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RESUMO: O presente estudo teve como objetivo identificar as espécies de aves que
consumiram os frutos de Eugenia uniflora, Linnaeus, 1753 (Myrtaceae), além de avaliar sua
possível capacidade de dispersão de seus frutos ou sementes. O estudo foi realizado em duas
propriedades particulares, no município de Passo Fundo/RS. Foram feitas observações focais
em três exemplares vegetais, totalizando 90 h de esforço amostral. Foram registradas sete
espécies compreendidas em seis famílias de aves nos exemplares. Cinco espécies consumiram
os frutos de E. uniflora. Todas as espécies que se alimentaram dos frutos foram consideradas
potenciais dispersoras de sementes. Estudos relacionados às interações ecológicas animal-
planta revelam importantes características da biologia das espécies, possibilitando cada vez
mais estratégias de conservação.
Palavras-chave: disseminação; ornitocoria; pitangueira; relações ecológicas.
ABSTRACT: This study has aimed to identify the bird species and their interactions
with Eugenia uniflora, Linnaeus, 1753 (Myrtaceae), and analyse the ability of dispersal of
fruits or seeds. The study was conducted in two private properties in the city of Passo
Fundo/RS. They were made focal observations in three plant specimens, totaling 90 hours of
sampling effort. They recorded seven species included six families of birds in the copies. Five
species consumed the fruit of E. uniflora. All species that fed on fruits were considered
potential dispersers of seeds. Animal studies related to plant-ecological interactions reveal
important biological characteristics of the species, allowing more conservation strategies.
Keywords: dissemination; ornithochory; Surinam cherry; ecological relationships.
INTRODUÇÃO
Os estudos sobre as interações entre animais e plantas possuem grande importância na
preservação e manutenção das espécies. Entre as possíveis relações animal-planta, a
frugivoria se destaca por sua importância na biologia da conservação. Estima-se que, nas
florestas tropicais cerca de 50 a 90% das espécies de plantas são dispersas por animais
(JORDANO et al., 2006).
A dispersão de sementes pode controlar a densidade e a distribuição das espécies
vegetais em diversos ambientes, além de aumentar as chances de sobrevivência das plantas,
evitando a competição por recursos com a planta-mãe, além de contribuir com a variabilidade
genética, portanto, é essencial ao ciclo de vida das plantas (JORDANO et al. 2006, FONSECA &
ANTUNES 2007, DEMINICIS et al. 2009, GONÇALVES et al. 2015). Para que haja a propagação
das espécies vegetais são necessários métodos de dispersão, onde há a presença de agentes
que auxiliem na disseminação das sementes, como o vento e gravidade, associados a
mecanismos da própria planta. Espécies zoocóricas possuem frutos atrativos à fauna silvestre,
principalmente aves, que são as principais dispersoras de suas sementes devido a sua
capacidade de voo. Ainda, as aves frugívoras estão entre as principais dispersoras de espécies
pioneiras, tendo grande importância no estabelecimento inicial das comunidades e, na
deposição de sementes em locais perturbados (GONÇALVES et al. 2015). Assim, são grandes
aliadas na recuperação de áreas degradadas por interferências antrópicas ou fenômenos
naturais (SILVA & PEDRONI 2014).
Atualmente, sabe-se que os vertebrados são os principais responsáveis pela dispersão de
sementes, principalmente, as aves. Isso ocorre, pois, as aves ocupam uma ampla dimensão
geográfica devido a sua capacidade de voo, contudo, apenas a ingestão dos frutos não é
suficiente para o sucesso da dispersão, sendo necessários diversos fatores como o número de
sementes ingeridas, quantidade de visitas feitas à planta e local de deposição da semente, para
que se obtenha êxito no processo. Além disso, a passagem das sementes pelo trato digestivo
pode ter benefícios como remoção da polpa e escarificação química e mecânica, quebrando a
dormência das mesmas (COLUSSI & PRESTES 2011; FARIAS et al. 2015). Tal interação é
considerada mutualística, já que beneficia tanto as espécies de plantas quanto as aves que as
consomem, que retiram nutrientes necessários à sua dieta e, também, obtém locais para o
forrageio durante o período reprodutivo (ATHIÊ & DIAS 2011). Para auxiliar na compreensão
das interações entre avifauna e espécies vegetais são necessárias informações sobre a
fenologia, que corresponde ao estudo dos eventos fisiológicos das plantas, ou seja, a
germinação, desenvolvimento e crescimento vegetativo, floração e frutificação, além da
maturação das sementes.
