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David Ferreira Camargo, Doutorando UFSCar

Orientadores: Fernão Oliveira Sales e Luís Fernandes Nascimento


CAPES
cabodvd@gmail.com
Título da Comunicação: Observações dos caracteres - sobre a Sátira Primeira de Diderot

As ações de indivíduos que povoam as sociedades podem ser representadas de tantas


maneiras quanto são possíveis a criação de personagens literárias. O estudo dos caracteres
fornece os desenhos psicológicos e espirituosos ao poeta observador que os ressaltam e os
exageram conforme a arte. Trata-se da criação, ou mesmo da representação, dos traços que
configuram os tipos de pessoas viventes no mundo e que são evidentemente análogos àquelas
personagens da literatura. Tais configurações variam com a época e o lugar, o sexo, a idade, a
profissão, a constituição natural, os hábitos mais peculiares ao indivíduo e de todas
transformações circunstanciais que ocorrem no drama da vida de uma pessoa. Observar os
caracteres significa estudar os tipos que compõem ​a vasta diversidade de personagem na vida
em sociedade. Essa comédia do mundo - a sociedade - é composta dessas ações
entrecruzadas, constituindo as relações morais. Das condições de cada indivíduo, surge o jogo
das relações inter-humanas em que todos são impelidos a agir, de modo que torna-se possível
observar o motor das paixões, a emissão de juízos e a regularidade dos costumes. Toda
pessoa fala e age conforme seu caráter; e inversamente, os caracteres são impressos nas
falas e ações proferidas e feitas por cada pessoa. “São tantas milhares de cabeças, quantos
são os interesses”, dizia Horácio, isto é, cada qual fala e age conforme seus juízos e isso é o
que é ser uma pessoa, um indivíduo, um personagem.

Herdeiro do gênero satírico de Horácio, Diderot apresenta, em sua A ​Sátira Primeira:


sobre os caracteres, as palavras de caráter e de profissão, etc. exemplos cuidadosamente
escolhidos de palavras empregadas por determinados tipos de pessoas que, levadas a se
pronunciar em certas circunstâncias, acabam por revelar seus costumes e hábitos, os
idiotismos de profissão ou mesmo a linguagem da natureza, aquelas palavras que saem do
coração devido as paixões, sejam elas viciosas ou virtuosas. Tal estudo nos faz julgar as
palavras daquele que fala sob o ponto de vista moral e estético. O instinto de cada animal
justifica o comportamento circunscrito em sua espécie, mas somente a razão no homem pode
justificar toda a variedade de caracteres que se espalham nessa floresta que se chama a
sociedade. Não se trata de descrever e esgotar as diversas manifestações de gritos e
divergência de juízos, é antes de tudo apresentar que as observações dos caracteres nos
revelam a multiformidade da própria natureza humana. Tal natureza não é fixa; ela admite
transformações.

O gênero satírico aponta para as ações dos caracteres e seu modo de falar: seus juízos
e suas paixões. Ao mesmo tempo que nos leva a julgar o bem ou o mal de cada ação, da
baixeza ou da elegância das expressões, da mesquinhez ou da grandeza de espírito, Diderot
nos faz pensar que a natureza justifica tudo, ela não erra. Não porque haja uma finalidade
bondosa em um desígnio geral, mas porque as pessoas são observáveis e factuais. Elas
existem e agem, falam e se expressam. E isso notamos. Tendemos a efetuar juízos sobre os
caracteres. A ​Sátira Primeira nos apresenta diversos caracteres em esboço, é verdade. Talvez
ela nos prepare para outra obra mais grandiosa, a saber, ​a Sátira Segunda, ​nomeada ​O
sobrinho de Rameau. Mas sem dúvida a ​Primeira é a tentativa de nos fazer notar as
estranhezas morais que nos cercam. Essa sátira, onde bem e mal, riscados de maneiras
diversas, pode, com somente essas duas cores, fazer-nos reconhecer no mundo desenhos de
caracteres mais acabados.

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