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FAT INAP

Graduação Tecnológica em Design Gráfico


3º Módulo
Expressão Gráfica & Criação
Prof. Luiz Eduardo Bernardes

Ementa: Criação e desenvolvimento de imagens para peças gráficas a partir da exploração e aprimo-
ramento dos processos criativos, utilizando textos, música e teoria do estudo da forma.

Objetivos Gerais: Desenvolver repertório formal e vocabulário gráfico através de exercícios de abs-
tração e modulação de imagens por meio de elementos geométricos; desenvolver processos de cria-
ção que tomam por base o projeto e a casualidade, por meio de jogos e brinquedos gráficos.

Objetivos Específicos: Produzir uma peça gráfica que apresente os processos criativos desenvolvi-
dos no curso e suas imagens resultantes aplicadas em produtos.

Trabalho Final: O aluno deverá desenvolver uma peça gráfica demonstrando o processo criativo de
imagens aplicadas a produtos.

Trabalho Interdisciplinar. Os grupos deverão apresentar um Projeto Gráfico que demonstre os pro-
cessos de criação para as peças gráficas exigidas no Edital do Trabalho Interdisciplinar.

Frequência & Participação: A disciplina Expressão Gráfica & Criação tem carga-horária de 60 (ses-
senta) horas/aula, divididas em 03 (três) horas/aula semanais. Para ser aprovado em relação à Fre-
quência & Participação, o aluno deverá cumprir, pelo menos, 75% das horas/aula, i.e., 45 presenças,
que correspondem a 15 semanas letivas. As aulas têm início às 19h, quando os conteúdos começam
a ser explicados. Às 19h30min faz-se a primeira chamada. Os alunos ausentes após este horários
receberão falta, assim como aqueles que deixarem a aula antes de seu horário de encerramento ou
permanecerem longos períodos fora da sala de aula.
Aula Data Tópico Apresentar Pontos Trabalhos
Introdução ao
01 02 ago
Curso - Introdução
02 09 ago Uma Adoração
O Experimento Gráficos sobre a imagem “A
Adoração dos Magos” de Gio- 05
03 16 ago Fechner
vanni di Paolo.

Seleção de 20 obras artísticas


04 23 ago Edição por corte de autores e movimentos va- 05
riados. Trabalho 01
Processos de 10 imagens editadas e redi-
05 30 ago mensionadas.
05
Abstração
Reinterpretação Transparências e Transposi-
06 06 set ções para papel sulfite.
05
Gráfica
Composições ori-
07 13 set 10 colagens. 05
ginais
Padrões por Re-
08 20 set petição e alter- 05 composições originais. 05
nância
Padrões de Fundo Padrões por repetição e alter-
09 27 set nância.
05
Trabalho 02
Infinito
10 04 out Jogando Dominó Padrões de Fundo Infinito 05
Resultados dos jogos de do-
11 11 out Estampas minó transpostos para o papel 05
sulfite.
Sólidos Geométri- Estampas.
12 18 out 05
cos
13 25 out Semana design
01 Natureza Morta Sólidos geométricos monta- Trabalho 03
14 dos. 05
Nov Cubista
08
15 Fundo e Figura Desenhos de linha contínua 05
Nov
22
16
Nov Produção de Tra-
29 balho Final e In- Todos os exercícios desen-
17 volvidos.
Nov terdisciplinar
18 06 dez
19 13 dez
Peça Gráfica
Trabalho
20 20 dez Avaliação 30
Final
Aula 01: Introdução ao Curso

Objetivos: Apresentar a disciplina Expressão Gráfica & Criação, sua metodologia, cronograma e
sistema de avaliação.

Aula 02: Sobre uma Adoração


Objetivos: Fomentar a reflexão e o debate a respeito da leitura de imagens e dos elementos consti-
tuintes da linguagem visual.

Dinâmica:
 Exibição do documentário “Quatro Artistas pintam uma Árvore”.
 Leitura coletiva do texto “Sobre uma Adoração”, de Rudolf Arnhein.
 Debate sobre o texto.
 Exercício: Criar gráficos que demonstrem os aspectos de composição apontados por Arnhein
em seu texto. Valor: 05 pontos.

Materiais: Texto, Régua, esquadro, compasso e materiais de desenho.

Aula 03: O Experimento Fechner

Objetivos: Estudar a proporção áurea e a relação entre o formato dos planos pictóricos e os ele-
mentos visuais que constituem as imagens.

Dinâmica:
 Leitura coletiva do texto “Os sentidos se deliciam em coisas devidamente Proporcionadas”, de
Mário Lívio.
 Exibição dos vídeos “Donald no País da Matemágica” e “O Número de Ouro”.
 Exercícios para obtenção da proporção áurea e do retângulo áureo.
 Exercícios de medição de objetos retangulares à maneira dos experimentos de Fechner.

Materiais: Texto, referências impressas, calculadora, régua, esquadro, compasso.


Para Casa: Selecionar, pelo menos, 20 imagens entre obras de arte dos diversos períodos e movi-
mentos artísticos. Valor: 05 pontos.

Aula 04: Edição por Corte

Objetivos: Analisar imagens tomando como referência a proporção áurea e demais modos de modu-
lação de espaço. Editar imagens através de cortes.

Dinâmica:
 Exibição do documentário “Processos Criativos”
 Leitura coletiva do texto “Documentos do Processo: marcas indiciais da criação” de José Ci-
rillo.
 Exercício: analisar e editar por corte as imagens selecionadas.

Materiais: Texto, 20 imagens, régua, esquadro e compasso, tesoura, materiais para desenho.
Para Casa: Redimensionar, pelo menos, 10 das imagens cortadas (o lado maior deve corresponder a
15 cm) e trazê-las impressas (p&b). Valor: 05 pontos.
Aula 05: Processos de Abstração

Objetivo: Estudar a estrutura das imagens através de processos de abstração.

Dinâmica:
 Leitura coletiva do texto “Abstração: uma introdução. Novas maneiras de declarar qual é o
caso”, de Mel Gooding.
 Exibição de referências: Mondrian & a Macieira.
 Exercício: A) Sobrepor transparências às imagens impressas e traçar principais linhas e ele-
mentos visuais que as constituem. B) Transpor os resultados das transparências para o for-
mato A4. Valor: 05 pontos.

Materiais: Texto, imagens editadas e redimensionadas impressas (10 min.), transparências (papel
vegetal, papel de seda, etc.) – 10 folhas A4 (min.), papel sulfite A4 (10 min.), régua, esquadro, com-
passo e matérias para desenho.

Aula 06: Reinterpretação Gráfica

Objetivos: Reinterpretar graficamente, através de colagem, os resultados dos exercícios da aula


anterior.

Dinâmica:
 Exercício: Reinterpretar graficamente, através de colagem, os resultados dos exercícios da
aula anterior. Valor: 05 pontos.

Materiais: pelo menos 10 desenhos executados na aula anterior (nos papeis A4), papeis de cores
sortidas, régua, esquadro, compasso, cola e tesoura.

Obs.: Todas as etapas devem ser apresentadas, demonstrando o desenvolvimento dos trabalhos,
desde a imagem original, sua edição por corte, processo de abstração, transposição para o formato
A4 e reinterpretação gráfica por colagem.

Aula 07: Composição Original

Objetivos: desenvolver um repertório formal através de elementos gráficos selecionados do exercício


anterior e criar composições originais que serão aplicadas a produtos diversos.

Dinâmica:
 Exercício: criar, pelo menos, cinco composições originais (colagens em formato livre), atra-
vés da seleção de elementos gráficos selecionados do exercício anterior e aplica-las em pro-
dutos. Valor: 05 pontos.

Aula 08: Padrões por Repetição e Alternância.

Objetivos: Desenvolver padrões visuais por repetição e alternância explorando figuras geométricas
simples e harmonia e contrastes cromáticos.

Dinâmica:
 Leitura coletiva do texto “Op Art”, de Jasia Reichardt.
 Exibição de referências.
 Exercício: desenvolver padrões por repetição e alternância através de colagens com formas
geométricas simples recortadas em papeis coloridos. Valor: 05 pontos.

Materiais: Texto, gabarito de formas geométricas, papéis coloridos, cola e tesoura.


Aula 09: Padrões de fundo Infinito

Objetivos: desenvolver padrões geométricos de fundo infinito.

Dinâmica:
 Exibição do documentário “Os Azulejos de Alhambra”.
 Leitura coletiva do texto “Padrões Geométricos Islâmicos”, de Erick Broug.
 Exercício: Desenvolver módulos para Padrão de Fundo Infinito. Demonstrar módulo e padrão
por repetição. Valor: 05 pontos.

Materiais: Texto, referências impressas, régua esquadro e compasso, materiais para desenho.
Obs.: Este exercício pode ser realizado digitalmente.

Aula 10: Jogando Dominó

Objetivos: Desenvolver padrões rítmicos através de modulação de espaço.

Dinâmica:
 Exercícios: A) formar grupos de 04 alunos. B) Disputar partidas de dominó e anotar resulta-
dos em papel quadriculado. C) Transferir resultados para folha em branco. D) Repetir exercí-
cio, porém, sem necessidade de obedecer às regras do jogo de dominó. Valor: 05 pontos.

Materiais: Jogo de dominós, folhas de papel quadriculado. Papéis sulfite A4, materiais para desenho.

Aula 11: Estampas.

Objetivo: Desenvolver estampas aplicando os padrões desenvolvidos nos exercícios anteriores às


transcrições dos jogos de dominó editadas por corte. Aplicar as estampas a produtos.

Dinâmica:
 Exercício: A) Editar por corte as transcrições dos jogos de dominó. B) Substituir os pontos por
elementos dos padrões desenvolvidos nas aulas anteriores. Valor: 05 pontos.

Materiais: impressões dos padrões desenvolvidos nas aulas 08 e 09, régua, esquadro e compasso,
cola e tesoura.
Obs.: Este exercício pode ser realizado digitalmente.

Aula 12: Sólidos Geométricos

Objetivos: Construir sólidos geométricos e montar, coletivamente, cenas com eles. Registrar fotogra-
ficamente as cenas.

Dinâmica:
 Exercícios: A) construir sólidos geométricos. B) montar cenas coletivamente. C) realizar regis-
tros fotográficos. Valor: 05 pontos.

Materiais: Referências impressas, papeis coloridos (cartão, color plus), cola e tesoura, câmera foto-
gráfica.
Aula 14: Natureza Morta Cubista

Objetivos: Executar desenhos de observação utilizando os sólidos geométricos construídos na Aula


12, através de linhas contínuas.

Dinâmica:
 Leituras coletiva dos textos “Garrafas e Peixes”, de Anne Ganteführer-Trier e “Pintores Cubis-
tas” (fragmentos), Guillaume Apollinaire.
 Exercícios: A) montagem de cenas coletivas. B) desenhos de observação através de linhas
contínuas. Valor: 05 pontos.

Materiais: Sólidos Geométricos construídos na Aula 12, materiais para desenhos.

Aula 15: Fundo e Figura

Objetivos: explorar as relações de fundo e figura através de colagens sobre o exercício da aula ante-
rior.

Dinâmica:
 Exercícios: A) Editar por corte os exercícios da aula anterior. B) Cortar elementos dos regis-
tros fotográficos colando-os nos espaços entre as linhas.

Materiais: Registros fotográficos da Aula 12, exercícios da aula anterior, cola e tesoura.

Aulas 16, 17, 18 e 19: Finalização de trabalhos, Produção do Trabalho final e Trabalho Interdis-
ciplinar.

