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ARCHAI JOURNAL: ON THE ORIGINS OF WESTERN THOUGHT

12 issn 2179-4960
e-issn 1984-249-X
jan/jun 2014
ARCHAI JOURNAL: ON THE ORIGINS OF WESTERN THOUGHT
Esta publicação está catalogada no Philosopher‘s Index, no PhilBrasil e no Portal de Periódicos da
12 issn 2179-4960
e-issn 1984-249-X
CAPES jan/jun 2014
COMISSÃO EDITORIAL
Gabriele Cornelli (UnB) – Editor Responsável
André Leonardo Chevitarese (UFRJ)
Dennys Garcia Xavier (UFU)
Loraine Oliveira (UnB)
Marcelo Carvalho (UNIFESP)
Maria Cecília de Miranda N. Coelho (UFMG) Infothes Informação e Tesauro
Miriam Campolina Peixoto (UFMG)
Sandra Rocha (UnB)
ARCHAI: Revista de Estudos sobre as Origens do Pensamento
COMISSÃO CIENTÍFICA Ocidental – Archai Journal: on the Origins of Western Thought. N. 12,
Anastácio Borges (Universidade Federal de Pernambuco)
Edrisi Fernandes (Universidade de Brasília)
(janeiro/junho 2014).
Fernando Muniz (Universidade Federal Fluminense) Brasília, 2014 [Impressa e eletrônica].
Fernando Rey Puente (Universidade Federal de Minas Gerais)
Fernando Santoro (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Semestral.
Francesco Fonterotta (Università del Salento, Itália)
Francisco Lisi (Universidad Carlos III de Madrid, Espanha)
Franco Ferrari (Università degli Studi di Salerno, Itália) Título português / inglês
Franco Trabattoni (Università degli Studi di Milano, Itália)
Giovanni Casertano (Università degli Studi di Napoli, Itália) ISSN 2179-4960.
Hector Benoit (Universidade Estadual de Campinas)
Henrique Cairus (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e-ISSN 1984-249X
José Gabriel Trindade Santos (Universidade Federal da Paraíba / Lisboa)
Katia Pozzer (Universidade Luterana do Brasil) 1. Filosofia. 2. História da Filosofia. 3. História Antiga. 4. Literatura.
Livio Rossetti (Università degli Studi di Perugia, Itália)
Luc Brisson (CNRS, Paris - França)
5. Estudos Clássicos. 6. História do Pensamento Ocidental.
Marcelo Boeri (Universidad Alberto Hurtado, Chile)
Marcelo Pimenta Marques (Universidade Federal de Minas Gerais) CDU 101 CDD 100
Marco Zingano (Universidade de São Paulo)
Marcus Mota (Universidade de Brasília)
Maria Aparecida Montenegro (Universidade Federal do Ceará) Catalogação elaborada por Wanda Lucia Schmidt – CRB-8-1922
Markus Figueira (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
Noburu Notomi (Keio University, Japão)
Pedro Paulo Funari (Universidade de Campinas)
Thomas Robinson (University of Toronto, Canadá)
Zélia de Almeida Cardoso (Universidade de São Paulo)

COMITÊ DE REDAÇÃO
Jonatas Rafael Alvares
Rodrigo Araújo
Tiago Nascimento de Carvalho
Gilmário Guerreiro da Costa
Carlos Luciano Coutinho
Ester Macedo
Guilherme Mota

