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O Conceito De Justiça

Amanda de Azevedo – Acadêmica do Curso de Direito do Centro universitário Estácio Uniseb

Bianca Maia da Freiria – Acadêmica do Curso de Direito do Centro universitário Estácio


Uniseb. email - bi_maiaf@hotmail.com

Camila Maria Barbosa Lemos - Acadêmica do Curso de Direito do Centro universitário


Estácio Uniseb- email - cahh_lemos12@hotmail.com

Guilherme Guerrera de Almeida – Acadêmico do Curso de Direito do Centro universitário


Estácio Uniseb – email - guilhermeguerrera@yahoo.com.br

Isadora Silva Merege Vieira – Acadêmica do Curso de Direito do Centro universitário Estácio
Uniseb isadora@lag.adv.br

Resumo
O presente trabalho tem o intuito de analisar, ainda que com brevidade, a compreensão
acerca do tema Justiça segundo diferentes linhas de pensamento. Nele serão expostos diversos
pontos de vista, investigando o entendimento acerca do conceito de Justiça, evidenciando
desdobramentos sociais relacionados ao tema.

Palavras-chaves: Justiça; Direito; Relação; Moral; Igualdade; Estado; Eurocentrismo.

Introdução
Este trabalho apresenta possíveis conceitos de justiça edificados por diversos juristas e
filósofos do tema, evidenciando também, neste, o conceito de direito. A seguir, será revelado o
problema da justiça quanto à desigualdade de classes, o que não é proposto na própria ideia de
justiça. Além disso, é esclarecida a grande influência da religião na construção de seu conceito.
Destaca-se, ainda, a formação da ideia de justiça no Brasil, com grande destaque à influência
europeia.
O objetivo deste trabalho é levar ao leigo conhecimento acerca do tema, apontando os
principais desdobramentos no campo social. Através de definições e comparações do antes e do
depois, esta atividade consegue apontar ambiguidades e certas situações que são equívocas, se
juntadas ao verdadeiro sentido e significado da palavra justiça.

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1 O Que É Justiça?

O conceito de justiça é para nós extremamente relativo e amplo. O homem, durante


séculos, sempre tentou colocar em prática a justiça em suas relações sociais e dentro da
sociedade. Porém, indaga-se: como colocar em prática algo sem uma definição concreta ou
unânime? Devido a este problema de conceituação, a justiça muitas vezes, saiu de sua ideia
principal e universal (relacionada à igualdade e moral), e foi para campos estrangeiros, atingindo
patamares que apenas certas civilizações conseguiam compreender como e por que tal fato se
enquadrava como justo, baseado em princípios enraizados em seus hábitos e costumes.
Cada povo define justiça de uma maneira, de acordo com a sua cultura e seus
pensamentos, e cada tempo tem sua concepção de justiça ligada às circunstâncias do momento.
O ser humano tem sua consciência alterada ao longo dos tempos, os valores estão em constante
mudança, e junto a eles, concepções como justiça e moral são alteradas, acompanhando o
pensamento coletivo.
Na Grécia Antiga, a justiça era dividida em duas vertentes: uma primeira que dizia que a
justiça era um bem político, emanado do Estado e, a segunda, que a justiça era uma virtude
individualizada inerente ao ser humano, a qual se revela nos hábitos e costumes de cada
indivíduo. Conforme Aristóteles propunha, “a atividade do homem (na ética, o seu agir) revela
e ao mesmo tempo constitui o seu modo de ser (o seu caráter), explicitando-se a circularidade
constitutiva entre ser (estar constituído com um determinado caráter) e o agir.” (ARISTÓTELES,
2001). Esta citação do filósofo grego diz respeito à justiça individualizada, aquela é intrínseca a
cada ser humano.
No Império Romano, a justiça foi extremamente ligada à ideia grega acerca do tema
(inclusive pela grande influência cultural que os gregos tinham sobre os romanos). Ela era
representada através da deusa Iustitia, que ficava em pé (e permanece assim no decorrer da
exposição do direito), de olhos vendados (a fim de firmar a ideia de imparcialidade, mostrando
que todos são iguais perante à lei), segurando uma balança (iniciativa da busca de igualdade, de
equilíbrio entre as forças) e com uma espada (para anunciar sua atuação rigorosa para imposição
da decisão justa). Desta maneira, os romanos pretendiam atingir a prudentia, o equilíbrio e a
harmonia entre o ideal e o concreto.
Na Idade Média, a concepção de justiça foi considerada algo próximo do concreto, por
ligar tudo que era justo a Deus. Este, como sendo um Ser divino e perfeito, definia a justiça
através das ordens emanadas da Igreja Católica Apostólica Romana. Tudo que existia rondava o

