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Organizadores Prof. Dr.

Francivaldo Alves Nunes Athos


Matheus da Silva Guimarães

I SIMPÓSIO ONLINE DE HISTÓRIA


DOS ANANINS: ​ENSINO, PESQUISA,
EXTENSÃO

Realização: Grupo de Pesquisa Escola dos Ananins


(​simpoananinepe.blogspot.com​, de 10 a 14 de dezembro de 2018)

Ananindeua, 2019
2
Copyright ​© ​by Organizadores e autores

Primeira edição, 2019.

Capa: Construída com imagens disponíveis gratuitamente, e sem necessidade de referência, no


site https://pixabay.com/pt/

Produção: Editora Cordovil E-books.

Revisão: Autores.

Editora Cordovil E-books

Ananindeua, Pará, 67133-170

CNPJ: ​32.262.244/0001-39

cordovilebooks@gmail.com

900
NUNES, Francivaldo Alves; GUIMARÃES, Athos Matheus da
Silva [orgs.] ​I Simpósio Online de História dos Ananins:
ensino, pesquisa, extensão​. Ananindeua [PA]: Editora Cordovil
E-books, 2019. ISBN: 978-65-80307-00-5 Disponível em:
simpoananindepe.blogspot.com

I SIMPÓSIO ONLINE DE HISTÓRIA DOS ANANINS: ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO


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Sumário
Uma História Dialógica – Apresentação
............................................................................................................... 7 ​PREFÁCIO
................................................................................................................................................................ 10
HISTÓRIA ORAL E MEMÓRIA: UM DIÁLOGO NECESSÁRIO ​............................................................... 13
Nikolas Corrent

IDENTIDADE E MEMÓRIA: UMA ABORDAGEM TEÓRICA ​................................................................... 23


Nikolas Corrent

SER OU VIR A SER NEGRO: EIS UMA QUESTÃO IDENTITÁRIA ​.......................................................... 34


Antônio José de Souza

TERRA DE QUILOMBO: IDENTIDADE, TERRITORIALIDADE E OS IMPACTOS SOCIAIS NA


COMUNIDADE DE ABACATAL ​.......................................................................................................................
43 Vânia Maria Carvalho de Souza

ENSINO SECUNDÁRIO PÚBLICO E PARTICULAR EM DUAS PROVÍNCIAS: UM ESTUDO DE CASO


(1870) ​.............................................................................................................................................................
53 Meryhelen Alves da Cruz Quiuqui

A ESCOLA DE PRIMEIRAS LETRAS NA COLÔNIA BENEVIDES: RELAÇÕES ENTRE TRABALHO


AGRÍCOLA E ENSINO NA AMAZÔNIA OITOCENTISTA ​........................................................................ 60
Francivaldo Alves Nunes

O IMPÉRIO PORTUGUÊS: AS PRIMEIRAS NAVEGAÇÕES E A EXPERIÊNCIA ESCRAVISTA ​...... 70


Rafael Noschang Buzzo

CAFEICULTURA & MEMÓRIAS: HISTÓRIAS DOS TRABALHADORES DO MUNICÍPIO DE SÃO PEDRO


DO IVAÍ-1980-1990 ​.................................................................................................................................. 77
Eliane Aparecida Miranda Gomes dos Santos

A CRIAÇÃO DE GADO E OS IMPACTOS DA LEI DE TERRAS DE 1850 NA FRONTEIRA ENTRE O


PARÁ E O MARANHÃO (1840-1853)
................................................................................................................. 87 Adriane Aline Soares da Silva;
Talita Almeida do Rosário

ESBOÇO PARA UMA HISTÓRIA DA CAPOEIRA PARANAENSE​........................................................... 94


Jeferson do Nascimento Machado

TRAJETÓRIAS DE FAMÍLIAS ALFORRIADAS DA SESMARIA VITÓRIA: SÃO JORGE DOS ILHÉUS –


BAHIA, (1874-1887) ​............................................................................................................................ 107
Victor Santos Gonçalves

MAURA LOPES CANÇADO E A SUA BUSCA DO “NÃO SEI O QUE É, MAS É MARAVILHOSO”
(1929-1993)
............................................................................................................................................................... 116
Edivaldo Rafael de Souza

CIÊNCIA E HISTÓRIA: APONTAMENTOS SOBRE A PRODUÇÃO HISTORIOGRÁFICA DO INSTITUTO


HISTÓRICO E GEOGRAPHICO PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX ​... 120 Megi Monique Maria
Dias

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AP ​ ERFEITA MULHER CASADA NAS INSTRUÇÕES DO FREI LUIS DE LEÓN NO SÉCULO XVI,
REFLEXÕES PARA UM DEBATE
..................................................................................................................... 129 Lidiana Emidio Justo da
Costa

UMA BREVE DISCUSSÃO SOBRE O TRATAMENTO MENTAL NO BRASIL DO SÉCULO XX A PARTIR


DA OBRA “HOSPÍCIO É DEUS – DIÁRIO I” DE MAURA LOPES CANÇADO ​.................. 139 Edivaldo
Rafael de Souza

A ​PRAGA VOLÁTIL ​E OUTROS INFORTÚNIOS ENTOMOLÓGICOS NA HISTÓRIA DO BRASIL


...................................................................................................................................................................
............... 144 Márcio Mota Pereira

NACIONALISMO: UM FENÔMENO HISTÓRICO E SOCIAL ​................................................................. 153


Megi Monique Maria Dias

O PENSAMENTO POLÍTICO DO BARÃO DO RIO BRANCO E O IMPÉRIO DO BRASIL ​.............. 160


Danilo Sorato Oliveira Moreira

NAS CERCANIAS: GENTE, PAISAGEM E OCUPAÇÃO EM TERRAS ANANI (PARÁ, SÉCULO XIX)
............................................................................................................................................................................
...... ​167 Paulo Henrique Santos; Francivaldo Alves Nunes

EM PAUTA, A VIOLÊNCIA: A IMPRENSA E OS CONFLITOS DE TERRA NO PARÁ (ANOS 2000) –


ASPECTOS PRELIMINARES DE UMA PESQUISA
.................................................................................... 174 Rafael Souza Ferreira; Francivaldo Alves Nunes

EM “CIRCUNSTÂNCIAS DUVIDOSAS”: VIOLÊNCIA E ASSASSINATO DE TRABALHADORES RURAIS


EM PERNAMBUCO (1950-1960) ​....................................................................................................... 183
José Rodrigo de Araújo Silva

COLONIZAÇÃO INTERNA E NECROPOLÍTICA: VIOLÊNCIA, DOMINAÇÃO E O PAPEL DO


INTELECTUAL
...................................................................................................................................................... 194
Rafael Noschang Buzzo

A CONDIÇÃO PÓS-MODERNA DO REAL NO CINEMA CONTEMPORÂNEO ​................................ 204


Leonardo Inácio Grazziani

AGRICULTURA, AGROECOLOGIA E O DIÁLOGO ENTRE SABERES TRADICIONAIS E CIENTÍFICOS


A PARTIR DA ATIVIDADE EXTENSIONISTA NO TERRITÓRIO VELHO CHICO (BA)
..........................................................................................................................................................................
209 Heron Ferreira de Souza; Moisés Leal Morais

PSICANALISE, ARTE E RERODUÇÃO: DO SENTIMENTO OCEÂNICO AO FIM DA AURA NO


CAPITALISMO
..................................................................................................................................................... 222 ​Pablo
Rodrigo Barreto Coelho

A MASCULINIDADE DE HEITOR NA OBRA DE HOMERO ​................................................................... 230


Ana Maria Lúcia do Nascimento

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JORNAIS: AS DIFERENTES UTILIZAÇÕES DESTA FONTE E A LUTA PELA CONQUISTA DE
DIREITOS DAS MULHERES A PARTIR DO JORNAL ​O SEXO FEMININO ​NO SÉCULO XIX ​........ 238
Carolyn Santiago pinheiro

DEUSES E HOMENS: A LINHA TÊNUE ENTRE O TEMPO MÍTICO E O TEMPO HISTÓRICO ​.... 244
Lidiana Emidio Justo da Costa

VIDA PRIVADA SOB A ÉDIGE DEMOCRÁTICA: CONSTRUINDO UM TRAJETO NA PERSPECTIVA


HISTÓRICA​.............................................................................................................................. 249 ​Maicon
Douglas Santos Kossmann; Carolina Fernandes dos Santos

IDENTIDADE E CULTURA: A PARTICIPAÇÃO FEMININA NO RITUAL INDÍGENA MENINO DO


RANCHO
................................................................................................................................................................ 257
Yuri Franklin dos Santos Rodrigues

RETROCESSOS E AVANÇOS NAS REPRESENTAÇÕES DA CULTURA INDÍGENA NOS LIVROS


DIDÁTICOS DO ENSINO FUNDAMENTAL ​...............................................................................................
270 ​José Humberto Rodrigues; Reinaldo Pereira da Silva; Rosângela Pereira Silva

A FORMAÇÃO DE CONSCIÊNCIA HISTÓRIA E O ENSINO DE HISTÓRIA PELO CINEMA ​....... 281


Leonardo Inacio Grazziani

POLÍTICAS EDUCACIONAIS EM PERSPECTIVA: A REFORMA DO ENSINO MÉDIO E O ENSINO DE


HISTÓRIA ​.......................................................................................................................................................
290 ​Amanda Camargo Rocha; Ana Beatriz Camargo Rocha

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A REPRESENTAÇÃO DO EGITO ANTIGO NAS MÍDIAS


AUDIOVISUAIS E SEUS USOS NO ENSINO DE HISTÓRIA ​.................................................................. 301
Edimar Ribeiro dos Santos Junior

NOTAS SOBRE AS EXPERIÊNCIAS DO PIBID: DISCUTINDO A TEMÁTICA INDÍGENA NA ESCOLA


.................................................................................................................................................................. 309
Yuri Franklin dos Santos Rodrigues; Deisiane da Silva Bezerra

A TRANSFORMAÇÃO COMO FIM E O MÉTODO COMO MEIO: O JURI SIMULADO PARA UM ENSINO
DE HISTÓRIA RELEVANTE ​............................................................................................................ 319
Rayme Tiago Rodrigues Costa
HISTÓRIA E TEATRO: REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA DOCENTE ​....................................................
326 ​Rudy Nick Vencatto; Franciele Aparecida de Araujo

A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL, O MADONNARO E OS HOMENS-MEMÓRIA: DIALOGANDO COM A


HISTÓRIA DE PIRANEMA ​................................................................................................................ 334
Marcelo Amaral Coelho

MINHA ROUPA NOVA: A ESCOLA ​...............................................................................................................


345 Siméia de Nazaré Lopes; Felipe Araújo de Melo; Lucas da Silva Leal

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PROJETO DE MONITORIA “TEORIA E METODOLOGIA DA HISTÓRIA”: NOTAS INCIAIS DE UMA


EXPERIÊNCIA NO ENSINO ​................................................................................................................... 354
Siméia de Nazaré Lopes; Arthur Bezerra Monteiro; João Tavares Noronha Neto

A INDÚSTRIA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL E O COTIDIANO OPERÁRIO EM PARACAMBI – RJ


................................................................................................................................................ 360 ​Rafaela
Alvarez Ferretti Albieri

PATRIMÔNIO HISTÓRICO: CONSERVAÇÃO E PRESERVAÇÃO - UMA QUESTÃO DE CIDADANIA


......................................................................................................................................................... 370 ​José
Humberto Rodrigues Reinaldo Pereira da Silva; Rosângela Pereira Silva

PRAÇA MATRIZ DE ANANINDEUA: UM PATRIMÔNIO HISTÓRICO CULTURAL OU UMA


PROPRIEDADE DA IGREJA CATÓLICA? ​.....................................................................................................
379 ​Andreia Brito Lucas; João Carlos Lopes Cardoso; Zilda do Socorro de Souza Pereira

UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE AS NOVAS TECNOLOGIAS DIGITAIS E O ENSINO DE HISTÓRIA: A


CONECTIVIDADE ENTRE A INTERNET E O ESPAÇO ESCOLAR ​............................. 386 ​Athos Matheus
da Silva Guimarães

O USO DAS TECNOLOGIAS EM SALA DE AULA NA DISCIPLINA DE HISTÓRIA ​....................... 393

Franciele Aparecida de Araujo; Rudy Nick Vencatto

TECNOLOGIA E ENSINO DE HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS DA PRATICA DOCENTE​..... 404


Andre Lisboa Lopes
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Uma História Dialógica – Apresentação

Entre os dias 10 a 14 de dezembro foi realizado I Simpósio On Line de ​História dos


Ananins.​ O evento virtual, organizado pelo grupo Escola dos Ananis, da Universidade
Federal do Pará - Campus Universitário de Ananindeua reuniu professores e
pesquisadores interessados em temáticas que envolvem os estudos históricos.

Diante de um quantitativo de relevante de trabalhos apresentados foi possível reuni,


através desta obra, um conjunto de estudos que dialogam em diferentes frentes de
trabalho, o que perpassa pela relação história, memória e identidade; história da
educação, do ensino de história e suas implicações; história e eventos históricos em
diferentes temporalidades; diálogos com história e outras ciências; ensino de história e
suas implicações de métodos e materiais didáticos; história e patrimônio e a
experiência do professores de história diante das novas tecnologias.

Para facilitar a compreensão da proposta, o livro foi dividido em sete partes, que
aproximam os artigos, considerando suas temáticas de observação e análise.

A primeira parte “História, memória e identidade”, os estudos se voltam para


compreender as implicações entre os estudos da memória e a produção do fato
histórico, assim como a memória como instrumento de construção de identidade.
Neste aspecto, duas questões aparecem com maior relevo: a identidade negra e
quilombola.

A parte dois “História da educação e do ensino de história” os artigos se voltam para


análise de como o ensino era compreendido no século XIX, com destaque para os
liceus de ensino do Ceará e Espírito Santo e escola agrícola da colônia Benevides, na
província do Pará.

Sobre a parte três “ História e eventos históricos”, esta constitui a com maior
quantidade de artigos e diversidade de temáticas, que perpassam pela compreensão
da atuação do Império português, quanto a navegação e escravidão, as experiências
de trabalho e produção no Brasil do século XIX, tendo como foco a fronteira do
Maranhão com o Pará até a cultura cafeeira ao Sudeste do país, no século XX.
Pensamento político, ações nacionalistas, trajetórias familiares, experiências de

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tratamento mental e violência no campo, também foram objetos de análise.

Para a quarta parte, em que chamamos de “História e outros diálogos” observamos a


presença de estudos sobre a atuação dos intelectuais diante do processo de
dominação e reprodução da cultura das classes dominante, relação entre pós-
modernidade e cinema contemporâneo, diálogos entre saberes populares e científicos
a partir de atividade extensionista junto a trabalhadores rurais, a produção artística e a
diversidade de possibilidades de leituras e compreensões, Homero e as concepções
de masculinidade, ações individualistas em tempos de democracia e identidade e
cultura em ritual indígena.

Na quinta parte “História e Ensino de História” o destaque é para os estudos que


analisam as representações presentes no livro didático, cinema e formação da
consciência histórica, as representação do Egito Antigo nas mídias audiovisuais e as
possibilidades de utilização destas produções como ferramenta didática no ensino-
aprendizagem de história, políticas educacionais e reformas do ensino médio, o PIBID
e a temática indígena na escola, método do júri simulado para o ensino de História,
teatro e a prática docente, assim como experiência de pesquisa, extensão e monitoria
no espaço escolar.

Na sexta parte, “História e patrimônio” os artigos estabelecem diálogos quanto a


indústria como patrimônio cultural e o cotidiano operário, preservação e conservação
em cidades históricas e um caso modelar observado na praça da matriz da cidade de
Ananindeua, entre um debate sobre partimônio público e interesses particulares.

A ultima parte, a sétima, “História e novas tecnologias”, o espaço foi destacado a


artigos que dialogam com a relação entre internet e o espaço escolar, assim como o
uso de tecnologia no ensino de história, a partir da perspectiva do recente avanço
tecnológico e da massificação do uso de dispositivos de telefonia móvel, como os
smartphones, assim como o uso de internet de alta velocidade, interatividade em rede
e mídias sociais.

