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DESCRIÇÃO COMPARATIVA DOS ÓRGÃOS DE KÖLLIKER EM

PARALARVAS DE OCTOPUS VULGARIS E ARGONAUTA NODOSA


(CEPHALOPODA: INCIRRATA)
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Mazzini, F. S. ; Vidal, E. A. G.

Centro de Estudos do Mar – CEM – Universidade Federal do Paraná – Av. Beira Mar, s/n – Pontal do Paraná – PR
email: 1fabriciomazzini@uol.com.br, 2ericavidal2000@yahoo.com.br

RESUMO
Os órgãos de Kölliker são estruturas em formato de “tufos”, muito abundantes na superfície do
corpo das paralarvas dos polvos da subordem Incirrata, e desaparecem por volta de 30 – 60
dias após a eclosão. Apesar dos órgãos de Kölliker terem sido estruturalmente bem descritos,
sua função ainda permanece totalmente desconhecida. No intuito de gerar informações
inéditas sobre tais estruturas, foram feitas imagens de microscopia eletrônica de varredura
(MEV) de paralarvas de Octopus vulgaris e Argonauta nodosa, e os diâmetros dos órgãos de
Kölliker foram comparados entre as duas espécies. Os resultados demonstraram que as
paralarvas de O. vulgaris apresentaram órgãos de Kölliker com diâmetros significativamente
maiores do que A. nodosa (teste-t, p < 0,05). Além disso, através das imagens de MEV, se
verificou que estas estruturas são mais abundantes em O. vulgaris. Tais observações podem
estar relacionadas aos diferentes ambientes ocupados pelas espécies, uma vez que O. vulgaris
ocorre em regiões costeiras, mais suscetíveis a variações físico-químicas, enquanto A. nodosa
ocupa regiões oceânicas, que são ambientes mais estáveis. Novos estudos são necessários
para se desvendar a função destes órgãos, fundamentais para a compreensão da ecologia e
biologia das paralarvas de polvos.

Palavras chave: Polvos, microscopia eletrônica de varredura, comparação.

INTRODUÇÃO
Os polvos são considerados um dos invertebrados mais ativos, inteligentes e
especializados. Dentre os diversos representantes da subordem Incirrata, Octopus vulgaris
(polvo comum) e Argonauta nodosa são espécies que possuem características bastante
distintas, como a morfologia e hábito de vida. Enquanto O. vulgaris ocupa ambientes
bentônicos de regiões costeiras rasas (MANGOLD-WIRZ, 1963), A. nodosa é uma espécie
pelágica que habita a superfície de águas oceânicas tropicais (MANGOLD & BOLETZKY,
1988). Os machos de Argonauta são anões (≤ 15 mm de comprimento de manto – CM) e as
fêmeas, bem maiores, apresentam uma delicada concha calcária (WU, 1989). Porém, ambas
as espécies são planctônicas após a eclosão e denominadas “paralarvas” (YOUNG &
HARMAN, 1988). Este termo significa “falsa larva”, já que os cefalópodes possuem
desenvolvimento direto.
Na superfície do corpo das paralarvas dos polvos da subordem Incirrata existem
inúmeras estruturas ciliadas em formato de “tufos”, denominadas de “órgãos de Kölliker” (Fig.
1a). Estas estruturas encontram-se distribuídas sobre o manto, cabeça, braços e sifão das
paralarvas e são compostos por três partes: um folículo ectodérmico de células especializadas
(um citoblasto basal e várias células foliculares laterais); um fascículo extracelular de cerdas
canulares, também chamado de “tufo de Kölliker”; e um grupo de músculos mesodérmicos
(BOLETZKY, 1973; BROCCO et al., 1974). Em Octopus, estes órgãos são estruturas
transitórias que desaparecem em um período de 30 a 60 dias após a eclosão, quando os
mesmos se tornam bentônicos (BOLETZKY, 1973). Não existem registros da presença destas
estruturas em polvos bentônicos juvenis ou adultos, e também não se sabe como os órgãos de
Kölliker se transformam e/ou degeneram na epiderme dos polvos após o assentamento
(VILLANUEVA & NORMAN, 2008). Uma vez que os órgãos de Kölliker são abundantes em
várias espécies de polvos, existe grande dúvida a respeito de sua função, a qual ainda
permanece totalmente desconhecida.
Neste contexto, este trabalho tem por objetivo gerar informações referentes à
morfologia dos órgãos de Kölliker, para ampliar o conhecimento sobre estas estruturas,
fundamentais para a compreensão da ecologia e biologia das paralarvas de polvos.
MATERIAIS E MÉTODOS
Paralarvas de O. vulgaris e A. nodosa de 1,3 a 5,2 mm (CM) foram armazenadas em
álcool 70% e passaram pelo processo de desidratação em série alcoólica crescente, para a
obtenção de imagens de microscopia eletrônica de varredura (MEV). O ponto crítico foi obtido
em um Bal-Tec CPD 030 com gás carbônico, e a metalização em ouro foi obtida em um
Balzers SCD 030. As imagens e análises dos materiais foram feitas no microscópio eletrônico
de varredura JEOL-JSM 6360 LV do Centro de Microscopia Eletrônica da Universidade Federal
do Paraná.
Medições dos diâmetros de 20 tufos fechados dos órgãos de Kölliker foram obtidas
aleatoriamente de imagens de MEV de A. nodosa e O. vulgaris de diferentes tamanhos. As
medidas dos diâmetros dos tufos fechados foram obtidas a partir da altura em que os tufos se
projetam através da superfície da epiderme, e realizadas com o auxílio do software Scion
Image 4.0.3.2. Para comparar os diâmetros dos tufos de Kölliker entre A. nodosa e O. vulgaris,
foi realizado um teste-t simples.

