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Edinaldo dos Santos Araújo

A DIVISÃO (OU PARTILHA OU DIFERENÇA) SEXUAL A PARTIR DO


POSICIONAMENTO DO SUJEITO NO DISCURSO (OU NA LINGUAGEM)

A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO NA LINGUAGEM E SUAS INCIDÊNCIAS


NA ASSUNÇÃO DE UMA POSIÇÃO SEXUADA NO DISCURSO

Anteprojeto de tese submetido ao Programa de


Pós-Graduação em Linguística do Instituto de Estudos
da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP), como requisito necessário para o ingresso no
curso de Doutorado.

Área de pesquisa: Funcionamento do discurso e do texto

Subárea de pesquisa: Análise do discurso

Linha de pesquisa: Linguagem e psicanálise

Campinas, SP

2017

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RESUMO

ARAÚJO, Edinaldo dos Santos. A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO NA


LINGUAGEM E SUAS INCIDÊNCIAS NA ASSUNÇÃO DE UMA POSIÇÃO
SEXUADA NO DISCURSO. Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP,
Programa de Pós-Graduação em Linguística, Instituto de Estudos da Linguagem.
Campinas (SP), 2017.

O presente trabalho parte da concepção de sexualidade proposta por Sigmund Freud


para sustentar que a diferença entre os sexos não implica em uma simetria ou
completude entre eles. Para tanto, irá recorrer aos desenvolvimentos de Jacques Lacan a
fim de demonstrar como o conceito de falo é o referente, tanto da inscrição do sujeito
em uma posição sexuada, quanto do seu posicionamento diante do encontro com o outro
sexo. Ao tomar como parâmetro a lógica fálica, problematizará a vinculação entre o falo
e o atributo, evidenciando que, na sua vinculação com os quantificadores, o falo opera
como função. É por essa referência que o sujeito se inscreve em uma das duas posições
sexuadas, quando não se tratar de uma psicose. Para o homem, a função fálica é o
referente da sua inscrição na sexuação e se articula na relação entre o todo e a exceção;
para a mulher, a função fálica não permite sua inscrição como um todo – isto é: a lógica
que rege a posição feminina é não-toda referida à função fálica. Nessa perspectiva, é a
partir da lógica que rege cada posição sexuada que o sujeito tem de se fazer valer no
encontro com o outro sexo. Desse modo, este trabalho objetiva circunscrever e
caracterizar o conceito de sexualidade para a psicanálise e indicar que diante da
impossibilidade imposta pelo sexual, o encontro entre os sexos se dá pela via do
semblante. Sendo assim, parte da hipótese de que, ao revelar essa impossibilidade, a
psicanálise demonstra que a assunção de uma posição sexuada não é da ordem de uma
natureza, nem tanto uma questão de opção: é um fato de linguagem, de estrutura.

Palavras-chave: Linguagem, psicanálise, falo, sexuação, complexo de Édipo,


complexo de castração, gozo.

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TEMA

Esperamos que esta tese nos dê a oportunidade de discutir a importância da


subversão promovida por Sigmund Freud com sua descoberta do inconsciente, sempre
retomada com muito cuidado por Jacques Lacan, e as consequências disto no que
concerne à sexualidade, à pulsão e ao amor.

A sexualidade humana sempre se apresentou e se manifesta de maneira


deveras diferente da sexualidade dos animais. Para estes, a sexualidade se baseia na
presença de um instinto que determina todo o comportamento sexual da espécie, do
macho à fêmea. E determina um cio, período fértil da fêmea, onde ela, invariavelmente,
encontrará um macho para procriar. Esse encontro ocorre como o previsto, obedecendo
às leis e regras demarcadas pelo instinto da espécie. Assim, no mundo animal, tudo
ocorre como predetermina a espécie e funciona sempre com a pretensão de garantir a
sobrevivência e a manutenção da mesma. Para a Biologia, o sexo é um conceito
operacional, uma especificação de uma função: a reprodução.

Para o humano, a questão da sexualidade se apresenta de modo diferente –


principalmente pela entrada em um universo simbólico, a qual é permitida pela fala.
Nesse sentido, a linguagem opera desvio na ordem puramente instintual e biológica,
dando espaço à emergência do sujeito. Porém, se é garantido pelo instinto animal o
encontro entre macho e fêmea, não há nada que garanta o encontro entre homens e
mulheres ou entre dois homens ou entre duas mulheres.

Antes de cogitar essas impossibilidades, deve-se pensar no homem e na


mulher enquanto “macho” e “fêmea”, respectivamente. A assunção do sexo é uma
questão que vem antes da escolha homossexual ou heterossexual – ou seja: antes da
escolha do objeto. Cabe indagar, então, o que determina a posição macho ou fêmea na
espécie humana. Porque, afinal, possuir pênis ou vagina, por si só, parece não garantir
muito quando se trata de seres humanos. Em verdade, o que faz uma pessoa se colocar
no mundo como um sujeito mulher ou como um sujeito homem vai muito além de uma
constituição biológica ou anatômica: é algo que se constrói durante o desenvolvimento
libidinal e não depende somente do órgão sexual em si ou da presença de dois
cromossomos x ou de um cromossomo x e um y.

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Para Freud, os sujeitos são, de saída, bissexuais. Com tal postulado, o pai
da psicanálise nos ensina que até há homens e mulheres relativamente bem demarcados
no sentido do estado civil, mas que eles não são feitos um para o outro como reza o
discurso religioso, científico e social. Porque a pulsão e o desejo, que estão na base de
todo ser falante, independem de qualquer orientação sexual.