Ao que se observa, este conjunto de texto coloca desafios a historiadores,


professores, estudantes de história e de disciplinas que tem nos estudos históricos
elementos de diálogo e análise. Um desses desafios é agregar ao ambiente de seus
afazeres e lugares específicos a possibilidade de conversar com outras formas de
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produção do conhecimento. Neste aspecto este livro constitui um espaço de


experiência social e democrática de como desenvolver o conhecimento histórico de
forma dialógica.
Ananindeua, 23 de dezembro de 2018.
Francivaldo Nunes
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PREFÁCIO

A história não pode se tornar mais um objeto esquecido no passado ou simplesmente


se tornar antiquado. Ela deve estar acompanhando a sociedade e observando as suas
construções e também as suas rupturas. A sociedade é permeada por paradigmas,
tanto por velhas e novas situações. A História não deve estar somente à margem de
tudo isso, deve estar envolvida e observando todas essas transformações e
continuidades.

O presente livro possui um leque de trabalhos para refletirmos sobre a História e as


estruturas que o mantêm. Publicados por diversos autores de várias regiões do Brasil,
os trabalhos estão refletindo sobre os diversos aspectos da História, as reflexões são
a partir de experiências de suas regiões de origem, neste sentido o debate envolveu
toda uma carga de experiências da relação da história com os mais variados
aspectos, sejam eles territoriais, temporais, experiência no ensino e dentre outras
perspectivas que fazem parte do debate.

Os textos que neste livro estão são consequência do I Simpósio Online de História
dos Ananins: Ensino, Pesquisa e Extensão1, que ocorreu de 10 a 14 de dezembro de
2018. Como no próprio título do simpósio, ele ocorreu totalmente de forma digital.
Essa característica do evento possibilitou o envolvimento de diversos pesquisadores
das várias regiões do Brasil e suas pesquisas sobre seus locais de origem. É uma
nova característica de realizar eventos acadêmicos e proporcionar intensos debates,
com novas perspectivas de pesquisa.

O meio digital possibilita uma grande interação social e troca de informações em


grande velocidade. O grupo Escola dos Ananins2, grupo que organizou o evento,
utilizou-se desta ferramenta para proporcionar a interação de pesquisadores por todo
o Brasil. Acessível a todos os interessados em participar do evento, as discussões
ocorriam a todo o momento e oportunizando conhecer a realidade de outras regiões a
partir das pesquisas submetidas no Simpósio.

1 Link para acessar a página do evento: ​http://simpoananinepe.blogspot.com/ ​acessado no dia 18/12/2018. 2 Link para
acessar o blog da Escola dos Ananins: ​http://escoladosananins.blogspot.com/ ​acessado no dia 18/12/2018.

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Esse livro apresenta reflexões sobre diversos aspectos e temporalidades sobre os


Eixos Ensino, Pesquisa e Extensão. Os debates se aprofundaram nas mais diversas
estruturas da História, Historiografia e sobre o Ensino de História. Como por exemplo
o debate sobre as Novas Tecnologias de Informação e comunicação (NTIC’s) foram
bastante expressivas para refletir sobre as possibilidades da utilização dessas novas
ferramentas no Espaço Escolar, como no debate teórico em torno dessas novas
perspectivas que é a NTIC’s.

O Espaço Escolar recebeu bastante destaque e em suas mais diversas


temporalidades, desde escola de primeiras letras em Benevides/PA até a reflexão
sobre NTIC’s no ensino de história. São textos que estão analisando velhos
paradigmas da História, como História Oral e a possibilidade da utilização como
pesquisa até o desenvolvimento de análises sobre um determinado município. São
textos inspiradores para as mais variadas possibilidades de pesquisas e reflexões
sobre as estruturas da História e seus, velhos e novos, paradigmas.

Athos Matheus da Silva Guimarães. Ananindeua, 18 de dezembro de 2018.


I SIMPÓSIO ONLINE DE HISTÓRIA DOS ANANINS: ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO
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PARTE 1:
HISTÓRIA,
MEMÓRIA E
IDENTIDADE
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HISTÓRIA ORAL E MEMÓRIA: UM DIÁLOGO


NECESSÁRIO ​Nikolas Corrent

Resumo: ​A memória desempenha um papel vital na formação e manutenção do


próprio passado e do passado coletivo de um povo ou nação. A memória,
infelizmente, é altamente suscetível a distorções e erro, por isso, torna-se importante
entender como a memória pode transformar o que "estava" em o que "parecia ser"
para entender como os erros de memória podem se infiltrar e moldar a história
pessoal e coletiva. Neste texto, exploramos como e por que a memória tende a
distorcer o passado. Essas distorções são uma consequência natural de nossas
tentativas de reconstruir experiências. Com reconstrução vem a distorção. Durante a
revisão historiográfica, descreve-se algumas das maneiras pelas quais se concebem a
memória e as formas em que a memória opera, então discute-se várias técnicas que
foram usadas para distorcer a memória para experiências pessoais. Argumenta-se
que os mecanismos responsáveis pela formação de memórias também podem estar
por trás da criação de falsas memórias históricas.
Palavras-chave: ​História oral. Memória. Coletividade. História.

1 INTRODUÇÃO

As fontes vão se anquilosando por seu uso na reconstrução, reinterpretação e


reescrita da história. Conceber a interpretação histórica como um processo dinâmico
nos leva a trabalhar com novas fontes. Esses novos tipos de fontes, dentre os quais
os podem ser os testemunhos de depoentes, dão a possibilidade de conhecer antigas
tradições ou costumes das gerações anteriores, mas acima de tudo, os novos tipos de
fontes, aproximam-nos dos setores sociais que não estavam inseridos na coleção
documental.

Pegando o que foi exposto pode-se dizer que as vozes desses assuntos, às vezes
relegados em busca de uma história construída de cima, trazem certos espaços de
natureza privada, "as esferas ocultas". Essas esferas, que de outra forma seriam
fechadas a qualquer tipo de pesquisa científica, oferecem uma nova visão dos
diferentes e imaginários espaços das sociedades. Também pode-se saber como a
vida de uma pessoa influencia o que é narrado. (THOMPSON, 1992).

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​ ue
Do campo da disciplina da História, o que se pretende é trazer uma parte do ​todo q
supõem os estudos da memória na atualidade: os depoimentos, como um dos
elementos formadores de memória, estudados no campo da História Oral. Por causa
de sua capacidade de recorrer à memória e experiência para abordar a vida cotidiana
e formas de vida não registrado, tornou-se uma categoria importante para tais
estudos.

A História Oral incorpora o propósito social da história ao introduzir novas evidências


éexpandir os "dados históricos" da coleção de documentários e abrir novas áreas de
pesquisa para que as outras fontes não consigam alcançar. Mas também a história
oral recebeu uma forte crítica, com base na subjetividade da fonte, uma vez que ela é
criada no processo de interação entre pesquisador e protagonista, mediando cada um
deles por uma série de fatores e influências, visto que o nível de espontaneidade dos
depoimentos que varia de acordo com a carga emocional de conteúdo.

Dado o problema da subjetividade das fontes, o historiador desce às fundações da


experiência humana para introduzir a variável "significado" em sua análise e refletir
sobre o que influencia ou afeta cada sujeito quando se trata de narrar seu testemunho
e se isso está diretamente relacionado com a capacidade da memória de se tornar
umamemória testemunhada e lembrar-se de outro problema relacionado à história oral
e suas fontes tem sido o da narração, isto é, ficar com isso narrado pelos
protagonistas sem fazer qualquer análise crítica ou compreensão do contexto.

2 HISTÓRIA ORAL E MEMÓRIA

A história oral foi amplamente utilizada na Inglaterra na década de 1960 para trabalhar
em questões relacionadas com a história dos trabalhadores e novos movimentos
sociais. O objetivo era dar voz àqueles sem voz, àqueles marginalizados pela
historiografia tradicional.

Identifica-se entre os problemas mais frequentes da história oral em técnica de


pesquisa as particularidades do processo de entrevista, o papel do pesquisador, o elo
passado/presente, o entrevistado e sua percepção sobre quem faz a entrevista (a
quem o entrevistado fala?) e, finalmente, o claro estabelecimento dos objetivos da
entrevista.

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Na história da vida, a história oral, é testemunho de uma realidade distante em tempo
e espaço, quando é registrado adquire valor documental, torna-se objeto de estudo e
interpretação. A memória coletiva é o produto de um processo de estrutura social pela
qual o significado é construído em relação ao passado e presente de cada sociedade.
É ao mesmo tempo um elemento constitutivo e essencial da identidade de uma
pessoa e um grupo social.

“A memória é uma construção social do significado do passado que se baseia


lembre-se, é o ato e a capacidade dos sujeitos de se lembrarem; É então um discurso
que nem sempre segue uma ordem cronológica, mas sim regras subjetivas em
relação à temporalidade onde os atores, ao lembrar saltam de um período para outro
sem mediação ou causalidade linear.” (LE GOFF, 1996, p. 98).

Diferentes interpretações sociais do passado podem se tornar uma razão para um


conflito e debate. Datas e aniversários funcionam como ativadores de memória; neles
os fatos reordenar ou estragar o que estabeleceu-se, as vozes das novas gerações
questionam e repensam as histórias orais, gerando novas visões sobre o que foi dito e
o que foi omitido.

Por outro lado, monumentos e lembretes, se tornam espaços de luta política e pública
atualmente; esse é o caso, por exemplo, dos órgãos de direitos de seres humanos e
diferentes organizações sociais quando geram atividades diversificadas, desde
publicações na mídia impressa até propostas de nomenclaturas de ruas e praças.

Outras formas de intervir na memória são as instâncias de destruição da materialidade


da memória (monumentos, por exemplo) como tentativas de destruir a própria
memória, para apagar as marcas do passado.

“Não há articulação do social que é de uma vez por todas, nem na superfície,
ou em profundidade [...] que está articulação, tanto em termos diz respeito às partes
que possui, bem como às relações que estabelece entre os partidos e entre eles e o
todo, é a todo momento uma criação da sociedade em pergunta. A sociedade é
estabelecida como modo e tipo de convivência.” (HALBWACHS, 2003, p. 101).

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Por causa disso, a memória coletiva é um meio de construir história oral, contribuindo
para a historiografia como fonte de história. Neste sentido, como dito acima, todo
testemunho oral traz um fardo emocional e sensível que depende do modo como a
memória foi alojada na memória, para a qual, recordando a memória de volta ao
presente, ela pode ser feita de diferentes maneiras e cada pessoa em sua memória
individual vai lembrar o evento ou o feito de uma maneira diferente.

No entanto, o fato, como tal, não muda, apenas modifica o que significa que dá
quem se lembra. Então, uma primeira conclusão é que a interpretação desses fatos,
através da "purificação" da memória e da busca por pontos comuns nas memórias
individuais permite construir uma visão generalizada de vários eventos que poderiam
dar origem a uma memória coletiva.

Pelo exposto, para que a coleção de memórias possa efetivamente tornam-se fontes
para a história oral, o papel do entrevistador é vital importância, já que é ele quem,
através da interação com o outro em um momento e espaço definido, conseguirá que
o assunto "rememore".

Nesse sentido, para alcançar uma coleção de memórias, devemos levar em conta os
quadros de memória proposta por Halbwachs, que nos permitiu articular o tipo de
perguntas a serem feitas aos entrevistados, em primeira instância.

Finalmente, esta ordenação de memórias permite então construir a história oral, como
é realizado na investigação do bairro. Para isso é necessário não apenas limpar as
memórias, mas também confiar em estruturas sociais, aspectos temporais e espaciais
da memória.

A História Oral busca criar novos registros documentários que permitam construir uma
nova forma de historiografia baseada em pesquisa de campo. Nesse sentido, a
história oral realiza uma busca e compilação das histórias (narrativas), geralmente a
partir da pessoa comum ou da classe popular, pois são essas pessoas que, na
maioria das vezes, não possuem documentos escritos ou não são mencionados nos
documentos que o historiador usa como fonte. Daí deriva a importância desta
compilação, pois compõe uma história articulada em um processo narrativo, de igual
caminho em uma fonte adequada para o trabalho do historiador.

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Atualmente, o interesse que a história oral despertou influenciou seu tempo, em novas
possibilidades de história social e conseguiu influenciar a multidisciplinaridade da
história, relacionadas a outras ciências sociais, como geografia, antropologia cultural,
sociologia, entre outros. (HALBWACHS, 2003).

O sucesso da história oral é que por meio de um procedimento adicionado ao método


utilizado na história, é possível estudar comunidades que pensaram sem história,
comunidades com declarações orais que não criam documentos escritos ou
comunidades que perderam seus documentos escritos e que, no entanto, são ricas
em oralidade, no conhecimento do espaço, tradições, festivais, costumes, mitos e
rituais e que têm conseguido transferir sua memória de geração em geração para não
ser esquecido.

Fundamentalmente, a importância de usar esse procedimento na historiografia, é que


permitiu estudar comunidades que não foram consideradas anteriormente como
objetos de estudo por falta de documentos escritos (formais).
Na relação do historiador com os testemunhos orais, que sendo apenas uma
compilação generosa, pode ser que muitas vezes, no final de uma investigação, não
terá nenhum resultado concreto ou detalhado, mas isso não significa que as fontes
são menos válidas, como foi feito para pensar.

“Mas a importância do trabalho de campo na história oral está relacionada à existência


da possibilidade de recuperação da tradição oral, que às vezes é considerada extinta
e muitas outras vezes é criada onde a palavra escrita existe já esta tradição, tem a
possibilidade de aplicar crítica histórica para a interpretação desses
dados.”(THOMPSON, 1992, p. 46).

Em outras palavras, o trabalho com os testemunhos orais tornou possível o


conhecimento de períodos históricos em que fontes escritas são escassas e, em
alguns casos, inexistente, transformando os fatos em fontes para o historiador.

Dentro das dificuldades que existem no trabalho com fontes de tipo oral, pode-se
mencionar o problema da confiabilidade da fonte e seu caráter de objetividade. Nesse
sentido, Bossi (1994), ressalta que esse não é um problema exclusivo da história oral,
é apresentado em qualquer fonte consultada, para qualquer forma de história.

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Nesse sentido, Thompson (1992) considera que a memória da vida em geral de uma
pessoa ou informante (como ele será chamado a partir de agora) a partir de sua
própria perspectiva dentro do que ele considera importante, gera uma história e, em
consequência, o documento mais confiável que pode ser encontrado, já que memórias
trazem com detalhes que não podem ser encontrados de outra forma e permitir a
construção de histórias em pequena escala. (ALBERTI, 2004).
De acordo com isto, é importante para a compreensão da metodologia usada para a
construção de uma história oral, a partir do resgate da memória coletiva definindo o
conceito de "Memória", dando sentido a pesquisa.

Para mergulhar neste assunto, para finalmente entender o que é memória individual e
o que é memória coletiva, a primeira coisa é explicar a noção de memória do que é
lembrado e a quem está memória pertence.

Bossi (1994), explica que os gregos tinham duas palavras para se referir a "memória",
"​mneme" e​ "anamnesis", para designar a memória e o exercício de recordar a
memória, respectivamente. Seguindo esta explicação simples, pode-se dizer que há
uma imagem do passado, que é chamado como uma memória e um exercício pessoal
que é lembrar, em que a memória de cada um é usada para "lembrar-se", isto é, ter
uma memória de si mesmo.

Explana-se que a pessoa explica os eventos e suas ações neles, a partir da maneira
pela qual se percebe no território e em sua sociedade. Então, voltando para os limites
de amplitude e precisão que foram definidos como o limite entre a memória e
esquecimento, pode-se afirmar que, por um lado, a dificuldade de amplitude tem
relação com o âmbito da temporalidade e da espacialidade e, por outro lado, na
precisão, influencia a profundidade da memória e a clareza de sua representação,
típica da capacidade humana de "lembrar". (ALBERTI, 2004).

Por mais desencorajador que a tarefa de colecionar a memória possa parecer,


existem alguns elementos que atuam como facilitadores da memória, que
necessitasse levar em consideração ao projetar uma metodologia para abordar a
construção de uma história oral.

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19

Neste trabalho, a memória pode ser feliz, ou dolorosa, no entanto, se o entrevistador


estimular a memória ele consegue "reviver" a experiência, pode superar ou
marginalizar experiências dolorosas. (THOMPSON, 1992).

3 HISTORIADOR, DEPOENTE E MEMÓRIA: UM TRIPÉ ESSENCIAL

De qualquer forma, o entrevistador tem uma tarefa de importância vital, uma vez que o
assunto lembra pela interação com o outro.

