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Trieb

O termo Trieb apresenta várias traduções, que apontam para determinantes teóricos
absolutamente distintos. De maneira geral, no Brasil, encontramos duas opções:
a) A primeira, baseada na tradução inglesa, propõe que Trieb pode ser traduzido como
instinto (drive). Essa alternativa está presente nas versões da Imago e atualmente
na Companhia das letras.
b) Também notamos uma tradução influenciada pela psicanálise francesa,
especialmente Lacan, que propõe que Trieb nunca poderia ser traduzida
simplesmente por instinto. Lacan dedicou anos apontando que a ideia de instinto
representa um desvio biologizante da proposta freudiana. Nesse campo,o termo
Trieb seria melhor traduzido por Pulsão. É essa a versão que notamos no trabalho
do tradutor Luis Hans.
c) Freud em espanhol e o instinto-pulsional.

A melhor alternativa para entendermos o que é trieb seria acompanhar como esse vocábulo
é utilizado em alemão:
1- Força interna que impele ininterruptamente para a ação, ímpeto perene. Sentia um
ímpeto de viver, de viajar , de conhecer novas terras e pessoas.
2- Tendência, inclinação. Ele segue cegamente suas inclinações, sem respeitar nada e
ninguém.
3- Instinto, força inata de origem biológica dirigida a certas finalidades. O filhote tem um
instinto de mamar.
4-Ânsia, impulso no sentido de algo que toma o sujeito, vontade intensa (também utilizado
como verbo) O assassino sentia um impulso de matar.
5- Broto, rebento (vegetais). Um novo broto apareceu essa semana.

Os dicionários em alemão apresentam que Trieb é um termo com amplas aplicações,


presente na linguagem corrente, assim como na técnica. Existe uma grande lista de
exemplos, que podemos destacar algumas ocorrências.

a) indica a ação de tocar, tanger o gado


b) Propulsor externo, estímulo, compulsão. Instinctus divinus. Algo que estimula,
impele.
c) Processo mecânico de empurrar, propulsão (da água). Tiro
d) Brotar, nascer.
e) Forte influência, tortura (raramente utilizado)
f) Força interna, bem próximo do uso de drang (pressão, vontade), Lust (prazer,
vontade), Energie (energia). Aquilo que impele as pessoas.
g) Instinto e moções.
h) Na literatura aparece conjuntamente com ideias relacionadas ao amor e
sexualidade.
Fonte: A teoria pulsional na clínica de Freud. p.33. Luis Hans


Três ensaios sobre a teoria da sexualidade

As aberrações sexuais.

O senso comum, desde a época de Freud, apresenta uma visão bem definida do que é
pulsão sexual e sexualidade de um modo geral: “Ela estaria ausente na infância far-se-ia
sentir na época e em conexão com o processo de maturação da puberdade, seria
exteriorizada nas manifestações de atração irresistível que um sexo exerce sobre o outro, e
seu objetivo seria a união sexual, ao pelo menos os atos que levassem nessa direção”

É diante dessa noção que Freud passa a executar um exame crítico do que seria a
sexualidade, examinando variações no objeto sexual (foco do desejo do sujeito) e no alvo
sexual (ação para qual a pulsão impele)

Desvio com respeito aos objetos sexuais


Freud examina um exemplo muito comum que contrapõe a noção do senso comum sobre o
que é sexualidade, passando a analisar o caso dos homossexuais, que segundo a
nomeclatura dos séculos XVIII e XIX eram denominados de invertidos.

Ao pensar no comportamento dos invertidos, Freud localiza que eles possuem uma ampla
variação, podendo ser invertidos absolutos, anfígenos (hemafroditas sexuais) ou ocasionais,
bem como vivenciarem a inversão como egossintônica ou egodistônica, além de aparecer
em diversos momentos da vida. O essencial é pensar que a vivência sexual é sempre
singular.

Existem duas hipóteses básicas que o senso comum, e a sexologia do século XVIII,
buscavam para explicar a inversão: degeneração e caráter inato.

Freud apresenta claramente que a hipótese da inversão ser decorrente da degeneração não
procede. Uma vez que:a) pessoas invertidas não apresentam necessariamente nenhum
outro desvio grave da norma; b) os invertidos podem se destacar por um elevado grau
intelectual; c) Sociedades altamente desenvolvidas, como os gregos, a inversão era algo
normal.

