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SAÚDE MENTAL: uma abordagem histórico-política1

Ana Carolina M. Oliveira2

4 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS – CAPÍTULO I

4.1 Breve histórico sobre a loucura

Durante o período da Antiguidade e Idade Média, segundo Moscovici

apud Resende (1987), a loucura era praticamente despercebida como doença

e, quando notada, era vista como fato cotidiano ou como dádiva divina, por

meio de significações religiosas e mágicas. Os doentes mentais, quando

pertenciam a famílias de posses, eram mantidos em suas casas, sob cuidados

especiais. Os pobres ou mendigos, porém, vagavam pelos campos ou cidades,

vivendo de pequenos trabalhos ou da caridade alheia.

Considerados inaptos ao trabalho, os doentes mentais constituíam

uma ameaça ao progresso ao fim do século XV, tornando-se um empecilho no

trabalho dos cidadãos “produtivos”. Constitui-se então, a loucura, um problema

social. Neste momento, os loucos eram tratados como marginais e

desocupados, que precisavam ser banidos a qualquer custo das ruas da

cidade. Para isso, foram criadas casas de correção e de trabalho, onde

mendigos, bandidos e ociosos eram jogados e massacrados com o aval de

toda uma sociedade. Dividindo os corredores com essas pessoas, estavam os

doentes mentais.

As idéias iluministas trouxeram a loucura para um patamar mais

elevado. Os loucos passaram a ser tratados como doentes de fato, e a receber

1
Trecho do Trabalho Atenção à Saúde Mental: uma visão do usuário de um CAPS – OLIVEIRA, 2006.
2
Enfermeira; Especialista em Saúde Mental – UNEB; Docente Substituta - UFBA
tratamentos específicos nos manicômios. Surge então o tratamento moral. É o

momento em que estudiosos como Phillipe Pinel (França) promovem uma

espécie de reforma, separando enfim, os loucos dos marginais, desocupados e

bandidos que lotavam as casas de misericórdia, passando os doentes mentais

a receberem cuidados psiquiátricos. Pinel ficou então conhecido como aquele

que libertou os loucos de suas correntes e os inseriu no universo dos enfermos.

(AMARANTE apud RESENDE, 1987. P. 26).

Em meados do século XIX, a cura pelo tratamento moral, de bases

consideradas pouco científicas pela neurologia, caiu em descrédito, e este

entra em declínio até ser abandonado de vez. A psiquiatria assumiria então

posição positivista, centrada na medicina biológica. A medicina e a neurologia

avançam, e o tratamento da doença mental segue agora o modelo biomédico,

seguindo influências do paradigma cartesiano, no qual o corpo pode ser

analisado pelo estudo de suas partes (RESENDE, 1987).

As críticas à eficácia do asilo foram configuradas depois da Segunda

Guerra Mundial. Em tempos de crescimento econômico e reconstrução social,

a comunidade científica da época propagava idéias de que o hospital

psiquiátrico deveria ser transformado ou abolido. Segundo Desviat (1990),

depois da segunda guerra Mundial houve uma vontade coletiva de criar uma

sociedade mais solidária juntamente com a descoberta de psicotrópicos a

adoção da psicanálise e da saúde pública nas instituições da psiquiatria que

foram elementos propulsores dos diferentes movimentos de reforma

psiquiátrica.
Um dos movimentos foi a psicoterapia institucional influenciada pela

psicanálise que, segundo Hochaman (1971), procurava organizar o hospital

psiquiátrico como um campo de relações significantes e utilizar em sentido

terapêutico os sistemas de verbalização de tudo que acontecia no hospital.

”Não são os muros do hospital que fazem dele um manicômio são as pessoas:

os que prestam cuidados e os enfermos que vivem nele” (DESSAUANT,1971).

A proposta na verdade era de uma psicoterapia institucional baseada na escuta

coletiva, que se configurava na tentativa de modificar o atendimento na

psiquiatria.

