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_  I ndústria química

Casa
de Polímeros substituem tijolos de argila e
dormentes de ferrovias — Evanildo da Silveira

plástico

D
escoberto em 1872, o policloreto de São 10 tipos de perfis, cada um com uma função
vinila, conhecido como PVC, come- específica. O mais usado em uma construção é o
çou a ser produzido industrialmente chamado módulo I, que tem 20 centímetros (cm)
na década de 1920 nos Estados Unidos de largura e 8 cm de espessura e altura variável de
e na de 1930 na Europa. Feito a partir acordo com o pé-direito da casa. Há ainda o mó-
do sal de cozinha (cloreto de sódio) e de deri- dulo multifuncional, de 8 por 8 cm, empregado
vados de petróleo, hoje é um dos plásticos mais nos cantos e nas divisórias. O único que fica visível
usados no mundo em tubos, conexões e tapetes depois da moradia pronta é o perfil de acabamento,
de banheiro, brinquedos, bolsas de sangue e soro. que encobre os outros, tanto no interior como no
Mais recentemente ele passou a ser usado para exterior, e tem a mesma função do reboco.
substituir tijolos e outros materiais. É o caso de O presidente da Global Housing, Gilberto Fer-
uma tecnologia para construção de casas com nandes, conta que a ideia de desenvolver o concreto
paredes de PVC desenvolvida em parceria pela PVC surgiu há seis anos, inspirada numa tecnologia
Braskem, Dupont e Global Housing, empresa semelhante existente no Canadá, onde há pelo me-
brasileira com sede em Santa Catarina. nos duas empresas do ramo. Existem ainda outras
Batizado de sistema construtivo em concreto similares na Austrália, México e Venezuela. “Num
PVC, ele emprega perfis ou módulos desse tipo primeiro momento, nós desenvolvemos a ideia,
de plástico encaixados uns nos outros e preen- aprimorando e adaptando a tecnologia às condi-
chidos com concreto. As vantagens são que a casa ções ambientais e climáticas brasileiras”, explica.
pode ficar até 20% mais barata, comparando-se “O segundo passo foi criar uma formulação, para
com as de alvenaria, e é construída de forma mais fabricar os módulos.” É aí que entram a Braskem
rápida, levando oito dias para ficar pronta ante e a Dupont. A primeira fornece a resina de PVC e
três meses de uma residência convencional de a segunda o dióxido de titânio, que são usados na
40 metros quadrados (m2). composição da fórmula que dá origem aos perfis.

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Engenharia

De acordo com o responsável pelo desenvol-


vimento de negócios de PVC da Braskem, Mar-
cello Cavalcanti, a empresa fornece o produto,
em forma de pó, que depois é fundido na fábrica
da Global Housing com os outros componentes
da formulação. São cerca de 300 toneladas por
mês. Além do reboco, o PVC dispensa pintura e
revestimento. A cor branca é dada pelo PVC e pelo
dióxido de titânio, substância que também pro-
tege contra os raios ultravioleta do sol, evitando
microrrachaduras e escamações do plástico, pre-
servando o desempenho mecânico e aumentan-
do a durabilidade do produto. “Mas se o dono da
casa quiser pintá-la de outra cor, pode”, garante
Fernandes. “Assim como aplicar ladrilhos, azu-
lejos ou grafiato [revestimento decorativo]. Na
verdade, é tudo como numa casa convencional.”
Além dessas vantagens do PVC, que é um tipo
de polímero reciclável, Fernandes cita outras,
como a resistência à chuva, vento e maresia. “Es-
se plástico é imune à ação de fungos, bactérias,
insetos, roedores e à maioria dos reagentes quí-
eduardo cesar

micos”, enumera. “Sem falar que é um bom iso-


lante térmico, elétrico e acústico; impermeável Química
Sistema construtivo inovador
3 concreto módulos
2 Ferro As paredes são São 10 tipos de
Barras de ferro preenchidas perfis plásticos,
são colocadas no com concreto um para cada
meio das paredes função
e nos cantos

