AGAMBEN, Giorgio lutas, processos de exploração e sobressaltos
A linguagem e a morte de liberação. Mas como se faz para estruturar o Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006 mundo que essa abordagem ontológica cons- titui? Como faz alguém que, como Agamben, Antonio Negri sempre manteve a morte presente na descrição fenomenológica, construindo positivamente a O ultimo livro do filósofo Giorgio Agamben idéia da redenção? Em torno a este projeto, é dedicado ao “Estado de exceção”, isto é, à o caminho teórico de Agamben apresentou condição que já investe cada / toda / qualquer rasgos sempre mais evidentes. Talvez em La (ogni) estrutura de poder e que esvazia de comunità che viene de 1990 esse rasgo seja maneira radical cada / toda / qualquer (ogni) mais forte, quando a experiência da redenção experiência e definição de democracia. se apresenta enquanto desutopia. Esta exigia que a borda da morte fosse atravessada pela Apesar de ser um freqüente leitor tensão da vida, e que no método fosse interio- de Giorgio Agamben, aconteceu-me de rese- rizada a máxima spinozista: “o homem Sábio nhar apenas um outro livro de sua autoria, A não pensa a morte e sim a vida”. A idéia do linguagem e a morte de 1982 (publicado no biopolítico, portanto, começava a apresentar- Brasil pela UFMG, 2006). Tratava-se de uma se no pensamento de Agamben como potên- verdadeira introdução à filosofia e propunha cia central, inquieta certamente, alternativa um método de análise que passou a caracte- talvez, de qualquer modo estruturalmente rizá-lo nos anos seguintes: construir critica- inovadora. Em seguida, em Homo Sacer, essa mente no terreno do ser, escavando sobre a problemática se apresentou novamente em margem existencial e lingüística, o caminho toda a sua complexidade e contradição. da redenção. Uma redenção de todo imanente Existem, com efeito, dois Agam- que jamais esquece a condição mortal. Tra- ben. Há aquele que se detém em um fundo balhar em filosofia teria portanto significado existencial, fatal e terrífico, e portanto compe- atravessar o ser com empenho ético, eliminan- lido a um confronto contínuo com a idéia da do todo resíduo dialético (tão difuso naquele morte; e há um outro que, através da imersão momento entre os epígonos do idealismo e do em um trabalho filológico e na análise lin- declinante socialismo) e, conseqüentemente, güística, conquista (põe pedaços, manobra, produzir conhecimento verdadeiro, orienta- constrói) o horizonte biopolítico: aqui, nesta do politicamente, qualificado eticamente, no situação, Agamben se parece às vezes com sentido de uma possível redenção humana. um Warbug da ontologia crítica. Todavia, o A primeira vista, parecia que Agamben se fato dos dois Agamben sempre conviverem movesse como Derrida e Nancy, folheando é paradoxal: quando menos se espera, o pri- um ponto do ser desejoso do outro, todavia meiro re-emerge e obscurece o segundo, e a sempre ilusório. Não era assim. Quanto mais sombra da morte se estende de modo lúgubre aprofundava a sua análise fenomenológica do contra a vontade de viver, contra o excedente ser, quanto mais trabalhava o possível, um do desejo. Ou o contrário. novo horizonte, em suma, como outrora Blan- Em Estado de Exceção (Boitempo, chot, Agamben atravessava o mundo lingüís- 2004), temos a possibilidade de lermos jun- tico em termos de ontologia critica. É desse tos esses dois Agamben. Com efeito, antes de modo que Agamben se aproxima (e aproxima mais nada, Agamben reconhece e denuncia o a descrição da realidade que descreve) do Ge- fato que o estado de exceção (um estado de neral Intellect, ou seja, de uma idéia positiva morte) envolve de agora em diante cada es- do ser lingüístico do comum, atravessado por trutura de poder e esvazia de maneira radical A LINGUAGEM E A MORTE / Antonio Negri 337
toda experiência e definição de democracia. interno. Nesse ponto, diante da complexidade