Outro movimento significativo foi a Comunidade Terapêutica de

Maxwell Jones, que organizava os doentes do hospital de Northfield (Reino

Unido) em grupos de discussão, fazendo-os participarem da direção do centro

de tratamento. Quanto à Comunidade Terapêutica Maxwel Jones :

Quando aplicamos a um hospital psiquiátrico o termo comunidade


terapêutica, isso quer dizer que a responsabilidade pelo tratamento
não fica restrita ao pessoal médico, mas concerne também aos
outros membros da comunidade, isto é aos pacientes.. ( JONES,
1968).

A antipsiquiatria foi outro movimento surgido na Inglaterra que trazia a

assistência psiquiátrica na comunidade terapêutica de Kingsley Hall através de

Ronald Laing e David Cooper que aprofundou estudos na fenomenologia

existencial, relações familiares e nas relações analíticas institucionais.

A reforma psiquiátrica italiana representou uma das experiências

mais significativas do movimento, e serviu de referência para vários países,

inclusive o Brasil. O marco da reforma psiquiátrica italiana foi a experiência do

psiquiatra Franco Basaglia e da equipe de profissionais que atuavam com ele,


no interior do hospital da província italiana de Gorizia. Inicialmente, com a

finalidade de humanizar o tratamento, vivenciaram a experiência de transformar

a instituição em uma comunidade terapêutica, o que logo demonstrou ser

insuficiente para atingir os objetivos propostos. Em seguida, Franco Basaglia e

sua equipe concluíram que o melhor tratamento psiquiátrico era devolver o

doente mental à sociedade e desarticular a instituição manicômio com a

proibição de internações em hospitais psiquiátricos (realizadas em hospitais

gerais) e a implementação de uma rede de serviços extra-hospitalares de

saúde e ação social, incluindo-se moradias protegidas.

Os psiquiatras italianos criticavam o paradigma da psiquiatria como um

conjunto de normas teóricas e ações para solucionar o problema da doença

mental por meio da racionalidade positivista conforme Rotelli (1990), a doença

mental é bastante "não conhecível" e freqüentemente incurável, apesar dos

esforços para dar-lhe uma explicação e definições racionais. Este foi o principal

movimento que influenciou a psiquiatria no Brasil.

4.2 Trajetória da Loucura no Brasil

Segundo Amarante (1994; p. 74), “a história da nossa psiquiatria é a

história de um processo de asilamento; é a história de um processo de

medicalização social”.

A trajetória do doente mental no Brasil pouco difere daquela já

retratada em relatos bíblicos. O Brasil do século XIX tinha muita semelhança

com a Europa do século XVI, pois, como na Europa, os doentes mentais

brasileiros, após um período de tolerância, foram também perseguidos e

excluídos da sociedade.
Socialmente ignorada por quase trezentos anos, a loucura
acorda, indisfarçavelmente notória, e vem engrossar as levas
de vadios e desordeiros nas cidades e será arrastada na rede
comum da repressão à desordem, à mendicância, à
ociosidade. (RESENDE, 1987; p.35).

Até a segunda metade do século XIX no país, não houve assistência

psiquiátrica específica. A inauguração do primeiro manicômio do país, o

hospício D. Pedro II, no Rio de Janeiro, marcou a institucionalização da

psiquiatria brasileira em 1852. Em pouco tempo, sua lotação de 350 pacientes

estava excedida, assim como vários asilos que se viam assoberbados pela

demanda (AMARANTE, 1994).

As primeiras instituições psiquiátricas no Brasil surgiram como uma

forma de atender ao público que exigia uma providência do governo contra o

livre trânsito de doidos pelas ruas das cidades (RESENDE, 1987). Essas

instituições surgem com uma proposta de remover, excluir, abrigar, alimentar

vestir, tratar os doentes. Entretanto, ficou evidente a exclusão a que se

propunha como afirma Resende:

A função segregadora do hospital psiquiátrico nos seus


primeiros quarenta anos de existência aparece, pois, na
prática, sem véus ou disfarces de qualquer natureza.

