Porém, ainda que em sua5 primeiras décadas Belo Horizonte tenm


-~do ao fechamento de vários estabelecimentos do gênero, havia sempre outras
cisasde café aptas a a~olher a freguesia tomada orfã, ou mesmo outras casas
,-lhafJtes que íam sendo abertas pela cidade. Um exemplo seria o famoso
'5á'ela dos modernistas, que daria lugar, no ano de 1934, a um novo
bel.ecimento, o Café e Bar Aguiar. Com o B&r do Ponto , no entanto , as coisas
..A ...
~

pareceram diferentes. A forma como o fechamento da casa é percebida nos


periódicosdo úúcío dos anos quarenta sinaliza uma mudança. Nenhuma nova casa,
oe.obum grande café-sentado, nenhum espaço capaz de aglutinar tamanha
<JJantidadee diversidade de gente que se movimentava entre as mesas e cadeiras
de seu velho e, segundo alguns, inalterado salão.

"O próximo fedlamento do famoso Bar do Ponto, (...)


constituí uma notícia de melancólica repercussão.
Raros.· estabelecimentos de reUDJao pública
de~enharam tão importante e insistente papel na
história de iana cidade como o Bar do Ponto, na
aôaica de Belo Horizonte"(51).

Além de significar a perda de um espaço de encontro social para


habitantes
Dllitos da cidade, 0 fechamento do Bar do Ponto como que fechava toda
urnaera. Época em que 3 vida era marcada pela porta do café, lugar onde tudo
leomecia: encontros, negócios, notícias, comícios e brigas; tempo dos
~, contemplando u..moçu vaporosas da avenida, dos "mirones" que a
tudoviam e que tudo sabiam; tempo em que toda cidade se cumprimentava,. que
todageri:e parecia se_conhec«, e aos pais, aos avós~ bisavós ... toda a genealogia.
Te,r4><>
esse de que O CaU e Bar do Ponto se constituia numa espécie de
um •l•mento dê llpçlo, c1p1z dtJnuuur ccwooqutt pr•HtU, fMDPM
,,tar6nol•,
"'eJ•tnmlon1e,lffll qu •• de11e eonta. - ez ... quinu .,. vltú too• •trlJ•.

Nlo nece111riitmontc
que a vida da idade tt'ie••" ffl.ldado r,urn J>Í"ff
deolho•. Como 1e viu, a cidad, ia carrd11handocom vagar tKWa, p~HMI•., ~,cn
1

tusare1,no-v•• nece1iid1de1 h1m 1e írworpor1ndo _à Yida du peHOa• n-xn


movimentoditrio. Nem m~lmO o Bar do Ponto. em MUI úlümotJ atKn, paruía tff
,a tomado a11im tio diferente. Como rff'1eJ,acrôrúca de 1940 no jornal Folha de
Minas,ele havia perdido certo pre~Ugi,,, aquele t'ar caudrátíco e perempt/wío., que
.
davaautoridade a qualquer noticia". quawJo da t.ran~ência do ebw e.entrai da
linhade bondes para a Praça Sete. Ma0 nada que lhe apaga1•e por completo o
viço. Mudavam-se 101 pouco, 01 :&egue1em,os eoltume8, 01 de•ejO§, o. anudo9.,
ma, continuava o café como ntabeJecímfflto de movimento e pre.Ug.ío;

"Ainda uoim, o Bar do Ponto resíotíu galhardamente.


Putou a ter o centro de outra política - a dos e.porte•
- e já de muitooanoa para cá é o ponto obrigatório de
reunião dot torcedores (...). O aumentoda população
da cidade comribuíu também para que o Bar do
Ponto con,ervasse o oeu movimento,aumentando o
mmero de 11-egueoeo ligeiro,, oo homentJdo trabalho,
que andam de pasta, de couro e discutem negócioo
dpido1" (52).

. Na opinião do cronista, menno com toda• a• tan.formaçaes soiridas


Pela capitai _ 0 cre■cimento urbano, o de■locamento do centro viário. econômico e
• 0 cial do pequeno. largo em frente ao café para uma praça pouco adiante.. os
momentos de cerunira poUtica vivido• pós-Revolução de Trinta - o velho
'ltabelecimento, ainda que visse mudarem também os assuntos .. os Jtegueses-. suas
l>reocupaçõese inter~s•e•, continuou como um espaço importante para o enco.nrzo
NJJM_paitd, hi;, "'"' •r, tr."1pô
246

'Cun:forroe .:sua.. ~.........


-..-aa&ayea
.-,;:.;• a ,casa. ,,. nada
~ 2D prestígio :tradu:i onaJ ".

,..;.omn uma i:md.inuidade, como a


pennanéncra -ô rlderminado papel que
~Â ~~,__,.. ~-- r•" ·-e-á~~do 'D -esJ>liSºda cidade e m
,, ,,;:fe1 t/li!;~ ~- ,1f.-imro~~ e~.tuó 1ie ~~- (l?~) __a
~# ~~ * ~lbP...m --da=iW· emf.j :os quais -essa asa de
~ ~ ~~ ~ ~ ~ ~ romiffuuiade não e:a :necessariamente

-cmnism,
1l'.f.O.n:"ÍO :se o Bar do Ponto
~~~~~~~-~:tie~~1lIJI:Miores,-e.les-se:fundavamagon
~ ~ ~~ ~ ~ i;narnderunn ~ -ele, & pólític.a para o futebo~
-~ ~~ ~,cn&.dos :e ~((§3)_ A idéia -que a ·crômca
~ ;...e•~~ Ú! y.:rmmRmCia. Mesmo {COlll ;as :tnmsf<nmações da
--~ ~~~~~t0m.igátnrio<iieRJ111ii-odapnpnlação. Porém,
~~ ~ ~ ~ :2 m ~em~ de mmos assuntos~ de
«1..utr.DE:ire~· ares: lhnmeos apressados.
;fr~;, ~ ~--~•~~de x.omn, e ,que lcm;pensam o conforto
~~~~-