Nesse sentido, propõe-se que, para "lembrar-se", é necessário ter a opinião dos
outros, isto é, as pessoas não se lembram sozinhas, e a partir dessa ideia é possível
dizer que lembrar uma única pessoa é um ponto de vista da memória coletiva. Então o
"outro" não é apenas um facilitador de memória, mas age como uma estrutura social
para ela.

“Além disso, deve ser entendido que a estrutura para memória, além de ser social, é
também espacial e temporal, de modo que a memória será modificada pelos
contextos espaciais e temporais em que o sujeito está inserido.” (HALBWACHS, 2003,
p. 100).

Outrossim, a memória individual que utiliza os quadros sociais de memória, "é apenas
uma parte e um aspecto da memória do grupo", que é preservado como memórias
quando ligado as mídias sociais, uma vez que os quadros de memória são
conhecidos, é possível entender como a memória individual se torna uma memória
coletiva, para poder entender de que forma de memória pode ser um meio para a
construção da história oral.

Nesse sentido, a memória coletiva não é composta apenas da purificação e


ordenação de histórias individuais, mas na busca de um terreno comum para a
inter-relação das memórias, levando em consideração as emoções e formas de
lembrar-se, uma vez que é isso que dá o quadro social da memória em que a
lembrança era possível.

O uso de histórias orais e a transmissão da memória histórica é tão antiga como o


homem, no entanto, aparece como instrumento de pesquisa de historiadores,
etnólogos, antropólogos e sociólogos da segunda metade do século XX.

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20

Embora possa ser dito que é difícil através da história oral poder reconstruir os
eventos históricos concretos (exceto em casos que são as únicas fontes de
informação sobre um período histórico) constitui uma documentação inestimável na
reconstrução da atmosfera, ambiente de eventos, subjetividade, práxis individual e
coletiva de um grupo social.

Ao trabalhar com histórias orais, estas nem sempre são coincidem com as diferentes
"visões" dos que testemunharam um fato do passado. Quando se investiga sobre a
vida cotidiana de uma sociedade pode-se encontrar versões dissimilar e até o oposto
do mesmo fato histórico. Ao ouvir de uma pessoa um conto, lenda ou simplesmente
“determinada” versão em um determinado assunto encontra-se antes de um caso
único de interpretação histórica, já que "aquele" momento de diálogo é irrepetível.
Entende-se que no caso da história oral a fonte é construída pelo mesmo pesquisador
o material obtido das entrevistas que devem ser corroborados com outros documentos
da época, na medida em que existam.

A riqueza inegável das fontes de declarações orais é que em numerosas ocasiões


elas revelam fatos ou aspectos desconhecidos ignorados sobre fatos desconhecidos
para certos grupos populacionais ou para regiões que não é possível investigar
através da documentação existente na história tradicional.
Porque a memória está envolvida em um processo de seleção, o inconsciente
determina o que devesse lembrar e o que devesse reprimir. Para o pesquisador é tão
importante o que é lembrado como o que não é lembrado. A ausência não pode ser
interpretada como um esquecimento ou como uma deficiência e a memória de simples
reprodução da realidade passada. Portanto, é que os “erros" das fontes orais fazem
parte do material histórico, os dados fornecidos por um informante não coincidem com
os documentos escritos da época, eles têm valor como uma fonte documental na
medida que se referem a interpretações pessoais da realidade histórica que se
relaciona.

Esta metodologia de trabalho incorpora a história da cultura para todos os homens,


independentemente da condição social a que pertencem, ou a extensão pública de
suas ações. Eles interessam como sujeitos protagonistas da manutenção ou
transformação de ordem sociocultural que caracteriza um tempo histórico
determinado.

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As fontes construídas através do método da pesquisa da História Oral são


significativas para a comunidade, uma vez que se referem aos seus próprios
assuntos, comuns e próximos. Outro valor que eles adquirem é o fato de ser relevante
porque se referem ao conhecimento de eventos e processos sociais que fazem parte
da vida cotidiana.

A capacidade de transmissão do intangível, os espaços onde alguns destes são


desenvolvidos, manifestações, conhecimento sobre técnicas desaparecem ou caem
em desuso devido à incorporação de novos, caem no esquecimento por causa das
transformações que vão surgindo nas sociedades. Isso é mais frequente naquelas
comunidades cujos membros migram para outros espaços por razões (voluntárias ou
não) de trabalho, estudo, exílio.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas últimas décadas do século XX, juntamente com a maior complexidade do


conhecimento, as ciências sociais têm sido caracterizadas por numerosas perguntas
para seus problemas de pesquisa. Os diferentes campos de disciplinadores devem
refletir novamente sobre suas questões centrais, responder a novas perguntas.

A história que depende da memória pode não ser melhor do que a memória em que
se baseia. Porque a história oral depende quase exclusivamente na memória, pode-
se argumentar que a história oral serve para reiterar o que é, melhor, uma lembrança
distorcida do passado.

Corresponde também à leitura atual do tema, assumindo a perspectiva ética para


elucidar o problema e, assim, fornecer critérios para reflexão sobre a relação de
conflito levantada entre os diferentes setores sociais que convergem no estudo de
recursos materiais e culturais simbólico no contexto. O uso de histórias orais no
registro da memória e na identificação das diferentes formas de identidade que
constituem o patrimônio cultural deve prestar atenção a esta problemática.

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Mestrando do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Estadual do


Centro-Oeste (UNICENTRO). Graduado em Filosofia Licenciatura (2018) pelo Centro
Universitário de Araras “Dr. Edmundo Ulson” (UNAR), História Licenciatura (2016)
pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) e Ciências Sociais Licenciatura (2015)
pela Faculdade Guarapuava (FG). Especialista em Docência do Ensino Superior
(2018) e Educação a Distância com Ênfase na Formação de Tutores (2018) pela
Faculdade São Braz (FSB); Educação do Campo (2017) pela Faculdade de
Administração, Ciências, Educação e Letras (FACEL); Educação Especial e Inclusiva
(2016), Metodologia do Ensino de Filosofia e Sociologia (2016) e Ensino Religioso
(2015) pela Faculdade de Educação São Luís (FESL). Participante do grupo de
pesquisa de Estudos em História Cultural da Universidade Estadual do Centro-Oeste
(UNICENTRO). Professor de Sociologia contratado pela Secretaria de Educação do
Estado do Paraná e leciona as disciplinas de Filosofia, História e Sociologia no
Colégio Imaculada Virgem Maria e Sociologia no Colégio São José. Tem experiência
nas áreas de Ensino Religioso, Filosofia, História e Sociologia.

ALBERTI, V. ​Ouvir contar textos em história oral. ​Rio de Janeiro: FGV,


2004.

ALBERTI, V. ​Manual de história oral. ​3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.

BOSI, E. ​Memória e sociedade: ​lembranças de velhos. São Paulo: Companhia


das Letras, 1994.

FERREIRA, M. de M.; AMADO J. (Orgs.) ​Usos e abusos da história oral. ​8 ed.


Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.

HALBWACHS, M. ​A memória coletiva. ​São Paulo: Centauro, 2003.

LE GOFF, J. ​História e Memória​. Campinas: Unicamp, 1996.

THOMPSON, P. ​A voz do passado: ​História Oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra,


1992.
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23

IDENTIDADE E MEMÓRIA: UMA ABORDAGEM TEÓRICA


Nikolas Corrent

Resumo​: Esse artigo tem por objetivo mostrar o processo de construção da


identidade na historiografia. Assim, através de uma pesquisa qualitativa em
referenciais bibliográficos, identificaremos os usos e desusos do conceito de
identidade e de seus principais autores, dentre eles Stuart Hall, um dos mais
importantes teóricos do mundo social. Desse modo, compreende-se que a identidade
é flexível e pode ser reelaborada perante novos desafios e necessidades, tendo em
vista que sua construção ocorre de maneira social e histórica.

Palavras-chave​: Identidade. Historiografia. Cultura.

INTRODUÇÃO

Parte-se nesta pesquisa da análise das relações entre memória e identidade,


especificamente o papel da memória enquanto condição para a construção de
identidades. Para tanto, é necessário recorrer às concepções sobre memória
presentes nas reflexões de Maurice Halbwachs (2003), que possibilitam relacionar os
conceitos de memória individual e memória coletiva à discussão sobre identidade,
cujas contribuições de Stuart Hall (2006) são fundamentais para que os conceitos de
memória e identidade possam dialogar.

No campo dos estudos relativos a fenômenos sociais encontramos uma farta


produção sobre identidade, no entanto, faz-se necessário salientar, que nem sempre é
fácil de buscar uma definição certeira a respeito da identidade, posto que trabalhadas
por distintas áreas, entre elas a título de exemplo, Antropologia, História e Sociologia,
o conceito se molda às exigências epistemológicas e teóricas de cada área, deixando
seu conceito em aberto.

A noção ou conceito de identidade aparece nesse sentido, portanto, como um


conceito comumente impregnado de entendimentos diferentes.

Portanto, produzida social e historicamente, a identidade é flexível e pode ser


reelaborada perante novos desafios e necessidades. A identidade, nessa concepção
histórica trata-se de um referencial de construções e desconstruções. Já a identidade

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cultural, nessa perspectiva, é um sistema de representação das demais relações entre


indivíduos e comunidades sociais espalhadas pelo mundo.

Partindo desta premissa, toma-se a afirmação de que a identidade é um processo de


identificações historicamente apropriadas que conferem sentido ao grupo (CRUZ,
1993). Uma discussão aprofundada sobre o conceito de identidade não caberia nos
limites deste artigo. No entanto, é necessário explicitar a maneira como o
empregamos, já que muitas vezes ele é utilizado para demarcar tanto individualidades
quanto coletividades, igualdades ou diferenças, sejam na História, na Sociologia ou na
Psicologia.
1. IDENTIDADE E MEMÓRIA COLETIVA: UM BREVE DIÁLOGO

É imperioso dizer então que neste artigo, a identidade é entendida pelos seus
aspectos constitutivos de pertencimento (nós) e de alteridade (outro). Ou seja, como
as representações que fazemos de nós mesmos e dos outros, assim como a memória
que construímos, para nós mesmos e para os outros. Por esse ângulo, a historiadora
Sandra Jatahy Pesavento (2004) foi quem melhor explicitou esta ideia:

“Enquanto representação social, a identidade é uma construção simbólica de sentido,


que organiza um sistema compreensivo a partir da idéia de pertencimento. A
identidade é uma construção imaginária que produz a coesão social”. (PESAVENTO,
2004. p. 89-90).

Tais procedimentos de interação ocorrem fundamentalmente no âmbito de


relacionamentos entre sociedade, diferenciando-se de outros modos de junção social
do que é peculiar, quer dizer, a identidade étnica em si. Considerando então o
tamanho geral dos modos de interação humanos, o pertencimento de uma sociedade
é um fenômeno que garante a formação das identidades de uma maneira na qual há
uma representação universal da coletividade.

De acordo com o teórico da cultura Stuart Hall, não se pode pensar a construção da
identidade como algo puramente individual ou coletivo, mas como uma permanente
negociação entre indivíduo e sociedade. E, principalmente, não podemos tomar tal
construção como algo estático ou pronto, mas entendê-la como um processo
permanente de interação. Ora, assim, a identidade é construída, arquitetada
socialmente e se redefine nas escolhas e ações dos grupos sociais.

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Assim, segundo o entendimento de Hall (2006), as identidades correspondentes a
uma dada organização social em declínio, posto que a sociedade existe enquanto
movimento contínuo de não mutação e movimento. A discussão de Hall serve para
compreender a identidade como um processo mais amplo, forte e que assim torna- se
tema recorrente dentro do processo historiográfico devido à sua imbricação com as
práticas histórias dos sujeitos. Em Hall (2006, p. 76) as identidades são formadas
culturalmente.

Nessa lógica, é necessário levar em conta este entendimento para compreender que
não podemos falar de uma só identidade, uma única e isolada forma, mas sim na
configuração de múltiplas identidades, por vezes convergentes, em outras
divergentes, mas sempre fluidas e movendo-se a partir de fronteiras interativas.
Assim, “[...] a construção da identidade se faz no interior de contextos sociais que
determinam a posição dos agentes e por isso mesmo orientam suas representações e
suas escolhas” (CUCHE, 2002, p.192).

Sobre a memória coletiva, não podemos deixar de mencionar um pensador clássico


no assunto, Maurice Halbawachs (2003). Para ele, os feitos e eventos individuais
impactam diretamente nas nossas relações com os grupos, a partir do qual a memória
passa por teias de relações pessoais entre os grupos sociais e mistura com outros
fatos e tem grande dinamismo e impacto social. Neste contexto, a memória está
diretamente relacionada com o ‘ato de lembrar’, fatores inerentes ao grupo, logo a
memória se torna coletiva, mediante uma imagem elaborada com o que é ofertado no
presente (HALBAWACHS, 2003).

Na obra de Halbawachs (2003), notamos que toda memória é coletiva, e qualquer


memória individual é apenas um ponto de vista sobre a memória coletiva, portanto ela
não existe. Ele argumenta que,

“[...] não estamos ainda habituados a falar da memória de um grupo. Mesmo por
metáfora. Parece que uma tal faculdade não possa existir e durar a não ser na medida
em que está ligada a um corpo ou a um cérebro individual. Haveria então memórias
individuais e, se o quisermos, memórias coletivas”. (HALBWACHS, 2003, p.36).

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Diante dessas proposições, faz cumprir que para Stuart Hall (2006), as
determinadas identidades existentes correspondentes a um determinado mundo social
estão em declínio, visto que a sociedade não pode mais ser vista como determinada,
mas em contínua mutação e movimento, fazendo com que novas identidades surjam
continuamente, em um processo de fragmentação do indivíduo moderno.

Ainda, de acordo com a condução teórica proposta por Hall, com a identidade que se
mostra na pós-modernidade “[...] somos confrontados por uma gama de diferentes
identidades (cada qual no afazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes
partes de nós)” (2006, p.75).

Assim, pontua de forma assertiva que estaria ocorrendo uma mudança no conceito de
identidade e de sujeito, já que as identidades modernas estão sendo “descentradas”,
ou seja, deslocadas e fragmentadas e, como consequência, não é possível oferecer
afirmações conclusivas sobre que é identidade, visto tratar-se de um aspecto
complexo, que envolve múltiplos fatores. Destarte, em linhas gerais, “[...] dentro de
nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo
que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas” (HALL, 2006, p.
13). Ele ainda argumenta que:

Sem, contudo, deixar de explorar as especificidades psíquicas, pois com um olhar um


tanto quanto psicanalítico, inspirado em Freud e Lacan, Hall (2006, p. 38-39) faz a
seguinte afirmação a respeito de identidade:
“A identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos
inconscientes, e não algo inato, existente na consciência e no momento do
nascimento. Existe sempre algo “imaginário” ou fantasioso sobre sua unidade, ela
permanece sempre incompleta, está sempre em processo [...]”. (HALL, 2006, p. 38-
39).

Ora, Stuart Hall salienta que as identidades modernas passam por um processo de
fragmentação e mutação cotidiana, não se mantêm fechadas, mas abertas à novas
condições sociais que possam surgir com o tempo. De modo assim que:

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“As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em
declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até
aqui visto como um sujeito unificado.” (HALL, 2006, p. 7).

Em síntese, de frente às novas demandas culturais oriundas da pós-modernidade, a


condição identitária do sujeito se fragmenta, se dilui, é diante desta assertiva que
surge a proposição de Bauman as identidades transformaram-se em peças flexíveis,
voláteis, fluídas, pois, haja vista o modelo de sociedade instável.

Não obstante, uma análise possível de ser feita dentro da historiografia é a


constatação de sua junção de elementos como atribuições coletivas dos sujeitos,
posto que ao passo que se constroem novas identidades com outros formatos, tais
movimentações acompanham o ritmo histórico do fazer e do acontecer. Ainda que
rodeado por múltiplas visões, as identidades estariam relacionadas ao processo
representativo. Assim, nesta direção, pode-se evocar o pensamento de Norbert Elias
(1994, p.19) de que “[...] o indivíduo é parte de um todo maior, que ele forma junto
com outros”.