PROJETO GRÁFICO: Annablume Editora


DIAGRAMAÇÃO: Vinícius Viana
IMAGEM DA CAPA: Taigo Meirelles, Platão Cego. Brasília 2013. Obra doada pela Unesco e a Sociedade ANNABLUME EDITORA
Brasileira de Estudos Clássicos ao escritor Luís Fernando Verissimo por ocasião da participação dele no R. Dr. Virgílio de Carvalho Pinto , 554 – Pinheiros
XIX Congresso da SBEC em Brasília. 05415-020 – São Paulo – SP
COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO: Ivan Antunes Tel. e Fax (5511) 3539-0226 – Televendas (5511) 3539-0225
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JORNALISTA RESPONSÁVEL: José Roberto Barreto Lins (MTb 21287)
www.annablume.com.br
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jan/jun 2014
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7 EDITORIAL
Gabriele Cornelli
ARTIGOS
11 O cosmos visível dos diálogos. Algumas observações históricas e filosóficas sobre Platão nas Escolas
da Antiguidade tardia
The Visible Cosmos of Dialogues. Some Historical and Philosophical Remarks about Plato in the Late Antique Schools
Anna Motta
19 O tema da ética de Estado nas aves de Aristófanes
The topic about Ethics of State in comedy “The Birds” by Aristophanes
Tiago Nascimento Carvalho
25 Zenão e a impossibilidade da analogia
Zeno and the impossibility of analogy
Alessio Gava
31 Theòs Anaítios: um comentário sobre A Teodiceia de Platão à luz do Timeu
Theòs Anaítios: A Commentary On Plato’s Theodicy In Light Of Timeu
Jacqueline Bergamini Maretto

41 A função das sensações no processo de conhecimento segundo Heráclito. Primeira parte: o uso
direto das sensações.
The role of sensation in knowledge according to Heraclitus. First part: Direct use of sensation
Celso Oliveira Vieira
51 DOSSIÊ: Platão, conhecimento e virtude
53 Apresentação – José Lourenço Pereira da Silva
Foreword– José Lourenço Pereira da Silva
57 Platão como artista
Plato as Artist
Christian Viktor Hamm
65 Socrates On Virtue And Self-Knowledge In Alcibiades I And Aeschines’ Alcibiades
Sócrates Sobre a Virtude e o autoconhecimento no Alcibíades I e no Alcibíades de Aeschines
77 Francesca Pentassuglio
Conhecimento e virtude no Mênon de Platão
Knowledge and virtue in Plato’s Meno
Franco Ferrari
85 Virtude, engano e conhecimento no Hípias Menor de Platão
Virtue, cheat, and knowledge in Plato’s Lesser Hippias
Francesco Fronterotta
93 Virtude e conhecimento em As Leis
Virtue and knowledge in The Laws
Gérson Pereira Filho
103 Educação, costumes e leis como bases para a promoção das virtudes cívicas no Protágoras e na República
Education, customs and laws as the basis for the promotion of civic virtues in Protagoras and Republic
Guilherme Domingues da Motta
113 Pequeno esboço sobre a prohairesis e a dignidade humana em Epiteto
A Brief Account of Epictetus prohairesis on human dignity
Janyne Sattler
121 Notas sobre a metafórica da pintura na República VI e X.
Notes on metaphorics of painting in Republic VI e X.
Loraine Oliveira
135 Platon et les lois de la nature
Plato and the laws of nature
Luca Pitteloud
143 Goodness And Beauty In Plato
Bondade e Beleza em Platão
Nicholas Riegel
155 Justiça: igualdade e bondade no Platonismo Medieval
Justice: equality and kindness in Medieval Platonism
Noeli Dutra Rossatto
165 A aretê filosófica de Platão sobreposta à do éthos tradicional da cultura grega
Plato’s philosophical aretê superimposed on the aretê of the traditional éthos of the Greek culture
Miguel Spinelli
179 TRADUÇÃO
As Fenícias, de Eurípides (vv. 445-587)
Evandro Luis Salvador
187 NOTAS
Obras Completas De Aristóteles Em Língua Portuguesa
António Pedro Mesquita
193 Novas normas de transliteração de Coimbra
195 RESENHAS
SANTOS, J. T. (2012) Platão: a construção do conhecimento, Paulus, S. Paulo.
Rodrigo Araújo
197 OLIVEIRA, R. R. (2013). Pólis e Nómos: o problema da lei no pensamento grego. São Paulo:
Editora Loyola.
Danilo Andrade Tabone
201 Diretrizes para autores
205 Submission Guidelines

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TABONE, D. A. (2013). RESENHA.