~~ ~ ~ ~
~~~r;a~.&.madlídllll!Z áf>se!lm'«>qae &mrpma 1Ulll~ de pressa
,., --~. :tül!lt--Ze"!iopimsar qge ão «a ...... s a cidade. seus
l)e!IW,i,S} ~ -.,..ua112 t1■wi-Déio- .A nolhl!P ' a.a do Bar do Ponto•
"'
·-;vu,~~ ~ ~ ~ tdid~D aD de aífe, oca .-em ieridência outras
}/""' pais d~ hfz,,,uito U"'Pº
2-17

jfrfOriantestransformações. É o que se pode pensar, por exemplo, quanto ff


,r,sdaflçasque estavam acontecendo com alguns daqueJes próprios homens, os que
frequentavamos antigos .cafés, os que se lamentavam pela perda dessas casas. É o
caso,por exemplo,·· daqueles jovens que gastavam dos seus días e noites em
cervejadas e conversas até alta madrugada, e que tinham agora de manter
comedimento - hipócrita, mas nem por iEso, menos comedúneoto. Jovem que no
cafétramavam a "forma mais hábil de se trocar uma cola bem escondida por um
diplomavalioso( ... )" (55). Jovem que que nessa década de quarenta er~ entã,o,,
homenscomedidos, graves.prudentes e, especialmente, saudosos. Assim, além da
cidadee do(s) café(s), mudavam-se também os próprios homens.

O que as crônicas escritas quando oofe.cha:mento do Cal.é e Bar do


Ponto sugerem é que o que desaparecia junto com o Bar do Ponto era, no tbodo,.
a referência de toda uma geração, em especial aquela que ftequemava seu sa.lâ<>no
. auge dos anos vinte. Referência de um certo lugar, referência de certos costumes,,
pessoas, coisas, de um cotidiano, de uma identidade, e ainda., para muitos,, a
referênciade um outro "eu", boje tram:fonnado. O que provoca o saudosismo de
•algUnscronistas não estava., muitas vex.es, apenas nos traços da cidade que se
apagavam e que, em constante movimento, afavam agora novas imagens. o
llUdosismo vinha também dos traços que dançavam e criavam novas figw-as demro
destes
próprios cronistas.
•.

Esta idéia pode ser percebida também através de outn.s crônicas sobre
oUtros cafés. Antes do Bar do Ponto, haveria o declinio pauado do Café
lstreta • Já na déca~ de quarenta, um Drunwnond saudosista recordava o vetbo
~beJecimmto. Não O café em buJicío da primeira meude dos anos~ mas 0
.
• d-esses mas v.inte e do início dos trinb, que wrsia carreg-ado ~
~-~de~ Fn envolto em sentimentosdesse gênero que o E.-treJa
~ ~ ~ a respeito dos· velhos compZlllheiros com os quai•
~!Br.11~,icb: ~ ~ ms rodas desse e..~beJecimento:

•A-~ chegou qumdo o Eitrela já entrara em


clecadmci~ (__)- C:t:13 vez bebia-se menos
---- ~ -
.. ·- - - __ --~ ~.d.i!i_ç-~ po~ís~iµi~_ b~steins sinceras"
(ANDRADE. s.d.."p.54).

Na. memória de Drummond, no início dos anos trinta o Estrela já


faria se tr.msformado mun café bi_qórico, menos pela importância que tivesse
~do .. e sim pelo pass;ufo: café dos modernistas~ de poetas sonhadores, de
~ ai~ chei0$ de vida. E e.ste saudosisn10 não se restringia ao Estrela,
en meados desses anos trinta, el-e também teria outros olhos para os outros
esabelec:iDtiéus da. cidade.. Nessa época~ recordando João Guimarães Alves,
IÀW1w1-md escreveria com pesar sobre as rápidas visitas desse velho amigo à
Odade-

"'Mas fosse porque já não e.'ristissemos antigos cates,


• f"osseporque ele se demorasse pouco, não tinbamos
a sensação de que houvesse voltado" (ANDRADE,
s.cl..p.58).
Nio era entameote todos os antigos cafés que nio existiam mais

talvez tambémnão fossem apenas as passagens de João Gui~arães que dunssern
~e tio pouco. Aqueles rapaz.es modernistas é que já nio eram exatamente os
~já não exú.tiam •apeoait" como "aqueles rapazes modernistas". Eles agora
~ fuocioaários públicos. profissionais liberais, homens de afazeres, de familia
~ida. A~mi. para Drummond, a nostalgia pelo café. pelos cafês-sentados já
~• na própria década de trinta, quando a cirtade ainda se fartava deste•
5
est3belecimento• Vão se perdendo os modernistas, cada um assumindo os ares da

cadeiraem que havia se formado, casando, partindo . .. Com eles desaparecem o


-seu"
Estrela, o Estrela dos rapazes da "Revista", antes mesmo· que o próprio
gstreia desse lugar, como vimos, ao chamado Café e Bar Aguiar entre os anos de
1933e 1934. E. por fim, desapareciam da mesma forma os "antigos cafés" da
capital,~es
--~·
o~
-.J-
um d.ta "e 1es " - estu dante s poetas modernistas - senta!'am. As
outrascasas do gênero em funcionamento na cidade naqueles anos trinta e
quarenta,talvez tivessem para Drummond outro "gosto", outro "paladar", bem
diversodaquele dos seus "antigos cafés".

No entanto não era só para Drummond, màs para muitos outros


frequentadores dos cafés-sentados das décadas de dez, vinte e inícios de trinta, que
imperavaa nostalgia dos velhos espaços, do seu ârnbiente, de toda uma época. Os
estabelecimentos em funcionamento na Praça Sete, durante os anos quarenta,
tinham
um quê de diferente, não eram como os que existiam naquela "doce aldeia
cheirandomagnólia":

"Havia era o Bar do Ponto, Hoje não há mais.


Tentaram substituí-lo pela Praça Sete, mas o "pirulito'"
é de mau jeito. Não vingou. Agora, as palestras,
ócios. negócios e malediscên~ias ~es~olam-se na
esquina do Café Pérola. Mas e muito diferente. Tem
outro sabor" (56).

Dizer sobre a importância e a influência que as transformações dentro


dospróprios homens exercem na m~eira como eles percebem as casas de caf~
nio significa negar a int.erf'erência causada pelas transfonnações das quais a
tidade, seus lugar~s. seu dia-a dia e os seus costumes foram objeto, nessa mesma
J#I! J-fé. ,· .-•<'<,("j;'s•.··✓.,1; -rv
✓...,_,,

('

<>;::,:Jrg·~~

~o~d9f.o,4Jff ....
ijo {ttMI# MlftU..M iW 1:11-
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or-t$ dt ~-,,ittJ:I.

tl'~ º'~., IJ»J!) ~ tt.~fl


...
~'.a!._

9 autor '"o.rdaY#, At.~

capit,1.O Ni.ffiuro_~
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O<:Upar ~J~.~lll#.~. _t . . ,
quf t,'lnde pw ~ "'- '1ii!i!ltaW~
_,ame.,., • t).,ki9_. J>;..... ~.. ~ ~

-•~ de quar.u. ~. ~-
datidad, 1: u yid, ~ M ltat>IJ:a4~",, ~ ~ ~~~-~"'

UQlaOOYI tfldifl9 . .M,• W~ ~J# ~ M 1!1· fd'Bi~ ~~~


·~ÍilllO de l»JJ» ®--"~ ~,,. 9

~t,,)j~
4'11r-. ~ t(JleJ. tru,11,vs
~ino ~.tm ,a M jWMf'~ÇW~-• :WI:~~

e~'°'•~. f>ll'• ~~.,-~,#1'Jw


~- Lug,we•: P•~.dl»t, ~~. ~~,•~ -
11
'tJllfOI ,nltOl'IIJl, turlH d , fl'IOI po . lf/Jfl
1
"f/JIII~ 4, 4 H, , v(YJ

~•, IIO'ltl n#<:~ml ~ , A~ , triridlJf do HtJiwx,o do ,,,,


1 .,, 111/1'

parao "dí eur,o da ~dér iz, ,f//' Ju-!I'·~h -u 'KtdA ~1~~, mi A, "º d j

d(a..edJU ra, vm~alÍZlyio, ~. f~~?. dJthw;,1 113 tí,~y;mr 4 ~ ~


no,coctume•.

a.- d«a~ dfi (fJatlffA 3 ~lj!,!1YIÚJ,


fW"fl'M~Vttti3 ~J fYKi lftl-11

~
Muro•fflO§ dfl •1erda&.irametrópo11!1 IP.A .~,k; ~~ 1,q,.i~ prí1~WM dit:
de1897, quandoda Belo Hor~u ainda ~1 fuwfa p ira, a-1!?)JtmtJ< :)1~ 1ri r/) I ,

, ,

'Volto 6§ íma~ 4a Belo l!orÍZ<n'ú~ oz rM1»


dezoitoaaot «dltceram • a Belo l!ortzmú de ~ 1
fra. aadarn, cp não no, 31!Jedí.a emrJ o perlil
IHÍméfrÍCO doo•radla--céuode 'WJI'&, Mm e«n H'fB
poderoso,bancot (,,,). llffe, vorazn aparelho, de
~ão aio tinhampro1ífffa.doptla Av,mda."'eomo
depoí• fariam, a,goJíA&J Jiwaríu, barbeíro,,
relojoeíroo,agraute§. Tomadoode pão.íco,taabéra
o, cafi ~. ao 101Vdtriu, o, tnre,"" unítam
oa,e dedocarampara cmtraoáreao.Que é do Bar ••
Pnt., do Irk?" (j7).

No. III09 quareru, época em que elte artigo toí e1críto, novo• tipo•
deettabelecímeráos paHavam a dívídw • pre&rhlcia do público com 01 cafn que
reatavam.Maa.restaUf'antei, c.orrkítatia1, bare•, lanchonetes americana,. calé• de
baleio, o Callo~0 Palhare• e o Pérol•, e o Nke - que continuava resistindo com
11