Aula 20: Avaliação.


Sobre uma Adoração1

(fig.01) Giovanni di Paolo, Adoração dos Magos (c. 1450). National Gallery of Art, Washington, D.C.

Ninguém que tenha sido verdadeiramente tocado por uma obra de arte se refere a ela em pro-
sa analítica sem apreensão. Pode-se achar que só a arte tem o direito de reagir à arte. Se, entre-
tanto, considerarmos um exemplo concreto – a Quinta Elegia de Duino de Rilke, inspirada nos Sal-
timbancos de Picasso, de 1905 – compreenderemos que um poeta ou talvez um músico podem de
fato evocar alguns aspectos da experiência transmitida por um quadro ou uma escultura, mas apenas
em função da sua própria poesia ou música, e não pela referência direta ao meio de expressão da
própria obra original. Um poeta pode homenagear um quadro, mas só indiretamente pode ajudá-lo a
falar sua própria linguagem.

Os historiadores e os críticos podem dizer muitas coisas úteis sobre um quadro sem qualquer
referência a ele como obra de arte. Podem analisar seu simbolismo, atribuir seus temas a origens
filosóficas ou teológicas, e sua forma a modelos do passado; podem também usá-lo como um docu-
mento social, ou como uma manifestação de uma atitude mental. Tudo isso, contudo, pode se limitar
ao quadro como um transmissor de informações factuais e não precisa se relacionar com seu poder
de transmitir o testemunho do artista através da expressão formal e do conteúdo. Por isso, muitos
2
historiadores ou críticos sensíveis concordariam com Hans Sedlmayr quando afirma que tais aborda-
gens deixam de considerar fatores que só se podem explicar como qualidades artísticas. Isso equi-
vale a dizer que, a menos que tenha apreendido intuitivamente a mensagem estética de um quadro, o
analista não pode esperar lidar intelectualmente com ele como uma obra de arte.

Todos conhecemos aquelas horas de tristeza ocasional em um museu ou galeria, quando os


objetos expostos estão nas paredes ao redor, absurdamente silenciosos como os trajes postos de
lado após a representação da noite anterior. O espectador não está inclinado a reagir às qualidades
“dinâmicas” de forma e cor, e, por isso, o objeto físico está devidamente presente e observável, mas
a obra de arte não. Ou, usando outros exemplos, conhecemos a frustração de tentar comunicar a per-
feição e riqueza de um quadro, tão evidentes para os nossos olhos, a um companheiro que não as
vê.

1
ARNHEIN, Rudolf. Intuição e Intelecto na Arte. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. (coleção a). Este texto foi publicado
pela prim eira vez em Art Education, vol. 23, nº 8, novembro de 1970.
2
SEDLMAYR, Hans. Kunst und Wahrheit. Hamburgo: Rowohlt, 1958. p.37.
O professor de arte à moda antiga, que se limita a indicar o assunto, e seu moderno sucessor,
que pergunta às crianças quantas formas arredondadas ou pontos vermelhos podem encontrar no
quadro, não fazem mais que encorajar a criança a olhar. Fazer a obra se tornar viva é outra coisa.
Para fazer isso, é preciso dar-se conta, de forma sistemática mas intuitiva, dos fatores de forma e cor
que transmitem as forças visuais de direção, relação e expressão, pois estas forças visuais propor-
cionam o principal acesso ao significado simbólico da arte.

Na prática, o que significa tal exigência? Para ilustrar, escolherei um daqueles quadros a que o
visitante comum presta pouca atenção, uma pequena Adoração dos Magos de Giovanni di Paolo, na
Galeria Nacional de Washington (fig. 01). É o tipo de obra que os especialistas de uma geração ante-
rior costumavam tratar com um sorriso condescendente e um fácil floreado de linguagem. Em 1914,
um crítico referiu-se a seu criador como “um pintor afável cujo palavreado, simples e agradável, é às
3
vezes intercalado de deliciosa música” . Ele não tomara conhecimento de Giovanni di Paolo.

Qualquer introdução válida a determinada obra de arte é uma revelação da arte em geral, mas
só quando transmite o choque da grandeza. Obras diferentes realizarão isso em diferentes pessoas,
e, por isso, o intérprete deve fazer sua própria escolha na esperança de que os princípios a que se
refere em seus exemplos sejam reconhecidos por outros em suas obras preferidas.

No segundo capítulo de São Mateus, lemos a história da maneira como nosso pintor a conhe-
cia:

Quando ouviram o rei, partiram; e, vejam, a estrela que viram no leste os guiou, até que chegou e se deteve
sobre onde estava o menino. Quando viram a estrela, rejubilaram-se com extraordinária alegria. E quando en-
traram na casa viram a criancinha com Maria, sua mãe, e se ajoelharam e a reverenciaram; e quando, depois,
abriram seus tesouros, ofertaram-lhes os seus presentes: ouro, incenso e mirra.

Contada em palavras, a história está cheia de quandos. Uma coisa ocorre após a outra numa
seqüência temporal. No quadro, o elenco exibe o contraponto entre ação e estase: os reis viajam e
chegam; a estrela se move e pára; os reis apresentam seus cumprimentos, enquanto a família, no
estábulo, fica imóvel. O quadro, não sendo literatura, nem teatro ou filme, está fora do tempo. O que
representa é algo melhor do que um segmento momentâneo da história. O pintor não oferece um
instantâneo, mas um equivalente. Sintetiza todos os aspectos salientes: a peregrinação, a chegada, o
reconhecimento, a homenagem e a bênção, e traduz ação e imobilidade em seus correlatos pictóri-
cos.

Assim como o quadro não condensa simplesmente os episódios da história na dimensão tem-
poral, não comprime a amplitude espacial da história como um acordeão. Os reis e seu séquito ex-
pandem-se livremente pela área ocupada pela composição do quadro. Estão ao mesmo tempo, den-
tro e fora da gruta. O evangelho diz que a família de José estava dentro da casa, e, astronomica-
mente, a estrela deve ter pairado a muitos quilômetros acima, no céu. Não se pode dizer, no entanto,
que o pintor simplesmente reduziu a altura física ou que derrubou a parede da frente da casa. Ao
contrário, ele recomeça a partir da superfície do minúsculo quadro e confere a cada elemento o lugar
que o torna visível e define sua função no conjunto. Ele redistribui toda a cena dentro do plano frontal.
Se nossa percepção do plano do quadro, que as crianças pequenas e outras pessoas simples pos-
suem espontaneamente e que os pintores de nosso século restabeleceram, estiver absolutamente
intacta, não sentiremos esta disposição frontal como um artifício forçado, mas como um comporta-
mento natural em espaço bidimensional. Não estamos mais conscientes da superfície plana do que
um peixe da água. As condições invariáveis do meio de expressão não são explicitamente percebi-
das; são as regras não percebidas do jogo pictórico.

Uma sensação de bem-estar emana de uma organização que se ajusta ao meio de expressão.
Em tal organização cada componente da história é especialmente livre para existir e atuar de acordo
com sua função. Uma vez que a história é apresentada a partir de um ponto de vista particular, ela
tem uma ordem de importância gradual, com a ação em primeiro plano, a posição da gruta e da casa
atrás dele, e a paisagem no distante plano de fundo. Esta ordem não é o resultado acidental da pers-
3
BRECK, Joseph. “Some Paintings by Giovanni di Paolo”. Art in America, vol. 2. 1914, pp.177ss.
pectiva, da forma como esta poderia ser reproduzida pela câmara de um repórter fotográfico, mas
uma ordem inerente à lógica do próprio fato pictórico. As superposições não são arbitrárias. As figu-
ras humanas se sobrepõem ao cenário. O menino está à frente da mãe, e Maria está à frente se Jo-
sé. O rei ajoelhado está à frente do cocho e do burro e somente a mão do filho de Deus pode pe-
netrar no halo e tocar a fronte do líder do cortejo, prostrado à sua frente.

As cores concorrem para criar ordem. O vermelho, uma cor de grande força sugestiva, é reser-
vado à cena frontal da ação. Dois campos principais de azul servem para unificar a formação larga-
mente exposta das figuras, num amplo salto dos cavalariços, à esquerda, à Madona, sentada à di-
reita. As vestes do pai, da mãe e do rei envolvem o Cristo menino, encerrado no centro de um agru-
pamento triangular das três cores primárias: o amarelo, o azul e o vermelho.

Tal unificação é necessária porque a cena compreende elementos de grande variedade. A his-
tória evolui da esquerda para a direita – direção em que naturalmente se desloca o sentido da visão -;
ela nos faz chegar com os visitantes e seguir na direção do grupo da família. O grupo de cabeças de
homens e cavalos, à esquerda, se aclara numa seqüência linear, que se move para cima e para baixo
como as notas de uma melodia. Ela se eleva em direção ao rei em pé, encarnação do apogeu do
poder terreno, em seguida desce na direção do rei ajoelhado e do rei submisso – três fases de uma
ação “estroboscópica” unitária – e torna a subir, verticalmente, para a cabeça da Madona.

A seqüência linear é completada por relações cruzadas. O rei, em pé, e a Virgem, na mesma
linha de altura, se defrontam separados por uma caverna aberta, como os supremos poderes secula-
res e eclesiásticos, a exemplo dos Gibelinos e dos Guelfos. O resultado do confronto está retratado
no ato de submissão. O mais digno dos três soberanos temporais põe sua coroa aos pés da Madona.

O arranjo das figuras no plano frontal é fortemente dinâmico. Ao contrário das notas musicais
de uma partitura, que expressam progressões de tensão variada mas não podem, simplesmente, por
seu próprio aparecimento, gerar uma tensão, as formas das figuras de nosso pintor sienense estão
cheias de energia dirigida. A entrada dos cavalos por trás do cenário e o grupo de figuras à esquerda
devem ser sentidos como eventos. O grupo dos três cavalariços é como uma concentração de poder,
que envia primeiro, na frente, os dois escudeiros, e então dá um longo salto até o rei em pé. Nesse
ponto, o movimento parece ser contido por uma súbita e respeitosa hesitação: o passo que desce
para o rei ajoelhado é mais curto, como que contraído. Outro salto rápido e sincopado alcança a ca-
beça do ancião de barbas. Então, a seqüência de figuras torna a se reunir num grupo, o da família,
apenas para se dissolver numa superfície oblíqua através das cabeças das duas criadas. A menos
que esta seqüência dinâmica se estabeleça com contigüidade musical, o quadro não estará surtindo
efeito.

Nossa descrição subentende que os padrões formais não se podem separar do tema. Os dia-
gramas pelos quais os intérpretes da arte gostam de expor padrões básicos de composição podem
ser válidos, mas apenas se revelam a criatura viva dentro do arcabouço. Em nosso exemplo particu-
lar, a disposição das formas da figuras é profundamente modificada, por exemplo, pela direção para a
qual as pessoas estão olhando. Olhando para trás, para retardatários, dois dos cavalariços indicam
que a história vem de fora da moldura. Um coro de rostos – pagens, reis, animais – está direcionado
para a tríade familiar, que replica com a orientação oposta. Nada disso seria compreensível para um
observador que nunca tivesse visto uma cabeça humana. Nem iria ele perceber os poderosos vetores
criados pelos olhos dos atores. Os olhares voltados da mãe e do filho, que vão além da benção divina
a seus pés e se dirigem ao acontecimento mais amplo como um todo, são eixos de composição de
fundamental importância, os detalhes sendo tão ativos como se fossem portadores de formas tangí-
veis; o semblante denso de José bloqueia um dos canais de relação mútua entre os dois grupos tão
bem como uma veneziana fechada.

