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Sistemas Lineares Periódicos: Teoria

de Floquet

Considere o sistema linear homogêneo e periódico

ẋ = A(t)x, (1)

onde R 3 t 7→ A(t) ∈ Mn (R)(ou Mn (C)) é contı́nua e T −periódica, isto é, existe T > 0 tal que
A(t + T ) = A(t) ∀t ∈ R.
O Teorema de Floquet nos dá uma caracterização das soluções deste sistema.

Teorema 1 (Teorema de Floquet) Toda matriz fundamental, Φ(t), de (1) tem a forma

Φ(t) = P (t)eBt ,

onde P (t) e B são matrizes de ordem n × n, com P (t + T ) = P (t) ∀t ∈ R.

Exemplo 1 Considere a seguinte equação diferencial ẋ(t) = (1 + sin t)x. Note que neste caso
A(t) = 1 + sin t, que é 2π−periódica. As soluções deste sistema são x(t) = cet−cos t , que não é
periódica para c ∈ R − {0}.

Entretanto o Teorema de Floquet mostra que toda matriz fundamental de (1) se escreve
como produto de duas matrizes, uma das quais é periódica.
Antes de demonstrar este teorema, precisaremos do seguinte lema

Lema 1 Se C é uma matriz n × n com det C 6= 0, então existe uma matriz B tal que eB = C.

Prova: Dividiremos a prova em três casos.


Caso 1: Suponhamos que
 
λ 1 0 ... 0
 0 λ 1 ... 0 
 
 
C= 0 0 λ ... 0 .
 .. .. .. .. .. 
 . . . . . 
0 0 0 ... λ

Assim C = λI + R = λ(I + Rλ ), pois λ 6= 0 visto que det C 6= 0, onde R é nilpotente de


ordem m.
Como queremos encontrar B tal que eB = C, temos que B = ln C = ln(λ(I + Rλ )) =
(ln λ)I + ln(I + Rλ ). Então temos que calcular S = ln(I + Rλ ).

1
Lembremos da análise complexa, que para |z| < 1,

X (−1)k−1
ln(1 + z) = z k e eln(1+z) = 1 + z.
k=1
k

e que eln(1+z) = 1 + z.
Logo definindo
X∞ µ ¶k m−1
X (−1)k−1 µ R ¶k
(−1)k−1 R
S= = ,
k=1
k λ k=1
k λ

visto que Rk = 0 para k ≥ m. Temos então que eS = I + Rλ . E assim

C = λeS = e(ln λ)I eS = e(ln λ)I+S .

Fazendo B = (ln λ)I + S, obtemos o resultado.


Caso 2: C está no forma de Jordan
 
λi
 
J1  ... 
 
 J2   
   λi 
C= ..  , onde J i =  
 .   Ji1 
 .. 
JP  . 
JiS

e Jij é como no caso 1.


Pelo caso 1, para cada j = 1, . . . , s, existe Bij tal que eBij = Jij . Defina
 
ln λi
 .. 
 . 
 
 ln λi 
Bi =  .
 Bi1 
 .. 
 . 
BiS

Assim eBi = Ji . Fazendo  


B1
 B2 
 
C= .. ,
 . 
BP
obtemos o resultado.
Caso 3: Caso geral.
Pelo Teorema da forma canônica de Jordan, existe uma matriz P tal que J = P −1 CP . Pelo
caso 2, existe uma matriz B̃ tal que eB̃ = J. Assim
−1
C = P eB̃ P −1 = eP B̃P .

Fazendo B = P B̃P −1 obtemos o resultado.

2
Demonstração do Teorema de Floquet:
Seja Φ(t) uma matriz fundamental de (1). Agora note que

Φ̇(t + T ) = A(t + T )Φ(t + T ) = A(t)Φ(t + T ),

ou seja, Φ(t + T ) também é matriz fundamental de (1). Logo existe uma matriz não singular
C, tal que Φ(t + T ) = Φ(t)C.
Pelo lema anterior existe uma matriz B tal que eBT = C.
Defina P (t) = Φ(t)e−Bt .

P (t + T ) = Φ(t + T )e−B(t+T ) = Φ(t)Ce−BT e−Bt = Φ(t)CC −1 e−Bt = Φ(t)e−Bt = P (t).

