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PISO MISTO DE MADEIRA-CONCRETO PARA UMA

EDIFICAÇÃO RESIDENCIAL

Ricardo de C. Alvim, Luís Augusto C. M. Veloso, Hélio O. de Souza Júnior


e Pedro Afonso de O. Almeida

RESUMO: Trata-se da investigação do comportamento estrutural de um piso residencial


construído com uma placa de concreto armado enrijecido por vigas de madeira nativa
(Jatobá), que vem sendo desenvolvido entre a ITA Construtora e o Laboratório de Estruturas e
Materiais Estruturais da Escola Politécnica de São Paulo. A investigação foi realizada com
ensaios dinâmicos não destrutivos, com a aplicação de um excitador eletrodinâmico aplicando
esforços senoidais e aleatórios. Com os resultados obtidos foram determinadas a freqüência
natural do primeiro modo de vibração e a respectiva taxa de amortecimento. As propriedades
determinadas nos ensaios físicos foram usadas para calibração do modelo numérico do piso,
empregando-se técnicas de reanálise.
Palavras-chave: pisos mistos de madeira-concreto, estruturas de madeira, ensaios dinâmicos.

TIMBER-CONCRETE COMPOSITE PLATE TO HOUSE FLOOR

ABSTRACT: It is about an investigation of the structural behavior of the residential floor


built with a reinforced concrete plate stiffened by native wood beams, that was developed
between ITA Company and the Laboratory of Structures and Structural Materials of the
Polytechnic School of São Paulo. The investigation was conducted by non destructive
dynamic tests, using an electrodynamic shaker applying senoidal and random efforts. It was
obtained the natural frequency of the first vibration mode and the respective damping ratio.
The properties determined in the physical tests were used for calibration of the numeric model
of the floor, using reevaluation techniques.
Keywords: house floor, timber structures, dynamic tests.
1 INTRODUÇÃO

A utilização de sistemas estruturais mistos de madeira e concreto vem se tornando comum nos
últimos anos em face da necessidade de um melhor aproveitamento das características de
resistência e rigidez das madeiras, somadas aos aspectos da madeira ser um material
renovável e de baixo consumo energético em seu processamento. Tem se verificado que a
associação dos dois materiais resulta em elementos com excelentes características
arquitetônicas e estruturais, além de permitir um maior de automação do sistema construtivo.
Em se tratando de pisos residenciais, nesta investigação foi dada ênfase aos aspectos de
conforto humano, focando o comportamento dinâmico do sistema, expressado pelas
freqüências naturais e taxas de amortecimento. Para o conforto humano, relacionados com as
respostas a atividade de caminhar, foram empregados os mais recentes critérios de conforto e
segurança estabelecidas pela ISO 2631 e NBR 7190/97.

A investigação foi realizada com ensaios dinâmicos não destrutivos, com vibrações
introduzidas por um excitador eletrodinâmico, na banda de interesse para o conforto humano.
Os ensaios foram realizados pelo Laboratório de Estruturas e Materiais Estruturais da Escola
Politécnica da USP, em um piso de um conjunto habitacional de casas geminadas, construído
pela ITA Construtora , na cidade de São Paulo, em novembro de 1999.

2 ARRANJO DE PISOS MISTOS

A rigidez dos piso de concreto enrijecidos por vigas de madeira (pisos mistos madeira-
concreto) depende da interação entre as superfícies da viga de madeira e da placa de concreto.
Neste sistema estrutural e interação é garantida por pinos de aço com as pontas cravadas ma
madeira e cabeças imersas na casca de concreto. O modelo de comportamento mecânico dessa
ligação é baseado no deslocamento da ligação. Com isso, o momento de inércia efetivo da
seção transversal da peça é reduzido em função do tipo de ligação

Para a estimativa preliminar da rigidez efetiva da placa mista foi empregada a formulação do
EUROCODE 5 (1995), para vigas de seção composta ligadas por pinos. Neste caso, para a
avaliação da rigidez da placa, foi considerada uma seção transversal T, composta por uma
mesa de concreto de largura (b1), correspondente a distância entre eixos das vigas de madeira,
figura 1. O produto de rigidez a flexão é dado por:

2
EI ef = ∑ ( Ei I i + Υi Ei Ai ai ) = E1 I 1 + Υ1 E1 A1 a1 + E 2 I 2 + Υ2 E 2 A2 a 2 ...................................(1)
2 2 2

i =1

b1
σ1 σm,1
A1I1E1 h1 0,5 h1

a1 τmax

Y h2 h
a2

A2I2E2
σm,2 σ2
b2
Figura 1 – Seção transversal mista madeira-concreto
Na expressão (1), são considerados os valores médios para o módulo de deformação
longitudinal dos materiais. Para uma seção T simples o valor de Y2 = 1 e o valor de Y1 é dado
por:

1
Y1 = ................................................................................................................(2)
π E1 A1 s1 K 1 L2
2

onde K1 é o módulo de deslizamento da ligação que é determinado a partir da densidade dos


materiais e deve ser considerado na condição última; L é o vão da laje e sef é o espaçamento
efetivo entre pregos na ligação e é calculado por: s ef = 0,75 ⋅ s min + 0,25 ⋅ s max .

O Eurocode 5 define também, os valores de a1 e a2 da expressão 1. O valor de a1 é calculado


pela geometria da peça em função do valor de a2 que é dado por:

Y1 E1 A1 (h1 + h2 )
a2 = .......................................................................................................(3)
2 ⋅ (Y1 E1 A1 + Υ2 E2 A2 )

No caso do piso considerado neste estudo, figura 2, foram calculadas as seguintes


propriedades dos materiais, representados na tabela 1.

Concreto: fck = 30 MPa


Tela TELCON: φ = 4,2 mm # 10 cm

Seção transversal
50 cm da peça
Esquema de distribuição
6 cm dos pregos nas vigas

15 cm 10 x 8,5 cm 9 x 12,5 cm 7 x 25 cm 9 x 12,5 cm 10 x 8,5 cm 15 cm

Pregos: 600 cm
7 x 80 mm

Figura 2 – Seção transversal do piso e esquema de distribuição dos pregos nas vigas

Tabela 1 – Propriedades mecânicas e geométricas dos materiais


Concreto Madeira Seção composta
ρ k1 = 2500 ⋅ kg m 3 ρ k 2 = 1000 ⋅ kg m 3 ρ k = ρ k1 ⋅ ρ k 2 = 1581⋅ kg m 3
E1 = 2,48 ⋅ 1010 ⋅ N m 2 E 2 = 2,62 ⋅ 1010 ⋅ N m 2 k ser = ρ k1.5 ⋅ d / 20 = 21,58 ⋅ kN / mm
Y1 = 0,447 Y2 = 1 k u = 2 / 3 ⋅ k ser = 1,467 ⋅10 4 ⋅ N / mm
a 1 = 6,733 ⋅ cm a 2 = 5,267 ⋅ cm s ef = 126,25 ⋅ mm
I1 = 2,667 ⋅ 10 6 ⋅ mm 4 I 2 = 4 ⋅ 10 7 ⋅ mm 4 EI ef = 2,964 ⋅ 10 6 ⋅ N ⋅ mm 2
3 ANÁLISE MODAL EXPERIMENTAL

Pela teoria de análise modal, o número de modos de vibração e, consequentemente, o número


de freqüências naturais de um sistema mecânico é igual ao seu número de graus de liberdade.
Para um sistema contínuo, este número é teoricamente infinito. Entretanto, o sistema pode ser
discretizado, fazendo-se com que o número de graus de liberdade passe a assumir um valor
finito.

Desta forma, o número de graus de liberdade do sistema é igual ao número de modos de


vibração de interesse. Em geral, para se definir os N modos de vibração de um sistema, o
número de medidas realizadas deve ser maior ou igual a N.

Neste trabalho, optou-se pela determinação da freqüência de maior energia do piso, figura 10.
Neste modo a participação de massa do sistema é maior e portanto de maior interesse para
fins práticos de projeto. Por isso, o piso pôde ser tratado como um sistema de um grau de
liberdade neste modo específico de vibração. Para um sistema com um grau de liberdade,
figura 3, a equação de equilíbrio dinâmico tem a forma da expressão 4.

