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ENTREVISTA (HTTPS://WWW.NEXOJORNAL.COM.BR/ENTREVISTA/)
É domingo. Em tese, é um dia livre para “passar o tempo” como quiser. O tempo é um só: a
métrica de contagem é igual para todos (segundos, minutos, horas, dias e assim por diante).
O que muda são as impressões sobre o tempo, que variam de acordo com uma série de
fatores, como condições de trabalho, estilo de vida, gênero, idade e relações sociais. Essas
percepções vêm atraindo atenções de especialistas de diferentes áreas, como sociologia
(https://www.nexojornal.com.br/externo/2017/02/14/Por-que-o-tempo-parece-voar.-Ou-
Na cidade de São Paulo, por exemplo, esperar o semáforo fechar para atravessar a rua pode
demorar até 17 minutos (https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/11/1934945-tempo-
de-semaforo-para-pedestre-fica-abaixo-do-previsto-pela-gestao-doria.shtml) na zona leste
(segundo registro do jornal Folha de S.Paulo, em 2017) e pode levar 7 minutos
(https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/03/17/O-que-define-o-intervalo-de-trens-
no-metr%C3%B4-de-S%C3%A3o-Paulo) para o trem chegar na linha prata do metrô (de
acordo com dados consultados pelo Nexo em 2016). Os paulistanos passam 2 horas e 43
minutos (https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2018/09/18/paulistano-demora-
quase-3-horas-por-dia-no-transito-e-88-dos-pedestres-se-sentem-inseguros-diz-
pesquisa.ghtml) por dia se deslocando na cidade, segundo estudo do Ibope Inteligência de
2018 – isso corresponde a 36 dias ao ano perdidos no trânsito.
Mas o que é perda de tempo? Há uma linha tênue entre desperdício de tempo e descanso de
verdade, que é facilmente confundido com distrações, comenta a jornalista Heidi Stevens, em
coluna de setembro de 2015 no jornal americano Chicago Tribune.
“Nós somos inundados por estatísticas e histórias de como somos superocupados e dormimos
pouco. [...] Não é de se admirar, então, que procuremos – e encontremos – maneiras de
relaxar, frequentemente com ocupações que não acrescentam muito às nossas vidas, como
ver fotos do namorado de faculdade no Facebook, jogar Candy Crush e assistir ‘Friends’ na
Netflix. Mas isso é bom ou ruim?”, questiona a autora, que defende a importância de
descansar, o “downtime” (https://www.chicagotribune.com/lifestyles/sc-fam-0825-wasting-
time-20150818-story.html) (tempo de inatividade, em português).
Diferenças entre “perder”, “passar” ou “aproveitar” o tempo são subjetivas e variam segundo
a atual aceleração social do tempo – a leitura deste texto, por exemplo, leva cerca de 17
minutos, o que pode ser considerado “muito” ou “pouco”, “útil” ou “inútil”, a depender da
perspectiva do leitor.
Segundo Turin, atualmente estamos vivendo uma nova onda de aceleração, impulsionada
pelas tecnologias digitais e pelo sistema financeiro internacional. Essa aceleração agora
encontra expressão em palavras como
“eficiência” (https://www.nexojornal.com.br/lexico/2019/04/14/Como-a-capacidade-de-%
E2%80%98fazer-sair%E2%80%99-foi-traduzida-em-palavra), “flexibilidade” e
“produtividade”.
É por isso que nós nos sentimos culpados pela sensação de “perder tempo”, por exemplo, nas
redes sociais. Para Turin, a internet pode ser um convite à procrastinação
(https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/06/06/Procrastina%C3%A7%C3%A3o-
o-h%C3%A1bito-di%C3%A1rio-de-adiar-a-pr%C3%B3pria-vida) e, ao mesmo tempo, um
fator de pressão para produtividade
(https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/05/19/Produtividade-do-brasileiro-%C3%
A9-baixa.-Mas-o-problema-n%C3%A3o-%C3%A9-s%C3%B3-do-trabalhador).
Nas grandes cidades, o ritmo acelerado inspirou a oferta de uma série de serviços para
“economizar tempo”, como aplicativos de entrega de “tudo” -–até uma cápsula de café, como
exemplifica a página do aplicativo Rappi (https://www.rappi.com.br/), disponível no Google
Play. Assim, a aceleração abriu margem para da chamada
“uberização” (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2019/03/euforia-com-aplicativos-
de-servicos-da-lugar-a-frustracao-de-trabalhadores.shtml), expressão do autor britânico-
canadense Tom Slee (https://www.cartacapital.com.br/sociedade/e-possivel-resistir-a-
uberizacao/) para o fenômeno de precarização das atuais condições de trabalho.