Corolário 1 (Liapunov) Nas condições do Teorema anterior, existe uma mudança de variáveis
que reduz o sistema (1) num sistema com coeficientes constantes.

Prova: Seja Φ(t) uma matriz fundamental de (1), B e P (t) como no Teorema de Floquet.
Defina x = P (t)y.

A(t)P (t)y = A(t)x = ẋ = Ṗ (t)y + P (t)ẏ ⇒ P (t)ẏ = A(t)P (t)y − Ṗ (t)y


= P −1 (t)[A(t)P (t) − Ṗ (t)]y

Afirmação: P −1 (t)[A(t)P (t) − Ṗ (t)] = B.


De fato Φ(t) = P (t)eBt , o que nos dá

A(t)P (t)eBt = A(t)Φ(t) = Φ̇(t) = Ṗ (t)eBt + P (t)BeBt


Então A(t)P (t) = Ṗ (t) + P (t)B ⇒ B = P −1 (t)[A(t)P (t) − Ṗ (t)].
Assim, através da mudança de variáveis feita acima o sistema (1) fica da forma ẏ = By.
¥

Observação 1 Toda solução de (1) pode ser escrita como combinação linear de funções da
forma p(t)eλt , onde p(t) é um polinômio em t com coeficientes que são periódicos em t, com o
mesmo perı́odo de A.
De fato, seja λ um autovalor de B com multiplicidade algébrica m. Então eλt , teλt , . . . , tm eλt
e suas combinações lineares são soluções de ẏ = By. Logo P (t)eλt , P (t)teλt , . . . , P (t)tm eλt e
suas combinações lineares são soluções de (1).

Definição 1 Qualquer matriz não singular C, tal que Φ(t + T ) = Φ(t)C, onde Φ(t) é uma
matriz fundamental de (1) é chamada matriz monodromia de (1).

Proposição 1 Sejam Φ1 (t), Φ2 (t) matrizes fundamentais distintas de (1), C e D matrizes mo-
nodromias relativas a Φ1 (t), Φ2 (t) respectivamente. Então C e D possuem os mesmos autove-
tores.

Prova:
Sabemos que Φ1 (t + T ) = Φ1 (t)C, Φ2 (t + T ) = Φ2 (t)D e que existe uma matriz não singular
M tal que Φ2 (t) = Φ1 (t)M. Assim

Φ1 (t)M D = Φ2 (t)D = Φ2 (t + T ) = Φ1 (t + T )M = Φ1 (t)CM ⇒ D = M −1 CM.

3
¥
Definição 2 Os autovalores de uma matriz monodromia de (1) são chamados multiplicado-
res caracterı́sticos.
Observação 2 1. A proposição anterior nos mostra que os multiplicadores caracterı́sticos
independe da escolha da matriz de monodromia.

2. Os multiplicadores caracterı́sticos são os autovalores de Φ(T ) ou eBT .


De fato, seja Φ(t) uma matriz fundamental de (1) e C uma matriz de monodromia. Então
Φ(t + T ) = Φ(t)C. Fazendo t = 0 temos
Φ(T ) = Φ(0)C = C = eBT
Definição 3 Um número complexo λ é um expoente caracterı́stico se eλT é um multiplica-
dor caracterı́stico.
2kπi
Observação 3 1. Se λ é um expoente caracterı́stico então λ + T
também é expoente ca-
racterı́stico, para k ∈ Z, pois
2kπi
e(λ+ T
)T
= eλT +2kπi = eλT .

2. λ ∈ C é expoente caracterı́stico se e somente se eλT é autovalor de eBT .

3. Se µ é autovalor de B então µT é autovalor de BT e por conseguinte eµT é autovalor de


eBT = C. Ou seja podemos escolher os expoentes caracterı́sticos como sendo os autovalores
de B.
Lema 2 1. λ ∈ C é expoente caracterı́stico se e somente se existe solução não trivial de (1)
da forma p(t)eλt , com p(t + T ) = p(t) ∀t ∈ R.