Concomitantemente ao processo de formação identitária dos sujeitos ao longo de


suas histórias, está circulado por tensões do cotidiano, assim, tomadas ao seu
contexto de produção histórica, tenciona-se, então, problematizar as imbricações
teóricas levantadas. Ou seja, “[...] quando inserido numa parte do espaço, um grupo o
molda à sua imagem, mas ao mesmo tempo se molda e se adapta a coisas materiais
que a ela resistem” (HALBWACHS, 2003, p. 159).

Outrossim, a análise das identidades está diretamente associada à sua baliza


histórica, tensões, movimentos e ações ao decorrer na história impactam diretamente
na construção das identidades, bem como em sua manutenção, propagação e
transmissão. Por conseguinte, parte-se do pressuposto de que elas nunca estão
prontas, estão sempre abertas, podendo ser constantemente construídas e
reconstruídas (WOODWARD, 2000, p.12)

Nesse sentido, Barros afirma que “[...] toda vida cotidiana está inquestionavelmente
mergulhada no mundo da cultura. Ao existir, qualquer indivíduo já está produzindo
cultura automaticamente, sem que para isto seja preciso ser um artista, um intelectual
ou um artesão” (BARROS, 2005, p. 3). Diante deste quadro, pode-se expor que todo
simbolismo é fator de identidade e toda a cultura é cultura de um

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grupo: “[...] história é, ao mesmo tempo e indissociavelmente, social e cultural”


(PROST, 1998, p. 135).

Nas diretrizes históricas, o postulado da identidade e seu conjunto constituinte


integram-se de forma globalizada, contextualizando e relacionando-se com tempo,
espaço, lugar, subjetividades e especificidades ligadas ao comportamento e vivência
humana que devem ser levados em consideração para abarcar um conhecimento
amplo da temática identitária. Tomando o entendimento da subjetividade como fator
primordial, chega-se ao pressuposto de que:

“O ponto fundamental é o seguinte: a subjetividade é instituída socialmente. Ela é uma


criação da sociedade, da mesma forma que a língua, as regras de parentesco, os
valores ou os métodos de trabalho.” (MEZAN, 1997, p. 15).

Em seus trabalhos, Castells exalta que “[...] a construção de identidades vale-se de


matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e
reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder
e revelações de cunho religioso” (CASTELLS, 1996, p.23).

Assim sendo, no sentido expresso aqui, substrato de outros resquícios do


conhecimento humano, a identidade é agrupada por fatores coletivos que a
constituem, a moldam e a definem. Concentrando as atenções no desenrolar
processual da construção das identidades:

“As lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para
compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua
concepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio.”
(CHARTIER, 1990, p.17).

Cumpre-se dizer que os processos identitários estão permeados por sentidos


histórico-culturais, os quais são expressos nas práticas e experiências diárias.
Consequentemente, uma síntese básica possível na medida das condições históricas
que se pode traçar, é a de que a história é redefinida e moldada pelas identidades, de
modo que:

“A história é ordenada culturalmente de diferentes modos nas diversas sociedades, de


acordo com os esquemas de significação das coisas. A síntese desses contrários
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desdobra-se nas ações criativas dos sujeitos históricos, ou seja, as pessoas


envolvidas”. (SAHLINS, 1999, p. 7).

Não obstante, pensando o processo de construção identitária, o sentido do processo


identitário está envolto a costumes que se propagam entre o tempo e o espaço, de
forma simbólica chamando para si a marca da representação cultural, social e assim:

“[...] como tal, a representação é um sistema lingüístico e cultural: arbitrário,


indeterminado e estreitamente ligado às relações de poder. É aqui que a
representação se liga à identidade e à diferença. A identidade e a diferença são
estreitamente dependentes da representação. É por meio da representação, assim
compreendida, que a identidade e a diferença adquirem sentido”. (SILVA, 2000, p.91).

De forma assertiva, é possível pontuar que identificação implica em representação e


vice-versa, de um símbolo, linguagem sinal, devem-se evidenciar as possibilidades
históricas para entendimento do processo de formação identitária como substrato da
história. A questão notável é que nesta conjuntura histórica, ao adotar o ponto de vista
das experiências dos sujeitos, colocamo-nos a pensar suas práticas históricas.

Neste panorama, considerando a ordem das práticas cotidianas em que Certeau


(1994, p.142) considera que toda atividade humana pode ser cultura, mas ela não o é
necessariamente ou, não é forçosamente reconhecida como tal, pois, “[...] para que
haja cultura, não basta ser autor das práticas sociais; é preciso que essas práticas
sociais tenham significado para aquele que as realiza”.

Nessa perspectiva, caminhando por esta linha de raciocínio, a atividade humana ao


longo da história é uma construção identitária, que se expressa em práticas sociais
comungadas por um grupo. Assim, de acordo com Certeau (1994, p. 47), as práticas
cotidianas em “[...] nossas sociedades [...] se multiplicam com o esfarelamento das
estabilidades locais como se, não estando mais fixados por uma comunidade
circunscrita [...] se tornassem errantes”.

Referindo-se ao processo das identidades como trabalhadas na ciência histórica, na


esteira desta discussão, tem-se um arcabouço teórico voltado às práticas e
manifestações culturais. A luz da teoria histórica, a identidade oferece um prisma
temporal que dispõe a relação entre o passado, o presente e o futuro. Pois assim,

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como informa Reinhart Koselleck “[...] a forma pela qual, em um determinado tempo
presente, a dimensão temporal do passado entra em relação de reciprocidade com a
dimensão temporal do futuro” (KOSELLECK, 2012, p.15).

Na verdade, as considerações a respeito das práticas identitárias não se fincam


somente ao que ocorre no presente, mas como uma esteira que traz sensações e
percepções do passado transcorrendo o presente e chegando ao futuro. Pode-se
postular que enquanto representação social, a identidade é uma construção simbólica
de sentido, que organiza um sistema compreensivo a partir da ideia de pertencimento.
Em termos gerais, cumpre-se assinalar que as identidades nesse sentido, estão
condicionadas historicamente, uma vez que, como expõe Hobsbawm:

“Só por um impulso forte para formar um “povo” é que cidadãos de um país se
tornaram uma espécie de comunidade, embora uma comunidade imaginada, e seus
membros, portanto, passaram a procurar (e consequentemente a achar) coisas em
comum, lugares, práticas, personagens, lembranças, sinais e símbolo”. (HOBSBAWM,
2008, p. 111).

Ancorado nas considerações de Eric Hobsbawm, mais incisivamente em seu


entendimento, um olhar mais atento, indica uma proximidade com Certeau, posto que
ao referir-se a uma comunidade e suas relações como lugares, práticas e coisas em
comum, o procedimento metódico de intervenções, refletem a possibilidade de pensar
o conjunto identitário.

Assim, ao delinear as condições simbólicas existenciais das identidades, partimo-nos


no sentido a desbravar as implicações referentes ao seu estudo dentro da história. Até
o século XIX, vislumbrou-se uma história em que Hayden White descreve como um
"espetáculo de crimes, superstições, erros, duplicidades e terrorismos que justificam
recomendações visionárias para uma política que colocaria processos sociais em um
novo plano” (WHITE, 1995, p.77).

Isto se dá, cabe ressaltar, pelas condições históricas, não há como tratar nenhum
assunto dentro da historiografia sem levar em consideração as subjetividades
implícitas nas formações identitárias dos sujeitos, suas formas e ações. José Carlos
Reis expõe que “a história é o discurso que representa as identidades de indivíduos,
de grupos e nacionais, e a crítica historiográfica é a própria ‘vida do espírito’ de uma
nação” (REIS, 2006, p.20).

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É possível dizer ainda, que um dos maiores desafios dentro da historiografia atual se
dá pela instabilidade das identidades, mutáveis e múltiplas, que se cruzam,
entrelaçam, misturando histórias, discursos, cultural, representações sociais. De forma
que a “[...] identidade torna-se celebração móvel, formada e transformada” (HALL,
2006, p. 11-12).

Por fim, resta dizer que a “produção” de uma identidade está imbricada a outras
ciências e saberes, uma vez colocado que o desafio epistemológico em lidar com a
identidade implica uma articulação entre a história e as demais ciências humanas,
visto sua complexidade e amplitude teórica.
Pois então, a partir dessa reflexão, pode-se entender que os sujeitos, transformadores
de uma tradição em objeto do passado, realizam essa operação a partir de um
determinado lugar social, de práticas científicas e de uma escrita que organiza os
dados (CERTEAU 2000, p. 55-56).

Sendo assim, a sociedade em sua história é entendida, como algo dinâmico, em


permanente processo de mudança, já que as relações e instituições sociais acabam
por dar continuidade à própria vida social. De modo que “um eu, uma identidade,
outros nomes da subjetividade, se, por um lado, são pontos de parada no processo de
subjetivação, por outro lado, são ancoradouros que garantem a navegação desse
mesmo processo” (CARDOSO JR., 2002, p. 190-191).

CONSIDERAÇÕES FINAIS ​À guisa de conclusão, trabalhar o conceito de identidade


cultural no curso da história da vida humana, tem-se sua ligação direta com os
aspectos socioculturais que impactam o modo como as identidades se formam e
convivem entre si.

Portanto, por tudo que fora exposto, as identidades estando presentes em todos os
espaços e tempos condicionam as relações sociais históricas implicando a redefinição
do modo de viver e fazer dos seres humanos.

No que tange à construção identitária e sua análise histórica, é preciso assim,


compreender que a identidade é produto de uma sequencia histórica de narrativas.

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A multiplicidade de identidades é fruto da consequência das junções culturais e dos


processos históricos ocorridos entre os sujeitos que os definem.
O que podemos notar é que a memória coletiva realiza um relevante papel nos
processos de construções identitárias. Desta forma, ela proporciona mais vitalidade à
cultura, uma vez que guarda o passado para grupos sociais, valorizando os momentos
significativos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Mestrando do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Estadual do


Centro-Oeste (UNICENTRO). Graduado em Filosofia Licenciatura (2018) pelo Centro
Universitário de Araras “Dr. Edmundo Ulson” (UNAR), História Licenciatura (2016)
pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) e Ciências Sociais Licenciatura (2015)
pela Faculdade Guarapuava (FG). Especialista em Docência do Ensino Superior
(2018) e Educação a Distância com Ênfase na Formação de Tutores (2018) pela
Faculdade São Braz (FSB); Gestão da Educação do Campo (2017) pela Faculdade de
Administração, Ciências, Educação e Letras (FACEL); Educação Especial e Inclusiva
(2016), Metodologia do Ensino de Filosofia e Sociologia (2016) e Ensino Religioso
(2015) pela Faculdade de Educação São Luís (FESL). Participante do grupo de
pesquisa de Estudos em História Cultural da Universidade Estadual do Centro-Oeste
(UNICENTRO). Professor de Sociologia contratado pela Secretaria de Educação do
Estado do Paraná e leciona as disciplinas de Filosofia, História e Sociologia no
Colégio Imaculada Virgem Maria e Sociologia no Colégio São José. Tem experiência
nas áreas de Ensino Religioso, Filosofia, História e Sociologia.

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SER OU VIR A SER NEGRO: EIS UMA QUESTÃO


IDENTITÁRIA ​Antonio José de Souza

O contexto do texto

Ser ou não ser. Existir ou não existir. Finalmente, viver ou morrer, eis a questão!
Lanço mão de uma das mais famosas frases da literatura mundial, subtraída da peça
A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca​, de William Shakespeare, para provocar
intencionalmente uma reflexão que talvez seja percebida como conteúdo complexo,
profundo e, quiçá, da psicologia social. No entanto, parafraseando Shakespeare,

pretendo apenas constituir um pano de fundo para uma crônica recente. ​No início do

mês de junho de 2018, as diversas mídias alardearam a notícia de que a cantora



Fabiana Cozza, que é filha de mãe branca e pai negro – e vem se notabilizando pela
força interpretativa do seu canto, bem como pelo engajamento na projeção da nossa
cultura, inclusive através da cultura negra, extrapolando os limites endógenos,
alcançando o mundo –, havia renunciado ao papel de Dona Ivone Lara no musical
“Dona Ivone Lara – um sorriso negro”, após uma série de críticas sofridas, pois,
segundo comentários, ela não teria pele negra legítima e justificável para interpretar a
sambista. Em seu perfil em uma rede social, Fabiana publicou um desabafo em que,
entre outros aspectos, explicava a decisão:

“Renuncio porque falar de racismo no Brasil virou papo de gente “politicamente


correta”. E eu sou o avesso. Minha humanidade dói fundo porque muitas me
atravessam. Muitos são os que gravam o meu corpo. Todas são as minhas memórias.
Renuncio por ter dormido negra numa terça-feira e numa quarta, após o anúncio do
meu nome como protagonista do musical, acordar “branca” aos olhos de tantos
irmãos. Renuncio ao sentir no corpo e no coração uma dor jamais vivida antes: a de
perder a cor e o meu lugar de existência. Ficar oca por dentro. E virar pensamento por
horas”.

Definitivamente, Cozza, você e eu, somos partícipes e também consequências das


engrenagens responsáveis pela formação do povo brasileiro diverso na cor da pele,

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crenças, costumes em razão da mestiçagem com as populações indígenas, brancas e


negras. Contudo, o conceito de miscigenação mostra-se deveras confuso, visto que o
termo mestiçagem, e mesmo hibridismo, implica a mistura de elementos
heterogêneos, delimitados e fixos, no entanto, o que se percebe, em determinados
compêndios, é a tentativa de romantizar a composição identitária brasileira com uma
suposta maleabilidade que favoreceu a mistura, produzindo, então, uma sociedade
miscigenada harmônica, cândida e proporcional diante das diferenças próprias às
culturas indígena, europeia e africana.
Tal percepção pressupõe que as circunstâncias significativas da formação brasileira
aconteceram pelo genuíno esforço, por parte dos europeus, em se adaptar a
condições inteiramente estranhas, pondo-se em contato amistoso com a cultura
indígena e sendo “amaciada pelo óleo” da intervenção africana, fundamentando,
dessa forma, uma homogeneização cultural que omite as diferenças e desigualdades
sociais, reverberando a ideia de uma História Nacional caracterizada pela ausência de
conflitos. Conquanto, a julgar pelo lamentável e insistente entalhamento do negro
despojado de sua humanidade na contemporaneidade, infere-se que há uma colisão
e, portanto, um conflito latente desde as correntes migratórias através do Atlântico,
contrabandeando africanos forçados a envolverem-se na “diáspora”, tendo o Brasil
como o local de desembarque, na condição de escravizados, estrangeiros absolutos,
os “de fora” mesmo “estando dentro”.

Ser negro, tornar-se negro

Tornou-se, o negro, o “estranho familiar”, hostilizado por robustas correntes de


pensamento racista do século XIX, como o racismo científico, a antropometria, o
darwinismo social, que “ [...], primeiro [apostava] na ideia de Tipos Perfeitos
(indivíduos que não eram miscigenados), segundo [considerava] a mestiçagem como
uma praga para a sociedade ‘civilizada’ que precisava ser evitada e eliminada” (Silva;
Santos, 2012, p. 1). Além disso, as teorias evolucionistas que influenciaram, no Brasil,
as reproduções simbólicas pejorativas atribuídas à figura do negro, como o mito da
“vadiagem” e da “preguiça”, além do mito da “mulata sensual”, todas arraigadas à
estrutura social brasileira da época, a ponto de perpetuar-se nas estruturas
contemporâneas que permanecem categorizando o negro como integrante de uma
raça inferior. Portanto, um legado deixado pela experiência de uma Abolição tardia,
proclamada oficialmente, mas que, na verdade,

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catapultou o negro na sarjeta, afinal, “[...] para serem livres, eles tiveram de arcar com
a opção de se tornarem ‘vagabundos’, ‘boêmios’, ‘parasitas de suas companheiras’,
‘bêbados’, ‘desordeiros’, ‘ladrões’ etc.” (FERNANDES, 2017, p. 80).

Sendo assim, o negro é transfigurado em um espectro, visto que nas representações


sociais existem elementos determinantes para a classificação no regime de castas
que, para tal, considera o desembarque pretérito dos africanos, desenvolvendo um
imaginário de degenerações culturais, sociais e também biológicas, por isso a
mestiçagem significava, para as já mencionadas doutrinas raciais da segunda metade
século XIX, uma descendência corrompida. Com efeito, o afastamento da eminente
ameaça viria pelo branqueamento da sociedade brasileira, por meio da eliminação
gradativa do sangue “subalterno”, resolvendo, sumariamente, a questão da formação
identitária nacional, considerada incômoda, por conta da pluralidade racial.