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Templo Cristão; todos atos cometidos eram avaliados por uma das maiores autoridades, o Papa,
e assim, tendo seu ato julgado como justo ou não. Os filósofos desta época são religiosos e suas
teorias tendem a afirmação do celeste, carregando a marca medieval. Exemplo, Santo Agostinho,
grande figura da época, que baseou sua filosofia em buscar a verdade vinda de Jesus Cristo.
Contemporaneamente, diversos jus filósofos, baseando seus ideais e princípios na
modernidade, construíram teses e estudos sobre o comportamento humano, observando que,
tecnicamente, ninguém diz o que é justiça. Edifica-se teorias que sustentam o sentido do relativo
da ideia de justiça. Para Kelsen a ciência “não tem de decidir o que é justo, isto é, prescrever
como devemos tratar os seres humanos, mas descrever aquilo que de fato é valorado como justo,
sem se identificar a si própria com um destes juízos de valor” (KELSEN, 1984). Kelsen, grande
jurista moderno, ainda ressalta que a justiça é um julgamento subjetivo de valor e que nem a
própria ciência consegue explicar o que é a justiça.
Tecnicamente, não existe uma entidade que dita o que é justiça. No Direito, o juiz apenas
atua conforme o que está previsto na Constituição Federal, mas ninguém pode garantir ou
assegurar que o que está positivado é justo. Como na Segunda Guerra Mundial, o Holocausto
contra diversos povos estava na lei e era considerado ético. Usar o Estado para discernir justiça
é arriscado, tendo em vista que o pensamento social muda, e o direito, sempre acompanhado da
justiça, deve mudar.
Merece destaque duas vertentes teóricas que tentam dar uma direção ao sentido da justiça.
A primeira relaciona justiça com equidade, através da perspectiva utilitarista (relacionando a
justiça ao dizer que esta está diretamente ligada a valores, como regras morais e imparcialidade,
que ditam igualdade e obrigações justas). A segunda, mostra que a justiça está ligada a um
conceito de bem-estar social, o welfare state, bastante aplicada pelo jurista Ronald Dworkin
(DWORKIN, 2005).

2 Cultura e Paradigmas Sociais


Como já foi relatado, o pensamento social muda; as pessoas vivem em constante
mudança e têm suas consciências e seus valores morais renovados e modernizados de acordo
com o evoluir dos anos. De maneira empírica, basta observar como os grupos que antes não
possuíam direitos quaisquer assegurados pelo Estado, estão crescendo e se tornando cada vez
mais influentes através de mobilizações sociais. Isso devido a uma certa conscientização popular,
a qual a sociedade aceita devagar respectivos valores.