Num sentido mais amplo, cada detalhe de informação sobre o conteúdo representativo de um
quadro não só aumenta o que já conhecemos, mas modifica o que vemos. É psicologicamente falso
supor que nada é visto além daquilo que estimula a retina dos olhos. Basta comparar a experiência
visual de um quadro que narra uma história conhecida, digamos, com uma miniatura persa, igual-
mente diante dos olhos e, mesmo assim, extremamente enganosa se quem não sabe do que se trata.
A idéia absurda de que a verdadeira apreciação da arte ignora o tema – ao lado dos estudos iconoló-
gicos, igualmente restritivos, que examinam apenas o assunto – tem afastado gerações de estudan-
tes da compreensão e experiência estética adequadas.

Contudo, é verdade que em obras de arte bem-sucedidas a estrutura global mais evidente ten-
de a simbolizar o tema básico. O arranjo das figuras de Giovanni di Paolo transmite diretamente a
ação de forças visuais que expressão a chegada, o confronto e a submissão. Cada detalhe descritivo
do quadro está incluído num padrão altamente abstrato e simples, que faz com que a obra pareça
monumental, seja ela vista num reprodução, numa tela de cinema ou no pequeno painel de madeira
original, de 31,76 cm por 43, 08 cm. Este recurso de composição reveste de grandeza o pequeno
quadro tanto por realizar uma completa correspondência e inter-relação de conteúdo e forma quanto
por apresentar a plenitude do mundo visual à luz do pensamento organizador.

Depois de perceber o caráter abstrato do padrão condutor, estamos preparados para conside-
rar a característica mais espetacular de composição do quadro, ou seja, a formação rochosa da gruta
ao fundo da cena de Adoração.

O que importa aqui não é que essas formas não se pareçam com rochas verdadeiras, mas que
contribuem com um elemento visual decisivo para o quadro. A formação rochosa se eleva da es-
querda numa fuga de ondas rápidas e justapostas em direção à estrela de Belém, que permanece
diretamente sobre a cabeça do menino. Este crescendo de forma pura, tão “abstrato” quanto uma
obra de arte moderna, conta a história uma vez mais. Aqui, porém, o simbolismo vai até mesmo além
daquele da melodia visual nas figuras de primeiro plano. Ele prescinde da narração teatral, da repre-
sentação das complexas relações entre o poder temporal e o poder sagrado. Mostra simplesmente a
arremetida do terreno em direção às alturas da salvação, representada pelo brilho dourado da estrela.
Este desígnio essencial e poderoso, comparável apenas a um prelúdio para órgão, é, afinal de con-
tas, o tema subjacente à totalidade do fértil episódio. Vemos então que as duas versões da história se
completam. O arco ascendente da caverna é contrabalançado pela inclinação da seqüência das figu-
ras principais; e até o tabuleiro inclinado de segundo plano apóia, com seus paralelos isométricos, o
ímpeto dominante em direção à estrela.

Nessa altura, se a análise tiver sido inteiramente adequada, o quadro deverá ter começado a
falar. Neste caso, será possível, se se quiser, ir além dos limites da obra isolada, e vê-la em seu con-
junto. Pintada por volta da metade do século XV, quando o artista estaria mais ou menos com cin-
qüenta anos, esta composição da maturidade pode se comparar à sua versão um pouco anterior do
mesmo tema, hoje, no Cleveland Museum of Art (fig.02). O quadro de Cleveland é essencialmente
uma cópia da famosa Adoração dos Magos de Gentile da Fabriano (fig.03), pintada em 1423 para a
Igreja de Santa Trinità em Florença e agora na Galeria dos Uffizi; ele mostra, da maneira mais notá-
vel, como um artista em evolução, sob o impacto de um mestre de renome, fica tolhido em usar a sua
própria imaginação. Falta-lhe a consistência do estilo do outro, e ainda é incapaz de realizar o seu.
Após olhar o quadro de Cleveland, vemos na Adoração de Washington a liberação de um artista que
se encontrou e pode, assim, encontrar em sua própria linguagem uma forma superiormente ade-
quada para a história que quer contar. A partir daí, podemos traçar o desenvolvimento futuro do ar-
tista até a série dos São João Batista do Chicago Art Institute, considerada por alguns a mais alta
4
realização de Giovanni .

Há muitos outros caminhos , históricos, estéticos e sociais, que podemos adotar a partir da A-
doração de Giovanni di Paolo, e para chegar a ela. Porém, para tornar a enfatizar, nenhum desses
acréscimos verdadeiramente se justifica, a não se que o quadro se tenha revelado, antes de tudo,
como uma obra de arte. A experiência da arte, proporcionada por um de seus grandes exemplos,
deve ser o começo e o fim de todas as investigações deste tipo.

4
FRANCIS, Henry, Sayles. “A New Giovanni di Paolo”. Art Quarterly, vol. 5, 1942, p. 313 – 322.
(fig.02) Giovanni di Paolo. Adoração dos Magos, após 1423, Cleveland Museum of Art, Holden Fund.

(fig.03) Gentile da Fabriano. Adoração dos Magos. 1423, Galeria dos Uffizi, Florença.
Os Sentidos se Deliciam em coisas Devidamente Proporcionadas1

Com as palavras do título desta seção, o filósofo escolástico italiano Santo Tomás de Aquino
(c. 1225-1274) tentou captar uma relação fundamental entre beleza e matemática. Os humanos pare-
cem reagir com uma sensação de prazer a “formas” que possuem certas simetrias ou obedecem a
certas regras geométricas.

Em nosso exame do valor estético potencial da Razão Áurea, iremos nos concentrar na esté-
tica das formas e linhas muito simples, não representacionais, e não em materiais visuais de obras de
arte complexos. Além disso, na maioria das experiências psicológicas que descreverei o termo “belo”
foi, na verdade, evitado. Em vez disso, foram utilizadas palavras como “agradável” e “atraente”. Isto
evita a necessidade de uma definição de “belo” e se baseia no fato de que a maioria das pessoas tem
uma ideia muito boa do que gosta, mesmo que não consiga explicar o motivo.

Muitos autores afirmam que o Retângulo Áureo é o mais esteticamente agradável de todos os
retângulos. O interesse mais recente por esta questão foi iniciado por uma série de publicações meio
excêntricas do pesquisador alemão Adolph Zeising, que começou em 1854 com Neue Leher von den
Proportionen des menschichen Körpers (A nova teoria das proporções no corpo humano) e culminou
com a publicação (após a morte de Zeising) de um livro volumoso, Der Goldne Schnitt (A seção áu-
rea), em 1884. Nestas obras, Zeising combinou sua própria interpretação das ideais pitagóricas e
vitruvianas para afirmar que “a divisão do corpo humano, a estrutura de muitos animais que são ca-
racterizados por uma constituição bem desenvolvida, os tipos fundamentais de muitas formas de
plantas,... a harmonia dos acordes musicais mais prazerosos e a proporcionalidade dos mais belos
trabalhos em arquitetura e escultura” se baseiam na Razão Áurea. Para ele, portanto, a Razão Áurea
oferecia a chave para a compreensão de todas as proporções nas “mais refinadas formas de natu-
reza e arte”.

Um dos fundadores da psicologia moderna, Gustav Theodor Fechner (1801-1887), tomou para
si a tarefa de verificar a teoria predileta de Zeising. Fechner é considerado um pioneiro da estética
experimental. Em uma de suas primeiras experiências, ele fez uma pesquisa de opinião pública na
qual pedia aos visitantes da Galeria de Dresden que comparassem a beleza de duas pinturas de Ma-
dona praticamente idênticas (a “Madona de Darmstadt” e a “Madona de Dresden”) que estavam ex-
postas juntas. As duas pinturas foram atribuídas ao pintor alemão Hans Holbein, o Jovem (1497 –
1543), mas havia uma suspeita de que a “Madona de Dresden” fosse, na verdade, uma cópia. Esta
experiência foi um fracasso total – de 11.842 visitantes, apenas 113 responderam ao questionário, e
mesmo esses eram, na maioria, críticos de arte ou pessoas que tinham opiniões prévias.

As primeiras experiências de Fechner com retângulos foram feitas na década de 1860 e os re-
sultados foram publicados em 1870, e acabaram sendo resumidos no seu livro Vorschule der Aesthe-
tik (Introdução à estética), de 1876. Ele se rebelou contra uma abordagem da estética, de cima para
baixo que começa com a formulação de princípios abstratos de beleza. Em vez disso, defendia o
desenvolvimento da estética experimental de baixo para cima. A experiência era bastante simples:
dez retângulos foram colocados em frente a um indivíduo, a quem se pedia que escolhesse o mais
agradável e o menos agradável. Os retângulos variavam no quociente entre comprimento e largura
de um quadrado (uma razão de 1,00) até um retângulo alongado (uma razão de 2,5). Três dos retân-
gulos eram mais alongados que o Retângulo Áureo, e seis eram mais próximos de um quadrado.
Segundo a descrição feita pelo próprio Fechner do ambiente da experiência, os voluntários frequen-
temente esperavam e hesitavam, rejeitando um retângulo após o outro. Enquanto isso, o responsável
pela experiência explicaria que eles deveriam escolher cuidadosamente o retângulo mais agradável,
harmônico e elegante. Na experiência de Fechner, 76% das escolhas se concentravam em três re-
tângulos que tinham as razões 1,75, 1,62, 1,50, com o pico no Retângulo Áureo (1,62). Cada um dos
outros retângulos foi escolhido por menos de 10% das pessoas.

1
LIVIO, Mario. Os sentidos se deliciam em coisas devidamente proporcionais. In:________.Razão Áurea: a história de Fi, um
número surpreendente. 5 ed. Rio de Janeiro: Record, 2011. p. 203
A motivação de Fechner para estudar o assunto para a pesquisa não estava isenta de precon-
ceito. Ele próprio admitia que a inspiração para a pesquisa surgiu quando ele “teve a visão de um
mundo unificado de pensamento, espírito e matéria, ligados pelo mistério dos números”. Embora nin-
guém acuse Fechner de alterar os resultados, algumas pessoas especulam que ele pode ter produ-
zido subconscientemente circunstâncias que favoreceram o resultado que ele desejava. De fato, os
artigos não publicados de Fechner revelam que ele fez experiências semelhantes com elipses, e não
tendo conseguido descobrir qualquer preferência pela Razão Áurea, não publicou os resultados.

Fechner também mediu as dimensões de milhares de livros, molduras de quadros, janelas e


outros objetos retangulares. Seus resultados foram bastante interessantes e quase sempre divertidos.
Por exemplo, ele verificou que as cartas de baralho alemãs tendiam a ser um pouco mais alongadas
do que o Retângulo Áureo, enquanto as francesas eram menos alongadas. Por outro lado, ele desco-
briu que a proporção altura-largura média de quarenta romances da biblioteca pública era próxima de
Φ. Pinturas (a área dentro da moldura) eram, na verdade, “significativamente mais curtas” que o Re-
tângulo Áureo. Fechner fez a seguinte observação sobre o formato de janelas (politicamente incorre-
tas, segundo os padrões atuais): “Somente os formatos das janelas de casas de camponeses pare-
cem quase sempre quadrados, o que é coerente com o fato de que pessoas com um menor nível de
educação têm maior preferência por esta forma do que as pessoas com uma educação mais ele-
vada”. Fechner ainda afirmou que o ponto em que a peça transversa cruzava o poste de pé nas cru-
zes tumulares dividia o poste, em média, em uma Razão Áurea.

