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FACHA – Faculdades Integradas Hélio Alonso

“Volver” a Almodóvar e às mulheres

Monografia de Flora Menezes Simões Corrêa


para a disciplina de Projeto Experimental

Orientador: Jackson Saboya

Bacharelado em Comunicação Social

Habilitação em Radialismo

Rio de Janeiro, Dezembro de 2007

Volver a Almodóvar e às mulheres – Flora Menezes Simões Corrêa – monografia Comunicação


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Folha de Aprovação

“Volver”
(A Almodóvar e às mulheres)

Flora Menezes Simões Corrêa

Apresenta monografia de conclusão do curso de Comunicação Social,


habilitação em Radialismo nas Faculdades Integradas Hélio Alonso.

Rio de Janeiro, Brasil, 2007

Jackson Saboya Bezerra de Menezes

Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA)

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Agradecimentos

Agradeço a meu avô


Paulo J. Simões Corrêa,
minha mãe Sandra Menezes,
meu pai Paulo J. S. Corrêa Filho,
minha família, meus amigos e
professores de faculdade.

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Resumo

Este trabalho acadêmico de conclusão de curso discorre sobre o filme


“Volver” de Pedro Almodóvar, do ponto de vista do resgate das origens do
diretor e da maneira como vê a relação familiar entre mulheres e seu
posicionamento diante da sociedade. Depois de conquistar o mundo com os
filmes de temas mais irreverentes em relação à sexualidade e de ataque às
instituições familiares e religiosas, Almodóvar volta aos conflitos que sempre
abordou de forma mais serena, naturalista e construindo uma família
desestruturada, mas de amorosidade inquebrável. Serão analisadas as
influências cinematográficas projetadas por ele no filme, os temas de cunho
social abordados, a linguagem através da edição e planos de filmagem,
algumas considerações psicológicas sobre o argumento, e a relação entre as
personagens no contexto das sociedades latinas.

Palavras-chave: Pedro Almodóvar, melodrama, cinema espanhol, Volver, abuso


sexual.

Abstract

This academic work of discourses on the film "Volver" of Pedro Almodóvar


from the point of view of the rescue of his origins and his view on how a family of
women can respond to society. After conquering the world with the films of more
irreverent subjects in relation to sexuality and attacking the familiar and religious
institutions, Almodóvar comes back to the conflicts that he has always
approached of calmer form, naturalistic and constructing a family with big
troubles, but of unbreakable love. The projected cinematographic influences for it
in the film, the boarded subjects of social matrix, the language through the cuts
will be analyzed and plans of filming, some psychological topics on the argument,
and the relation between the characters in the context of the Latin societies.

Keywords: Pedro Almodóvar, melodrama, Spanish movies, Volver, sexual


abuse.

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Sumário

Introdução.................................................................................................................pg 06

Vida e obra do diretor (resumo)................................................................................pg 09

Filmografia (listagem)...............................................................................................pg 17

Volver (Tango de Carlos Gardel)..............................................................................pg 19

Desenvolvimento......................................................................................................pg 21

Conclusão.................................................................................................................pg 67

Bibliografia................................................................................................................pg 77

Anexos......................................................................................................................pg 81

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Introdução:

Quando Pedro Almodóvar e seu irmão Agustín tomaram a iniciativa de


abrir a produtora El Deseo, sua existência possibilitou que tivessem autonomia
na escolha dos argumentos e roteiros de seus próprios filmes. Estes que o
tornaram famoso, e que inicialmente reverenciavam a cena rebelde e
underground da Madrid dos anos 80. A relevância de Volver, no entanto, está
no fato de ser uma história especialmente peculiar para o diretor como reflexão
do conjunto de sua obra, na fase agora mais serena. Retomando muitas das
características que fizeram de Almodóvar um dos mais inventivos e marcantes
criadores do cinema contemporâneo, o diretor dá a volta sobre si mesmo. “Se a
trajetória descrita pela obra do cineasta espanhol (...) deixasse rastros, a forma
resultante seria muito semelhante a uma espiral. Seu cinema nunca pára de
dar voltas em torno de si mesmo. De tempos em tempos, os filmes retornam
aos mesmos temas, espaços e obsessões, mas, a cada giro, o escopo de seu
universo torna-se mais amplo, profundo e sofisticado”.¹ A curva de “Volver” é a
das origens.

Dialógico, polifônico e intertextual, o cinema de


Almodóvar nos lança num labirinto onde o sentido só pode
saltar do entrechoque de suas múltiplas perspectivas; onde
a ação unificadora de um cinema chamado “clássico” é
substituída pela exacerbação da ambigüidade e da
diferença, onde a própria representação é multifacetada e
palpitante, exigindo que o expectador busque seus “pontos
de identificação numa corrente infinita de associações
culturais, psíquicas, sexuais e sociais²

Almodóvar nos propõe um jogo que justapõe as fantasias sexuais e desejos de


seus personagens, surpreende o espectador fazendo-o confrontar-
_______________________________________________________________
1 - CALIL, Ricardo “Almodóvar reencontra Almodóvar” Revista BRAVO! ano 9 nº 106 pg 30,
2006; 2 – DONALD, 1989:142

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se com seus próprios mecanismos de identificação e de defesa. O torpor do


desejo faz com que o espectador se sinta perdido, sendo aos poucos
deslocado do ponto de vista tradicional através dos pontos de vista de cada
personagem, ao mesmo tempo absurdos e pertinentes.

Depois de chocar os conservadores de seu país e do mundo com seus


filmes e personagens, principalmente os da primeira fase de sua filmografia,
tidos como bizarros, polêmicos, excêntricos, irreverentes ou assustadores,
desafiadores da moral cristã e familiar, o cineasta retorna, enfim, à região de La
Mancha (sul de Madrid) onde nasceu, ao seio materno, à infância, ao universo
feminino, que por muitas vezes foi o tema principal de suas obras. O filme fala
sobre a “cultura da morte” nos ambientes rurais, “onde a se convive com a idéia
da morte sem que seja um elemento trágico”, desenvolvendo ainda as suas
diferentes formas e significados, inclusive a psicológica. Centrando em um
grupo de personagens femininas e na relação entre elas, Almodóvar parece
tentar transmitir com Volver uma mensagem sobre a importância de se acertar
as contas com o passado. Essas mulheres que matam, morrem e ressurgem
das cinzas carregam algum segredo consigo que as impede de seguir suas
vidas com plenitude. A busca em resolvê-los, ainda que involuntariamente, é a
força motriz de Volver.

Para mim, três ou quatro mulheres conversando num


quintal foi a origem da ficção; assim que as vi, percebi que
ali havia uma história a ser contada e passei a escutar às
escondidas, morrendo de medo de ser descoberto e levar
uma surra... eu me divertia muito e até hoje se vejo um
grupinho de mulheres fico curioso para saber sobre o que
estão conversando, poderia pagar para ouvi-las.

Pedro Almodóvar

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Vida e obra do diretor (resumo):

Pedro Almodóvar nasceu em 25 de Setembro de 1949 em Calzada de


Calatrava, Ciudad Real na Espanha, onde viveu até os oito anos cercado por
uma família de mulheres fortes. Os homens passavam a maior parte do tempo
trabalhando no campo. Sua mãe e suas irmãs eram sua companhia. Não tinha
brinquedos, não gostava de brincar junto aos meninos. Seu espetáculo favorito
era escutar a conversa das mulheres. Quando a família se mudou para
Madrigalejo, em Cáceres, fez o segundo grau numa instituição religiosa
salesiana. Por algum motivo, sua experiência educacional o fez deixar de
acreditar em Deus. Nesta época, o cinema americano dos anos 50, como “A
Malvada” de Joe Manckiewitz, ocupa o seu imaginário, junto aos ilustres
compatriotas Luis Buñuel e Carlos Saura.

Aos dezesseis anos rompe com a família, contrariando o futuro que lhe
projetavam de funcionário do banco do povoado em que nascera. Muda-se
para Madrid, a grande cidade. Sozinho e sem dinheiro, mas com um projeto
muito concreto: estudar e fazer cinema. Não foi possível matricular-se na
Escola Oficial de Cinema, pois o General Franco havia acabado de fechá-la. Já
que não pode aprender a linguagem (formal) do cinema, decide aprender a
fundo, na prática, e dedica-se a viver. Ao final dos anos sessenta, apesar da
ditadura, Madrid é, para um adolescente, a cidade dos toureiros, da cultura
contemporânea e a liberdade nos momentos sombrios ou efervescentes. “Me
acostumei (aceitei, como se aceita a enfermidade de um ente querido) à
realidade. Em Madrid, nem tudo é luxo e diversão. As cidades têm o subúrbio,
poluição, ruídos e miséria, mas também nessas imperfeições mora, às vezes,
sua grandeza”.

Para comprar sua primeira câmera de Super Oito acaba por conseguir
um “emprego sério” na Compañia Telefônica Nacional de España, onde
permaneceu trabalhando como auxiliar administrativo durante doze anos. Nas
horas vagas, se entretinha fazendo colagens com documentos. Seus
experimentos cinematográficos vêm desta época.

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Pela manhã, tem contato com uma classe social que, não fosse outro
modo, não teria conhecido mais a fundo: a classe média espanhola no início da
sociedade do consumo. Seus dramas e misérias foram um grande filão para o
futuro narrador. Não se conformando somente em sobreviver, alterna o trabalho
com sua paixão.

Em 1972, começa a rodar seus primeiros curtas em Super Oito, mudos


ou dublados por ele mesmo durante as projeções, e os leva de Madrid a
Barcelona. Seus temas se voltam para os desejos reprimidos, sufocados ou
sublimados de uma sociedade que, por quatro décadas, sobreviveu a uma
ferrenha ditadura. Tomou para si a missão de resgatar antigas e importantes
tradições que há muito haviam sido mascaradas por padrões impostos.

Seu cinema foi marcado pelo choque entre “tempos” diversos: o


passado, anterior à eclosão da Guerra Civil Espanhola; um outro, franquista,
cujo esquecimento era impossível, e a modernidade, recém adquirida. O ensaio
desta nova mentalidade se dá através da exaltação das contradições
existentes, extrapolando as expectativas e dramatizando as frustrações ou
irreverências.

No final desta década, escreve entre outros trabalhos, revistas em


quadrinhos, novelas (“Fuego em las entrañas”), fotonovela pornô (“Toda
Tuya”) colabora em revistas do underground como “Star”, “El Víbora” e
“Vibraciones” - expondo seus pontos de vista sobre a realidade – e para
periódicos como “El País”, “Diário 16” e “La Luna”, para o qual criou a
personagem Patty Diphusa, seu alter ego, cujas “memórias” eram publicadas
e comparadas às de Lorelei de Anita Loos, a precursora do estereótipo da “loira
burra.”

Ao mesmo tempo, entra para o grupo de teatro Los Goliardos. Quando


começou a interpretar pequenos papéis no teatro profissional, conheceu
Carmen Maura, que viria a estrelar muitos de seus filmes. Ainda criou um grupo
de “punk-glam-rock” paródico junto a Fanny McNamara. Publica em volumes
coletivos “El sueño de la razón” e este contexto de criação plural resulta no
seu primeiro longa-metragem comercial: “Pepi, Luci, Bom y otras chicas del

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montón” (Pepi, Luci e as Outras, 1980) que nasceu originalmente de uma foto
novela encomendada pela revista “El Vibora”. Seu nome era “Erecciones
Generales”, retrato da Espanha não convencional, que desconfia das
instituições como a família. O trunfo de seu primeiro longa foi justamente o
aspecto autoral do diretor autodidata, que aprendeu através da prática
driblando a falta de recursos. A técnica é um caminho para seu processo
criador, não uma expressão acadêmica. Ele interpretava quando faltava um
ator, escolhia os figurinos e chegou a pintar alguns cenários, alterava o roteiro,
que ele mesmo havia escrito, se fosse necessário para terminar o filme. No
último caso, quando isso não era possível, filmava ele mesmo explicando o fim
do filme, afinal de contas, o papel principal do diretor/autor deve ser o de um
bom contador de histórias.

"Cuando una película tiene uno dos defectos es una


película defectuosa, pero cuando tiene tantos, esos defectos
le dan estilo", nas palavras do próprio diretor.

Carmen Maura, estrela do filme, juntou-se a Félix Rotateta – outro ator


de Los Goliardos e futuro diretor de cinema – para buscar o financiamento de
“Pepi...”. Com meio milhão de pesetas, uma equipe de voluntários e filmagens
durante os fins de semana por mais de um ano, conseguiram terminar o filme.
A falta de patrocínio proporcionou, por outro lado, grande liberdade criativa.

O que surge com Almodóvar, assim como com diretores


contemporâneos, insere-se em outras correntes, em tendências e até em
escolas estéticas. Eles nunca são isolados: vinculam-se a uma tradição ou
participam de um movimento. Reconhecemos em suas obras a estética do
“pop”, a força corrosiva do Kitsch e o gosto pela ironia e imoralidade. Neste
caso, como em muitos outros, mundo a fora, em épocas de ditadura, o dito
“submundo” fervilhava com La Movida Madrilena – movimento cultural
clandestino na Madrid dos anos 1980 – que exaltava a alma farrista e
celebrava a liberdade dos sentidos através do sexo, da discoteca e da
intensificação das experiências e criatividade através do uso das drogas.
Reuniu pintores, cineastas, fotógrafos, atores e músicos numa atitude de
rebeldia, em prol das causas do novo socialismo e liberdade espanhola;

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rompimento com os moldes impostos pela tradição conservadora, seguida dos


quarenta anos de ditadura e terror do General Franco.

A tendência natural era castigar e ironizar os antigos donos do poder,


mostrar tudo o que antes era proibido. Daí, saltam aos olhos de seu público, os
temas da latinidade, o colorido dos figurinos e cenários, da sexualidade e,
principalmente, a paixão, a pulsão mais vital do desejo. O diretor tem obsessão
pelo direito que seus personagens têm de exercer o seu desejo, o que os torna
humanos, num sentido de força da Natureza; homens e mulheres têm
igualmente o direito de exercê-lo, e por ele são norteadas as suas falas,
dramas, alegrias, relacionamentos e seus destinos. É o desejo que impõe a lei
e tudo se faz submisso a este poder. É a resposta à mediocridade, ao
previsível. Almodóvar se utiliza do cinema como num sonho: liberta seus
personagens para fazerem o que quiserem, com ousadia de demonstrarem
suas emoções, volúpia, instintos... e desejos. Mesmo quando confrontam
instituições de controle social ou a cultura tradicional. Não cabe a Almodóvar
censurá-los e sim, apresentar os conflitos aos espectadores.

O povo latino é muito festivo, intenso e extrovertido. Diferentemente do


tom mais trágico de cineastas como Carlos Saura, a visão de Pedro do latino é
acima de tudo positiva. Para ele, “apesar de machista e violento, o latino é um
apaixonado, capaz de viver cada momento como se fosse o último”. Os
sentimentos fervilhantes muito interessam a Almodóvar.

Nos anos que se seguiram da década de 80, as distribuidoras apoiam a


produção de “Laberinto de Pasiones” (Labirinto de Paixões, 1982) em que os
temas de que sempre tratou voltam a coincidir num roteiro bastante complexo.
Uma violenta ninfomaníaca monta uma banda de punk rock e se apaixona por
Riza Niro, filho de um imperador árabe, que está foragido, escondendo-se de
capangas terroristas enviados pelo seu pai e liderados por seu ex-namorado.
Nesta época, torna-se uma referência no cinema espanhol, tendo uma boa
acolhida do público e representando a Madrid do fim dos anos 70, início de 80,
com a sua particular “Movida”. Se estabelece como um diretor “adorado pelos
desajustados e odiado pelos conservadores de seu país.” Logo em seguida,
roda “Entre Tinieblas” (Maus Hábitos, 1983), produzida por Tesauro,

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abordando pela primeira vez o tema da religião, que voltará a estar presente na
maioria de seus filmes posteriores. Ele cria a representação de um convento
onde circulam drogas e onde a madre superiora assedia sexualmente as
freiras. É neste filme que estréia sua colaboração com a atriz Chus Lampreave.
Em 1984, ainda em parceria com Tesauro, roda o filme naturalista de grande
cunho social, "¿Qué he hecho yo para merecer esto?" (O que eu fiz para
merecer isto? 1984), história da dona-de-casa que se sente explorada pela
família com os intermináveis afazeres domésticos, o casamento e a angústia
da busca de alguma realização pessoal, tão inerente ao ser humano.

Numa virada em sua filmografia, lança “Matador” (Matador, 1985) de


autoria conjunta a Jesús Ferrero. Controvertido pela crítica e opinião do público
espanhól, o longa-metragem revela uma fábula sobre a morte, o sexo e a
culpa. Um toureiro aposentado não consegue abandonar o impulso de matar e
transfere-o para as mulheres com quem se relaciona, assassinando-as durante
o ato sexual. No ano seguinte estréia na produção de um filme seu juntamente
a seu irmão Agustín com “La ley del deseo” (A Lei do Desejo, 1986), história
da obsessão e ciúme de um rapaz por um escritor e diretor de cinema. É nesta
época que os dois abrem a produtora “El Deseo”.

O filme que lhe deu fama internacional, e grande sucesso comercial,


“Mujeres al borde de um ataque de nervios” (Mulheres à beira de um ataque
de nervos, 1987) tendo recebido cerca de cinqüenta prêmios e sua primeira
indicação ao Oscar, foi a comédia amplamente aplaudida pela crítica e público
sobre a hipocrisia na classe média, através da história de Pepa, abandonada
pelo amante, histérica, que se descobre grávida e contrariada em sua história
de amor mas capaz de viver bem sozinha.

Depois de saborear os frutos e a grande projeção pessoal e de seu


trabalho com “Mujeres...”, roda a película "!Átame¡" (Ata-me, 1989) em que
marca a ruptura com Carmen Maura e, ao mesmo tempo, parcerias frutíferas
com outras atrizes do panorama espanhol e europeu, como Victoria Abril.
Cerca de um milhão de espectadores espanhóis prestigiam o filme, em que um
rapaz apaixonado e obcecado por uma atriz pornô, acaba por seqüestrá-la em
casa para casar-se com ela. Antes mesmo de terminar “Ata-me”, Pedro já havia

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começado a rodar “Tacones Lejanos” (De Salto Alto, 1990) com Marisa
Paredes e Victoria Abril numa delicada história entre mãe e filha, traição,
sucesso e assassinato de grande intensidade melodramática.