À vista disso, no percurso histórico brasileiro, homens e mulheres negras estiveram


resistindo, política e culturalmente, a toda forma de opressão e discriminação, de tal
modo que ações, no intuito de promover a igualdade de oportunidades entre os
grupos raciais excluídos e discriminados, constituem conquistas reais, na atualidade.
Entretanto, o reconhecimento dessas genuínas retratações e eventos antirracistas não
eliminam a memorável atrocidade diante das bizarras ideologias raciais e
discriminatórias que ainda deslocam o sentido ancestral africano que se centraliza no
processo estigmatizante do negro, personificado como o “outro”, o estranho, o
escravo, dominado e vítima permanente de incontáveis formas de exclusão.

Irrefutavelmente, a mestiçagem integra as relações raciais no Brasil, seja na sua


configuração biológica (miscigenação), seja na sua configuração cultural (sincretismo
cultural), ou mesmo a partir da hibridização, conceito responsável pela discussão em
torno das demarcações identitárias e culturais, a fim de elucidar até que ponto os
elementos embrionários são mantidos, após as combinações, uma vez que se
combate a ideia de uma identidade integral, originária e unificada, sendo que “[...] a
própria ideia de uma identidade nacional pura, ‘etnicamente purificada’, só pode ser
atingida por meio da morte, literal e figurativa, dos complexos entrelaçamentos da
história e por meio das fronteiras culturalmente contingentes da nacionalidade [...].”
(BHABHA, 2013, p. 25).

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Provavelmente, em face dessa realidade, “Há quem se pergunte se no Brasil seria


possível a existência de uma identidade dos negros diferentes da dos demais
cidadãos.” (MUNANGA, 2012, p. 15). No entanto, a rememoração da história nos
revela uma relação racial branca hostil para com a resistência racial negra, deixando
escapar uma estreita e perniciosa aproximação com o racismo do qual é
consequência e resultado. Decididamente, os fatores perturbadores responsáveis pela
discriminação racial, expostos ou encobertos, praticados pelos poderes econômicos,
políticos e religiosos dão-se pela hierarquização das “raças”.

A identidade negra no Brasil de hoje constitui um contexto em que tanto se debate, no


entanto, em uma celeuma que, muitas vezes, pouco define a amplitude do referido
temário. Uma vez que alcançar a consciência da negritude significa ter vivenciado
experiências de invisibilidade, tendo no percurso de formação identitária (“si mesmo”)
perspectivas confundidas, sendo conduzido sutilmente a expectativas de negação,
pois, em uma sociedade como a nossa, os procedimentos de exclusão são correntes
e comuns. Assim, nessa conjuntura, a identidade negra, como parafraseia Ciampa
(1998, p. 16) é “[...] morte-e-vida [...] um outro nome para identidade [...]”, eis a
questão! É morte, mas é também, e sobretudo, vida expressa naquele que se
empenhou a escrever uma outra história, com as cores vivas, festivas e vibrantes, de
quem passa pelo processo de reconstrução da identidade.

“Saber-se negra é viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade,


confundida em suas perspectivas, submetida a exigências, compelida a expectativas
alienadas. Mas é também, [...], a experiência de comprometer-se a resgatar sua
história e recriar-se em suas potencialidades”. (SOUZA, 1983, p. 17-18)
À vista disso, as palavras de renúncia da cantora Fabiana Cozza revelam o paradoxo
de uma “[...] mestiçagem, que aparentemente aproxima e une, [mas] vem ferir o
indivíduo negro que não corresponde ao tipo ideal, o qual [...] supõe a exclusão e a
denegação da identidade” (D’ADESKY, 2009, p. 69). Em outras palavras, ela
renunciou, pois, a negritude que a atravessa, gravando marcas indeléveis da raça no
seu corpo e memória, não é suficiente.

“‘Somos daqui’, ‘somos deste lugar’, pertencemos a este lugar” (BAUMAN, 2005, p.
24). No caso da Cozza, o veredito para sua questão identitária veio pelo “outro” que,
por fim, a decretou como não sendo “uma pessoa deste lugar”, isto é, para interpretar
Dona Ivone Lara, faltava-lhe a negritude correspondente, logo, negra de

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menos, branca de mais. Esquecendo-se que a identidade é uma demanda imbricada


com a política, “tanto na atividade produtiva de cada indivíduo quanto nas condições
sociais e institucionais onde esta atividade ocorre. [Sendo assim,] [...] que
possibilidades nós nos permitimos – a nós e aos outros – de, sendo nós mesmos, nos
transformarmos [...]” (LANE, 1998, p. 10).

Obviamente, não se identifica na trajetória artística de Fabiana Cozza um impulso


aviltante pelo branqueamento e sua particular ideologia a partir da égide do racismo,
ditando a regra de que o apropriado e formoso é branco e tudo de pernicioso é negro,
estabelecendo, desse modo, a supremacia de uma aparência física mais próxima da
raça caucasiana, as feições comuns a todos os europeus, na qual se destaca o
cabelo, exercendo a impiedosa tendência que atrofia a identidade do negro.

“[...] o sujeito negro [...], através da internalização compulsória e brutal de um Ideal de


Ego branco, é obrigado a formular para si um projeto identificatório incompatível com a
propriedades biológicas do seu corpo. Entre o Ego e seu Ideal cria-se, então, um
fosso que o sujeito negro tenta traspor, às custas de sua possibilidade de felicidade,
quando não de seu equilíbrio psíquico”. (COSTA, 1983, p. 3)

Percebe-se que Cozza tem um conhecimento profundo de todo o repertório da Dona


Ivone Lara e vive a sua negritude, indo além da pigmentação da pele, alcançando o
envolvimento emocional, ideológico, consciente do pertencimento e valor da raça e
cultura negra. Portanto, ela é “pessoa do lugar”, o que, em definitivo, não depende da
minha outorga ou de quem quer que seja. Não é rasourável a interferência de um dito
paladino que, do alto do seu cavalo, vaga pelos complexos meandros da subjetividade
e da identidade, postulando convicções e “certezas étnicas” que maculam o respeito à
alteridade alheia. Afinal, trata-se de uma travessia pessoal pelas experiências culturais
e identitárias que desembocam nas paulatinas ocasiões transformadoras e, muito em
razão disso, reconhecemo-nos no liame com o “outro”. No entanto, é importante
lembrar, que “[...] a negritude é a afirmação da identidade negra no qual negros e
negras deixam de ser objetos de uma história narrada por um outro, que se pensa e
diz ser diferente [...]” (MULLER; CARDOSO, 2014, p. 2).

A natureza relacional da identidade é o cerne onde residem os nossos sentimentos,


pensamentos e ações, posto que, em conformidade com Ciampa (1998, p. 34), “[...] é
o sentido da atividade social que metamorfoseia o real e cada uma das pessoas”. Por

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esse ângulo, a interação social parte do princípio e da compreensão de que a


experiência do ver e também ser visto não significa apenas um detalhe desprezível,
mas um efeito do olhar que sugestiona uma perspectiva, uma intencionalidade,
preconizando a visualidade sutil do bom e do bonito, do ruim e do feio. Isso implica,
como destaca Hall (2014, p. 110), o fato de “que as identidades são construídas por
meio da diferença e não fora dela. [...] apenas por meio da relação com o Outro [...]” o
que, irrevogavelmente, descarta o caráter impositivo e chancelador desse “outro”.

Portanto, o discurso que tencionou a renúncia de Fabiana Cozza tem um coeficiente


de “expulsão”, um “princípio de exclusão: não mais a interdição, mas uma separação
e uma rejeição. [...] Era através de suas palavras [...] o lugar onde se exercia a
separação” (FOUCAULT, 2013, p. 10-11). Isto posto, a cantora teria “dormido negra
[...], acordado ‘branca’ aos olhos de tantos irmãos”, revelando uma celeuma originada
na diáspora negra e na miscigenação diversa no interior das sociedades
“hospedeiras”. Pai preto, mãe branca e a diversidade multicultural tangível, por
conseguinte, “[...] identidades plurais, mas também identidades contestadas, em um
processo que é caracterizado por grandes desigualdades” (WOODWARD, 2014, p.
22).

Estou convencido que o episódio de contestação identitária, protagonizado por Cozza,


tem um substrato nas desigualdades existentes na sociedade brasileira e no processo
de marginalização em que índios e negros têm, há séculos, reagido exaustivamente e,
por isso, tenha se constituído um “exclusivismo cultural”. Entanto, se na longínqua
década de 1930 os militantes da Frente Negra Brasileira empreendendo à conquista
de uma ‘segunda Abolição’, padecia pelo antagonismo do “‘novo negro’, que ‘quer
subir na vida” e isolar-se ‘daquela gentinha negra’ e repudia os movimentos negros,
‘porque eles dão azar’” (FERNANDES, 2017, p. 44- 45). Nos dias atuais, as
deliberações do meio negro são cada vez mais amplificadas, quer dizer, o orgulho de
ser negro ganhou novas redefinições e se disseminou pelo país. Evidentemente, ainda
existem negros que não se declaram como tal, mesmo que, em termos de fenótipo,
isso seja inegável.

Alcançamos um movimento político mais agregador e unificado, se no passado,


mulatos e mestiços não estavam subjetivamente preparados para assumir uma pauta
afirmativa, hoje o movimento negro se reconhece como heterogêneo, plural e com
várias nuances, inclusive nos aspectos ideológicos, nas formas de atuação

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política e “em termos de cor”. No entanto, o que não mudou foi a discriminação que,
fazendo-se uma comparação entre negros e mulatos, percebe-se uma discriminação
em favor do mulato.

“[...] em termos de cor, se reproduz em várias direções. Por isso, dentro da população
negra e mestiça não há homogeneidade. Criar esta homogeneidade é um problema
preliminarmente político: trata-se de levar o mulato a se identificar não com o branco,
não com a rejeição à luta contra o preconceito, mas levá-lo a aceitar a sua condição
de negro e fazer com que sejam negros todos os que possuam caracteres de origem”.
(FERNANDES, 2017, p. 93)

Isto posto, concordo com a advertência acerca da concepção de uma


“homogeneização” de diferentes termos, mas também da cor. Parece-me
anacronismo, uma tentativa estúpida de retorno a uma época em que
mulatos/mestiços tinham horror de terem suas situações raciais descobertas e
alardeadas e, nesse sentido, era “reconfortante” ter documentado na certidão de
nascimento a “cor parda”.

Estou convencido de que Fabiana Cozza, diferente de tantas negras “retintas”,


vivenciou o caráter dúbio e ambíguo do mestiço, através da existência do preconceito
que “tolera” a mestiçagem, considerando, no processo de hibridização do negro com o
branco, a possiblidade de se tornar “agente de civilização”, pois “[...] quanto mais o
negro se aproximar do branco pela tez, pelos traços do rosto, nariz afilado, cabelos
lisos, lábios finos, maiores as suas possibilidades de ser aceito” (BASTIDE;
FERNANDES, 1959, apud GOMES, 2010, p. 146). No entanto, não se justifica que
sua identidade seja descaracterizada, transfigurada em identidade moribunda,
“morta-ainda-viva”. Portanto, é preciso “ser outro, mas com vida”, o que deixará de
acontecer se o entrincheiramento persistir entre nós, negros de nuances diversas,
afinal, é onde habita o torpor e o perigo.

Referências

Antonio José de Souza ​é Mestre em Educação e Diversidade (UNEB). Especialista


em Desenvolvimento Sustentável no Semiárido com Ênfase em Recursos Hídricos (IF
Baiano/Senhor do Bonfim-BA). Possui graduação (bacharelado) em Teologia pela
Faculdade Católica de Fortaleza. Licenciado em História pela Faculdade de Ciências

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da Bahia. Atua como Coordenador Pedagógico Geral pela Prefeitura Municipal de


Itiúba/BA. Integrante do Grupo de Pesquisa DIVERSO - Docência, Narrativas e
Diversidades, do Laboratório LaPPRuDes - Políticas Públicas, Ruralidades e
Desenvolvimento Territorial e da Associação Brasileira de Pesquisadores/as
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TERRA DE QUILOMBO: IDENTIDADE, TERRITORIALIDADE E


OS IMPACTOS SOCIAIS NA COMUNIDADE DE ABACATAL
Vânia Maria Carvalho de Sousa

O presente trabalho tem como finalidade apresentar a história de luta e resistência da


comunidade quilombola de Abacatal que está localizada no município de Ananindeua.
Entretanto, é interessante elucidar que a história paraense está marcada com a
chegada de negros oriundos de diversas regiões do continente africano. Esta
presença que marca a história na Amazônia tem como principal finalidade a mão de
obra barata, visto que a coroa portuguesa “tinha como meta tornar as colônias
produtivas pela exploração dos recursos da terra, atividade para a qual os negros
entrariam com seu trabalho escravo”. A exploração aconteceu das mais variadas
formas, sobretudo no cultivo da terra, trabalho pesado onde os negros eram obrigados
a trabalhar para seus patrões. As especificidades de cada região mostram o quanto
havia resistência por parte de alguns negros, dessa forma surgem os quilombos como
meio de sobrevivência e resistência a escravidão.

A comunidade quilombola de Abacatal, situada no município de Ananindeua, resiste a


toda sorte dos ataques neste território. O quilombo está presente desde o ano de
1710, portanto, são três séculos de luta e de muita resistência. A comunidade se
auto-intitula como quilombola, marcada pela comunhão, força solidária que advém de
seus antepassados. Para o povo que lá residem, a terra é que lhes dá moradia e
alimento. É interessante notar que, ao longo da história a população passou por
diversas situações conflituosas, a terra, a floresta e os animais com os quais
compartilham suas histórias não é visto como mercadorias, mas é parte integrante e
que não podem ser dissociados.

Abacatal é um quilombo dentro da região metropolitana de Belém que traz uma


história de luta pelo reconhecimento das populações tradicionais da Amazônia.
Segundo sua história por gerações passadas, esta terra era de herança, que pertencia
a um conde português, Coma Mello. O mesmo não tendo filhos com sua esposa
procurou a sua escrava Olímpia, surgindo desta relação três filhas, que são chamadas
de Marias. Portanto, a terra foi dada como herança aos filhos dessas Marias que até
hoje habitam neste território.

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No decorrer da história, registra-se como se deu a titulação definitiva pela posse da
terra. Depois de mais de dois séculos de ocupação e de confrontos com os
apropriadores da terra, o povo finalmente consegue se estabelecer legalmente em
suas terras no ano de 1998. Durante muito tempo a comunidade configurou-se como
lugar de resistência, resultado da colonização, no entanto, Abacatal persistiu ao modo
de vida, a agricultura e as atividades extrativistas. Sobre o lugar, vários registros
foram feitos com pesquisas documentadas por pesquisadores que adentraram neste
universo tão complexo, cheios de contradições, mas, que revelam também a beleza
da comunidade, através da cultura, da religiosidade, e das expressões sociais com
políticas afirmativas, projetos de inclusão desenvolvidos na comunidade, trabalhos
alternativos, entre outros.

Uma das vias de acesso a comunidade é a estrada do Aurá, que fica na divisa entre
os municípios de Ananindeua e Marituba. Os moradores necessariamente precisam
passar por este caminho, porém, a via de acesso não está em boas condições para se
trafegar, visto que, há muitos buracos e no período de inverno a lama é constante. A
população sofre com todos esses problemas, pois em dias de sábado trazem seus
produtos para serem comercializados na feira de Ananindeua. Os alimentos
produzidos pela própria comunidade é um dos recursos na renda familiar. Os mais
produzidos são frutos regionais, como açaí, pupunha, cupuaçu, laranja, etc. A
produção agrícola é um dos meios de sobrevivência para a comunidade. Há também
de ressaltar que muitos que ali residem constituem outra profissão, por isso, a
necessidade de virem para o centro da cidade em busca de alternativas de trabalho
profissional.

Outra realidade vivida pela comunidade é a proximidade com o lixão do Aurá.


