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SEGUNDA PARTE - QMUNDO DO TRABALHO NA VIRADA DO SECULO: TEXTOS COMPLEMENTARES PARA REFLEXAO MUNDIALIZAGAO DO CAPITAL, REGIME DE ACUMULACAO PREDOMINANTEMENTE FINANCEIRA E PROGRAMA DE RUPTURA COM O NEOLIBERALISMO * Frangois Chesnais ** INTRODUGAO Este texto defende a tese de que a “mundializacdo da economia” (Adda, 1996), ou mais precisamente a “mundializacio do capital” (Chesnais, 1994), deve ser doravante compreendida como algo mais — ou mesmo outra coisa — do que ua simples fase a mais no processo de internacionalizagio do capital iniciado hi mais de um século, processo do qual as “multinacionais globais” da indistria e dos servigos (Andreff, 1996) sio a expressio mais clara, O termo “mundializagéo ilo capital” designa 0 quadro politico ¢ institucional no qual um modo eipecifico de funcionamento do capitalismo foi se constituindo desde o inicio los anos 80, em decorréncia das politicas de liberalizacao e de desregulamentagao das trocas, do trabalho das finangas adotadas pelos governos dos paises industriais, encabecados pelos Estados Unidos ¢ pela Gra-Bretanha. Primeiramente, o presente texto aborda alguns problemas de definicao « de método. Examina, em seguida, as transformagées qualitativas— tanto ou mais que quantitativas — que caracterizam a atividade dos grandes grupos industriais a partir da passagem da era da “multinacionalizagio classica” (Michalet, 1985) para a “mundializagio”. A seguir, assinala quais sio as molas propulsoras do “regime de acumulacio” que, a meu ver, parece ter sucedido ao “regime fordista”! (Boyer, 1987 e 1995). Finalmente, conclui com algumas * Texto apresentado na reuniio doApelo dos economistas contra 0 “pensamento tinico”,realizada fn 1819,10.1996, em Paris © Prangois Chesnay é especialista em economia industrial e economia da inovagao tecnolégica; foi, por muito tempo, economista na Ditegio de Ciéneia, Tecnologia ¢ Indiistria (DSTI) da ‘Oiyunizagio de Cooperagao e Desenvolvimento Eeonémico (OCDE), ¢ membro do Laboratorio lp Pesquisa Larea-Cerem da Universidadede Paris X-Nanterre, Atualmente, leciona na Universidade dle Paris XIII - Villetaneuse. | Regime fordista; Regime de acumulagio baseado no desenvolvimento industrial, com énfase na jyurlugio de mereadorias fisicas, em oposigio A énfase atual na produgio de servigos; quanto 4 ‘ojpinizagho do trabalho, o regime fordista salien tase pela nitida separagio entre tarefas manuais REDES, Santa Cruz do Sul, vA A, p 185-272, jul. 1998 186 ptopostas de politica econémica que rompem com aquelas cujos efeitos sentimos, propostas estas que me parecem decorrer de uma andlise inicial das molas propulsoras ¢ das conseqiiéncias do novo regime de acumulacio. Designo este (por enquanto e com a esperanga de que outros me ajudarao a encontrar uma denominagio melhor) pelo nome um tanto complicado de “regime de acumulagao financeirizada mundial”, destacando assim, um pouco como P. Sweezy (1994), seu carater extremamente rentista. Muitos dos acontecimentos que marcaram o decénio de 1990 no plano mundial sio expressdes do advento desse novo regime. Limito-me a relembrar os seguintes itens: - ritmos de crescimento muito baixos (freqitentemente vizinhos da estagna¢ao) em muitas regides do mundo, tanto no centro quanto na periferia; - crescimento do desemprego em massa, acompanhado de um alinhamento tanto dos niveis salariais como da “flexibilidade” das condicées de contratagao e de trabalho com aqueles dos paises em que a mao-de-obra é explorada mais duramente; - ampliagio das desigualdades entre paises bem como do aumento das desigualdades de renda ¢ de condigées de existéncia no seio de cada um deles individualmente. O “horror econémico” — que Viviane Forrester (1996) acaba de retratar com indignagio e talento — é inerente ao novo regime de acumulagio. Esse regime € aquele no qual a civilizagao regride, a sociedade capitalista manifestando apenas uma