Para quebrar a onda de sucessos comerciais, lança um de seus filmes


inclassificáveis: “Kika” (Kika, 1993), em que cada personagem pertence a um
gênero cinematográfico num roteiro também complexo. É seguido pelo intimista
“La Flor de Mi Secreto” (A Flor do Meu Segredo, 1995), com aspectos formais
mais sóbrios. A partir daqui, o diretor deixa um pouco de lado a atmosfera
kitsch que envolveu todos os seus filmes anteriores e passa a se dedicar mais
aos sentimentos de seus personagens, centrando sua câmera na atuação
excepcional de Marisa Paredes. As tramas continuam tão malucas quanto
sempre, porém com os pés mais fincados na realidade. Neste, uma escritora
de meia-idade que há algum tempo era uma mulher feliz e com uma carreira
bem-sucedida entra em uma crise com a freqüente ausência do marido e as
críticas que sofre em seu trabalho. Ela passa a reconsiderar o que realmente
vale a pena em sua vida.

“Carne Trémula” (Carne Trêmula, 1997) traz de volta os protagonistas


masculinos mesclando doses de erotismo e uma trama policial: enquanto
espera pelo entregador de heroína, a prostituta Elena recebe a visita
inesperada do entregador de pizza Victor Plaza. Em meio à confusão que se
arma, os policiais David e Sancho aparecem, e um repentino tiro transforma o
rumo da vida de todos esses personagens que vão se encontrar quatro anos
depois. Em 1999, Almodóvar lança um dos filmes mais marcantes em sua
trajetória: “Todo Sobre Mi Madre” (Tudo Sobre Minha Mãe, 1999), um êxito
sem precedentes no cinema espanhol, aclamado também pelo Oscar de
Melhor Filme Estrangeiro. Conta a história de Manuela, mãe solteira de
Esteban que o leva ao teatro para assistir à peça "Um Bonde Chamado
Desejo" e lhe revela que já tinha sido atriz e interpretado esta peça junto a seu
pai, prometendo contar-lhe tudo sobre ele. Nesta noite, Esteban morre num
trágico acidente, e Manuela parte para reencontrar as pessoas de seu passado
e quitar pendências que havia deixado para trás. Acaba se deparando com
uma série de novas e emocionantes situações.

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Quando se imaginava que havia conquistado o ápice de crítica com


“Todo Sobre Mi Madre”, Pedro reaparece com “Hable com Ella” (Fale com
Ela, 2002), sobre o delicado amor de um enfermeiro por sua paciente, em
coma. Elogiado pela imprensa, ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original e
uma indicação ao de Melhor Direção.

Depois de carregar consigo na forma de projeto durante trinta anos,


Almodóvar decide rodar “La Mala Educación” (Má Educação, 2004), sobre a
pedofilia dentro de colégios internos e como ela pode influenciar a
personalidade na idade adulta. O filme foi eleito pelos organizadores do
Festival de Cannes, entre outros importantes trabalhos, como aquele inaugural
da edição do ano de 2004. No entanto, tornou-se entre os seus filmes com
temas autobiográficos o mais difícil de ser filmado e finalizado.

Para Belidson Dias, autor de uma tese de mestrado sobre gêneros dos
personagens do diretor:

O corpo fílmico de Pedro Almodóvar interpreta papéis


muito diferentes na construção e quebra de conceitos de
gênero, identidade sexual e a maneira como o espectador
entende isso. (...) A representação cinematográfica que
Almodóvar faz da masculinidade, as várias maneiras de vê-
la e a interação entre observador e objeto; a fluidez com que
ele embaça as fronteiras de representação do masculino e
feminino apresentando uma crítica de identidade que afeta e
desloca representações normativas de gênero e sexualidade
desafia espectadores a confrontar seus pontos de vista e os
impele a níveis de consciência do ato de observar¹.

Depois de conseguir conquistar um universo cinematográfico


inconfundível, o que ficou conhecido como estilo “almodóvariano”, ele freqüenta
agora com a mesma desenvoltura o Oscar americano e a Cinemateca
_______________________________________________________________

1 - DIAS, Belidson, “The Cleft of the clods - Masticating Almodóvar” 2003:6

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Francesa. Passou de vergonha da Espanha a orgulho da pátria, de “enfant


terrible” a cineasta prodígio. E assim, reconhecido, ele volta à região de onde
fugira há anos atrás. À infância, às lembranças num filme que mistura de
comédia e drama. A alegria de viver por trás do ridículo da existência está
sempre presente. “Volver” (Volver, 2006), cujo nome é inspirado em um tango
composto por Carlos Gardel e Alfredo Le Pera, foi o 16º longa metragem de
Almodóvar, que agora trabalha adaptações de roteiros para teatro (Tudo Sobre
Minha Mãe) e o filme “La piel que habito”, também em parceria com a atriz
Penélope Cruz.

Baseado em informações retiradas do site oficial do diretor, na seção “Su Vida”:


<http://www.clubcultura.com/clubcine/clubcineastas/almodovar/>

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Filmografia:

Películas:

2006 - Volver
2004 - La mala educación
2002 - Hable con ella
1999 - Todo sobre mi madre
1997 - Carne trémula
1995 - La flor de mi secreto
1993 - Kika
1990 - Tacones lejanos
1989 - Átame
1987 - Mujeres al borde de un ataque de nervios
1986 - La ley del deseo
1985 - Matador
1984 - ¿Qué he hecho yo para merecer esto?
1983 - Entre Tinieblas
1982 - Laberinto de Pasiones
1980 - Pepi, Luci, Bom y otras chicas del montón

Produções:

2004 - La niña santa


2004 - Los sin tierra
2003 - Descongélate
2003 - Mi vida sin mi
2001 - La fiebre del loco
2001 - El espinazo del Diablo
1996 - Pasajes
1996 - Tengo una casa
1993 - Acción Mutante

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Volver (música de Carlos Gardel /


letra de Alfredo le Pêra)

Yo adivino el parpadeo
De las luces que a lo lejos
Van marcando mi retorno...
Son las mismas que alumbraron
Con sus palidos reflejos
Hondas horas de dolor..

Y aunque no quise el regreso,


Siempre se vuelve al primer amor..
La vieja calle donde el eco dijo
Tuya es su vida, tuyo es su querer,
Bajo el burlon mirar de las estrellas Tengo miedo del encuentro
Que con indiferencia hoy me ven Con el pasado que vuelve
volver... A enfrentarse con mi vida...
Tengo miedo de las noches
Volver... con la frente marchita, Que pobladas de recuerdos
Las nieves del tiempo platearon mi Encadenan mi soñar...
sien...
Sentir... que es un soplo la vida, Pero el viajero que huye
Que veinte años no es nada, Tarde o temprano detiene su
Que febril la mirada, errante en las andar...
sombras, Y aunque el olvido, que todo
Te busca y te nombra. destruye,
Vivir... con el alma aferrada Haya matado mi vieja ilusion,
A un dulce recuerdo Guardo escondida una esperanza
Que lloro otra vez... humilde
Que es toda la fortuna de mi
corazón.

Volver... con la frente marchita,


Las nieves del tiempo platearon mi
sien...
Sentir... que es un soplo la vida,
Que veinte años no es nada,
Que febril la mirada, errante en las
sombras,
Te busca y te nombra.
Vivir... con el alma aferrada
A un dulce recuerdo
Que lloro otra vez...

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Volver (Carlos Gardel / Alfredo le


Pera) intérprete Estrella Morente -
(tradução)

Volver (Voltar)

Eu pressinto o piscar
das luzes que ao longe
vão marcando o meu retorno
São as mesmas que iluminaram
com seus pálidos reflexos
profundas horas de dor

E ainda que não queira o regresso


sempre se volta ao primeiro amor que febril o olhar
A velha rua onde o eco disse errante na sombra
"Tua é sua vida, teu é seu querer", te procura e te nomeia.
sob o olhar zombador das estrelas Viver...
que com indiferença com a alma aferrada
hoje me vêem voltar. a uma doce recordação
que choro outra vez
Voltar...
com a testa vagando, Tenho medo do encontro
as neves do tempo com o passado que volta
pratearam minha têmpora a enfrentar-se com minha vida...
Sentir... Tenho medo das noites
que é um sopro a vida, que povoadas de recordações
que vinte anos não são nada, encadeiam meu sonhar...

Mas o viajante que foge


tarde ou cedo detém seu andar...
E ainda que o esquecimento, que
tudo destrói,
tenha matado minha velha ilusão,
guardo escondida uma esperança
humilde
que é toda a fortuna de meu
coração.

Voltar...

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<http://vagalume.uol.com.br/estrella-morente/volver-traducao.html>

Desenvolvimento:

“Existe algo terrível na realidade, mas não sei o que é. E ninguém


me diz, nem sequer você”, se queixa a neurótica Monica Vitti a Richard
Harris, depois de ter dormido com ele, no final de Deserto Vermelho de
Antonioni.

‘Assisti ao filme novamente e essa frase me causou muito impacto.


Gostaria de aplicá-la à minha pessoa, mas não entra nem à força. Esta seria a
minha adaptação:

“Existe algo terrível na realidade, eu sei o que é, mas não


quero dizer a vocês” – ao menos, não de imediato.

Quando digo “realidade”, refiro-me à trama de Volver. O filme está


finalizado, minha aventura acabou e, com ela, minha procura. Finalmente
vislumbro aquilo que queria contar: uma história da Espanha moderna que
acontece no mesmo lugar, com os mesmos personagens, onde se desenvolve
a Espanha arcaica. No início da filmagem eu não sabia, mas queria mostrar
que, sem trocar de cultura, cenário, personagens, época e costumes, tampouco
sem renunciar à “profundidade” da Espanha tradicional, existe uma Espanha
que exala luz e bondade. E essa é a que retrato em Volver.’ ¹

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1 – Revista Bravo! Nº 106 ano 9, Junho de 2006

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O Filme:

A trama de Volver começa no cemitério, Dia de Finados, onde as


mulheres da região espanhola de La Mancha trocam as flores e limpam os
túmulos de seus familiares. A morte é tratada com tal naturalidade que os
habitantes do povoado compram seus próprios túmulos e cuidam de suas
lápides desde cedo, para que quando morram, já esteja tudo pronto. A cena
emblemática anuncia aí, em meio a uma ventania, um dos pilares da história. A
morte, o sobrenatural. Os mortos e vivos convivem sem problemas numa aldeia
castigada pelos ventos leste, que, como um elemento místico, são a “causa
direta do alto índice de insanidade registrado lá” e responsável pelos diversos
incêndios que devastam a área em todos os verões. Assim como está marcada
a cultura manchega, as personagens enfrentarão os fatos entre a vida e a
morte. Passarão pelas transformações causadas por assassinato, morte por
velhice, assombrações do passado, uma doença terminal, uma ressurreição e
finalmente a morte psicológica de um passado causador de mágoas,
separações e dor.

Através ainda do segredo, elemento facilmente identificado em filmes de


família, Almodóvar fará se desenrolar a sua trama. Assim como o DNA, o
segredo é passado de geração em geração. Cada personagem tem o seu. A
revelação deles é que nos levará a compreensão do comportamento de cada
um e ao abraço final.

Raimunda e Soledad limpam o túmulo de Irene, a matriarca desta família


estritamente feminina. Ela havia morrido junto ao marido num trágico incêndio.
“As mulheres aqui vivem mais que os homens”, comenta Sole. As irmãs vivem
em Madrid, mas sempre voltam à pequena cidade de sua infância, La Mancha,
onde ainda mora a tia Paula, uma senhora idosa que já não enxerga bem, nem
pode se virar sozinha em casa mas recebe ajuda diária da vizinha Agustina,
amiga de longa data da família. Há também boatos de que o fantasma de Irene
tenha aparecido para a tia Paula. No entanto, para a tia, o tempo nunca passa.
Beirando já a caduquice, quando as irmãs chegam a sua casa com Paula, filha

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de Raimunda, a tia, de mesmo nome, pergunta a Raimunda se ela já deu à luz,


ao que ela responde que sim, “há quatorze anos atrás”. As mulheres do interior
olham umas pelas outras e fazem visitas para assegurar-se de que estão bem.
Raimunda demonstra muito afeto e preocupação através de uma estreita
ligação com a tia, que já não tem tanta intimidade com Sole. Esta diferença só
nos será esclarecida mais tarde. Sole é a irmã tímida e sensível, que tenta
agradar a todos.

No andar de cima da casa, uma bicicleta ergométrica intriga Sole. Pela


idade avançada, não é um objeto que tia Paula usaria. Vê o retrato da mãe na
parede; se arrepia. Aproxima-se e sente o cheiro no guidão da bicicleta – lhe é
familiar. Antes de irem embora, Raimunda, sua filha Paula e Sole visitam
Agustina, a amiga de infância, que está com câncer e cultiva uma plantação
caseira de maconha, segundo ela diz, para fins terapêuticos, tentando
convencer dos benefícios médicos da sua plantação. Ao rever as amigas, vê as
fotos de família na parede e comenta sobre sua mãe: a primeira hippie do
povoado, era moderna, praticava o amor livre e teria desaparecido
misteriosamente há anos atrás. A irmã de Agustina, cantora, nem sequer a
visita. Trabalha na televisão. Raimunda pede a Agustina que vigie tia Paula
quando puder e explica que a tia está muito velhinha para ficar tão sozinha.
Agustina, solícita interiorana, concorda.

Pela estrada de aerogeradores (conversores de energia eólica em


energia elétrica) elas voltam para casa. Numa citação aos moinhos de vento do
personagem conterrâneo Don Quixote, herói regional conhecido pelas fantasias
exaltadas, Almodóvar instaura a loucura onírica freqüente nos seus filmes,
buscando a todo custo a materialização de desejos surreais, como a
ressurreição dos mortos ou a solução para driblar as fatalidades da vida.
Raimunda comenta: “- Droga de vento leste, enlouquece as pessoas” “– Como
ela (tia Paula) cozinha se não consegue enxergar?”

Chegando em casa, Paula cumprimenta o pai, senta-se despojadamente


no sofá e o olhar de Paco prenuncia os próximos acontecimentos. A mãe fala
para a ela sentar com as pernas fechadas. O pai, que assistia um futebol na
televisão, já havia bebido muitas latas de cerveja e, ao ser repreendido por

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Raimunda, revela que foi demitido – desviando do olhar das duas. A notícia
leva a uma discussão. Paula se retira e Raimunda atesta: “- Somos uma família
pobre e viveremos como uma família pobre. Acabou a TV a cabo! Paula, larga
esse celular!”. A seguir, a seqüência em que Raimunda lava a louça é repleta
de cenas importantes: a faca após o jantar, simboliza Raimunda no seu
cotidiano, como mãe, esposa, cozinheira, faxineira, chefe-de-família. Este
objeto aparece como uma premonição, em que o diretor nos indica que os
elementos de tensão apresentados na família poderão piorar. Para reforçar a o
contexto, o padrasto passa sorrateiramente pela porta do quarto e vê a menina
se trocando através de uma fresta. Na cena seguinte, vemos que Raimunda
está cansada e preocupada com sua tia e Paco, por outro lado, deseja fazer
sexo com ela. O casal tem problemas na cama, ela explica que está cansada,
que tem que acordar cedo e rejeita a investida dele. Ele a repreende por ter
chamado-o de “chato”. Ela pede desculpas, como quem assume que é um
direito dele querer sexo no casamento, mas vira para o outro lado reforçando
que não é de sua vontade naquele momento. Paco, ainda que contrariado,
masturba-se ao lado de Raimunda, que chora, disfarçadamente, ao sentir que
o marido simplesmente não a compreende ou que a trata como objeto sexual.
No dia seguinte, ela volta à cansativa rotina de trabalho. Lava pratos na
cozinha de um restaurante, cuida de roupas numa lavanderia e faz faxina para
sustentar a família. Durante o dia faz inúmeras ligações e não consegue
resposta.

Sua vida vira de ponta-cabeça quando ela encontra sua filha em pé na


chuva, em estado de choque. Descobrimos que era para Paul que ela estava
ligando e que, excepcionalmente, a garota não estava grudada ao celular.
Raimunda pergunta o que houve e Paula não consegue responder, nem sequer
entrar em casa na frente da mãe. Raimunda anda na frente e pergunta: “- Qual
o problema? E seu pai, onde está?”. Paula só consegue dizer: “- na cozinha”.
Aos gritos, Raimunda dá vê algo no chão. “- O que aconteceu?!” e Paula narra
como o pai tentou estuprá-la, ela ameaçou defender-se com a faca, ele insistiu
e ela enfim o matou.

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Num filme de Almodóvar sobre mulheres, ele acaba reservando o papel


desencadeador da tragédia ao personagem masculino. Numa cartada trágica
tradicional, o diretor tira o chão de Raimunda e sua filha, deixando as
desamparadas a ponto do espectador não resistir em tornar-se solidário,
testemunha e cúmplice dos acontecimentos da história.

Raimunda mal pode acreditar. Em estado de choque, abraça a menina e


nós podemos ver o pânico em seus olhos. E ele é um sentimento óbvio neste
momento, mas não imaginamos o quanto encontra eco na alma da
personagem. Sem hesitar em proteger a filha, ela assume para si o assassinato
e manda que a menina vá para o quarto, enquanto ela vai dar cabo, como
repete em seu dia-a-dia, da limpeza, agora da cena do crime. Só agora, após
visualizar o acontecimento, vemos o corpo de Paco estendido no chão e
Raimunda contornando-o. Unindo o absurdo ao cotidiano, ao invés de pegar
um pano, a primeira coisa que vem à cabeça dela é: papel-toalha! E através
dele, embebido de sangue, Almodóvar nos seduz pela plasticidade, a poética
da união do ordinário ao extraordinário. Ele denota o crime resultante da
truculência presente no pai e, em resposta, mostra a naturalidade feminina na
da resolução doméstica, e que, muitas vezes para sobreviver, age fazendo o
que é necessário mas evitando refletir muito sobre a dura realidade de uma
sociedade machista, que as deixa vulneráveis. Depois de usar o esfregão e
tudo que estava ao seu alcance, Raimunda lava a faca, antes suja de comida,
agora impregnada de sangue, mudando o rumo de suas vidas.
Somos espectadores cúmplices do ocultamento do corpo e entendemos
as intenções de Raimunda quando, determinada e atenta, já retira as últimas
estantes da geladeira. Como em toda situação de suspense, toca a campainha.
É Emilio, dono do restaurante ao lado da casa. Ele queria deixar o
estabelecimento para alugar: “- vou para Barcelona e queria deixar a chave
com você”. Apesar de ser este um momento absurdamente inoportuno para tal
conversa, Raimunda vê nesta uma saída – ela precisa ganhar tempo e
esconder o corpo a qualquer custo. Ainda tentando disfarçar seu nervosismo, é
surpreendida pela observação de Emilio: “- O que é isso no seu pescoço? Você
se machucou?”. Ela desconversa numa catarse de humor obscuro: “- Não é
nada. São coisas de mulher”. Fecha a porta e, como se a visita inesperada não

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bastasse, o telefone toca. É Sole. Raimunda pede a Paula que diga que ela
está muito ocupada para atender. Mas o assunto é urgente: –“Tia Paula
morreu”. Raimunda fica ainda mais abalada, mas responde que não pode
ajudar, e que um dia Sole vai entender. A porta se abre. Mãe e filha dão
continuidade à decisão que tomaram à força e carregam o corpo de Paco
enrolado em uma manta. Levam-no até o restaurante. –“Fique na porta e vigie.”
Raimunda esconde o cadáver enrolado numa manta dentro do freezer da
dispensa do restaurante.

