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Sobre invasão da Geórgia

Comentário que escrevi na manhã de sexta-feira para a Lusa

O conflito entre a Geórgia e as regiões separatistas da Abkházia e Ossétia do Sul tem


origens no período de desintegração da União da Soviética (fim dos anos 80 e início dos
anos 90 do século passado).
Então, Zviad Gamsakhurdia, Presidente da Geórgia, decidiu pôr fim à autonomia delas
através da força. Destacamentos armados georgianos entraram na Abkházia e Ossétia do
Sul, dando início à guerra civil que durou até 1994. Grupos armados separatistas,
apoiados por Moscovo, conseguiram travar a ofensiva georgiana e controlar grande
parte do território dessas duas regiões.
Em 1994, as partes do conflito, tendo a Rússia como intermediária, assinaram um cessar
de fogo. Tropas de manutenção da paz russas instalaram-se na região, mas a contenda
foi apenas congelada.
Os presidentes georgianos, quando iniciam funções, começam por prometer o
restabelecimento da unidade territorial. Os separatistas da Ossétia do Sul realizaram
dois referendos onde o sim à independência do território e sua posterior unificação à
Ossétia do Norte, república que faz parte da Rússia, teve o apoio da esmagadora
maioria. Moscovo apoia, directa e indirectamente, os separatistas, utilizando-os como
alavancas de pressão sobre Tbilissi. Por exemplo, a Rússia deu cidadania à esmagadora
maioria da população dos dois teritórios separatistas.
Caso se decida pela intervenção militar directa (o que vei oa acontecer), o Kremlin irá
apelar ao facto de pretender proteger os seus cidadãos (o que veio a acontecer).
A situação nesta região do Cáucaso complicou-se ainda mais depois da proclamação da
independência pelo Kosovo. Os dirigentes separatistas viram nele um precedente.
Para contrariar o avanço da Rússia na região, Mikhail Saakachvili aproximou o país da
NATO, mas é pouco provável que a Aliança Atlântica venha em seu socorro. Se a
guerra não for travada, a Rússia poderá envolver-se mais, tanto através da participação
directa de tropas, como do envio de voluntários das regiões russas do Cáucaso do Norte
(o que veio a acontecer).
O envolvimento da Rússia no conflito irá também complicar mais as relações com
países vizinhos como a Ucrânia e Estados do Báltico. No caso da Ucrânia, Kiev fornece
armamentos a Tbilissi, porque receia que, depois da Geórgia, chegue a sua vez.
Moscovo não esconde pretensões territoriais face à Ucrânia, exigindo a devolução da da
Crimeia. E isso será mais um motivo para que a Ucrânia tente aderir à NATO o mais
rápido possível.
Quanto à comunidade internacional, as últimas reuniões do Conselho de Segurança da
ONU revelam fortes divergências entre os seus membros face ao conflito. Analistas
russos contactados pela Lusa consideram que os conflitos como estes são de solução
complicada no quadro do actual Direito Internacional, onde não está definido qual dos
direitos: à autodeterminação dos povos ou à inviolabilidade de fronteiras, impera.
A morte de Vladmir Lênin, em 1924, promoveu uma intensa agitação
política no interior do Partido Comunista Russo. Afinal de contas, qual seria
a liderança capaz de dar prosseguimento às conquistas iniciadas em 1917?
Nessa época, dois participantes do processo revolucionário disputaram o
governo prestigiando diferentes perspectivas de ação política. De um lado
estava Leon Trótski, segundo homem da revolução com destacado papel
militar; do outro Joseph Stálin, secretário-geral do Partido Comunista.

Trotsky acreditava que o ideário da revolução deveria ser propagado para


outras nações, transformando a experiência russa no início de uma
“revolução permanente”. Em contrapartida, Stálin tinha o objetivo de
concentrar seu governo nas questões internas da Rússia, promovendo o
“socialismo em um só país” e, só depois disso, promover a expansão
revolucionária em outras partes do mundo. Em 1924, após a convenção
comunista, os líderes bolcheviques optaram pelas propostas de Joseph
Stálin.

Inconformado, Trotsky começou a apontar as falhas e riscos que o regime


stalinista ofereceria ao processo revolucionário. Em contrapartida, Stálin
empreendeu a subordinação dos sovietes às diretrizes do Partido
Comunista. Paralelamente, criou mecanismo de repressão política com a
criação da GPU, polícia política encarregada de combater os críticos de seu
governo. Tendo seus poderes ampliados, Stálin prendeu, exilou e executou
todos os seus opositores.