Rlesinha, e cadeíru em 1eu 11110. Agora, 1 crer na reportagem da Folha de
Afha11 •obre O tec~ do "mitológico"Bar do Ponto, uma nova mentalidade
dirigia eate tipo de comhcío, 0 "tna.t". 8egundo o jomaJina, um ou doi■ car,. •
Num país d, há ,,,u/to tempo
252

~ ao c.emro da cidade eram propriedade única. Os outros eram. aos três


tP cpatro,
pertencentes a wna única fuma ...

"(___
) que põe em prática uma verdadeira política de
f«banemo
. e inauguração de novos caies, com
movameotosestratégicosque Bi..mulam uma verdadeira
báaJbade CODCOttência(...). A firma Caldellas &
Irmãos, cpe é também a ptop'fiWiria do Café Paládio
e do já famoso bar Trianc-n,a1~ (je outrospequenog
estabel.ecimeut.os,ioteres$a-serro fechamentodo Bar
•• Poato, com.omovimentoe!':.1tatégico nessa política
de ~- ~ é uma hipótese C{tlecircula entre o~
c:omecedores do asm'lto, e que só virá a ser
confirmadacom o coobecimentodas circunstâncias do
iecbameato, havendo uma certa expectativade que o
com-ato de locação seja pas!ia.doà frente com a
condição da abertura ali de negóciodifet'ente"(.58).

Foi em ~ia com esse novo tempo que então se inaugurava,


(JJe o Café Gallo abriu suas portas naquele ano de quarenta, adotando apenas o
lel"IÍÇoem pé. As velhas mesinhas de mánnore e pé de ferro ocupavam espaço.
Alémdisso, cnm obstáculo a uma maior rotatividade. O conforto das cadeirinhas
era·butau.e convidativo para consumidores de uma única xícara de café.
~ por um copo d'àgua, ou daquelas alternadas que chegavam à mesa a
cada~n volta do pomeiro do relógio. Café em pé era coisa mais rápida, mais
direta. Quem ia gastar tempo lendo um jornal, pavoneando discurso~ ou
-.,lesrneu.e devaneando em pé durame horas? Manai. tempo é dinheiro, e espaço
~-

Mas, às portas daquela HmodemíssimaH década de 40 ainda havia


8erte que acreditava que aquele Hnegócio de tomar café em pé era só em estação
ferroViária, dur~ as rápidas paradas do trem", como revela Miguel GaUo,
Num pais d, há muito tempo
]53

. , ·o do caf~ a ~espeito dos ancre


pt°P"dáfl
• •dulos quanto ao sucesso do seu
0 ( 59 )- Para estes, ainda bem havia o Nice, resistindo com toalhas e
eSi2t,eJecinient
~ _ enfeitando jarr~ sobre as mesas ou dispersas pelo casa, atendendo a
di~Ja. Resis!.indo ••• resistindo •·· até sucumbir em 1969. Neste ano o Nice
-~c,ura no·vo salão, ocupado agora pelos balcões de alumínio que se estiram de
~ a fora, dos dois lados do estabeleciment~. ·Questão de rentabilidade,
justificaria o proprietário _____.. .....___
.... ___ _

Um serviço de primeira a preço ele tostão é coisa de antigamente,


awtoant-1t,aan1ente.


F.m 1988 o Café Palhares comemorava junto a freguesia os cinquenta
anos da ca...q, e era saudado como wna tradição da cidade, um dos últimos
~ da vida boêmia, da política, do futebol ...

Fm 1989 o Café Nic~ também ganhava seu título de estabelecimento


•~º- Diploma da Camara Municipal e o reconhecimento da freguesia:
tradição política, ponto de enconfro, universidade do povo ...

Ano de 1990, a Organizações Gallo comemorava os cinquenta anos


do Café Gallo, atnvés do Pérola, que havia se tomado outra tradição na cidade,
l>Oltode encontro, de apostas, de reunião .. - (60)

Cafés da década de noventa, serviço de balcão, espaço de


IOciabiJidade. de intenção, de tradição. Mas porém, uma outra sociabilidade~
oUtroacafés, outros homens, outra época. Casas que para muitos se encaixam na
Num país d~ J,á ,,,uito U"'Pº
'154

ot,servação
feita por Henri~~ Pongetti, dando con+,ade um "terrível" fenômeno
.,,erificado
entre os estabelecimentos cariocas no distante ano de 1961 (61):

"( ... ) a metamorfose dos velhos caies e botequins,


grandes,escancarados e soturnos, agora pequeninas
cafeterias onde gargala o colorido da tõrmica, os
amarelões, os vermelhos, os azulões (...). Tudo em pé.
O metro quadrado de loja custa mna fortuna, sentar-se
... -- - --- -- --seria um -filfto topogt·áfico.-Come-se, bebe-se como
soldado em longas marchas, sem bivaques. (...)
Marchamos firmes para a vida em vertical; cadeira, só
em casa ou no escritório. O homem pode parar mas
não pode sentar. As cadeiras foram sumindo, o espaço
encolheu, os garções não aparecem mais, o homem
atrás da iormica serve tudo sozinho, é um mágico, um
polvo humano. Ninguémsabe o nome dessas casas
impiedosas, ao contrário dos cafés antigos que os
boêmios nomeavam com carinho de hóspedes
mimados. (...) Civilização da íormica
Desmemoriamento. Uniformidade. Um reino por uma
cadeira.Um império por um poema escrito numa mesa
de caie diante do garçom, torcedor e propício como
mn irmão da~a!"
Nu.mpttlt d• 1,4 "'" to t1Mpo
2.S.S

_rf.

,1\ ... ~S CAPÍTULO IV


~v~•

_}le,ista"1ta,Belo Horizonte, n.6, dez 1913.


1

z.JoJhadeMinas.Belo Horizonte, dezembr-ode 1940.

3. Carlos Drumond de Andrade, Jomal de Br~silia, 7 de abril de 1985, citado in GOMES,


19&9,p.42-.

4. ))iário de Minas. Belo Horizonte, 2j de junho de 1921. p.2.

5-RevismTank. Belo Horizonte, Ano 1, n.1, 1919, p ..5.

6-Re\o;sblAlterosa. Belo Horizonte, Ano Il, n.7, mai 1940. p.14-15-1~1.

7-RevistaAlterosa. Belo Horizonte, Ano Il, n.6, mar 1940. p.10-11-104.

8- Carlos Drummond de Andrade citado in: Revista do Arquivo Público l\fineiro, Belo
a·onzonte.Ano XXÀ.7V,1984, p.43.
-9-Revista Alterosa. Belo Horizonte, Ano JI, n.5, fev 1940. p.6.

10..
Ver nesse sentido '1.a literatura como historia", HINMEIFARB, 1988, p.469-489.

11-Jornal de Brasília, 7 de abril de 1985, citado in GOMES, 1989, p.42.

12-Pensando aqui, em especial, a geração de escritores mineiros de 4~. que também escreve
a respeito de alguns desses velhos cafés e começa a resgatar as lembranças de bares,
Confeitariase outros lugares da capital; num novo tempo para a cidade, novos espaços vão
toniandoo lugar dos cafés como reduto dos escritores e dos boêmios.

13- Stefan
Zweig, 1881-1942, escritor austriaco citado in: OLIVEIRA, 1984, p.133.

!Ol1na
4• ll E. Jacob, nascido em 1889, citado in: O~. 198.5, pl33. Ainda ~ respeito da
como os vienenses utilizavam seus estabelectmentos de cafe, Jacob menciona que:
Num pais d• há mu:to t~mpo
156

.rf

,.OvieneSISI 6 ~• crialura que vive presa a seu car~.Ele aí entra tris vezes por dia.
fel:t111
anhl t.ntreoito e DO\~ ho~. Depois. às 15, para o cafezinhoque se habituou a tomar
6e1)0ÍS~o almoço.Por tlm, ~ noite, entre 20.e 21 horas.Enquanto as duas primeiras visitas
sobretudo à lt.itura,esta da noite é consagradaà ímtizade.
são<1ed1cttdtis

Essasris abordagensconstituemtradição imutável.Apenu a sua duração pode variar.


Pot'quese o ~en~nse in~ci_a .cadauma d:1$três portes da suajornada por uma parada no café,
1 permanênc1a ah é arbstrãna.Ele pode p~ol~á-la até con:fundí-las, o que aconte~e quando
tevapar-ali parte de seus afà.zeresprl'fissionaJs.Dado o número deises estabelectmento~ o
teguêshabitual encontra sempre bastante lugarpara escreversuas coisas, inclusive fazer a
correspondência ou mesmo tr.llL~fonnar um cantinho em sala de conferência. ( ... ) Desde
algumtempo que o negociante de certa categoria habitnou as pe.ssoas com quem tem relações
comerciais a irem procur-á-lo nt' seu escritório. tfas há cinquent3 anos isso tta pra.u tida
comopretenciosa na cidade. Ao homem de negócio ía-se procurar no seu café, lugar
aparentemente democrático, onde todos tinham acesso. O que não impedia que a maneira de
serviro cliente se revestisse de nuanças as mais requintadas quando se pretendia mostrar
confiança e reserva. O pessoal da casa cuidava da visita do fi-eguês de tal maneitsa que a