No dia seguinte, Raimunda vigia o corpo sozinha. Batem à porta. Apesar


do susto, ela tem uma boa surpresa. Negocia almoço para uma equipe de
cinema, o que a daria trabalho, algum sustento e se passaria perto de onde ela
pudesse esconder o morto até que consiga se livrar dele.

Ela agora caminha pelas ruas do bairro, tentando resolver o problema


que criou para si mesma ao se fazer passar pela dona do restaurante. Precisa
descobrir como fará para comprar comida para tanta gente. Nesse mesmo
curto caminho entre o restaurante e sua casa está a solução: as vizinhas,
amigas. Ela pede casualmente os ingredientes e cada uma vai se prontificando
a ajudá-la. Nessa cena, Almodóvar nos mostra uma engrenagem que move o
roteiro adiante e forma um ponto de equilíbrio no filme: a cumplicidade
feminina. Esta seqüência é um exemplo de como ele revela e resolve uma
necessidade da trama com simplicidade e casualidade de enrubescer. Por
outro lado demonstra que a Divina Providência se mostra real através dos
pequenos milagres, pessoas comuns e a generosidade de um simples “bom
dia”.

Enquanto isso, resta a Sole comparecer ao velório de tia Paula, mesmo


sabendo-se que ela tem verdadeiro pavor de defuntos ou de fantasmas. Ao
entrar na casa da família, ouve barulhos e chama por Agustina mas é
surpreendida e assombrada pela aparição da mãe. Irene pede que a filha
converse com ela, mas Sole, em estado de pânico, corre para a casa em
frente, a de Agustina. Numa cena curiosa que, de certa forma, tematiza com
humor sofisticado o universo radicalmente feminino do filme, Sole chega ao
velório da tia e, esbaforida, abre uma cortina. Dá de cara com uma multidão

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formada exclusivamente por homens. “Sala errada”, conclui, voltando ao


corredor até ser recebida carinhosamente por Agustina que a encaminha para
o lugar certo, o quarto onde a tia está sendo velada. Ali, uma confraria de
mulheres, todas de luto, recebem-na para dar-lhe os pêsames, a ponto dela se
sentir sufocada. Nesta cena, Almodóvar faz uma plongé com a câmera e
mostra a multidão de mulheres de preto disputando para falar com Sole, como
abelhas. Umas puxam, outras empurram e Sole fica em inerte em meio a tudo
isso, ainda em choque.

Agustina, supersticiosa, conta a maneira sobrenatural sobre como foi


avisada da morte da tia. Ouviu batidas na porta de sua casa e uma voz lhe
chamando para entrar na casa da frente. Ela levanta a hipótese de que Irene
esteja ainda assombrando a vila – “Dizem que ela voltou para cuidar da sua
tia”, diz a Sole. O cortejo segue o caixão.

Sole, atordoada, dirige pela estrada de aerogeradores, movidos a vento.


O folclórico “vento leste enlouquecedor” passa lhe pela cabeça. Ao chegar à
cidade, deixa o carro no estacionamento, e ouve uma voz abafada. Ao descer
dele, ouve a voz da mãe chamando-lhe. “Minha mãe está morta. Você deve ser
seu fantasma, seu espírito”, responde. “- Me chame do que quiser, tire-me
daqui, estou no porta-malas”. Assustada, mas obediente, abre o porta-malas de
onde ela ressurge para Sole, atordoada com o encontro. “- Soledad, minha
filha, não tenha medo de mim. Sou sua mãe. Não vai me abraçar?” Sole,
apática, atende ao pedido e ajuda a tirar suas malas do carro. Há uma crítica à
religião, mas isso é feito de forma extremamente sutil, quando Irene mostra a
mala de Tia Paula dizendo que havia recolhido todos os objetos de valor antes
que as vizinhas viessem remexer a casa. Ou seja, as mesmas mulheres, tão
católicas que lutavam para dar os pêsames à sobrinha da falecida seriam as
primeiras a ir em busca de seus objetos de valor material.¹

Chegando em casa, Sole pergunta “– Vai passar a noite?”. “– Para onde


mais iria?” diz Irene, pedindo a cumplicidade da filha. Raimunda liga à noite e
dá uma satisfação a Sole por não ter ido ao funeral da tia. “-Paco nos deixou.
Ele simplesmente foi embora”. A mãe escuta a conversa das filhas mas sua

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presença na casa de Sole é mantida em segredo. “- Nenhuma de nós deu sorte


_______________________________________________________________

1 – KOWALSKI, Camila, DOS SANTOS, Nina “Almodóvar retorna a Almodóvar”, 2007:4

com os homens”, Irene lembra que o ex-marido de Sole a abandonou,


trocando-a por uma das clientes que freqüentavam seu salão de beleza. Sole
concorda, mas não entende porque a mãe se inclui na observação. “- Você
amava o papai” e ela lhe revela que ele sempre a enganara com outras
mulheres. De madrugada, a filha medrosa acorda de sobressalto e caminha
para o quarto da mãe. Observa-a pela fresta da porta como que certificando-se
de que não fora tudo um sonho ou delírio. Depois, aproxima-se deitando na
cama junto com ela, como uma criança faria.

A comida é parte importante no filme porque socializa essas mulheres, é


culturalmente ligado ao cotidiano feminino e é usada como forma de passagem
no filme. Sopas, pratos, facas, doces anunciam os passos dessas mulheres.
Entre outras coisas, mesmo quando não estão fazendo comida, podem,
ocasionalmente, falar sobre ela. Raimunda está distribuindo os rendimentos do
restaurante entre as amigas, por elas terem ajudado-a com o almoço urgente.
Elas também a ajudam a arrumar o bar. Sole também já esta acordada
pintando o cabelo da mãe antes do salão abrir. – “Mamãe, há alguma coisa que
quer que eu faça? Algum negócio inacabado?”. “- Quero que pinte o meu
cabelo”, despista Irene com a autoridade de mãe. Sole explica o funcionamento
do salão para a mãe, que se finge de ajudante russa para as clientes.
Raimunda sobe as escadas e instrui Paula: “- Se Sole perguntar de Paco, diga
que não sabe de nada. Não pense muito nisso. Quanto menos pensar, melhor.”
Com esta fala, a personagem mostra a maneira como lida com os traumas na
sua cabeça. É uma mulher que tem uma vida dura e muitos problemas a
resolver: sua vida a ensinou a pensar positivo e a suprimir lembranças e
reflexões para sobreviver.

Numa cena naturalmente doméstica e cômica, no meio de tantas


atribulações, Raimunda vai ao banheiro e fareja um cheiro conhecido: “que
cheiro de pum!” Caminha para o quarto, vê o vestido da mãe na cama e

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novamente sente o cheiro. Comenta com Sole como a mãe delas costumava
soltar muitos puns. As duas caem no riso. Irene, escondida debaixo da cama, ri
também. “– Quase posso ouvir ela rindo entre nós também” estranha
Raimunda; Sole ri um pouco mais alto para disfarçar a presença de Irene. No
guarda-roupa, vê as coisas da mãe e da tia Paula. As bonecas antigas, porta-
jóias. Ao ver que Sole estava guardando as jóias de família sem ter lhe
avisado, acusa-lhe de ter tentado apropriar-se delas injustamente e vai embora.
Sole sente-se péssima pela má interpretação da irmã, mas não diz nada para
proteger a mãe.

No restaurante, Paula e Raimunda estão arrumando o bar para uma


festa da equipe de cinema: “- o motor do freezer ainda funciona?”, pergunta a
filha, que tinha ido à dispensa buscar um martelo e vira a luz acesa. Raimunda
a proíbe de entrar lá e diz que se sente mal de mantê-lo lá dentro. Enquanto a
mãe se maquia, Paula não consegue sair do quarto. Ela pede que Paula se
apresse, e ela diz que não consegue ir sabendo que o corpo está no
restaurante. Que ainda está traumatizada por “ter matado o próprio pai”.
Raimunda lhe faz uma revelação: “- ele não era seu pai”. Paula, confusa
responde, tentando averiguar: “- então falava a verdade?”. Raimunda, nervosa
por ter que voltar ao assunto, senta ao lado da filha e insiste em lembrá-la e
acalmá-la: “- isso não justifica o que ele fez. Prometo te contar toda a verdade
outro dia”. A pergunta não quer calar: “- Quem é o meu pai?”. Sem mentir, mas
ainda ocultando a verdade responde, mantendo-nos em suspensão: “- Um
homem da Vila”. Paula: “- Eu o conheço?”. Raimunda responde, mas põe um
ponto final: “- Está morto. Juro que lhe contarei tudo outro dia.”

Na festa de despedida da equipe de filmagem o restaurante está cheio.


Sole chega para conversar com a irmã sobre o mal entendido das jóias da tia e
se surpreende com o movimento. Raimunda, já esquecida da briga, está alegre
e até se lembra de um episódio da infância ao ver um grupo de flamenco tocar.
Sole compartilha da lembrança e conta a Paula que sua avó havia ensinado a
Raimunda uma música para que se apresentasse num programa de talentos
mirins. Paula pede à mãe que cante para ela ver. Ela canta, emocionada, a
canção dedicando-a à equipe, irmã e filha. Neste momento, percebemos o

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quanto a música toca Raimunda. E ao mesmo tempo, também revolve além do


que podemos compreender, os sentimentos da mãe, que a ouve escondida de
dentro do carro. Paula e Sole parecem não perceber a representatividade
daquele acontecimento.

Depois de entrar em contato com as memórias através da música e da


festa ocasionada pela presença da equipe de cinema (representantes das artes
e dos sonhos), Raimunda acorda com uma missão inadiável no dia seguinte:
alugar um furgão. “- O menor e mais barato que tiver, apenas por um dia”, diz
ao telefone. Um homem liga em seguida para alugar o bar. Ela o despista.
Depois explica a Emilio que acabou ficando com o restaurante, mesmo com
todos os protestos dele por ter tomado a iniciativa contra os planos pré-
estabelecidos do aluguel. Mas muda completamente de idéia ao saber, por
Raimunda, que ela e a filha haviam sido abandonadas por Paco, e solidariza-se
com elas. Vai a casa de Sole deixar Paula e visitar Agustina no hospital. Esta
pede a Raimunda que lhe diga a verdade sobre sua mãe “- você me deve isso”.

No salão de Sole, as vizinhas conversam sobre a televisão. Os


programas que assistem, mas principalmente desabafam: “- quando me sento
em frente, não consigo sair. Começo a me sentir mal, mas não consigo me
levantar. É como uma droga”. Outra vizinha diz: “-Parei de assistir à noite ou
não consigo dormir”. Ambas dão voz a uma crítica pessoal de Almodóvar. Paula
conhece a avó no quarto. Ela lhe mostra as bonecas com que Raimunda
brincava quando estava grávida dela. Paula pergunta: “- por que não morava
com vocês?” A resposta de Irene não revela a origem do problema: “- Seu avô
foi para a Venezuela e eu fiquei com Sole. Sua mãe ficou com a tia Paula.
Quando pequena era a menina dos meus olhos, até que foi se afastando de
mim até eu perdê-la completamente.”

Assim como Paula e Irene se conhecem dando origem ao desvelamento


de segredos, as cenas seguintes alternam a saga de Raimunda para enterrar o
corpo de Paco e a iminência da ressurreição de Irene para a filha. Raimunda
compra fita adesiva, pá etc e aluga o furgão. Volta à casa da irmã para buscar
a filha e é recebida com um sonoro: “- Como vai RAIMUNDA!?” ela estranha a
maneira de falar de Sole e pede “-Deixe Paula dormir aqui. Paco vem

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conversar esta noite e quero estar sozinha”. Sole concorda e Paula,


compreendendo as entrelinhas, também. A adolescente guarda os segredos de
todas, e há outros ainda de que ela nem sabe.

Raimunda está de novo se virando com a ajuda das amigas que a


auxiliam a colocar o freezer no furgão. Ela ainda pede à vizinha Regina que lhe
faça um favor: que a acompanhe sem lhe fazer perguntas garantindo-lhe pagar
pelo seu silêncio. “- Diga-me que não matou ninguém”. Raimunda não lhe
explica nada para não comprometê-la, mas as duas passam a noite inteira no
trabalho braçal de sumir com aquele freezer. Em troca, Regina quer trabalhar
no restaurante, fazendo os drinks por um mês, o que lhe daria bom rendimento.

Na terceira elipse de tempo e significados que marcam este roteiro,


novamente está Raimunda com a faca, cortando um pimentão na cozinha do
restaurante. Agora, o objeto sinaliza a volta de estabilidade em sua vida ao
conseguir enterrar o marido e seguir com o sucesso na nova ocupação. Mas a
faca também prenuncia que ainda há algo não resolvido. Há ainda algo a ser
desenterrado.

Agustina chega para pressionar novamente pela verdade. Ela pergunta a


Raimunda se sua própria mãe estava viva ou morta e lhe diz que ela teria
sumido no mesmo dia em que os pais de Raimunda e Sole morreram.
Raimunda, desconversando, pergunta a Agustina porque ela não havia
entregado o caso da mãe à polícia. Respondendo a Raimunda e ao
espectador, em geral, que certamente em algum momento pode ter sentido a
falta da polícia na trama, resume: “- A polícia faz perguntas demais. Vim aqui
porque roupa suja se lava entre a gente e não na TV”, responde. Querendo
livrar-se dos questionamentos, Raimunda retruca que “precisa trabalhar”. Em
seguida resolve ir com Paula à casa de Sole.

Paula, sabendo de todo o trabalho que a tia tem tido para esconder a
mãe, diz à sua própria: “- Devíamos ter avisado a tia que viríamos (...) Não é
educado aparecer sem avisar mesmo que seja sua irmã” Raimunda, já
impaciente: “- O que há com você e Sole?”. Mais uma vez Sole as recebe aos
berros: “ – o que faz aqui RAIMUNDA!?” A irmã já estranha o comportamento:

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“- Porque está gritando? Está surda? Vim falar com você sobre a papelada da
casa da tia Paula”. Uma das clientes reclama a desaparição da ajudante russa
que a havia deixado com o cabelo por lavar e falando sozinha. Sole tem que
explicar a Raimunda que havia acolhido uma ajudante na rua (...) Raimunda
acha estranho e reclama que tenha dado tal abertura a uma estranha. Sole
desconversa e pergunta de Paco. Raimunda responde que ele havia pegado as
roupas e achava que ele estaria com outra, “- Mas não sei aonde, e nem quero
saber”. Logo em seguida as duas escutam a voz de Agustina, que não resiste
aos apelos da irmã, e aparece no programa de televisão “Donde quiera que
estés”, de pessoas que procuram amigos e parentes desaparecidos. Almodóvar
inclui aí, uma crítica apropriada à exploração costumeira que os programas de
televisão fazem de dramas pessoais, apelando para a baixaria em busca de
audiência.

Enquanto a apresentadora especula sobre o desaparecimento da mãe


de Agustina, cita que ela era hippie, praticava o amor livre e ficava largas horas
fora de casa. Agustina confirma as falas, naturalmente, sem maldade. Mas a
platéia vai aos risos e ela percebe que a apresentadora está lhe constrangendo
ao expor os fatos de sua vida ao público de auditório, que apenas se diverte.

A apresentadora pergunta se sua mãe poderia ter algum transtorno


mental, ao que responde que não. Ainda querendo alongar o assunto no
programa, a apresentadora pede que Agustina fale sobre o suposto
envolvimento entre sua mãe, a amiga e o marido que morreram no incêndio,
conforme ela havia comentado com a produção do programa. Agustina começa
a se recusar a falar sobre o que diz serem apensa suposições da cabeça dela.
Mas é justamente o que interessa para o tipo de programa, explorador de
dramas pessoais e a apresentadora, contrariada pela falta de colaboração da
entrevistada, recorre ao apelo da doença dela.

Apresentadora: “- Mas não fique nervosa. Você está entre amigos. Uma
salva de palmas para Agustina”, num típico deboche de mal gosto do programa
falso acolhedor.

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Explica a todos os telespectadores que ela está lá porque quer fazer um


tratamento para a doença em Houston, mas para tanto, teria que contar toda a
história como havia prometido à produção. Agustina se retira do estúdio sem
dizer nem mais uma palavra. (Ao perceber-se ridicularizada, recusa-se a dar
maiores informações).

A passagem do pudim nos traz de volta ao ambiente doméstico da cena


seguinte. Na cozinha, Raimunda comenta que Agustina lhe pressionou para
saber a verdade sobre a morte de sua mãe e afirmou que o fantasma de Irene
continua sendo visto. Sole fica quieta e Raimunda pergunta se ela já estava
sabendo disso. Sole responde que uma vez a mãe lhe contou. Mas não
consegue olhar para Raimunda. Ela vira para Sole: “- Olhe para mim. Há algo
que eu não sei e que deveria saber?”. “- Muito”, responde Sole, preparando
Raimunda para lidar com a nova realidade que se apresentará em breve. “-
Mamãe tem aparecido constantemente...” Sole fala como se a mãe fosse de
fato um fantasma e conta que ela continua aparecendo, mantendo o caráter
fantasioso da conversa. Raimunda, impaciente e mantendo-se na realidade
insiste que Agustina está ficando louca, Sole retruca que todas as evidências
na casa de tia Paula levavam à presença da mãe, que ela estava lá o tempo
todo e resgatou as coisas na mala de tia Paula. Se a mala está na casa,
Raimunda pergunta, já desconfiada, “- Você a viu?” Sole afirma com a cabeça.
Os olhos de Raimunda vão se enchendo d’água. Conclui: “- Ela é a Russa?
Onde ela está?”. Sole acusa com a cabeça a direção do quarto. Se os
fantasmas de verdade aparecem com uma aura esfumaçada ou translúcida, os
de mentira simplesmente se escondem aonde podem. Paula acusa a presença
da avó embaixo da cama onde está sentada, assim como uma criança “dedura”
a outra. Emocionada, Raimunda levanta a colcha e olha debaixo dela, como se
faz quando se brinca de esconde-esconde. Um gesto singelo em contraste com
um forte desvelamento emocional e reencontro.

