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Por
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Thomas Kuhn. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Editora Perspectiva.
1962/1992
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François Lyotard. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1979/2000
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Karl Popper. Logik der Forschung. Akademie-Verlag, Berlin 2004/1935
Fonte: Blog do Sociofilo (https://blogdosociofilo.wordpress.com/)
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últimas décadas e na esteira do sucesso do “construtivismo radical” , uma
palavra fez entre os cientistas sociais uma carreira inédita: a desconstrução.
Estamos fora da ciência. Em vez disso estamos, p.e., frente a uma árvore
florescente e a árvore está na nossa frente. Ele apresenta-se. A árvore e nós
apresentamo-nos um para o outro, enquanto ela está aí e nós estamos na frente
dela. Nessa relação, colocado um em frente ao outro e para o outro, somos a
árvore e nós. Então, não se trata nessa apresentação de representações que
circulam pela nosso cabeça. Paramos um instante, como se nós quiséssemos
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Ernst von Glasersfeld é considerado, ao lado do bio-físico e cibernético Heinz von Förster,
fundador do “construtivismo radical”, mais tarde ampliado e aprofundado por Humberto
Maturana Francisco Varela na biologia, neurologia, e áreas afins. Neste texto focamos no
conceito da “desconstrução” empregado nos contextos do “construtivismo social” que surgiu
independente do “construtivismo radical” mas compartilha com ele a primazia da percepção
sobre a realidade e a inexistência de uma verdade objetiva. O “construtivismo social”, como o
“construtivismo” em geral, abrange autores bastante heterogéneos, que frequentemente têm
pouco incomum. O uso das palavras “construção” e “construtivismo”, na área das ciências
humanas contemporâneas, não passa frequentemente do seu sentido metafórico.
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Edmund Husserl. Die Idee der Phänomenologie. Gesammelte Werke, vol 2, Haag: Martinus
Nijhoff, 1958 (1907)
Fonte: Blog do Sociofilo (https://blogdosociofilo.wordpress.com/)
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puxar fôlego antes e depois de um salto. Agora saltamos mesmo, para fora da
área comum das ciências e ainda mais, como mostra-se agora, da filosofia. E
para onde pulamos? Será para dentro de um abismo? Não! Mas ao chão, no qual
vivemos e morremos, se não queremos iludir-nos. É uma coisa curiosa ou,
melhor, uma coisa estranha, que temos de saltar primeiro ao chão no qual nós já
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estamos. (Heidegger, 1954/1984:16)
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Martin Heidegger (1984) Was heisst denken? Tübingen: Niemeyer, p.16; primeira edição:
1954. Tradução minha, FJB.
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Martin Heidegger, Grundprobleme der Phänomenologie, GA 24, pp. 31
Fonte: Blog do Sociofilo (https://blogdosociofilo.wordpress.com/)
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Podemo-nos até perguntar até qual ponto a crise do marxismo acadêmico está,
mais uma vez, na raiz da regressão pré-marx da esquerda intelectual europeia. É
frequente, já em gerações acadêmicas anteriores, responder às frequentes crises
do marxismo, crises tanto teóricas como políticas, com uma tentativa de
reanimar o “método de Marx”, por sinal a dialética hegeliana, para recompor o
sentido original do próprio marxismo. No debate sobre os futuros caminhos da
social-democracia alemã, nos anos noventa do séc. XIX com orientação
marxista, podemos registrar uma primeira tentativa nessa direção. Eduard
Bernstein opõe-se com toda razão aos argumentos “revolucionários” da ala
esquerda do partido dizendo:
Mas, as tentativas de buscar apoio em Hegel quando Marx está em apuros, não
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param por aí. De Lukacz , ao Ernst Bloch e Jean-Paul Sartre vão as tentativas
de flexibilizar ou relativizar dialeticamente o determinismo econômico contido
em Marx, fazendo frente à coisificação (Verdinglichung) e alienação
(Entfremdung), tentativas que tem um desfecho grandioso e melancólico na
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“dialética negativa” de Th.W.Adorno . Pois, junto com o próprio marxismo em
declínio enfraqueceu também a tradição dialética, evocada em seu apoio. Outras
fontes mais vivas tinham que ser abertas para alimentar o projeto da superação
do status quo, tanto do “capitalismo” como do “patriarcado” ou, em geral, da
ordem social ocidental preestabelecida. Politicamente é mais do que curioso que
o mal afamado Heidegger começou a ser referência filosófica, principalmente
entre jovens franceses como Foucault e Derrida e toda uma geração em volta.
Enquanto Adorno celebrava seu desprezo pelo homem da floresta negra no
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Bernstein, Eduard (1973) Die Voraussetzungen des Sozialismus und die Aufgaben der
Sozialdemokratie. J. H. W. Dietz Nachf. Bonn, Bod Godesberg, 1973.