posiçãosocial deste se impunhade forma mais evidente que se a entrevista se realizasse em
seupróprio esaitório". (Ver em OllVEIRA.1984, p.134-13.5).

U-Revista Tank. Belo Horizonte, Ano 1, n.1, 1919. p ..5.

16-HABBERMAS (1884), SENNEIT (1988), BÕDEKER (1990).

17- F.in
relação ao tipo de contato que estes atores desenYolvem no interior do caie ver
também,além dos autores citados no primeiro capítulo, S.ANSOT, dec 92\ mar 93.

l8- ''Borracho;': segundo O Dicionário Am-Bio (1988): ébrio, bêbado.

19- &!revista:Afonso Geraldo Caldeira. Belo Horizonte, 8 de julho de 1993. Outros dados
arespeito desses cafés estão na sequência deste capítulo.

20- F.ntrevista:Yolanda Piaona. Belo Horizonte, 9 de junho de 1993.

2
~b
~ma pequena análise respeito da questão de crédito em estabelecimentos de venda
3
Pil lica de bebidas pode ser encontrada em Sll,VA., 1978.
Num país d• hlz 1'1Uito umpo
157

_ ver por exemplo, a impessoalidadereinante nas lojas de departamentoabertas no


2
~ente europeu(SENNEIT, 1988).No entanto,isso não permite deduzir a inexfotêncía
~,setipode prática nos estabelecimentosdaquele continente.

23.RevistaBelo Horizonte,Belo Horizonte, s\n.,ago 1933.


24-MinasGerais, Belo Horizonte, 29 de agosto de 1931, citado in CHACHAM;1994,
p.19.

25-Folhade Minas,Belo Horizonte, 7 de abril de 1940, p.1.

26-RevistaAlterosa.Belo Horizonte, n9, set 1940, n.9.

27-Folhade Minas,Belo Horizonte, 23 de março de 1943,p.3.

28-RevistaBelo Horizonte.Belo Horizonte, n.187, out 1947, p.10.

29-Folhade Minas, Belo Horizonte, 24 de agosto del938, p.3.

30-Diáriode Minas, Belo Horizonte, 2 de outubro de 1927, p.1.

-Outrasnotícias dão conta de quanto a cidade se transformava durante essa década de trinta:

. "Dentreos múltiplos problemas que vêm preocupando o governo da cidade destaca-se,


IUÜ~ente o que se refere ao desenvolvimento cada vez maior de sua zona suburbana
~ quer que aqui aporte ( ...) tem a sua atenção voltada para o aumento crescente da
cidade. F.mtodos os bairros na Floresta. na Serra. no Calafate, etc, constroem-se
ininterruptamente numerosas c~as, e, como se nnma ofensiva contra os morros, campos e
~ quecircundama cidade,colorindo-lhe os arredores, novos casebres vão surgindo,da
n~itepara o dia, constibJindo como que mn desafio à vigilância dos administradores da
Ctclade.
(...) F.ntretanto esse desenvolvimento insofreável tem causado sérias dificuldades
aosgovernantesda cid~de que se-vêem, constantemente,às voltas com problemas vários a
resolver(...)."

e "A cidade se des,:emraliza cada vez ~ais. Os seus arrabaldes. o~ora tão pequenos, se
stendern em todos os sentidos. Cada dia que passa, uma nova casinha surge por entre o
... Folhade Minas,Belo Horizonte, 14 de outubro de 1934. p12.
Olatar~o
D.- p@ d~ ~ ~~ z~p;,•
2.n

. ~ algum pode se lembr.- do dia an <p a Avaaída Momo Pata edev.e


~• sem.o calçamtmo
,,,,.,~- . .. . revolvido em ~~•- frecho• sem
.. as ._..,,_,
•~ ---~----
~
~ de aoite. ª-emteDcta de ~ e dostropeçosde uma obra cp,alrp,er. e toda.a
~ ~ mna ~ de obras, ~Jieas e partícufares, de aterros, de ~.. de
~ das redes de ~otos, de ~ do-.;teld"ooes.E O panorama m&ano ~ saipiaõo
6t _.-elo das CODSá"DÇoes, com caixotes de madeira cp,emofdarão o eimedo armado,, •
~. de todos os pontos, cada vez mmaltos... Feia ti.eAfinas,Belo H«izom~ 24
de~o de 1938.p.3.

• i,rfinitas transformações se opeiama ~ ~ em sem edmc~- ;ada há de


definitivonesta cidade de constrates brnscoi'. limas Gerais, Belo IImizonte, 16 de
de1,embrode 1936p.8.

31-Farm.sta:
Nelson Gallo, Belo Horizonte,15 de retembro de 1994.

32-Ver crônica de Carl-OSDnmmond citada no capítnlo anterior. Revista de ~•


Püieo Mineir"."BeloHom.oate, Ano XXXV,1984,p.155-156.Informações a respeito do
CaféPalhares ver Isto é Mia.ás, aao 9. n.462. 30 de om.1985; ruorteS. cedi~ pelo
proprietáriosem dísaiminação de foote.

33-Informações
sobre ÓCafé Nice wr jornais Estado d.,, Minas P. Diá:ri• da Tanle, de 23
_de novembro de 1989. e entrevista de .Aromo Gerado Caldeira, propridário do
estabelecimento,
em 8 de agosto de 1993.

34-&frevista:Nelson GalJo. Beio Horizonte,15 de membro de 1994.

3~-Informações sobre O Café Gallo, ver ht. i Minas, ano 9, n.462, 30 de om. 1985. e
atlrevistade Nelson Gallo, proprietário do estabelecimento em 15 de setembro de 1994.

36-F.mrevista:Valentim Ferreira Diniz, op cit.

37. "A Brabma chama-se Teutôoia, ... e a Antartica é a Hamburguesa";


nas décadas de dez e
VÜJte,comorevela crônica 00 j~ Estadoele_Minas,Belo Horizonte,s\.d.• 1974.
38..RevistaTank. Belo Horizonte,.AaoI. n. 3, mar 1919,p.16.

39• RevistaAlterosa. Belo Horizonte,Aao m,n. 17, ago 1941, p.5 1.


Nua ;NIÍS d, Jt.2111u'tot~po
2J9

..rf

b Tarde, Belo l{orizoote, 23 de novembrode 1989.


4D-J)iário

AljlJDttmJ>O depois, as garçonetes PassariMDa ser uma constante nos estabelecimentM de


cate,especimmenteaqueles do gênero cate~'q1.resso,ou de baJcão.Nas décadas de quarenta
cinqútnlaa pb~Ça de~~ mc,ças se difundiria em nreio às outras casas comerciais,
~ no1t"Ocampo de atividade para as mnlheres que precisavam recorrer ao mercado de
tf11>31ho.

41-F.nterevista:
ValentimFerreira Diniz, op. cit

42-Folhade Minas,,Belo Hmizonte, 7 de abril de 1940, p.3.

43-Folhade Afinas,Belo Horizonte, 6 de abril de 1940, p.3.

44-Idem.

45-Folhade Minas,Belo Horizonte,20 de maio de 1941, p.3.

46-A data do fechamento do C~fé e Bar do Ponto não foi precisada, nem pelo material de
m,rensa pesquisado, nem pela família do proprietário.

47-"Logono iníco dos anos 20 começa a se &lar em remodelação do espaço que havia
acabadode ser dado como conduido. a cidade começa a ser repensada e nO\.-aspropostas
llbanísticasvão surgindo".ALVESDA SILVA,1991, p.6

48-F.m15 de junho de 1935 o jornal Folha de Minas, apresentava o plano de urbanismo


paraa capital elaborado pelo engenheiro Lincoln Contiaeotin'>.Em 25 de maio do aoo
~. o mesmo jornal apresentava uma entrevista com o então prefeito Otacílio Negrão
deLima. onde ele api esenta as diversas mudanças ~ estavam ~do efetuadas no sentido
derernõdetar a adminidtração e O espaço urbano da cidade. Por fim, em 14 de dezembro de
l937, comemorando os quarenta anos de de~volv_ünento da cidade, o jornal ~va
dadosatestandoseu crescimento e as melhonas real12adas: "F.m 1936, a populaçao de Belo
liorizoate subiu a quase 180.00 habitantes. .

Nos últimos anos a média de crescimeoto anual da cidade foi de 10.000 habitantes: em
193c '
J e 1936, a média subiu, em cada ano, para 30.000.
'
C ubt à tmll 3dmfoi.;tJ> t~ 1 ~b~tl.nI d . rn
~.-din~dMt a mbdivi~ffod~ LO qum~n"·~ ~ 2.4,._h.~ .

Asír ascalçradu dt B lo H0ti~oll~ tm, 1~ .11n, de 1,1 ~nmittt


1936subiamI l-447.130.(...f Foll,L\d~ AI 1 . n h H':,n~\)tn, l-4
p.7.
4.P,."Pela complexidadad~ m1 tl$1Môtt1i1 utbm,t titft B~lo H"ri~-.:~ ~,~t~~
entreos núcleos mais adiMtmdosdo p~t . Flux-o de poput çi() CM\,)'ffl"i:!tffl.
quadrmltes.ntrnidospelos condiç(l~ d~ vicb tcooimi o. o foi~ uttnrat ~
o&rece. Emplena espans5odemogràtlc~3 tidade ampli ~se"m dupl .,.-ti 1\ ..
vertical - usim na âtttt gtl'griflct\ apet'&íçl.)Md" coo on~tffl'lffi~
.,quitetônicos,como na esterasocial e inteleclnal, dot d1, a m8ÜJ wni
necessmiosCIOconforto e à belem d1s cidades modMnn~ <, CllM ,~ Mftis it ·i.'t~ ~
atividadesarttsticas e cientificas. por suas a-c1dêmi1st! órgios cutmr&i~.. mt{1t1\)
prdeitoJuscelino Kubitschek. 1941.

"'Aampliação sistematicamente ""ttificada, de ano para ano. do sentid" d~sS "'DW!DS.aftllS