Segundo depoimentos dos moradores, o quilombo vivia em paz, porém, com a
chegada do “progresso” a população sofre toda sorte de mazelas e de ameaças a
comunidade. Suas terras foram invadidas, vendidas e as casas derrubadas, os
igarapés e o ar estão poluídos pelo aterro sanitário e pelo despejo de esgotos de
condomínios.
Uma importante contribuição sobre a formação do povo brasileiro, mas
especificamente no Pará, advém de Vicente Salles. Segundo ele, é importante notar a
contribuição africana nas Américas, que aconteceu não somente na Religião, mas na
agricultura, na dança, e no domínio do trabalho. “Os negros foram destinados,

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sobretudo para os canaviais e as lavouras de arroz e algodão”. Em todas as áreas do


Brasil eles construíram a nossa economia e desenvolvimento, por outro lado, foram
sumariamente excluídos da divisão dessa riqueza, não sendo diferente no Estado do
Pará.

A história do Brasil é pautada por conflitos. É na verdade uma sociedade desigual e


cheias de contrastes. Também no quilombo de Abacatal não foi diferente. Os conflitos
são intermitentes. Neste sentido, destaco como fator importante os sujeitos que
residem no quilombo, suas histórias de vida, como se identificam e quais suas lutas
pela defesa da vida, em decorrência de diversos projetos que estão sendo pensados
sem prévia consulta da comunidade.

Historicamente a comunidade vem construindo sua identidade, sofrendo algumas


mudanças no decorrer da história. Mudanças estas que afetam diretamente a
comunidade, como por exemplo, o lixão que fica próximo de suas casas, e pela futura
construção de uma ferrovia que afetará diretamente o território quilombola. A maioria
da população é constituída por negros, são família que se identificam como
quilombolas, assumindo sua identidade cultural.

No quilombo são realizadas diversas atividades culturais, sobretudo voltado


para a juventude. Nesses últimos meses há um projeto de percussão, em parceria
com a pastoral afro da conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). São
atividades de percussão, dança, musicalidade, onde favorece ao sujeito o
reconhecimento e a importância que ele tem no espaço da comunidade. A Pastoral
Afro tem como objetivo desenvolver formações e atividades ligadas a questão da
identidade, bem como o pertencimento a cultura afro-brasileira.

Quando me reporto a questão identitária no quilombo, trago presente as contribuições


de Stuart Hall, que descreve a identidade cultural da pós- modernidade no processo
histórico das comunidades tradicionais. O autor sugere em sua linha de reflexão a
existência de três concepções. Primeiro o sujeito do iluminismo, na qual o sujeito está
baseado na razão de consciência e de ação. Em segundo lugar têm-se a concepção
do sujeito sociológico, ou seja, formado a partir da interação entre o sujeito e a
sociedade, e por fim, o sujeito pós-moderno, que é aquele que não assume uma
identidade fixa, essencial ou permanente, mas passa a assumir identidades diferentes
em diferentes momentos.

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O autor ao discutir a questão da identidade como algo que está ligado ao processo de
representações, deixa claro que na sociedade pós-moderna esse fenômeno se
expressa de diferentes formas, pois no sujeito não existe uma única identidade, como
já foi discutido anteriormente. Ainda sobre esse elemento presente na sociedade,
Stuart Hall diz o seguinte:

“O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que


não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades
contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas
identificações estão sendo continuamente deslocadas”.

A comunidade nesses últimos tempos vem sofrendo diversas ameaças, entre elas, é a
passagem da ferrovia que afetará o modo de vida desses sujeitos. Por isso, o
quilombo preocupado com a sobrevivência das futuras gerações, vem discutindo e
propondo estratégias de como continuar vivendo sem essas interferências externas
que afetará o modo de vida desta população. A esses embates que se configuram em
torno da mesma, a Associação de Moradores e Produtores de Abacatal e Aurá
(AMPQUA), elaborou um protocolo de consulta, aprovado em assembleia geral no dia
10 de julho de 2017. Este recurso foi baseado na Convenção 169, da Organização
Internacional do Trabalho, que assegura o direito de serem consultados previamente.
Neste protocolo o quilombo apresenta como deve ser assegurado este direito e de
que forma deve ser realizado a consulta.

Esses projetos que estão sendo pensados para a comunidade, nem sequer foram
consultados, mas que pode atingir seriamente o território, sobretudo com a instalação
de indústrias, rodovias e ferrovias. Esses tipos de empreendimentos causam uma
série de impactos a identidade cultural, que foi repassada por seus ancestrais, através
da memória e da oralidade, que é a maior riqueza desses sujeitos. A perda de sua
cultura pode os colocar numa situação de vulnerabilidade social, ambiental, cultural e
econômica. Portanto, a decisão do protocolo de consulta está pautada na busca de
reconhecimento e de seus direitos respeitados.

Esses grandes projetos trouxeram conflitos para a comunidade, tendo presente que
por ser uma comunidade quilombola a terra é de direito dos que ali residem. As lutas
empreendidas foram as mais diversas, como reuniões para organizar a

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comunidade, resistência diante das ameaças em tirá-los da terra, entre outros. É


interessante notar que a comunidade de Abacatal sempre recebeu ameaças de fora,
ficando a mercê de sua própria sorte. Entretanto, com a luta pela posse da terra e pela
exploração dos recursos naturais o quilombo enfrentou positivamente esses projetos.
Certamente, não foi fácil para a população resistir a essa agressão humana, que tira o
direito de viverem seu próprio território. A luta começa a partir do momento em que o
povo sente e vê suas terras invadidas, tudo em nome do progresso.

Concomitantemente, a população tomou conhecimento de que sua área geográfica


será cortada pela ferrovia paraense, um dos grandes projetos do governo estadual.
No site oficial da SEDEME (Secretaria de Estado de desenvolvimento econômico,
mineração e energia) encontramos a seguinte informação: “A Ferrovia Paraense terá
1.312 km de extensão, interconectando todo o leste do Pará, desde Santana do
Araguaia até o Porto de Vila do Conde em Barcarena”.

Nos estudos que estão sendo feito a área de Abacatal será atingida, visto que, alguns
moradores já tomaram conhecimento deste projeto. A comunidade recebe orientações
da defensoria pública, na figura de Johny Giffoni do Núcleo de Defesa dos Direitos
Humanos da Defensoria Pública do Estado do Pará. Segundo ele, “para que o
processo de licitação do empreendimento já estivesse avançado ao ponto que está,
as populações tradicionais deveriam ter sido consultadas previamente, conforme
prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), decretada
no Brasil em 2004”. Johny é um dos defensores públicos do Pará que contribui
significativamente nas discussões e combate a esses projetos. É interessante lembrar
que não é apenas Abacatal enquanto comunidade tradicional que será afetada, mas
23 municípios paraenses.

O processo identitário de um grupo se constrói a partir da história de vida de seus


antepassados e dos atores sociais que fazem parte dessa comunidade, é o que
podemos perceber no quilombo de Abacatal. Essa construção coletiva agrega valores
que são importantíssimos na identidade de um povo. As situações de sofrimento,
perda de valores, ameaça aos seus territórios, atingiu fortemente a vida da
comunidade, criando barreiras quanto a aceitação de sua própria identidade. É o que
relata Rosa Acevedo em sua obra sobre as narrativas relacionadas ao processo de
afirmação étnica e política. Segundo ela, “a designação preto ou negro era

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recusada, por estar associada à situação de escravos e, por conseguinte, à imagem
imposta pela sociedade”.

O pertencimento quanto a cor da pele ainda continua muito presente até hoje na
comunidade, tudo isso deriva de suas origens culturais que via o negro como pessoa
inferior. Alguns estereótipos relacionados a sua ancestralidade faz com que ainda haja
uma não aceitação de suas origens. Neste sentido, o trabalho sobre a identidade no
quilombo é extremamente importante, para que as futuras gerações se apoderem do
ser negro na sociedade.

A conquista desses territórios continua até hoje como formas de resistir a qualquer
tipo de ameaça que impeça as comunidades tradicionais de viverem de forma
harmoniosamente, construindo valores, sendo sujeitos sociais num mundo
fragmentado e dando visibilidade a sua africanidade de um passado no qual foi
incorporado elementos relacionados a questão da etnicidade não muito positivo.

Segundo Simone e Lisângela, “ao negro foi-lhe negada uma cidadania real mesmo
após a abolição da escravatura”. Desta forma, é compreensível o estabelecimento que
se deu na composição de suas lutas, com suas bases de sobrevivência na agricultura,
a resistência que foi empreendida contra os ataques externos, bem como a formação
de uma territorialidade negra, com suas especificidades, construindo uma identidade
peculiar nos quilombos.

Para se compreender a territorialidade do quilombo é necessário discorrer sobre a


identidade do povo que ali residem, sua forma de pensar e de viver em comunidade,
respeitando suas especificidades, as transformações e permanências que surgem no
decorrer da história. Neste sentido, Maria Albenize lança um debate bastante
interessante sobre identidade e território, segundo ela,

“Quando discutimos identidade quilombola, território e identidade aparecem


intimamente imbricados, a construção do território produz uma identidade e a
identidade produz o território, este processo é produto de ações coletivas, recíprocas,
de sujeitos sociais. A territorialização, também é construção, movimento, no tempo e
no espaço. São relações entre os sujeitos com sua natureza. Essa relação é
registrada pela memória, individual e coletiva, fruto e condição de saberes e
conhecimento”.

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Neste contexto, a autora nos ajuda a entender o processo de construção da


identidade de um povo, reconhecendo em seu pertencimento formas de
sobrevivências, de resistências e lutas pela conquista da terra. Tal tarefa não é fácil
de ser empreendida, visto que, nas relações sociais sempre vai haver conflitos. Os
elementos de construção tanto territorial quanto identitário é fruto de uma relação do
passado com o presente, que vai do individual para o coletivo, tendo presente os
sujeitos que fazem parte da história, garantindo a vida, enquanto quilombolas.

Ainda de acordo com Malcher, “o território é o elemento de construção da identidade


étnica, que é o ponto mais importante da estrutura social” (p.8). Neste sentido,
observamos que o grupo é quem determina quanto o direito a permanência na terra,
mesmo com a complexidade de habitar em determinados espaços. As relações
sociais incluem relações de grupos com a terra, mas também lutas de poder. O
processo histórico rememorado por nossos ancestrais marca a conjuntura dos
territórios quilombolas, sobretudo onde aparece o maior número de conflitos, seja por
questão de terra, moradia ou pelas relações construídas na comunidade.

A organização do ponto de vista político e social abre novos caminhos de legitimação


quanto a conquista de seus territórios, assegurando a vivencia de sua ancestralidade,
reconhecimento de seus direitos, bem como projetos de inclusão realizados dentro da
comunidade. Os autores envolvidos buscam constantemente a regularização de suas
terras, visando o bem comum através de encontros, organizações e resistência.

A territorialização defendida por Albenize é “elemento de construção da identidade


étnica, que é o ponto mais importante da estrutura sócio-espacial”. Neste processo a
identidade de um povo, sobretudo no quilombo dá-se por diversas formas, pois como
se sabe, temos uma variedades de identidades nos diversos aspectos da
comunidade, seja no modo de ser ou de agir dentro do espaço geográfico. O processo
de afirmação dentro de suas lutas políticas acontece pela organização, encontros e
participação em associação comunitária, garantindo direitos, fortalecendo a
resistência pela conquista de espaços e direitos reconhecidos.

Nesta luta pela terra os conflitos são os mais diversos, visto que as relações sociais
quase sempre são conflituosas. O reconhecimento de sua identidade quilombola é

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um dos meios de legitimação e permanência no território, tornando-se um elemento


importantíssimo na vida do quilombola, não obstante, a terra é um bem maior, sendo
de grande utilidade para a comunidade local. É o que discorre Albenize sobre essa
temática. De acordo com a autora, “a terra (território) torna-se um valor de vida, um
espaço de relações vividas, fruto da memória e da experiência pessoal e
compartilhada”.

Neste pequeno fragmento percebe-se que identidade e território tem uma interligação
que direciona para o reconhecimento da cultura e da vivência de um determinado
grupo social. É neste aspecto que a população do quilombo de Abacatal tentam
manter sua cultura dentro de seu território, mesmo sabendo que suas terras são
cobiçadas por empresas que tentam tirá-los desse espaço de memórias, experiências
vividas por seus ancestrais, cultivando valores que existem até hoje. A luta pela terra
começa desde muito tempo, na qual moradores legitimam como propriedade
particular, gerando conflitos que dificultam as relações sociais e familiares.
É neste território onde se constitui o quilombo que vamos encontrar histórias de vida,
permeada por grandes tensões, atividades como produção agropecuária, agricultura,
pesca, entre outros. Outra presença importante é a escola municipal de ensino
fundamental Manoel Gregório Rosa Filho, disponibilizando o acesso ao ensino
fundamental.

A comunidade de abacatal configura-se num contexto de grandes projetos que irão


afetar direta e indiretamente sua população. Como se sabe ao longo de sua história
houve muita luta e resistência para continuar na terra. Neste aspecto é interessante
notar, que a presença do negro em alguns momentos da historiografia foram vistos de
forma preconceituosa, onde a exclusão social de certa forma imperava na sociedade.
Porém, há de reconhecer que na comunidade têm-se expressivas contribuições
advindas desses sujeitos históricos, que ao longo do tempo foram construindo sua
identidade, pautada pela luta, comunhão e resistência. Os autores acima citados nos
ajudam a compreender o contexto político e social que a comunidade de Abacatal
está inserida, ajudando-nos a compreender os impactos que o quilombo sofrerá a
partir desses grandes projetos.

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REFERÊNCIAS​:

Vânia Maria Carvalho de Sousa possui graduação em História pela Universidade Vale
do Acaraú (2007). Especialização em Estudos Bíblicos pelo IESPES. Mestra em
Ciências da Religião pela UEPa. Especialização em andamento em História Agrária
na Amazônia Contemporânea pela UFPa.

HALL, Stuart. ​A identidade cultural na pós-modernidade. ​Rio de Janeiro: DP&A.


2005.

MARIN, Rosa Elizabeth Acevedo, CASTRO, Edna Maria Ramos. ​No caminho de
Pedras de Abacatal: experiência social de grupos negros no Pará​. Belém:
NAEA/UFPA, 2a. ed. 2004.

MALCHER, Maria Albenize Farias (2006). ​A geografia da territorialidade


quilombola na Microrregião de Tomá-açú:: o caso da ARQUINEC –
Associação das comunidade remanescentes de quilombos Nova Esperança
de Concórdia do Pará​. Belém: CEFET. (Trabalho de conclusão de curso)

SALLES, Vicente​. ​O negro na formação da sociedade paraense. – Belém: Paka-Tatu,


2004.

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PARTE 2:
HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO E DO
ENSINO DE
HISTÓRIA
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ENSINO SECUNDÁRIO PÚBLICO E PARTICULAR EM


DUAS PROVÍNCIAS: UM ESTUDO DE CASO (1870)
Meryhelen Alves da Cruz Quiuqui*

Palavras-Chave​: Ensino secundário; Atheneu; Educação; Ceará; Espírito Santo.

Introdução ​No contexto de transformações econômicas e culturais que marcam a


sociedade do novo milênio com exigentes padrões tecnológicos e valorização da
diversidade de gênero, étnica e cultural, a escola converteu-se em espaço de um
saber em constante mutação. As pesquisas no campo da História da Educação
tendem a se consolidar como lugar de reflexão dessa diversidade de experiências no
tempo e abrem perspectivas para a discussão dos desafios enfrentados atualmente
pelas escolas. Algumas técnicas naturalizadas como a separação em classes,
intervalos de recreio, a segmentação do ensino, dentre algumas práticas, pode ser
problematizada a partir do levantamento no passado de sua implantação. Ao
considerar historicidade de fazeres e saberes, as fronteiras da história vivida, da
história escolar e da história acadêmica podem se transformar em espaços de
diálogos e reflexões.
Produções no âmbito da História da Educação secundária focaram no estudo do
Colégio Pedro II, instalado no Rio de Janeiro e sob administração da Corte Imperial,
relegando as outras instituições como simples cópias. Produções historiográficas
resentes apontam para o crescente investimento nas problematizações da história das
instituições escolares, da produção dos sujeitos escolares, de modelos pedagógicos
produzidos e postos a circular pelas províncias, das disciplinas escolares e da
formação de professores secundário. Essa última temática, cara à historiografia da
educação, tem ganhado fôlego. A partir de estudos apoiados em diversos tipos de
documentos, pesquisadores buscam compreender as condições em que foram
produzidas as representações sobre a docência realizando um intenso diálogo entre o
passado e o presente.