Quanto ao conceito de pulsão, com seu objeto faltoso e sua força constante
pedindo repetitivamente esse mesmo objeto que não surge jamais, não se pode educá-la
e tampouco acomodá-la aos ideais da sociedade, a uma educação sexual.

Lacan nos diz, em seu O seminário, livro 19: ...ou pior (1971-72), que o
princípio do funcionamento de gênero feminino e masculino é a linguagem, pois “a
linguagem é tal que todo ser falante é ou ele ou ela. Isso existe em todas as línguas do
mundo”. Mas, para o psicanalista francês, a identidade sexual – quer dizer: ser homem
ou ser mulher – é resultado de um processo que ele qualificou de sexuação. Há aí uma
ação para poder indicar que se trata de um processo de linguagem, não um simples fato
de natureza. E isso distribui os sujeitos em duas categorias: aqueles que estão totalmente
na função fálica e aqueles que não estão totalmente inscritos nela. De modo geral, os
primeiros serão chamados homens, qualquer que seja a sua anatomia; os segundos, que
não estão totalmente inscritos na função fálica, serão chamados mulheres.

Para a psicanálise, o sujeito se constitui como homem ou mulher não


apenas segundo seu sexo biológico. Com efeito, o termo “sexuação” é um neologismo
de Lacan para se referir à maneira como cada sujeito assume seu sexo, justamente
visando separar este processo de assunção do sexo do fato biológico e anatômico. A
sexuação é fruto do que envolve a simbolização do Nome-do-Pai e as identificações,
segundo Lacan. Para Freud, mesmo que a anatomia seja destino, ser homem ou ser
mulher se define somente após a passagem pelo complexo de Édipo, com a formação do
ideal do eu.

Ao longo de quase todo seu ensino, Lacan utiliza o termo “assunção”,


quando se trata da diferença sexual. Em O seminário, livro 5: as formações do
inconsciente (1957-1958), o psicanalista francês assevera:

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A questão da genitalização é dupla, portanto.
Há, por um lado, um salto que comporta
uma evolução, uma maturação. Por outro, há
no Édipo a assunção do próprio sexo pelo
sujeito, isto é, para darmos os nomes às
coisas, aquilo que faz com que o homem
assuma o tipo viril e com que a mulher
assuma um certo tipo feminino, se reconheça
como mulher, identifique-se com suas
funções de mulher (LACAN, 1957-1958,
p.171).

Se o que movia Freud eram a neurose e a sexualidade, o que moveu Lacan,


segundo suas próprias palavras, foram o amor e a psicose. Ele mesmo diz que o que o
levou para a medicina foi a relação entre um homem e uma mulher: o amor – amor este
que, ainda que falhe, é vivido de forma erotômana na psicose:

“É certo que eu vim para a medicina porque


eu tinha a suspeita de que as relações entre
homem e mulher tinham um papel
determinante nos sintomas dos seres
humanos. Isto progressivamente me
empurrou em direção àqueles que não se
realizam aí, já que se pode, certamente, dizer
que a psicose é uma espécie de falência no
que se concerne à realização do que é
chamado ‘amor’” (Ibid.)

O amor sempre achará, com certeza, quem o cante e quem o analise, não só
nas histórias dos costumes ou nos mitos; mas, a partir da contribuição desta tese, nas
descobertas que a psicanálise soube muito bem depositar. Para introduzir, trazemos aqui
o que está no magistral texto de 1914, Sobre o narcisismo: uma introdução, no qual
Freud afirma: “É preciso amar para não adoecer”.

O amor perpassará esta pesquisa, bem como a erotomania perpassa a


psicose e a neurose, quando se trata da sexuação. Aliás, amor e loucura, de modo geral,
são indissociáveis: tanto no amor quanto no delírio, por exemplo, tudo faz signo. Como

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bem diz Roland Barthes: “Do ponto de vista do amoroso, o fato se torna conseqüente
porque se transforma imediatamente em signo [...]” (BARTHES, 2001, p.86). Assim
também ocorre no delírio, onde tudo significa: o olhar do outro; uma janela que bate;
um barulho na rua, etc. Quando o amor e o delírio se unem, como é o caso da
erotomania, a loucura pode engendrar as mais bizarras ideias e atos.

OBJETIVOS

Esta tese tem o objetivo principal de verificar algumas questões relativas à


sexualidade, no que tange ao processo de sexuação, e a constituição do sujeito na
linguagem. A realidade do sexo vai além da materialidade anatômica, sendo necessário
um processo de construção subjetiva, no qual apenas no final assume-se uma posição
masculina ou feminina, a depender da estrutura.

Sendo assim, por que motivo não basta a anatomia e o nome próprio para
que o sujeito siga seu destino como homem ou mulher? Qual a lógica implicada aí?

Em relação ao posicionamento na partilha sexual, trazemos indagações


pertinentes à bipartição sexual, a fim de analisarmos o que é “ser um homem” e o que
é “ser uma mulher”. É apenas um posicionamento subjetivo completamente desligado
da anatomia? Ou será que não se trata de uma questão de linguagem?

Para pensarmos a sexuação na neurose, temos um operador lógico que é a


função fálica. Ela é fruto de duas operações complexas denominadas por Freud de
complexo de Édipo e complexo de castração.

Ainda que ela não organize toda a pulsão, como é no caso das mulheres,
como pensar a função fálica? Vai-se além: como pensar a função fálica onde ela não se
constitui – a não ser por suplência –, como na estrutura CLÍNICA da psicose?

Na psicose, existe uma problemática no que tange à diferença entre os


homens e as mulheres, uma vez que a foraclusão do Nome-do-Pai e a consequente não
inscrição simbólica da função fálica, arrasta estes sujeitos, na maioria dos casos, para o
narcisismo – isto quando o auto-erotismo não prevalece em casos de esquizofrenia.
Contudo, visamos avaliar se não há um diferencial entre a falência fálica na mulher
psicótica e no homem psicótico e quais seriam as consequências disso.