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Porém, de uma maneira psicológica, o ser humano desde sempre carrega certos aspectos
morais e princípios éticos junto a ele. Princípios estes que formam a cultura dos povos e o modo
como as pessoas agem, como elas pensam, como elas vivem (por mais que tenha diversas
mudanças sociais).
Esta cultura enraizada na sociedade, carregada de princípios considerados morais,
excluem uma parcela da sociedade. O início da mudança social não é o suficiente para agregar
todas as pessoas em um único grupo social. De fato, para haver a segregação total demora anos,
a fim de que os novos conceitos sociais sejam absorvidos pela cultura e aceitos socialmente. Mas
enquanto os valores estão sendo incorporados, e muitas vezes renegados de prima pela
sociedade, seria uma situação justa com essa parcela excluída possuírem menos direitos que
outra apenas por serem diferentes?
A esta indagação responde o artigo 5º da Constituição Federal: “todos são iguais perante
a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade (...)”. Teoricamente, todos são iguais em qualquer tipo de situação. Mas
infelizmente, a cultura muitas vezes não consegue acompanhar a modernidade do pensamento
social, o que resulta na exclusão dessa parte diferente.
Como todo ser humano que é excluído, essa minoria marginalizada não se contenta em
saber que outros possuem privilégios e direitos por seguirem um respectivo padrão, e eles não.
Para conseguirem a tal justiça, eles saem nas ruas reivindicando o mínimo igual, através de
passeatas, revoluções, manifestações e protestos.
Essa reação dos que foram desprezados, ao longo dos anos, clamam por justiça e só assim
conseguem tê-la. As pessoas começam a se conscientizar socialmente, vendo que se todos são
iguais perante a lei, não tem porque uns terem mais do que os outros devido a diversidade. O
próprio preâmbulo da Constituição Federal reafirma a ideia de justiça e igualdade à todos os
tipos de pessoas. Se deste jeito fosse, com a sociedade associando todos os valores justos e iguais,
não haveria exclusão, e o artigo 5º assim seria posto em prática da maneira mais perspicaz e
eficaz possível.

3 Divisão de Classes
A definição de divisão de classes nunca foi uma ideia similar entre todos os filósofos,
intelectuais e estudiosos, além de que nunca foi constante e sofreu várias alterações dependendo
do seu contexto histórico.

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A definição mais aceita deste assunto é que na sociedade existem várias divisões de
classes e essas divisões estão atreladas com a dominação cultural, opressão política e exploração
econômica do mundo. A consequência desse fato gera sucessivamente à discriminação cultural,
privilégio político e desigualdade econômica, que gera um vício concomitante, pois se a classe
social não superar suas características, a sociedade está diante a estratificação, assim uma pessoa
sempre estará condenada a ser inserido o resto da sua vida na classe social em que foi concebida.
Quando pensamos no termo estratificação social de classes, vem à nossa mente o modelo
do medievo, em que a pirâmide social se manteve estável por séculos, sendo sustentada pelos
servos, com os nobres e guerreiros acima, além do clero, para no topo encontrarmos o senhor
feudal (que ocupava a posição por mera tradição e não por mérito). Quando Karl Marx estudou
a sociedade, ele não acreditava na divisão de classes somente na Idade Média. Marx criticava o
sistema capitalista pela divisão de classes na atualidade (MARX, 1859). O sistema capitalista
somente é usado para mascarar a divisão de classes, indivíduos acreditam na sua ascensão pelo
esforço e mérito. Muitas vezes isso é possível, mas não podemos descartar a realidade de que
sempre haverá uma classe submissa, servindo de engrenagens para emergir a classe dominante.
Assim como os servos eram a base que dava sustentação ao sistema na Idade Média, atualmente
são os dominados que sustentam os dominantes (que são aqueles que influenciam o poder do
estado direta ou indiretamente).
Destacando que Marx foi um dos principais pensadores do assunto, que ficou conhecido
como teoria marxista, veremos com mais detalhes o seu ponto de vista. Para Marx, apenas alguns
indivíduos eram detentores dos meios de produção, razão pela qual estes impõem uma relação
de meio de produção e, todos os outros, tendem a vender sua força de trabalho para conseguir
sobreviver inseridos nesse sistema. A luta de classes se dá no momento em que há um confronto
entre os membros de classes antagônicas, onde o poder fica concentrado nas mãos de poucos
(MARX, 1859).
Outro influente estudioso para o assunto é Max Webber. Segundo ele, a divisão de classes
nada mais é do que o agrupamento de pessoas com características similares, como rico e pobre,
negro e branco, católicos e ateus. O juízo de valor que essas pessoas fazem, em relação à elas
próprias, possibilita posicioná-los. Assim, conclui-se que, na teoria weberiana, a divisão de
classes é uma mera relação de poder (WEBER, 2000).