O presente trabalho busca, assim, ponderar a maneira com as quais os jornais


capixabas e cearense se referiam ao colégio secundarista da região analisada, ou
seja, qual era a visão da sociedade sobre a instituição. Procuraremos identificar se o

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fato de uma instituição ser pública e a outra particular, interferia nas notícias
publicadas pelos redatores.

Contexto histórico

Escolhemos analisar a década de 1870, por ser um período de intensa modificação


política, científica e cultural no Brasil. Jose Murilo de Carvalho (2011), explica que a
década aqui discutida foi marcada pela divulgação do Manifesto Republicano que
trouxe uma nova ideia para a política brasileira. Sobre a educação Carvalho
argumenta que esse setor, apesar de não o centro das discussões, que girava em
torno de qual seria a melhor forma de administrar o Brasil, não foi deixado de lado
pelo novo grupo político que surgia já que inúmeras palestras públicas sobre o
assunto foram realizadas pelo governo imperial. Angela Alonso (2002) argumenta que
os últimos anos no período imperial foram marcados pelo surgimento de novas ideias,
que pretendia contradisser o status quo imperial. A área educacional, para a geração
de 1870, tinha como objetivo civilizar os homens, pois a ascensão social ocorreria por
meio do ensino escolar, formando assim uma elite política graduada. Para Maria
Tereza Chaves Mello (2009), as novas ideias podem ser percebidas nos jornais, que
empregavam termos como democracia, futuro, igualdade, razão e ciências em suas
notícias. Assim, entendemos os anos de 1870 como um período de intensa
transformação.

Sobre a cultura escolar, utilizaremos as ideias de Dominique Julia (2001), que a defini
como um conjunto de normas e práticas que determinam conhecimentos e ensinam
condutas, é, portanto, impossível estudar a história das instituições de ensino sem
levar em conta as relações – culturais, políticas, econômicas e religiosas. Nesse
quadro, a figura dos professores não pode ser deixada de lado, pois eles são
convocados a obedecer a essas ordens e utilizar dispositivos pedagógicos
encarregados de facilitar sua aplicação.

Júlia (2001) também argumenta que existem três eixos para entender a cultura
escolar, um deles é a avaliação do papel desempenhado pelo educador. Assim, no
final do processo educacional sempre é o docente que escolhe o que será ensinado,
pois ele não é uma simples massa de manobra – apesar das inúmeras leis e
regimentos que comandam a escola, mas vale ressaltar que cabe ao aluno a

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oportunidade de intervir no planejamento das aulas, pois é a mudança de público que


impõe a mudança dos conteúdos.

Assim, a cultura escolar não pode ser pensada como uma ‘coisa’, como um programa
ou curso de estudos e, sim, como um ambiente simbólico, material e humano que é
constantemente reconstruído – envolve aspectos técnicos, estéticos, éticos e políticos
– respondendo tanto ao nível individual/pessoal como social. Ou seja, envolve
compromissos relacionados ao discurso político e ideológico, às políticas de Estado,
ao conhecimento que é ensinado nas escolas, às atividades diárias de professores e
estudantes nas salas de aula e, de como entendemos tudo isso. Nesse sentido, não
são compromissos que se dão entre ou no meio de iguais. Ela não é alguma coisa
que se traduz num movimento estático, e sim dinâmico: entre estratégias e táticas;
entre espaço e lugar – a vida é dinâmica; a vida da escola é dinâmica. Então, pensar
no ambiente escolar significa pensar uma cultura que se reorganiza cotidianamente,
que se faz e refaz, entre estratégias e táticas cotidianas, e que se reconstrói a cada
dia, a cada momento, considerando o conjunto de educadores que se apropriam dele.
A cultura da/na escola tem uma representação oficial, mas também se apresenta em
sua materialização cotidiana de cada escola, num movimento das táticas, “lance por
lance” (CERTEAU, 1994, p. 100).

Sobre as fontes utilizadas, esse trabalho pautará nos jornais em circulação pelas
províncias do Ceará e Espírito Santo na década de 1870. Para o tratamento dessas
fontes é essencial à análise de conteúdo proposta por Laurence Bardin (2004). A
autora (2004, p.15) ao descrever a importância da metodologia da análise de
conteúdo, assevera que a apreciação estatística comungada a categorização - a
técnica de classificação de elementos por diferenciação a partir de um conjunto e pelo
seu posterior reagrupamento em pequenos grupos - permite a melhor apreensão da
realidade, já que oferece uma técnica sistemática de objetividade do material
analisado e uma apreensão clínica do conteúdo. Nessa perspectiva o paradigma
indiciário, metodologia desenvolvida pela escola histórica italiana, também auxilia no
trabalho com as fontes, pois torna possível a investigação dos pequenos indícios
fornecidos pela documentação e a percepção da atuação política e cultural dos
colégios analisados nas terras capixabas e cearenses.

Sobre o uso dos jornais como fonte histórica, Tania Regina de Luca (2008),
argumenta que até a década 1970 ainda havia uma aversão por parte dos
historiadores quanto a sua utilização. Essa modificação terá início com a ​Escolas dos

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Annales​, em 1930, ao realizar uma renovação temática no campo da pesquisa


histórica (LUCA, 2005, p. 113). É evidente a relevância dos periódicos para o
desenvolvimento historiográfico, já que por meio da imprensa escrita podemos
compreender melhor alguns hábitos e condutas de uma dada sociedade. Os jornais
do século XIX podem servir como fontes para a pesquisa dos costumes e dos locais
de sociabilização no meio urbano do Brasil (BEZERRILL, 2011). Assim, por meio da
linguagem jornalística de duas sociedades distante geograficamente no Oitocentos,
analisaremos duas instituições secundárias que tinham o mesmo nome: Atheneu.

A impressa escrita

Para Régia Agostinho Silva (2011), o final de 1870 no Ceará, foi marcado por uma
grave seca, que prejudicou a economia provincial e abalou o discurso progressista.
Em relação ao Espírito Santo, Karulinny Silveiro Siqueira (2016) argumenta que essas
novas ideias em voga no Brasil Império também chegaram. Até 1870, não existiam
claras manifestações contra o poder imperial. O radicalismo presente na Corte não
atravessou as fronteiras provinciais até esse momento. Esses pensamentos
reformistas somente encontraram terreno propício quando as novas gerações de
políticos e intelectuais, formados na Corte, retornaram para a terra natal e
encontraram um mercado literário mais amplo que na década anterior.

O Atheneu Cearense foi criado em 1863 para formar a elite intelectual de Fortaleza,
que poderia pagar pelos estudos, e fechou as portar 23 anos depois, em 1886. De
acordo com Karolynne Barrozo de Paula e Antonio Germano Magalhães Junior
(2012), a instituição se destinava a educação religiosa e preparatória para o ingresso
nos cursos superior do Império, admitindo alunos internos e meio pensionistas de
todas as faixas etárias. Em sua grade curricular, de acordo com os autores citados
anteriormente, podemos observar matérias ligadas aos estudos humanísticos, como a
língua francesa, latim, geografia e história.

Analisando os jornais em circulação na província do Ceará, foram localizados três que


fazem menção ao Atheneu: ​A Constituição​, ​Pedro II e
​ ​O Cearense.​ O primeiro jornal
de dedicou a publicação de anúncios a pedido do colégio, relacionados a mudança de
endereço e período de matrícula. Já os redatores do periódico ​Pedro II t​ eceram
alguns comentários obre o colégio em suas páginas, mas todos sempre elogiosos.
Nesse jornais foram localizadas a manchetes sobre o bom comportamento dos alunos
que chegaram a receberam distinção de mérito (1872, ed. 90, p. 2); em

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outro momento argumenta que o colégio é bem construído e conservado debaixo das
regras da boa higiene, sendo falsa a notícia de que dezessete alunos estavam
acometidos por beribéri (1872, ed. 195, p. 2); assim como anuncia que a instituição foi
transferida de local, provando que a direção não tem poupado esforços para manter o
estabelecimento com as proporções exigidas para a “distinta função educacional”,
continuando merecedor de todo reconhecimento do público cearense e louva, ainda,
ao colégio por instalar aulas noturnas gratuitas para os “desvalidos”, como o objetivo
de ensinar a ler e escrever.

O terceiro jornal mencionado, ​O Cearense,​ também redigiu comentários positivos


sobre o colégio, pois na opinião dos redatores era louvável, por exemplo, a criação
Sociedade Manumissora, por parte do colégio, que tinha como função libertar
escravos (1871, ed. 111, p. 1). Em outro momento o jornal destaca uma fala do
diretor, ao entregar prêmios para os alunos que mais se distinguiram pelo
comportamento e estudo, sobre as péssimas condições que estava a instrução pública
fazendo “judiciosas considerações” (1871, ed. 138, p. 1), assim como felicita a
instituição pela contratação de um professor, que aos olhos dos redatores, era uma
excelente aquisição (1873, ed. 43, p. 2); no 13a aniversário da instituição houve uma
festa que compareceram as mais brilhantes famílias da cidade, congratula pelos bons
serviços prestados a instrução e que merece a confiança e simpatia dos que sabem
prezar a civilização (1876, ed. 96, p. 3). Por fim, cabe destacar a mensagem impressa
no jornal, sobre outra na festa de distribuição de prêmios, que por meio dela pode-se
perceber o desenvolvimento intelectual dos jovens ao realizarem discursos e
declamações de poesias, diz ainda que o colégio é perfeitamente montado e dirigido
com zelo e habilidade.

Já o Atheneu foi instalado em Vitória capital da província do Espírito Santo em 1873


pelo governo provincial, com a missão de preparar a juventude capixaba para o
ingresso nos cursos superiores espalhados pelo Brasil (SIQUEIRA, 2016). Mesmo
sendo uma instituição pública, o ensino não era gratuito, já que era cobrado um valor
para matrícula dos estudantes. Convém destacar, que o ensino ministrado pelo
educandário capixaba também era pautado no discurso humanístico de ensino, em
que as matérias de latim, francês e língua portuguesa tinha supremacia sob as áreas
ligadas ao ensino científico.

Na década de 1870, as principais queixas dos redatores e cidadãos que publicação


nos jornais eram o mal comportamento de alguns alunos e pelo fato dos professores

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terem mais de uma função pública, questão impedida por lei. Sobre os alunos, foi
publicado a baderna realizada em praça pública, que recebeu advertência do
Presidente da Província (​A Actualidade​, 1878, ed. 64, p. 8). Tal confusão dizia respeito
as caricaturas, que tinha como tema os professores e funcionários da instituição, feita
pelos alunos e pregadas em ruas da cidade. Em outro momento, um jornal publicou
uma série de notícias sobre a acumulação de cargos públicos pelos professores (​O
Espírito Santense​, 1876, ed. 1, p. 3). Mas o mesmo jornal que criticava, também
elogiava em outros momentos. Um ano antes que criticar a acumulo de cargos pelos
professores, ​O Espírito Santense ​(1875, ed. 8, p. 4) enalteceu os profissionais,
argumentando que com a organização escolar estabelecida pela administração,
tornado os alunos “discípulos distinto”, a comunidade capixaba já estava colhendo os
frutos e os esforços seriam compensados com a gloria de encontrar na futura
inteligências do Espírito Santo “essas luzes”, ou seja, na instituição estavam sendo
formada os futuros dirigente da província.

Analisando as notícias vinculadas pelos jornais estudados observamos que o Atheneu


Cearense não recebeu nenhuma crítica dos redatores e da população, na seção
destinadas as publicações “A pedido”, apesar de diversas figuras importantes terem
estudado na instituição como: João Guilherme Studart​, ​Clóvis Beviláqua e Capistrano
de Abreu​. ​Talvez essa falta de crítica se referia aos status religioso do colégio, que
publicava constantemente as reuniões para a celebração da primeira comunhão dos
alunos, e o fato dela ser particular e não sofre interferências do poder político
provincial. Já a instituição pública capixaba recebeu diversas críticas e elogios dos
jornais capixabas, apesar dos alunos serem formados pela elite regional. As críticas
sempre envolviam discussões políticas entre liberais e conservadores, atingindo a
direção escolar e professores. Até mesmo quando os alunos recebiam críticas dos
jornais e da população.

Referências Bibliográficas

*Mestranda em História e integrante do grupo de pesquisa “Laboratório de História,


Poder e Linguagens”, ambos ligados a Universidade Federal do Espírito Santo e sob
orientação da Profa. Dra. Adriana Pereira Campos. E-mail: merycalves@gmail.com.

ALONSO, Angela. ​Ideias em movimento:​ a geração 1870 na crise do


Brasil-Império. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

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BARDIN, Laurence. ​Análise de conteúdo​. Lisboa: Ed. 70,


2004.

CARVALHO, José Murilo. República, democracia e federalismo Brasil, 1870-


1891. ​Varia historia​, vol. 27, n. 45, pp. 141 – 157, 2011.

CERTEAU, Michel de. ​A escrita da história.​ 2. ed. Rio de Janeiro:


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A ESCOLA DE PRIMEIRAS LETRAS NA COLÔNIA


BENEVIDES: RELAÇÕES ENTRE TRABALHO AGRÍCOLA E
ENSINO NA AMAZÔNIA OITOCENTISTA ​Francivaldo Alves
Nunes

A escola da segunda metade do século XIX torna-se um instrumento de fabricação do


cidadão, importante na luta do governo imperial contra o que se chamava de hábitos
não civilizados. De acordo com Faria Filho (2000) é o momento em que se defende a
superioridade e a especificidade da educação escolar frente a outras instâncias de
socialização, como a família, a igreja e o grupo social.

Nas províncias os formatos de educação adotados nesses locais quase sempre


refletiam os interesses e valores locais. No caso dos núcleos coloniais as
especificações do ensino adotado nesses espaços, refletem, portanto, os embates
entre interesses locais, dos colonos e mais gerais, das autoridades provinciais.

Considerando que o processo de escolarização deve ser melhor entendido na sua


diversificação a partir de interesses locais, diríamos que na Amazônia, especialmente
nos espaços dos núcleos coloniais, as instituições de ensino se caracterizam por um
modelo de instrução das práticas religiosas, das primeiras letras, associado à ideia de
valorização da agricultura e do respeito as normas e autoridades provinciais. Para
uma região em que a falta de braças para atuar na lavoura era uma das principais
questões presentes nos debates das autoridades provinciais, tornavam mais
preeminentes o objetivo da formação de um povo trabalhador e obediente a
legislação.

Criar escolas era indicador importante, portanto, de progresso e civilização, pois se


passava a ideia de que novos espaços de domesticação social estavam sendo
construídos. Nesse aspecto, a diretoria da Colônia Benevides, localizada algumas
léguas de Belém, capital da província do Pará, nos primeiros meses de 1879,
apontava o funcionamento de uma escola para crianças do sexo feminino, duas do
sexo masculino e uma noturna, que atendiam alguns colonos que tivessem interesse
em aprender as primeiras letras (Arquivo Público do Estado do Pará - APEP. Caixa
367. 1880-1886. Ofício de 02 de agosto de 1880).

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A primeira escola achava-se, sob a direção da professora Filomena Rodrigues da


Silva que cuidava da educação das meninas. As duas do sexo masculino sob os
cuidados do padre Lyra e do professor José Valhão de Vasconcelos. A escola que
funcionava a noite estava sob a guarda do professor Antonio Duarte Balby. O ensino
da leitura e escrita, associado aos valores religiosos constituía a base de ensinamento
nessas escolas; situação que pode ser evidenciada pela apresentação do nível de
conhecimento dos alunos feita pelo padre Lyra e da própria presença do pároco com
um dos professores .

De acordo com os dados da administração da colônia, dos 161 alunos matriculados


de 1o de agosto a 06 de setembro de 1878, e que estavam sob os cuidados do padre
Lyra, este fazia questão de destacar que: "143 começavam a ler o a-b-c, 13
balbuciavam as primeiras sílabas, 03 já soletravam nomes, e outros 03 possuíam
princípios de leitura" (​O Liberal do Pará,​ Belém, 06 de abril de 1879, p. 01).
Nas escolas dos núcleos coloniais do Pará, predominavam o que se poderia chamar
de escolas primárias, ou seja, eram instituições de ensino dedicadas ao ensinamento
elementar que consistia na leitura, escrita, quatro operações aritméticas, noções
práticas do sistema métrico, doutrina cristã e da religião do Estado, e costura para as
meninas. No caso de ensinamentos mais adiantados como a gramática portuguesa,
caligrafia, desenho linear, aritmética avançada, elementos de geometria, de geografia
e de história estes eram ministrados somente nas escolas públicas da capital ou nas
sedes dos municípios mais populosos. Caso houvesse interesse de continuar os
estudos era necessário que os filhos dos colonos se deslocassem para essas
localidades, o que quase sempre não acontecia.