As plantas da família Myrtaceae possuem características atrativas à fauna, tais como
fruto com polpa carnosa, ricos em carboidratos e água, e, pobre em lipídios e proteínas. As
mirtáceas brasileiras têm como seus principais dispersores aves e macacos, sendo que,
características morfológicas das mesmas, tais como tamanho do fruto e sementes, determinam
seu agente dispersor, ou seja, a avifauna consome frutos menores ou de sementes pequenas,
tendo, portanto, maior potencial de dispersão para mirtáceas que produzem pequenos frutos.
(GRESSLER et al. 2006). Possuem grande representação no Brasil, compreendendo zonas
tropicais e subtropicais, além de constituir grande parte dos estudos fitossociológicos, sendo,
portanto, essenciais à fauna silvestre. Ainda, têm grande importância econômica, com
diversos gêneros comercializados para alimentação e paisagismo (CONCEIÇÃO & ARAGÃO
2010).
Eugenia uniflora, Linnaeus, 1753 é uma mirtácea nativa do Brasil, que não possui
exigências quanto ao solo e se desenvolve em locais de clima quente e úmido. É indicada para
reflorestamento de áreas degradadas, servindo de alimento para a avifauna. Apresenta
floração entre agosto e outubro, e, frutificação nos meses de setembro a novembro (ALVES et
al. 2010).
A ordem Passeriforme possui muitos representantes considerados dispersores. Cerca de
29 das 67 famílias da ordem são frugívoras (PIZO & GALETTI, 2010). SILVA et al. (2013),
LAMBERTI et al. (2012) e COLUSSI & PRESTES (2011) demonstram a frugivoria em Myrtaceae
realizada em sua maioria por passeriformes. Ainda, JACOBOSKI et al. (2009) destacam que o
grupo de maior número de animais frugívoros compreende os frugívoros parciais. Entre eles
estão os sabiás, sanhaçus e tiranídeos. Desta forma, interações entre as plantas da família
Myrtaceae e aves possibilitam uma grande demanda de pesquisas.
O objetivo deste trabalho foi identificar as espécies de aves e suas interações com E.
uniflora avaliando sua potencial capacidade de dispersão ou predação de seus frutos e/ou
sementes.
MÉTODOS
O estudo foi realizado na cidade de Passo Fundo/RS, em duas propriedades particulares,
(28°14'17.4"S 52°22'26.1"W) (28°14'19.0"S 52°23'14.8"W). As áreas de estudo se
localizavam em ambiente aberto, sem a presença de outras espécies arbóreas.
Foram realizadas observações focais em três espécimes de Eugenia uniflora, com
duração de 30 h para cada um dos exemplares, totalizando 90 h de observação. As
observações foram realizadas das 08:00 h às 12:00 h, e, das 17:00 h às 19:00 h, com o auxílio
de binóculo modelo Hacking 10x50, máquina fotográfica modelo Nikon D30, entre os meses
de outubro a dezembro de 2015.