RESULTADOS E DISCUSSÕES
A presença de órgãos de Kölliker foi identificada em dois dos cinco exemplares de A.
nodosa, e em todas as paralarvas de O. vulgaris analisadas. As demais amostras de A. nodosa
não apresentaram os órgãos visíveis, por estarem com a epiderme bastante danificada devido
ao longo tempo de preservação em formol. Visto que todos os polvos analisados foram fixados
em formol 4% neutralizado e este fixador não é o mais indicado para o processamento de MEV
(KARNOVSKY, 1965), é provável que nas amostras mais antigas, as paralarvas tiveram parte
de suas epidermes danificadas pelo formol, impossibilitando a preservação dos órgãos de
Kölliker. Por outro lado, os exemplares de O. vulgaris, que foram coletados recentemente,
apresentaram tais estruturas preservadas.
A presença dos órgãos de Kölliker está relacionada à fase planctônica dos polvos
(VILLANUEVA & NORMAN, 2008), porém é interessante notar que os mesmos foram
inicialmente descritos em subadultos de Bolitaena e Eledonella, ambos polvos pelágicos de
tamanho reduzido, assim como A. nodosa. Tais observações fortalecem a hipótese de que a
função dos órgãos esteja intimamente relacionada à vida no ambiente planctônico (ADAM,
1939).
As paralarvas de O. vulgaris apresentaram maior abundância de órgãos de Kölliker, os
quais foram encontrados sobre os braços, olhos, cabeça e, principalmente, manto. A
abundância destas estruturas pode estar relacionada ao ambiente ocupado por cada espécie.
Argonauta ocupa a plataforma externa e o talude continental, que são ambientes mais estáveis
e menos susceptíveis a variações físico-químicas. Em contrapartida, O.vulgaris se distribui em
regiões costeiras de águas rasas, onde variações físico-químicas e, principalmente, de
salinidade são bem mais acentuadas. Neste contexto, a maior abundância dos órgãos de
Kölliker em O. vulgaris sugere que estas estruturas poderiam estar relacionadas a um
mecanismo de osmorregulação (da SILVA & VIDAL, 2005), já que em águas costeiras as
variações de salinidade são mais acentuadas.
Finalmente, diferenças foram observadas nas médias dos diâmetros dos tufos entre A.
nodosa (7,0 µm) e O. vulgaris (10,2 µm), visto que o diâmetro dos tufos é significativamente
maior em O. vulgaris (p < 0,05) (Fig. 1b). Estas diferenças podem indicar que talvez os órgãos
de Kölliker desempenhem um papel mais importante nas paralarvas de O. vulgaris, que
apresentam tufos mais robustos. Por outro lado, também é possível que A. nodosa apresente
órgãos de Kölliker menos espessos, por serem mais eficientes nesta espécie ou no ambiente
em que vivem. As diferenças entre os tufos podem ser reflexo dos diferentes ambientes
ocupados pelas espécies em questão, onde polvos costeiros necessitariam de órgãos de
Kölliker mais desenvolvidos que os oceânicos, para desempenhar suas funções ainda
desconhecidas.