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Nas fórmulas da sexuação, do lado da mulher, Lacan demonstra que ela
está não-toda inscrita na regulação fálica, visto que sua castração é logicamente
impossível: como ser ameaçada de castração se ela não tem pênis? É deste lado também
que Lacan sugere que estejam os místicos. Mas não os loucos: o psicótico, nas fórmulas
da sexuação, não estaria nem do lado masculino, que é aquele em que todos são sujeitos
barrados por estarem sujeitos à função fálica, e nem do lado feminino, visto que o
psicótico também não está não todo fora da função fálica (ele está literalmente fora da
função fálica).

A mulher neurótica se estrutura falicamente. Embora ela seja não-toda


circunscrita pela norma fálica, como nos mostra Lacan, ela está regida estruturalmente
pelo falo. Freud já demonstra que o destino de uma mulher depende, precisamente, de
como ela vivencia seu complexo de castração. O Édipo feminino é consequência do
encontro da mulher com a diferença sexual – ou seja: primeiramente, com a castração
de sua mãe; e, em seguida, com sua própria castração. Nesse contexto, seu destino
dependerá, para o melhor e para o pior, da inveja do pênis (Penisneid) que se
estabelecerá em cada mulher, a partir de seu encontro com a castração ou com a
diferença sexual. No melhor dos casos, a mulher vai procurar um homem e pedir a ele
um filho. E, na pior das soluções, ou ela irá se aferrar à inveja do pênis desenvolvendo
um complexo de masculinidade e recusando a diferença sexual, ou ela desenvolverá
uma neurose – geralmente, uma histeria –, que não deixa de ser também uma resistência
ao feminino.

Quanto ao psicótico, seria necessário criar um novo gênero? É claro que


não. Mas, então, como é que ele se dirá homem ou mulher sem a função fálica para
balizar o todo ou o não todo?

Essa é a pergunta que aproximou este trabalho de pesquisa da tese de


doutorado de Lacan, intitulada Da psicose paranoica e suas relações com a
personalidade, publicada no ano de 1932. Não é possível tentar elaborar este trabalho
nosso sem percorrer o conceito de erotomania e o Caso Aimée, a paciente de Lacan que
esteve cerca de um ano sob os cuidados dele, no Hospital Sainte-Ainne, tendo sido
apelidada deste modo pelo psicanalista francês porque, em sua erotomania, ela tinha a
certeza irrefutável de que ela era amada pelas mulheres, pelo príncipe de Gales e até
apelos jornalistas que, supostamente, faziam alusões contra ela nos tabloides

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parisienses. Como conta Lacan, Aimée chegou até a enviar seus poemas ao príncipe de
Gales, acreditando que ele, por amá-la, a ajudaria a transformá-los em romance e
publicá-los. No entanto, Sua Alteza o recusou e mandou devolver-lhe, pois o protocolo
da realeza britânica o impedia de aceitar presentes de pessoas desconhecidas. Esse amor
platônico durou cinco anos.

O conceito de erotomania parece o que pode ser colocado como uma


alternativa, uma suplência, à falta da função fálica na psicose, tanto para o homem
quanto para a mulher, no que diz respeito à sexuação. A erotomania é, nesse sentido,
uma prótese para o homem e para a mulher psicóticos, que vem dar uma sustentação às
identificações masculinas e femininas no amor, sempre privilegiando o modo narcísico.

A erotomania indica o ponto em que a função fálica falha naquilo que é sua
atribuição: regulação simbólica - das palavras e do pensamento; imaginária – da
realidade psíquica e fantasmática; real - da regulação do gozo do corpo. No homem,
quando esta função claudica, isso fica ainda mais evidente, visto que nele o quadro
erotômano revela muitas vezes o que Lacan nomeia, em O aturdito (1973), de
“empuxo-à-mulher”, que nada mais é do que o ponto, o signo dessa falha fálica. Ou,
melhor dizendo, ali onde não opera a função fálica, produzindo uma falha na
identificação masculina e a consequente identificação imaginária à Mulher. Mas indica
também onde é que o sujeito está tentando consertar essa falha identificatória – conserto
este que, sem a função fálica, não se dará no mesmo lugar em que está o defeito
(LACAN, 1975-1976).

Aliás, por que essa correção é em um lugar diferente? Por acaso, isso teria
alguma relação com a afirmação de Lacan, em O seminário, livro 3: as psicoses (1955-
1956), de que há “chumbo na malha, na rede do discurso do sujeito”?

Se houve forclusão do Nome-do-Pai, há uma não operatividade da função


fálica. E, dependendo do grau de simbolização do desejo da mãe, na neurose, teremos
mulheres mais ou menos passíveis a uma erotomania, por exemplo. Dizendo de outro
modo, mulheres mais ou menos devastadas na relação primitiva com a mãe.

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No homem neurótico é mais difícil encontrarmos casos de erotomania,
visto que o parceiro de um homem é o objeto de sua fantasia, o objeto a, o que implica o
gozo todo circunscrito pelo falo.

Para abordar a questão da sexuação na psicose, pretendemos acompanhar


os passos de Lacan, em O seminário, livro 3: as psicose (1955-1956), em direção ao
Caso Shreber(1911) e ao Homem dos lobos(1917), que nos levam, antes de tudo, à
formulação do conceito de foraclusão do Nome-do-Pai e dos efeitos da foraclusão na
relação tanto com o sexo quanto com a linguagem.