Muitos pesquisadores repetiram a experiências semelhantes no século XX, com resultados va-
riados. Grandes entusiastas da Razão Áurea costumam relatar somente as experiências que pare-
cem sustentar a ideia de uma preferência estética pela Razão Áurea. Contudo, pesquisadores mais
cuidadosos chamam a atenção para a natureza bastante tosca e para os defeitos metodológicos de
muitas dessas experiências. Alguns acharam que os resultados dependiam, por exemplo, do posicio-
namento dos retângulos: se estavam posicionados com seu lado comprido horizontalmente ou verti-
calmente, e do tamanho e da cor dos retângulos, da idade dos voluntários, de diferenças culturais e,
principalmente, do método experimental utilizados. Em um artigo publicado em 1965, os psicólogos
americanos L. A. Stone e L. G. Collins sugeriram que a preferência pelo Retângulo Áureo apontada
por algumas das experiências estava relacionada com a área do campo visual humano. Esses pes-
quisadores descobriram que “um retângulo médio” de retângulos desenhados dentro e em torno do
campo de visão binocular de vários participantes da experiência tinha uma razão entre o comprimento
e a largura de cerca de 1,5, não muito distante da Razão Áurea. Experiências posteriores, porém, não
confirmaram a hipótese de Stone e Collins. Em uma experiência feita em 1966 por H. R. Schiffman,
da Universidade de Rutgers, pediu-se aos participantes que “desenhassem em uma folha de papel o
retângulo mais esteticamente agradável” que eles pudessem. Depois disso, eles foram instruídos a
direcionar a figura horizontalmente ou verticalmente (em relação ao seu lado mais comprido) na posi-
ção mais agradável. Embora Schiffman tenha encontrado uma preferência esmagadora pela direção
horizontal, coerente com o formato do campo visual, a razão média entre o comprimento e a largura
foi de aproximadamente 1,9 – distante tanto da Razão Áurea quanto do “retângulo médio” do campo
visual.

O psicólogo Michael Godkewitsch, da Universidade de Toronto, lançou dúvidas ainda maiores


a respeito da ideia do Retângulo Áureo ser o retângulo mais agradável. Godkewistch primeiro desta-
cou o fato importante de que a preferência média do grupo pode não refletir o retângulo preferido de
cada indivíduo. Quase sempre, uma coisa que é preferida pela média não é a primeira escolha de
ninguém. Por exemplo, a marca de chocolate que todo mundo escolhe em segundo lugar pode, na
média, ficar em primeiro, mas ninguém a compra! Consequentemente, as primeiras escolhas forne-
cem uma medida mais significativa de preferência do que a classificação da preferência média. God-
kewitsch notou também que, se a preferência pela Razão Áurea é, de fato, universal e genuína, então
deveria receber o maior número de primeiras escolhas, independentemente dos outros retângulos
que fossem apresentados aos participantes.

Godkewitsch publicou em 1974 os resultados de um estudo que envolveu vinte e sete retân-
gulos com razão entre comprimento e largura em três classes. Em uma classe, a Razão Áurea vinha
depois do retângulo mais alongado; em outra, estava no meio, e no terceiro, vinha depois do mais
curto. Os resultados da experiência mostraram, segundo Godkewitsch, que a preferência pelo Retân-
gulo Áureo era uma consequência de sua posição na classe dos retângulos que eram apresentados e
do fato de que fora usada a classificação de preferências médias (em vez das primeiras escolhas)
nas primeiras experiências. Godkewitsch concluiu que “a questão básica, se existe ou não, no mundo
ocidental, uma preferência estética verbalmente expressa e confiável por uma razão específica entre
comprimento e largura de formatos retangulares provavelmente pode ser respondida negativamente.
A teoria estética dificilmente tem qualquer análise racional que veja a Seção Áurea como um fator
decisivo na beleza visual formal”.

Nem todos concordam com as conclusões de Godkewitsch. O psicólogo britânico Chris McMa-
nus publicou em 1980 os resultados de um cuidadoso estudo em que usou o método de compara-
ções em pares, no qual o julgamento é feito para cada par de retângulos. Este método é considerado
superior a outras técnicas experimentais, pois há bastante evidência de que classificações tendem a
ser um processo de comparações de pares sucessivos. McManus concluiu que “existe razoável evi-
dência do fenômeno que Fechner defendeu, mesmo que a própria metodologia de Fechner na sua
demonstração seja, na melhor das hipóteses, bastante suspeita devido a artifícios metodológicos”.
McManus admitiu, porém, que, “se a Seção Áurea, per se, é importante, em vez de razões similares
(por exemplo 1,5, 1,6 ou mesmo 1,75) não está claro”.
Princípio de Vitrúvio1
“Para que um todo, dividido em partes desiguais,
pareça harmonioso, é preciso que exista, entre a
parte pequena e a maior, a mesma relação que
entre a grande e o todo."

1: Trace uma reta AB. Neste exemplo, 10 cm.

3: Com a ponta seca do compasso em B,


2: Divida a reta ao meio e marque o ponto C.
abertura BC, trace um arco.

4: Trace uma reta perpendicular à reta AB, 5: Com a ponta seca do compasso em D,
partinto do ponto B. Marque o ponto D onde o abertura DB, trace um arco. Marque o ponto E
arco cruza a perpendicular. onde os arcos se cruzam.

6: Com a ponta seca do compasso em A,


abertura AE, trace um arco. Marque o ponto F na F é a Seção Áurea da reta AB. AF/FB = AB/AF
reta AB.

1
RIBEIRO, Milton. Planejamento Visual Gráfico. 7 ed. Brasíla: Linha Gráfica Editora, 1998
Obtenção de um Retângulo Áureo a partir de um quadrado.

2: Divida a base do quadrado ao meio e marque


1: Trace um quadrado ABCD, neste exemplo,
o ponto E. Trace a diagonal EB e prolongue a
com 8 cm de lado.
base.

3: com a ponta seca do compasso em E,


4: Trace uma reta perpendicular à base, partindo
abertura EB, trace um arco cruzando o
de F e feche o retângulo.
prolongamento da base e marque o ponto F.

O retângulo AGCF está em Proporção Áurea. O


retângulo BGDF também é um Retângulo Áureo,
assim como os demais retângulos obtidos
através das subdivisões que mantêm esta
proporção.
DOCUMENTOS DO PROCESSO: marcas indiciais da cria-
ção75

José Cirillo
De modo geral, pode-se dizer que o processo de criação nas artes visuais é a-
companhado pelo registro das reflexões da mente criadora em determinados suportes
(móveis ou não), os quais deixam acessíveis alguns vestígios do ato criador. Para Sal-
les (2000, p.17), esses documentos poderiam ser definidos como "registros materiais
do processo criador. São registros temporais de uma gênese que agem como índices
do percurso criativo". Pode-se dizer que são marcas, evidências da temporalidade con-
tínua e não-linear da mente do artista em ação.
Acabada a obra, esses registros vão sendo colocados à margem da nova cria-
ção, sendo raramente resgatados em um novo percurso gerativo, pelo menos de modo
direto e evidente. Entretanto, o interesse pelo estudo dos mecanismos e da estrutura
do gesto criador devolveu a essas marcas o frescor que Lhes é inerente. Dessa forma,
o crítico genético, ou crítico do processo, como uma espécie de voyeur, seduzido pela
possibilidade de descortinar momentos da ação do artista, coloca-os novamente em
ação. Ele os acompanha de modo crítico-interpretativo, buscando nexo nesses vestí-
gios; olha-os no seu conjunto, na sua possibilidade interativa, procurando compreendê-
los e assim como suas funções no processo de criação.

“A Crítica Genética analisa o documento autógrafo — documento vindo da pró-


pria mão do criador, não passando por processo de publicação - para com-
preender, no próprio movimento de criação, os mecanismos da produção, elu-
cidar os caminhos seguidos pelo artista e entender o processo que presidiu o
desenvolvimento da obra.” (Salles, 2000, p. 24).

Nessa busca por entender os meandros da produção da obra, os documentos


do processo cumprem funções fundamentais no processo criador que apóiam o traba-
lho do crítico genético.
Segundo Hay (1999), existe um tipologia inicial dos documentos do processo
que possibilita dar contornos à nomenclatura dos documentos, ou do seu conjunto, es-
sa tipologia antecede uma articulação dos objetos e suas funções de armazenamento e
experimentação. Assim, foi a análise dos diferentes tipos de objetos utilizados para as
anotações que o levou a uma taxonomia dos documentos do processo - na qual, embo-
ra tenha sido originalmente estabelecida a partir dos objetos que continham documen-
tos do processo de escritores, não se verifica grande alteração quanto ao seu uso nas
artes visuais: eles guardam marcas deixadas pêlos artistas durante o seu processo de
criação. Desse modo, são, conceitualmente, semelhantes.
Esse autor classificou os suportes do seguinte modo: a) cadernetas: classe de
objetos que compreende cadernos e diários; materialmente é formada por páginas fixas
"solidariamente" por algum procedimento de agrupamento - costura, brochura, grampo,
etc.; e b) suportes móveis: que compreendem fichas, folhas avulsas, páginas arranca-
das, conjuntos que garantem a disponibilidade de todos os seus elementos permitindo
sua visualização simultânea. Vale a pena salientar aqui que as paquetes e estudos tri-
dimensionais poderiam ser vistos em analogia aos suportes avulsos apontados por