4.1 A Desigualdade Social


A desigualdade social repousa sobre a má distribuição de renda; contudo, é de
conhecimento popular que tal fato se deve a muitos outros elementos. O maior gerador da

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desigualdade social é a divisão de classes, pois nela se semeia um preconceito, fazendo com que
as pessoas na sociedade passem a impor a sua maneira e seu jeito de viver, em uma tentativa de
superar e dominar umas às outras. Esse é um dos motivos que justifica, no sistema capitalista,
nos depararmos com um número de violência e criminalidade desenfreado, propiciando uma
maior dificuldade para se alcançar a justiça.
A desigualdade social possui ligação direta com o acesso à justiça. De maneira resumida,
podemos expor dois obstáculos à justiça: os econômicos e os socioculturais. Aqueles refletem
no fato de que o cidadão com menor nível sócio cultural se mantém distante da administração da
justiça: à medida que não consideram seus problemas como assuntos jurídicos, ignoram seus
direitos e consequentemente mantém-se muito distante psicologicamente e territorialmente dos
locais físicos onde permuta a justiça. Já estes, são determinantes por excluir conforme o poder
monetário: uma vez que a justiça no Brasil é cara para muitos e, fixa-se obstáculos de difícil
separação que os indivíduos que se encontram incapazes de financiá-la, por não possuírem
recursos suficientes. Consequentemente, a divisão em classes sociais vitimiza cidadãos, pois
impedidos de acessar a justiça com o seu poder aquisitivo devido ao alto custo econômico
fazendo-os, depender dos serviços do Estado e, muitas vezes, pela lentidão dos processos, essas
classes populares nunca realizam a sua efetivação de direitos.
Podemos, então, concluir que os direitos vinculados por normas jurídicas não penetram
integralmente na sociedade, não sendo acessíveis para uma grande parcela. Os tribunais não
estão preparados para lidar com conflitos de classe e transgressões de massa, reproduzindo
exclusivamente um direito burguês. Em síntese, podemos afirmar que há discriminação social
negativa no acesso à justiça. Tal fenômeno é complexo, envolvendo processos de socialização e
de interiorização dos valores dominantes difíceis de serem transformados. Nota-se que a divisão
de classes, portanto, dificulta a realização da noção da justiça.

5 Direito X Justiça

Os conceitos de “Direito” e “Justiça” são, sem dúvidas, dois dos mais importantes na
área jurídica. Tanto se diferem como se relacionam: ambos possuem origem etimológica em
comum, sendo que em latim, a expressão usada por eles é ius. Já na língua grega, a expressão é
to dikaion, para o Direito e, dikaio-sunê, para justiça. A aplicação do Direito se dá de forma com
que esta seja justa. Para isso, devemos compreender as diferentes definições do que seria cada

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um dos termos, para que assim possamos formular uma relação entre ambos os termos e
tentarmos compreender esse laço que se dá na aplicação feita pelos operadores do Direito.

5.1 O Que É Direito


Dentre várias definições para o mesmo objeto, salientamos duas vertentes. Uma definição
genérica é a de que o Direito seria um conjunto de regras, positivadas pelo Estado, que tem o
objetivo de controlar as relações sociais (tanto de particulares com particulares, como de
particulares com o Estado). Existem outras definições a respeito de Direito, sendo que muitas
delas prezam por um Direito não estatal (o chamado Direito alternativo, que vislumbra uma
maior democracia), em que são levadas em conta as normas que são convencionadas pelo próprio
povo, não necessariamente positivadas pelo Estado. Tal regulamentação social se dá por meio
de hábitos, costumes, religião e moral, podendo variar entre diferentes regiões de um mesmo
Estado, visto que dentro de um mesmo território existe a possibilidade de diferenças sócias
culturais entre Norte e Sul. Os diferentes desdobramentos e áreas do Direito visam cobrir todas
as relações da sociedade, uma vez que ele está lá para regulamentar toda e qualquer relação
presente nela.
Uma concepção moderna do que seria Direito, segundo a propositura do jurista brasileiro
Roberto Lyra Filho, afirma que o Direito tem por objetivo estabelecer regras (positivando-as)
para a coexistência dos indivíduos na sociedade, sendo função do Estado garantir que um
indivíduo não viole os direitos de outro ou mesmo de uma coletividade (LYRA FILHO, 1999).
Ou seja, é função do Estado positivar essas regras que harmonizam a convivência social, criando
leis que irão fazer possível a aplicação do Direito em um caso concreto.

