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o que há é crign<r
clc ser apreciado, desfrutado, e num
rempo que é regulado pela própria
cxpcriência do desfrute e do saber, não pela
pressa da rearização d,o téros.
o presente eo percurso não podem ser sacrificados em sua
murtiplicidade
para a redução ao único da chegada. 0 Íuturo da ideia de autor
O destino, ao final do poema, se pluraliza. Sábio, Francisco Bosco
agora , sabes o que
'signifcam Ítacas' Ítacas, se são projeções do desejo presente,
tornam-se
cntidades menrais que, por mais que brilhem
na expectativa que faz so_
prar a vela do barco, tornam_se pálidas
quando se alcança o po.to d.
rlcstino. Mas tal palideznão é atributo do l,gar
a que se chegou, e sim a
c'nsequência do ofuscamento traiçoeiro produzido
p.r" .rpJt"tiva, pero
clcsejo do vir a ser. Ítacas são o que são,
vidas reais, humanas, nos rimites
do que nos é dado ser. Não há redenção, não
há salvação, nem o triunfo Se a arte recusdr qualquer tipo de relação com o mundo, ainda
final da verdade' da felicidade , do gozototal.
o que há é a tensão perma- que íegdtiva, ou se, ao contrário, pÍocilror uma identifcação
,ente entre a expectadva e a experiência, entre
o que foi, o que é ã,, qra total com o mundo, então a arte perde sua ruzão de ser.
projetamos como o dever ser. Mas nada disso
deve ser lido como um mero LoRslvzo Mentui
rcgistro da decepção. É o reconhecimento
do que há e do que pode haver,
rrssim como da distânc1a '
entre o que se qurs encontrar e onde se chegou. Não aqedite em originalidade, mas não vá acreditar tdmpouco
Não se trata, portanto, de uma ode ao desencanto.
Até porque o nabanalidade, que é a oigíntlidade de todo mundo.
poema me permite desvelar outra dimensão
de fururidade que não está Cenros Dnur,Iuono np Alloneop
associada ao télos da chegada, mas à possibilidade
de a viagem se dar. Tem
Lodo o tempo Ítaca na mente, pois,
sem ela, por que haveria de sair do por_ Num discurso pronunciado em Mântua, em setembro do ano zooo,
to? Esta outra Ítaca que se apresenta no
início da viagem é a inspiração, Umberto Eco abordava a então novidade da escrita coletiva de obras na
é o princípio que orienta a ação. É o que
nos faz agi.. Neste po.rto, .rao internet. Nela, descreve o autor de A obra aberta, "encontram-se progra-
se trata mais nem de um rilos imaginado,
nem d.a Ítaca que o via.lante mas com os quais se pode escrever histórias coletivamente, participando
encontrou ao chegar, mas daquela com a qual,
e pela qual, saiu do porto. de narrativas cujo andamento pode ser modificado ao infinito"'. E se é
E é essa dimensão plural e não objetific
ada dafuturidade qr" .rr.rito _. possível escreverhistórias interativas, sem um autoÍ central, por que não
r'nteressou no poema. É a possibilidade
de recusar o dupro cronocídio: também reescrevê-las, pergunta-se Eco, alterar a trama de "textos lite-
aquele do futuro como coisa que anula a experiência
do p..r".rt.; aquere rários já existentes, adquirindo programas graças aos quais seja possível
do presente estagnado, da repetição infinita
do mesmo, da rotinização mudar as grandes histórias que nos obcecam, quem sabe há milênios?"'.
da mudança que abandonou qualquer imaginação
do que pode vir a ser. Assim, leitores reescritores poderiam salvar da morte o príncipe An-
dré, de Guerra e paz; reconciliar Emma Bovary com Charles; impedir que
Julien Sorel dispare contra a senhora de Renal. "Seria ruim?", prossegue
interrogando Eco. "Não, porque a literatura também já fez isso, e bem
r- Umberto Eco, "Sobre algumas funçóes da Jiteraatra" , Sobre ahttatura, São Paulo: Record, zoo3, p 18
z [dem, ibidem, p r8
Futuíols) presente(sl
403
identificar o pensamento
iurtcs d()s hipertextos"r. Ele então lembra práticas literárias modernas quc clemonstrá-lo. O mais importante é, entretanto'
t()r'naram instáveis as noções de obra e autoria: os cadawes exqais dos sur- subjacente que engendr' t outras práticas da cultura contemporânea'
"t"
pela tecnologia' pelas novas formas de socialidade
rcalistas (processos de escrita automática coletiva), as inúmeras variações e.p.lha.tdo:se Pela arte,
cstilísticas de Queneau e as improvisações do jazz, que mudam a cada ,-r" irrr.r.r", e pelo entretenimento de
massas' No fundo' o que legitima
da arte interativa' como o
i
r.r<litc o destino de um tema. "Mas", ressalva, "o fato de que eísta a prática (para eles mesmos; não apenas os praticantes
c1lt iam session [...] não nos desestimula a comparecer às salas de concerto a interatividade ern geral na cultura
(que vai desde as tecnologias
"p"f" "participação do internauta" em programas
crlr que a Sotlatd em sibemolmetlor op.3j acabará toda noite exatamente do wiki, na web, atê a irritante
de democtacía' É essa ideia que se deve
compreender e
n-rcsmo modo"a. Por quê? O que há de experiência irredutível em obras de rv), é certaideia