(...) não se pode ignorar que o hospital psiquiátrico de fato não


existia enquanto lugar de cura e que a caridade e os princípios
humanitários jamais tinham penetrado suas portas
(RESENDE, 1987, p.39-41).

Da criação do hospício D. Pedro II até a Proclamação da República,

o hospício estava entregue à administração da Igreja e Santas Casas de

Misericórdia. Este fato era alvo de críticas por parte da classe médica, que
identificava a falta de um projeto assistencial científico (AMARANTE, 1994;

p.75).

Após o período da psiquiatria empírica, da qual faz parte o

tratamento moral, surge no período posterior à proclamação da República a

psiquiatria científica. Esta surge para atribuir à classe médica a assistência à

saúde mental.

No período republicano, a assistência psiquiátrica passa à

administração pública. É quando o Hospício D. Pedro II passa a denominar-se

Hospício Nacional de Alienados e são criadas as primeiras colônias de

alienados do país, caracterizando assim a primeira reforma psiquiátrica no

Brasil. Nessas colônias, utilizava-se principalmente o trabalho como terapia da

doença mental. “O trabalho é, pois, um valor decisivo na formação social

burguesa, e, como conseqüência, passa a merecer uma função nuclear na

terapêutica asilar”. (AMARANTE, 1994; p.76).

Mestre da Psiquiatria Brasileira, Juliano Moreira assume por quase

trinta anos a direção da Assistência Médico-Legal aos Alienados, primeira

instituição pública de saúde estabelecida pela República. Ele é o responsável

pela vinculação da psiquiatria brasileira à corrente alemã, trazendo o

biologicismo para explicar origem, aspectos étnicos, éticos, políticos e

ideológicos das doenças mentais. (AMARANTE, 1994; p.77).

Ainda segundo o mesmo autor, surge no país, em 1923, a Liga

Brasileira de Higiene Mental, fundada por Gustavo Riedel. A liga constitui-se

em um programa de intervenção no espaço social com características

marcadamente eugenistas, xenofóbicas, antiliberais e racistas. A partir daí


solidifica-se uma psiquiatria em defesa do Estado, com ações de controle

social e maior poder de intervenção.

A partir dos anos 30 até os anos 50 vêm à tona tratamentos para a

doença mental como choques insulínico e cardiazólico, neurolépticos,

psicotrópicos, eletroconvulsoterapia e lobotomias, técnicas que vêm substituir o

empirismo da terapia que era realizada nos moldes do tratamento moral. Nota-

se o crescimento da psiquiatria científica e o aumento no número de asilados.

Amarante (1994) ainda afirma que surgiram, a partir do fim da

Segunda Guerra Mundial, focos de reformas psiquiátricas em pontos isolados e

marginalizados do país. Essas experiências, como as comunidades

terapêuticas, psiquiatria preventista e comunitária, antipsiquiatria e outras, não

ganharam destaque nem foram adiante devido, em grande parte, à forte

oposição exercida pelo setor privado, que se mostrava cada vez mais

representativo no país.

O setor privado na psiquiatria cresce assustadoramente na década

de 60, quando o INPS passa a comprar seus serviços, pois os hospitais

públicos não mais suportavam a demanda.

O Estado passa a comprar serviços psiquiátricos do setor


privado e, ao ser privatizada grande parte da economia, o
estado concilia no setor saúde pressões sociais com o
interesse de lucro por parte dos empresários. A doença mental
torna-se definitivamente, um objeto de lucro, uma mercadoria
(AMARANTE, 1994; p79).

Violência, fraude, concentração de poder e ganância eram

características atribuídas ao modelo privatizante da psiquiatria no Brasil. Por

isso, o Estado toma providências ao adotar medidas que visam reorganizar o


setor público para ocupar uma parcela da assistência, até então delegada aos

serviços privados que tinha como principal característica de tratamento da

loucura o isolamento, descaso e descuido. A política de saúde juntamente com

a sociedade civil começa a orquestrar uma estratégia cujo o movimento é

denominado reforma sanitária brasileira no sentido de garantir a todo cidadão

direito universal a saúde.