Freud também não acredita que o caráter inato explicaria completamente a inversão, uma
vez que em vários casos se observa a influência de determinadas experiências que
apontaram para uma possível condição que é adquirida ao longo da vida. Efetivamente, o
autor apresenta que a dicotomia se é inato ou adquirido é “incompleta, ou então não abarca
todas as situações presentes na inversão.

Na tentativa de explicar a inversão, Freud já aponta a impossibilidade de remontar as


causas para determinantes biológicos. Uma condição bissexual orgânica não evidenciaria o
motivo pelo qual ocorreria uma relação homossexual. Todavia, se a ideia de determinantes
orgânicos não se sustentou, Freud não abandonou a ideia de que a bissexualidade é um
determinante importante na organização sexual das pessoas.

Também não notamos, no caso dos invertidos, que exista apenas um tipo de escolha do
objeto sexual. TAmbém nesse campo se nota uma extrema variabilidade. Na
homossexualidade masculina, por exemplo, alguns objetos são escolhidos por exibirem
exatamente a marca de virilidade, ao passo que outros objetos são escolhidos pelo motivo
contrário, isto é, não apresentarem características masculinas.

No que diz respeito ao alvo sexual dos invertidos, meios para se buscar a satisfação,
também não notamos um caminho único. Diversas práticas são possíveis.

O exame que Freud empreendeu para explicar a origem da inversão não produziu
respostas confiáveis, no entanto o resultado obtido foi incrivelmente mais importante:
“Chamou-nos a atenção que imaginávamos como demasiadamente íntima a ligação entre a
pulsão sexual e o objeto sexual. A experiência obtida nos casos considerados anormais nos
ensina que, neles, há entre a pulsão sexual e o objeto sexual apenas uma solda, que
corríamos o risco de não ver em consequência da uniformidade do quadro normal, em que
a pulsão parece trazer consigo objeto. Assim, somos instruídos a afrouxar o vínculo que
existe em nosso pensamento entre pulsão e objeto. É bem provável que, de início, a pulsão
sexual seja independente de seu objeto, e tampouco deve ela sua origem aos encantos
deste.

B - Animais e pessoas sexualmente imaturas como objetos sexuais

A hipótese de uma EXTREMA variabilidade perante o objeto sexual adquire mais clareza
quando observamos casos claramente desviantes da norma, como a pedofilia e a zoofilia.
Essas atividades ajudaram a esclarecer que “ a pulsão sexual admite tão ampla variação e
tamanho rebaixamento do seu objeto, coisa que a fome, muito mais energicamente
agarrada ao seu objeto, só permitiria em casos mais extremos” (p.140)

Desvio com respeito ao Alvo sexual

A sexologia e a medicina da época de Freud considerava alvo sexual normal “ a união dos
genitais no ato designado como coito, que leva à descarga da tensão sexual e à extinção
temporária da pulsão sexual (uma satisfação análoga da fome)” (p.141)

Porém, “ mesmo no processo sexual mais normal reconhecem-se os rudimentos daquilo


que, se desenvolvido, levaria às aberrações descritas como perversões” (p.141). Tais
perversões ou são transgressões anatômicas ou demoras nas relações intermediárias.

Um primeiro ponto que permite entendermos a multiplicidade da sexualidade humana é que


praticamente nunca o interesse é direcionado apenas para os órgãos sexuais, na verdade a
pessoa como um todo é que é foco do interesse.

Existem outros pontos que mostram o desvio em relação a anatomia: boca, orifício anal,
outras partes do corpo…

Mas um caso especialmente interessante nessa área é o caso do fetiche, que em alguns
casos chega ao patamar de uma psicopatologia, principalmente quando absorve a
totalidade da vivência sexual de uma pessoa.

B Fixações de alvos sexuais provisórios.

Tocar e olhar são mecanismos universais para a obtenção do encontro sexual, mas nem por
isso deixam de ser interessantes, afinal eles representam como a atividade sexual precisa
de outros elementos diferentes do mero encontro genital.