5.2 A Justiça
De acordo com uma percepção comum de justiça, justo seria aquele que cumpre o
Direito. O significado de justiça pode ser entendido como o que está em conformidade com o
Direito, um princípio moral que está relacionado com Direito. A partir daí, nota-se uma relação
intrínseca entre estes dois termos.
O conceito de justiça pode ser diferente para os filósofos. Platão entende justiça como
uma virtude subjetiva, seria o correto caminho a ser seguido pelo indivíduo para que este tenha
um bom convívio com outro indivíduo ou mesmo com o Estado (PLATÃO, 1994). Para
Aristóteles, justiça seria uma forma de equidade, nem em falta, nem em excesso. Seria uma
espécie de média acerca de um assunto (por exemplo, em uma decisão judicial, para o filósofo,
justo seria aquilo que encontra conformidade entre lucros e sacrifícios entre as partes)

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(ARISTÓTELES, 2001). Kelsen, por sua vez, define justiça como sendo a procura da felicidade
pelo homem, de forma que essa felicidade só é possível com uma ordem justa (KELSEN, 1997).
Frisa-se que os diversos conceitos de justiça para esses e outro pensadores se diferenciam
por conta dos diferentes contextos sociais que eles se encontravam e por conta das diferentes
percepções do que seria a justiça para eles. Além disso, há a diferença do conceito de justiça, no
tocante ao período histórico, como por exemplo, na Idade Média, em que a ideia principal era a
de uma justiça divina.
Sendo assim, podemos notar que o conceito de justiça é relativo, variando seu sentido
conforme à época e lugar no decorrer da história, mas é de suma importância relacionar esse
termo “justiça” com a democracia, tal qual em um Estado de Direito. Partindo do fundamento
de que democracia exprime a vontade de todos (e não da maioria, como é erroneamente afirmado
por alguns, já que na democracia há uma preocupação também com a vontade das minorias), é
possível se afirmar que a democracia é um critério da justiça, bem como a tolerância. Tal ideia
foi por Kelsen, ao afirmar que não é possível que exista democracia sem que haja tolerância.

5.3 A Relação
A relação presente nesses dois conceitos é que se pode falar de um Direito que seja justo,
como afirma Kelsen, salvaguardando a tolerância entre os indivíduos (KELSEN, 1984). Isto é,
sem o Direito, o conceito de justiça se torna vago, ou seja, uma forma de especulação sem
efetividade. Já o Direito, sem a justiça, se torna algo destituído de legitimidade, algo que não
leva em conta a equidade entre as partes, de tal forma que sem esse equilíbrio entre as partes, o
Direito acaba perdendo seu sentido, que é justamente de regular e equilibrar as relações sociais.
Justiça e Direito constituem um vínculo de importância incontestável: não à toa que a justiça é
erigida à valor supremo da sociedade brasileira conforme preâmbulo da Constituição Federal de
1988. Com tais afirmações, observa-se que além de fundamental a relação entre os dois termos,
esta se torna necessária, vislumbrando a maior aplicabilidade tanto de um quanto de outro, nos
diversos casos concretos, de maneira que as relações sejam humanizadas.

6 Justiça X Religião

A justiça e a religião se entrecruzem em muitos aspectos, ambas são questões subjetivas


que variam de sociedade para sociedade e tentam incessantemente buscar o sentido do que é
correto ou não, trabalhando com punições quando necessário for. A justiça, muitas vezes, se