4.3 Política de Saúde Mental/ CAPS

No início da década de 80, surgem movimentos conduzidos por

distintos segmentos sociais que apontam para a necessidade de uma

reestruturação da atenção em Saúde Mental prestada no país, unidos pelo ideal

comum de substituir a assistência hospitalar vigente por modalidades de atenção

extra-hospitalar e de base comunitária. No campo político, estava em curso no

país, depois de um longo período de silêncio e repressão política, um contagiante

movimento que somava esforços de variados segmentos sociais para recuperar a

democracia. Essa onda nacional influenciou decisivamente as reformas do setor

saúde e, desse contexto, emergiu a reforma sanitária. O auge do movimento

ocorreu com a realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986. A

concretização desse ideário deu-se com a promulgação da nova Constituição, que

proclamou a saúde como direito de todo cidadão e dever do Estado. Estas

transformações determinaram mudanças nas diversas áreas específicas, inclusive

na Saúde Mental.

A década de 80 foi marcada por manifestos e discussões em torno

da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Tem destaque, então, em 1987, o

Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental com o lema “Por uma


Sociedade sem Manicômios”. Nesse contexto, surge o projeto de lei 3657/89

de autoria do deputado Paulo Delgado (PT-MG) que prevê a reestruturação da

assistência psiquiátrica brasileira, com a substituição progressiva dos

manicômios por “novos dispositivos de tratamento e acolhimento” (BEZERRA,

1994 apud KANTORSKI, 2002 p.03).

Nesse contexto de mudanças, ocorreu a realização da I e da II

Conferência Nacional de Saúde Mental, em 1987 e 1992, respectivamente. A

primeira foi fortemente influenciada pela VIII Conferência Nacional de Saúde cujas

principais deliberações foram a reorganização da assistência à Saúde Mental, com

proposições gerais voltadas à concepção de saúde, participação popular,

cidadania e interesse dos usuários. A segunda conferência debateu a atenção

integral, a territorialidade, os direitos dos usuários e a terapêutica cidadã. O

processo de mudança de paradigmas na atenção em Saúde Mental estava em

curso, comprometido com a reestruturação de seu modelo.

Destacam-se outras influências concretas importantes, como a

implantação do primeiro serviço de atenção extra-hospitalar no ano de 1982, o

CAPS - (Centro de Atenção Psicossocial) Luiz Cerqueira, em São Paulo. Essa

experiência foi um marco para as transformações da área e sua divulgação

consistiu em importante contribuição para outros municípios, abrindo portas para a

criação de novos serviços psicossociais.

Não podemos deixar de citar a importante repercussão nacional, em

1989, da intervenção da Secretaria Municipal de Santos, com o conseqüente

fechamento da Casa de Saúde Anchieta, possibilitando a implantação de sistema

substitutivo ao modelo manicomial, com redefinição do espaço físico e criação do

NAPS - Núcleo de Atenção Psicossocial -, através de cooperativas, associações e


instituição de da reforma psiquiátrica e na defesa dos direitos dos portadores de

transtornos mentais.

Outro marco na consolidação das diretrizes da reestruturação da

assistência psiquiátrica foi à realização da Conferência Regional para as Américas,

em 1990, coordenada pela Organização Mundial da Saúde. Nesse evento, foi

aprovada a declaração de Caracas que propunha a revisão do modelo

hegemônico e centralizador do hospital

No final da década de 90, Alves (1998) descreveu como principais

diretrizes da política de Saúde Mental:

→ Estabelecimento de mecanismos de financiamento das ações e serviços

compatíveis com as mudanças no financiamento setorial e com o processo de

descentralização em curso, com base nos preceitos da Lei Orgânica da Saúde;

→ Estabelecimento de programas de caráter intersetorial para a clientela dos

chamados crônicos/cativos residentes nos hospitais psiquiátricos;

→ Implantação de estratégias de qualificação da assistência prestada;

→ Estabelecimento de um programa de capacitação de recursos humanos,

voltado para um modelo assistencial não manicomial;

→ Estímulo à revisão da legislação psiquiátrica.