Por essa universalidade o tocar e o olhar geralmente não são interpretados como uma
perversão, salvo quando: a) o olhar se restringe exclusivamente a genitália; b) quando se
liga a superação do asco (ver as funções excretórias); c) quando adquire o caráter de
exclusividade do ato sexual.

Outro exemplo notável é o par sadismo e masoquismo. Uma certa dose de dominação e
agressividade comumente acompanham a pulsão sexual, inclusive para algumas pessoas
esse tipo de fator parece ser indispensável.
Todavia, quando adquirem uma condição de exclusividade na vida erótica estaríamos diante
das perversões. O sadismo (Marques de Sade) é a vivência ativa, ao passo que o
masoquismo (Masoch) seria a vivência passiva. O trânsito entre passividade e atividade é
comumente observado nas perversões.

Considerações gerais sobre as perversões

Ações perversas, ao menos nas suas manifestações menos graves, não podem ser
consideradas como claramente patológicas, na verdade versões atenuadas de perversões
sempre existem na vida sexual normal.

Existe uma dificuldade imensa de traçar uma linha que separe o que é normal e patológico
no domínio sexual. O critério moral não é um bom índice. Freud propõe que estaríamos no
domínio do patológico quando existe a EXCLUSIVIDADE E FIXAÇÃO.

Após o estudo das perversões, Freud conseguiu chegar em algumas conclusões sobre a
pulsão sexual: a) A pulsão sexual é um integrante do conflito psíquico e é contraposta pela
vergonha, asco e moral.b) as pulsões são compostas, apresentam uma multiplicidade
genética (oral, escópica, anal etc), bem como uma multiplicidade de manifestações
(atividade, passividade)

Neurose e perversão

Na página 157, no item neurose e perversão, Freud apresenta uma das teses mais
importantes e inovadoras da psicanálise: “Boa parte da oposição contra estas minhas teses
se esclarece pelo fato de que a sexualidade, da qual derivo os sintomas psiconeuróticos, é
considerada coincidente com a pulsão sexual normal. Só que a psicanálise ensina ainda
mais. Ela mostra que de algum modo os sintomas surgem apenas à custa da chamada
pulsão sexual normal ( pelo menos de maneira exclusiva ou predominante), mas que
representam a expressão convertida de pulsões que seriam designadas de perversas ( no
sentido mais lato) se pudessemos expressar-se diretamente, sem desvio pela consciência,
em propósito da fantasia e em ações. Portanto, os sintomas se formam, em parte, às
expensas da sexualidade anormal; a neurose é, por assim dizer, o negativo da perversão”

Freud, no estudo das inversões, chegou a conclusão que em algum grau ela sempre está
presente, o que é coerente com sua tese sobre a bissexualdiade constitucional.

Pulsões parciais e zonas erógenas

Pulsão: representante psíquico de uma fonte somática.


Pulsão: conceito limite entre o anímico e o físico.

II
A sexualidade infantil

Descaso para com o infantil

O senso comum tende a pensar que a pulsão sexual está ausente na infância e que só
desperta no período da puberdade. Essa visão é ainda fortalecida pelo fato da literatura
especializada na área se preocupar muito mais com a vida pré-histórica dos antepassados,
do que com a forma de organização infantil.

Algumas citações sobre a sexualidade infantil até existem, mas elas consideram esse
fenômeno como excepcional ou exemplo de uma depravação precoce.

Amnésia infantil

Um primeiro ponto a ser considerado é que quase todas as pessoas apresentam uma
amnésia infantil. Apesar da primeira infância ser tomada por intensas impressões, existe
uma dificuldade em acessar várias recordações.

Todavia, o fato de notarmos a amnésia infantil não significa que ela não provoca impactos
no psiquismo. As pessoas acabam se esquecendo dos primeiros anos, mas é justamente o
conjunto de vivências e impressões dessa época que provocam os mais profundos rastros
na vida anímica.

A amnésia ocorre por conta do recalcamento.

Esse recalcamento ocorre pelo caráter conflituoso da sexualidade infantil.

1- Período de latÊncia sexual da infância e suas rupturas


Apesar da sexualidade infantil está presente desde o início da vida, observa-se que ela não
se desenvolve de maneira linear. Na segunda infancia existe uma limitação progressiva da
expressão sexual, que só volta com a chegada da puberdade.