Depois de ser condenado ao exílio, Trotsky continuava a criticar as ações


stalinistas, acusando o novo líder russo de ter “prostituído o marxismo”.
Mesmo fora de seu país, Trotski foi perseguido como uma séria ameaça aos
planos stalinistas. Em 1940, um agente da GPU deu fim às contundentes
críticas troskistas ao assassinar o incendiário intelectual no México. Com
isso, o poder de Stálin não teria dificuldades à definitiva ampliação dos
poderes do Estado soviético.

A política econômica de Stálin empreendeu a coletivização das propriedades


agrárias com a criação dos sovkhozes (propriedades estatais) e os
kolkhozes (propriedades coletivas). Além disso, incentivou o
desenvolvimento de indústria de base a partir do financiamento dos setores
de educação e tecnologia. Tais ações eram orientadas pelos chamados
planos qüinqüenais, que orientavam em médio prazo as diretrizes
essenciais da economia russa.

No campo da política externa, Stálin recebeu apoio internacional de diversos


partidos comunistas espalhados pelo mundo. Com isso, as diretrizes
políticas dos movimentos comunistas de várias nações foram orientadas
pelo “Komintern”, congresso que discutia as questões do comunismo
internacional. Em 1934, a entrada da União Soviética na Liga das Nações
indicou o reconhecimento político das nações capitalistas.
No contexto da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), o regime stalinista
teve que combater a oposição dos regimes nazi-fascistas contrários ao
comunismo e o socialismo. Tendo decisiva participação nos destinos deste
conflito internacional, o governo soviético se consolidou no cenário político
estabelecendo várias zonas de influência política, ideológica e econômica
com a instalação da ordem bipolar.

Quatro meses de preparação, permitiram operação fulminante


17.08.2008

A questão da invasão da Geórgia, tem vindo a ser objecto de várias análises por
entidades internacionais. Não só as primeiras pesquisas efectuadas pela Human Rights
Watch, ou as primeiras impressões tiradas por jornalistas ocidentais em Tskhinvali,
quando as forças georgianas ainda estavam a retirar de Gori [1] começam a mostrar que
a Rússia exagerou completamente nos relatos de numero de mortos, como além disso a
soma e compilação de dados começa a mostrar que toda a operação de invasão da
Geórgia estava preparada desde o mês de Abril de 2008.

Analistas militares ocidentais, concluiram que a operação foi preparada com muita
antecedência e que se destinava claramente a remover do poder o governo de Mikhai
Sakasvilii e a substitui-lo por um mais condizente com o governo de Moscovo.
A preparação começou em Abril de 2008, e foi influenciada pelo resultado da reunião
de Bucareste na Roménia, em que a Geórgia viu o seu pedido de adesão à Aliança
Atlântica ser recebido com alguma frieza por parte de alguns países europeus,
nomeadamente a Alemanha. Moscovo achou que era um sinal de que Tbilisi estava
sozinha.

Embora as várias análises ocidentais sejam em grande parte coincidentes, também na


Rússia há quem tenha a mesma opinião.

A «ofensiva» russa pode ser tracejada até 2007, altura em que a Rússia se retirou do
tratado europeu sobre armamentos convencionais, que estabelece o limite de veículos
blindados, artilharia, tanques ou aviões que os países europeus podem ter ao serviço.

Quando deixou de cumprir com este tratado, a Rússia teve mão livre para transferir
livremente armamentos que tinha colocado na reserva fora da Europa a leste dos Urais.
Em meados de Abril deste ano, a Rússia colocou mais 1.500 soldados na região da
Abkhazia, muitos deles, equipados com armamento pesado.

Pouco dias depois da chegada dessas forças os russos abateram um «drone» de


vigilância georgiano, uma aeronave desarmada, que foi abatida por um MiG-29 da força
aérea russa no espaço aéreo georgiano.
De notar que a Rússia não tinha autorização para efectuar aquele tipo de operações. Os
russos negaram a ocorrência até ao momento em que os georgianos mostraram as
imagens.
Avião russo MiG-29 abate drone espião da Geórgia no espaço aéreo georgiano, quando
as tropas russas estavam a receber reforços. Sabemos agora porque os russos queriam
evitar ser vistos e porque abateram a aeronave não tripulada.