No início da década de 2000, o elenco de estratégias de mudança do modelo

de atenção em Saúde Mental tornou-se cada vez mais diversificado para dar conta

da atenção para os usuários de Saúde Mental. Nesse sentido, o trabalho é

direcionado para reverter o modelo de atenção hospitalocêntrico e compor uma

rede de atenção de serviços comunitários e de atenção diária, com diminuição e


qualificação da assistência hospitalar, com o objetivo de ofertar modalidades de

serviços que acompanhem as demandas e necessidades terapêuticas dos

usuários.

De acordo com SILVA (2003, p.84), durante muitos anos o regime

hospitalocêntrico constituiu-se como a única alternativa conhecida para o

tratamento de portadores de transtornos mentais. Diante das mazelas desse

sistema, da forma desumana como eram tratados os pacientes, surgiu um

movimento intitulado de Movimento Nacional de Luta Antimanicomial. Este

movimento existe há aproximadamente duas décadas e tem como metas o

fechamento de hospícios e manicômios do país e a promoção de uma cultura

de tratamento, convivência e tolerância, no seio da sociedade, para as pessoas

com sofrimento emocional de qualquer tipo.

A lógica antimanicomial já não é de todo uma estranha na vida


social, conquanto não tenha ainda o poder de reverter
totalmente aquelas intolerâncias e forças expulsivas da loucura
para fora da sociedade (SILVA, 2003; p.86).

Uma das principais conquistas desse movimento foi a aprovação da

Lei de Reforma Psiquiátrica – nº 10216 de 06/04/01. A lei “dispõe sobre a

proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e

redireciona o modelo assistencial em saúde mental”.

Uma importante ferramenta da Reforma Psiquiátrica são os Centros

de Atenção Psicossocial – CAPS. Os CAPS existem no Brasil oficialmente

desde 1986, e trata-se de “um serviço de saúde aberto e comunitário do

Sistema Único de Saúde (SUS). É um lugar de referência e tratamento para

pessoas que sofrem com transtornos mentais, psicoses, neuroses graves e


demais quadros, cuja severidade e/ou persistência justifiquem sua

permanência num dispositivo de cuidado intensivo, comunitário, personalizado

e promotor de vida” (Ministério da Saúde, 2004).

Segundo o Ministério da Saúde (2004), A proposta dos CAPS é

formar uma espécie de psiquiatria comunitária, que seria responsável pelo

tratamento amplo das pessoas portadoras de transtornos mentais na

comunidade em geral. Constitui uma alternativa à hospitalização, tornando o

tratamento mais humanizado.

A psiquiatria comunitária tem sido chamada de terceira


revolução na Psiquiatria. A primeira foi a idade do Iluminismo
(após a Idade Média), quando foi decidido que a doença
mental não era o resultado de bruxaria, e a segunda foi o
desenvolvimento da Psicanálise por Sigmund Freud.
(KAPLAN, 1997: 198).

O CAPS é um serviço de atendimento de saúde mental criado para

ser substitutivo às internações em hospitais psiquiátricos. Eles devem atender

à população de sua área de abrangência, de forma a realizar acompanhamento

clínico e reinserção social dos usuários, proporcionando assim acesso ao

trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares

e comunitários (Ministério da Saúde, 2004).

De acordo com o Ministério da Saúde (2004), os CAPS foram criados a

partir da Portaria GM 224/92. Segundo o então ministro da saúde do Brasil,

Humberto Costa (2004), os Centros de Atenção Psicossocial - CAPS são

instituições destinadas a acolher os pacientes com transtornos mentais,


estimular sua integração social e familiar, apoiá-los em suas iniciativas de

busca da autonomia, oferecer-lhes atendimento médico e psicológico.