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Georg Lukácz. Geschichte und Klassenbewusstsein. Studien über marxistische Dialektik
Berlin: Malik, 1923
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Ernst Bloch. Subjekt-Objekt. Erläuterungen zu Hegel. Frankfurt: Suhrkamp, 1962
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Jean-Paul Sartre. Critique de la raison dialectique. Paris: Gallimard, 1960
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Theodor W. Adorno. Negative Dialektik. Frankfurt: Suhrkamp, 1966
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“Jargão da Autenticidade”, descobriram os franceses que Heidegger e sua
ontologia fundamental continham uma mensagem importante: o Ser é
contingente e passa sua contingência para todos os entes existentes.
O fato que algo é como é, mas também, poderia ser diferente, assusta aqueles
que percebem a ameaça à qualquer ordem que essa mensagem também
transmite. No mínimo, a descoberta da contingência inspira cuidado com as
formas ordenadas e sensibiliza para a fragilidade daquilo que se cristalizou em
longos processos históricos. Para aqueles, interessados na variação,
transformação, mudança, ruptura, revolução etc. era o que faltava, depois da
ressaca marxista e sua dialética bipolar, para dar asas à imaginação. O próprio
Derrida mostrou mais do que uma vez descontentamento com a leitura dos seus
escritos, em especial com a carreira do conceito da “desconstrução” que ganhou
cada vez mais vida própria, independente do seu autor.
Com certa necessidade e coerente com o “Ser e Tempo”, Heidegger vai “parar”
(Innehalten) e “morar” (Wohnen) perto, todavia distante, daquilo que é o mais
importante: o Ser. Difícil não ver nisso uma postura mística, no sentido
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Theodor W. Adorno. Jargon der Eigentlichkeit. Frankfurt: Suhrkamp, 1964
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Jacques Derrida. Spectres de Marx. Paris: Éditions Galilée, 1993 cit. Seg. ibd. Marx
Gespenster. Frankfurt: Suhrkamp, 2004
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Martin Heidegger. Sein und Zeit. Tübingen: Niemeyer, 1993 (1927)
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Martin Heidegger. Der Satz vom Grunde. Neske: Pfullingen, 1957
Fonte: Blog do Sociofilo (https://blogdosociofilo.wordpress.com/)
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Apesar da postura diferente também ele (Derrida) somente mistifica (...); ele
desvincula o pensamento essencial, desconstrutivista, da análise científica e
pára na adoração (Beschwörung), usando fórmulas vazias, de uma autoridade
indefinida. Essa não é, portanto, a autoridade do Ser descoberto dos entes, mas
a autoridade de uma Escrita não mais Sagrada, uma escrita exilada, errante,
alienada do seu sentido próprio, uma escrita testemunhando a ausência do
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sagrado (Habermas, 1988:214) .
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Entender a polifonia de um texto como as várias dimensões ou camadas do seu
conteúdo - afinal, posso ler um texto sob ângulo histórico, psicológico, estético
etc. - está na longa história da leitura, da interpretação, da exegese. O que une
nesse caso as “múltiplas vozes” é o próprio texto que não se multiplica, pois
continua sendo o mesmo e único texto. Habermas, quando fala da “unidade da
razão na multiplicidade das suas vozes”, aponta nessa direção, ora se referindo
ao grande “texto” da comunicação. Se perdermos o texto - o único e específico
texto - como referência, perdemos todas as coordenadas. Uma espécie de
dissociação cognitiva tomaria conta do leitor que seria incapaz de associar o que
ele escuta daquele que fala; muito menos consegue recompor as vozes diferentes
e temporariamente dissociadas para descobrir o sentido (multifacetado) desse
mesmo texto. Uma compreensão errônea da contingência que diz “tudo é
possível!” contribui para uma leitura dissociada dos fenômenos. Não é “tudo”
que é possível, somente muito mais do que nós geralmente imaginamos. A
contingência dos entes, sejam eles artefatos, pedras, plantas, elementos
químicos etc. manifesta-se dentro de padrões das suas possibilidades
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Jürgen Habermas. Überbietung der temporalisierten Ursprungsphilosophie: Derridas Kritik
am Phonozentrismus. In: Der philosophische Diskurs der Moderne. Frankfurt: Suhrkamp, 1988
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O conceito da polifonia migrou da música para a ciência literária. Assim empregado por
Mikhail Bakhtin: Probleme der Poetik Dostoevskijs. Hanser: München 1971
Fonte: Blog do Sociofilo (https://blogdosociofilo.wordpress.com/)
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(Heisenberg, 1989/1939) . Uma abertura conceitual grande demais, uma
variação interpretativa arbitrária e inadequada, produz somente ruído e não
detecta as possibilidades reais (!) que algum fenômeno específico tem.
