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A mediação de conflito escolar

Álvaro Chrispino

No momento em que o sistema público consegue se expandir a vastos


setores sociais e ter uma função educativa integradora de acesso ao mundo
social e do trabalho, paradoxalmente, a violência parece instalar-se nos locais
de ensino, pondo em questão a capacidade dos sistemas de educação para se
transformar em sistemas de integração social. A violência começa a tomar
corpo quando o perfil do aluno se altera. Quem é mais experiente se lembra
como seu grupo de amigos da escola era bem mais homogêneo do que hoje,
pois se tratava de escolas para poucos.
Quando se iniciou a universalização do ensino, algo que sempre tinha sido
um velho sonho dos educadores, foram trazidos para dentro da escola, com o
fenômeno do acesso, perfis diferenciados. No espaço que antes era
homogêneo, passou a imperar a heterogeneidade, e, a partir dessa
constatação, passamos a ter um problema: não sabemos lidar com a
heterogeneidade. A velocidade com que o sistema educacional se adapta às
mudanças é lenta frente à velocidade social. Essa convivência de alunos com
perfis, valores, culturas, histórias e expectativas de futuro diferentes criou
dificuldades de comunicação na escola, e a violência surge quando o diálogo
desaparece.
O conflito não é um problema. Atividades sociais como um jogo de futebol, o
pregão da bolsa de valores ou um concurso de dança são conflitos em que os
participantes rivalizam subordinados a regras. O problema do conflito se revela
quando não há definição do que seja e se manifesta de forma violenta.
Portanto, nós, educadores, fomos instruídos, equivocadamente, a abafar todo
conflito escolar, mas esse fenômeno existe e o importante é saber tirar proveito
dessa situação. Se não o encaramos como uma realidade, então o conflito se
apresentará violentamente, desde o bullying em sala de aula até o homicídio
por arma de fogo.
A massificação da oferta de ensino atraiu um contingente de alunos
diferentes para uma escola de perfil tradicional. Na escola pública, a
universalização de quatro para oito anos foi a primeira grande onda que
descompensou o equilíbrio antes existente. Depois, festejou-se o acesso de
98% das crianças brasileiras ao ensino fundamental, mas não se estava
preparado para uma inclusão de tal magnitude. Nas escolas privadas, por sua
vez, o problema é a ascensão da chamada nova classe média, estimada em 30
milhões de almas, ávida por consumir, sobretudo em três aeras: qualidade de
transporte, planos de saúde e educação de qualidade em instituições privadas.
A intensidade com que os problemas impactaram as relações escolares nos
últimos anos determinou profundas mudanças na interação entre professores,
alunos e comunidade, além de alterar substancialmente o processo de
aprendizagem. Isso decorre do fato de que a sociedade é morfodinâmica e a
escola apresenta perfil morfoestático — isto é, a estrutura social se modifica
constantemente, enquanto a escola não experimenta a mesma velocidade,
nem da rotina nem da formação dos educadores. Portanto, nós não fomos
preparados para acompanhar essas mudanças, tampouco os novos
educadores egressos dos cursos de formação.
As relações na escola mudaram, tornaram-se mais conflituosas, e muitos
professores não souberam encontrar novos modelos mais justos e
participativos de convivência e disciplina. Nas circunstâncias atuais, um dos
aspectos mais importantes da competência social dos docentes é a capacidade
de enfrentar situações conflituosas. Logo, não há escapatória se não tivermos
formação como docentes com competências sociais para lidar com essas
situações. Para que o clima escolar — que é, hoje, o fator de impacto mais
importante da aprendizagem numa instituição de ensino — ofereça condições
possíveis de convívio, é fundamental que as equipes pedagógicas sejam
treinadas para saber gerir situações de conflito.
Segundo o que apontam as pesquisas, as possíveis origens do conflito
escolar são a prática equivocada de tratar igualmente alunos diferentes e a
falta de diálogo. No primeiro caso, a percepção errada de que a diferença seja
um problema incapacita os gestores a entenderem a natureza desse conflito
com o qual não sabem lidar. Em relação à ausência de diálogo no universo
escolar, é preciso aprender a viver, de forma amadurecida, a realidade que se
apresenta conflituosa e abrir canais de discussão com a comunidade da
instituição de ensino, sem, necessariamente, perder a autoridade.
Alguns aspectos devem ser considerados para que se entenda a cultura da
mediação escolar: entender a origem do conflito; a criação de sistema de
avaliação de violência escolar; a adequação dos currículos ao tema “violência e
conflito”; ter programa para evitar o bullying; manter programa de mediação do
conflito escolar com comunicação eficaz; e evitar a judicialização das relações
escolares. Além disso, como prestadores de serviços, os gestores também
estão sujeitos a toda a legislação, como o código de defesa do consumidor, e
precisam se capacitar para compreender os direitos e deveres de sua
atividade.

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