75
CIRILLO, 2009
Hay, porém optou-se por considerá-los como um terceiro tipo de suporte, espe-
cificamente por se tratar de uma investigação ligada às artes visuais.
Distinguem-se, ainda que por uma "pequena sutileza", esses suportes solidários,
fixos em algum tipo de encadernação: cadernetas, cadernos e diários. Os diários são o
lugar do tempo, constituem-se pela V malha da escrita no tempo: "[...] o que é original-
mente o lugar de um tempo pode tornar-se, no diário de viagem, o tempo de um lugar.
Na agenda, um sistema de referências apoiado no tempo dos relógios e calendários".
Nessa função articulada com o tempo, reside, pois, a distinção entre diários, ca-
dernos e cadernetas — que são de fato para ele os instrumentos da mente criadora. As
diferenças entre os dois últimos sintetizam-se numa questão simples: as suas possibili-
dades de transporte vinculadas ao seu tamanho físico - daí originam-se diferenças
conceituais. A caderneta, um pequeno caderno de bolso, pode acompanhar mais facil-
mente o corpo do artista nos mais distintos lugares e presta-se mais comumente a ano-
tações rápidas, breves registros da idéia para evitar sua fuga: ela é armazenada para
ser posteriormente trabalhada. Hay ainda as divide em dois tipos: cadernetas de esbo-
ço: das anotações mais diversas e rápidas, o suficiente para que não escapem à me-
mória; e as cadernetas de pesquisa, destinadas às notações de uma obra em anda-
mento.
No caso das artes visuais, os tipos mais comuns são os cadernos de artista, as
agendas e os suportes móveis, como folhas avulsas, que se prestam a estudos predo-
minantemente bidimensionais. Os arquivos digitais, bem como os estudos tridimensio-
nais, como maquetes da obra e/ou modelos para fundição em outros materiais, funcio-
nam como documentos móveis, posta a sua mobilidade e seu uso como suportes para
anotações de idéias, acertos e projetos. Assim como os documentos dos escritores,
esses suportes trazem consigo a interação de diferentes sistemas semióticos, dentre
os quais estão textos verbais, visuais e alfa-numéricos, com predominância dos textos
visuais.
A materialidade dos suportes é, cabe aqui salientar, uma escolha de cada artis-
ta, bem como das tecnologias que se lhe estão disponíveis e a fisicalidade da notação.
As mídias contemporâneas ligadas à estética da virtualidade estão desenvolvendo ou-
tros tipos de suportes, os digitais, que carecem de estudos posteriores, porém, não são
foco de interesse deste texto.
Quanto às funções dos documentos do processo, de modo geral, pode-se dizer
que são funções gerais dos documentos do processo: armazenamento e experimenta-
ção. Os documentos do processo servem, desde o início do trabalho do artista, para o
armazenamento de idéias, imagens e materiais possíveis, informações geradoras que
são ou que poderão ser relevantes à pesquisa estética, em desenvolvimento ou não,
de modo que essas não lhe escapem no pântano da memória. A idéia é guardada no
frescor do insight, o que garante à mente criadora possibilidades de retorno a ela em
momentos posteriores. De modo geral, os documentos de processo funcionam como
um grande arquivo que amplia a capacidade da mente do artista de armazenar idéias e
projetos. Assim, a análise da complexidade dos documentos de processo evidencia
como o artista armazena e experimenta diferentes níveis ou categorias da constituição
do objeto estético. As diferentes experimentações presentes nos documentos podem
evidenciar reflexões e testes de hipóteses estéticas do artista: de modo geral são clas-
sificadas cinco principais experimentações nos documentos da criação: eidética ou
formal, topológica ou espacial, cromática, material e conceituai (Cirillo, 2004, 2006).
Essa diversidade de informações presente nos registros anexa-se à própria diversidade
dos suportes que as contém — o que ir definir que tipo de documento se está analisan-
do.
Assim, os documentos do processo de criação dos artistas apresentam-se como
um reservatório da mente criadora, tendo a função de rememoração experimental, o
que permite, segundo Louis Hay (1999, p.15), uma "[...] passagem do vivido para o re-
vivido, do revivido para o imaginário": como registros da imagem geradora, esses ca-
dernos de artista permeiam tanto o vivido quanto a própria obra. São experiências sen-
síveis do sujeito criador sendo registradas, podendo, ou não, serem reoperadas em
obras.
Desse modo, os documentos do processo configuram-se como testemunhos da
singularidade do sujeito criador e dos esquemas mentais que envolvem o seu processo
de criação. Assim, eles estruturam-se como a fonte primeira de pesquisa da crítica de
processo por se revelarem como marcas do processo de criação o qual, embora seja
sempre único, traz consigo a possibilidade de recorrências que possibilitam o desen-
volvimento de uma teoria geral do processo de criação. Pode-se ainda dizer que esses
documentos ampliam a própria capacidade da mente criadora de gerar novas imagens
e obras, que eles aprimoram o funcionamento e, muitas vezes, aceleram o processo de
gênese de uma obra por apresentarem possibilidades antes experimentadas pelo artis-
ta em outros momentos de seu projeto poético. De modo geral, esses documentos se-
riam uma extensão da mente criadora.

Os cadernos de artista como extensão da mente

A possibilidade de a crítica genética aproximar-se dos procedimentos da mente


criadora, como anteriormente visto, dá-se pela leitura dos vestígios deixados ao longo
de sua ação no tempo. Pensando mente e corpo do sujeito da criação como integran-
tes de uma unidade biopsicológica, pode-se admitir que o corpo do artista é o "limite
movente" entre a idéia de futuro e a de passado; pode-se considerá-lo, então, como
locus da ação no tempo. Desse modo, pensa-se aqui, pois, qual seria o papel dos do-
cumentos do processo na ação desse limite movente?
Pensando em termos fenomenológicos, os documentos de processo funcionam,
segundo Bergson, como "uma extremidade móvel que nosso passado estenderia a to-
do o momento em nosso futuro". Sua configuração, no caso das artes visuais, é mate-
rializada como um conjunto de registros visuais e verbais que revelam momentos da
elaboração. Essa fonte dos estudos genéticos é composta por esquemas mentais que
possibilitam "projetar", antecipando a obra no tempo e no espaço por meio de registros
gráficos. Uma grande maioria dos artistas plásticos o faz em suportes, avulsos ou não,
que permitem que o projeto faça a antecipação fenomenológica da obra de arte em
construção.
Admitida a idéia de antecipação de uma determinada tarefa — no caso, a apa-
rência e os procedimentos de execução de uma obra, os documentos do processo fa-
zem lembrar a possibilidade humana de projetar. Karl Marx, em O Capital, ao conside-
rar o trabalho uma atividade peculiar ao homem, distingue o mais inapto dos arquitetos
da mais eficiente das abelhas, pela capacidade que o primeiro tem de construir na sua
cabeça (mente) a célula antes de construí-la na cera. Na realidade, essa distinção está
na possibilidade de projetar, com o auxílio da memória e da imaginação, o objeto a ser
construído, o qual desde antes existia como potência na mente criadora.
Fisher (1983), ao desenvolver as questões que permeiam a necessidade da arte
e da relação do trabalho com o homem, a partir da dialética marxista, considera que o
homem se tornou homem por meio do desenvolvimento de ferramentas "[...] ele se fez,
se produziu a si mesmo, fazendo e produzindo ferramentas" (p. 21), com as quais ele
se apoderou da natureza para transformá-la. Com isso, um novo sistema de relações
entre uma espécie biológica e o resto do mundo se estabeleceu com o uso de instru-
mentos, que ampliam a ação do corpo e da mente para além do campo da causa-
efeito. O efeito, diz Fisher, passa a ser "propósito" e, como tal, norteador do processo
de trabalho. É obvio que todo ser vivo estabelece um certo tipo de relação de propósito
com o mundo circundante, mas esse propósito está relacionado com um conjunto de
operações ordenadas pelo metabolismo e pela necessidade de sobrevivência, estando
ainda limitadas ao pleno funcionamento dos seus órgãos biológicos: é uma relação di-
reta, sem intermediários. Para Fischer, a ação humana, assim configurada, é me-
tabolismo mediado por um instrumento de trabalho com o qual o meio precede o pro-
pósito, o qual se revela pelo uso desses meios. Assim, os instrumentos biológicos (ór-
gãos necessários à sua existência como organismo vivo) podem ser melhorados por
meio de instrumentos ou ferramentas, ou mesmo substituídos por elas. Poder-se-ia
falar aqui, então, que há a construção de uma espécie de prolongamento do corpo por
meio de um instrumento, ou seja, de extensões do corpo.
Nesse sentido, é ontológica a seqüência inicial de 2001 — Uma odisséia no es-
paço, de Stanley Kubrick (1969). A posse de um instrumento (o osso) altera irrever-
sivelmente o modo de sobrevivência no grupo de humanóides, o que é indicado na se-
qüência em que o osso é arremessado para o céu "transformando-se" durante sua
queda em uma nave espacial: o instrumento catalisando o processo de desenvol-
vimento científico e tecnológico da humanidade.
Pode-se, então, aqui fazer outra afirmação fenomenológica, sem os receios que
a ciência insiste em colocar: o instrumento de trabalho — exterior ao organismo, ao
corpo biológico — é uma extensão que prolonga e melhora o corpo. São definidos aqui
como extensão: instrumentos, mesmo que rudimentares, de origem orgânica ou não, e
substituíveis à medida que se extinguem ou que outros mais eficientes sejam desen-
volvidos. Ou seja, algo que, estando para além do corpo físico do homem, possa ser
produzido permitindo prever e antecipar ocorrências e, desse modo, garantir um certo
grau de previsibilidade e de alterabilidade no objeto, ou na ação resultante do uso des-
ses instrumentos. Essas extensões tornam o corpo mais eficiente, permitindo a obser-
vação e a (re) contextualização do observado tanto espacial, quanto temporalmente,
garantindo uma certa antecipação, ou uma idéia prévia da existência espaço-temporal
do fenômeno em construção (no caso das artes visuais, a obra apresentada ao públi-
co). Diferentemente dos órgãos biológicos, as suas extensões podem ser adequadas e
substituídas em função do seu aprimoramento e da sua eficiência na execução da tare-
fa.
Os documentos do processo são estudados aqui no campo fenomenológico
dessas extensões do corpo. Esses documentos do processo de criação - ainda que
fragmentados, fornecem uma visão dos mecanismos e esquemas mentais que envol-
vem o próprio processo de criação. Esses documentos — em sua diversidade formal e
material-, possibilitam o acesso ao texto visual (a obra de arte) em seu estado de gê-
nese, ou seja, anterior à sua exibição pública, seu compartilhamento com o corpo soci-
al. Nessas extensões da mente criadora, os documentos do processo podem ser locali-
zados, evidenciando os esquemas mentais expressos, principalmente, na forma de de-
senhos e seus códigos portadores de alto grau de subjetividade, porém a percepção da
interação e da flexibilização dos diferentes sistemas semióticos, presentes nessas pá-
ginas, poderá permitir o acesso ao pensamento criador em ato, reforçando o seu po-
tencial como fenômeno comunicativo. O entendimento das relações comunicativas que
envolvem o processo de criação dá visibilidade a ações da mente do artista e aos diá-
logos por ela estabelecidos, o que parece poder tornar possível uma aproximação com
essa outra dimensão da obra exibida ao público: as incertezas e a (in) completude evi-
denciadas nos documentos do processo, na gênese da obra de arte.
Assim, retomando a idéia da mente capaz de antever o objeto em construção,
pode-se dizer que essa antecipação é, freqüentemente, acompanhada pelo uso de ins-
trumentos que permitem o k e vir nas reflexões durante a gênese do objeto. Esses ins-
trumentos, extensões da mente, possibilitam um acesso mais rápido às imagens e da-
dos que estão grafados na memória do artista, não os substituindo — apenas ampliam
sua capacidade e velocidade de ação. Registrados nesses instrumentos (os documen-
tos do processo) sob a forma de signos: verbais e não-verbais (grafismos, rascunhos e
notas) são capazes de recuperar momentos da experiência que os gerou. É claro que
tal recuperação não dá a totalidade da experiência, pois, como dito antes, nenhum sig-
no é capaz de dar a completude do objeto que representa porque é incompleto em re-
lação a esse objeto. Esses registros podem, ainda, também desvelar partes da rede de
articulações decorrentes do momento do registro nas páginas dos cadernos e sua inte-
ração no gesto criador, o que permite sua constante revisão, colocando os documentos
do processo como texto em movimento.
Poder-se-ia então, dizer que os documentos do processo são extensões que au-
xiliam o corpo criador na construção da obra nas artes visuais. Esses documentos são
instrumentos quase sempre não biológicos (não se descarta que alguns trabalhos têm
o próprio corpo do artista como instrumento de ação e experimentação) que acompa-
nham o processo de criação, agilizando, ampliando e transformando a ação da mente
criadora. Eles permitem à mente visualizar, por meio de uma diversidade de palavras,
símbolos, grafismos, desenhos, anotações, enfim, signos visuais e verbais, partes do
processo de elaboração da obra que é uma extensão do pensamento criador no seu
processo de publicidade. Evidencia-se, novamente, um caráter comunicativo nessas
extensões do corpo criador.
Abstração: Uma Introdução1

Novas Maneiras de Declarar o que é o Caso

Toda arte é abstrata, no sentido de que toda arte se envolve no mundo e nos aspectos abstra-
tos dele para nos apresentar um objeto ou um acontecimento que aviva ou ilumina nossa apreensão
do mundo. “O mundo é tudo o que é o caso”, escreveu Ludwig Wittgenstein, no início de um projeto
filosófico que começou como um esforço para descrever logicamente o mundo e terminou com refle-
xões a respeito da natureza problemática da própria linguagem que devemos usar quando formos
descrever o que quer que seja. O progresso de uma arte de uma arte da representação para a da
abstração de certa maneira ocorreu paralelamente a essa busca moderna quintessencial por um novo
tipo de verdade. “Tudo que é o caso” inclui a natureza e a sociedade, o ambiente construído, as es-
truturas da religião, da arte e da ciência, e todos os maravilhosos e mundanos atos, pensamentos e
emoções, especulações e imaginações que compreendem uma cultura humana complexa. A partir
dos primeiros anos do século XX, pintores e escultores nas tradições europeias de arte, mais do que
em qualquer época desde a Renascença, buscaram de modo consciente formas radicalmente novas
de representar sua experiência do mundo. Eles se lançaram à criação de uma arte que revelaria as-
pectos da realidade que pareciam inacessíveis às técnicas e convenções da arte figurativa.

