Freud diz que a neurose obsessiva se manifesta como um dialeto da
linguagem histérica que agita os corpos; o obsessivo revira seus pensamentos, cárceres de uma sexualidade aflita. A histérica responde com aversão a uma sedução súbita, intrusão sexual na vida do sujeito, ao passo que o obsessivo tem nessa irrupção um papel ativo, sente prazer e deve rejeitá-lo. Nesse caso, verifica-se a complexidade das relações afetivas; ambivalência, oposição ativo-passivo ou masculino-feminino e antagonismo ódio-amor. Na dúvida e na dilação espera o impossível: que o pensamento resolva os enigmas do sexo e da existência. Enquanto a histérica vive inteiramente no nível do Outro cujo desejo é para ela necessário e é seu centro de gravidade, o obsessivo aponta ao desejo como tal, não desejo de uma coisa, e sim o desejo em sua condição absoluta, impossível de satisfazer e que está além da demanda. A criança que se tornará obsessiva tem ideias fixas. Fixação intolerável para os outros por seu caráter de condição absoluta, que implica a destruição do Outro, pois lhe pede seu ser. Paga isso com todo tipo de impedimentos, inibições, temores, dúvidas, interdições: fantasmas tão fixos que, mesmo que consigam alguma realização, esta sempre será decepcionante. A mecânica obsessiva, presa nos labirintos da medida, diante da concreta proximidade do objeto de amor vê se reduzir o desejo, até sua extinção; o pensamento se esgota na objetividade da consciência moralizante, com infinitas voltas, precauções, cerimônias e outras manias, às quais subjaz uma intensa agressividade que o obsessivo tenta domesticar pedindo permissão para tudo. A submissão é um modo de restituir ao Outro, cujo lugar lhe disputa em seu mortífero fantasma. Isso implica rejeição do Outro e permissão. A maneira como os neuróticos obsessivos tentam deter o tempo é permanecendo na dúvida, visto que uma decisão sempre implica uma perda, algo que se quer evitar. Tal trapaça implica olhar a vida da plateia, recusando-se a estar no palco do devir; portanto, não querer que o tempo passe, julgá-lo eterno, conduz paradoxalmente à aflição. Freud faz sua a frase latina “Si vis vitam, para mortem” – “Se quer suportar a vida, prepare- se para a morte” e também “Se quer viver a vida, prepare-se para a morte” –; preparar-se quer dizer não ignorar sua finitude. Classicamente, separa-se o ser do tempo, em uma tentativa de preservar o ser da finitude. O amor e a verdade sempre tiveram a pretensão de ficar resguardados das vicissitudes temporais, confinados “fora do tempo”. Não é à toa que se fala das “verdades eternas” e dos “amores eternos”. Gilles Deleuze diz que o tempo põe a verdade em crise; acrescentemos que põe o amor também. A maneira de mantê-los imunes é… não os pôr à prova. Por isso, os amores impossíveis são os que aspiram a uma eternidade porquanto não se realizam e, ao mesmo tempo, são amores mortos, coagulados em um eterno presente, fixos no que poderia ter sido. Uma das características de nosso tempo é a aceleração. Nossa época é de rapidez; tudo se torna cada vez mais rápido, e dessa rapidez se passa à aceleração. Para os matemáticos e os físicos, a segunda é simplesmente derivada da primeira. A aceleração define muito bem o homem de nosso tempo. A aceleração da decadência de toda novidade povoa nosso universo de objetos que precisamos descartar depressa para substituí-los pelos de último modelo. Heidegger também assinala como uma das características do homem moderno a incapacidade de se deter na contemplação e o crescente afã pelas novidades. Tal avidez vai unida à inquietude pelo novo e pela mudança, à dispersão crescente, a um nunca se demorar. Por acaso isso não entra em contradição com o anterior? O obsessivo posterga as decisões cruciais de sua vida como uma maneira de resistir ao passar do tempo. Nunca chega a hora, nunca é o momento. Freud exemplifica essa postergação como a demora desses tribunais que só resolvem os processos quando as partes intervenientes falecem. Você sabia que… o obsessivo não pode amar sem odiar e não pode desejar sem logo se distanciar do que deseja? Se o sujeito histérico ataca os motivos recentes ou infantis da doença com a amnésia, o obsessivo não esqueceu o trauma: defendeu-se dele. Despojou-o do afeto, que é deslocado para as ideias chamadas obsessivas por seu caráter de fixação e de sobrecarga. O obsessivo é um doente do pensamento, essa prisão que o afasta da vida e que o aflige. Acredito que as duas características convivem simultaneamente nos sujeitos contemporâneos. Por um lado, encontramos o sintoma da juventude eterna, a infantilização, a adolescência interminável, o fenômeno dos adultos jovens e a identificação com Peter Pan como figuras ligadas a ilusoriamente preservar os sujeitos da finitude. Por outro lado, isso pode se combinar a uma vida de pressa sem fim, na qual abundam as passagens ao ato dadas por uma aceleração, qual motor que dá lugar à expressão tão comum: “Desacelere”. Isso se deve ao fato de que tal celeridade não se opõe à demora em realizar os atos mais importantes da vida; por isso, paradoxalmente, o ritmo vertiginoso, a existência como zapping e a pressa sem trégua podem ser também a maneira de postergá-los. Freud descobre em sua clínica que o obsessivo tem uma relação ambivalente com seu pai: ama-o, mas lhe deseja a morte. Tal ambivalência complica seus atos e suas decisões, visto que governa sua vida: desejar equivale a matar, e, para não realizar tal ato, ele se detém. Assim, a ambivalência enfraquece uma vida caracterizada pela dúvida permanente e a postergação do ato. Lacan vai além ao afirmar que não se trata só do pai, mas do Outro como lugar de referência fundamental que o obsessivo sustenta e do qual não se desprende; daí a eterna postergação, daí sua dificuldade com o tempo, porque a hora pertence ao Outro. Também seu desejo fica preso nesse emaranhado, e o obsessivo transforma seu próprio desejo em uma demanda do Outro, que pode estar representado em diversas personagens.