OLIVEIRA, R. R. (2013). PÓLIS E
NÓMOS: O PROBLEMA DA LEI NO
PENSAMENTO GREGO. LOYOLA.
SÃO PAULO.
Danilo Andrade Tabone*

* Mestre em Arqueologia, A obra do filósofo Dr. Richard Romeiro Oliveira


Museu de Arqueologia e
Etnologia da Universidade objetiva explicitamente, através de “reflexões de
de São Paulo
caráter jurídico e ético nas obras de variados auto-
res” (p. 9), fornecer “um panorama dos principais
momentos que marcaram o desenvolvimento [da]
reflexão legal na Hélade. Trata-se, pois, de tentar
acompanhar o nascimento e as principais transfor-
mações ou vicissitudes do pensamento jurídico no
mundo grego” (p. 13, grifo meu). Desde o título se
estabelece a proposta de pensar a relação entre a
noção de nómos (lei) e a emergência da pólis. Este
tema mais amplo é tratado no primeiro capítulo,
‘A formação da pólis e a descoberta da lei escrita’,
onde, em uma abordagem chamada de “histórico-
-genética”, o autor percorre o desenvolvimento das
OLIVEIRA, R. R. (2014). Pólis e Nómos: o problema da lei no pensa-
concepções legais desde o período micênico até a
mento grego. São Paulo: Editora Loyola, 200p. Archai, n. 12, jan-jun,
p. 199-202 DOI: http://dx.doi.org/10.14195/1984-249X_12_20 época clássica, relacionando-as com a origem da
pólis e o desenvolvimento da democracia em Atenas.
Os dois capítulos seguintes tratam mais espe-
cificamente das especulações filosóficas a respeito
da lei no curso do séc. V a.C.: no capítulo 2, ‘A
oposição sofística physis x nómos e a desconstrução
filosófica da ideia de lei’, aborda a oposição entre
esses dois conceitos no pensamento sofista, que
passa a questionar a soberania do nómos como era
até então entendida pelos pré-socráticos, a qual
passa a ser vista como mera criação humana.