Em suma: trabalharemos tais questões nos capítulos que constituirão esta


tese. No capítulo I, faremos um apanhado do trabalho freudiano sobre as psicoses,
destacando a ênfase dada por Freud ao narcisismo nesta estrutura. Da formulação do
narcisismo, pretendemos apreender também a relação deste com a diferença sexual e a
erotomania. No capítulo II, tentaremos abordar o que Lacan reformula das teses de
Freud sobre a paranoia e o que ele apresenta de novo no tocante à sexuação e à
erotomania. Pretendemos trabalha ainda as consequências clínicas da foraclusão do
Nome-do-Pai – sobretudo sua incidência na assunção do sexo e na relação amorosa. Por
fim, buscaremos fazer uma distinção entre erotomania normal, erotomania na neurose e
erotomania na psicose, visando mostrar como esta noção pode orientar a clínica
psicanalítica. Acreditamos que a histeria e a psicose podem nos ensinar sobre o amor e o
gozo para além do falo ou fora dele.

QUADRO TEÓRICO

Freud nos legou que, muito embora a “anatomia seja o destino”, ela não é,
no entanto, o único fator para a determinação do sexo de um sujeito. Ele nos deu as
referência teóricas para articularmos o processo de desenvolvimento da sexualidade nas
crianças até à fase adulta, revelando que a anatomia não é suficiente para que um
menino se torne homem, por exemplo. E não há, segundo ele, correspondência para o
masculino ou feminino no psiquismo. Nem sempre um homem nascido e nomeado do
sexo masculino identifica-se com seu nome e com seu sexo. O mesmo acontece com

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algumas mulheres. Nesse sentido, existem os homossexuais, os travestis, os transexuais.
E também os sujeitos que não se decidem quanto a serem homem ou mulher, como em
alguns casos de neurose obsessiva, assim como há na histeria um não saber quanto a ser
homem ou mulher. Como diz Freud, a histérica ora age como homem, quando com uma
das mãos descobre o seio, e ora age como mulher, quando com a outra mão ela tenta
tapar seu corpo, movida pelo pudor feminino.

Ora, isso ocorre porque, na sexuação humana, é preciso um passo além da


anatomia e da biologia, mesmo que a diferença anatômica seja um real no corpo com o
qual o sujeito sempre terá que se haver de uma forma ou de outra.

Algo que corrobora os estudos freudianos que apontavam para evidenciar a


não existência de um determinismo biológico é o fenômeno transexual, no qual a
anatomia não é o suficiente para que o sujeito se reconheça como homem ou como
mulher, subjetivamente. Porque seu corpo inscreve apenas a diferença sexual quanto
ao anatômico, uma vez que o sujeito transexual reconhece que sua anatomia é, por
exemplo, feminina, que seu corpo é de mulher, mas sua identidade de gênero é
masculina.

Enquanto os neuróticos ficam siderados pela dúvida “sou um homem ou


sou uma mulher?”, por conta de sua reivindicação fálica, o transexual masculino não se
coloca esta dúvida jamais – nem ao menos chega a formular “O que é uma mulher?”, já
que é exatamente o que ele quer ser, como assinala Joel Dor (1991). Prisioneiros do real
de sua anatomia sexual, excluem-se dessa vacilação imaginária. Como diz Lacan, o
transexual comete o “erro comum”, confundindo o significante com o órgão.

Lacan, em O seminário, livro 19: ...ou pior (1971-1972), afirma que há


uma pequena diferença inata entre o menino e a menina. Mas há outra diferença, ou
melhor, uma diferenciação, que esta de natural não tem nada. A distinção entre
meninos e meninas não é feita por eles e sim pelo Outro da linguagem. “Nós os
distinguimos, não são eles que se distinguem” (LACAN, 1971-1972, pág. 16). Assim,
Lacan introduz o Outro, como tesouro dos significantes, que irá nomear o que são
“coisas de menino” e “coisas de menina”. É a linguagem que aponta qual o tipo
característico de homem ou de mulher que aquele sujeito será, baseado nessa
“pequena diferença” (LACAN, 1971-1972, pág. 13), uma vez que não se nasce

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psiquicamente homem ou mulher.

Tomando O caso Dora, escrito por Freud em 1901 mas publicado apenas
em 1905, Lacan, em Diretrizes para um congresso sobre sexualidade feminina (1958),
escreve que ela, ao se interrogar o que é uma mulher, tenta simbolizar o órgão feminino
como tal. A escolha do nome Dora, que vem do grego (doron) e significa “presente”,
“dádiva”, não é casual. Dora revela a Freud o caráter homossexual do desejo
insatisfeito. Essa homossexualidade é resultado de uma identificação com o homem, via
pela qual a histérica se interroga sobre a feminilidade. Justamente por isso, em sua obra,
Lacan se refere à histérica como “mascarada”. A identificação de Dora com o homem, o
Sr. K., portador do pênis, é a maneira encontrada com ela para se aproximar dessa
definição que lhe escapa. O pênis se mostra, desse modo, como um instrumento
imaginário para apreender o que Dora não consegue simbolizar.

Não estamos perante a religião do falo, apenas de uma disciplina que


registra a sua emergência na cultura e reconhece a sua função na clínica. Quanto ao
pênis, é pela sua propriedade fisiológica distintiva, a sua erectilidade, que teve o
privilégio histórico de vir a representar o falo. Mas não como se acredita desde a
Antiguidade, como uma gloriosa e eterna ereção, senão pela alternância entre
tumescência e detumescência. O jogo de esconde-esconde desse órgão transformista o
tornou apto para figurar imaginariamente a propriedade essencial das palavras da língua
que diremos tratar-se do puro jogo diferencial da presença e da ausência, no qual cada
palavra se define como sendo aquilo que as outras não são (dizer “preto” equivale a não
dizer “branco” e vice-versa). Não é o falo que depende do órgão masculino, como
pensou um certo feminismo: pelo contrário, é o órgão masculino que depende do falo,
como demonstra a mínima clínica da impotência masculina.