lcchadas, que começâm e acabam sempre do mesmo modo? submeteràcrítica.Paraela,todaformadeautoria'emsuasmanifestações
Para Eco, trata-se de uma lição de fatalidade. "É a descoberta de que "tradicionais", isto ê, náo participativas' é percebida como autoritária'
as coisas aconteceram, e para sempre, de uma certa maneira, além dos Esse é provavelmente o seu equívoco
fundamental' pois a relação entre
comum convida a supor'
clcsejos doleitor", ao qual cabe acatar essa frustração e experimentar, autor e autoridade, ao contrário do que o radical
e até de oposição'
assim, "o calafrio do destino"'. 'A verdadeira lição de Moby Dick é qae a não é de continuidade, e sim de descontinuidade
baleia vai para onde quer"u. As obras fechadas, transmitidas de geração
Keen' um ex-
em geração na sua forma imutável, encerram portanto uma "educação Em um conhecido livro, O culto do ümador' Andrew
apostasia do que se pode
ao Fado e à morte"7. Sua trágica grandeza está em que nelas "as coisas -empreendedor do Vale do Silício, declara sua
revelou em um
rrcontecem como acontecem"t. Submetendo-nos ao destino, preparam- .h"àr. a ideologia dawebz'o' Tal ideologia' relata' se lhe
lros para a morte. encontronumacidadezinhaagicoLanonortedaCalifórnia'emsetembro
Triste argumento. Defenderei adiante que, ao contrário, se há uma dezoo4,reunindo,,oestablishmentantiestablishmentdoValedoSilício','"'
"um evangelizadot da inovação junto a
razão para desconfiarmos da criação de obras de arte interativas está Promovido pela O'Reilly Media,
evento' chamado Foo Camp'
justamente em que elas tendem a não ltermitiÍ que as coisas aconteçam uma congregação mundial de tecnófilos"' o
de outro modo. Fundados numa pseudoliberdade de ordem estritamente reunia..ospartidáriosdacontraculturadosanos1960,,com..osentusiastas
sociológica e empírica, esses processos de criação costumam ser muito dolivremercadodosanosrg8o,,e..ostecnófilosdosanosÍ9go',''.
não eram novidade
menos livres e criativos do que se acredita. Keen conta que conferências no Vale do Silício
"quando o boom da irr-
Por hora voltemos uma última yez ao texto de Eco. E em outro mo- para ele, que tinha até mesmo organizado uma'
mento que ele toca, de passagem, no âmago da questão: 'Alguém disse ternetdavaseusúltimossuspiros""'"MasoFooCamperarealmentedife-
apenas participantes"'3' O
que jogando com mecanismos hipertextuais se foge de duas formas de rente. Sua única regra era: não há espectadores'
"segundo princípios participativos' de fonte aberta'
repressão, a obediência a acontecimentos decididos por um outro e a con- evento eraorgarizado
clenação à divisão social entre aqueles que escrevem e aqueles que leem. ao estilo da Wikipédia"'+'
"IJma palavra estava em todos os lábios no Foo
'democratizaçáo""5'
1...] Isso me parece uma bobagem"e, arremata. Concordo; e procurarei Camp ernsetembro de zoo4' Era
3. Idem, ibidem, p 19
O amodor, Rio deJaneiro: Zalta! zoog' p t7
4. lclem, ibiclem, p 19 ro. Andrew Keen, cubo ào
textos que daí surgem renunciâm ao (ou são incapazes de produzi-lo) "poder de criar uma pa role úuca
cas de uma obra em favor de uma persPectiva ou uso diferente
a partir da piscina verbal da culrura" O diagnóstico (não necessariamente, veremos, quanto à intençào,
3r Mary Shelley apudJonathan Lethem, "The ecstasy of irrfluencc", Iltrpu's MtitzinL, r0o7, I I r.l
mas muitas vezes quanto ao resultado) é verdadeiro, mas são justamente as consequências culturais e
3z Roland Barthes, apudJonathan Lethem, op. cit , p I tr
subjetivas dessa proposta que submeterei à crítica. MichetFoucault,"Qu'estcequ'unauteur?",Dit§ctétritst,19t4-75 Paris:ciallirrrrtrtl,a(r,r,PlrtlroSrr
l:
Hffiffij:jl"zãoqueostextosmodernistaslPorsuascaracte- 45 Utitzo aqui a expressão de Antonio Cicero em seu ensaio "Poesia e paisagens urbanas", cujos argu-
o que
mentos sigo nesse parágrafo e no seguinte In: Antonio Cicero, Finalidades smfm,SãoPaulo: Compa-
forço
nhia das Letras, zoo5
e consumo, autor e leitoq
revela_se especialmente 46. Isso não significa, claro, que as formas não tenham uma relação com a história, mas sim que elas são
i
4i. Kenneth Goldsmith, op. cit.,
p. ro. vazias (no mesmo sentido em que se diz que um significante é vazio) e que podem ser preenchidas de
44. ldem, ibidem, p. rz9.
sentido histórico Assim, hoje em dia um soneto pode ser tão contemporâneo ou mais quanto umâ
poesia digital, desde que seja mobiJizado com consciência hjstórica.
5z Para uma análise mais dctida sobre sonata, e o sente presente "como uma divindade protetora e confidente de
a dimensão pol í
o artigo ''parrilha da crise: ideologia arelacional, recomendo
e idealismàs,,, seu amor, e que, para poder chegar até ele no meio da multidão e tomá-lo
Tarrí, nírmero ru. DisponÍvel em: <htrp:/ Diniz, na revisre virrual
/revistata larissa-diniz/>.
:-r Nicolas Bourriaud, op .it,.oo9, pp 8o-8r er9.
54 Marcel Proust, No camirh o de Swann, patte z, Rio deJaneiro: Ediouro, zooz.