Em Junho, novos contingentes de tropas russas foram colocados na Abkhazia,


aumentando ainda mais a tensão com a Geórgia. Nessa mesma altura os russos
começaram a construir uma linha ferroviária entre Tsukhumi (a capital da Abkhazia) e a
fronteira russa, alegando que se tratava de uma medida humanitária.

Os analistas ocidentais vêm agora essa construção apressada de uma linha ferroviária,
como uma das formas utilizadas pelos russos para garantir o envio rápido de tropas para
o noroeste da Geórgia.

Na última semana de Julho de 2008, a Rússia iniciou as manobras militares conhecidas


como «Caucaso-2008», isto apenas quinze dias antes da invasão da Geórgia ter
ocorrido. Na altura os mesmos analistas militares avisaram que as tropas russas iam
começar os exercícios «Causaso 2008» na mesma altura que tropas americanas estariam
a treinar tropas georgianas.

O envio de tropas russas para a Abkhazia, com muitas semanas de antecedência, explica
a rapidez de acção das tropas russas na Geórgia em Agosto de 2008, ao mesmo tempo
que explica porque os russos abateram tão depressa o avião «drone» que servia para
vigiar o território georgiano da Abkhazia.

A Rússia nega veementemente qualquer preparação inicial da operação, embora os


responsáveis do país tenham geralmente negado todo e qualquer facto que possa parecer
menos positivo para a imagem internacional da Rússia mesmo quando praticamente
todos esses factos acabam posteriormente por ser confirmados.

Entre os argumentos apresentados pela Rússia está o facto de o primeiro-ministro do


país se encontrar na China e o presidente de férias.
No entanto, na verdade o presidente da Geórgia também se encontrava de férias em
Itália.

Está ainda por explicar, como é que não tendo havido qualquer preparação russa e
estando presidente e primeiro-ministro russos fora, as forças russas conseguiram
aparecer no terreno em força 12 a 14 horas depois das acções georgianas, tendo segundo
algumas fontes, chegado à «frente» em Tskhinvali, apenas 90 minutos depois de os
combates terem começado.
A rapidez russa em afirmar que as suas tropas agiam para evitar um genocídio e a morte
de mais civis (depois de já terem morrido 2.000 pessoas segundo o próprio presidente
da Rússia), também esbarra aparentemente com o facto de nenhum observador
independente, nem nenhum observador russo contactado por meios de comunicação
ocidentais ter conseguido demonstrar que ocorreu de facto qualquer genocídio.

Assim, os vários dados conhecidos apontam para uma preparação russa que tinha que
coincidir com o final dos exercícios militares de Verão «Cáucaso-2008» em que
participaram essencialmente unidades do 58º exército russo.
As forças que participaram desse exercício estavam portanto não só prontas, como
estavam preparadas e treinadas para uma operação prevista, previamente delineada e
devidamente montada.

O único problema, era a necessidade de fazer aparecer a Geórgia como o agressor


perante a opinião pública internacional.
A prestável colaboração das milícias pró-russas na Ossétia foi para isso de grande
utilidade.

Varias escaramuças ocorreram no dia 6 e no dia 7 de Agosto. Segundo fontes


georgianas (esta informação não está confirmada por fonte independente) os russos
foram contactados pelos georgianos, mas responderam que iam ver o que se passava,
sem ter efectuado qualquer diligência.

Perante a continuação dos disparos dos milicianos da Ossétia sobre as aldeias onde
habitavam georgianos - os quais deveriam ser protegidos pelos russos - e perante a
recusa russa em agir, o presidente georgiano deu ordens às suas forças para intervir na
Ossétia do Sul.

Estava então criado o precedente necessário. As primeiras tropas libertadoras russas


chegaram na forma de uma «Blitzkrieg» ou guerra relâmpago.

A partir daí, as forças russas avançaram sobre tropas georgianas, as quais não tinham
qualquer possibilidade de reagir. Sem um plano de acção pré-concebido os georgianos
recuaram desordenadamente para as planícies de Gori, e aí foram fortemente
bombardeados pela artilharia e aviação russas.

Mesmo depois de as forças georgianas retirarem os russos continuaram a bombardear a


cidade, enquanto os restos das tropas georgianas retiraram para a área da capital.

Posteriormente os Estados Unidos anunciaram que começariam a enviar ajuda


humanitária para a Geórgia e os aviões C-17 começaram a pousar em Tbilisi. As tropas
russas avançaram até cerca de 30km da capital da Geórgia, mas não avançaram até lá.

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