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capítulo 3 ‘Lei e racionalidade em Platão’, trata da evidência da Arqueologia, o autor se priva de re-
questão no pensamento político de Platão, onde o conhecer a importância das áreas sacras na divisão
tema aparece como uma resposta que se contrapõe do território público das póleis. Vale lembrar que
à relativização defendida pelos sofistas. na ágora de Atenas estavam as estátuas dos heróis
A partir do título temos uma questão que é epônimos, o altar de Zeus Agoraios, dos Doze Deu-
de ordem histórica/cultural: a emergência da pólis ses, de Ares, entre outros monumentos sacros que
e da noção de nómos. Mas ao reduzir o fenômeno também dominavam a paisagem ao redor, como o
pensamento unicamente àquele presente no discurso Hefesteion e o próprio complexo da acrópole, o que
filosófico, pretendendo, por exemplo, que uma “crise mostra a inconsistência da tese que procura ver a
[da] tradição legalista e nomotética [surja] a partir pólis como um mundo secularizado.
da ascensão do convencionalismo sofístico” (p. 13), Segundo ponto. Nesta imagem de uma pólis
o autor se afasta de uma concepção de pólis como secularizada surge o nómos enquanto norma humana
fenômeno cultural mais amplo. O pensamento no em oposição ao thémis/thesmós como norma de ori-
mundo grego Antigo não se resumia à Filosofia; gem divina; fenômeno que se relaciona com a origem
redução que é estruturada e por conseguinte acaba de uma pólis entendida como uma “comunidade
estruturando uma série de equívocos sobre as cultu- citadina e urbana” (p. 31), onde há descentraliza-
ras gregas Antigas. Esta resenha, por isso, assumirá ção e coletivização do poder. Em outras palavras,
uma posição crítica com relação aos conceitos ado- é afirmado que o surgimento do “direito positivo”
tados tanto para pólis quanto para nómos. se relaciona com a emergência da democracia em
A abordagem “histórico-genética” adotada Atenas, entendida como uma “forma superior de 1. Ao reconhecer um fundo
micênico nos poemas homéricos,
pelo autor no primeiro capítulo, acaba por redundar organização do poder” (p. 41). o autor confunde esse passado
com o “mundo homérico”,
em uma evolução de tipo teleológico, culminando Para Oliveira, o elemento gerador de “mu-
eximindo-se, por isso, de recorrer
em uma secularização/racionalização do pensa- danças no paradigma legalista” (p. 64) rumo à a fontes de época micênica, e
de perceber que o mundo onde
mento grego na Atenas democrática do séc. V a.C. “secularização da lei” foi o surgimento do debate no emergem as póleis nos séculos
Baseado em Jean-Pierre Vernant (1970), o autor contexto democrático, quando o nómos teria passa- IX-VIII a.C., e que se reflete
nos épicos, corresponde a outra
percebe uma pólis aberta a racionalização, com a do a ser entendido como “mero decreto humano”. realidade que não a micênica.
transformação de um “saber secreto de tipo místi- O autor busca sinais dessa mudança de paradigma
1
co” de época micênica/homérica , onde o “direito” no discurso trágico. Em sua análise da Antígona
estava subordinado ao poder do basileús/ánax, em de Sófocles, a presença de um conflito entre dois
um corpo de verdades divulgadas, que passam a ser princípios de justiça (ambos nomeados como nómos)
escritas, constituindo um “direito positivo”. – o direito dos homens (encarnado em Creonte, o
Isto traz alguns problemas que dizem respeito rei de Tebas) e o direito dos deuses e sua Justiça
à natureza da pólis. Como falar em ‘secularização’ (encarnado em Antígona) – é visto como evidência
em Estados que não tem cleros, mas religiões para alegar a secularização da noção de lei. Mas
próprias, que sorteiam seus magistrados (cargos em uma análise mais cuidadosa, onde se considere
que são também religiosos), onde procedimento e a tragédia sofocleana em seu contexto, entende-se
penalidade, inclusive o julgamento e a condenação que o embate acontece entre uma lei ancestral/
por homicídio, são governados pelo medo do miásma divina e a lei de Creonte, que aparece virtualmente
– e não por se conceberem ‘direitos humanos’ – que como tirano (aparecem os termos basileús, ánax e
lapidam anualmente um pharmakós, que processam estratego), este sim, para os atenienses, em con-
por impiedade? (DELCOURT, 1964). Em outras pala- flito com as leis divinas. No diálogo entre Creonte
vras, póleis enquanto comunidades que se definem e seu filho Hemon, este questiona o decreto do pai
pela participação comum de seus membros no culto. afirmando que a “cidade de Tebas” com ele não
E ao falar na emergência de um “espaço público” concordava, [οὕ φησι Θέβης τῆσδ` ὁμόπτολις
como prova de uma “nova forma de sociabilidade”, λεώς] (Soph. Ant. 732), ao que o rei questiona se
secularizada (p. 17ss), mas desconsiderando a a cidade deve dizê-lo como agir [πόλις γἁρ ἡμῖν