1  PVC

infográfico (3D) nana lahoz  fotos eduardo cesar


Módulos
pré-fabricados
de PVC são
encaixados
para formar
as paredes

a gases e líquidos; não propaga chamas creto PVC equivale ao de uma tradicio-
e é totalmente reciclável.” Quanto à casa nal – algo entre R$ 800,00 e R$ 850,00,
em si, o presidente da Global Housing
diz que ela tem paredes com espessu-
ras menores que as tradicionais – não
20 mil dependendo da região do país. “Mas no
final da obra há uma economia de cer-
ca de 20%, principalmente por causa da
mais que 8 cm –, o que gera um ganho metros menor necessidade de trabalhadores”,
de até 7% na área útil. Elas também não diz Fernandes. Também contribui para a
racham nem estufam, não deformam e
quadrados redução do preço de uma casa de PVC a
não absorvem água. de casas facilidade de gerenciamento e padroni-
A construção da casa não exige mão zação dos processos construtivos
de obra especializada, apenas treinada.
já foram Depois do desenvolvimento da tecno-
De acordo com Fernandes, essa tecno- construídos logia, a empresa catarinense buscou a cer-
logia é uma forma inovadora e rápida de tificação e homologação de seu sistema
construir, em escala industrial, diferentes
com esse construtivo em órgãos públicos. Para isso
tipos de edificações de alta qualidade, sistema contou com o auxílio da Braskem. “Nós
com pouco uso de madeira e água e des- ajudamos a Global Housing a conseguir
perdício mínimo de materiais. O projeto toda a certificação técnica para concreto
de uma moradia de concreto PVC começa das paredes, a cada 80 cm, no piso são PVC”, conta Cavalcanti. De acordo com
como os outros, tradicionais. O piso pode fixadas pequenas barras de ferro com ele, a legislação da construção civil no
ser uma laje de concreto (chamada de 60 cm de altura. Todas ficam por dentro Brasil só permite que novas modalidades
radier), que servirá como principal apoio das paredes feitas com os módulos, que e tecnologias de edificações se beneficiem
para as paredes de PVC. A Global Hou- depois são preenchidas com concreto. de financiamentos da Caixa Econômica
sing verifica o projeto e, de acordo com Após 24 horas secando, a casa está pronta Federal se passarem pelo Sistema Nacio-
ele, fornece o kit para a montagem da para a colocação das portas e janelas e nal de Avaliação Técnica (Sinat). Também
casa. No canteiro de obras basta montar do telhado. Por esse sistema podem ser conhecido como diretriz Sinat, é uma ini-
os perfis, seguindo o projeto e as especi- erguidas edificações com até dois anda- ciativa da comunidade técnica nacional da
ficações. Não há colunas propriamente res – térreo mais o andar de cima –, como construção civil que direciona a avaliação
ditas, mas nos cantos e no meio de cada sobrados, por exemplo. do produto e é organizado pelo Ministé-
parede é colocada uma barra de ferro, Em termos de custo, o preço do metro rio das Cidades. O objetivo é uniformi-
do piso até o teto. Além disso, ao longo quadrado de uma construção com con- zar e avaliar novos produtos e sistemas