A descoberta do falo, contudo, não forneceu nenhum direito natural ao


eleitor masculino; mas, ao invés, revelou o falo como um simulacro, uma montagem
simbólica cuja referência real estaria no orgasmo e no seu resto tangível jamais
teorizado pela psicanálise, o esperma ejaculado. E a norma sexual, que coordena a
dança dos casais (falo incluso), não passa de um artifício, já que o desejo que os move –
este é o grande ensinamento de Freud – carece de objeto natural. O gozo visado, do que
esse desejo é o vetor, se confunde com a busca da felicidade e do bem-estar.

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As contribuições da psicanálise – na direção proposta por Freud e Lacan –
permitem situar o transexualismo em relação às estruturas clínicas, diferenciando-o do
homossexualismo e do travestismo. Em De uma questão preliminar a todo tratamento
possível da psicose, de 1958, Lacan, ao comentar o Caso Schreber, aponta o delírio de
se transformar em mulher como sendo mais da ordem de uma prática transexualista, do
que de uma fantasia homossexual, como quer Freud. Na verdade, é do significante que o
transexual procura livrar-se ao querer se desfazer de seu órgão. Com isso, ele se coloca
fora da norma fálica, deixando de participar da sexuação. Na psicose, a forclusão do
Nome-do-Pai exclui o significante fálico que permite ao sujeito situar-se na partilha dos
sexos como homem ou como mulher. Na ausência do Nome-do-Pai, o psicótico,
imaginariamente identificado ao falo da mãe, é levado a uma feminização.

Lacan chama de sexuação a maneira como cada sujeito vai subjetivar seu
sexo. Por sua vez, ela vai permitir ao sujeito a inscrição de um gozo masculino – ou
seja: sustentado por uma relação ao falo na ordem do ter – ou a inscrição de um gozo
feminino, que, mesmo tendo um vínculo com o falo, está na ordem do ser. Por isso,
utiliza o termo sexuação, em lugar de sexualidade, no sentido de que há aí uma
localização do sujeito e uma eleição.

Lacan propõe pensar na bipartição sexual a partir das modalidades de gozo,


sistematizadas nas fórmulas quânticas da sexuação. O sujeito que estiver localizado
no lado do homem é totalmente regido pela norma fálica e, assim, tem acesso apenas
a um gozo tolo, o gozo fálico. Já o sujeito que estiver situado do lado da mulher tem
acesso a um gozo sem limites, o gozo feminino. Lacan nos adverte para o fato de que
o sujeito pode ocupar ambos os lados das fórmulas quânticas da sexuação,
independente do sexo. Logo, os sexos se diferem, não em termos anatômicos, mas
sim pela forma com que o sujeito se posiciona diante da norma fálica.

Masculino Feminino

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Quem quer que seja falante, de acordo com Lacan, se inscreve de um lado
ou de outro da tábua da sexuação. Assim sendo, a coluna da esquerda descreve a
posição masculina, a da direita a posição feminina. Essa divisão não corresponde à
distinção anatômica entre os sexos, mas se trata de uma posição subjetiva deteterminada
no próprio discurso do sujeito, muitas vezes em desacordo com sua anatomia. Em
ambos os lados, a função Φx afirma que aquilo que traz relação com a sexualidade
provém da função fálica e que situar-se de um lado ou outro depende da maneira como
o sujeito está assujeitado a ela.

O gozo do Outro – simbolizado pelo corpo do Outro – será a via pela qual
Lacan se utilizará para falar, com certa restrição, do lado da mulher. Em O seminário,
livro 20: mais, ainda (1972-1973), Lacan diz que o Outro, na sua linguagem, é o Outro
sexo. O gozo outro é um gozo que escapa do domínio significante e, por isso, situa-se
fora da linguagem. Em outros termos, nenhuma palavra pode ser dita sobre ele. Dessa
maneira, o gozo Outro se opõe ao gozo sexual, na medida em que o gozo sexual é
determinado pela linguagem, pelo significante fálico.

O gozo sexual, que Lacan dirá tolo, se situa extracorpo: sua ligação com o
corpo se dá por um delicado fio que o une ao órgão sexual. Ao contrário do gozo Outro
ele não sustenta o ser ou o corpo em seu conjunto, apenas determinadas partes do corpo
podem funcionar como equivalente do órgão sexual. A esse respeito, assevera Lacan:

“O ser é o gozo do corpo como tal, quer dizer,


como assexuado, pois o que chamamos de gozo
sexual é marcado, dominado pela
impossibilidade de estabelecer como tal, em
parte alguma do enunciável, esse único Um que
nos interessa, o Um da relação sexual” (LACAN,
1972-73, pág. 15).

Lacan afirma que há apenas um significante da sexuação – o falo. A partir


daí, podemos começar a extrair as consequências disso em relação ao feminino. Se ao
nível do discurso inconsciente há apenas um único significante, isso equivale a afirmar
que o sexo da mulher é um buraco, um vazio – o que remete o sujeito ao impossível de
simbolizar. É nessa direção, aliás, que Lacan introduz o seu famoso aforismo: “A
Mulher não existe”, ou seja, não há significante algum ou essência da mulher como tal.

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Para o inconsciente, o Outro sexuado não existe, “a Mulher não existe”, na medida em
que carece um significante que fundamente seu ser com existe para o homem. Fazê-la
existir seria delirante, como nos mostrou o presidente Schreber, que queria ser a Mulher
de Deus.