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ἁμὲ χρὴ τάσσειν ἐρεῖ;] (Soph. Ant. 733). Então tico – o que, então, não permite que se fale em
Hemon lhe responde que “não há cidade que seja de direito grego, ao modo como é possível falar em
um só” (Soph. Ant. 738-739). Vale lembrar o coro no um direito romano, e o que a citação do De Legibus
início da peça, que ao exaltar os feitos humanos, de Cícero na epígrafe do livro erroneamente sugere.
cita as “leis da cidade”, ἀστυνόμους (Soph. Ant. De toda forma, estudiosos da lei na Grécia
355), a mesma cidade que Creonte não quis ouvir. Antiga como Barbara Agnastou-Canas (2001) e
No final da tragédia descobrimos que os tebanos Ilias Arnatoglou (2003) têm ressaltado o caráter
haviam reconhecido a importância de se observar sagrado dos nómoi também em póleis democráticas,
as leis dos deuses, e que foi Creonte, governando onde se acreditava que as leis eram inspiradas pelos
sozinho, que não a reconheceu. deuses através do debate público – o debate se
Do ponto de vista do ateniense Sófocles está apresenta como elemento de sacralização da lei e
em questão a lei do tirano como um governante não de secularização. Assim como a sua inscrição,
injusto e peremptório, apresentando a tirania como o que Rosalind Thomas (1995) reconhece como uma
um regime nocivo, onde inexiste o debate de ideias, busca por monumentalidade e proteção divina, na
critério tido como essencial para se chegar às leis medida em que se acreditava que o ato de inscrever
justas. Mas esta noção não dá conta do fenômeno as leis em uma pedra as faria desfrutar da mesma
no “pensamento grego” como um todo, primeiro ao respeitabilidade que as normas consuetudinárias,
desconsiderar que a pólis nunca deixou de ser um que não eram questionadas.
mundo essencialmente agrário – e que a urbanização O nómos possuía um caráter de permanência,
de Atenas esteve longe de ser a regra para as demais de substância da norma. Em Atenas, ao seu lado, surge
póleis, o que não as impediu de terem leis escritas outro termo no período Clássico, o psefisma (decreto),
(nómoi) votadas em Assembléias (como as póleis e para se referir a medidas circunstanciais e provisórias,
os éthne da Beócia ou da Arcádia, onde a fundação mas que não poderiam ir contra o estabelecido nos
de Megalópolis para servir de centro da Federação nómoi (AGNASTOU-CANAS, 2001, p. 105). A distinção
foi um fenômeno relativamente tardio, na metade era formal e consistia na diferença em seus respec-
do séc. IV a.C.); também desconsidera o fato de tivos modos de elaboração, assim como nos proce-
muitas póleis nunca terem experimentado o regime dimentos utilizados para controlar sua conformidade
democrático: Cirene, no norte da África, sempre com a nomima (conjunto de leis ou costumes) que
foi uma monarquia; e diversas póleis viveram sob formava a politéia (constituição), a ordem jurídica
regimes oligárquicos, aristocráticos ou em tiranias da cidade (sobre esta discussão, cf. HANSEN, 1978,
durante grande parte de sua história, muitas das p. 315-330), instituída desde as reformas de Drácon,
quais contando com a aprovação de contingentes Sólon e Clístenes – que inclusive eram tidos como
expressivos da população – caso da aclamação homens excepcionais (heróis) e cujas leis, conhecidas
popular de Hieron de Siracusa (Diodoro 11.26.5-6; como thesmoi, estavam acima da mera criação humana
67.2.3; HIRATA, 2010, p. 27) – o que leva a crer (cf. MOSSÉ, 1979). São conhecidos outros casos de
que os gregos viam vantagens também neste tipo leis que buscavam assegurar a permanência da ordem
de governo e que a sua condenação fosse parte de jurídica, evitando a promulgação de leis conflitantes
um discurso construído por pensadores atenienses e a subversão da politéia, como a de Zaleucos em
de época clássica (LEWIS, 2006). Assim, não é Locres Epizefiri (Estrabão. 6.1.8), de c. 663 a.C., ou
possível definir a pólis ou o surgimento de um outra em Elis (Nomina I, 108) do séc. VI a.C. Esta
“direito positivo” exclusivamente pela existência permanência do nómos estava imbuída por uma ideia
de participação política (democracia). de sacralidade: a nomina garantia a estabilidade da
É notável, com isto, que não havia unidade politéia, reflexo da ordem cósmica, a qual uma vez
substancial na experiência jurídica do mundo gre- ameaçada poderia redundar em desequilíbrio, hýbris –
go, mas sim diversidade local – sobre o que Finley que engendra “homens fortes”, caminho para a tirania
(1989) chamou atenção em um ensaio paradigmá- (Teógnis 43-44) – ou uma stásis (51-52), entendida