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baseia nas leis que decorrem de um soberano (Estado), de uma autoridade; o mesmo ocorre com
a religião: esta baseia seus dogmas e suas crenças também em uma entidade soberana, porém
espiritual (Deus). Por via das vezes, em alguns Estados não-laicos, também conhecidos como
teocráticos, ambas têm conformidade, é como se pertencessem uma à outra e na maioria das
vezes nesses Estados não há liberdade religiosa para praticar outras crenças que são distintas da
religião “oficial”. O Estado laico respeita e tolera a diversidade de crenças.
O Brasil, apesar de ser oficialmente laico, sofre muita influência da religião em sua
concepção de justiça, refletindo na atuação do Judiciário e Legislativo. Assuntos como aborto,
eutanásia, controle de natalidade, casamento homossexual e uso de embriões em pesquisas de
célula-tronco, por exemplo, são os mais polêmicos, sempre geraram grandes discussões e é
inegável que a igreja influencia na legislação sobre eles. No caso do aborto, por exemplo, é
considerado crime, previsto do artigo 124 a 128 do Código Penal – provavelmente se a laicidade
de nosso Estado fosse considerada, o aborto seria legal, pois a mulher, independentemente de
sua religião, considerando apenas seu livre arbítrio, deve decidir sobre como irá (ou não) lidar
com sua gravidez. A criminalização do aborto em vários aspectos é apenas um dos indícios da
forte influência da religião no Código Penal Brasileiro: auto aborto, aborto provocado por
terceiro, aborto com consentimento da gestante e forma qualificada. Já no artigo 128, estão as
causas excludentes de punibilidade, em que não se pune o aborto praticado por médico em casos
de aborto necessário, em que não há outro meio de salvar a vida da gestante ou aborto
humanitário em que a gravidez é resultante de estupro.
No Brasil, a religião influencia a justiça por um aspecto histórico enraizado em nossa
cultura: desde a época da descoberta os portugueses evangelizavam e impunham aos índios a
religião católica através de padres jesuítas enviados para cá e na época da escravidão dos negros
também havia essa doutrinação religiosa. A partir desses acontecimentos até os dias atuais,
apesar da laicidade do país, a Igreja e as religiões cristãs, principalmente, de um modo geral,
mobilizam e direcionam a sociedade, inclusive em decisões judiciárias, legislativas e políticas.
As religiões cristãs são as mais influentes, pelo fato de que mais de 80% da população brasileira
se considera cristã, de acordo com estatísticas do IBGE. Apesar de o Brasil não adotar uma única
religião como oficial, na Constituição Federal em seu preâmbulo “(...) promulgamos, sob a
proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil” há a menção
expressa sobre Deus. É indiscutível a influência das religiões em discussões e decisões estatais
nas três esferas de poder.

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7 Justiça No Brasil

Desde a colonização do Brasil, há mais de 500 anos, é possível constatar que nosso país
se inspira no modelo e na cultura européia para os diversos desdobramentos. Assim, também há
essa influência no que diz respeito à justiça. A positivação do direito e a normatização das
condutas incorporaram o modelo europeu, a codificação, de modo que se comparadas às do velho
continente, em muito se assemelham. Os princípios norteadores que dão ideia do que é justiça,
como a moral, estão extremamente presentes em ambas as culturas.
O “Eurocentrismo” é definido como a Europa sendo o centro do mundo em relação à
cultura, ao conhecimento e à valores. Por este e outros motivos, o Brasil busca tanto aparentar-
se com este continente em seus hábitos, costumes e em sua moral, portanto, logicamente, em sua
justiça. Fomos colonizados sob a ótica ideológica, não apenas geográfica.

8 Autotutela
O ser humano não vive sozinho: se agrupa como seus semelhantes se organizando em
sociedade. Desse convívio, desde suas épocas mais primitivas sempre surgiram conflitos e eram
solucionados por certos meios, ou seja, a tradição, a moral, hierarquia, ou até mesmo a força.
Com o passar do tempo, e as evoluções, esses meios foram se tornando inapropriados, escassos
para a civilização que necessitava de um meio mais adaptado para a sociedade, um meio racional,
mais justo. Mas essas mudanças levaram séculos, e não foi de maneira completa, linear, e sim
de forma contínua, passando por progressões. Substituindo o direito natural pelo direito positivo
para a legislação regulamentar sobre, temos como exemplo a autotutela.
Nas fases primitivas da civilização, não se possuía um órgão estatal de autoridade e
soberania que garantisse a efetivação do direito, como não havia ainda sequer qualquer legislação
de normas gerais e abstratas impostas pelo Estado aos particulares, ou seja, as leis. Assim, em
síntese, não havia um Estado suficientemente forte para superar a vontade dos homens de impor
o seu direito e estilo de vida aos outros particulares. O indivíduo que pretendia, almejava alguma
coisa que o próximo indivíduo da sociedade impedisse ou dificultasse de obter só conseguiria
satisfazer tal pretensão por meio de sua força, moral ou econômica. Hoje, analisando as
civilizações da Antiguidade, reparamos o quanto era precária e aleatória a solução de conflitos,
pois sempre vencia o mais forte sobre o mais fraco ou o mais tímido, e não a efetivação e a
garantia de algum direito, isso é o que chamamos de autotutela.