Os dados registrados foram: data, local, horário de início, horário final, espécies de aves
visitantes, número de indivíduos de cada espécie, número de frutos consumidos por indivíduo,
horário, duração das visitas e o comportamento adotado para a coleta dos frutos. Os padrões
comportamentais adotados pelas espécies de aves alimentando-se dos frutos foram: Colher: as
aves apreendem o fruto próximo ao poleiro, sem estender o corpo ou assumir uma posição
especial; Alcançar: as aves estendem seu corpo para cima ou para baixo do poleiro; Pendurar:
o corpo inteiro e as pernas da ave estão sob o poleiro, com a face ventral para cima; Adejar: a
ave para no ar em frente ao fruto, enquanto bate as asas; Estolar: a ave para brevemente em
frente ao fruto, usando um ângulo de ataque das asas muito inclinado, permitindo-lhe descer
lentamente e parar exatamente em frente ou abaixo do fruto. As visitas foram divididas em
completas e incompletas, sendo consideradas completas quando registrada a chegada e saída
da ave. Quando um grupo de indivíduos de uma mesma espécie forrageou ao mesmo tempo
na árvore, os registros foram realizados observando apenas um indivíduo, escolhido ao acaso.
RESULTADOS
Foram identificadas sete espécies de aves presentes nos exemplares de E. uniflora,
compreendendo seis famílias. Ao total, foram contabilizadas 140 visitas sendo 85 completas.
Entre as famílias identificadas, Tyrannidae foi a que compreendeu maior número de espécies,
com indivíduos de Pitangus sulphuratus e Tyrannus savana. Turdus rufiventris obteve o
maior número de visitas e o maior número de frutos consumidos. Tangara sayaca
permaneceu o maior tempo na planta, alcançando 1,28 minutos por indivíduo (Tab. I).
Entre as táticas de forrageamento, “colher” e “alcançar” foram as mais utilizadas, onde,
Turdus rufiventris foi observado utilizando na maioria das vezes a técnica “colher”. Tyrannus
savana e Tangara sayaca também utilizaram a tática “adejar” para coletar um fruto cada
(Tab. II). Todas as espécies que consumiram os frutos de E. uniflora foram observadas
levando frutos para longe da planta-mãe e engolindo o fruto inteiro, portanto, podem ser
consideradas dispersoras. De acordo com os registros de frutos consumidos, a espécie
generalista T. rufiventris foi a espécie que demonstrou maior potencial de dispersão. Foram
observados oito indivíduos da espécie Furmarius rufus Gmelin, 1788 e um da espécie
Zonotrichia capensis Statius Muller, 1776 utilizando os exemplares vegetais apenas para
descanso.
Visitas Número de frutos Desvio Duração das Desvio
Família/Espécie Número total de visitas Média Média
completas consumidos Padrão visitas (min) Padrão
Turdidae
Turdus rufiventris 46 40 64 1,49 2,03 26 0,68 0,74
Vieillot 1818
Mimidae
Mimus saturninus 24 10 39 2,78 1,76 15 1,50 0,97
Lichtenstein, 1823
Thraupidae
Tangara sayaca 45 24 28 0,87 0,91 28 1,28 0,79
Linnaeus, 1766
Tyrannidae
Pitangus sulphuratus 14 5 9 0,75 0,62 7 1,40 1,00
Linnaeus, 1766
Tyrannus savana 2 - 2 1,00 - - - -
Vieillot 1808
Família/Espécie Colher (%) Adejar (%) Alcançar (%) Estolar (%) Pendurar (%) Não visualizado (%)
Turdidae
Turdus rufiventris 13 (20,31) 3 (4,68) 48 (75)
Mimidae
Mimus saturninus 2 (5,12) 7 (17,94) 30 (76,92)
Thraupidae
Tangara sayaca 8 (28,57) 1 (3,57) 19 (67,85)
Tyrannidae
Pitangus
4 (44,44) 5 (55,55)
sulphuratus
Tyrannus savana 1 (50) 1 (50)
AGRADECIMENTOS
Agradecemos à Vital Nunes de Inchoste, Ivo Antônio Zen, Marcos Antônio Zen, Euler
Britto e Marilei Suzin, por contribuírem na realização deste trabalho.
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