anuaisnão se deve a ato de vonmde dos Ch~ d" Encutiw. à p~fo C\:"'1l*it\ a ~""'Hiuu:.,
dacomplexidadecada vez maior dos problemas e da míquina 2dmini~th,. ooMumdpi{,
(...) Fm fàce, portanto, dos impenttn'\)S de uma •~alidach! que ~ •• p~· ~~s
apansio e de progresso acimados indices e das previsões ...

. Metrópole e capital, Belo Horizoote recebe inwriawlmm~ o ~ ~ ~'t-


<>nundosdas duas situações. Sio fatores que se entrosam a mais ~ cb rol.i~
econômicae da sociologia, para se traduzirem em dificuld4~ e probJMHIS .,_~ o S')\'11tao
10Cal"Relatóriodo prefeito Celso de Mello Azevedo, 1956. C~tar sobft o ~
AlVEsDA Sil.VA, 1991; MELO. 1991. (Monognúh, de Especn,ltnçio em Th-t>aiSlft'1};
PLAMBa 1986; CHACHAM.1994: I..EMos.19ss.

50-Diáriode Minas Belo Hom~ 2 de outubrode 1927,p.1•



51- Folhade Minas, Belo Horizonte,6de abril de 1940, p.l.

s2. 1c1ein.
Num pais d, há mui/o t1mpo
261

°
aquiq~e Café e Bar do Pont~ tenha deixado de ser palco de debates ~
,,. Nlo ~e aflrm~
oros
polltJC('Sapcnns que esses aparentemente haviam se arrefecido com a censura dos anos
rinta.VtrNAVA(1981, p.381,4~3,463),RENAUlT(1988,p.241),CHAGAS(1982, p.191-
192).

54. Nio é dificil perceber que estas transformações também foram sentidas em oufrB!J
cidadesdo pais, como revelam as seguintes passagens a respeito das mudanças nos cafés do
RiodeJaneiro:

"Comotudo mudouf Antigamente o cafe era lugar de passatempo vadio. Por um tostão
alugava-seum camarote para o espetáculo da rua, ou instalava-se por meia hora uma tertúlia
!iteraria.
Hoje, com a generalização do serviço em pé, a infusão perdeu a nobreza que tinha,
e que consistia precisamente em servir de pretexto a coisas mais altas. O caie era
seamdário,m1 mbordinado, nias há certas subordinações que conferem maior dgnidade que
a autonomia Hoje o café é autônomo. Toma-se por ele mesmo, com a :frieza racional e
fillcionalcom que se ingere um laxante ou wn analgésico. Toma-se um café egoísta,
solitário,vertical." Gustavo Corção. 19~4.

"Oscafésdo Rfo (...) Uma tradiçãoque se extingue.Raros os que teimosamente resistem


(...) Foram-se os estabelecimentos que por tanto tempo constituíram a nova vida borbulhante
dacidade. Onde a gente se assentava para tomar um cafezinho e palestrar um pouco, coisa
hojeproibida ( ...) O norte-americanismo, que nos tem proporcionado tantas coisas boas e
Confortáveiscomo o colarinho mole pregado à camisa, o traje esporte, o refrigerador, o
barbeador elétrico, também tem nocivamente influído para o desaparecimento de hábitos e
usosquee.ramcomplemento pitoresco à vida Como o "caie", onde, sentado, se tomava um
bom moca ou a boa média e hoje é substituído pelo pelo "caie" em pé, corrido e
desconfortável.Ah! as mgências da pressa, a grande inimiga do gênero humano! Acabou-se
0 bompapo. Desapareceram os boêmios. Os anedotários ambulantes. Tudo corre, Tudo se
acelera.Inclusive os enfartes. (...) lnfetimlente o "café" com cafezinho servido às mesas já
não existe mais (...) Dizem que O lucro atual da xícara de rubiácea não dá margem ao
~ço fora daquele balcão odioso e bmnilhante. Quando a xícara custava um tostão dava..
Hojecusta duzentos e cinqüenta to.stões e não dá! (...)_Desgraçado progresso que ~scamoteia
IS ~dições saudáveis e repousantes. 0 "Caie" de antigamenteera wna pausa revigorante na
ll~lllação da vida cotidiana. Alguém dirá que nem tud~ era ~az nos caies de antanho, que
haviamuitaconfusão e briga neles. E dai? Não sera por isso que nã~ lame.nt? 0 seu
desaparecimento.Hoje·se houver desaforo a g!nte .º engole calado e humilhado. Ja não se
Podell'Dl brigar. Não há clima nem espaço( ...) Edigar de Alencar. 1982.

55• Jotaade lfinas, Belo Horizonte, 20 de maio de 1941, p.l.


1
N111HJHiÍI d1 ),ú. /lf////li UH'P i
'l12

5.-Mtll~e.ado, ~t~ ~ 1 ~'"'!111 Jll#tMM,,:,t; ., w 41; MhJAIQ~r-.ff, V'11w,


Bt• Ht,r1u,,U~ Jmf,r~ o,; 131,
19 7,p,11,~

H·CyrodMAnjH*ia: c.fôn, Bt~lia, Am -2, n,12,j~fD'AK~ 19141 p,121

53-OpianO nprnn em arü,p dlJjornalFm M»m, I~~ l~VA)U, ~ ~ íl)riJ •


t,-0. pJ, úMia<pe é tdorç• fh({l. ~ , '.JY!J• 1/~'..i
iS-) ,r, '! Iͧ9ID o~J1~,1i rt~~t.t9 MI
t:Jlá-~jáf«am,rOJW~d3'1fn3~W4flmffa.

UJ-Wweo - w~~ ~t~A9, l'A~l.g Ir. :MJu1? Dtl{) 1W~.


'/ff,
~ 1~ n ~ fYllfSilxO lk 1W 11 ~ '1:. 1:.-~, B~fo H9tizos~, 23 .,;k
wnstlxo de 1989,
SWNid SHQ:5VH"iIGISNOD

)i

._.
I

......

O,QA~IA Dunru loago9 mos. e an diferentes lugares, a imagem


do que isso pude11e ser guardou 1Jgumn re!aç&. com um tipo de
Cltlbelecimemode "mela .,.-.,Uca de bebidas e alimentos conhecido como "café".
NaEuropa do 16culo xvm nru caD9 fonm vUta. como um do. elemento•
P'omotorea
• difb._.. de bibt&,os..,..,,,. e refinados, mamIDOIIMaO de ••cenção
denovas camaclu IIOCiaiae de coosolidaç:io e refom,ulaçio urbanu. Em alpmas
cidades_e11ea cafês fanm tomados cano cemros propiciadorc• do
~cnvo • mJl:ura1 e social de NUS ddadlos.. aJso ...andispwável" aos
Cfltros urbanos.
ou -ã vida urbana cm .,.i•.

No Brasil de ftm do século XIX e mi.do do XX, eua !S•ociação


~ s;ande acotida Octpdos aa ccamuçlo de uma imagem positiva da
Qaçiobra.ãlenque nuc::i• sob O advedo da república. nmitos repr~ da
~ tep.-oclaz:iram
acp.aiessa mePN relaçlo .-. o •~belecimento_ do cate •, uma
~ COanos,otita ~ civilizada. E_ se foi pN8ivel detectamle>S • pr.._. daae tipo
Consider,.~çõ~~
Jinfii$
MS

de~ 009 discursos e projetos de refonmlação urbana propostos para


~ cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo na passagem do século,
,na1'evídede ela se toma no caso da apitai mineira. A necessidade de abertura
deal,O esta~ de café era algo coamm no discurso de certos cronistas
cped,vam voz. alnv- da imprensa.ao projeto de comtruçio - no espaço e nas ,.
f

mtde• - de uma capital modetna e pn,sr~ e ao mesmo tempo elitista e


excludeiu., .. • populaçlo cio Ell:ado M"mu Oenis.

llllpirada DOI melbo.n modelos europeus.. oo urbanismo racional, e


no•paticioa. praça. parques. boalnards e ates ref'mados, Belo Horizonte surgia
comouma cidade ideal: o reino da ordem..
elatttnica. da beleza e do moderno. E se
para1euap1U1ie1ILd0res a capilaJmineira.,. tudo isso, ela ainda deveria ser u:n
reinode civilictaclee ffl8troll)OlldUan».Desa fonna. nlo en apenas no seu espaço
w1>ano
CfllO N imcnvia um projeto elititt•. P.. além das cuu e palacetes,
P'IÇt.a_nau e avenidas ..... projelo também buscou se imcrever, regular e
•--- OI hoaVIN de11c cidade. &ao é. wún como a capital, também sua
Populaçlodevl. se encaixar em cletemndas categoriu asuriormente deruúdas.
Nea.tecaso. e!Mflan&o~ idea!izado os cafés se ap-esentavam como um dos
~ dessacidade - eme ch!bes. ~ cinrmas. parques ... - capazes de
o tipo de boaw,n ~ na opinião cerrem.e,deveria habitá-la: âmbíentes
COaforrnu.
requintados
e trq>idmtes b.va iam de .aiar, inflnên.71:ve estimular as condições
Pira o s.urgin-:n.ode uma geme"chieª e elegade. ordeira e cosmopolita.

Assim. em pouco b:UJpO a .cidade se veria ttwnada por diversas e


~ casu de c:afê..Maswse um dia ela teve seu cúé refinado, o Estrela,
~~seu café popular. 0 Ponto, e teve café de tostão, de balcão, de porta
Com id1r(ZÇÓU flnaJ;
266

,,.

~--,trido. Cd~>DU~ia café.concerto. café de toda qualidade e para todo


goftO~t,ollo.

Afioal, se mcp1111u lnços riscados oo espaço essa B_eloHo~ ~


utnl "capital de ~, • &ionoaiia que cb tldqun quando ocupada nio seria
,,.~ tio moderna,
11' • • cosmopolita. Como 1e viu, os homens que fauram
daquelu pllmU uma cidade. lhe ia .. iaJiram out,09 desejos. outn• prátfou.
conwuindopara • Nble • apil&J novu divenu imagens. Uma popuJaçio