“A relação entre aceleração do tempo e precarização do trabalho é algo cada vez mais
estrutural na sociedade. Estamos chegando ao limite fisiológico e psicológico”, disse Turin ao
Nexo.
A aceleração, portanto, não é algo pontual na nossa sociedade, mas seu próprio fundamento.
Todas as nossas instituições e nossa linguagem espelham esse imperativo da aceleração.
Precisamos sempre estar em busca do “progresso”, inovando, intensificando o crescimento
econômico, tecnológico, cultural. Nas últimas décadas, com as novas tecnologias, as
mudanças nas formas de trabalho, a hegemonia do capital financeiro global, esse imperativo
aceleracionista ganhou novas dimensões.
Por que muitas vezes temos a sensação de estar ‘perdendo tempo’, por exemplo, na
internet?
RODRIGO TURIN A sensação de estar “perdendo tempo” se deve à incorporação de um
princípio ético que vincula o tempo à dimensão do ganho, da produtividade. O lema “tempo é
dinheiro” sintetiza essa ideia.
“Perder tempo”, portanto, nos deixa com a sensação de culpa, como se estivéssemos violando
esse imperativo ético. Atualmente, com a intensificação do ritmo de vida, cada vez menos há
a divisão entre o tempo de trabalho e o tempo de lazer, que possibilitava um espaço legítimo
para o ócio (https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/09/05/O-que-significa-ser-a-%
C3%BAltima-gera%C3%A7%C3%A3o-que-viveu-o-mundo-anal%C3%B3gico), o “não fazer
nada”.
A procrastinação (https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/06/06/Procrastina%C3%
A7%C3%A3o-o-h%C3%A1bito-di%C3%A1rio-de-adiar-a-pr%C3%B3pria-vida) é, portanto,
um dos modos de habitar a internet. Ao mesmo tempo em que o meio virtual permite e
mesmo nos cobra uma produção acelerada, ele também nos dispersa com atividades
aparentemente inúteis, que adiam ou atrasam aquela produção. O indivíduo entra na internet
para resolver uma tarefa específica, mas quando percebe já está navegando em uma página
aleatória postada nas redes sociais.
Por um lado, eles nos dão a impressão de uma maior facilidade e rapidez, nos liberando
tempo. Por outro, esse tempo liberado tende a ser “gasto” ou “investido” em novas tarefas,
intensificando ainda mais o ritmo de produção e de consumo. É um ciclo de aceleração.
Cada vez mais serão criadas diferentes demandas de serviços, que serão rapidamente
atendidas por novos prestadores. Esse ciclo de aceleração implica também uma precarização
do tempo, em diferentes sentidos. Primeiro, em função da desregulamentação das relações de
trabalho promovida por esses aplicativos. Baseados na figura do indivíduo como
empreendedor de si (https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2016/11/01/Como-a-
substitui%C3%A7%C3%A3o-do-%E2%80%98trabalhador%E2%80%99-pelo-%E2%80%
98empreendedor%E2%80%99-afeta-a-esquerda), eles não oferecem a segurança das leis
trabalhistas, como férias, por exemplo. Devido à concorrência e ao valor baixo dos serviços,
esses indivíduos precisam se ocupar durante mais tempo com suas atividades.
detalhe, mas essa forma de distanciamento, ou mesmo de alienação, frente aos outros e ao
espaço, produz grandes efeitos sociais, como a falta de empatia ou a perda de sentimento de
coletividade.
Mas essa exaustão atinge de modos diferentes os grupos sociais. A exaustão de um motorista
de ônibus no Rio de Janeiro, que faz bico como motorista de Uber nos finais de semana,
certamente não é a mesma exaustão do executivo que passa a semana na ponte aérea,
conectado com as variações do mercado financeiro global. Eles têm condições e motivações
diferentes.
De todo modo, a relação entre aceleração do tempo e precarização do trabalho é algo cada vez
mais estrutural na sociedade. Estamos chegando ao limite fisiológico, psicológico e climático.
Alguns podem apostar na fase de um pós-humano habitado por inteligências artificiais
(https://www.nexojornal.com.br/explicado/2017/02/07/Intelig%C3%AAncia-artificial-
entre-a-pr%C3%B3xima-revolu%C3%A7%C3%A3o-tecnol%C3%B3gica-e-o-fim-da-
humanidade), capazes de acelerar indefinidamente. Não me parece uma boa aposta. Eu diria
que a questão fundamental hoje é tratar o tempo como um tema central da nossa agenda
política, questionando que tipo de tempo queremos como sociedade. Qual o tempo de uma
boa vida?
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