A grande e duradoura ideia de que a pintura e a escultura poderiam retratar a realidade do


mundo por meio da imitação iluminadora (mimese), ou da representação ilusionista de fenômenos
naturais, foi de repente posta em dúvida. Muitos artistas viam a representação figurativa como uma
limitação a sua capacidade de representar as realidades da experiência, incluída a experiência espi-
ritual, com o tipo de intensidade ou clareza que revelaria sua verdadeira natureza. Além disso, os
artistas sentiram necessidade de levar em consideração realidades novas, então reveladas pela ciên-
cia, dinâmicas recentemente descobertas pela matemática e pela física, novas ideias em psicologia,
desenvolvimentos pós-darwinianos na biologia, na religião e no que se costumava chamar de “filoso-
fia natural”. Eles estavam sensíveis também à nova política da social-democracia, do comunismo e da
liberdade individual. Estavam conscientes das grandes mudanças na tecnologia industrial, do início
dos voos tripulados, do motor a combustão interna, da fotografia e do cinema. As cidades nas quais
viviam estavam numa condição de transformação dinâmica. Tudo isso trouxe como consequências a
rejeição das velhas formas de arte que buscavam imitar a aparência das coisas e a invenção de no-
vas formas que revelariam as relações ocultas entre as coisas. Objetos são objetos; eles podem ser
retratados, mas representar as relações dinâmicas entre os objetos exigia uma linguagem visual abs-
trata.

Isso não significa que os artistas no início do novo século compreendessem plenamente, ao
modo dos teóricos, cientistas e outros especialistas, os variados desenvolvimentos intelectuais, espi-
rituais e tecnológicos que estavam ocorrendo. Nem precisavam. Os artistas têm seu próprio trabalho
a fazer, pesquisas intuitivas específicas a realizar. O que havia era que algo de muito excitante es-
tava no ar e que a palavra novo se aplicava a quase tudo que estava acontecendo. Ao lado da pala-
vra “moderno”, ela se tornaria uma das palavras-chaves afirmativas do século, um talismã verbal,
tanto para os artistas como para os críticos. Este livro enfocará aquilo que inúmeros artistas muito
diferentes do século XX, trabalhando em lugares diferentes com diferentes ideias e intenções, produ-
ziram em resposta à grande imposição modernista “Faça o novo!”.

A originalidade criativa, para os artistas modernos, estava sujeita aos imperativos da autentici-
dade: resposta às exigências da vida interior, engajamento verdadeiro na realidade externa e liber-
dade de enunciação. Essa ênfase sobre a experiência individual tornava inevitável que as obras as-
sumissem muitas formas diferentes e que o pensavam sobre o significado e os propósitos da arte
fosse correspondentemente diverso. Efetivamente não houve nenhum “movimento abstrato” enquanto
tal, mas muitas manifestações de uma tendência poderosa da arte moderna para longe da represen-
tação de objetos reconhecíveis no espaço pictórico (não importa em que estilo ou maneira) e em di-

1
GOODING, Mel. Abstração: Uma Introdução. In:________. Arte Abstrata. São Paulo: Cosac Naify, 2002. (Movimentos da Arte
Moderna). p. 6-9.
reção à apresentação da pintura ou escultura como um objeto real no espaço real. Alguns artistas
acreditavam que tal objeto poderia mesmo emanar uma espécie de energia, sensual ou espiritual e
ativar o espaço ao seu redor. A disposição das linhas, os formatos e as cores na tela, ou as formas
esculturais puras no espaço, tendo sido abstraídas da natureza, operavam agora diretamente sobre o
espectador, como faziam os fenômenos naturais da luz, da cor, da textura e do movimento. Alguns
sentiam que a obra de arte abstrata poderia induzir a um sentimento do numinoso ou do transcen-
dente e ocupar um lugar na vida espiritual entre os objetos sagrados ou os ícones do passado.

Todas as pinturas e esculturas são, é claro, “objetos reais no espaço real”. Tendo isso em
vista, as obras abstratas devem representar algo à mente, assim como as obras figurativas apresen-
tam uma imagem ao olho. Tais distinções não têm a intenção de ser um jogo de palavras paradoxal,
mas, sim, a de enfatizar as importantes diferenças de propósito e de efeito entre os dois tipos de arte.
Elas demonstram as dificuldades de terminologia que todos nós encontramos quando falamos ou
escrevemos sobre arte abstrata. Essas dificuldades são aumentadas por uma linguagem às vezes
mistificadora e contraditória que caracteriza os enunciados e escritos de muitos dos maiores artistas
abstratos. O que os artistas escrevem é com frequência muito interessante em relação às fontes e às
intenções de suas obras, mas nunca é definitivo ou conclusivo quanto aos seus efeitos. Ao especta-
dor cabe criar significados; não cabe ao artista ditá-los.

Muitos artistas responderam à liberdade de expressão sem precedentes, necessária para a


abstração, expandindo as possibilidades expressivas da arte figurativa. Cores arbitrárias; pinceladas
veementes e texturas exageradas; colagens e outras rupturas da superfície; distorções da figura e de
outras formas naturais: esses foram alguns dentre os diversos artifícios adotados. Em muitos casos,
técnicas anteriormente vistas como preliminares, manejo grosseiro de materiais em direção à com-
pletude e ao “acabamento”, passaram a ser considerados válidos por si, como aspectos expressivos
autênticos da obra acabada. Um dos (muitos) problemas que surge na discussão da abstração e de
suas histórias na arte moderna é que o próprio termo “abstrato” tem sido amplamente usado para
descrever distorções e exageros figurativos em pinturas e esculturas ou artifícios formais que se
afastam das convenções da representação naturalista. Obras de Pablo Picasso, Henri Matisse,
Constantin Brancusi e Henry Moore, dentre outros grandes artistas figurativos, têm sido com frequên-
cia descritas como “abstratas”. O uso comum do termo pretendia identificar o afastamento da repre-
sentação de objetos ou do espaço tal como percebidos na natureza, da “aparência que as coisas
têm”, em direção a uma representação mais generalizada, simplificada ou distorcida delas. À luz de
minha observação inicial, isso não deveria nos surpreender. Toda arte figurativa, incluídas a pintura e
a escultura acadêmicas realistas, é “abstrata” nos termos da primeira observação: ela opera por sele-
ção, ênfase, exagero.

Em todo caso, sabemos perfeitamente bem que o mundo, na verdade, não se parece com suas
representações pintadas: mesmo os artifícios mais naturalistas, como a perspectiva, as convenções
de sombra e tonalidade, as técnicas de modelagem, entre outros, meramente criam para o especta-
dor a ilusão de olhar como que através de uma janela para o mundo, ou para algo “semelhante à
vida”, embora inerte, em nosso espaço imediato. Os artistas sempre souberam que essa transforma-
ção mágica é um assunto complexo que abrange elementos de design e estrutura, linha e formato,
textura e fatura, ritmo e intervalo, luz e sombra, cor e tonalidade. Esses componentes são abstratos,
no sentido em que são propriedades e qualidades percebidas das coisas e não as próprias coisas.
Percebendo essa verdade profunda acerca da representação naturalista com a força de uma revela-
ção, muitos dos melhores artistas do século XX buscaram libertar a arte do que foi chamado de “tira-
nia da aparência”, especialmente das convenções acadêmicas de imitação ilusionista e dos artifícios
enganadores que tinha sido ensinados nas academias de arte desde a Renascença.
Arte Op1
O termo ótico ou retínico aplica-se geralmente àquelas obras bi e tridimensionais que exploram
e tiram proveito da falibilidade do olho humano. As únicas outras generalizações que são pertinentes
neste ponto são que a arte op é abstrata, essencialmente formal e exata, e que pode ser vista como
um desenvolvimento do construtivismo e da essência do objetivo de Malevich, que era "assegurar a
supremacia da sensibilidade pura em arte". Além disso, podia ser também vista como uma tendência
influenciada por ideias desenvolvidas na Bauhaus e pelas de Moholy-Nagy e Josef Albers. O organi-
zador da Responsive Eye Exhibition (a primeira exposição internacional com predomínio de pinturas
óticas, realizada no Museu de Arte Moderna de Nova York em fevereiro de 1965), William Seitz, que
tem documentado desde 1962 o idioma op e outros que lhe são estreitamente afins, referiu-se à arte
op como geradora de respostas perceptivas. Ela possui essencialmente a qualidade dinâmica que
provoca imagens e sensações ilusórias no espectador, quer isso ocorra na estrutura física do olho ou
no próprio cérebro. Assim, pode-se deduzir que a arte op lida com a ilusão de um modo muito funda-
mental e significativo.

Neste ponto, entretanto, é preciso ser mais específico, uma vez que toda a arte está, em certa
medida, envolvida com a ilusão. A ilusão explora a capacidade do espectador para completar ima-
gens mentalmente com base na sua experiência anterior. É, além disso, o processo pelo qual a ima-
ginação é estimulada para derrotar a lógica da tela bidimensional. É o caso, por exemplo, do trompe
l'oeil. Entretanto, o termo arte op refere-se ao tipo de ilusão em que os processos normais de visão
são postos em dúvida, principalmente através dos fenômenos óticos da obra.

Como denominação, arte op vem sendo geralmente usado desde o outono de 1964. Surgiu du-
rante um período especialmente prolífico para movimentos recém-criados e foi aplicado, de um modo
mais ou menos vago, àquelas obras que exploravam relações cromáticas ou ambíguas, ou, em ver-
dade, a quaisquer pinturas que lidassem com o que Albers descreveu como "a discrepância entre o
fato físico e o efeito psíquico". Expressão cunhada nos Estados Unidos, arte op foi citada pela pri-
meira vez em letra de forma na revista Time (outubro de 1964), e dois meses depois era apresentada
na revista Life. Em 1965, arte op já era uma expressão corrente que se referia na Inglaterra e nos
Estados Unidos a tecidos em padrões de branco-e-preto, a arranjos de vitrinas e, de um modo geral,
a objetos utilitários. Um aspecto ímpar do movimento foi a sua chegada quase simultânea em ambas
as frentes: a esotérica e a popular.