pequffll,amipcte em aa,un. biaos coaridendos limples e rutaqOen•. pouco
dl ific • uma ..mNV'lrar•• asm..
. vuduúna. Velhos conhecidos, de
atUt da pr6pli1 cidade, ecdleddN • woa...ela repa,tiçlo, da rua de ca•a, da
~ ... l?:a iaeo. ParaIIIPÍIN • api&aJen como uma grande vizinhança: do
Bairrodo• Funcioniroa_ do bairrodos mi!it--. ou do bairro dos operiria., fora o•
aubürbioa.u &velM . mu iao já alo era mai9 • cidade., poderiam argumentar
•taurw.
ln1 11 folma. ... m na cidade ~ do mesmo modo, os •eu•
de cafe proctcri,.am outr"H realidades e outras imagens, a bem·
estabeJtv:1nM1t.A
dir.erbalitaN,e clnasu dacpeles idea!irac:bs p« amitos de seus planeja.dores e
CfOrlistas.Provinciano e rufa~ aa,rhém fcnm a4jdivos dirigidos a ambos por
0Utroa homens que escuNSUD sobre a capital. verificando ma inadequação em
rel1ç1 0 • esses modelos fatjados DO ew••M>da imaginação. -Inadequação que, a
'-llo _..~, _Y.._
-MlltPftR

~
~ _
8"ilit
tomada como Clpl"P io da ausâJcia, do não
r&conh..-!-
---~ _ . de a. me ma de~r--:- caosiderivel da população da cidade nessaa
r~ - 9ões idealizadas a seu ,e,peik>- Talvez aúwb, uma expresão de
l'lhal.a! _ . _ espaçosà sua manei~ uma forma de se
-~ um desejo de oaipar -
Co,uid~na;~r finai~
2(i}

_,-,,. e de dk>i11B.u. daJejos.suas necessidades a esses homens que tinham


• í)udo de• tudo saber e a tudo de6xãr_ ~ o café pode ser to~do .. então,.

1
__,. espaço
()IIJU""
de um outro discurso, quena grande parte das vezes nio• encontra
put,tieidade
aos pen •cos da ·ridade. ·mu que fala peJu entrelinba.s..
ou pela boca
de QlrttOI oradores: como por ....,10 nu criticas ao serviço, • decoração, ao
ifri)iede,10 eo12104:,itaime~ da diemek. ou • ,.nu pequenas notas das coluna•
policiail.

Buscar o coddi11DOdeltas crm do calê atrav- du a-clnicas~ do•


romanca. da DUlt>lic~ule e ._ colunas de jamais e revistu., da memória de
tcquffllilaaora e propi ·oa. f0t ama maNira de t.entumos perceber como
mm.o cpe eram ~ ,_ ... ~mm 111es atabelecimenlos na vida do:,
habitante, da eepita1 e. por 4Ddmelo,m Yida dl p-ópia Belo Horizode. Atnvé•
delesfoi poaivel apc,al• CfM. ee a cidade planejada revelava um projeto de
ordenaçloaodal ........... de c:mlidade.e_.. ete.,. em apecial,. os uus
tlltabelocinl6bl-,s de cafe.. ampiliam rm papel datro deste mesmo projeto:
hibitoc. modas. oormu e cvstanes finos e de bom-tom, e nesse sentido,.
t!:11:encin.r
irtÕrvir
e reaul• a 'rida dos babib:mes da capital se,,mdo os padrões burgueses
CScolbiclos
por sua elite e • atravésde algum de seus a-onistas.

&te seria. em cato ser,ticla, o eaet14,t., do Emeb. com seu salão


~do e ~ pn,dut.os e ~ de P~ (fie ramia um público de
~- décadas de dez e wme:a elite política..soetttl e irúlectuat da jovem
~ &a a casa ,ande u a,lwns desfilavam ma nova toillst- no chá da tarde ,
-.se• . •rnc,..--i1,tg5 tama'Alll sonete e pa,am
ili ••
em práüca os ~

~do jumo às moas innãs do colégic,,. às mães e amigas. Lugar onde os


CM1/dtff116a jf ,u//i
UI

_,,.,_ uaiv«sitVio9 • beletriau • encomavam.


onde conlMciam• dilcutlam
~ hncen. Íl9eA ... O café.aaleltarfa que reunia o• cavalheiros anta
darkita do teatro. ou esta e os canis du dana midia e alta em dia• de t'"tta
oo\'t OOIcinenlU. Encontro. w qum en possiveJ •ectucar-n 1ocialmente",
praticando
coabecimedotl ji aoau111dOS ou ado pela observaçlo do

Por-. como apcnarmc.. ,, pan nuitoa oem a cidade n tomou uma


pllft Parl.s.mm Nua cafi9 • svemelwwn em pompu e gala• 10 famoso
Prooope, u Cudl6tw, foram muita vaa comiden.doe como provinciano• e de
mi c,,alldade: .,... todos como um cat6 quaJc,ier. sem aJralivo•~ ocupado• por
umagemecomea••• e ............. ou mamo po.- ~• feru". No Bar do
PontD,• lllrina. • ea1r,,,ã11as• • .,,._,.GMt11 pomdo9 na entrada~ depunh~-n
..,.,...~~,o" dnejada ,_.. , ■ e• catn e..po, seu turno, a mást&u:ia de
Ntabetecimeatoe d••• 9ln110 deCJunllram
c:aaln • ..civili.zaçlo" própria capital. A
.._ critica wia feita em ralaç:lo a out.ru cam de café que se eapalhavam por
aa11Nas e.p.-. ••-• atê m epno an ,elaçlo ao .ramado Emeb.

&.as ·ouns· ....... aos mserem que. para além da tarefa de


civiliraros babitames da nova cidade. ata estabelecimemos de café foram
objetode outru •. ç6es. dada• pcwesses m PM9 babitama. Espaço do ócio,
do ""lõào. cla ~o política. de bebedeiras e de coaflito, do
-....g,cu~~to ele uma sociabilidade e de solidariedades que não exatamente _ u
~ tnewmc, CGalaárias _ aqMlas JAIrias pelos projetistas. Como já foi referido
1111u outras inrse • • destinações podern ser tornadas como
--.io de uma eoatn-proposta. um cc,otra-díscurs (ainda que não forma'lmente
ConsiderQç6e&
finai&
269

formulado,
ou mesmo reconhecido enquanto tal entre aqueles que o produzem) que
seopõeao projeto das elites, tanto no que diz respeito à capital como também à
•.J .. da sua população.
<J1UcJ .

Na verdade; são essas semelhanças e, especialmente, essas


contradiçõesno que se refere aos modelos construídos, que possibilitam uma
aproximaçãoem relação àquilo que foram e ao paJ>el desempenhado por esses
estabelecimentosde café na sociedade da nova capital. Assim, é em meio a essa
diversidadee enquanto um espaço heterogêno - e do heterogêneo - que os cafés se
' .
revelam.Lugar de garrafadas e tiros; de paredes riscadas à tinta, de estantes
artisticamentetorneadas; de troça, literatura, de se arriscar no n~gócio com papéis e
títulosou apostando no ')ogo do bicho": dos em.ont.ros dos representantes da alta
esferasocial e política e dos simples viajantes do sertão e dos matos das Minas
Gerais;de discurso, de silêncio; de temo envergado, chapéu de palha, da hora
. marcada; de balcão e "pinga" mátmore e Nebiolo Gran Espumante; dos
desconhecidos,dos conhecidos de vista e dos amigos íntimos; de disseminação de
notíciase de invenção de histórias e boatos; lugar vigiado pelos olhos do poder e
•os de certas senhoras da cidade, mas também de onde se vigiavà esse mesmo
Poder,essas mesmas senhoras e essa mesma cidade.

Civilizados e rastaqüeras, os cafés belorizontinos podem ser


Percebidos•.através de . um e. outro qualificativo, se identificamos esses dois
•djetivos·com certas formas de pensar e perceber a sociedade, com discursos
ditier • dade, ou d aqui·1o que e 1a quena• ser.
. entes a respeito daquilo que era essa soc1e
~ é isso que, a noss~ ver, os fazem significativos. Eles são portadores de duas
fal •
as sobre a cida~: um projeto que ordenava e
de.fi • t
uua como e a e seus habitante$
Consldtraçõe&finai& •
270

deviarn
ser~e, por outro lado, a reação - pensada ac:ui enquanto resultado de um
rnovunentode incorporação, negação e refonnulação •dos elementos definidores
mesmoprojeto.
desSe .

Isto significa pensar que a capital mineira não deve ser analisada como
umavitória de todas· as propostas do pensamento e dos homens que a idealizaram:
a cidade
.
previsível,
..
racional, classificável e. dominada. Certamente ela- também
. não
.
representaa derrota desse ideal. Mais que uma coisa ou outra, a B~lo Horizonte é
percebi~ aqui como wn campo de confronto. Se a cidade moderna e planejada
buscaregular a vida de seus habitantes, se ela induz ao constrangimento, à inibição
dasrelações sociais, é possível pensar que •esses mesmos habitantes são capazes
de criar alternativas e de t,,urlar esse controle. Nesse caso, os cafés aparecem como
umdos espaços possíveis onde se inscrevem essas alternativas, onde elas ganham
visibilidade.

É preciso salientar mais uma vez que, com essa afínnativa não se