Segundo Sampaio e Santos (2001), seria paradoxal pensarmos os

CAPS fora do Sistema Único de Saúde, uma vez que entre as características

desses centros está a integração a sistemas primários e secundários de

atenção, acessibilidade local, prática multiprofissional interdisciplinar, entre

outras. O CAPS é, portanto, um serviço de saúde aberto e comunitário do SUS,

e um lugar de referência e tratamento para pessoas que sofrem com

transtornos mentais severos que justifiquem sua permanência num dispositivo

de cuidado intensivo, comunitário, personalizado e promotor de vida (Ministério

da Saúde, 2004).

As diretrizes da Reforma Psiquiátrica prevêem o progressivo

deslocamento do cuidado para fora do hospital. Para isso, os CAPS

desempenham um papel estratégico estando em articulação com a rede básica

de saúde constituída pelo Programa de Saúde da Família e de Agentes

Comunitários de Saúde, que atuam na comunidade de sua área de

abrangência, atendendo assim à população de determinado território.

Em busca de uma assistência integral e o mais completa possível, a

equipe do CAPS deve interagir com as equipes de atenção básica de seu

território, atuando na identificação e tratamento de problemas psíquicos, e

desenvolvendo estratégias e ações para atender às necessidades de saúde

mental da comunidade.

Os CAPS vêm como um tratamento substitutivo às internações

psiquiátricas e têm como objetivo atender a população de sua área de

abrangência, realizar acompanhamento clínico e a reinserção social dos


usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e

fortalecimento dos laços familiares e comunitários.

Fica evidente que o CAPS é eixo de uma revolução municipal,


assistencial e legal, no plano dos aparelhos de cuidados à saúde mas
também no plano do imaginário da sociedade, do modo como a
sociedade representa normal e desvio, saúde e loucura, cidadania e
direitos (SAMPAIO & SANTOS, 2001).

Estes Centros procuram realizar uma assistência à saúde mental

diferenciada através de um atendimento diário proporcionando cuidado clínico

personalizado e atividades terapêuticas como oficinas e grupos envolvendo

educação, trabalho, esporte, cultura e lazer, promovendo assim a inserção

social dos usuários.

O público-alvo do CAPS são preferencialmente pessoas com transtornos

mentais severos e/ou persistentes, que apresentam intenso sofrimento

psíquico, impossibilitadas de viver e realizar seus projetos de vida. Esses

indivíduos podem ter sido referenciados pelo Programa de Saúde da Família

ou outro serviço de saúde, ou podem procurar diretamente esse serviço.

O primeiro contato do portador de transtorno mental com o serviço no

CAPS deve se dar de maneira facilitadora e acolhedora. Geralmente, o

profissional que acolhe o usuário torna-se seu Terapeuta de Referência, que

passa a monitorar, junto com o usuário o seu projeto terapêutico.

Uma vez inserido no CAPS, cada usuário deve ter o seu projeto

terapêutico individual, que é o plano de atendimentos baseado nas

características e particularidades de cada um, segundo suas necessidades.

Com base no projeto terapêutico individual, o usuário pode ser atendido no

CAPS em três regimes de tratamento: intensivo, semi-intensivo e não-intensivo.

De acordo com a Portaria nº 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002, que

regulamenta os CAPS e outros tipos de serviços substitutivos,


Define-se como atendimento intensivo aquele destinado aos
pacientes que, em função de seu quadro clínico atual, necessitem
acompanhamento diário; semi-intensivo é o tratamento destinado
aos pacientes que necessitam de acompanhamento freqüente,
fixado em seu projeto terapêutico, mas não precisam estar
diariamente no CAPS; não-intensivo é o atendimento que, em
função do quadro clínico, pode ter uma freqüência menor.(Portaria
nº 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002).

Os CAPS do Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, vêm se

mostrando efetivos na substituição do modelo hospitalocêntrico, como

componente estratégico de uma política destinada a diminuir a ainda

significativa lacuna assistencial no atendimento a pacientes com transtornos

mentais mais graves.


8 REFERÊNCIAS

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