Os ancestrais da arte op como idioma artístico da percepção, levando-o até os limites possíveis
dentro do campo da representação, foram os impressionistas e pós-impressionistas (sendo Seurat o
mais óbvio exemplo), que empregaram como modo de expressão a mistura ótica de tons e cores,
rejeitando o método de mistura prévia da tinta na paleta e permitindo que o olho misturasse os pontos
de cor pura a uma certa distância. As formas indeterminadas em seus quadros resolvem-se cromática
e figurativamente quando o espectador recua alguns passos para uma posição adequada. Enquanto
a técnica pontilhista foi meramente uma abordagem criativa para pintores como Seurat, Signac, Pis-
sarro e Cross, na década de 1880, os aspectos técnicos da arte op estão comprometidos com um
conceito hoje familiar na pintura moderna, quando essa técnica de fato se converteu no tema, virtu-
almente o único conteúdo da tela. Assim, essas qualidades, a técnica e o tema, são totalmente indivi-
síveis.

As influências mais diretas sobre o desenvolvimento do movimento da arte op, que data grosso
modo de 1960 na forma de numerosas linhas individuais de pesquisa, sobretudo na França e na Itá-
lia, serão encontradas nas obras e teorias de Josef Albers e Victor Vasarely. Albers, que lecionou na
Bauhaus, no Black Mountain College e em Yale, onde deu suas famosas aulas sobre cor, sempre
sublinhara o fato de que qualquer obra que envolva o uso da cor é um estudo empírico de relações. A
afirmação tampouco é, em si mesma, revolucionária; Ruskin já se referira à cor como totalmente rela-
tiva, dependente da que lhe é colocada ao lado, ao passo que considerou absoluta a forma. Albers,
entretanto, explorou esse campo provavelmente mais a fundo do que qualquer outro artista vivo e
demonstrou todos os matizes de relatividade e instabilidade da cor e do tom através de várias intera-
ções em sua série de quadros intitulada "Homenagem ao Quadrado". Ele mostrou até que ponto a cor
pode ser ilusória, como é possível fazer cores diferentes parecerem idênticas e ler três cores como
duas ou, inversamente, como quatro. A arte de Albers é a arte da pura sensação e, embora não seja
tão desconcertante nem visualmente tão perturbadora quanto as telas em preto-e-branco de Bridget

1
REICHARDT, Jasia. Arte Op. In: STANGOS, Nikos.(org.). Conceitos da Arte Moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1991. p. 170-173.
Riley, por exemplo, ou as ilustrações dadas como exemplos nos compêndios sobre psicologia e fisi-
ologia da percepção, as características essenciais do que hoje se designa como arte ótica ou retínica
fazem parte integrante de sua obra.

Vasarely esteve criando desde 1935 o que poderia ser descrito como estímulos oculares em
preto-e-branco. Entre essas criações encontram-se suas composições de tabuleiros de xadrez com
as respectivas peças e pinturas de motivos como tigres e zebras, que atuam como veículos para pa-
drões listrados. Em todas as pinturas desde então, ele tem empregado a ambiguidade e a desorien-
tação óticas através do uso de ritmos sincopados e padrões geométricos. As construções em preto-e-
branco, coloridas e, mais recentemente, as tridimensionais são a expressão da ideia de Vasarely do
que devem ser as relações entre a obra e o — espectador. Acredita ele que "vivenciar a presença de
uma obra de arte é mais importante do que compreendê-la". O conceito intelectual de compreensão
torna-se irrelevante num domínio da arte que está envolvido com a sensação num grau tal que gera
um efeito virtualmente físico no observador. Vasarely está empenhado na despersonalização do ato
do artista — acredita que as obras de arte deveriam ser acessíveis a todos e rejeita o caráter ímpar
2
das mesmas. Ao seu próprio campo de atividade aplicou o termo "arte cinetista” — uma forma de
arte que se baseia na ilusão multidimensional. Enquanto que a arte cinética implica, stricto sensu, o
uso de movimento mecânico, a arte cinetista está envolvida com o movimento ilusionístico ou virtual.
O termo "cinetismo" também poderá ser considerado aplicável à obra de Yaacov Agam, sobretudo às
suas pinturas polimórficas em superfícies onduladas com padrões que se fundem e mudam à medida
que o espectador vai passando diante delas, bem como às obrasde Cruz Diez e J.R. Soto, onde a
ilusão de movimento ocorre quando o espectador caminha, permanecendo a obra estacionária.

Como rótulo, arte op é desconfortável para os artistas a cujas obras ele se aplica. Não é uma
forma de arte programática na medida em que seu aspecto crucial envolve mais uma técnica do que
uma ideologia. Poucas teorias subjacentes são fornecidas pelos próprios artistas e, além disso, é
impossível fazer qualquer delimitação exata quanto ao início e fim precisos do movimento. Algumas
obras cinéticas, por exemplo, em que se faz uso de efeitos de luz e de uma certa ambiguidade espa-
cial, tocam frequentemente os limites da arte op. O Groupe de Recherche d'Art Visuel, de Paris, tra-
balha não só com movimento mecânico, mas também com a ilusão de movimento. O exemplo clás-
sico do uso de ambos os tipos de movimento são os roto-relevos de Duchamp de 1935 — discos com
padrões circulares que produzem a ilusão de movimento em perspectiva quando colocados em um
toca-discos. Na outra ponta da escala, também na linha limítrofe da arte op, estão aquelas pinturas
formalmente tão ambíguas que o observador alterna as leituras, por exemplo, as composições de
Ellsworth Kelly em que figura e fundo são intercambiáveis. Aí, a simplicidade de formas e o uso espe-
cífico da cor permitem o efeito. As pinturas de Kelly, tal como as de Peter Sedgley e os quadros de
Larry Poons e Richard Anuszkiewicz, exploram a falsa impressão gerada pelo uso de cores comple-
mentares e produzem uma forte pós-imagem. Embora essas pinturas pareçam pertencer tão natural-
mente ao movimento da arte op, cumpre lembrar que Kelly, por exemplo, pintou suas composições
cromáticas de figura e fundo já nos anos 50, numa época em que outros e diferentes aspectos de sua
obra, que não os óticos, estavam sendo discutidos. Isso também vale, é claro, para artistas como
Vasarely, Max Bill, Soto e Karl Gerstner, entre muitos outros, cujas atividades pessoais subitamente
se harmonizaram, em 1964, com uma recém-denominada tendência.

O número de artistas trabalhando no idioma da arte op é muito limitado e entre aqueles que
entrariam nessa categoria muito restrita estão os que exploram efeitos tais corno os padrões moiré
(semelhantes às formas onduladas e tremulantes de seda achamalotada). Estes resultam da sobre-
posição inexata de dois ou mais conjuntos de linhas paralelas ou outras estruturas repetitivas. Os
efeitos quase mágicos de linhas ondulantes com ilusão de profundidade e movimento foram utilizados
por J.R. Soto, Gerald Oster, John Goodyear, Ludwig Wilding e Mon Levinson.

As obras mais dinâmicas, do ponto de vista ótico, além de três construções dimensionais
como os quadros com lentes de Karl Gerstner e as caixas ilusionísticas de vidro por Leroy Lamis e
Robert Stevenson, são aquelas pinturas em preto-e-branco que parecem produzir uma superfície
completamente instável. O pintor mais inventivo nesse campo é Bridget Riley, cujas faixas ondulantes
e várias progressões formais se baseiam em padrões intuitivamente concebidos, os quais são siste-
maticamente desenvolvidos na pintura acabada. Entre outros artistas cujas pinturas produzem estra-
nhas perturbações e ambiguidades óticas, estão o pintor japonês Tadasky, que realiza composições
de círculos concêntricos pintados num toca-discos, e o norte-americano Julian Stanczak, que cria
imagens orgânicas abstratas com faixas pretas e brancas horizontais e verticais de espessuras variá-
2
O original joga com a distinção entre "Kinetic" e "cinelic", impossívelde verter adequadamente para o português, o que levou o
tradutor a recorrer à distinção entre "cinético" e "cinetista", um expediente inevitável no caso presente. (N.R.T.)
veis. Suas obras funcionam de acordo com o que Gombrich chamou o princípio do et coetera, um
estado que se observa quando a mente é ardilosamente induzida a ver algo que não existe, por
causa das condições físicas criadas. As pinturas op não se prestam à exploração intelectual — o forte
delas é a provocação de um intenso impacto sensual e, com frequência, sensacional, o qual, em úl-
tima análise, pode ser nada mais, nada menos do que uma experiência ímpar.
PADRÕES GEOMÉTRICOS ISLÂMICOS (Introdução)13

Eric Broug
Os padrões geométricos estão entre as mais reconhecidas expressões visuais
da arte e arquitetura Islâmicas. Mas o que nós sabemos sobre como estes padrões
foram criados, ou a respeito dos artesãos e técnicas que usaram? No passado, os ar-
tesãos tinham um extenso conhecimento prático de geometria. Eles sabiam como divi-
dir um círculo em doze partes iguais sem medir os ângulos com um transferidor. Eles
poderiam construir um grande padrão geométrico no domo de uma mesquita e assegu-
rar que os motivos básicos se ligariam perfeitamente em torno dele. Sua habilidade não
era baseada em teorias e cálculos matemáticos; eles criavam os padrões desenhando
círculos e linhas.
Certamente é possível analisar os padrões matematicamente, medindo as dife-
rentes linhas e ângulos. Atualmente nós tendemos a uma grande dependência de fer-
ramentas como o transferidor, esquadros ou uma calculadora em nosso entendimento
de geometria. Este livro usa uma diferente abordagem, dando algumas dicas sobre o
que deve ter sido o trabalho um artesão tradicional e testemunhar um padrão tomar
forma. Uma orientação passo a passo nos ajuda a entender como eles estavam aptos
a criar intrincados desenhos a centenas de anos atrás. Você precisa apenas de régua e
compasso para desenhar os padrões dete livro, os mesmos instrumentos usados pelos
artesãos do passado. O domíno das técnicas básicas de geometria lhe dará as
habilidades práticas de grande utilidade em todos os campos do Design, mesmo na era
digital.
Deixando de lado régua e composso, tente imaginar que tem apenas um pedaço
de corda a sua disposição. No mundo antigo, era isto que os arquitetos usavam para
desenhar em larga escala no chão a planta de um edifício. Uma Ponta da corda era
amarrada a um ponto fixo; na outra havia um pedaço de madeira. Caminhando em
torno do ponto fixo com a corda esticada, o arquiteto poderia marcar um círculo
perfeito, cujo tamanho naturalmente era determinado pelo comprimento da corda.
Linhas retas também poderiam ser traçadas, novamente segurando a corda esticada
entre dois pontos. Um compasso e uma régua são versões sofisticadas da corda; nada
mais era necessário então, e o mesmo princípio são aplicados aos padrões
geométricos neste livro.
Usar um pedaço de corda recomendável para trabalhos em grande escala, mas
mesnos apropriado para pequenos padrões. Construções a régua e compasso (usados
para desenhar padrões geométricos) vieram substituir o método da corda e foram
descritas pelo matémático grego Euclídes em seu Elementos por volta de 300 a.C.
Você precisará de um compasso ajustével para desenhar os padrões deste livro, mas
por séculos os construtores islâmicos usaram um compasso não ajustével que produzia

círculos de diametro igual. Qualquer um familiarizado com padrões geométricos


entenderá a importancia da precisão. Se vários círculos de mesmo diametro serão
desenhados, é vital que certirficar-se de que têm realmente o mesmo tamanho, para
evitar problemas em estágios posteriores. É por isso que, historicamente, os
compassos não ajustáveis eram preferidos pois possibilitavam que arquitetos e
artesãos sempre construíssem círculos precisamente. Não é fácil imaginar a grande