pretende·negar os efeitos que tal planejamento tenha produzido em relação ao
espaço de Belo Horizonte, ou às relações que foram estabelecidas por seus·
moradores.O que buscamos mostrar é que a cidade não se reduziu a esses efeitQ~.
Sea capital mineira brotou como uma imagem pré-deímida, não hâ como negar que
essa imagem quando tomada real tenha sofrido deformações, e nesse c:~so
redetinições,ainda que pequenas ou isoladas, mas que nem por isso deixan1 de ser
redeflnições. A cidade mesma se revela para atém desse plano, ou desse dis~urso.

Ao trabalhar a vida associativa e a sociabilidade que eram


estabelecida; no interior dessas casas· de café, e mesmo em outros espaços ~
Con:/dUt..CÕ•t. final&
271

•tal sem tentar enquadrá-las segundo uma ou outra definição, foi dessa cidade
clP1 ' .
quese buscou aproximar. Se ela não alcançou em gênero, número e grau os
rnodelosde civilização que a inspirara~ em certa medida ela acabou p~r criar, por
elegero que seria considerado os símbolos de sua civilização. Ainda que se possa
buscarna cidade e nos seus cafés, nos seus "lugares de civilidade'" aspectos
caracterizadores dos modelos que os infonnavam. é peciso perceber que ambos-
tambérn..apres~ suas próprias especijicidades, eles não sãQ uma simples cópia .
destesmesmos modelos. O Teatro Municipal. mesmo não sendo uma casa como as_
dos grandes centros, era espaço de ostentação, de cultura, de bom-gosto, de
elegância. ,r estia-se nos "trinques dos almofadinhas,.. para esperar a seção do
cinemaOdeon., para divertir-se nos bailes do· Clube Rose, do Belo Horizonte, do
AutomóvelClube. M ro,das dos cafés, onde os estudantes "cultivavam o espírito";
contavamcom apresença de vários intelectuais, dos políticos, dos jornalistas -
homenseducados e importantes. E os jovens chegados do interior eram logo
"tachados"pelos amigos da capital: vinham civilizar-ser . -

Porém, como vimos, se os estabelecimentos de café dividem con1


esses outros diversos espaços o papel de centros de socialização e integração
Para os moradores da capital, eles também terão suas prôprias caracterist.icas ..
especificidades que os destacam em relação a esses outros lugares: espaço
masculino, onde predominavam uma interação e uma sociabilidade mais flú.ida,.
tnais informal, aberta e alargada; uma feguesia mais diversificada, mais rotath-a.
tnaisconstante e muitas vezes diária. E ainda, lugar de certos conlportan1entos,. de
Certasatitudes classificados como perigosos e mesrm>anti-sociais.
Ccntlduaçõ~, J}nalt -
m

.
Mas, dvilizados ou-não esses cafés se tomarant parte da vida, -do día-
a.dia de muitos moradores daquela cidade. E como espaço do cotidiano, quão
(!hrersas~ as atividades e as práticas (e, também, aquilo que elas
simbolizavam) que tinham lugar nesses estabelecimentos: da satisfação ·de
pequ~os ~sejos e interesses - uma conversa fiada, beber com amigos, espantar o_
frio,o sono, vender, comprar, ver o tempo e a vida passarem pela calçada em
frente- a necessidades mais primordiais - integração, socialização, incorporaçio ••
correntesvariadas, educação social, criação de uma identidade.

Para além dessas questões, buscamos apontar também que esses ca:fês
sãohistóricos, isto é, têm história e se inserem na história. Nesse sentido, a análise
desse tipo de c~beleciment~ reflete todo um contexto, particular e peculiar. A
. '

época- as primeiras décadas do século - assim como o espaço - a cidade de Belo


Horizonte- são elementos importantes na caracterização e diferenciação destas
_casas de café em relação às suas congêneres existentes em outras cidades ou a
algunspequenos cafés de balcão ainda encontrados nas ruas da capital mina~ e
mesmo de outras cidades do pais. Exemplo diHo são o estranhamento e o
saudosimoque os novos Hcafés-expressos" provocaram.

É essa forma de perceber os estabelecimentos de café - conjugados


comum tempo ·e um lugar _ que nos permite tomá-los como uma via de acesso para
abordar a história da própria cidade. A partir de sua análise nso foi possivel pensv
1 respeito de diferentes aspectos .da vida ~ capital mineira, como por e.icemplC)a,
Bociedade;seus comportamentos, se~s valores, suas redes de relacionamento e ~
convivência, a cultura partilhada por esses homens.ou_então o espaço urbano~ •s
Ccn&lderrçoes;ma,.
27J

~ções e lutas que e(e expressa, as transformações econômicas~ sociais -e


culturais
que nele se inscrevem ao long~ do tempo.

A expansão urbana e o adensamento populacional que começam a ser


verificadospor volta dos anos trinta e quarenta, q-.Jebra.nunuma veJha imagem que
tomavaa cidade enquanto uma "unidade de vizinhança", um lugar onde "todosn se
conheciam.Se antes os habitantes da cidade "pareciam" todos passíveis de algum
tipo de classificação capaz de torná-los "reconhecíve~s"aos oJhos dos outros -
funcionáriode tal repartição, membro de detenninada família, contra-parente de·
alguémde suas relações ou um simples conhecido -. nessa época eles começaram a
se tomar alguém de classificàção cada vez mais improvável e impossível até,.
algumtempo mais tarde, perder-se na multidão. Nesse novo ambiente mudaram-sP
tambémos comportamentos, e as relações entre os homens tornaram o caminho, da
impessoalidade e do ano~ato. A pr~ssa que invade essa cidade ~e cresce
. tambéminflui de maneira significativa na possibilidade e nas formas do relacionar-
se social.

No âmbito comercial, essas transformações e o crescimento da capital


ttnpuseramnovas prioridades - se tempo agora era dinheiro, o espaço não fica,ta
atrás.A-expansão corn~cial, o crescimento urbano, a concentração de serviço~ a
Verticalizaçãoda área central da cidade são as várias facetas que infhJ°iram no
l>rOcessode especulação. A valorização do solo nessa região aliada à busca de
funcionalidadee lucraiividade, tomaram p~ulatínamente inviável a sobrevivência.
dosVelhoscafés-sentados. Afanai, a demanda desse tipo de de estabelecimento Pot"
~SJ>aço
e pessoal em serviço não condizia com a nova realidade qu~ entio ~
lllstaurava.Um café pequeno não pagava mais o ritual . e a mOf'domia oferecidos
Contlduaçõu final: •
' 1:74

.
petaantigafonna de ,;erviço: mesinhase garçons, guardanapo, copo d'água e café
ttn bule servido como que "à francesa". O balcão conferia mais agjJidade tanto no
quese r~ere ao atendimento, quanto ao consumo. A máquina possibilítava uma
economiade tarefas: era só entrar a xícara sob a tomeirinha e em dois segundos o
café~stav~ em frente ao freguês. Um movimento intenso podia mesmo conferir
uma
imagemde linha de prodoção: tempos modernos-cafés expressos.

Por tudo que foi apresentado nessas páginas é que acreditamos poder
dizerque, entender a casa de café foi um exercício para se entender um pouco da
históriada própria Belo Horizonte e dos homens dessa cidade .

• •
Quase .cem anos se passaram desde que a população da então
novíssima e moderna capital mineira ocupou com festas os poucos restaurantes e
cafésque já se encontravam em funcionamento em meio às suas ruas e avenidas
naquele~istant.e ano de 1897, comemorando a instalação da nova sede do governo
do-~º· Em 1995 Belo Horizonte ainda mantém alguns estabelecimentos de
C~é,e entre eles, dois ou três que remontam aos últimos anos da década de trinta e
inicio quarenta. Se esses velhos cafés serão, daqui a dois anos, palco de
manifestaçõessemelhantes pelo centenário da capital é uma suposição difícil de
responder_E mais importante que que respondê-la é perce~er que um século
depoisjá não se fala exatamente da mesma cidade, dos mesmos homens ou dos