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As bases da autotutela se encontram no Direito natural e tendo por essência a


autopreservação, inerente a todas as formas vivas. Na autotutela, aquele que impõe ao adversário
uma solução satisfaz ela pela força, bem como sua pretensão sem pedir ou apresentar a
declaração de existência ou inexistência do direito, não havia a influência de terceiros, pois não
existia a imagem estatal. Por isso, na maioria das vezes, a autotutela não era a garantia ou
efetivação de direito.
Daniel Amorim Assumpção Neves, importante processualista, define autotutela como "a
forma mais antiga de resolução de conflitos, constituindo-se fundamentalmente pelo sacrifício
integral do interesse de uma das partes envolvidas no conflito em razão do exercício da força
pela parte vencedora. É a única forma de solução alternativa de conflitos que pode ser
amplamente revista pelo poder judiciário, de modo que o derrotado sempre poderá judicialmente
reverter eventuais prejuízos advindos da solução do conflito pelo exercício da força de seu
adversário" (2007, p. 358).
Apesar de nos atuais dias o Estado ser responsável pela jurisdição, uma das suas
principais características é a substituição, onde os indivíduos abrem mão de solucionar os seus
conflitos por si próprios, dando esse poder para o Estado. A legislação prevê, em alguns casos,
que ainda é permitido o uso da autotutela. São eles: legítima defesa, no artigo 188 do Código
Civil, direito de se fazer greve presente no artigo 9º, o proprietário retirar o invasor da sua
propriedade e qualquer pessoa prender em crime em flagrante está presente no artigo 1.210 do
Código Civil. Entretanto, se não forem praticadas de forma adequada, é possível que se responda
por excessos, pois se configura crime.
Apenas esses casos, previstos em lei, comportam a autotutela. Em outros casos, ela é
expressamente proibida, nos termos do artigo 345 do Código Penal - fazer justiça pelas próprias
mãos, para satisfazer pretensão embora legítima, salvo quando a lei permite. A pena é detenção,
pelo período quinze dias um mês ou multa, além da pena correspondente à violência.
Relacionando autotutela e justiça verifica-se que a autotutela é vedada por lei, pois fazer
justiça com as próprias mãos não é um ato de justo, uma vez que, o primordial seria a defesa do
interesse próprio, por isso a intervenção de um terceiro na decisão dos conflitos.

Conclusão
Ao término deste trabalho, foi visado e constatado diversos ângulos sobre o mesmo
assunto. Vários pensadores (juristas e filósofos) em uma tentativa frustrada, definir
concretamente o significado de justiça.

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Por ser um tema bastante amplo e com várias perspectivas, é impossível ter um
significado e um valor absoluto, sendo sua definição dada pelos indivíduos de uma determinada
sociedade, tendo em vista o contexto sociocultural em que ela está inserida.
A justiça caminha junto ao Direito, que, por sua vez segue a moral. Na nossa cultura tudo
está entrelaçado, tentando visar uma vida mais humana. Porém de tempo em tempo, como já foi
verificado, o conceito de justiça muda porque quem a dita também se altera. Só que sempre,
independente de quem estabelece esta definição, faz parte da sociedade, seja uma grande
instituição como a Igreja Católica ou seja um órgão Público como o Estado. Em geral, a justiça
é continuamente ditada pela sociedade.

Referências

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