Raimunda pergunta o que a mãe faz debaixo da cama, lhe cobra “- você
não estava morta?”. E, na primeira resposta de Irene, está implícito o segredo
entre elas. De que Raimunda insiste em fugir e a mãe, além de voltar de uma
falsa morte, lhe responde, contundente: “- Eu voltei para pedir o seu perdão. Eu

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não sabia, minha filha. Eu não podia imaginar.” Num ataque de choro e raiva
pelo choque emocional da visão da mãe e lembrança do passado, Raimunda
deixa a casa da irmã, levando a filha junto. Simplesmente não sabia como
reagir a tantos sentimentos. Sole, que também viu o encontro, estranha que a
mãe tenha falado em perdão e pede para que conte a verdade a ela também.
Irene promete contar depois. Quase chegando perto de casa, Paula insiste que
Raimunda volte e converse com a mãe. Raimunda titubeia um pouco e volta.

Numa bela cena, Irene e Raimunda olham-se nos olhos uma da outra.
Caminham juntas até o banco da praça. Almodóvar faz nesta cena uma citação
ao filme Belíssima de Luchino Visconti. A mãe, sobrevivente, nos contará seus
segredos apenas através do olhar e do abraço e lhe dispensa, com a palavra e
o colo, o cuidado que não agüentava mais esperar para dar à filha:

Irene: “- Não sei por onde começar. Mesmo que estivesse morta eu
voltaria para pedir perdão por não perceber o que lhe aconteceu. Eu estava
cega. Eu soube no dia do incêndio”

Raimunda: “- É verdade que deixou o papai?”

Irene: “- Sim. Eu não agüentava mais as traições. Na tarde do incêndio


você ligou e falou com sua tia. Não quis falar comigo, como sempre. Fiquei
zangada. E quanto mais eu reclamava mais sua tia a defendia. Então ela me
contou tudo. Como seu pai a estuprou, você engravidou e que Paula é sua filha
e sua irmã. Eu não pude acreditar como pude permitir tamanha
monstruosidade sem perceber? Então eu entendi seu silêncio e sua frieza.
Entendi porque seu pai foi trabalhar na Venezuela incapaz de assumir a
desonra que tinha feito. Entendi porque depois de casar com Paco você veio
para Madrid e não quis mais nada a ver conosco”

Raimunda:“- Eu odiei você por não ter percebido”

Irene: “- E você tinha toda a razão. Quando soube, você não imagina
como fiquei. Eu fui até a cabana pronta para arrancar os olhos dele. Eu o achei
dormindo nos braços da mãe de Agustina, ambos exaustos. Eles não me viram.

Volver a Almodóvar e às mulheres – Flora Menezes Simões Corrêa – monografia Comunicação


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Eu ateei fogo na cabana. Ventava muito. Logo o fogo devorou tudo. Eles nem
tiveram tempo de acordar”

Raimunda: “- Então as cinzas no seu túmulo são as cinzas da mãe de


Agustina?”

Irene: “- Sim. Depois andei perdida pelo campo não sei por quantos dias.
Escondida. Como um animal. Eu decido me entregar. Mas antes, fui visitar sua
tia Paula. Ela estava tão mal. Quando me viu, ela não me estranhou. Eu vim do
passado que era onde ela estava vivendo. Ela me recebeu como se eu tivesse
acabado de sair pela porta. A tragédia a fez perder a pouca razão que lhe
sobrava. Eu não podia deixá-la sozinha, então fiquei cuidando dela até que ela
morreu”

Raimunda: “- As pessoas da vila pensam que você é um fantasma”

Irene: “- Essa é a vantagem desses lugares supersticiosos. Foi mais fácil


deixá-los acreditar do que dizer a verdade. Eu pensei que fossem me prender.
Eu não imaginei que eles não investigariam ou me puniriam. Mas todo este
tempo, eu juro que foi como viver no purgatório”

Raimunda: “- Disse bem”.

Não é por acaso que a personagem da Carmen Maura é


fantasmagórica; ela é realmente o espectro de um tempo que já não
existe, em que as fronteiras entre homens e mulheres eram tão
simbólicas como físicas (como aquela cortina que os separa na
magnífica cena do velório), em que o quotidiano se fazia tanto de
cheiros e saudações ruidosas (pequenos momentos altos do filme)
como de prepotências e crimes impunes.²

Embora sob uma falsa identidade fantasmagórica, o diálogo explicita


uma diferença social de gênero, mas que Almodóvar menciona só através de
símbolos: Se o pai de Raimunda comete o crime de violentar a filha e isto lhe é
motivo de vergonha e de punição, ele foge para a Venezuela. Mas depois volta
e vive debaixo da conveniência do segredo mantido pela filha e por tia Paula, o

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que geralmente acontece com filhos nesta situação. Geralmente, eles vivem
com medo que algo de pior lhe possa lhes acontecer se denunciarem a
violência doméstica, como é comum até por parte das autoridades questionar a
_______________________________________________________________

2 - http://anodaorquidea.blogspot.com/2006/09/volver.html

veracidade dos fatos ou até mesmo atuar com repressão, coação e


constrangimento da vítima. Raimunda, ainda adolescente, talvez tivesse medo
de uma resposta contrária deturpada, uma vez que toda a estrutura familiar é
teoricamente centrada no chefe-de-família. Sem saber o que fazer, ela poderia
ter se apavorado diante da hipótese da mãe ou irmã não ficarem do lado dela,
sob pena de desestruturar a família e sustento dessas mulheres. Ou mesmo
poderia esperar uma reação contrária das pessoas de uma região e cultura
controlada por homens. Por sua vez, a personagem de Irene, dando asas ao
ideal quixotesco, ainda que levado ao extremo do assassinato, sente-se tão
arrebatada ao descobrir a violência que a filha sofreu, e junto às desilusões que
seu marido lhe causou que, age num ato, assim como ele, de animalidade e
descontrole. E no entanto, Almodóvar não vai nos contar uma história de que
homens são “a escória da Humanidade”, vivendo num irracional mundo de
testosterona. Os dois personagens deste filme, talvez, sim. Mas é interessante
como o diretor da controvérsia mostra a personagem de Irene também no
exercício da violência, inerente a qualquer ser humano. Ele não quer dizer que
as mulheres são justas numa reação civilizada de procurar polícia, ou a justiça
ao invés de revidar esses homens, simplesmente. Ele mostra a mulher no
exercício de seu ódio e irracionalidade também, como na forma de um desejo...

agora de vingança. Esta é uma das faces do cinema do diretor que nunca
faltam nos seus filmes. Se nos comovemos com uma injustiça sofrida, um
personagem não fica sem demonstrar a sua maneira de reagir ao mundo.
Quase sempre interferindo em questões de ordem simbólica profunda nas
sociedades. Assim o fez com os protagonistas de Matador; com o amável
enfermeiro Benigno, que nos brinda com intensa sensibilidade com as
mulheres mas nos surpreende ferindo a ética médica em Fale com Ela; com o
marginal Ricky de Ata-me que ama demais porém seqüestra seu amor; com a

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Manoela que tem que superar a morte de um filho e assumir outro do mesmo
pai que antes odiou em Tudo Sobre Minha Mãe, e assim restaura a contradição
de seus personagens e heróis que estão geralmente certos e errados ao
mesmo tempo, mas nunca menos intensos.

É claro que Irene mata para se livrar daquele que perturbou a sua vida
até as raias da loucura, mas não poderá viver em sociedade. Não haverá
cúmplice ou vítima de seus atos que a defenda no meio das beatas católicas
do povoado de interior. Até mesmo Agustina desconfia da verdade mas insiste
em manter a imagem de Irene como a de um fantasma, irreal e intangível.

Finalmente, as quatro estão de volta à estrada, de volta à vila da


infância. Pelo rio, pela floresta onde Irene se escondeu. “- Fazíamos
piquenique aqui, lembra-se Raimunda?” diz Sole. Irene e Raimunda estão em
paz com seu segredo. Sole também não precisa mais esconder a mãe da irmã.
Mas há ainda outros segredos entre elas. Raimunda diz a Paula em particular:
“- Este era o lugar favorito de seu pai.” “- De Paco?”, ela quer entender ou
investigar. “- Sim. Era a única coisa da qual ele sentia falta, o rio”. Com o
silêncio e uma simples menção que Raimunda faz coma cabeça, Paula
aproxima-se de uma árvore à frente delas, onde está escrito um obituário. “-
Fico feliz que ele esteja descansando aqui”, entende Paula.

Chegam ao vilarejo à noite e vão para a casa da falecida tia Paula,


cozinhar e comer juntas. Batem à porta. Irene se esconde e Paula esconde o
prato em que a avó comia à mesa. É Agustina. “- Vim me desculpar pelo
programa de TV”. Sole, indignada, afirma que ela realmente não deveria ter
ido; “- Não está certo”. Agustina assume que não se trata de uma justificativa
plausível mas conta a elas que teriam lhe oferecido uma viagem para ser
tratada por médicos de Houston, nos Estados Unidos, e que ela ficou
esperançosa mas, na hora, não teve coragem: “- Prefiro morrer tranqüila em
casa sem vergonha de olhar nos olhos de vocês”. As três se solidarizam com
ela e ficam impressionadas com a decisão que tomou para proteger os
segredos de família. Agustina se lamenta que, por não ter dito o que a irmã
havia lhe pedido no programa sensacionalista, ela tenha simplesmente rompido
relações e se afastado totalmente. Solidarizadas, as amigas de infância

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concordam que a irmã de Agustina é considerada imperdoável por tê-la


deixado doente e tentado se aproveitar da situação no programa de TV.

Apesar de toda a loucura de La Mancha, dos assuntos fortes tratados no


filme, há um código de ética muito claro em Volver: Irene foi responsável pela
morte de seu ex-marido e da mãe de Agustina. No entanto, apesar de
assassina num determinado momento, ela seria incapaz de deixar Agustina
morrer sozinha com câncer terminal. Ela abdica momentaneamente à nova
vida de reconciliação com as filhas para, ainda como “fantasma” naquele
vilarejo, resolver mais “assuntos pendentes” cuidando da vizinha e lhe fazendo
companhia até o fim, também com muito carinho, afinal ela também é como se
fosse da família.

A força dos ventos de La Mancha arrastam os latões de lixo nas ruas,


lembrando-nos do caráter onírico do primeiro elemento no roteiro. Irene
aparece, como um fantasma, para cuidar de Agustina: “- Soube do seu
problema. Imagino como deva estar se sentido só. Eu vim cuidar de você”.
Agustina caminha para o quarto e Irene a acompanha. Ela promete cuidar de
Agustina, e conversar sobre o que ela quiser desde que não diga a ninguém
que ela voltou. Irene agradece por ela não ter falado nada na TV. Agustina
responde “- É assunto nosso”. Irene está na sala assistindo televisão.
Novamente, Almodóvar faz menção ao filme de Visconti. Anna Magnani
aparece na tela da televisão num momento do filme em que um personagem
cita Pinóquio, uma lenda relacionada à mentira, e de fato este também é um
filme sobre as mentiras que as mulheres contam. Raimunda bate à porta, não
se contendo em querer conversar com a mãe. Irene atende

Irene: “- O que está fazendo aqui? Entre”.

Raimunda: “- Senti sua falta. Você vai ficar aqui?”

Irene: “- Sim, até o final. Agustina está muito mal. Depois do que fiz à
mãe dela, o mínimo que posso fazer é cuidar dela até que morra”.

Raimunda: “- Tenho muito o que lhe contar. Eu não contei sobre Paco,
sobre o que eu fiz”.

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Irene: “- estou doida para saber, mas você deve ir agora. Nos veremos
todos os dias. Daremos um jeito”.

Raimunda: “- Não sei como pude viver todos esses anos sem você”.

Irene: “- Não diga isso Raimunda, ou começarei a chorar. E fantasmas


não choram”. Despede-se da filha, fecha a porta e caminha para o quarto de
Agustina.

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Sobre as filmagens:

A primeira surpresa da última película de Pedro Almodóvar reside em sua


origem. O diretor explica como, em uma viagem que fez a Porto Rico, ficou
assombrado pelas notícias dos jornais locais e entre elas, lhe cativou a história
de um homem que havia se separado de sua esposa mas continuava muito
apaixonado por ela. A família a protegia, evitando o reencontro dos dois. Assim,
desesperado, o homem decide assassinar sua sogra porque crê que, assim, no
funeral, se encontrará com sua ex-esposa e poderá declarar-lhe seu amor
incondicional. Evidentemente, depois do assassinato a situação piora e não só
a família não quer mais saber dele, e a esposa tampouco.

A partir desta história surge o personagem Emilio, o dono de um


restaurante que vemos no filme e, inicialmente, deveria ser o protagonista da
trama. Ele e seu restaurante deveriam ser a salvação do bairro, um lugar onde
Raimunda e seus familiares se reencontram e encontram a tranqüilidade. Mas
à medida que Almodóvar ia introduzindo detalhes na biografia de Raimunda, de
sua mãe...

Quando comecei com Raimunda, vi que para que esta


situação fosse interessante, esta mulher teria que ter neste
momento um problema enorme, e assim lhe coloquei também um
morto em cima. Este foi o início. Não sei se este senhor de Porto
Rico chegou a matar a sogra ou não, mas dali saiu a idéia do
filme. ( disse Pedro Almodóvar, em entrevista)

Até o último momento foram considerados dois roteiros, duas idéias para
o argumento do filme. E a escolha final, segundo Almodóvar, nem sequer foi
sua. "Foram as mulheres (da produtora). Intuíram que era este o que precisava
ser feito. Eu vinha de um filme de homens muito difícil (Má Educação). Foi a

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pior filmagem da minha vida. E acharam que eu me sentiria bem voltando à


comédia. Voltar às mulheres. Voltar a trabalhar com Penélope, com Carmen. E

1 – Disse Almodóvar ao ser entrevistado para a Cineuropa por Carlo D'Ursi

tinham razão”. O personagem Emilio cede seu absoluto lugar de protagonista a


essas mulheres.

Almodóvar já vinha amadurecendo a idéia há algum tempo. Em A Flor


do Meu Segredo (1995), a personagem principal, interpretada por Marisa
Paredes, é uma escritora que assina romances água-com-açúcar até que seu
próprio relacionamento desmorona e ela fica sem saber o que fazer. O
romance seguinte ganha outros contornos, uma história diferente das que
costumava contar: uma mãe descobre que sua filha matou o pai quando este
tentava estuprá-la, e esconde o corpo do marido no freezer do restaurante
abandonado ao lado de sua casa. Onze anos depois, Almodóvar pega essa
história "recusada" e transforma em uma das tramas de Volver, cujos
personagens são figuras que retornam, que precisam se recuperar de mortes
ou acontecimentos traumáticos que lhes diminuem a capacidade de agir. Como
disse em entrevista:

De certa maneira queria levar às telas este ajuste de


contas que às vezes tardam séculos para levar-se a cabo e que
ás vezes vão sendo levados às custas dos netos, ou sobrinhos de
sobrinhos e creio que isso acontece em qualquer lugar da
Espanha, não somente em La Mancha. Para mim era importante
ressaltar que existe a outra Espanha, a oposta e que se
desenvolve, vive e sobrevive nos mesmos lugares onde se
desenvolvem atos cruéis da que podemos chamar de Espanha
negra. Quero dizer, La Mancha é uma zona com grande tradição
neste tipo de tragédias ².

Conforme escreve em seus “Diários de filmagem de Volver”, publicados


na página oficial de Almodóvar e na do filme, na Internet, ele descreve

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importantes momentos da filmagem. Para tomar a decisão de começar um


filme, a primeira pergunta que faz a si mesmo é: voltará a sentir a mesma
_______________________________________________________________

2 – idem a 1

paixão que teve pelas histórias anteriores novamente? Ao que responde: “Com
“Volver” a resposta é afirmativa, claro. De novo tenho a sensação de ter nas
mãos uma história (fábula, tesouro e segredo) onde anseio me abismar”.

Do outro lado da minha mesa, na El Deseo, sentadas em


frente a mim, tenho as atrizes que protagonizarão “Volver”. Cada
uma delas significa uma importante volta: a mais esperada,
Carmen Maura. E duas voltas a mais, cheias de sentido e
sensibilidade: Penélope Cruz, com quem trabalhei em outras
ocasiões, e Lola Dueñas, com quem trabalhei em “Fale com Ela”
(uma enfermeira, companheira de Javier Câmara). (...) Proponho-
lhes começar a ler para quebrar o gelo. Trabalho de mesa, como o
chamam os de teatro. Às vezes as interrompo para explicar
detalhes sobre suas personagens, anedotas reais em que me
apoiei. Uma leitura não chega a ser um ensaio mas eu sempre me
excedo. Sem me dar conta, me pego indicando lhes tons,
intenções veladas, paralelismos misteriosos. Carmen caça minhas
insinuações ao vento. Penélope e Lola se lançam com soltura e
aparentemente sem medo. Há muito medo nos primeiros
balbucios, mas eu não os noto, ou não quero notar ³.

“Apesar de ser o diretor”, diz, “isso não significa que não me dê trabalho
quebrar o gelo. Mas nisso consiste, entre outras coisas, ser diretor (num país
europeu, ao menos). Sou (...) a chaminé que esquenta o ambiente, a mãe-pai-
psiquiatra-amante-amigo que com uma palavra sensível lhe faz recuperar a
segurança. A questão consiste em que o diretor conduz um trem sem freios e
seu trabalho é conseguir que o trem não descarrile. Assim o veria Truffault.”