mesmos
cafés.

Se na passagem do sécul() o café era uma dai imagens da civilizaçio,


hojeessa correspondência já não exi&te.01 estabelecimentos decafé e.'Ci~s na
C°'"id1r".~re:finais
1:15

..-t,.

região central da capital- são ~da espaço de reunião e encontro de aJguris


habitantes da cidade, ainda existe aposta, negócio, marketing político, futeboL
amenidades... , nas rodas de frequentadores desses cafés, porém quanta diferença
guardamen1

relação aos velhos cafés do passado. A tradição que o Café Pérola, o


Nice ouo Café Palhares criaram em certos ·Jugares da cidade não deve ser
tomada •como uma simples continuidade daquela que caracterizou os
estabelecimentos das prin1eiras decadas do século. As discussões literárias se
transferirampara outros lugares; os jovens ~e reunem em outro(s) tipo(s) de bares;
os passantes quase sempre tem pressa, além de contarem com uma infinidade de

pequenas lanchonetes pelo caminho para saciar a sede e a fome; além disso o
espaçodesses cafés já não favorece à permanência por tempo indefinido; eles não
sãomais o jornal da cidade ou a sala de estar do público masculino da capital.

O papel que as casas de café atuais assumem para a população já não


é o mesmo que tiveram durante os primeiros anos da cidade dos anos dez e vinte .
O tipo de sociabilidade que se desenvolve entre seus frequentadores é ben.,
diverso, são poucos os frequentadores (tomados em relação à população da
cidade) que dispõem de tempo para ficar durante horas num estabelecimento de
Café,o que seria, por sinal, bastante desconfortável considerando-se o espaço
exíguo dos seus salões. Quem se disporia a esaever versos em pé, ern meio ao
0 incessante , do entra-e-sai-entra-e-sai dessas casas de café? Se
rnovirnent 0

redemoinho de gente que passa pela rua depeja muito mais pessoas nestes
estabelecimentos ele também os suga com uma ra~idez voraz. A permanência no
Cafése mede, para grande parte dos cHentes, pelo tanpo de um cafezinho expresso.
Co111/d1r4çÕ1iJ]nali
..
276

Um•casaassim, marcadapor um tempo tão mais veloz. será, possivelmente, uma


.. ..
·~• de acesso pm-ase buscar conhecer uma outra cidade, habjtada por outros
bonlens,com outros ,,atores, outos comportamentos, outra sociabilidade. Talvez
cadaum desses aspectos 'tragam algumas carocteristicas, algu~as permanências de
umoutt<>tempo, porém eles já nio serio os mesmos. Nesses tempos modernos,
nessestempos de n1etr6pole a cidade, seus cafés e seus homens ierão outros.

•,

ANEXO
BELOH-.RIZOIITE Ir--,
1897- 1954 . 1

//
1
\
AIJB'CD
278

,I •

!Í,
. ·.''

. ' ...· :·• :


éasas·de çafé arroladas na pesquisa entre os anos de 1897-1954
LOC~Úzação·_das

-Anos 1897-1930
• Café !.fineiro............................... .. . . .. . . . . .. .. . .. . ... . ...................... 1
- Café Paris................................................................................ 2
- Café e Bar do Ponto............ ~ .............................. ..................... 3
- Café Martini....•..........................~ ..............................................4
High-life ...................... ~ ...............................
- Caf~ e éônreítâria .5.
'
- CõaféAcadêmico ....................................................................... 6
- C.afélwlignon.
...... ..................................................................... 7
- Café Guarmy .................................... :............... :...................... 8
. ,·
1
- Café C1sc1t1 ........................................................................... .9
- Cilfé Esperança,.~ .................................................................... 10
- C1fé Lis .................................................................................. 11
- C,1fé e BM Parque ~cipal .................................................... 12
- Trianon.................................................................................. 13
- CõaféAmericano ...................................................................... 14
- Café Aveoi~ .......................................................................... 15
- Café Colombo ......................................................................... 16
- C.aféJ1v1...... .......................................................................... 45
- CõaféPinheiro ............ ~ ............................................................. 17
- Co1fée B.u Muoicip..1 (Estrela) .................................................. 18

• -Anos 1930-19j4
- Cõafée Bar Ac.adêa:Jico............................................................. 19
- C.afé e BK C1sc1tinu ....................... •·•·••··· •···· •·•··· •·••••·•·••·....... 20
- Café e Bar Pedttcine .................................•.••.••••••••.•.••. •··········lt
• Co1féSul Animei .........................••••••••••• •••••••••••••••••••••••
••••••••.22
,Anexo
279

• Café Bom Gosto••••••••••••••••.....................................................23


• Café e BM São João............ . ........................................... 24
.2S
• Cif é Mino. •••••••••••••••••••........................................................
- Café e BM u~osta •••.••........................................................... .26
~ ............... 27
• CaféIris•.••••••••••••••..•..............................................
- Café Santo A.otônio•............................. •............ ,..................... 28
- Café Santos Dummom...........................................•................ 29
- Café TtÜngulo........................................................................ 30
- BM e Café Mauric.................................................................. 31
- BM e Café Paládio ..... •............................................................. :32
~ Café e Bar Aguiar................................................................... 33
- Café Cine1ândia....... ;.............................................................. 34
- Café Comércio..................... :................................................. 35
- Café e Leiteiü lmperial .......................................................... 36
- Café Carioca.......................................................................... 37
- Café e BM Colombo ............................................................... 38
- C..fé e Bilhares S.aotaCruz...................................................... 39
- Café GaUo.................................................................... ~ ......... 40

- C..fé Nice............................................................................... 41
- C..fé Pa!hares ......................................................................... 42
- Café GillloCarijó .................................................................. 43
- Café Pérola ............................................................................ 44

(Obs:O 1:mp,."·comcafés da capital obedece priocip.almentei sua loulizaçio pw qamteil'io, uma vez
que muitos esbbeteciaieatos não possuem dados piiira detennimr qual lado eles ocupav~ nesses
GJesniosquarteirões)
J

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ENTREVISTAS

-Afonso Geraldo Caldeira. Belo Horizonte, 8 de julho de 1993


-Nelson Gallo. Belo Horizonte, 15 de setembro de 1994 •
-ValentimFerreira Diniz. Belo Horzonte, 28 de setembro de 1993
-Yolanda e Rosina Pianna Belo Horizonte, 9 de junho de 1993

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