imensa capacidade em criar “insignificincia” (Castoriadis, 1996). Este texto destina-se aos participantes do presente coléquio, aos que nio puderam (ou ainda nao quiseram) dele participar ¢ a todos que participaram ou apoiaram o “movimento social” de novembro-dezembro de 1995 *. Foi escrito posicionando-se — tanto quanto se possa fazélo ao intervir num contexto académico ou para-académico — ao lado daqueles que suportam o “horror econdmico” do cotidiano. Nao procura pois “parecer plausivel” para a equipe do Ministério das Finangas, nem mesmo para a direcio do Partido Comunista Francés ou para os dirigentes do Partido Socialista, entre os quais o “movimento social” de novembro-dezembro de 1995 nio foi defendido, na melhor das ¢ intelectuais, em oposigfo & “polivaléncia” (autocontrole da qualidade do produto, por exemplo) exigida da mio-de-obra atual (N.T.). 2 Referéncia ao poderoso movimento de greves € manifestagdes que, em novembro-dezembro de 1995, expressou clara e abertamente a rejeigio do povo francés 4 politica neoliberal do governo do primeiro-ministro Alain Juppé; o movimento teve sea ponto de partida na greve do funcionalismo. piblico (os ferrovidrios sendo sua ponta de langa) contra plano governamental de “saneamento” {isto & desmantelamento) do sistema de seguridade social (saiide @ previdéncia social) (N.T.), REDES, Santa Crug do Sul, va, AA p 18-212, jul 1998 187 hipdteses, sendo com muito atraso e restrigées. Os elementos de resposta a situagio de “horror econdmico” ¢ as propostas de ruptura com o “pensamento wnico”, que o texto coloca em discussio, parecerao “utdpicos” a muitos leitores, Certamente 0 sio, pois sio apresentados sob a perspectiva de que, por ocasiio de um movimento ainda mais poderoso do que o de 1995, se constituiriam formas solidamente estruturadas no sentido da “auto-organizacio” ou da “gutonomia” (Castoriadis, 1996) e, portanto, capazes de pensar ¢ agir por fora de todas as variantes de adaptacdo “necessaria” ou “inevitavel” ao neoliberalismo. Certas dimensdes dos processos, que serdo abordados adiante, sio “jrreversiveis” no sentido de que impedem que se volte atras, que se reutilize certas receitas de politica econdmica ¢ social que puderam funcionar no passado num quadro nacional. Os elementos de resposta esbogados na conclusio tém um inegavel carater de “propaganda”. Sua aplicacdo supée a alianga e a intervencio conjunta do “movimento social” de varios paises europeus. Exige a existéncia de uma “Ancora” franco-alema baseada nao sobre os interesses do capital, mas sobre os dos assalariados, dos desempregados e, acima de tudo, da juventude que sofre em cheio os efeitos do “regime de acumulagao financeirizada mundial”. Reconhecer a “irreversibilidade” de dadas mutagées nao tem nada a ver com “aceitar” as politicas que, pretensamente, “decorrem” dessas mutagées, mas que essencialmente sio ditadas pela visio do mundo (senio pelos interesses especificos) dos “mercados” financeiros, isto é, dos grandes investidores que os ordenam. Reconhecer a “irreversibilidade” de certas mutagSes apenas obriga a procurar saidas construidas a partir dos novos dados politicos e sociais, por mais dificil que isso possa ser. I QUESTOES METODOLOGICAS Numerosas, estas questdes dizem respeito tanto 4 politica quanto 4 economia e estao relacionadas 4 necessidade de recorrer a uma abordagem sistémica, lancando mao da nogio de “totalidade hierarquizada”. Mas deve-se comegar apresentando as posigées daqueles que, como Hirst e Thompson, contrapdem-se ao “mito da mundializacao” As posigdes de Hirst e Thompson sobre 0 “mito da mundializagio” Em um livro que despertou bastante interesse, Hirst e Thompson, dois autores britinicos, que se situam fora do quadro do pensamento tinico, entram em guerra contra o “mito da mundializagio”, deixando claro que polemizam REDES, Santa Cruz do Suh WH W1, p 185-212, jul 1998 ge

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