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O longa-metragem é um filme com os já esperados dramas e situações


inusitadas recorrentes na obra do diretor. Sempre utilizando uma fotografia
carregada nas cores fortes, diversas cenas demonstram o apuro técnico da
direção, como a hitchcockiana limpeza do assassinato (com trilha sonora de

3 – “Diario de Rodaje de Volver”, disponível em:


<http://www.clubcultura.com/clubcine/clubcineastas/almodovar/esp/diario01.htm>

suspense) ou o tocante momento no qual Raimunda e Irene se abraçam em


um banco de praça, com a câmera filmando de longe. É importante notar que,
neste filme, os acontecimentos trágicos acontecem, mas não há representação
ou imagem dos atos criminosos, não é a intenção do diretor exemplificá-los ou
explorar acontecimentos brutais como muitos filmes de Hollywood. É um filme
de atrizes. Os fatos são contados pelas personagens, com grande
dramaticidade, em conversas íntimas – sobre os assuntos que elas
compactuam em deixar só entre família. Quando o espectador descobre algum
dos muitos segredos de cada uma, isso ocorre através dos diálogos, olhos nos
olhos, que elas têm e nós, apenas imaginamos cada cena ao mesmo tempo
em que elas nos explicam detalhadamente. A maneira de narrar cria os
quadros imagéticos em nossas mentes e é, por isso, cinematográfica. O que é
privilegiado é a análise comportamental de cada personagem frente aos
acontecimentos.

Almodóvar nos conta uma das observações que definiram a escolha dos
enquadramentos para filmar a história dessas mulheres:

“Não me perguntem por que mas ‘Volver’ é uma história que


se conta através dos olhos dos atores. Desde o princípio me senti
obrigado a vê-los, e este impulso, um pouco abstrato mas muito
poderoso, me obrigou a uma planificação determinada em que
quase não se notam os enquadramentos nem os movimentos da
câmera. Embora o roteiro seja inflexível, não é nada até que elas
o incorporam. É um filme onde o importante são as atrizes. E eu,
com toda a humildade, optei por ficar muito próximo delas. É um
filme muito físico, os corpos transmitem toda a emoção. Ver o
decote de Penélope com as medalhas não é só mostrar o que tem

Volver a Almodóvar e às mulheres – Flora Menezes Simões Corrêa – monografia Comunicação


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de soberbo; é a representação da maternidade. É um espetáculo


de atrizes." 4

O espectador é uma testemunha do dia-a-dia dessas mulheres.


Almodóvar diz: ”Neste filme se fala muito, se oculta muito, se escuta muito e

4 - “Diario de Rodaje de Volver”, disponível em:


http://www.clubcultura.com/clubcine/clubcineastas/almodovar/esp/diario07.htm

para ser uma comédia (isso disse a equipe) se chora muito”. Ao deixar os
personagens masculinos para a ação de coadjuvantes, o cineasta abre uma
porta e cria um espaço para a idealização de um mundo feminino com leis
próprias. O diretor pode se deter por mais tempo nas belas interpretações que
as atrizes fazem da vida emocional das personagens também porque a maioria
dos homens está morta, como, já do começo, observava Sole: “As mulheres
aqui vivem mais que os homens”.

O roteiro nos remete a uma região espanhola onde a morte não tem um
caráter trágico; as pessoas convivem tranqüilamente com o desaparecimento
das pessoas: elas mantém os seus familiares presentes de tal forma nas
conversas e objetos, que dão a impressão de que eles nunca morrem. Trágico
é o que acontece entre os vivos: o choque entre o desejo e o direito sobre o
próprio corpo, a violência, medo, traição, abandono, exploração, omissão,
defesa, vingança, doença, assassinato; e, ao mesmo tempo, nunca deixará de
existir o lado do bem, apresentado aqui na forma de redenção, respeito,
cumplicidade, perdão, conciliação.
Almodóvar conta-nos em seus Diários, assim como esta naturalidade
com que convivem os vivos e mortos, o real e o irreal, o fantástico com o
cotidiano, o imaginado com o real, o sonho com a vigília, gostaria que enquanto
assistisse o filme, o espectador se sentisse invadido por uma sensação onírica
permanente. Durante as filmagens, refere-se a si mesmo e à atrizes como
sonâmbulos ou hipnóticos, talvez com o sentido de entrar em contato com o
inconsciente, movimento que as personagens fazem através de seus medos e
fantasmas:

Volver a Almodóvar e às mulheres – Flora Menezes Simões Corrêa – monografia Comunicação


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Espero, sonolento, que o cameraman tenha ensaiado os


movimentos com a câmera e que o diretor de fotografia tenha
criado a atmosfera. Então eu entro, indico aos atores como devem
se mover pelo cenário e porquê; normalmente grudo e me movo
com eles. Depois lemos o texto, impregno-o de minhas intenções,
que muitas vezes estão nas entrelinhas, sugiro o tom e elas
seguem, aplicadas, as minhas indicações. Cada chefe de equipe
tem que corrigir algum detalhe no último momento. Volto a indicar
aos atores a música de cada palavra, a duração de cada pausa, a
tessitura de cada frase. Dirijo-os como se fossem cantores
sonâmbulos de uma ópera cuja única música são suas palavras.
Totalmente desperto, me situo junto à câmera, ou em frente ao
monitor de retorno que, conectado à câmera, reproduz o plano. A
partir deste momento, meu corpo é como um conglomerado de
100 Kg de adrenalina. Sou todo olhos e ouvidos que vigiam os
atores em seu delicado, neurótico e comovente jogo. Na décima
primeira semana de filmagem só o meu trabalho com os atores,
único e intransferível em todos os sentidos, consegue me
despertar. 5

A montagem do filme é trabalhada de forma a manter o jogo de


expectativas que Almodóvar pretende: quem é o pai de Paula? Por que
Raimunda tem tanto receio do passado? O que houve entre Irene e sua filha?
E mais inúmeras outras questões. O espectador é surpreendido pelos novos
elementos, introduzidos pouco a pouco. 6

Sobre a ambientação, elemento que aos poucos também revela as


respostas, vemos La Mancha caracterizada em planos abertos pelo horizonte
vazio (representação do vento), estrada poeirenta, rural, por onde raramente
transitam carros ou tratores e uma aparente desertificação humana na vila de
casas todas parecidas, brancas, sóbrias, mas com o privilégio de uma calma e
contato com a natureza que geralmente não se tem na cidade: os pátios
interiores, cheios de vasos de plantas.

Me lembro da terra vermelha, dos campos amarelos, as


oliveiras cinza-esverdeadas e os pátios cheios de vida, vasos,
vizinhas, poços de segredos e solidão. Solidão feminina. (Trinta

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anos tiveram que se passar para que eu conhecesse a solidão


masculina). Muitas de nossas mães terminaram suas vidas na
companhia das vizinhas porque os filhos tiveram outras vidas para
viver. Adoro a austeridade dessas ruas, o solo petrificado, as
janelas de ferro preto, sem qualquer adorno, o rodapé escuro, a
luz intensa do dia. 7
http://www.clubcultura.com/clubcine/clubcineastas/almodovar/esp/diario0
7.htm (5, idem ao 6) 7 - KOWALSKI, Camila, DOS SANTOS, Nina 2007:4
Já em Madrid, há prédios no horizonte, as paredes dos interiores das
casas são coloridas, ainda que em tons pastéis, e os muros, cobertos por
grafitagens. Os moradores do subúrbio, assim como Raimunda, vão e voltam
do centro de ônibus a cada dia da jornada de trabalho. O restaurante, antes
fechado, apagado e vazio que vai sendo colorido e decorado pela vizinhança e
a presença da equipe de cinema. Há ainda o ambiente do hospital onde
Agustina tem que se internar, apresentado numa primeira tomada em quadro
aberto, com a devida sinalização médica e o fragmento de um letreiro que
forma a palavra “urge”. Nas cenas seguintes, Agustina revela a Raimunda a
razão de sua angústia e a pergunta que não quer morrer sem que lhe tenha
sido respondida: o que acontecera com a mãe dela? E também temos a
ambientação do programa “Donde quiera que estés”, em metalinguagem,
enquadrando o equipamento de televisão (grua, câmeras, técnicos) num
cenário de cores fortes de programa de auditório sensacionalista.

Interessante a mudança gradativa de tom do começo para o final do


filme. No início, Volver se alimenta de um clima de mistério, acentuado pela
música de Alberto Iglesias e pelo som do vento uivante da região rural mística.
Depois, uma série de eventos torna o filme um pouco pesado: a morte de Paco,
o câncer de Agustina, a morte de Tia Paula, o aparecimento de um fantasma.
Aos poucos, com o esclarecimento dos mistérios e a praticidade com que as
irmãs Raimunda e Sole contornam seus problemas, o filme vai ficando mais
leve e mais colorido.
Em relação aos filmes da fase mais recente do diretor com a ênfase no
vermelho e azul, constatamos que, em Volver, ele abre um pouco mais de
espaço para uma fotografia mais colorida nas roupas que escolhe para o

Volver a Almodóvar e às mulheres – Flora Menezes Simões Corrêa – monografia Comunicação


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núcleo familiar: como verde, roxo, rosa, amarelo, principalmente nas cores
vivas das roupas da filha adolescente. Embora possamos reparar com mais
atenção que alguns dos figurantes ou objetos ao fundo são ou estão de
vermelho e azul, como num intertexto com filmes anteriores (a exemplo de Ata-
me e Tudo Sobre Minha Mãe, repletos de azul e vermelho, dos cenários aos
figurantes, protagonistas e objetos). Uma verdadeira obsessão. Podemos
perceber que o vermelho e azul compões as cores das cenas fortes
emocionalmente: Raimunda liga do trabalho para casa, preocupada; veste azul
ao transportar o corpo de Paco; Paula está de azul e vermelho enquanto
esconde Irene; mãe e filha estão vestem as cores no monólogo na praça, são
alguns dos exemplos. A estamparia das roupas das mulheres de Volver
acabarou tornando-se o material gráfico de fundo com que trabalhou a
divulgação e identidade visual do material do filme (posters, cartazes, fotos).
Como exemplo, podemos citar o principal pôster do filme que tem o rosto de
Penélope Cruz adornado pelas flores da saia que usa numa das cenas mais
fortes do filme: a visão do corpo de Paco na cozinha.

A caracterização de Raimunda é feita através de uma maquiagem


inspirada nos filmes neo-realistas italianos do fim da década de 50, início da
década de 60. Almodóvar nos diz que a personagem de Penélope é uma
mulher da limpeza, muito humilde e tinha pensado desde o princípio nas
matronas italianas dos anos 50, “porque a tradição da dona de casa lá é mais
um ícone de feiúra do que de beleza”. (...)“E eu não queria deixar Penélope
feia. Me pareceu muito interessante que fosse assim, porque nem todas as
mulheres que vivem na falta em casa, têm que ser feias. Inspirei-me numa
Sophia Loren mais popular” 8. Penélope Cruz também declarou que a
aparência de Raimunda é inspirada na maquiagem de Sophia Loren em início
de carreira, no penteado de Claudia Cardinale em "A Moça com a Valise"
(Valerio Zurlini) e no figurino de Anna Magnani em "Belíssima" (Luchino
Visconti), personagens marcadas por sua força e sex appeal. Ela usa
enchimento para avolumar os quadris.
Durante meses, a atriz se preparou para a cena em que Raimunda canta
a música-título do filme. A voz que ouvimos é a de uma das maiores cantoras
espanholas da atualidade, Estrella Morente. Penélope teve que estudar os

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movimentos e expressões de cantoras para dublá-la. "Era uma seqüência


importante para Pedro. Ensaiei a maneira de mover as mãos, de me sentar,
essas coisas que as cantoras de flamenco nascem sabendo. Filmei a cena
olhando nos olhos de Pedro. Cantei para ele" 9, disse.

_______________________________________________________________
8 – ARANTES, Silvana FOLHA DE S. PAULO disponível em <http://cinemeto.zip.net/>
9 – idem ao 8

No roteiro de Volver há uma longa seqüência, protagonizada também por


uma estrela deste filme, que é quase um monólogo porque só fala um
personagem, o interpretado por Carmen Maura. Toda a equipe já estava ciente
da importância desta seqüência desde que começaram o filme e tanta
expectativa deixava Carmen um pouco nervosa. “Ela queria rodá-la o quanto
antes para tirar esse peso de cima de si”, disse o diretor. Nesta seqüência Irene
explica a sua filha Raimunda as razões de sua “morte” e as de sua volta à vida.

“Me interessa como Buñuel ou Bergman tratam a aparição


dos mortos, sem mudar a iluminação nem criar um efeito
extraordinário. Os fantasmas aparecem sem efeitos pirotécnicos
diante das pessoas que pensam neles. São fantasmas interiores”
10, pontua Almodóvar.

Segundo ele, a seqüência foi escrita “ao longo de seis intensas páginas
e seis não menos intensos planos”. E nos revela: “Esta (...) é uma das razões
pelas quais eu queria rodar Volver, chorei todas e cada uma das vezes que
corrigi o texto. (Me sinto como a personagem que Kathleen Turner interpretava
em Tras el corazón verde, uma ridícula escritora de novelas, muito kitsch, que
chorava enquanto as escrevia)”.

É maravilhoso comprovar que Maura não mudou como


atriz. Não aprendeu nada porque já sabia tudo, mas manter esta
chama intacta ao longo de décadas é uma tarefa admirável e
difícil que não poderia dizer de todos os atores com que trabalhei.
(...) Minha própria voz interior me leva a pensar nesses últimos
vinte anos, o tempo transcorrido entre “La ley” e “Volver”. Em
como mudamos, melhor dizendo, como mudei, porque acredito

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que pessoalmente Carmen quase não mudou. Continua sendo a


doce gaiata, que foge de complicar-se na vida e que a vive com
um humor relaxado e sem protestar. Em comparação com ela,
noto que todo eu sou mais pesado, não só fisicamente. Antes,
minha carga era muito mais leve. Os contratempos e as
dificuldades acendiam em mim uma faísca disparatada que não só
os desativava como às vezes os convertia em inspiração. 11

O caráter familiar do projeto se evidencia no envolvimento das irmãs de


Almodóvar. Num filme que fala como nenhum outro das tradições, da cultura da
morte e da solidariedade de La Mancha, elas foram assessoras e inspiradoras.
Orientaram as atrizes na tarefa de interpretar as irmãs "de forma" parecida com
as da vida real de Almodóvar e ainda cozinharam todos os pratos que
aparecem na tela. Para ele a presença da atriz Chus Lampreave (tia Paula) é
como a de sua mãe. Os confeitos que Penélope, Lola e Yohana comem na
estrada foram feitos por minha irmã María Jesús e quando tinha alguma
dúvida, chamava minha outra irmã, Antonia, que guarda intactas as lembranças
de nossa infância, dos ritos sociais, religiosos, familiares e vicinais locais, da La
Mancha profunda.

"Minha mãe, na vila, morava numa rua com as mesmas


vizinhas desde criança", explica Almodóvar. "Todas viúvas. Minhas
irmãs cuidavam dela, naturalmente, mas não moravam lá, e foi o
carinho natural das vizinhas, umas com as outras, que as fazia
estarem bem. Essa solidariedade é uma cultura que minhas irmãs
transferiram para Parla. Significa aceitar os imigrantes e ter
relações meio familiares com a pessoa que mora em frente. É
uma coisa muito boa que deve perdurar. Pretendia contar que nos
mesmos domicílios aonde ocorrem os episódios mais obscuros da
Espanha, as pessoas se ajudam. As coisas não são solucionadas
apenas a tiros, mas também se ajeitam. E saber que com o que
contamos é com esta vida. Aqui está o céu, o inferno e o
purgatório."

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La Mancha é uma província austera, conservadora, religiosa e rígida. De


pessoas duras, trabalhadoras do campo, católicas e repressoras. É comum a
prática de suicídio na área. Durante este tempo, via passar por sua casa, típica
de uma aldeia rural, galinhas, ovelhas. As recordações desta vida fazem parte
______________________________________________________________

10 - “Diario de Rodaje de Volver”, disponível em:


http://www.clubcultura.com/clubcine/clubcineastas/almodovar/esp/diario04.htm
11 - Idem ao 10 (“Diario de Rodaje de Volver” página 7)

cavalos, vacas, cachorros e de seus filmes: as conversas de comadres e


vizinhas, todo o mundo rural e kitsch, do qual foi testemunha. Em La Mancha (a
real), as mulheres limpam os túmulos de seus entes queridos às vezes duas ou
três vezes na semana. Todos falam bastante de seus familiares que já
morreram, relembram as suas histórias e assim, sentem se como se eles ainda
estivessem em sua presença. À noite, acendem velas na janela, caso algum
espírito queira lhes visitar.
O luto é um grande símbolo do catolicismo: através dele as pessoas
expressam sua dor, respeito e saudade por uma pessoa falecida. Para cada
parente há um tempo de luto, podendo variar de três meses ao luto eterno, pela
morte do marido, por exemplo. Hoje em dia, o luto já não é mais obrigatório e
as pessoas que não o cumprem já não são mais mal vistas, como eram
antigamente. Os jovens estão, aos poucos, acabando com este costume.
A mãe do cineasta, Francisca Cavallero, que fez até algumas
participações em seus filmes, ficou de luto desde os três anos de idade até o
final de sua vida em meados de setembro de 1999, aos 83 anos. Certa vez ela
comentou com o filho que sentia muita vontade de vestir roupas coloridas. É
claro que o choque entre essa imposição cultural e a vontade genuína de sua
mãe marcaram muito Almodóvar. As suas maiores aliadas contra o luto são as
cores berrantes, vivas, brilhantes e escandalosas da palheta de cores com as
quais ele pinta seus filmes e personagens.

“- Minha mãe representou as melhores qualidades que exploro e adoro


nas minhas personagens: autonomia, independência, força; foi dela que eu
herdei o senso de humor, a ousadia, a determinação.” Conta ainda que quando
era criança ia ao cinema com suas irmãs e depois elas pediam para ele contar

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novamente os filmes, pois, ao narrar, reinventava as histórias e fazia suas


próprias adaptações delirantes.

