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O ACORDE DE SEXTA NAPOLITANA1

O acorde de Sexta Napolitana é um acorde maior formado sobre o segundo grau


da escala menor, alterado descendentemente.
No exemplo nº 1, abaixo, aparece a tríade diminuta formada sobre o segundo
grau da tonalidade de Dó Menor. Trata-se de um acorde com função de subdominante.

Exemplo nº 1

Se a fundamental desse acorde for alterada descendentemente, obtém-se uma


tríade maior, o acorde de Db. Este acorde tem a função de subdominante anti-relativa –
sA – [cf. ex. nº 2(a)], ou seja, é a anti-relativa de Fm, que é a subdominante de Dó
Menor.

Exemplo nº 2

A cifragem gradual usada para o acorde napolitano pode ser -II ou bII,
indicando que a fundamental do acorde foi alterada descendentemente com relação à
tonalidade de base. Se aparece em primeira inversão, indica-se, ao lado do acorde: bII6.
Também se utiliza o símbolo N6 para indicar o acorde de sexta napolitana. Quando
aparece em estado fundamental, somente símbolo N é utilizado, pois deixa de ser um
“acorde de sexta”, isto é, uma tríade em primeira inversão.
Geralmente, porém, este acorde aparece em primeira inversão, na música do
Período Tonal. Daí vem sua denominação de “Sexta” Napolitana, pois há um intervalo

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Texto elaborado por Fernanda Krüger e Fernando Mattos.
de sexta menor entre o baixo e a fundamental do acorde [cf. ex. nº 2(b)]; as tríades em
primeira inversão eram denominadas “acordes de sexta”, nesta época.
Outro aspecto relevante é a associação histórica desse acorde à Escola
Napolitana de ópera, que inclui Alessandro Scarlatti (1660-1725), Giovanni Battista
Pergolesi (1710-36), Giovanni Paisiello (1740-1816), Domenico Cimarosa (1749-1801),
entre outros compositores importantes dos séculos XVII e XVIII. O trecho abaixo [cf.
ex. nº 3], retirado da ária Mi riverdi, o selva ombrosa, da ópera Griselda (1721), de
Scarlatti, está elaborado com base na progressão do acorde de Sexta Napolitana para a
Dominante, em Dó Menor.

Exemplo nº 3: Mi riverdi, o selva ombrosa, de A. Scarlatti.

Note-se, no exemplo nº 3, acima, que a armadura de clave indica a permanência


da prática modal em pleno século XVIII, pois a armadura com dois bemóis seria
indicativo do Modo Dórico em Dó. Até mesmo em peças de J.-P. Rameau e J. S. Bach,
os principais impulsionadores do Sistema Tonal da década de 1720, se encontra essa
espécie de anacronismo.
De qualquer forma, o acorde formado sobre o segundo grau bemolizado da
escala já era empregado em épocas anteriores, pois corresponde à tríade formada sobre
o segundo grau natural do Modo Frígio, sendo, portanto, encontrado em peças
polifônicas, desde o Renascimento. O primeiro encadeamento de acordes, no início da
canção polifônica Mille Regretz, de Josquin Des Prez (1445-1521), escrita no Modo
Frígio, apresenta o movimento em direção ao acorde formado sobre o segundo grau, em
estado fundamental [cf. ex. nº 4(a)]. Este acorde corresponde ao que será posteriormente
denominado de Acorde Napolitano, atualmente indicado pela cifra N.

Exemplo nº 4, Mille Regretz, J. Des Prez.

Ao ser empregado em primeira inversão, o Acorde Napolitano pode ser


percebido como um acorde de subdominante do qual a quinta justa foi suprimida e
substituída por uma sexta menor [cf. ex nº 5(a)]. Alguns autores preferem explicar o
acorde de Sexta Napolitana desta maneira, em vez de entendê-lo como uma
subdominante anti-relativa. Assim sendo, a cifra empregada é esta: s6> [cf. ex. nº 5(b)]:

Exemplo nº 5

Atualmente, a maneira mais usual de cifrar a Sexta Napolitana, tanto na


cifragem gradual quanto na cifragem funcional, é simplesmente através do símbolo N6
[cf. ex. nº 3 e ex. nº 5(b)]. Pode-se adotar essa maneira de cifrar, desde que se tenha em
mente que se trata de um acorde formado a partir do segundo grau bemolizado da escala
menor e que este acorde tem a função de subdominante alterada (seja entendendo-o
como sA ou como s6>).
Mesmo tendo sua origem a partir da escala menor, o acorde de Sexta Napolitana
pode ser empregado no modo maior; neste caso, deve-se também alterar
descendentemente a 5ª do acorde, para produzir um acorde maior sobre o segundo grau
bemolizado da escala. No final da exposição do segundo tema da Sonata nº 37, de
Joseph Haydn, um acorde de Sexta Napolitana conduz para um acorde de sétima
diminuta que tem a função de dominante da dominante; este, por sua vez, prepara a
cadência típica em Lá Maior: I 64 - V 7 - I [cf. ex. nº 6].

Exemplo nº 6: Sonata nº 37, I., J. Haydn

Em sua resolução padrão, a fundamental alterada do acorde de Sexta Napolitana


resolve na 3ª do acorde de dominante, o que produz um movimento de 3ª diminuta
descendente, a partir do segundo grau bemolizado para a sensível da tonalidade. É essa
resolução que produz a sonoridade característica da condução de vozes a partir de um
acorde de sexta napolitana. A terça (que está no baixo) e a quinta do acorde de sexta
napolitana são normalmente conduzidas por movimento contrário, para a fundamental
do acorde de dominante.
Exemplo nº 7

Se o acorde de sexta napolitana resolve em um acorde de dominante com sétima,


quando não está no baixo, a terça do acorde napolitano (que é normalmente a nota
dobrada neste acorde, pois corresponde à subdominante da tonalidade) permanece como
nota comum para preparar a sétima da dominante. Assim, se for tomado o exemplo
anterior como modelo, somente a voz de tenor é modificada, pois se mantém como nota
comum, transformando-se de terça da napolitana em sétima da dominante.

