Você está na página 1de 3

A primeira e, certamente, uma das maiores definições de tragédia foi formulada

pelo filósofo grego, aluno de Platão, Aristóteles. Segundo o filósofo a tragédia


não seria uma narrativa ou uma simples imitação. A tragédia está relacionada a
bem aventurança ou a desdita do homem dependente de suas ações. As ações
dos heróis das tragédias são, então, o carro-chefe desse gênero que
revolucionou e mudou a forma pela qual as historias eram contadas na Grécia
antiga. As grandes tragédias gregas não eram narradas, mas interpretadas por
atores. Conforme Aristóteles em sua Poética,
é pois a tragédia imitação de uma ação de caráter elevado,
completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada
e com as várias espécies de ornamentos distribuídas pelas
diversas partes [do drama], [imitação que se efetua] não
por narrativa, mas mediante atores, e que, suscitando o
“terror e a piedade, tem por efeito a purificação dessas
emoções” (1987:205)
O futuro dos heróis as suas ações pertencem. Geralmente, nas tragédias gregas,
os heróis se encontram em impasses morais; suas opções são extremamente
difíceis de serem tomadas e seja ela qual for, trará consequências irreversíveis
e mudará o rumo da história. Ainda segundo o filósofo grego, “os homens
possuem tal ou tal qualidade conformemente ao caráter, mas são bem ou mal-
aventurados pelas ações que praticam” (Aristóteles 1987:206). No contexto
sócio-histórico no qual a tragédia grega floresce – com a confecção de Prometeu
acorrentado, Os persas e Agamenon de Ésquilo, Édipo rei, Antígona e Electra
de Sófocles e Medeia, As Troianas e As Bacantes de Eurípedes – Esse gênero
coloca diante de seus espectadores personagens que deverão responder por
seus atos; no caso de Agamenon, obra que iremos nos ater, o Rei de Argos é
colocado em prova quando tem de decidir sacrificar sua filha, Ifigênia, em prol
de seu favorecimento em futuras batalhas, ou abandonar seus homens e desistir
da expedição, traindo seus aliados. Entraremos mais a fundo nessa questão
posteriormente.
O momento histórico da ascensão da tragédia grega corresponde a transição
entre o mito e o pensamento jurídico, isto é, o que há é um embate entre o
passado mitológico e o presente da cidade, no que diz respeito a valores.
Segundo Walter Nestlé (apud Vernant e Vidal-Naquet 1999:10), a tragédia nasce
“quando se começa a olhar o mito com olhos de cidadão”.
Enquanto Príamo, rei de Tróia, hospedava-se em Esparta na casa de Menelau, que é irmão de
Agamenon, rei de Argos, Príamo rouba sua esposa, Helena. Agamenon e Menelau veem isso
como uma afronta a Zeus e procuram juntar aliados para desfazer essa ofensa, comandando o
exército à Tróia. Em meio a essa procura um presságio se faz presente: duas aves de rapina
devoram uma lebre prenhe e indefesa. Após a interpretação de Calcas a respeito do presságio
é revelado que as aves são Agamenon e Menelau e a lebre, Tróia. Ártemis, contudo, se
demonstrou inquieta devido a imagem perturbadora do banquete das aves. Artémis afirma,
então, que para que os ventos voltem a favorecer Agamenon um sacrifício se faz necessário.
Caso Agamenon sacrificasse sua filha, Ifigênia, os Deuses estariam do lado de Agamenon e
poderia assim, prosseguir sua jornada, caso contrário, teria de abandonar a expedição e trair
os homens fiéis que o seguira. Entre essas opções, Agamenon escolhe, depois de muita reluta,
sacrificar sua filha, ganhando uma inimiga eterna: Clitemnenstra, sua esposa e mãe de
Ifigênea. A guerra de Tróia durou dez anos e nesse período um clima sombrio se fazia
presente em Argos, afinal, seu rei sacrificou a própria filha. Diante da situação Clitemenestra
jura matar Agamenon caso a guerra não o faça. Eis que o sinal de fogo que simbolizaria a
vitória dos aques surge lá longe. Foi anunciado, então, que Agamenon estaria voltando à
Argos. Ele não demorou a chegar, trazendo consigo um troféu da guerra: Cassandra, uma
vidente. Clitemnestra trata, rapidamente, de dar fim em Agamenon e em Cassandra, porém,
antes de morrer, Cassandra tenta mostrar aos anciãos o que o futuro os reserva; não
recebendo a devida atenção, a sacerdotisa morre. Logo em seguida, Egisto amante de
Clitemnestra usurpa o trono de Argos. Frente a alegada ilegitimidade só resta ao coro prever a
vingança de Agamenon por seu filho, Orestes.

Diante de todas as linhas expressivas dessa tragédia de Ésquilo, o fator fundamental


me parece ser a decisão de Agamenon em sacrificar ou não sua filha Ifigênea. Talvez se não o
tivesse feito, o povo perderia totalmente a confiança em seu rei. Independente das
consequências, Agamenon estava disposto a enfrenta-las, bravamente, como um heróis. O
presente do heróis é colocado em prova e seu futuro determinado pelo seu modo de agir.

Será atroz o meu destino se resisto", falou o mais idoso dos reis;
"será atroz, também, malar minha filha, adorno, encantamento do
palácio meu, manchando minhas mãos de pai com sangue do
sacrifício de uma virgem inocente. Qual dos caminhos me trará agora
mágoa menor? Será possível nesta hora abandonar de vez a
expedição traindo tantos e tão prestes aliados? De certo está com
eles a justiça se querem decididamente o sacrifício capaz de os
ventos nos trazer, propícios, embora tenha de jorrar sangue puro!
Que possa ser para o bem.
Esse trecho por si só denuncia o caráter do gênero da tragédia. Agamenon fica entre duas
alternativas inconcebíveis mas tem que optar por uma delas. Além disso, esse foi um pequeno
exemplo, porém poderíamos usar outros trechos da obra que o caracterizaria como tragédia,
afinal, Aristóteles afirma, ainda sobre a tragédia que “A tragédia clássica deve cumprir, ainda
segundo Aristóteles, três condições: possuir personagens de elevada condição (heróis, reis,
deuses), ser contada em linguagem elevada e digna e ter um final triste, com a destruição ou
loucura de um ou vários personagens sacrificados por seu orgulho ao tentar se rebelar contra
as forças do destino.” (ARISTÓTELES, 1987:228).
Sendo assim, Personagem de elevada condição: Zeus, por exemplo. “Foi Zeus quem dirigiu a
punição, pois é inconfundível o sinal que deixa em sua obra a mão divina. Pensar é para Zeus é
igual a agir. Afirmam uns que os deuses não vigiam os descuidosos de dever sagrado; são
pensamentos atrevidos, ímpios!”
Linguagem elevada: pode ser percebido em qualquer trecho da obra.
Final triste: Ou tu, que assassinaste o próprio esposo, tu o farás, terás o atrevimento de
completar entre muitos soluços o teu nefando, abominável crime com atos de fingida piedade
endereçados ao espectro dele, com a intenção agora manifesta de minorar esta injustiça
enorme? E quem há de fazer-lhe nesta hora um elogio fúnebre adequado, chorando o grande
herói com fáceis lágrimas e o coração sinceramente triste?

Você também pode gostar