É a condição imperial. Eis que se abre uma que é investida por ele, a arma filológica que primeira linha de leitura: com efeito, essa Agamben utiliza com tamanha habilidade se definição de estado de exceção se instaura torna quase incerta, em todo caso tateante; as no horizonte de uma ontologia indiferencia- descobertas surgem como surpresas, mas são da, cínica ou pessimista, onde cada elemento verdadeiras descobertas, inovações concei- é reassumido no jogo vazio de uma também tuais e lingüísticas. Aqui, o pós-moderno se vazia negatividade. O estado de exceção apa- mostra duro e criativo. E eis que sob esse des- rece aqui como pano de fundo indiferente que dobramento, a genealogia do biopolítico dá neutraliza e desbota todos os horizontes e os continuidade à arqueologia e à filologia. Com reconduz a uma ontologia incapaz de produzir efeito, o dispositivo utópico não se contrapõe sentido senão em termos destrutivos. Este ser sincronicamente ao horizonte ontológico, mas é totalmente improdutivo. Este ser se confun- irrompe, penetra, arromba diacronicamente de com o direito (ou na sua ausência) lá onde instituições e desenvolvimento jurídico. Aqui somente o direito seria chamado a dar sentido a dialética é verdadeiramente superada por- ao real. Assistimos, desse modo, a uma sobre- que o biopolítico é desconstruído e atravessa- estimação do direito e a uma subestimação da do internamente. ontologia: a realidade não produz sentido. Nesse ponto, o biopolítico em Nesse ponto, é evidente que não há Agamben não é mais olhado de fora como se diferença entre estado de exceção e potência fosse uma realidade independente a ser estu- constituinte, pois que ambos vivem sobre o dada ou reconhecida – um fruto a ser colhi- mesmo nível de indistinção. Neste Agamben, do. O hegelianismo foi aqui definitivamente a definição do biopolítico se apresenta como ultrapassado por uma crítica que reconhece a indiferença ao antagonismo: é inútil respon- impossibilidade da homologia dialética dos der que o direito de exceção anula o ser, en- opostos. Toda nostalgia da esquerda hege- quanto a resistência e o poder constituinte o liana o será ainda mais. O próprio Benjamin, criam! Não, aqui, tudo aquilo que acontece que também viveu e pôs esta série de enigmas no bios é dobrado à indistinção da natureza, a problemáticos e de dolorosas reminiscências zoé ... Na realidade, não é difícil aqui ver em dialéticas, é superado aqui. Com gesto formi- ação aquela deriva que obriga toda concepção dável, Agamben vai além do estado de exce- unilateral do bios a uma redução naturalista. ção atravessando-o conceitualmente e etica- O efeito deste primeiro trecho de análise é pa- mente: assim como o cristianismo primitivo radoxal: hoje, tudo aquilo que ocorre no mun- e o comunismo das origens atravessaram o do seria como que fixado em um horizonte poder e a exploração, destruindo-os porque os totalitário e estático, como “sob o nazismo”. esvaziou. Neste segundo cenário, a análise de Mas as coisas não são bem assim: se vivemos Agamben mostra como a imanência pode ser em um estado de exceção é porque vivemos realista e revolucionária. uma “guerra civil”, feroz e permanente, onde o positivo e o negativo se enfrentam: não é possível, de modo algum, achatar a sua potên- Antonio Negri é cientista social e cia antagonista na indiferença. filósofo. É autor, entre outras obras, de Impé- Todavia, Agamben não pára aqui. rio e Multidão (ambos em parceria com Mi- Estado de exceção nos apresenta uma segun- chael Hardt); Anomalia Selvagem – poder e da perspectiva, mais original, mais potente: potência em Spinoza; O poder constituinte – é uma linha espinosista e deleuziana. Aqui, neste segundo terreno, a análise não sobrevoa ensaio sobre as alternativas da modernidade; um biopolítico inerte, mas o atravessa com Kairòs, Alma Vênus, Multitudo. ânsia utópica febril, colhe seu antagonismo Este texto foi traduzido por Barbara Szaniecki.
Sincronicidade e entrelaçamento quântico. Campos de força. Não-localidade. Percepções extra-sensoriais. As surpreendentes propriedades da física quântica.