2. Existe solução T −periódica não trivial se e somente se +1 é multiplicador caracterı́stico.

3. Existe solução 2T −periódica, mas não T −periódica se e somente se −1 é multiplicador


caracterı́stico.
Prova:(1.) Se λ é expoente caracterı́stico então eλT é autovalor de eBT , ou seja, existe x0 6= 0
tal que eBT x0 = eλT x0 . E isto nos dá que eBT −λT x0 = x0 . Mas
Φ(t)x0 = P (t)eBt x0
= P (t)eBt eλt e−λt x0
= eλt [P (t)eBt e−λt ]x0
= eλt [P (t)e(B−λI)t ]x0 ,
Assim fazendo p(t) = P (t)e(B−λI)t x0 , temos que p(t)eλt é solução não trivial de (1), visto
que x0 6= 0 e p(t) é T −periódica, pois
p(t + T ) = P (t + T )e(B−λI)(t+T ) x0
= P (t)e(B−λI)t e(B−λI)T x0
| {z }
x0
= P (t)e(B−λI)t x0
= p(t)

4
Reciprocamente, seja x(t) = p(t)eλt é uma solução não-trivial de (1) T −periódica. Pelo
Teorema de Floquet existe x0 6= 0 tal que

Φ(t)x0 = P (t)eBt x0 = p(t)eλt .

Assim p(t) = P (t)e(B−λI)t x0 . Como p(0) = p(T ) e P (0) = P (T ) temos que

x0 = e(B−λI)T ⇒ eBT x0 = eλT x0 .

Logo eλT é autovalor de eBT e então, λ é expoente caracterı́stico.


(2.) Seja P (t)eBt x0 uma solução T −periódica. Logo

P (0)eB·0 x0 = P (T )eBT x0 ⇒ x0 = eBT x0 ,

ou seja, 1 é autovalor de eBT e assim multiplicador caracterı́stico.


Reciprocamente se 1 é multiplicador caracterı́stico então 0 é expoente caracterı́stico (e0T =
1) e por (1.) p(t)e0·t = p(t) é uma solução T −periódica não trivial.
(3.) Suponhamos que exista x̃0 6= 0, tal que x(t) = P (t)eBt x̃0 seja uma solução de (1)
2T −periódica, mas não T −periódica. Seja J a forma canônica de Jordan de B. Assim existe
uma matriz não singular M, tal que B = M −1 JM. Portanto

x(t) = P (t)M −1 eJt M x̃0 = Q(t)eJt x0 .


| {z } | {z }
Q(t) x0

Como x(t) e P (t) são 2T −periódica (e conseqüentemente Q(t)), temos

x(2T ) = Q(2T )eJ2T x0 = x(0) = Q(0)x0 ⇒ e2T J x0 = x0 .

Assim para todo bloco de Jordan Ji de J, temos e2T Ji xi0 = xi0 , i = 1, . . . , p onde
 
J1
 J2 
 
J = ... .
 
Jp

Por outro lado como a solução x(t) não é T −periódica, existe um j = 1, . . . , p tal que eT Jj xj0 6=
xj0 . Denote xj0 = (x1 , x2 , . . . , xs ).
Suponha que
 
λj 1 0 . . . 0
 0 λj 1 . . . 0 
 
 
Jj =  0 0 λ j . . . 0  .
 .. .. .. . . . 
 . . . . .. 
0 0 0 . . . λj
Então  
(2T )s−1
1 2T . . . (s−1)!
 (2T )s−2

 0 1 ... 
 (s−2)! 
e2T Jj = e2T λj 
 .. .. ..
.
.. .