A criação de escolas na Colônia Benevides estava circunscrita a um contexto


marcado por discursos que tem como propostas principais a disseminação da
instrução pública a todos os habitantes do país. De acordo com as autoridades
provinciais o desafio era a expansão das escolas aos lugares distantes e pouco
​ a presidência do Pará de 15 de fevereiro de 1881, p. 60 ). Nesse
povoado (​Relatório d
aspecto, diríamos que o conceito de ensino pensado pelas autoridades locais, se
remete ao surgimento de um espaço educacional articulado aos interesses do Estado.
No entanto, há de se considerar as resistências, conflitos e diversidades das práticas
pedagógicas que caracterizaram a implantação e implementação da forma moderna
de educação pensada para o país.

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De acordo com Irmã Rizzini (2004, p. 78), as práticas tradicionais de socialização


talvez tenham sido as mais resistentes ao modelo escolar oficial, por este "competir"
com as famílias, tutores e protetores, uma vez que acabava usurpando as crianças na
ocupação do tempo e do espaço, além do que tentava impor um aprendizado que
nem sempre era o mais valorizado em seu meio, ou que garantisse a reprodução dos
valores familiares.
Na Amazônia, como em outras regiões brasileiras, o processo de afirmação e
expansão da forma escolar sofreu reveses vindos de todas as partes e pela própria
diversidade da constituição étnica e cultural da população. Esta questão se refletia no
número de crianças frequentando a escola e nos índices de participação nas aulas.

Nos dados contendo a frequência nas escolas da Colônia Benevides, o que se


observava era que muitos alunos deixavam de ir à escola. Isto que dizer que, quase
sempre era atribuído pelas autoridades à falta de interesses dos pais "que deixavam
de enviar seus filhos, preferindo levá-los para o trabalho na lavoura"; afirmava o
diretor da colônia na época, Henrique Costard em 1879 (​O Liberal do Pará,​ Belém, 06
de abril de 1879, p. 01).

A acusação de que as famílias se mostravam indiferentes à instrução de seus filhos


omitia, em grande parte, a incapacidade do governo em garantir o ensino público às
populações desprovidas de recursos. As escolas públicas primárias, responsáveis
pelo ensino das primeiras letras, eram quase sempre isoladas; ou seja, cada escola
tinha um professor que regia uma aula, atendendo a alunos de várias idades, na faixa
etária que podia ir dos 6 aos 15 anos. No caso de escolas com grande número de
crianças, estas podiam ter o auxílio de um professor adjunto, o que não resolvia o
problema de manter crianças de diferenciadas idades frequentando o mesmo espaço
e obtendo o mesmo tipo de ensinamento.

A casa utilizada como escola era alugada pelo professor ou professora, que neste
mesmo espaço morava com a família, reservando um dos cômodos para a função
pública; o que não deixava de se constituir enquanto locais improvisados. A escolha
da casa cabia ao mestre, o que levava os visitadores das escolas, responsáveis pela
fiscalização destes estabelecimentos, à denúncia de que, em geral, as residências
eram acanhadas, anti-higiênicas e sem ventilação. No interior, faltavam habitações
apropriadas, levando, em alguns casos, à instalação de escolas em verdadeiras

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palhoças. A falta de utensílios, mobílias e livros levavam os professores a utilizarem o


que tinham à mão e ao que estavam habituados. Os meios disciplinares, quase
sempre, extrapolavam o permitido por lei, fazendo com que as crianças aprendessem
sob o jugo do "terror do mestre", como diziam alguns visitadores. No caso específico
da Colônia Benevides as escolas funcionavam em prédios improvisados, uma a
proximidade da Igreja de Nossa Senhora do Carmo e o outro nos fundos da diretoria
do núcleo. Estas duas salas de aulas atendiam até 50 crianças cada uma ( ​O Liberal
do Pará​, Belém, 06 de abril de 1879, p. 01).

Embora ficassem evidentes os problemas enfrentados pelo ensino público no Pará, o


governo reduzia esses problemas aos obstáculos impostos à sua difusão pelos
hábitos, costumes e modos de viver da população. Era comum ouvir das autoridades
que a educação na província mantinha-se acanhada devido a imensa região e o
isolamento de sua população. No entanto, acreditamos que as dificuldades de se
implantar um ensino regular na província do Pará e que garantisse a permanência dos
educados nas escolas públicas era resultado das duas situações; se por um lado não
havia ações do poder público em criar espaços de ensino que melhor atendessem aos
educandos, por outro há uma resistência dos colonos em encaminhar os filhos para
freqüentar os improvisados estabelecimentos de ensino. Essa resistência dos colonos
quanto a encaminhar os filhos para as escolas públicas é registrada na fala dos
administradores. Para as autoridades provinciais as tentativas de reforma da instrução
pública esbarravam na necessidade da reforma daquilo que chamavam de "reforma
indiana" numa alusão ao modo de vida das comunidades indígenas e que em parte
havia sido adotado pelos colonos (​Falla ​da presidência do Pará de 2 de fevereiro de
1889, anexo, p. 32).

Nos dizeres dos administradores a prática extrativa era o principal obstáculo para a
propagação do ensino na região. Dentre as atividades extrativas, a borracha aparecia
com a grande vilã, por afastar as crianças das escolas durante o verão, ou seja, no
segundo semestre de cada ano, quando intensificava os trabalhos de extração do
látex. Nesse caso, o diretor de instrução pública do Pará em 1877, Joaquim Pedro
Corrêa de Freitas, lamentava que em boa parte das escolas fosse pouco concorrido à
frequência de alunos devido o período de colheita da borracha, quando os povoados
eram abandonados por muitos de seus habitantes.

Os estudos sobre a instrução nas diversas localidades do Pará, incluindo as escolas


implantadas nos núcleos coloniais, realizado pela diretoria de instrução pública

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confirmariam que a atividade extrativa seria o grande obstáculo para o


desenvolvimento do ensino. Sobre a questão Joaquim Pedro Corrêa de Freitas
identifica que nos locais "em que são mais disseminadas a população, menos
frequentadas são as escolas". Outra observação é quanto aos lugares em que a
população "entrega-se a extração da borracha". Nesses espaços as escolas, em certa
época do ano, "ficam quase despovoadas", ao passo que as escolas implantadas em
localidades que vivem da lavoura e da pesca, "estas tem grande número de alunos
matriculados, e a frequência nos diversos meses do ano é quase sempre a mesma"
(​Falla ​da presidência do Pará de 15 de fevereiro de 1877, anexo 3, p. XLI).

Em 1883 as observações das autoridades provinciais quanto à relação entre a prática


extrativista e a educação permaneciam caracterizadas pela contrariedade. Nesse
caso, o então visitador de escolas públicas Joaquim Maria Nascentes de Azambuja
identificava na atividade extrativa o principal motivo do constante deslocamento das
populações pelo interior da província, impossibilitando uma regular frequência dos
alunos nas escolas públicas. Afirmava, então, que a "população move-se em busca de
um pretendido Eldorado"; "move com açodamento, arrastando consigo mulheres,
filhos, agregados, tudo deixando, abandonando as casas de sua residência"; situação
que para Joaquim Azambuja eram os fatores responsáveis pela dizimação dessa
população, assim como pela falta de estabilidade de seus habitantes; o que
"inviabilizaria a implantação de escolas públicas em populações com semelhantes
práticas que mais lembravam selvagens do que povos civilizados" (AZMBUJA, 1885,
p. 46).
Ao que tudo indica, até o final do século XIX, a "vida nômade" provocada pela
extração e fabricação da goma elástica, assim como a colheita de vários produtos, em
muito importunará os gestores de instrução pública no Pará. Nesse caso, a população
é acusada de viver embrenhada nas matas, onde "as vistas do governo, a ação
benéfica e a regular administração da justiça dificilmente podem chegar" (​Falla ​da
presidência do Pará de 15 de fevereiro de 1877, anexo 3, p. XLI). Julião Honorato
Miranda e Antonio Manuel Gonçalves Tocantins, engenheiros na época à serviço da
província do Pará, identificam na criação de estradas e a consequente facilitação da
comunicação entre as localidades, como uma das soluções para este isolamento;
sendo ainda defendido a fixação dos "errantes habitantes da Pará" em espaços de
colonização agrícola; o que em parte "facilitaria a educação de seus filhos" (​Relatório
da presidência do Pará de 15 de fevereiro de 1872, anexo 1)​.

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Considerando estas questões diríamos que combater as práticas indígenas era um


dos propósitos das escolas na Amazônia. Nesse caso, no espaço dos núcleos
coloniais a presença das instituições de ensino marcava um embate entre ações
costumeiras dos colonos e os discursos de civilidade empreendidos pelo governo
provincial que tinha na estrutura administrativa da colônia e nos professores seus
representantes mais diretos. Nesse caso, a escola era utilizada como instrumento de
defesa de valores e interesses do governo provincial, valores que não apenas
estavam relacionados à ideia de respeito às leis e as autoridades locais, ou ainda a
princípios e valores cristãos, há de se considerar que esses espaços eram também
utilizados para divulgação de ideia quanto a superioridade da prática agrícola em
relação a extrativa, numa visível demonstração da necessidade de ampliar as áreas
de produção de alimentos na província e assegurar a permanência dos colonos
nessas áreas de cultivo.

Tratava-se, portanto, de um embate entre as representações do que se considerava


como selvagem e atrasado e o que era concebido como moderno e civilizado. Nesse
caso, os discursos oficiais, quase sempre opunham, quando discutiam a instrução
pública na Amazônia, a atividade agrícola da prática extrativa; nesse caso,
recomendavam veementemente o domínio do cultivo sobre a coleta. Estes debates
apresentavam um cenário amazônico de luta pelo avanço do progresso e da
civilização sobre a natureza e a barbárie de seus habitantes, os índios, os caboclos,
os mestiços.

Esta oposição, guardadas as devidas proporções, não deixava de afetar a educação


da população e a solução apontava para aquilo que consideravam como "vitória das
armas da vida civilizada". Os engenheiros Corrêa de Miranda e Gonçalves Tocantins
eram enfáticos na ideia de que a educação mais regular só se viabilizaria com a
opção pela lavoura. Neste aspecto, a lavoura implicava na mudança considerada
fundamental quanto aos hábitos dos colonos na província do Pará; uma vez que,
através da agricultura, estes deixariam a "vida errante" em que estavam habituados
(​Relatório ​da presidência do Pará de 15 de fevereiro de 1876, p. 6).

Embora a lavoura fosse vista como um importante elemento de garantia de fixação do


colono em determinada área, pois ao contrário do extrativismo não vai exigir os
constantes deslocamento das populações pelo interior da província, na Colônia
Benevides, a agricultura vai ter um outro efeito quando relacionado à criação de

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espaços de instrução pública. A pouca presença de crianças frequentando o núcleo


colonial, associado à baixa freqüência dos que haviam se matriculado era atribuído
pelos professores, conforme apontamos anteriormente, à falta de interesses dos pais
que deixam de enviar seus filhos, preferindo levá-los para o trabalho na lavoura.

O que para os professores poderia ser uma opção dos pais, no caso da cearense
Maria Francisca do Espírito Santo, de 44 anos e moradora de Benevides desde 1878,
tratava-se da necessidade de mais braços para o trabalho no roçado. Afinal os seus
três filhos ajudavam nas atividades de capina e plantio; auxílio necessário, pois era
preciso abreviar o quanto antes o trabalho de cultivo, uma vez que, o auxílio do
governo para os colonos recém-chegados a Benevides se estenderia apenas por seis
meses (APEP. Auto de Inquérito da Chefatura de Polícia de 13 de junho de 1879).

Considerando o período de limpeza dos terrenos (final de agosto, setembro e


outubro), plantio (início de novembro e dezembro) e primeira capina (final de janeiro e
início de fevereiro), observa-se que são os meses de novembro, dezembro e fevereiro
em que se atinge a menor frequência na escola. No caso da turma do professor
Antonio Balbi, para um número de 119 alunos matriculados, menos da metade, 53
frequentavam a escola no período de cultivo nos lotes; o que comprova a situação de
que muitos colonos, a exemplo da cearense Maria Francisca do Espírito Santo,
aproveitam o trabalho dos filhos para adiantar os serviços de plantio.

Nos dizeres das autoridades provinciais, a indiferença dos pais pela instrução dos
filhos seria uma das principais causas atribuídas ao "atraso da instrução" na região,
em todo o Segundo Reinado. De acordo com Irma Rizzini, quase sempre, os pais do
interior eram lembrados pelos governantes, principalmente por este descuido,
explicado pela "indiferença, senão repugnância pela instrução da infância" nos lugares
distantes e pouco povoados. Já nos grandes povoados, habitados por uma
"população mais desenvolvida pela educação", haveria maior recepção dos pais à
instrução da infância, podendo-se ampliar o ensino público (RIZZINI, 2004, p. 113). No
caso dos núcleos coloniais, a necessidade de se garantir as atividades de cultivo
exigia o uso quase constante do trabalho das crianças, o que inviabilizava a sua
frequência na escola.

A realização de atividades agrícolas pelo conjunto do grupo familiar, inclusive


crianças, é apontada por Ana Dourado, Cristiane Dabat e Teresa Corrêa de Araújo
como uso costumeiro dos trabalhadores rurais do Nordeste durante o século XIX

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(ARAÚJO, DABAT & DOURADO, 2000). Além de aumento da renda da família, a
estas crianças era dada a responsabilidade de aprender as técnicas agrícolas para as
culturas diversas de raízes, legumes e frutas; garantindo o sustento futuro da família.
Esta prática pode, portanto, está sendo reproduzida pelos colonos cearenses em
Benevides.

Diríamos, portanto, que a agricultura embora fixasse o homem a terra, a esta era
ainda atribuída à capacidade de facilitar a propagação do modelo de educação
pensada pelas autoridades imperiais. Em outras palavras, seria justamente a
capacidade de fixar as populações em uma dada região o elemento facilitador de
implantação de um ensino regular e oficial. No entanto, há de se considerar que a
identificação dos colonos com o modelo proposto de ensino e a dinâmica de trabalho
dos colonos parecem se constituir como elementos decisivos nesta questão, seja para
facilitar a implementação dessas proposições de ensino, seja para negá-la; pelo
menos é o que mostra a experiência da escola de primeiras letras da Colônia
Benevides.

Figura 1: ​Escolas de primeiras letras no Brasil do Século XIX.


Fonte: Site Porto da Lage, acesso em 12-2018.
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Agradecimentos

O texto é resultante do plano de trabalho vinculado ao projeto de pesquisa “Ocupação


da terra, paisagem e produção rural nos aldeamentos e colônias agrícolas do Pará,
décadas de 1840-1880”, financiado pelo CNPq, em que registramos nossos
agradecimentos.

Referências

ARAÚJO, Teresa Corrêa de; DABAT, Cristiane & DOURADO, Ana. "Crianças e
adolescentes nos canaviais de Pernambuco". In: DEL PRIORE, Mary (org.). ​História
das Crianças no Brasil​. São Paulo: Contexto, 2000, 407-436.

AZAMBUJA, Joaquim Maria Nascentes de. ​Doutrinas pedagógicas e elementos de


instrucção publica organisadas pelo Conselheiro D'Azambuja para uso das
escolas de ensino primario especialmente das Províncias do Amazonas e do
Pará. ​Pará: Typ. do Livro do Commercio, s.d. [1884].

FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Instrução elementar no século XIX. In: LOPES,
Eliane Marta et al (orgs.). ​500 anos de educação no Brasil​. Belo Horizonte:
Autêntica, 2000.

RIZZINI, Irma. ​O cidadão polido e o selvagem bruto: a educação dos meninos


desvalidos na Amazônia Imperial. ​Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS/PPGHIS, 2004. Tese
de Doutorado.
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PARTE 3:
HISTÓRIA E
EVENTOS
HISTÓRICOS

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