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como “caos” (Políbio 4.21.4; 21.11), no sentido FINLEY, M. (1989) O problema da unidade do direito grego.
In. Uso e abuso da história. São Paulo, Martins Fontes.
de ‘ausência’ de possibilidade de civilização, que
é justamente o que os thésmoi preservam, “o que GERNET, L. (1968) Droit et prédroit, Droit et ville dans
l’antiquité grecque. In. Anthropologie de la Grèce Antique.
está fixado”. Em certo sentido, o nómos garante as Paris, François Maspero.
condições para que o thésmos/thémis seja observado, HANSEN, M. H. (1978) Nomos and Psephisma in Fourth-
sendo possível a vida civilizada – ao mesmo tempo Century Athens. GRBS, v. 19.
urbana e agrária. HANSEN, M. H. (1993) The Ancient Greek City-State.
Uma das raízes dessa concepção da pólis e da HIRATA, E. F. V. (2010) Monumentalidade e representações
lei provém das fontes consideradas pelo autor. Tal do poder tirânico no ocidente grego. In. Gabriele Cornelli
(ed). Representações da Cidade Antiga: categorias
estudo não pode desconsiderar a evidência literária,
históricas e discursos filosóficos. Brasília, Coimbra, Centro
mas muito menos a da Epigrafia, testemunho privi- de Estudos Clássicos e Humanísticos, Classica Digitalia
legiado – e sem intermediários – que fornece nomes Vniversitatis Coninbrigensis.

de comunidades cívicas e étnicas, textos integrais LEWIS, S. (2006) Ancient Tyranny. Edimburgo, Edimburgh
University Press.
de decretos, tratados e regulações sobre instituições
e festas religiosas, e que permite a consideração MOSSÉ, C. (1979) Comment s’élabore un mythe politique:
Solon, “père foundateur” de la démocratie athénienne.
dos usos, dos significados e das “transformações Annales ESC, v. 34, n. 3.
ou vicissitudes do pensamento jurídico” em uma
MURRAY, O. (1992) Cités des raison. In. Simon Price (ed.).
relação direta com a realidade das póleis. A obra La Cité grecque d’Homère à Alexandre. Paris, La Découverte.
falha, assim, pela ausência de erudição documental POLIGNAC, F. (1997) Anthropologie du politique en Grèce
e filológica, assim como hermenêutica. ancienne. Annales ESC.
Desde a renovação dos estudos sobre a lei por THOMAS, R. (1995) Writing in stone? Liberty, equality,
orality and codification of Law. Bulletin of the Institute
Louis Gernet (1968), o enfoque antropológico, do
of Classical Studies, v. 40, n. 1.
que a análise semântica dos textos e dos termos foi
VAN EFFENTERRE, H.; DEMARGNE, J. (1937) Recherches à
um método profícuo, possibilitou perceber a relação Dréros, II Les inscriptions archaïques. BCH, v. 61.
entre lei e poder como exercido no interior da socie-
VERNANT, J-P. (1970) Origens do pensamento grego. Rio
dade. Por outro lado, não é mais possível que este de Janeiro, Difel.
enfoque desfaça a História (suspendendo o tempo)
e se feche em uma cidade (Atenas), excluindo os
conflitos políticos no interior das póleis. É neces-
sário, assim, pôr de lado a oposição existente entre
pólis como ‘comunidade’ ou como ‘Estado’ (koinónia
ou politéia), em um enfoque antropológico que tam- Artigo recebido em agosto de 2013,
bém considere o político, entendido não enquanto aprovado em novembro de 2013.
práticas específicas, mas como domínio difuso nas
demais instituições sociais, incluso religiosas.

Referências Bibliográficas

ANAGNASTOU-CANAS, B. (2001) Le droit grec: de la


cité classique à l’Egypte hellénistique et romaine.
École Pratique des Hautes Études. Section des Sciences
Historiques et Philologiques, Ano 15.
ARNATOGLOU, I. (2003) Leis da Grécia Antiga. São Paulo,
Odysseus.
DELCOURT, M. (1964) Vernant (J.-P.), Les origines de la
pensée grecque. Revue Belge de Philologie et d’Histoire,
v. 42, n.2.

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