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Werner Heisenberg. Ordnung der Wirklichkeit. München: Piper, 1989/1939
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Niklas Luhmann. Die Gesellschaft der Gesellschaft. Frankfurt: Suhrkamp, 1997
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Veja também as nossas explicações mais detalhadas em: Heidegger como crítico da técnica
moderna. In: Brüseke, F.J. A técnica e os riscos da modernidade. Florianópolis: Editora da
UFSC, 2001; p.57-114
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Martin Heidegger (1994) Die Frage nach der Technik. In: M.Heidegger. Vorträge und
Aufsätze. 1.ed. 1954, Stuttgart: Neske; p.21
Fonte: Blog do Sociofilo (https://blogdosociofilo.wordpress.com/)
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Desocultar o Ser significa deixar sempre algo no escuro. O Ser nunca revela-se
na sua plenitude. Esse tema ganha na fase da filosofia tardia de Heidegger suma
importância, porque confronta o filósofo com esse resto inexplicável do real, que
já Schelling caracterizou como algo que fica sempre inacessível para as nossas
interpretações racionalizantes, ocultado no fundamento do Ser. “Isto é a base
não-entendível da realidade nas coisas, o resto sobrando e inexplicável, aquilo,
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(...) que fica eternamente no fundo” (Schelling, 1964:30) .
Seja o que for, por que o sucesso do conceito de desconstrução? Vendo quem
usa e onde aparece o conceito, temos um “rastro” para uma possível resposta.
Primeiro: a desconstrução migrou desde sua criação, mais do que cinquenta
anos atrás, do seu uso entre os sofisticados filósofos franceses, para a militância
política, hoje geralmente de pouco conhecimento filosófico. Em geral, a origem
do conceito de desconstrução e o significado que Derrida atribui a ele, são
desconhecidos. Houve um evidente deslocamento da desconstrução de Derrida
para a “desconstrução” usada em contextos construtivistas e pós-modernos.
Aliás, até o “construtivismo”, como ele se apresenta por exemplo nos debates
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Schelling, F.W.J. (1964) Über das Wesen der menschlichen Freiheit. [Sobre a essência da
liberdade humana]. Stuttgart: Reclam, p.30
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Peter Sloterdijk. Derrida ein Ägypter. Frankfurt: Suhrkamp, 2007
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Já Max Scheler diz no prefácio da obra: “Certo, construção é uma palavra dura,
ainda mais na boca de fenomenólogos. Quem constrói aqui? A realidade social
mesma ou o sociólogo?” (Scheler, 2007:XV). Essa “palavra dura” é o que seduz
hoje, meio século depois, “construtivistas radicais”, que colocam
Berger/Luckmann na fila dos antecessores da sua maneira de interpretar a
realidade; o que é realmente e facilmente motivo para grandes
desentendimentos ... se conhecemos somente o título da obra. É tarde demais
para esse empreendimento, mas, para evitar associações errôneas, seria melhor
pensar em outro título para este importante livro. Já “A constituição social da
realidade” evitaria o pior, melhor ainda seria “A constituição social do
cotidiano”. O conceito “construção” mesmo tem tão pouca importância no
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Max Scheler. A situação do homem no mundo. Lisboa: Edições 70, 1928/2005
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Karl, Mannheim. Ideologie und Utopie. Frankfurt: Vittorio Klostermann, 1929/1995
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Alfred Schütz. Der sinnhafte Aufbau der sozialen Welt. Frankfurt: Suhrkamp, 1932/1993
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Emile Durkheim. Die Regeln der soziologischen Methode. Frankfurt: Suhrkamp, 1895/1984
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Berger, Luckmann (1963/2007) Die gesellschaftliche Konstruktion der Wirklichkeit.
Frankfurt: Fischer 2007
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Arnold Gehlen. Der Mensch: Seine Natur und seine Stellung in der Welt. Wiesbaden:
Aula-Verlag, 1986
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Karl Marx. Ökonomisch-philosophische Manuskripte. In: Karl Marx. Texte zur Methode und
Praxis 2: Pariser Manuskripte 1844. Hamburg: Rowohlt, 1968
Fonte: Blog do Sociofilo (https://blogdosociofilo.wordpress.com/)
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Butler, Judith. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. Routledge, New
York, 1990
Referências Bibliográficas
Alfred Schütz. Der sinnhafte Aufbau der sozialen Welt. Frankfurt: Suhrkamp,
1932/1993
Arnold Gehlen. Der Mensch: Seine Natur und seine Stellung in der Welt.
Wiesbaden: Aula-Verlag, 1986
Brüseke, F.J. A técnica e os riscos da modernidade. Florianópolis: Editora da
UFSC, 2001; p.57-114
Edmund Husserl. Die Idee der Phänomenologie. Gesammelte Werke, vol 2,
Haag: Martinus Nijhoff, 1958 (1907)
Foucault, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979
François Lyotard. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olímpio,
1979/2000
Jacques Derrida. Spectres de Marx. Paris: Éditions Galilée, 1993 cit. Seg. ibd.
Marx Gespenster. Frankfurt: Suhrkamp, 2004
Jean-Paul Sartre. Critique de la raison dialectique. Paris: Gallimard, 1960
Martin Heidegger (1994) Die Frage nach der Technik. In: M.Heidegger.
Vorträge und Aufsätze. 1.ed. 1954, Stuttgart: Neske; p.21
Max Scheler. A situação do homem no mundo. Lisboa: Ediões 70, 1928/2005
Schelling, F.W.J. (1964) Über das Wesen der menschlichen Freiheit. [Sobre a
essência da liberdade humana]. Stuttgart: Reclam, p.30
Thomas Kuhn. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Editora
Perspectiva. 1962/1992