Ficha Técnica

Título Original: Volver


Gênero: Drama
Tempo de Duração: 121 minutos
Ano de Lançamento (Espanha): 2006
Estúdio: Canal+ España / El Deseo S.A. / TVE / Ministerio de Cultura
Distribuição: Sony Pictures Classics / Fox Film do Brasil
Direção: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar
Produção: Esther García
Música: Alberto Iglesias
Fotografia: José Luis Alcaine
Desenho de Produção: Salvador Parra
Figurino: Sabine Daigeler
Edição: José Salcedo
Efeitos Especiais: El Ranchito
Elenco

[autor - personagem]

Penélope Cruz - Raimunda


Carmen Maura - Avó Irene
Lola Dueñas - Sole
Blanca Portillo - Agustina
Yohana Cobo - Paula
Chus Lampreave - Tia Paula
Antonio de la Torre - Paco

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Carlos Blanco - Emilio


Maria Isabel Diaz - Regina
Neus Sanz - Inês
Carlos Garcia Cambero - Carlos
Leandro Rivera - Auxiliar
Yolanda Ramos - Apresentadora de TV

Algumas análises psicológicas:

Um dos fatos para os quais nos chamam a atenção alguns críticos de


Volver, principalmente aqueles não habituados à ética particular de Almodóvar,
é o fato de aos homens caberem as ações desencadeadoras da tragédia. Ou
seja, há quem afirme que a figura masculina esteja estreitamente identificada
com o mal no filme ou até mesmo que se trate de um “ataque ao masculino”.

Para a psicóloga Ana Cristina Almeida, Doutoranda em Psicologia


Clínica pela FPUC (Faculdade de Ciências da Universidade do Porto), por
exemplo, o filme fala da transgeracionalidade da psicopatologia, do incesto, e
segrega o masculino. “Os homens que aparecem são secundários e
representam de alguma forma, o mal. São os homens que violam, que abusam,
que são desrespeitosos e insensíveis. Na minha opinião, o filme contém um
ataque ao masculino (...) os “maus” estão apenas num dos lados; não há
densidade psicológica matizada pela ambivalência do desejo”.

Almodóvar realmente costuma criar conflitos até maiores do que os que


a sociedade já reprime, através da problemática do desejo, característica que
deixou de lado no filme. Se resta ainda uma lacuna, ela critica, afastando-se do
caráter surrealista do filme, o problema da verossimilhança ao apontar que
“nenhum dos homicídios é condenado no filme, ambos aparecem como
justificados e ninguém é punido por eles”. Mas Almodóvar costuma criar
conflitos do tipo: um enfermeiro perdidamente apaixonado que estupra a
paciente em coma, o obcecado que seqüestra a atriz em sua própria casa,
obrigando-a a se casar com ele, a freira que é seduzida pelo transexual, o

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objetivo de Almodóvar costuma ser puxar o tapete do espectador e Volver não


poderia ser diferente. Não poderia ser “moralmente perfeito”.

Sobre a transgeracionalidade da psicopatologia, Ana explica que ela


está representada na reprodução em duas gerações diferentes de uma mesma
situação:

“A filha abusada sexualmente pelo pai e grávida deste,


escolhe para seu companheiro um homem que vai tentar abusar
da sua filha quando ela tem uma idade próxima a que ela própria
tinha na altura em que foi abusada pelo seu pai. Diríamos que
inconscientemente, Raimunda (Penélope Cruz) aceitou a filha
fruto da relação incestuosa, mas não foi capaz de “resolver” a
zanga e ódio com que ficou em relação aos seus pais,
principalmente ao seu pai, o agressor. Este ódio não resolvido
passou inconscientemente como legado transgeracional e foi
“depositado” na filha que perante uma situação semelhante àquela
que a sua mãe tinha vivido, age o ódio materno, matando o pai.
Raimunda revive a situação de que foi vitima 14 anos antes e,
contrariamente à sua própria mãe, coloca-se do lado da filha e
enterra o marido. A nova situação de incesto ajuda a resolver o
“trauma” que tinha ficado bloqueado. A nova aproximação entre
mãe e filha (Raimunda e a sua mãe) acontece à custa da morte do
pai (morto num incêndio causado deliberadamente pela mulher),
como se tivesse sido reposta a justiça. A pressão para que a
verdade sobre o 1º incesto se saiba é exercida pela filha da
vizinha (Agustina/ Blanca Portillo) que insiste em saber o que
aconteceu à sua mãe”. ¹

Ana Almeida observa que, em certo sentido, o filme é uma aproximação


ao mito de Édipo. “Há um elemento que pressiona para que a verdade seja
investigada (como a esfinge em Édipo); há uma relação incestuosa (como
Édipo e Jocasta) e há a necessidade de voltar ao passado para resolver ódios
e rancores não digeridos”. Em ressonância com esta comparação, e analogia
com o nome do filme, temos o fragmento do texto de Estrella Bohadana para o
livro “Masculino e Feminino no Imaginário de Diferentes Épocas”:

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(...) Caminho que volta para si, o mito é, pois, a experiência


que permite cicatrizar sem que a cicatriz se apague. Revivência, o
mito é a experiência que crê que uma ferida só pode cicatrizar
quando a flecha que causou o sofrimento tocá-la de novo. Há
feridas que só podem cicatrizar pela arma que as provocou.
Indissociável do ritual, o mito assim enfocado seria o provocador,
o evocador das vivências. Vivências tão emitentemente humanas,
que, embora singulares, dizem as mais surpreendentes e
inusitadas formas de perplexidade do homem em face de sua
inexorável condição de mortal, finito e limitado pelas próprias “leis”
da vida. Leis que o levam a ter um viver permeado pela perda,
dor, separação. Porque não há como ter ouvidos para aquilo a que
os acontecimentos da vida ainda não nos deram acesso. Os mitos
fundamentais são aqueles que se referem às vivências radicais da
existência humana, como a do “Poder do Amor” que, por sua
força, inigualável apenas à da morte, jamais deixará de se
apresentar ao homem. Na Índia, o deus do Amor revela-se sob a
forma de um jovem forte e vigoroso, portador de um arco e uma
aljava de setas, entre elas a que se diz pelo nome “Agonia-
portadora-da-morte”: agonia feita da grandiosa afirmação da dor
da vida. A dor de estar vivo. ²

Reclama que “não há uma verdadeira elaboração da experiência


traumática de ter sido abusada sexualmente pelo pai, há sim, o agir de uma
vingança e a aniquilação do agressor. Matar o pai não é solução na medida em
que esse mesmo ato é gerador de um outro trauma”, como Paula diz a
Raimunda “pensa que é fácil ter matado o próprio pai?”. Conclui, enfim:

“No filme a adolescente não mata verdadeiramente o pai,


porque o seu verdadeiro pai era o seu avô. Portanto, na verdade,
no filme, nenhuma filha mata o seu próprio pai; mas a fantasia é a
de que a filha mata o pai. O que talvez Raimunda quisesse ter
feito com seu pai e é realizado por Irene. A morte do agressor não
altera o acontecimento, mas reforça a negação. Se o agressor
está morto, não existe para relembrar a agressão de que se foi
vitima e é mais fácil, num certo sentido, fazer de conta que nada
aconteceu. O desaparecimento do agressor através da morte

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equivale inconscientemente ao desaparecimento da agressão e


da violação. Mas, na realidade as coisas não desaparecem com a
morte do perpetrador, elas mantém-se e continuam a fazer
pressão (a nível inconsciente) para serem ‘resolvidas’”.

1 – ALMEIDA, Ana, disponível em: < http://psisalpicos.blogspot.com/2006/10/volver-de-


almodvar.html> 2 – BOHADANA, Estrella pg 37, capítulo “A unidade primordial: perda ou
fantasia?” do livro “Masculino e Feminino no Imaginário de Diferentes Épocas”

Se matar o agressor, não elimina a violência, o diretor reforça a


capacidade de reação ainda que extrema dessas mulheres. Mesmo que sua
atitude possa ser recriminada. Aqui, revela-se uma característica marcante do
diretor que já parecia escondida no filme, mas que insiste em vigorar: a
provocação do espectador através de seus personagens que fazem, na
verdade, o que querem ou, neste filme, o que acharem justo.

Mesmo discordando da representação do gênero masculino no filme,


Ana Almeida reconhece um dos elementos chave que guiam a ação destas
protagonistas e que do qual surge o nome do filme: “A transgeracionalidade
mostra a importância de “recordar, repetir e elaborar”, isto é, mostra como para
aprendermos a lidar com um determinado episódio traumático temos que o
recordar e por vezes repeti-lo experiencialmente para que o possamos elaborar
definitivamente”. ³

Em resposta a suas observações, resta lembrar que Almodóvar não é


exatamente o cineasta da verossimilhança. Se a versão da história que nos
conta é “sexista”, isto é um parâmetro para torná-la ainda mais ressonante e
livre sobre a visão e a dinâmica interna de cada uma das personagens sobre
fatos ruins de sua vida, mas apesar dos quais elas sobrevivem. Ele tira os
personagens da realidade através da falsa premissa espiritual-fantástica do
filme (a aparição da “mãe fantasma” para resolver “negócios pendentes”),
justificada pela ação dos “ventos enlouquecedores” de La Mancha, uma licença
poética. A diferença entre impunidade e punição aqui, torna os fatos mais
acessíveis do ponto de vista daquelas que sobreviveram, e reforçam o eco de
suas razões no espectador. Uma versão perigosa, mas enriquecedora, desde
que se transforme na própria linguagem do que o realizador quer nos contar. A

Volver a Almodóvar e às mulheres – Flora Menezes Simões Corrêa – monografia Comunicação


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personagem de Paula mata para se defender, a de Raimunda esconde para


sobreviver e a de Irene, mata por desespero, ódio e loucura, tendo que vir
depois a matar a si mesma para conviver em sociedade. Nos grupos onde o
patriarcado deixou uma marca tão forte através do tempo, seria impossível ela
viver normalmente entre eles. E depois voltar a viver por superstição.

3 – idem ao 1

Os assuntos de família devem ficar em família. Essas


coisas de matar o marido mulherengo, de esconder mães mortas
debaixo da cama ou o pai assassinado no freezer são coisas que
(por Deus! Alguém duvida?) devem manter-se em família. Não
deve se meter a polícia, “eles fazem logo muitas perguntas”, diz
Almodóvar , citando a fala da personagem Agustina.

Nesta fase de sua filmografia, percebemos que ele continua elaborando


o abuso sexual, presente na Igreja em Má Educação e agora no lar, em Volver.
Os danos causados pela violência dos adultos sobre os adolescentes são
terríveis. Segundo a psicóloga Cristina Camões, da Universidade Lusíada do
Porto, “constata-se que geralmente a violência sexual praticada contra
menores é praticada por pessoas conhecidas e próximas à vítima, tais como,
família, vizinhos, professores, amigos. Desta forma o agressor ocupa uma
posição de poder em relação à vítima, utilizando esse poder de várias formas
como forma de intimidar a vítima, nomeadamente através de chantagem
emocional ou intimidação e ameaça” – claramente representados em Má
Educação e que só não são levados a cabo em “Volver” por que os agressores
estão mortos. Ainda em relação à realidade dos acontecimentos, e
demonstrado em “Volver”, ela diz: “Quando eventualmente e criança decide
transmitir a alguém os abusos sexuais, muitas vezes já se passaram meses ou
até mesmo anos, o que comprometerá a perícia médica legal”. 4

Esta agressão é potencializada pelo fato do agressor ser o próprio pai,


alguém com quem a vítima tenha vínculos inicialmente de confiança. No filme
de Almodóvar, a violação que Raimunda sofreu na adolescência e que teve,

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entre as conseqüências, o fato dela ter engravidado, exigia uma ação. Ela
acaba por romper com a família, afastando-se do lar. Como nos diz Cristina
Camões, “frequentemente as crianças permanecem silenciosas por não
desejarem prejudicar o abusador ou provocar uma desagregação familiar ou
_______________________________________________________________

4 - CAMÕES, Cristina pg 2: < http://www.psicologia.com.pt/artigos/textos/A0245.pdf>

por receio de serem consideradas culpadas ou castigadas. Crianças maiores


podem sentir-se envergonhadas com o incidente, principalmente se o
abusador é alguém da família. O adulto abusador continua com a sua
conduta de violência porque sabe que de qualquer forma consegue
controlar a criança. Geralmente é uma figura de quem a criança gosta e
confia”. (pg5)

Ao sair de casa, Raimunda sofre uma divisão do ego. Por um lado lida
com a realidade (foi abusada e deu à luz uma filha) e por outro, nega esta
realidade (não diz quem é o pai da criança). Se outras ações poderiam ter sido
possíveis como ter denunciado o pai à mãe ou irmã, junto às autoridades ou
mesmo conseguido ferir o pai para evitar a agressão, Cristina Camões aponta
sobre a realidade dos jovens nesta situação:
“Têm-se assistido a problemas de várias ordens
relacionados com o tratamento que muitas vezes se dá aos
menores vítimas de violência sexual, nomeadamente a demora da
justiça, a insensibilidade de magistrados e polícia. A justiça
representa um papel importantíssimo na violência sexual praticada
em menores, e no combate ao flagelo social. Esta garante às
vítimas a reparação e a ratificação de que não existem razões para
se sentirem culpados, já que são simplesmente vítimas dessa
violência.” (pg 2). E ainda, “São vários os fatores que poderão levar
o menor a silenciar a violência sexual. O silêncio vai permitir que a
violência contra o menor se perpetue no tempo, desta forma será
importante que os adultos estejam atentos aos sinais e sintomas
que poderão evidenciar a existência de violência sexual. (...) estas
crianças alimentam por vezes um sentimento de culpa e vergonha
temendo a desagregação familiar. (...)A instabilidade psico-social

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provoca uma disfuncionalidade familiar, que já por si só é frágil,


prejudicando assim os membros do agregado, principalmente as
crianças e jovens. Deste modo, as crianças e jovens adoptam
mecanismos de defesa e sobrevivência. (pg 13)

Nuria Vidal observa que “não é normal” encontrar pais na


_______________________________________________________________

5 – Idem ao 4, pg 5 / 6 – Idem ao 4 pg 13

filmografia de Almodóvar. Tal constatação permite trabalhar com a hipótese de


que a personagem do pai faria parte de um relato off (...) rompe com a
linearidade progressiva das fábulas baseadas na história de um herói cujo
espírito dominador denuncia o autoritarismo paterno.

Almodóvar admite como verdadeiro a observação de Nuria Vidal e em


resposta declara: “Nunca pensei nisso, mas deve existir algum problema com
os pais. Na época de Laberinto (de Passiones), tinha idéias fixas sobre essa
questão. Agora isso passou porque mudei muito, mas então o complexo de
Édipo era algo que mexia comigo e eu procurava um pai e o procurava nas
pessoas que me rodeavam. O que acontece é que, em razão do meu caráter, o
pai que eu teria gostado de ter, era um pai que me permitisse a possibilidade
de adotá-lo, uma espécie de “filho-pai”.7

Abordaremos a seguir, alguns aspectos da interessante análise do


psicanalista Márcio Antônio Johnsson, no artigo “Algumas idéias em torno de
Volver de Pedro Almodóvar”.

Da visita de Raimunda à cidade de origem, onde passou a infância e


parte da adolescência, decorre uma viagem aos recônditos mais antigos e
escondidos de sua alma e de outros personagens. Ela faz colocações
idealizadas dos pais no cemitério, uma forma de resistir ao contato com a
realidade.

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O reencontro com esse ambiente de seu passado e com as pessoas do


vilarejo vai trazer questionamentos e instigações, principalmente sobre a
possível aparição de sua mãe e a iminência da lembrança de outros fantasmas
do passado. Ela revê a tia Paula, com quem morou enquanto estava grávida.
Estes elementos dão curso a uma aproximação com a sua realidade interna,
que tenta rapidamente apagar, ao desligar a televisão que mostra imagens de
grandes incêndios na região, por exemplo.

7 - VIDAL 1989:59

A aproximação de alguns vestígios da mãe – Irene, onipresente nesta


história – acontece através do reconhecimento no estilo da arrumação da casa,
no cheiro, nas rosquinhas e nas referências sobrenaturais, ainda que tratadas
como naturais pela tia. Esta, apesar de ter apagado fatos marcantes como a
gravidez de Raimunda e o nascimento do bebê endogâmico por causa da
esclerose, enxerga o essencial: “Paula tem os olhos de teu pai!”.

“(...) Há um processo de descongelamento em curso”, nos diz Márcio


Johnsson. A força motriz que movimenta a engrenagem dos acontecimentos
está na morte e “ressurreição”. Logo em seguida, dois fortes acontecimentos
como o assassinato de Paco e a morte de tia Paula vão engatilhar o processo
de reencontro com a mãe, com o passado e, finalmente, a resolução de
“negócios pendentes”.

“Aproveito estas cenas para apresentar uma idéia sobre o


fantasma, apoiado em literatura e clínica psicanalíticas. Baseio-
me em pesquisas de Aberas, N. e Torok, M.

O Fantasma ou espectro é uma criação muito antiga do


homem, passando por Hamlet até os espíritos modernos e
representa a lacuna que criou em nós a ocultação de uma parte
da vida de uma pessoa amada, deixadas pelos segredos dos
outros. Representa o enterro no objeto de um fato vergonhoso. O
fantasma manifesta-se como uma função diferente do recalcado
dinâmico. Funciona com um ventríloquo, como um estranho que
habita o sujeito. Surge em Atenas, como manifestação aguda do

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conflito edipiano. Há um horror à transgressão, em quebrar um


segredo familiar tão rigorosamente mantido, inscrito no
inconsciente. Assim, a lacuna e o incômodo que um segredo como
este deixa na comunicação, produz um duplo efeito oposto:
interditar o conhecimento e induzir a sondagem do inconsciente.”

A filha, Paula, é levada a conhecer sua história por partes: a observação


da tia-avó e as provocações de Agustina na vila. Depois o trágico conflito em
casa, em que seu pai, até então, começa a dizer que na verdade não é seu pai,
confundindo-a e ameaçando-a, ouvirá a confirmação de sua mãe “- Paco não é
seu pai”. Mas Raimunda não vai falar sobre a verdade; pelo menos não agora.
Adia o tanto quanto pode. No entanto, o desconhecimento do passado está
forçando a passagem para que o segredo seja desvelado através da repetição
da tragédia. Talvez na forma de dramatização e concretização com outro fim.

Márcio intitula uma das partes de sua análise como “A questão do olhar
– a dor de ver e de não ver”.

“Em geral, os personagens deste filme parecem partidários do


provérbio: “o que os olhos não vêem o coração não sente.”
Entendendo-se como forma de defesa contra a dor mental, veremos
adiante as repercussões sobre os sentimentos”.