 . . . 
 0 0 ... 1 2T 
0 0 ... 1

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Afirmação: x2 = . . . = xs = 0.
De fato, como e2T Jj xj0 = xj0 temos que e2T Jj = 1. Multiplicando a penúltima linha da matriz
e2T Jj por xj0 temos
e2T λj (xs−1 + 2T xs ) = xs−1 .
Assim 2T xs = 0, e então xs = 0.
Agora suponha xs = 0 e xs−1 6= 0. Multiplicando a antepenúltima linha da matriz e2T Jj por
j
x0 , temos
e2T λj (xs−2 + 2T xs−1 ) = xs−2 .
Assim 2T xs−1 = 0, e então xs−1 = 0, o que é absurdo.
De maneira análoga mostra-se que x2 = . . . = xs−3 = 0. Como xj0 6= 0 temos que x1 6= 0, e
a afirmação está mostrada.
Como e2T Ji xj0 = xj0 e xj0 = (x1 , 0, . . . , 0) temos que e2T λj x1 = x1 e então e2T λj = 1. Assim
kπi
2T λj = 2kπi, k ∈ Z ⇒ λj = .
T
kπi
Se k for par, segue que eλj T = e T T = 1. Mas isto implica que eλj T x1 = x1 , o que é absurdo
visto que eλj T xj0 6= xj0 e xj0 = (x1 , 0, . . . , 0).
Logo k é ı́mpar e então eλj T = −1, ou seja −1 é multiplicador caracterı́stico.
O caso em que o bloco de Jordan não é como o suposto no inı́cio da demonstração, é deixado
a cargo do leitor.
Reciprocamente, se −1 é multiplicador caracterı́stico então πi
T
é um expoente caracterı́stico,
πi πi
pois e T = −1. Logo por (1.) existe uma solução não trivial de (1) da forma x(t) = p(t)e T t .
Agora note que
πi πi πi
x(t + 2T ) = p(t + 2T )e T (t+2T ) = p(t)e T e2πi = p(t)e T = x(t),

e que
πi πi πi
x(t + T ) = p(t + T )e T (t+T ) = p(t)e T eπi = −p(t)e T = −x(t).
Logo x(t) é 2T −periódica, mas não é T −periódica.
¥

Exemplo 2 Considere o sistema


½
ẋ = x cos t + y sin t
.
ẏ = −x sin t + y cos t

Note que
µ ¶
cos t sin t
A(t) = é 2π − periódica.
− sin t cos t
Rt Rt Rt
Como [ 0 A(s)ds]A(t) = A(t)[ 0 A(s)ds], temos que Φ(t) = e 0 A(s)ds é uma matriz funda-
mental do sistema acima. Sabemos que os multiplicadores caracterı́sticos são os autovalores de
Φ(2π). Mas R 2π
Φ(2π) = e 0 A(s)ds = e0 = I.
Assim todos os multiplicadores caracterı́sticos são iguais a 1. Então segue do lema acima
que todas as soluções deste sistema são 2π−periódicas.

6
Lema 3 Se ρj = eλj T , j = 1, . . . , n são os multiplicadores caracterı́sticos de 1, então
n
Y n
X Z T
RT
trA(s)ds 1 2πi
ρj = e 0 e λj = trA(s)dsmod .
j=1 j=1
T 0 T

Prova: Seja Φ(t) uma matriz fundamental de (1). Pela Formula de Liouville temos que
n
Y RT RT
trA(s)ds trA(s)ds
ρj = det Φ(T ) = det Φ(0) e 0 =e 0 .
| {z }
j=1 1

Por outro lado,


n
Y n
Y RT
Pn
ρj = eλi T = eT i=1 λi
=e 0 trA(s)ds
.
j=1 j=1

Assim,
n
X Z T
T λi = trA(s)ds + 2kπi, k ∈ Z ⇒
i=1 0

n
X Z T
1 2kπi
λi = trA(s)ds + , k ∈ Z.
i=1
T 0 T

Numa primeira olhada, pode parecer que as equações lineares periódias “compartilham”da
mesma simplicidade das equações lineares com coeficientes constantes. No entanto, existe uma
diferença muito grande, pois os expoentes caracterı́sticos são definidos somente depois que as
soluções de (1) são conhecidas, devido ao fato de que para conhecer a matriz B é preciso
conhecer a matriz C e por conseguinte Φ(t), que é uma matriz fundamental de (1), e não existe
uma relação obvia entre os expoentes caracterı́sticos e a matriz A(t), como mostra o seguinte
exemplo.

Exemplo 3 (Markus e Yamabe) Seja


· ¸
−1 + 32 cos2 t 1 − 32 cos t sin t
A(t) = .
−1 − 23 sin t cos t −1 + 32 sin2 t

Os autovalores λ1 (t) e λ2 (t) de A(t) são λ1 (t) = −1+i
4
7
, λ2 (t) = λ¯1 (t). Observe que a parte real
dos autovalores são negativos.
t
Por outro lado, x(t) = (− cos t, sin t)e 2 é solução de ẋ = A(t)x que por sua vez não é
limitada quando t → ∞.

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