CONCLUSÕES
Ainda que a função dos órgãos de Kölliker permaneça desconhecida, o presente
estudo revelou resultados inéditos no que se refere à morfologia destas estruturas. A presença
de diferenças significativas no diâmetro médio destes órgãos entre as duas espécies avaliadas
Figura 1: a) Órgãos de Kölliker na superfície do manto de uma paralarva de O. vulgaris; b)
Boxplot mostrando diferenças significativas (p < 0,05) dos diâmetros dos tufos de Kölliker
entre A. nodosa e O. vulgaris.

demonstrada no presente estudo servirá para alimentar o banco de informações sobre estas
estruturas, que claramente desempenham uma importante função biológica, visto a grande
abundância destes órgãos na epiderme das paralarvas de polvos. Ainda neste sentido, os
resultados deste estudo ilustram que os órgãos de Kölliker podem ter uma morfologia
ligeiramente distinta em função das espécies estudadas ou ambientes de ocorrência das
mesmas, podendo assim, desempenhar diferentes funções.
A grande escassez de informações sobre os órgãos de Kölliker ainda impossibilita que
sua função seja conhecida. No entanto, a partir de novos estudos comparativos entre espécies
e fases do ciclo de vida dos polvos, será possível se compreender as funções dos órgãos de
Kölliker.

REFERÊNCIAS
ADAM, W. 1939. A propos des organes épitheliaux (Köllikersche Büschel) chez une larve
d’Octopode. Mémoires du Musée Royal d’Histoire Naturelle de Belgique 2º Série 15, 123-
134.
BOLETZKY, S.v. 1973. Structure and function of the Kölliker organs in young octopods
(Mollusca, Cephalopoda). Zeitschrift fur Morphologie der Tiere 75, 315-327.
BROCCO, S.L.; O’CLAIR, R.; CLONEY, R.A. 1974. Cephalopod integument: the ultrastructure
of Kölliker’s organs and their relationship to setae. Cell and Tissue Research 151, 293-308.
DA SILVA, L.B.; VIDAL, E.A.G. 2005. Caracterización histologica de lesiones en los brazos de
paralarvas del pulpo común (Octopus vulgaris) cultivadas en laboratorio. In: XI Congreso
Latinoamericano de Ciencias del Mar. Viña del Mar.
KARNOVSKY, M.J. 1965. A Formaldehyde-glutaraldehyde fixative of high osmolality for use in
electron microscopy. Journal of Cell Biology 27, 137-138.
MANGOLD-WIRZ, K. 1963. Biologie des Céphalopodes benthiques et nectoniques de la mer
catalane. Vie Milieu, Suppl. 13, 1-285.
MANGOLD, K.; BOLETZKY, S.v. 1988. Mediterranean cephalopod fauna, 315-330. In M. R.
Clarke, and E. R. Trueman (ed.), The mollusca, vol. 12. Paleontology and neontology of
cephalopods. Academic Press, San Diego.
VILLANUEVA, R.; NORMAN, M.D. 2008. Biology of the planktonic stages of benthic octopuses.
Oceanography Marine Biol.: Annu. Rev. 46, 105-202.
WU, N. 1989. The Paper Nautilus. Sea Frontiers, March-April, 1989: 94-96.
YOUNG, R.E.; HARMAN, R.F. 1988. “Larva”, “Paralarva” and “Subadult” in cephalopod
terminology. Malacologia 29, 201-207.

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