A referência constante do olhar permeia todo o filme, desde a foto


ilustrativa do pôster de divulgação, onde nota-se a ênfase no olhar de Penélope
rodeada de cores fortes, flores kitsch, gritantes, melodramáticas. Temos o olhar
que vê o horror, a violência, a chama da paixão, o olho que não vê (da
cegueira), o que não acredita no que vê (fantasmas), que revê, que se enche
de água, transborda, o olhar que encontra o olhar da mãe. Como passagens do
filme relacionadas com o olhar, Márcio aponta:

A tia cega que vê o essencial, mas apaga o que testemunhou;


Agustina, que precisa rever e mostrar o retrato da mãe desaparecida;
Quem vai ao enterro de tia Paula junto a Raimunda, chama-se Vesga;
Os olhos herdados de Paula, que são evidências do segredo;
Raimunda, que desliga a TV para não ver uma cena de incêndio, que

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testemunha a visão do corpo de Paco na cozinha, que diz de Irene: “minha


mãe tinha cegueira por meu pai”;
Sole, a primeira que vê a mãe depois de tia Paula e não quer acreditar que ela
não está morta;
Irene, que vê as filhas. Primeiro Sole, que sai correndo assustada, depois
Raimunda em partes (os pés), enquanto se esconde para não ser vista;
O encontro de mãe e filha, olhos nos olhos debaixo da cama.

O diretor nos mostra ainda o invisível nas sensações dos personagens,


seus sentimentos e histórias, o vento, os “moinhos” e a presença perturbadora
que não se pode esquecer, ou ocultar; nas palavras de Márcio Antônio, “insiste
em nos sinalizar, manter as luzes acesas, como observamos na primeira
estrofe da música cantada por Raimunda”:

EU ADIVINHO O PISCAR

DAS LUZES QUE AO LONGE

VÃO MARCANDO MEU RETORNO...

“A partir do aparecimento de um ônibus onde se lê VOLVER A SENTIR


é que veremos um significado especial para o título do filme”. Na verdade, esse
ônibus já havia aparecido antes, ao levar Raimunda para casa no dia em que
encontra Paula transtornada na calçada da porta de casa, debaixo de chuva.
Continuando a análise de Márcio Johnsson:

“Almodóvar vai tratar de forma especial da possibilidade de


recuperar emoções (modere), o movimento da vida. Da
restauração das cinzas em direção à revitalização. Há várias
referências e representações de morte ligadas a perdas,
rompimentos, violência, repetições, claustros, apego ao passado
não elaborado, congelamento das emoções.

É no meu entender o cerne do filme, que vai ocorrer a partir


de dois movimentos:

1) Raimunda reencontra a música

2) A reaparição de Irene”

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1) No restaurante, Raimunda esconde o marido e uma história


assustadora, mas deixa se envolver por um ambiente alegre, trazido pela
presença da equipe de cinema, este, ligado à possibilidade de sonho.
Paradoxalmente naquele momento os atores são pessoas reais, isto é, não
estão representando. São o único ambiente do filme onde os homens e as
mulheres se misturam (com exceção de breves cenas de Raimunda no
ambiente de trabalho na cidade). Raimunda conhece alguém com quem
consegue fazer um acordo conveniente para ambos: cozinhar para a equipe.
Ali exerce sua criatividade na cozinha e na obtenção de alimentos com a
solidariedade das amigas.

“Neste clima, acompanhada pela vizinha Regina, da irmã


Sole e da filha, contam-se histórias sobre seu talento musical.
Tomada de emoção e evocações, decide voltar a cantar após
cerca de 14 anos, tempo em que o seu talento ficou
paralisado. Além disso, restabelece o contato consigo mesma
(através da arte), com áreas preciosas que ficaram adormecidas
por anos, com a sexualidade. Ainda, apresenta à filha algo de si
que esta não conhecia apesar de essencial. A música, elemento
que condensa as vivências de Raimunda, suas dores e temores,
seu talento e criatividade, nos trazem uma questão: quem foi o
primeiro amor de Raimunda? Lembremos de Freud em seus
textos de 1931 - “Sexualidade Feminina” onde caracterizando
melhor a teoria edipiana observou a importância de um período
pré –edípico na mulher, tendo a mãe como objeto de amor nesta
fase.”

2) Já Irene, que descobre o que a filha havia vivido e flagra o marido em


mais uma traição, tem um acesso de fúria e desenvolve mecanismos de
sobrevivência:

“Primeiramente tencionava arrancar os olhos do marido,


talvez uma forma de concretizar o mecanismo de identificação
projetiva. Daí queima os corpos, tornando-os irreconhecíveis.
Notem os mecanismos de tentativa de apagar as provas e
equipamento de percepção. Torna-se uma morta - viva,

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encarnando um objeto de superstição local, evidentemente com a


cumplicidade da onipotência do pensamento dos habitantes da
região. Assumindo a configuração de um fantasma, mantém-se
ilusoriamente como um objeto que desperta a dúvida da
percepção das pessoas. É possível que ela mesma tenha
alimentado por muito tempo dúvidas sobre o que suspeitava
enxergar a respeito de sua família. Talvez seu desejo fosse algo
como: “Muito do que se vê não é real.”

Com o passar do tempo, depois de ter cuidado de sua irmã, a tia Paula,
até o fim, Irene passa por completa metamorfose para reencontrar as filhas. Na
ânsia de se reconciliar, principalmente com Raimunda, “passará de uma
emanação sobre-humana, impessoal, assexuada e anestesiada – um fantasma
– a uma emanação humana, singular e incontrolável, na forma de um pum,
uma risada, chegando às lágrimas, sendo assim inconfundível para as filhas”,
nas palavras do psicanalista.

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JOHNSON, Márcio Antônio – Algumas idéias em torno do filme “Volver” de Pedro Almodóvar,
disponível em <http://www.npc.org.br/volver.html> mjohnsson@sbpsp.org.br

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Conclusão:

“No andar superior do prédio que a produtora El Deseo tem


perto de La Ventas, em Madri, Raimunda e Patty Diphusa se
encontram em cima da mesa de Pedro Almodóvar. Duas personagens
de ficção separadas por 20 anos e que a sorte ou o destino uniu nesta tarde de
2006. Raimunda é uma mulher do povo, uma das protagonistas de Volver, o
16.º filme do diretor manchego, de 56 anos, que estreou ontem na Espanha.
Patty Diphusa foi uma estrela pornô, figura emblemática do cenário madrilenho,
protagonista de relatos e fotonovelas em La Víbora na década de 1980. Por
que Almodóvar está diante dessas suas duas criaturas, pré-história e presente
de sua carreira? Porque está imerso na promoção de sua última criação e na
preparação de uma retrospectiva na Cinematheque de Paris. Um projeto
ambicioso, (...) será a segunda exposição monográfica da história da
cinemateca francesa, dedicada a um diretor de cinema. A primeira foi de Jean
Renoir.
O encontro entre Patty Diphusa e Raimunda convida o diretor a uma
reflexão sobre o que as une. A obra. No edifício da sua produtora próspera,
Almodóvar comenta:
"Minha produtora El Deseo me permite ser dono da minha
carreira. Sou dos poucos diretores que pode escolher com total
liberdade o que quer fazer. Mas não importa o poder de produção

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que se tenha, porque a certeza de que um filme vai se sair bem não
é dada pela experiência nem pelo dinheiro. (...) Há um ciclo de
ascensão e queda. Os cantores falam em saber a hora de parar.
Mas não se sabe quando termina o ciclo. Talvez eu já tenha feito
meus melhores filmes e agora resta uma ladeira abaixo. Porém,
penso que não é assim, mas estou consciente de que a ladeira
aparecerá. E isso me atemoriza". ¹

1 - Trecho da reportagem de Eugênia de La Torriente para o jornal EL PAIS; Tradução de


Maria de Lourdes Botelho publicada no jornal O Estado de São Paulo em 18/03/06
disponível em <www.allmodovar.com.br>

“Patty Diphusa, estrela pornô internacional, é


convidada a relatar suas memórias devassas em uma revista
pós-moderna. Contando suas experiências íntimas, a
personagem reflete sobre a cena de Madri na década de
1980, regada a sexo e drogas. Livro de estréia do
consagrado cineasta Pedro Almodóvar, Patty Diphusa foi
publicado originalmente como uma deliciosa série de contos
na revista espanhola La luna”. ²

A causa do Almodóvar rebelde continua, mas ele sabe que as pessoas


se acostumam com a liberdade, as drogas, o sexo e, depois de um tempo, não
precisam mais alardear isso. Ele mesmo admite que uma das maneiras de
rejeitar tudo o que não gostava na realidade era atacando a ordem social com
o sexo, à maneira dele, provocando a opinião pública. Então foi levado a
explorar mais e mais facetas humanas através de sua obra. Podemos dividi-la
até então em três partes: até 1988 com filmes de crítica, denúncia e total fuga
do lugar-comum; uma segunda parte após A Flor do Meu Segredo (1995), em
que privilegia a paixão e sentimentos dos personagens; e a partir de Carne
Trêmula em que suas histórias não tem tanto mais os símbolos gritantes de
outrora, nem a total diversidade de subversão (porque geralmente há alguma
subversão), mas apresentam-se mais verdadeiras, concentradas em

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personagens com histórias fortes e bastante reais, mais reflexivas, talvez. Ele
nos conta hoje e sempre sobre a condição humana e suas contradições.
O conjunto da obra de Almodóvar nos inspira uma fusão de sensações e
idéias, um grito de liberdade às paixões, desejos e a multiplicidade de pontos
de vista humanos. Um ensaio acerca de todos os gostos, todas as escolhas,
todos os sexos, interpretações e vivências. É uma homenagem ao desejo que
move seus atores e atrizes, que circula na trama dos filmes, que atropela todo
e qualquer tabu e transgressão. Amantes que desejam se matar, amarrar-se
uns aos outros, uma história de amor de um homem numa cadeira de rodas, de
um enfermeiro pela paciente, de uma mãe pela filha, pelo filho ou pelo pai, o
2 – Fragmento do livro no site da editora Azougue; disponível em:
http://www.azougue.com.br/detalhes.php?codigo_interno=5487&codigo=102

amor entre homens e entre mulheres, transexuais, amantes. Seus personagens


trocam papéis sociais entre si e sobrepõem sentimentos. Protagonistas ou
coadjuvantes, todos os personagens nos instigam através de uma atitude
inesperada ou tida como amoral, através de uma frase-chave através da qual o
diretor expressa sua visão de mundo por meio de suas criações. Almodóvar
nunca os faz de vítima de nada e de ninguém. A vida surpreende com bons ou
maus acontecimentos, mas cada personagem se recria, conforme a
necessidade, ou refaz a maneira de ver a realidade ao seu redor.

No futuro, Pedro Almodóvar provavelmente será conhecido como "o


homem que amava as mulheres". As mulheres à beira de um ataque dos
nervos ou quase sempre de uma paranóia delirante que o levaram ao
reconhecimento internacionalmente. Homens também têm lugar na sua
filmografia, com seus dramas, afetos e desorientação no mundo. Os
transexuais, as freiras, os padres, policiais, prostitutas: os humanos. A mulher,
para o diretor, é o símbolo da vida, do desejo, da capacidade de gerar algo
novo e autêntico, “é por isso que existem tantos homens que desejam se tornar
mulheres”, diz ele.

“Vocês, mulheres, não são difíceis de entender e, sim,


difíceis de conviver (...) vocês surpreendem mais” disse em

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entrevista na época de “Mulheres à beira de um ataque de


nervos”. A mulher tem interesse em ser um sujeito dramático, pois
não conhecem nem o pudor, nem essa coisa horrível que chamam
de amor-próprio”.

Almodóvar queria que após o fim da opressão da ditadura todos


olhassem a vida com uma nova disposição, principalmente em relação à
sexualidade e ao papel tradicional do homem e da mulher. Queria mudar a
imagem da Espanha machista, enfocada no homem tradicional e na mulher
submissa, para uma Espanha onde a sexualidade é ambígua e onde a mulher
é mais forte. E foi fiel a este princípio em todas as suas obras. Com o tempo,
variou apenas a abordagem.
Anos depois, agora mais velho, retornou à região de Castilla y la
Mancha, de onde saiu há muitos anos e pensou que jamais voltaria. Um dia
todos "voltamos”. Mais precisamente no contexto do filme em questão (Volver,
2006), Almodóvar retoma o mal estar da mulher com as pressões que se fazem
em seu redor. É com um filme do início da carreira do diretor que “Volver” vai
dialogar: Que Fiz Eu Para Merecer Isto? (1984), uma de suas obras-primas.
Marcus Mello em seu artigo “A Mãe Fantasma” analisa:

Os pontos de contato entre os dois filmes são inúmeros - a


mãe sofredora e arrimo de família, o pai assassinado na cozinha,
a permanente oscilação dos personagens entre a cidade grande
(onde vivem o presente) e o pueblo interiorano (lugar de origem,
onde estão enterrados os fantasmas do passado), a solidariedade
entre as mulheres, o crime impune ou a presença do elemento
fantástico - sem esquecer de mencionar, evidentemente, o
reencontro do diretor com Carmen Maura e Chus Lampreave,
duas atrizes que ajudaram a construir a mitologia almodovariana. ³

A história de "¿Qué he hecho yo para merecer esto?" gira em torno de


Gloria, uma dona-de-casa que trabalha como faxineira e tem um marido taxista
machista e envolvido ainda com um antigo amor. Glória não tem um só minuto
livre. Todos exigem muito dela: filhos, sogra, marido... e não se sente feliz.

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Entre eles existe um abismo de desentendimento. Ela é viciada em


anfetaminas e, como Raimunda, tem na vizinha prostituta uma amiga. Ela
começa a perceber que o seu problema é também o de milhares de mulheres
que trabalham o dia inteiro e não têm nenhum reconhecimento; Ela ganha um
pouco mais de liberdade quando sua sogra resolve voltar para o povoado onde
nasceu levando seu filho mais velho, o mais novo vai morar com o amante e
ela, no único momento em que reage a alguém, acaba matando o marido, o
que por bem o por mal põe fim ao seu maior tormento. Ela agora supostamente
3 – MELLUS, Marcos “A Mãe fantasma” crítica para a revista Cinética, disponível em: <
http://www.revistacinetica.com.br/volvercartaz.htm>
pode fazer o que quiser, mas os valores da sociedade e de sua ordem
simbólica vão deixá-la perturbada. Quase a ponto de acabar com sua própria
vida também, Glória vê seu filho mais novo voltando para casa e, por causa
dele, ela resolve continuar a viver.
Embora precise do filho para voltar à rotina, e a um pouco da vida
antiga, Glória consegue superar um pouco sua neurose. É assim que
Almodóvar apresenta seus personagens: a catarse do oprimido sobre o
opressor, ou mesmo a mudança de ponto de vista em relação a papéis sociais.
Seus personagens, em maior ou menor escala, não se incomodam tanto com a
visão que a sociedade tem deles e sim, preocupam-se em serem autênticos e
honestos com seus desejos.
Em Volver, Pedro nos conta uma história de mulheres algozes e vítimas
que são ao mesmo tempo carinhosas e inquebrantáveis. Essas personagens
falam das mulheres que o rodearam quando criança. De como as gerações
amadurecem e atravessam a vida mesmo tendo que conviver com difíceis
episódios de suas próprias histórias ou tradições locais. Como cada uma aceita
ou forja a própria morte ou a dos outros. Como as mulheres lidam com a
companhia ou com sua solidão.

A fórmula consagrada pelo diretor é seguida à risca, com equilíbrio entre


roteiro, direção e atuação. Ao abrirem-se as cortinas, há um lugar comum e
público, com o qual todos podem se identificar, como um restaurante, um pátio.
Ironicamente, este lugar aqui é o cemitério. Depois, discretamente, começa o
distanciamento da realidade e a sua arma para isso é a comédia. Na comédia,

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tudo é possível, as pessoas rolam por escadas ou despencam de uma janela


sem se quebrar. Ela tem o poder de isolar a lógica que move um filme do
ambiente exterior (o nosso cotidiano), tornando mais fácil assimilar as
situações propostas. É assim que Almodóvar nos convida novamente ao
envolvimento com o melodrama. Com este artifício estrutural chega-se ao limite
do absurdo, o que deve manipulado com cuidado porque traz o risco deixar o
filme pesado demais ou às margens do ridículo. No melodrama o trágico é
realmente trágico. Não basta o vizinho morrer de ataque cardíaco, ele tem que
morrer depois de brigar com a irmã mais nova que não via há dez anos e que
tinha vindo à cidade contar que sua mãe milionária morreu sem incluir o nome
dos filhos no testamento, por exemplo . A comédia permite a manipulação do
exagero e as emoções extrapoladas compensando o peso do melodrama e
trazendo uma visão um pouco mais real dos personagens, além de conectar
melhor o espectador com os seus sentimentos e motivações na trama.
Almodóvar faz isso com maestria há anos. O riso é eminente, mas não elimina
o drama. Como o melodrama está muitas vezes ligado à família, podemos citar
a observação feita por Augustín Sanches Vidal em “Luís Buñuel Obra
Cinematográfica”:

(...) o tema da família assume formas muito diversas, mas no caso


do cinema espanhol, ele percorre veredas que passam pelas
circunstâncias do social e se adentram nos porões do
inconsciente. Nesse percurso, os desastres da Guerra Civil não só
deixaram feridas, mas trouxeram à tona nódoas primordiais, já
que, ao se deteriorarem as relações sociais e os espaços da
convivência coletiva terem ficado mais reduzidos, a família teve de
enfrentar seus fantasmas mais íntimos, vendo-se obrigada a
desvelar segredos e a desenterrar velhos fantasmas. Pode-se
dizer, que a deterioração das relações sociais e os ditames da
censura foram os motivos que levaram os principais cineastas
espanhóis à construção de uma “poética da família” – para
expressar os desvios que ocorrem quando as regras de sua
legitimidade moral, religiosa, jurídica e social são desrespeitadas.

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“Quem volta não é um diretor aclamado internacionalmente e sim um


menino", nas palavras do cineasta. 5

4 - SÁNCHES VIDAL 1988:9 Sobre a “poética da família”, podemos dizer que foi
inaugurada na Espanha pelo documentário “Lãs Hurdes de Deus” de Luis Buñuel, em 1932.
Sua fórmula fundamental é o resgate da terra, a mancha de conflitos que o ser humano
derrama sobre o mundo enquanto vive.

