No momento em que o sistema público consegue se expandir a vastos
setores sociais e ter uma função educativa integradora de acesso ao mundo social e do trabalho, paradoxalmente, a violência parece instalar-se nos locais de ensino, pondo em questão a capacidade dos sistemas de educação para se transformar em sistemas de integração social. A violência começa a tomar corpo quando o perfil do aluno se altera. Quem é mais experiente se lembra como seu grupo de amigos da escola era bem mais homogêneo do que hoje, pois se tratava de escolas para poucos. Quando se iniciou a universalização do ensino, algo que sempre tinha sido um velho sonho dos educadores, foram trazidos para dentro da escola, com o fenômeno do acesso, perfis diferenciados. No espaço que antes era homogêneo, passou a imperar a heterogeneidade, e, a partir dessa constatação, passamos a ter um problema: não sabemos lidar com a heterogeneidade. A velocidade com que o sistema educacional se adapta às mudanças é lenta frente à velocidade social. Essa convivência de alunos com perfis, valores, culturas, histórias e expectativas de futuro diferentes criou dificuldades de comunicação na escola, e a violência surge quando o diálogo desaparece. O conflito não é um problema. Atividades sociais como um jogo de futebol, o pregão da bolsa de valores ou um concurso de dança são conflitos em que os participantes rivalizam subordinados a regras. O problema do conflito se revela quando não há definição do que seja e se manifesta de forma violenta. Portanto, nós, educadores, fomos instruídos, equivocadamente, a abafar todo conflito escolar, mas esse fenômeno existe e o importante é saber tirar proveito dessa situação. Se não o encaramos como uma realidade, então o conflito se apresentará violentamente, desde o bullying em sala de aula até o homicídio por arma de fogo. A massificação da oferta de ensino atraiu um contingente de alunos diferentes para uma escola de perfil tradicional. Na escola pública, a universalização de quatro para oito anos foi a primeira grande onda que descompensou o equilíbrio antes existente. Depois, festejou-se o acesso de 98% das crianças brasileiras ao ensino fundamental, mas não se estava preparado para uma inclusão de tal magnitude. Nas escolas privadas, por sua vez, o problema é a ascensão da chamada nova classe média, estimada em 30 milhões de almas, ávida por consumir, sobretudo em três aeras: qualidade de transporte, planos de saúde e educação de qualidade em instituições privadas. A intensidade com que os problemas impactaram as relações escolares nos últimos anos determinou profundas mudanças na interação entre professores, alunos e comunidade, além de alterar substancialmente o processo de aprendizagem. Isso decorre do fato de que a sociedade é morfodinâmica e a escola apresenta perfil morfoestático — isto é, a estrutura social se modifica constantemente, enquanto a escola não experimenta a mesma velocidade, nem da rotina nem da formação dos educadores. Portanto, nós não fomos preparados para acompanhar essas mudanças, tampouco os novos educadores egressos dos cursos de formação. As relações na escola mudaram, tornaram-se mais conflituosas, e muitos professores não souberam encontrar novos modelos mais justos e participativos de convivência e disciplina. Nas circunstâncias atuais, um dos aspectos mais importantes da competência social dos docentes é a capacidade de enfrentar situações conflituosas. Logo, não há escapatória se não tivermos formação como docentes com competências sociais para lidar com essas situações. Para que o clima escolar — que é, hoje, o fator de impacto mais importante da aprendizagem numa instituição de ensino — ofereça condições possíveis de convívio, é fundamental que as equipes pedagógicas sejam treinadas para saber gerir situações de conflito. Segundo o que apontam as pesquisas, as possíveis origens do conflito escolar são a prática equivocada de tratar igualmente alunos diferentes e a falta de diálogo. No primeiro caso, a percepção errada de que a diferença seja um problema incapacita os gestores a entenderem a natureza desse conflito com o qual não sabem lidar. Em relação à ausência de diálogo no universo escolar, é preciso aprender a viver, de forma amadurecida, a realidade que se apresenta conflituosa e abrir canais de discussão com a comunidade da instituição de ensino, sem, necessariamente, perder a autoridade. Alguns aspectos devem ser considerados para que se entenda a cultura da mediação escolar: entender a origem do conflito; a criação de sistema de avaliação de violência escolar; a adequação dos currículos ao tema “violência e conflito”; ter programa para evitar o bullying; manter programa de mediação do conflito escolar com comunicação eficaz; e evitar a judicialização das relações escolares. Além disso, como prestadores de serviços, os gestores também estão sujeitos a toda a legislação, como o código de defesa do consumidor, e precisam se capacitar para compreender os direitos e deveres de sua atividade.