Em O seminário, livro 20: mais, ainda (1972-1973), Lacan aponta o gozo


fálico e o gozo do Outro. De fato, a mulher, por ser não toda inscrita na função fálica,
tem “[...] em relação ao que designa de gozo a função fálica, um gozo suplementar”
(Ibid., p.99). Ora, este último é o gozo louco, enigmático, fora do significante, privado
da resistência estável do objeto a.

Acerca da relação sexual, o gozo fálico exclui a possibilidade de que um


homem goze de uma mulher. Vejamos uma sentença lacaniana presentes em O
seminário, livro 20: mais, ainda (1972-1973): “Embora não exista a Mulher, a mulher é
não-toda – o sexo da mulher não lhe diz nada, a não ser por intermédio do gozo do
corpo”. Isso denuncia um dos motivos da impossibilidade da ocorrência de uma
verdadeira relação sexual, a relação do Um – tal como visa o amor –, pois assinala a
disjunção entre o homem e a mulher, de modo que a relação sexual nunca é aquilo que
se deveria ser. O gozo feminino é o gozo do corpo; o gozo do homem, tolo, na medida
em que esta totalmente referido ao falo com o órgão. Portanto o gozo fálico é o
obstáculo que existe entre o homem e a mulher. Daí a célebre frase de Lacan: “Não há
relação sexual”.

Aqui cabe um curioso adendo a respeito da ideia imaginária de que há no


amor entre o homem e a mulher a completude, a possibilidade de se fazer Um. Tal
concepção está presente no discurso de Aristófanes apresentado em O banquete, de
Platão. Para tratar do amor, Aristófanes narra o mito da nossa unidade primitiva e
posterior mutilação. No início, segundo ele, éramos o dobro do que somos agora e desse
ser completo haviam três gêneros: um formado de duas partes masculinas; outro, de
duas partes femininas; e o terceiro, era misto. Mas Zeus irritou-se com a insolência
desses nossos ancestrais e cortou-os ao meio. Sendo assim, o amor impera como sendo
uma tentativa de restabelecer um todo primitivo.

É apenas o amor que consegue fazer suplência à inexistência da relação


sexual. Diante da incompletude, dessa incongruência entre o homem e a mulher, a única

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possibilidade de encontro, segundo Lacan, está no amor: “O que vem em suplência à
relação sexual é, precisamente, o amor” (LACAN, 1972-73, pág. 51).

Segundo Lacan o gozo, limitado ou não pelo significante fálico, é próprio


de quem se situa do lado mulher, sendo que ele pode ser associado à erotomania na
neurose – gozo com a fala do outro, que está articulado ao falo. Isso quer dizer que,
além da reivindicação fálica, do gozo fálico, há o excesso, a inconsistência, a demanda
que remete ao gozo suplementar e compõe o universo do sujeito feminino. Tânia
Coelho dos Santos diz que: “A mulher visa obter o significante da falta do Outro. Seu
gozo, para além do falo, são as palavras de amor que aquele que o possui pode empregar
para falar dela. Só assim ela pode amar-se” (COELHO DOS SANTOS, 2007, p.18).

No Caso Dora, a identificação do ideal do eu de Dora é com o Sr. K.


(outro). O Sr. K. tem condições de satisfazer o desejo de Dora, desde que a Sra. K.
também seja seu objeto do desejo. É nesse sentido que o desejo de Dora está para além
do Sr. K. Dora não pode tolerar que a Sra. K., objeto do seu desejo e do desejo do seu
pai, não seja o objeto do desejo do Sr. K. Ou, como diz Lacan em O seminário, livro 8:
a transferência (1960-1961) se a Sra. K. não o faz ficar excitado sexualmente, para que
é que Dora serve, afinal? É o momento em que o Sr. K. confessa que sua mulher não é
nada para ele que leva Lacan a dizer, em O seminário, livro 5: as formações do
inconsciente (1957-1958), que “desmorona sua bela construção histérica de
identificação com a máscara, com as insígnias do Outro – especialmente, com as
rematadas insígnias masculinas que lhe são oferecidas pelo Sr. K. e não por seu pai”.
Dora, dessa forma, retorna à demanda de amor ao pai, exigindo que ele rompa com os
K. A partir de então, Dora exige ser o único objeto do amor para receber do pai tudo
aquilo que ele não tem.

O modo feminino de buscar suplemento para o que não se inscreve pelo


fálico no que tange ao amor e ao sexo pode se apresentar de formas que vêm sempre
marcadas por um excesso e que podem resvalar para a devastação. De fato, a
erotomania feminina revela, fundamentalmente, a falta de referência da mulher com
relação ao significante do Outro, ou à barra do Outro, ao semblante, e seu desejo em
relação a isso.

15
Na psicose, a erotomania é tentativa de cura, visto ser uma formação
delirante, podendo vir a ser uma suplência simbólica. É também o modo de amar dos
sujeitos psicóticos. Na neurose, a erotomania pode representar tanto a devastação
feminina, enquanto sintoma de fantasia excessiva, de um delirium, da desarticulação
entre o gozo fálico e o gozo suplementar, ou seja, de um desenquadre fantasmático. Mas
a erotomania pode ser o parceiro-sintoma da mulher (MILLER, 1998, p.), o que aponta
para uma erotomania normal e estrutural do sujeito feminino.