5 – “Almodóvar enfrenta a morte e evoca infância em novo filme” Reuters


O filme é um relicário onde se guardam as mais cruéis e mais delicadas
lembranças. Como definiu na ocasião da estréia do filme em La Mancha,
"Volver" é um retorno às suas próprias raízes e à memória de sua mãe: "Me
baseio absolutamente em minha vida, minhas lembranças e as da minha
família”, segundo ele, é "uma comédia dramática, quase um 'Indiana Jones' de
aventuras domésticas". 6 .
“Minha educação foi comandada principalmente por
mulheres, eu quase não via os homens que estavam sempre no
campo. As lembranças mais alegres da minha infância estão
relacionadas ao rio. Minha mãe me levava com ela quando ia
lavar roupa porque eu era muito pequeno e ela não tinha com
quem me deixar. Sempre havia várias mulheres lavando e
estendendo a roupa sobre a grama. Eu ficava perto de minha mãe
e botava a mão na água, acariciando os peixes que vinham por
causa do sabão ecológico que as mulheres usavam, fabricados
por elas mesmas”, disse Almodóvar em entrevista. 7
"Ao escrever o roteiro, não sabia que fazia uma volta à
minha infância, nem que falava de todas as mulheres que me
rodearam quando criança. O filme me proporcionou uma certa
serenidade, mas também me emocionou muito. Tenho a sensação
de ter cumprido um ciclo, algo que teria de fazer. Não se sei os
filmes podem ter caráter curativo para quem os faz (muitas vezes
são repulsivos), mas este teve para mim. Não gostaria de voltar
muito mais, porque ao falar da morte me dei conta que tenho
muito presente na memória a de meus pais. Apesar de fazer seis

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anos da morte de minha mãe e 26 da de meu pai, ainda não as


superei", 5 afirma Almodóvar. 8

Almodóvar nasceu numa província muito conservadora e machista, mas


as mulheres da sua família eram muito fortes. Os homens eram o símbolo do
poder mas eram elas que controlavam a casa e resolviam os problemas na
maior parte do tempo, quando eles estavam fora. No início dos anos 80, havia
6 – Almodóvar volta às raízes e às atrizes-fetiche com "Volver" Agência EFE, 7 – “Textos
adicionales”, Volver (Pedro Almodóvar, 2006), 8 - Entrevista a Eugênia de La Torriente do
jornal EL PAIS, 18/03/2006
muitas mudanças políticas e comportamentais acontecendo no mundo e a
maioria das mulheres ainda era muito submissa, devido à criação, à
convivência com os mais antigos. Almodóvar acreditou no cineasta para criar
uma nova imagem da mulher – forte, segura, agressiva, independente, dona de
si. Hoje as mulheres vão rompendo, aos poucos, os limites que existiram por
anos e anos no mundo. Depois da independência financeira, elas lutam
continuam lutando pela afetiva e sexual. O diretor admira a maneira como são
“donas de sua própria solidão” e seguem as suas vidas sem deixar de lembrar-
se das outras influências e pessoas que as rodeiam – homens, família, amor e
sexo. A atitude dos homens espanhóis mudou muito nas últimas décadas, mas
muitos ainda têm um pensamento machista e preconceituoso em relação às
mulheres mais liberais. Ao tentar ignorar este fato na maioria de seus filmes,
Almodóvar demonstrou um nível de liberdade para as mulheres que só agora é
visto com mais naturalidade, depois que o mundo assimilou a condição pós-
moderna de ser, depois da Globalização, da tecnologia que deslocou a atenção
das massas. O mundo teve que primeiro mudar para depois suportar a abertura
feminina, das relações de gênero. O sexo, o desejo, as prostitutas e os gays
sempre existiram. Mas nos anos 90 modificou-se a abordagem desses temas
nas obras artísticas. A glória de Almodóvar está em fazer as pessoas se
emocionarem com tudo isso e com as mulheres pós-modernas.
Sem precisar fazer uso do furor das bandeiras que levantava nos
primeiros filmes, Almodóvar ganhou um novo fôlego. Talvez fossem uma forma
de exposição e auto-preservação ao mesmo tempo. . No decorrer de sua

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carreira, foi aprendendo a se entregar ao público de outra maneira, talvez a


maturidade o tenha levado a tirar alguns excessos ou fardos de seu sistema,
mas jamais seus ideais e a maneira irreverente de criar roteiros e argumentos.
Em “Volver” temos o vigor de um diretor que se redescobre, se reinventa e,
sobretudo, que se sente leve, vingado e perdoado.
Pode-se observar que em alguns filmes, Almodóvar é até conservador
demais. Tenta proteger os espectadores do que os assusta. Este filme
consegue retratar as dores existentes numa sociedade atual em temas
universais: a pedofilia oculta, a dificuldade de comunicação entre gerações, o
medo da morte, querer esconder a dor de uma vida vivida a dois e mantida
apenas para a imagem da sociedade, a exploração da fragilidade de alguém
por programa de auditório para conquistar lucro e audiência. E as mulheres
almodovorianas, aqui neste "Volver", mentem e mentem muito. Mentem para
elas e elas rebatem de igual para igual. Em um determinado momento de
Volver, passa na televisão Belíssima, de Luchino Visconti. Não por acaso, a
cena do filme que aparece em volver, é a do diálogo em que o Pinóquio é
citado. Penélope Cruz se espelha em Anna Magnani, mesmo sem sabê-lo, na
confrontação ao marido e na tentativa de criar um futuro melhor para sua filha.
Assim como a mãe em Belíssima é uma enfermeira que aplica injeções para
ganhar a vida, é esta a atividade de Irene com Agustina e na cena do
monólogo, Irene abraça a filha, protegendo-a, assim como a personagem de
Magnani abraça sua menina num banco de praça, com um circo ao fundo. Ela,
que tanto havia lutado para que a filha fosse uma revelação mirim no cinema,
percebe que aquela indústria apenas abusou de sua filha. Também Irene
preparou Raimunda para um concurso, com a música título do filme, quando
ela tinha treze anos. Um ano antes de sua vida dar uma reviravolta e elas se
separarem até o encontro final, entendimento e perdão.
O retorno, proposto no título, sugere que as personagens voltam à
própria vida depois de terem permanecido em inércia por tempo demais. “Há
muito para Almodóvar desenterrar neste retorno para suas mulheres. Após uma
longa viagem de auto-conhecimento, ele corre para o abraço daquilo que ama
e cria uma redoma de proteção em torno dessa família, dessa memória. Ele

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jamais permitirá que nada de errado aconteça com Raimunda, Irene, Sole ou
Paula.
“Como em todas as relações apaixonadas, minha relação com o público
passará por etapas muito diferentes, desde a graça até o abandono. Quando o
público não quiser mais saber de mim, cantarei para ele uma canção de
Bambino que diz: Quando ninguém te quiser, quando todos te esquecerem,
voltarás ao caminho onde fiquei. Voltarás como todas, com a alma em
pedaços, buscar em meus braços um pouquinho de fé. Quando de teu orgulho
já não restar uma gota e a luz dos teus olhos começar a se apagar, estarei no
caminho onde me deixaste, com os braços abertos e um amor imortal.” Pedro
Almodóvar

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Volver a Almodóvar e às mulheres – Flora Menezes Simões Corrêa – monografia Comunicação


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ANEXOS
Página 81-2:
Lista de ilustrações

Página 83:
Cenas do filme

Página 84-6:
Sinopse de “Belíssima”, de Luchino Visconti

Lista de Ilustrações:

Página 8:

Volver a Almodóvar e às mulheres – Flora Menezes Simões Corrêa – monografia Comunicação


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Pedro Almodóvar na primeira comunhão, com sua mãe, foto de Francisca Caballero (Madrid,
Collection Pedro Almodóvar) Imagem disponível em: <
http://www.revistacinetica.com.br/obrasalmodovar.htm>

Pedro com máquina de escrever: foto ilustrativa de comunidade do Orkut.

Foto com Fábio McNamara: disponível no site oficial na seção “Su Vida (1980-85)”
<http://www.clubcultura.com/clubcine/clubcineastas/almodovar/esp/cronologia3.htm>

Fotonovela Patty Diphusa en Toda tuya, publicadas nos números 32-33 da revista Vibora
(1982). Roteiro de Pedro Almodóvar, fotos de Pablo Pérez Mínguez. Fabio McNamara
interpreta Patty Diphusa (Madrid, Collection El Deseo). Imagem disponível em: <
http://www.revistacinetica.com.br/obrasalmodovar.htm>

Almodóvar em estúdio: disponível em:


<www.filmreference.com/images/sjff_02_img0559.jpg>

Cartazes:
“Pepi, Luci, Bom y otras chicas del montón”
“¡Átame!”
“La ley del deseo”
“¿Qué He Hecho Yo Para Merecer Esto?!!”
“Tacones Lejanos”
“La Mala Educación”
“Todo Sobre Mi Madre”
Disponíveis em www.allmodovar.com.br ( menu “filmografia”)

Foto de Almodóvar com negativos: disponível no site oficial na seção “Su Vida (1995-2002)”
<http://www.clubcultura.com/clubcine/clubcineastas/almodovar/esp/cronologia6.htm>

Página 18:

Partitura de “Volver”, tango de Carlos Gardel e Alfredo le Pera, 1ª página. Retirado de: “Todo
Tango. La Biblioteca” Partituras. Disponible em: <http://
www.todotango.com/Spanish/biblioteca/partituras/images/volver1.gif>

Estrella Morente, intérprete da canção Volver no CD “Mujeres” (Foto: Rafael Manjavacas)


Disponible em: <http:// www.deflamenco.com/actuaciones/cantedelasminas2005/estrella2.jpg>

Penélope Cruz em “Volver”, foto de Ardizzoni e Emilio Pereda dos bastidores das filmagens de
Volver. Disponível em
<http://www.clubcultura.com/clubcine/clubcineastas/almodovar/esp/diario06.htm#>

Com câmera: retirado de: < i.timeinc.net/.../030212/185442__almodovar_l.jpg> ALMEIDA, Artur


“Realizador da semana: Pedro Almodóvar”

Don Quixote de La Mancha: “Revista Nossa América”, Crônica: “Don Quixote da America”
http://www.memorial.sp.gov.br/revistaNossaAmerica/22/port/12-quixote_da_america.htm

Mulher española

Ilustrações de Toureiros: blog “Fatos e fotos de viagem” de INTERATA, Arnaldo, disponível em:
< http://interata.squarespace.com/jornal-de-viagem/2006/9/26/uma-tourada-em-barcelona.html
>

Página 22:
Cenas do filme:

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Plongé de Raimunda (Penélope Cruz) lavando a faca na cozinha;


As vizinhas sempre de luto de La Mancha;
Sole (Lola Dueñas), Paula (Yohana Cobo) e Raimunda (Penélope Cruz) na festa para a equipe
de cinema no restaurante.

Página 41:
Fotos de Paola Ardizzoni e Emilio Pereda dos bastidores das filmagens de Volver, disponíveis
no site oficial de Pedro Almodóvar, seção “Especiales”: “Diario de rodaje de ‘Volver””
<http://www.clubcultura.com/clubcine/clubcineastas/almodovar/esp/diario06.htm#>

Página 66:
Mapa de Castilla-La Mancha; disponível em: < http://
europa.eu/abc/maps/images/regions/spain/mancha.gif&imgrefurl=http://europa.eu/abc/maps/reg
ions/spain/mancha_it.htm>

Página 83:
Cenas do filme:

Paco (Antonio de la Torre) discute com Raimunda na sala


Sole (Lola Dueñas) pinta o cabelo de Irene (Carmen Maura) no salão ilegal de sua casa
Agustina (Blanca Portillo) e a apresentadora (Yolanda Ramos) do programa “Donde quiera que
estés”
Raimunda (Penélope Cruz), Sole (Lola Dueñas) e a vizinha cliente do salão assistem televisão
Raimunda (Penélope Cruz) com a faca na cena do crime
Raimunda (Penélope Cruz) reencontra a “mãe morta” escondida debaixo da cama
Raimunda (Penélope Cruz) fala com Sole sobre a morte de tia Paula ao telefone e filha
(Yohana Cobo) a apóia
Irene (Carmen Maura) e Raimunda (Penélope Cruz) na cena do monólogo da mãe.

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Belíssima – Luchino Visconti

Itália, 1957

Sinopse

Maddalena Cecconi vive com o marido, Spartaco, e sua filha de 7


anos, Maria, num verdadeiro cortiço da zona pobre de Roma.
Como enfermeira, consegue algum dinheiro aplicando injeções
em domicílio, durante o dia. Fascinada pelo cinema
hollywoodiano, tem a alegria de ver sua casa invadida pelas
luzes e pela vibração de uma tela cinematográfica, já que de seu
quintal é possível assistir aos filmes exibidos pelo cinema ao ar
livre do lado. Essa tela faz com que sonhe em sair um dia de
sua atual pobreza para uma vida de encantos e esplendor.

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Quando a Stella Films lança um grande concurso para a escolha


de uma menina, entre 7 e 9 anos, para ser a protagonista do
novo filme de um famoso cineasta, Maddalena vê, diante de si, a
grande possibilidade de realizar seu sonho através de sua
pequena filha.

Mesmo sem contar com o apoio do marido, ela atende ao


chamado da Cinecittà, levando Maria para disputar a vaga tão
cobiçada por centenas de outras mães. Quando a garotinha fica
entre as candidatas pré-selecionadas, no dia seguinte bate à sua
porta a Sra. Tilde Spernanzoni, um atriz aposentada, que vem se
oferecer para dar aulas de interpretação à Maria. Maddalena em
princípio não aceita a idéia, mas depois, receando que a falta
dessas aulas possa representar a não escolha da filha, decide
fazer mais esse sacrifício, já que a renda da família é baixa.
Logo depois, ocorre o mesmo em relação ao balé.

Em sua obsessão para ver a filha tornar-se uma estrela do


cinema, Maddalena não se dá conta que está expondo sua
pequena Maria a um mundo cruel marcado por uma assustadora
competição e a insaciável sede pela fama. Para sobreviver e se
destacar nesse ambiente, é preciso se dedicar integralmente a
ele e até mesmo se escravizar, obedecendo cegamente às suas
severas regras. Submetida a uma serie de humilhações, a
menina tenta de sua forma comunicar-se com a mãe e expressar
o que está sentindo diante daquela situação, porém um
grandioso abismo torna mãe e filha incomunicáveis, e esse
abismo é exatamente o sonho obstinado de Maddalena.

Depois de mais um árduo dia de atividades, Maria é posta na


cama pelos pais e, após ficar sozinha em seu quarto, cai num
melancólico e contido choro. Ela, a principal vítima e sofredora
das duras conseqüências de um sonho que não lhe pertence, é
ignorada e usada como um ser que não possui o direito de
exprimir seus próprios sentimentos. Somente quando está só,
portanto, surge o momento propicio para emanar e soltar todas
as suas mágoas.

Certo dia, indo com a filha aos estúdios de Cinecittà, Maddalena,


com o auxílio de uma funcionária, fica escondida enquanto o
diretor Blasetti e sua equipe analisam, numa sala de projeção, os
diversos testes das candidatas pré-selecionadas. Ao projetarem
o de Maria, todos começam a rir e a debochar quando ela
aparece gaguejando e, em seguida, chorando sem parar. Tal fato
faz com que Maddalena se dê conta de quão cruel é o mundo do
cinema, principalmente para uma criança de apenas sete anos.
Ela deixa os estúdios completamente arrasada. Enquanto
aguarda um transporte coletivo, sentada com Maria num banco
público, abraça e beija sua filha, desabando num choro incontido.

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Enquanto isso, ao rever o teste da garotinha, até o fim, Blasetti


conclui ser Maria a criança de que precisa para seu filme.
Ordena, então, aos seus auxiliares, que procurem imediatamente
os pais da criança e consigam suas assinaturas no contrato pré-
redigido. Estes chegam à casa dos Cecconis antes de
Maddalena. O Sr. Spartaco os recebe e lhes pede que aguardem
a chegada de sua mulher, pois ela fez tudo sem consultá-lo.

Ao chegar em casa, com Maria, e encontrar os representantes da


Stella Films a esperá-la com o contrato, Maddalena se nega a
assiná-lo. Vittorio Glori, que tem em suas mãos o contrato,
afirma que, uma vez assinado o documento, ela receberá 250 mil
libras no ato, outras 250 mil em uma semana, além de 1000
libras por dia, entre outras coisas. O contrato, em si, deverá
somar 2 milhões de liras. Com todas as reservas da família
esgotadas, Spartaco ainda tenta fazer com que ela mude de
idéia. Maddalena mantém-se firme em sua decisão, alegando
que não colocou sua filha no mundo para ser objeto de risadas e
chacotas.

...

Críticas

Baseado num livro de Cesare Zavattini, "Belíssima" é mais uma


magnífica obra do período neo-realista pós-guerra do cinema
italiano. Realizado por um dos grandes mestres de sua época, o
cineasta Luchino Visconti, que também participou da elaboração
do roteiro, o filme passa uma mensagem sobre os perigos da
fama imediata, ao mostrar o cinema como uma fábrica de
ilusões.

A trama gira em torno de uma mulher casada, pobre, que vive em


um cortiço nos arredores de Roma. Apaixonada pelo cinema
hollywoodiano e, em particular, pelo ator Burt Lancaster, ela tenta
realizar-se ao fazer de tudo para transformar sua filha de 7 anos
numa estrela mirim da Cinecittà. Nessa sua luta, as reais
necessidades da criança não são levadas em consideração, de
modo que, sua filha não passa de um mero instrumento usado
em benefício dessa sua obsessão. No final, uma grande
decepção faz com que ela caia na real, passando a defender sua
pequena Maria com unhas e dentes. "Belíssima" é, por
conseguinte, também um bem elaborado conto sobre a
desilusão.

A direção de Visconti é precisa, sem falhas. Anna Magnani, por


outro lado, está maravilhosa no papel de Maddalena, com uma
atuação digna de um Oscar. Ela vive sua personagem com
tamanha intensidade que passa ao espectador a impressão de

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que ele não está assistindo a um filme, e sim, presenciando uma


cena da vida real.

Direção: Luchino Visconti

Roteiro: Luchino Visconti, Francesco Rosi, Suso Cecchi d'Amico

Produção: Salvo D'Angelo

Música Original: Franco Mannino

Música Não Original: Gaetano Donizetti

Fotografia: Piero Portalupi, Paul Ronald

Edição: Mario Serandrei

Design de Produção: Gianni Polidori

Figurino: Piero Tosi

Maquiagem: Alberto de Rossi

Efeitos Sonoros: Ovidio del Grande

País: Itália

Gênero: Drama

Retirado de: http://www.65anosdecinema.pro.br/Belissima.htm

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