As inibições sexuais

Para que ocorra essa interrupção é necessário que entre em ação alguns diques: asco,
sentimento de vergonha, exigência dos ideias estéticos e morais.

Formação reativa e sublimação


Esses diques, que se contrapõem aos fatores sexuais, não conseguem, contudo, promover
a destruição da pulsão sexual. Essa pulsão tem sua energia desviada para outros fins,
podendo dar início ao processo de sublimação.

Rupturas do período de latência

Apesar da ação dos diques, algumas expressões sexuais ainda podem ser percebidas na
infancia. Os educadores comumente notam a presença dessas pequenas irrupções sexuais

As manifestações da sexualidade infantil

O chuchar

Uma atividade que pode ser universalmente observada é a atividade de chuchar das
crianças. O chuchar não necessariamente tem relação com qualquer atividade de nutrição e
acaba sendo uma ação que provoca prazer em si mesma, por isso é constantemente
repetida.

Essa possibilidade do corpo de promover prazer é o que compõe a sexualidade infantil, mas
devemos destacar que não se deve confundir “sexual” com “genital”

autoerotismo

O chuchar permite compreender que na infância a pulsão não está dirigida para outra
pessoa, mas se satisfaz no próprio corpo. É auto-erótica, conforme a nomeclatura de
Havelock Ellis.

O chuchar tem o seu início em uma atividade vital para a criança: mamar. É nesse ponto
que a mucosa bucal produz prazer e se afirma como uma zona erógena. “A atividade sexual
apóia-se primeiramente numa das funções que serve à preservação da vida e somente
depois se torna independente dela.

O chuchar revela três características da sexualidade infantil


1- A sexualidade nasce apoiando-se numa das funções somáticas vitais.
2- Ainda não conhece nenhum objeto sexual, sendo, portanto, autoerótica.
3-O alvo sexual está no domínio de uma zona erógena.

O alvo sexual da sexualidade infantil

A zona erógena da criança pode ser qualquer parte do corpo. Embora se note uma maior
recorrência de certas partes (boca, anus) é necessário termos em mente que o corpo, em
sua totalidade, pode ser fonte da sexualidade infantil.

O alvo sexual da pulsão infantil consiste em provocar a satisfação mediante a estimulação


apropriada da zona erógena que de algum modo foi escolhida.

Além da boca outras áreas podem servir para o autoerotismo. Uma especial é a zona anal,
que comumente é utilizada para obter prazer pelas crianças por via da defecação.

O prazer decorrente da defecação é um primeiro interdito que a criança vivencia,


demonstrando o quanto a civilização é um fator limitante para as demandas pulsionais. É
uma das primeiras negociações que a criança é levada a fazer.

Posteriormente, nota-se a zona genital que inicialmente não desempenha um papel central
na sexualidade infantil e nem é a zona mais antiga. Antes da puberdade nota-se uma fase
que é denominada fálica e só depois da puberdade é que se nota uma fase genital.

O exame da sexualidade infantil revela que existe uma disposição perversa polimorfa.
Perversa por vivenciar o prazer que nada tem a ver com o coito e polimorfa por poder
utilizar virtualmente todo o corpo.

Investigação sexual infantil


Ao lado da pulsão sexual nota-se o desenvolvimento de uma outra pulsão associada, a
pulsão de saber. A busca da criança por conhecimento vai apresentar cruzamentos com a
própria sexualidade.

O primeiro foco de investigação das crianças é de onde vem os bebês. Esse tipo de
questionamento é central por apresentar no horizonte uma ameaça trazida pela chegada
conhecida ou suspeitada de um novo bebÊ ( que eventualmente poderia substituí-la)

Dentre essas teorias infantis Freud localizou que uma é a presença de uma teoria geral da
inexistência de diferenças sexuais. A compreensão da diferença anatômica é um processo
que é laboriosamente construído.

Também se nota uma intensa indagação sobre o que é efetivamente o encontro sexual. As
teorias infantis não raramente interpretam a relação como um evento violento e sádico.

6 As fases de desenvolvimento da organização sexual

Classicamente as fases são: oral, anal, fálica (latência) e genital.


Cuidado com uma tipologia simplista.
O mais importante dessa teorização é permitir compreender que o desenvolvimento do Eu é
concomitante com uma melhor clareza da alteridade.

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