O sujeito feminino é marcado por um traço erotomaníaco normal. Isso


significa que a mulher quer que o Outro a ame: “[...] para a mulher, seu modo de gozar
exige que seu parceiro fale e que a ame. Quer dizer que o amor para ela é tecido no
gozo, e é preciso, fundamentalmente, que o parceiro seja ‘A barrado’, aquele ao qual
falta alguma coisa, e que essa falta faz falar, lhe faz falar” (MILLER, 1998, p.111). A
mulher demanda o amor do Outro, e é uma demanda de amor que “visa o infinito”
(Ibid.). Ela pede sempre mais e mais provas e manifestações de amor. Este é o caráter
erotomaníaco do modo de amar feminino. É somente quando o “ser amada” não se
manifesta para o sujeito que a situação amorosa se transforma em devastação na neurose
e em perseguição na psicose.

A erotomania masculina não é um fenômeno tão claramente observável


como a erotomania feminina, que aparece descortinada no discurso e nos atos das
mulheres. Em geral, o homem não fala de sua erotomania; mas, em muitos casos de
psicose, como lembra Clérambault, por trás das ideias de perseguição, há a certeza do
sujeito de que o outro se interessa muito por ele, que o outro o ama. Ora, no caso de
Schreber e sua relação com seu primeiro médico, Dr. Flechsig, havia uma erotomania
subjacente à ideia de perseguição. Schreber considerava que Flechsig o amava, o
desejava; por isso, passou a sentir-se perseguido pelo médico.

Na neurose, a erotomania é o sinal da não inscrição fálica – ou melhor:


signo do ponto onde o sujeito não articula o falo com o suplemento. Quando uma
mulher não se serve como convém da função fálica e do Nome-do-Pai, ela resvala para
a devastação, para o masoquismo, para o delirium, para o excesso do gozo infinitizado.

Na psicose, a erotomania é tanto a forma de amar desses sujeitos, quanto o


índice do delírio como “tentativa de restabelecimento, um processo de reconstrução”

16
(FREUD,1911, p.95). Uma tentativa de cura pela via delirante, visando reconstruir uma
nova realidade, e, portanto, nova realidade sexual e um novo laço com o mundo externo.
Na psicose, geralmente, com a zerificação da função fálica (Φ0), como Lacan formula
no texto “De uma questão preliminar a todo tratamento possível das psicoses”, no
Esquema I, o sujeito masculino tende a se feminizar, ocorrendo o que Lacan chama de
empuxo-à-mulher. Com a mulher psicótica, o phi-zero (Φ0) pode levar a dificuldades
ou impossibilidades de simbolização da maternidade e da relação amorosa.

ESQUEMA I

Podemos observar, com efeito, que as letras do Esquema I foram


transpostas do Esquema R. E que, como na psicose não há inscrição do Nome-do-Pai, o
vértice P inexiste, não garantindo ᵠ, o que converte o quadrilátero do Esquema R em
duas hipérboles, caracterizando uma estrutura onde não tem fechamento

De acordo com Lacan (1958), a forclusão do Nome-do-Pai produz um


buraco no registro imaginário e no registro simbólico, fazendo com que os seguimentos
im e MI sejam encurvados, direcionando ao infinito os quatro pontos de referência do
sujeito (i, m, M, I).

Segundo Lacan, é necessário um elo que interligue real, simbólico e


imaginário. Como a inscrição do Nome-do-Pai não se realiza na psicose, esse elo tem de
ser construído por uma outra via – a via delirante. Na psicose, o delírio vem no lugar da
Lei, que não foi ocupada pelo Pai. Dessa forma, o psicótico vai apresentar uma
organização correlacionada a uma metáfora delirante, a qual responderá pelas
significações do sujeito. Em tal processo, a metáfora paterna não constituída é
substituída pela metáfora delirante, que se organiza em torno de um significante
denominado Ideal.

17
A mulher, seja neurótica ou psicótica, é incompleta quanto ao falo. Com
efeito, ela é marcada por um “menos” com relação ao falo – o que faz com que a
estruturação de suas identificações e de seus semblantes seja mais vacilante, além de a
sua relação com o gozo tomar a forma erotomaníaca. Nessa direção, a erotomania
aponta para o que não se aloja no semblante; para o que não se inscreve pelo
significante fálico; e para a tentativa – tão feminina – de solucionar sua relação com os
semblantes e com o gozo, buscando no Outro onipotente da demanda, imaginariamente
completo, um significante que possa recobrir sua falta. Em outros termos, ao deparar-se
com o menos-phi (-φ), ela busca no Outro da linguagem um significante que a
complete.

No entanto, como Lacan ensina, essa solução pela via do complemento


tende sempre ao fracasso porque não há no Outro da linguagem um significante que
possa responder sobre o ser do sujeito, dizendo o que é ser uma mulher e, logo, o que é
ser um homem. Na questão da diferença sexual, não se trata de complementariedade,
pois não existe a Mulher. Portanto, há uma forclusão do significante da mulher, tanto na
neurose quanto na psicose. “A Mulher não existe”, além de ser uma maneira de Lacan
dizer que não há complementaridade entre os sexos é ainda uma maneira de dizer
também que prevalece, na estrutura do ser de linguagem, essa forclusão. Ainda nessa
perspectiva, a psicose é a verdade, se a tomamos a partir da não relação sexual.

Por isso, no tocante à sexuação, é necessário pensar em termos lógicos e


não em termos de complemento. O homem não é o complemento da mulher e a mulher
não é o complemento do homem. Porque eles não são opostos complementares, como se
observa no reino animal quando macho e fêmea por terem o instinto biológico da
reprodução se complementam no coito com o objetivo de reprodução.

É nesse cenário, no qual o biológico é insuficiente para a subjetivação da


diferença sexual, que se inscreve o semblante. Para Lacan, a diferença sexual guarda
uma dimensão de semblante, que tem função de verdade, mas esta é sempre meio dita.
Já que não há nada instintivo que diga o que é ser um homem ou ser uma mulher, o que
resta é fazer semblante, resta apenas ‘parecer’ homem ou ‘parecer’ mulher, fazendo
“semblante do que se chama um homem e uma mulher” (LACAN 1971-1972, pág. 36).