13
(BROUG, 2008). Traduzido por Eduardo Bernardes
habilidade prática que tinham para criar padrões complexos com compassos não
ajustáveis.
A maioria dos padrões geométricos na arte e arquitetura islâmica são baseados
na repetição de um único motivo, que é desenhado de tal modo que todos seus
componentes recorrentes se encaixam em uma sequencia perfeita. Ao invés de
desenhar um padrão detalhado para cobrir toda uma parede, os artesãos dividem a
superfície em um gride de quadrados ou exágonos, por exemplo, e então repetem o
motivo individual em cada unidade. Todos os padrões deste livro se encaixam ou em
uma quadrodo ou em um exágono, dos quais maiores desenhos geométricos podem
ser criados pela repetição da unidade.
Cada padrão é tomado de um prédio ou trabalho artístico que é identificado no
título, junto à sua localização e data. Duas datas são fornecidas: as primeiras seguem o
sistema ocidental (cristão); o segundo mostra a mesma data no calendário islâmico,
que começa no ano da migração de Maomé de Meca a Medina em 622 d.C. (
conhecida como hegira e designada AH para anno hegirae). Cada prédio ou trabalho
artístico foi selecionado para refleitr a rica herança do mundo islâmico, apesar dos
padrões poderem ser encontrados em vários outros lugares. Há uma grande variedade
de estilos geométricos, e a preferência por certos padrões depende do período e da
região.
© ERIC BROUG 2006
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Garrafas e Peixes1

BRAQUE, Georges. Garrafa e Peixes, 1910. Óleo sobre tela, 61x75 cm. Londes, Tate Modern

Por ocasião da primeira grande exposição individual com os trabalhos de Georges Braque, na
Galerie Kahnweiler, em 1908, o escritor Charles Morice (1861-1919), que se tinha tornado célebre
graças às dissertações que fez sobre Paul Cézanne, escreveu: “A audácia de um van Dongem
parece comp-letamente ‘razoável’ se o compararmos com o trabalho do Sr. Georges Braque. Apesar
de aqui se tratar de mais do que apenas a diferença no grau de ousadia – não é melhor nem pior,
mas sim algo de diferente. O Sr. van Dongen continua a manter o bom gosto, tanto assim que
permanece fiel ao dizer tradicional de que as formas devem geralmente poder ser ‘compreendidas’; o
Sr. Braque libertou-se destas correntes conclusívas. Em termos pictóricos, ele assume um conceito
de geometria que é compreendido de imediato e ao qual sujeita todo o seu campo de visão; e assim
tenta representar toda a natureza como uma combinação de apenas algumas formas absolutas...
ninguém se preocupa menos com psicologia do que ele, e eu acredito que uma pedra o comove tão
fortemente quanto um rosto. Ele criou um alfabeto no qual cada letra tem um significado vasto. Antes
que apelidem o seu vocabulário básico de hediondo, digam-me primeiro se conseguem decifrá-lo e se
compreendem o fim decorativo a que se destinava.”

Em 1910, Braque começa a pintar naturezas mortas que se tornam cada vez mais abstratas. A
pintura Garrafa e Peixes (Bouteille et poissons) foi produzida durante o final do Verão e o princípio do
Outono, na cidade costeira do sula da França de L’Estaque, onde Braque habitualmente ficava desde
finais de Agosto até finais de Outubro. Conseguimos visualizar uma garrafa em pé através do
entrelaçado da rede de planos no lado esquerdo da pintura. Uma barra pintada em branco junto ao
gargalo da garrafa, confere plasticidade ao objeto; em geral a coloração é dominada pelo azul. Na
parte inferior do quadro, apenas nos apercebemos de fragmentos de peixes; cabeças de peixes, não
corpos interios. A combinação da garrafa e dos peixes não está encaixada num fundo espacial
reconhecível. Os objetos encontram-se dispersos e representados numa variedade de cores que não
correspondem às cores na realidade. A integração espacial dos objetos na pintura, só se desenvolve
nas mentes dos observadores.

A combinação de apenas alguns objetos é uma característica da maior parte das naturezas
mortas cubistas. Por veses estes objetos revelam algo sobre o hábito dos artistas, tal como no quadro
de Braque, Garrafas e Peixes, que cria associações com as condições relacionadas com a vida na
costa mediterrânica. Objetos carregados de significado eram muito conscientemente evitados a fim
de tentar representar uma nova realidade usando objetos do quotidiano.

1
GANTEFÜHRER-TRIER, Anne. Garrafas e Peixes. In:_________. Cubismo. Lisboa: Taschen, 2005.
Braque fem muito menos comentários e muito mais raramente acerca do seu trabalho, do que
Picasso ou outros cubistas. Um dos comentários que lhe sobreviveu é dedicado às suas naturezas
mortas e diz o seguinte: “não basta tornar visível o que pintamos; também tem de ser palpável. Uma
natureza morta deixa de ser uma natureza morta no momento em que deixamos de poder tocar-lhe
com a mão”.

Pintores Cubistas (fragmentos)2

Esses pintores (modernos), embora ainda observem a natureza, já não a imitam e evitam
cautelosamente a representação de cenas naturais observadas e reconstituídas pelo estudo.

A verossimilhança já não tem nenhuma importância, pois o artista tudo sacrifica às verdades,
às necessidades de uma natureza superior que ele supõe sem descobri-la. O tema já não conta e, se
conta, é muito pouco.

De forma geral, a arte moderna repudia a maior parte das técnicas de agradar legadas pelos
artistas do passado.

Se o alvo da pintura continua a ser, como sempre, o prazer dos olhos, espera-se doravante
que o amador nela encontre um prazer outro que aquele que pode propiciar-lhe, igualmente, o
espetáculo das coisas naturais.

O alvo secreto dos jovens pintores das escolas de vanguarda é fazer pintura pura. É uma arte
plástica inteiramente nova. Encontra-se apenas em seus primórdios e ainda não é tão abstrata
quanto gostaria de ser. A maior parte dos novos pintores fazem matemática sem sabê-lo, ou sabê-la,
mas ainda não abandonaram a natureza, que questionam pacientemente a fim de que ela lhes
mostre a estrada da vida.

Um Picasso estuda um objeto como um cirurgião disseca um cadáver.

Reprochou-se vivamente aos pintores novos suas preocupações geométricas. Entretanto, as


figuras geométricas são a essência do desenho. A geometria, ciência que tem por objeto o espaço,
suas dimensões e suas relações, foi desde sempre a regra precípua à pintura.

Os novos pintores, assim como seus predecessores, não se propuseram a ser geômetras.
Mas, pode-se dizer que a geometria é, para as artes plásticas, o que a gramática é para a arte do
escritor.

O cubismo diferencia-se da antiga pintura porque não se trata de uma arte de imitação, mas de
uma arte de concepção que tende a elevar-se até a criação.

Ao representar a realidade-concebida ou a realidade-criada, o pintor pode dar o efeito de três


dimensões; pode, de certa forma, cubicar. Não poderia fazê-lo representando simplesmente a
realidade-vista, a menos que forjasse o trompe l’oeil, como o escorço ou com a perspectiva, o que
deformaria a qualidade da forma concebida ou criada.

Por que “Cubismo”?3

A denominação de "cubismo" para esse movimento que teve sua fase áurea entre 1907 e
1914, não tem uma aplicação exata ao sentido verdadeiro dessa arte. Trata-se antes de um apelido
pespegado ironicamente às primeiras manifestações dessa pintura, denunciando-lhe o aspecto mais
contundente: a conformação em cubos dos objetos naturais.

2
APOLLINAIRE, Guillaume. Pintores Cubistas: meditações estéticas. Porto Alegre: L&PM, 1997.
3
GULLAR, Ferreira. Etapas da Arte Contemporânea: do Cubismo ao Neoconcretismo. São Paulo: Nobel, 1985.
Há varias versões acerca da denominação do cubismo, mas hoje em dia, está praticamente
aceita a versão dada por Maurice Raynal em 1922, e que se encontra também no Bilan du cubisme,
de François Fosca. Conta-nos Fosca que Braque enviara várias telas suas ao Salão do Outono de
1908, tendo sido algumas rejeitadas. Descontente, Braque retirou as aceitas e as expôs todas na
pequena galeria que Kahnweiler abrira, há um ano, na Rua Vignon, em Paris. Matisse fazia parte do
júri do Salão do Outono e teria contado a Louis Vauxcelles, crítico de arte, que Braque enviara paisa-
gens feitas com pequenos cubos. Num artigo para o GilBlas (14 -11-1908), Vauxcelles escreveu: "Ele
(Braque) despreza as formas, reduz tudo, sítios e figuras e casas, a esquemas geométricos, a cu-
bos". Assim nasceu o apelido, mais tarde adotado pêlos próprios pintores... cubistas. Mas em breve a
cubificação dos objetos era abandonada, partindo os já agora irremediavelmente cubistas para uma
planificação dos objetos o que fez desaparecer de seus quadros não só a terceira dimensão como
também os cubos.

Como dissemos, Cézanne e a escultura negra foram as duas mais fortes influências na
gestação do cubismo. Braque, que participara do movimento fauvista, descobriu a pintura de
Cézanne — a sua força renovadora— em 1907, numa retrospectiva do mestre de Aix realizada em
Paris, no Salão do Outono. A frase hoje célebre de Cézanne — "Traíter Ia nature par lê cylindre, Ia
sphère, lê cone..." — parece ter ganho nova significação aos ouvidos do jovem Braque. “E foi no ano
seguinte, em 1908, e precisamente no Estaque, onde Cézanne trabalhou muito tempo, que Braque
pintou as primeiras paisagens com ‘ ‘cubos”, as mesmas que foram rejeitadas no Salão do Outono
daquele ano e provocaram a alusão irônica de Matisse.

Braque vem de um cezannismo levado por ele a conseqüências inesperadas; Picasso vem das
formas "cortadas a machado" da escultura negra. Numa fonte e noutra, a preocupação formal supera
a intenção imitativa e, através da influência mútua dos dois pintores, um sobre o outro, essas duas
experiências se fundem na criação do novo vocabulário plástico.

Depois da fase "cubista" ou analítica, Braque e Picasso passam à fase sintética, onde os
planos já ganham independência. Daí passam à planificação total das formas: é o cubismo
"hermético".Tratando os objetos já não segundo o cubo, mas segundo uma decomposição em planos,
terminaram por reduzir o quadro a um espaço bidimensional, onde a profundidade é apenas um efeito
dos planos e dos tons. As cores são propositalmente neutras: o ocre, o cinza, o marrom, o verde
fosco. Decomposto em planos, o objeto (ou a figura) é reconstruído segundo a imaginação plástica do
pintor; torna-se quase irreconhecível, difícil de identificar.

De 1912a 1914, os quadros de Picasso e de Braque — quase sempre naturezas-mortas —


tornam-se cada vez mais "herméticos". Em meio aos algarismos desenhados, papéis colados,
fingimentos de mármore ou de veios de madeira, tudo colado ou pintado em pano de cozinha (em
lugar de tela), mal se distinguem alusões a figuras humanas ou objetos, como guitarras, cachimbos,
cordas de violão, etc. Já a sobriedade das cores do início é por vezes abandonada, não sendo raro o
uso de cores violentas que berram entre os tons surdos do ocre e do cinza. Em 1914 irrompe a
guerra, Braque é mobilizado, o grupo se dissolve. Alguns estudiosos costumam encerrar aqui o movi-
mento cubista, considerando as obras realizadas depois desse período — não só por Braque e
Picasso, como pelos demais cubistas — já prolongamentos individuais, sem o caráter de pesquisas
conjuntas e de criação política da fase anterior à guerra.

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