Exemplo nº 8

Se a intenção é preparar uma cadência imperfeita após a dominante, esta pode


apresentar a sétima no baixo. Neste caso, basta manter o baixo como nota comum e
transformar de terça do acorde napolitano em sétima da dominante, que, por sua vez,
resolve na terça do acorde de tônica. Note-se, no exemplo nº 9, abaixo, que o tenor
realiza um salto de terça descendente para a quinta da dominante, pois, dessa maneira, é
possível dobrar a fundamental do acorde de tônica cadencial sem a necessidade de um
salto mais amplo.
Exemplo nº 9

Em texturas a três vozes, o acorde de sexta napolitana pode aparecer incompleto.


Nesse caso, geralmente é a quinta que está omitida, sendo a terça que aparece dobrada.
Evita-se o dobramento da fundamental, nesse acorde, pois esta é a nota alterada com
relação à tonalidade e sua resolução padrão ocasionaria oitavas paralelas. Além disso, a
fundamental, em sua resolução padrão, resolve na sensível da tonalidade, que também
se evita dobrar pelo mesmo motivo, pois sua resolução obrigatória (motto obligato)
ocasionaria oitavas paralelas. No exemplo nº 10, abaixo,está a condução de vozes em
que o acorde napolitano tem a quinta suprimida.

Exemplo nº 10

Por ter apenas uma nota que o diferencia tanto do iiø6 quanto do iv [cf. ex. nº
11], o uso do Acorde de sexta napolitana é semelhante aos outros dois acordes com
função de subdominante do modo menor. Isso se aplica ao seu uso em progressões
harmônicas, ao dobramento de notas e à condução de vozes.
Exemplo nº 11

Assim, do ponto de vista das progressões harmônicas, o acorde de sexta


napolitana pode ser empregado nos mesmos movimentos em que são utilizados os
acordes iiø6 e iv; em outras palavras, o acorde de sexta napolitana é mais um acorde que
funciona como substituto da subdominante. Com relação ao dobramento de notas,
conforme foi mencionado anteriormente, dobra-se a subdominante da tonalidade, ou
seja, o quarto grau melódico, pois, dessa maneira, fica reforçado o caráter de
subdominante desses acordes. Quanto à condução de vozes, quando esses acordes se
movimentam para a dominante, as notas indicadas dentro de retângulos, no ex. nº 11,
conduzem para a sensível da tonalidade, seja através de um semitom descendente [cf.
ex. nº 12(a)], por meio de uma terça menor descendente [cf. ex. nº 12(b)], como pelo
movimento de terça diminuta descendente [cf. ex. nº 12(c)]. Como são as mesmas, nos
três acordes, as outras notas se movimentam da mesma maneira.

Exemplo nº 12

A resolução do acorde de sexta napolitana no acorde de dominante provoca uma


falsa relação entre as notas ré bemol e ré natural. Geralmente, essa falsa relação não era
evitada pelos compositores do Período Tonal, tendo se tornado característica do
emprego desse tipo de progressão harmônica. De qualquer forma, há maneiras de se
evitar o aparecimento de falsa relação, sendo a mais comum aquela que ocorre quando
N6 é conduzido para um acorde de V7 com a 5ª omitida [cf. ex. nº 13].

Exemplo nº 13

O Acorde de sexta napolitana também é comumente usado precedendo o acorde


cadencial com quarta e sexta apojatura – i 64 . A resolução mais usual é aquela em que as

vozes superiores são conduzidas por grau conjunto, em movimento contrário ao baixo
[cf. ex. nº 14]. Nesta resolução, são evitados o movimento melódico de terça diminuta e
a falsa relação entre a fundamental da sexta napolitana e a quinta da dominante. Por essa
razão, foi uma solução bastante empregada pelos músicos do Período Tonal.

Exemplo nº 14

Pode haver outros acordes entre a sexta napolitana e a dominante cadencial.


Normalmente são empregados acordes com função de dominante da dominante – V/V
ou vii°7/V. Isso não altera a condução de vozes entre a napolitana e a dominante, apenas
retarda seu efeito. Quando uma dominante secundária é usada entre N6 e V, podem
ocorrer cromatismos na condução de vozes, o que permite que a fundamental da N6 seja
resolvida por grau conjunto em vez de resolver por movimento de 3ª diminuta
descendente. No exemplo nº 15, abaixo, ocorre cromatismo por movimento contrário
entre o baixo e o soprano.

Exemplo nº 15

No encadeamento apresentado no exemplo anterior [ex. nº 15], a voz de


contralto realiza um salto de terça menor descendente. Quando se pretende realizar a
condução das vozes somente por graus conjuntos, pode-se empregar um acorde de
sétima diminuta como dominante da dominante – vii°7/V. Com isso, o movimento
completo que conduz à cadência perfeita final é obtido por graus conjuntos nas vozes
superiores. A única exceção é o salto de quinta justa ascendente, no baixo, característico
da cadência autêntica perfeita.

Exemplo nº 16

Além desses encadeamentos demonstrados acima, ainda é possível realizar


outros movimentos harmônicos com base no acorde napolitano, seja em estado
fundamental ou como acorde de sexta (primeira inversão). O mais importante é lembrar
que este acorde é normalmente empregado com função de subdominante, isto é, conduz
para a dominante que irá preparar uma cadência perfeita ou imperfeita.

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