18
CRONOGRAMA

1º ANO | 2º ANO 3º ANO | 4º ANO


Etapa
1º 2º 3º 4º 5º 5º 7º 8º
Semestre Semestre Semestre Semestre Semestre Semestre Semestre Semestre

Estágio em docência X X

Revisão X X
bibliográfica

Redação inicial X X X X

Qualificação de X
área

Cumprimento dos X X
créditos

Publicação em
periódicos X X
científicos

Redação final X X

Exame de
qualificação de X
Tese

Defesa de tese X

REFERÊNCIAS

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Companhia de Freud, 2008.

BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. Rio de Janeiro: Francisco


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BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio


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A interpretação dos sonhos

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__________. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905).

__________. Projeto para uma psicologia científica (1895)

__________ Novas conferências introdutórias sobre a psicanálise. A Feminilidade


[conferência 32 ou 33?]

__________ A dissolução do complexo de Édipo (1924).

A moral civilizada e a doença nervosa

__________. Além do princípio do prazer (1920)

__________. Análise terminável e interminável (1937).

_________. A psicogênese de um caso de homossexualidade em uma mulher (1920).

_______. Alguns mecanismos neuróticos na paranóia e no homossexualismo (1922)

__________ Sobre as teorias sexuais infantis.

__________. Sobre a tendência universal à depreciação na esfera do amor.

__________. Repressão (1915).

__________ Algumas consequências psíquicas da diferença anatômica entre os


sexos (1925).

__________ Sexualidade feminina (1931).

__________. O pequeno Hans (1909)

__________. O caso Dora (1901)

__________ Organização genital infantil uma interpolação na teoria da


sexualidade (1923).

__________ Fragmento de um caso de histeria (1905).

__________ Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância (1910).

__________. O mal estar na cultura (1929).

__________ A pulsão e suas vicissitudes (1915).

__________. Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade (1908).

_____ Notas psicanalíticas sobre o relato autobiográfico de um caso de paranoia


(1911).

20
LACAN, Jacques. A carta roubada

__________. O aturdito (1973)

__________. De uma questão preliminar para todo tratamento possível da psicose


(1958)

___________Outros escritos (1972). Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

__________ O seminário, livro 3: as psicoses (1955-56). Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

__________. O seminário, livro 4: a relação de objeto (1956-57)

__________ O seminário, livro 5: as formações do inconsciente (1957-58). Rio de


Janeiro: Zahar, A bela açougueira

__________ O seminário, livro 6: o desejo e sua interpretação.

__________. O Seminário, livro 7: a ética da psicanálise (1959-1960). Rio de Janeiro,


Jorge Zahar Editor, 1997.

__________. O seminário, livro 8: a transferência (dora e homem dos ratos

__________ O seminário, livro 10: a angústia (1962-63). Rio de Janeiro: Zahar,

__________ O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise.

__________ O seminário, livro 18: de um discurso que não fosse semblante (1971).
Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

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__________O seminário, livro 20: mais, ainda (1972-73). Rio de Janeiro: Zahar,1985.

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__________ Escritos (1958). Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

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LAPLANCHE, J; PONTALIS. Vocabulário de psicanálise. São Paulo: Martins Fontes,


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O pai como nome não é o mesmo que aquele que nomeia (Lacan 1975-76: 163); veremos, então, algumas
conseqüências da redução indicada. Sabemos que o Nome-doPai é o que dá nome às coisas, entretanto, ao
reduzirmos o Nome-do-Pai em sua função radical é possível dar nome mesmo que não tenha com isso o
efeito de significação. Situamos aí uma primeira conseqüência.

22
Lacan desde os anos 50 enfatiza ser a função do pai não condicionada à figura do genitor. O Nome-do-Pai
é o que vem de forma metafórica incidir sobre os significantes do desejo da mãe e sobre o seu gozo sob a
forma da substituição significante, produzindo a significação fálica. A sua função é amarrar a cadeia ao
ligar o significante e o significado como o explicitado na noção de ponto de basta; portanto, o significante
se introduz no significado e produz efeitos de significação (Lacan 1957).

Mas se o Nome-do-Pai é uma exigência da linguagem na medida em que amarra a cadeia significante,
como pensar, então, sua pluralização? O que pode, a partir daí, fazer a função de ponto de basta?

No ensino de Lacan dos anos cinqüenta o Nome-do-Pai é situado como aquele que insere o significante
da lei no lugar do Outro, lugar onde a fala se produz. O Nomedo-Pai como significante da lei é o que
ordena o sistema de significações e estrutura a linguagem a serviço da comunicação. Isto se articula à
clássica função de nomeação que está perfeitamente situada na língua (Basz 2006). Entretanto, quando
Lacan trata da nomeação como ato, ele já faz uso de seu conceito de lalíngua16 em que a fala serve ao
gozo e não à comunicação referida ao Outro do senso-comum.

Lacan em seu seminário sobre as psicoses (1955-56) aponta a foraclusão - a ausência de um significante
primordial, como impossibilidade do psicótico nomear-se, na medida em que demonstra uma dificuldade
em se fazer representar por um significante.

É possível, então, falar de nomeação na psicose? Qual a perspectiva trazida pela pluralização do Nome-
do-Pai nesse campo?

às leis que particularizam o ser falante devido a sua passagem pela castração

é a partir do simbólico que se pode fazer o diagnóstico diferencial estrutural por meio dos
três modos de negação do Édipo – negação da castração do Outro – correspondentes às três
estruturas clínicas.

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