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construtivos colocados no mercado e visa quiosques de praia”, conta Fernandes. zido a partir de plásticos recolhidos do
obter o Documento Técnico de Avaliação “Hoje produzimos em torno de 400 mo- lixo, como rebarbas de fraldas descartá-
(DATec), um certificado que homologa e radias por mês. A previsão é ampliar esse veis, recipientes de óleo combustível e de
comprova a qualidade. Por isso, abre as número para mil.” A Global Housing vai detergente e sacos de embalagem.
portas para programas habitacionais fi- aumentar o número de fábricas em 2012, A Wisewood iniciou suas atividades
nanciados com recursos públicos, como abrindo unidades, nos estados do Rio de com a fabricação de dormentes polimé-
o Minha Casa Minha Vida. Janeiro, Alagoas e Piauí. ricos para atender a MRS Logística e sua
O sistema construtivo concreto PVC necessidade de substituição de
da Global Housing passou pela fase do dormentes de madeira. “De-
Sinat. Foi analisado pelo Centro Tecno- senvolvemos então uma pe-
lógico do Ambiente Construído (Cetac) ça de alta tecnologia e enge-
do Instituto de Pesquisas Tecnológicas Plásticos retirados dos nharia, para atender a todas
de São Paulo (IPT), onde foi feito o acom- as especificações e à enorme
panhamento do sistema de montagem e lixões são transformados resistência mecânica que este
ensaios de envelhecimento acelerado dos mercado exige”, conta o dire-
painéis, além de verificação da resistência em madeira polimérica tor comercial da companhia,
a impactos, fogo e isolamento acústico. Diego Gevaerd. “Foi um su-
“Nessa fase o produto foi considerado cesso total e hoje nossos dor-
com bom potencial de desempenho para mentes à base de WPC já es-
a construção de casas térreas e sobrados, tão em teste nas outras duas
isolados ou geminados”, disse Luciana gigantes do setor de ferrovias:
Oliveira, pesquisadora e chefe do La- Vale e All.”
boratório de Componentes e Sistemas Com o tempo, os dormentes
Construtivos do Cetac. “Isso significa deram origem a novas tecnolo-
que ele pode receber financiamento da Atuando em outro ramo de mercado, gias e produtos como tábuas e mourões.
Caixa”, explica Cavalcanti, da Braskem. a empresa Wisewood igualmente faz do De acordo com Gevaerd, hoje a empresa
Mesmo antes da diretriz Sinat a empresa plástico seu principal negócio. A empresa recolhe em aterros sanitários e lixões, por
conseguiu conquistar uma fatia do mer- criada em 2007, com sede em Itatiba, no meio de cooperativas de catadores, su-
cado imobiliário. Desde que as casas de interior de São Paulo, fabrica a chamada cateiros e das próprias indústrias, cerca
PVC começaram a ser comercializadas madeira plástica, usada na produção de de 1.800 toneladas de plástico por mês,
há um ano, foram construídos 20 mil m2 dormentes de estradas de ferro, decks, basicamente polipropileno e polietileno.
delas no Brasil. “Elas revestimentos, pallets, módulos, bancos, São os chamados plásticos duros, que, adi-
são de diversos tama- lixeiras e rodapés. Trata-se na verdade de cionados a fibras naturais, passam por um
Casa pronta nhos, além de creches, um composto denominado tecnicamente processo industrial, dando origem a um
na Du Pont, escolas, sobrados e até wood plastic composition (WPC), produ- material idêntico à madeira. “Transforma-
em Barueri (SP):
mos o que chamam de ‘lixo’ em produtos
demonstração
acabados, com aplicações industriais”, or-
gulha-se Gevaerd. “Hoje atuamos em nível
nacional, mas estamos iniciando ativida-
des em novos mercados no exterior.”
Ele garante que a madeira plástica po-
de ser manuseada como a natural. Com
as mesmas ferramentas ela também pode
ser cortada, colada, furada, parafusada,
pregada e torneada à vontade. Além dis-
so, tem uma série de outras vantagens.
“É inerte e impermeável, imune a pragas
como fungos e cupins, permite ser lavada
e não necessita de certificados de fumi-
gação”, enumera Gevaerd. “Além disso,
não precisa de tratamento algum (custo
zero de manutenção) e não solta farpas.
Sem falar que evita o desmatamento de
nossas florestas e uso de madeira de re-
florestamento e é uma solução sustentá-
vel, por ser um material 100% reciclado
e reciclável.” n
Assista ao vídeo com a montagem dos perfis de
plástico em www.revistapesquisa.fapesp.br

pESQUISA FAPESP 190  _  79

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