.. .
M x + c x + k x = f (t ) ................................................................................................................(4)

onde a solução desta equação tem a forma de:

x(t ) = x(t ) h + x(t ) p ..................................................................................................................(5)

com x(t)h é a solução da equação homogênea associada e x(t)p é a solução particular. A


solução da equação homogênea corresponde a resposta em regime transiente que tende a
desaparecer após poucos ciclos. Desta forma, pode-se desprezar a resposta da equação
homogênea, considerando apenas a resposta da equação particular, correspondente ao regime
estacionário, figura 3.

x (t)
4

x(t)
k 2
M
f(t)
0
Solução do
c regime
-2 estacionário
Solução
Sistema com um transiente
grau de liberdade -4
0 6 12 18 24 t 30

Figura 3- Solução completa do movimento para um sistema de um grau de liberdade

A resposta do sistema e a excitação tem a forma da expressão 6.

x(t ) = X .e i .θ , onde X = X .e i.ω .t e f (t ) = F .e i.ω .t ......................................................................(6)

Substituindo a expressão x(t) e f(t) em 4, obtêm-se a função de resposta em freqüência (FRF)


que é dada pela expressão 7.
x (t ) X 1
H ( w) = = = ....................................................................................(7)
f (t ) F (k − w m) + i.w.c
2

A determinação da taxa de amortecimento modal de um sistema mecânico, ξ, pode ser feita


pelo método “Half-power”. Neste método, determina-se as abcissas, f1 e f2 correspondentes a
Xmax/ 2 , onde Xmax corresponde ao pico máximo na condição de ressonância, figura 4.

0.015
)

Xmax=0,013937 m/s2
2

0.012 f1 = 15,707 Hz
f2 = 16,369 Hz

0.009 X max
= 0,00985 m/s 2
Ensaio 2
0.006 Interpolação
Linear
0.003

0
0 6.4 12.8 19.2 25.6 32
Freqüência (Hz)
Figura 4 – método “half-power” para a determinação da taxa de amortecimento modal, valor
medido pelo acelerômetro R3Z no ensaio de excitação tipo aleatória

A taxa de amortecimento modal é, então, determinada pela expressão 8.


f − f1
ξ= 2 ..............................................................................................................................(8)
f 2 + f1

4 INVESTIGAÇÃO EXPERIMENTAL FÍSICA

Neste trabalho foram realizados, basicamente, três ensaios de campo. No primeiro destes
ensaios, foram medidas as acelerações do piso quando submetido as atividades de pessoas
caminhando aleatoriamente. Com isso, pôde-se avaliar o conforto estrutural para uma situação
de serviço, segundo as recomendações da norma ISO 2631 e também a sua adequação quanto
aos estados limites de vibração, conforme as recomendações da norma NBR-7190/97.

Nos demais ensaios, foi utilizado um excitador cujas características eletrodinâmicas são
capazes de manter amplitude de força constante na banda de freqüência de 0,5 a 20 Hz. Com
isso, foi realizada uma excitação na forma de varredura com freqüências entre 0,5 a 20 Hz e
outra na forma de excitações aleatórias em torno da freqüência de 7 Hz.

O excitador foi posicionado sobre o piso em posição vertical e os acelerômetros fixados em


chapas metálicas e que por sua vez foram presos ao piso. As acelerações do piso foram
medidas por uma base triortogonal de acelerômetros e por um acelerômetro posicionado
verticalmente próximo ao excitador, figura 5.
Excitador
Roseta
Tri-ortogonal

Acel. R5Y
Acel. R4X
Excitador

1m
Acel.R3Z Acel. R2Z
Vista lateral

Figura 5 – Arranjo de ensaio

Na figura 6 está mostrado a série temporal de aceleração vertical do piso, medida pelo
acelerômetro R3Z, na situação em que o piso foi excitado por pessoas caminhando
aleatoriamente.
2
)

Tempo (segundos)

Figura 6 – Série temporal de aceleração para R3Z, picos da ordem de 0,7 m/s2

Na figura 7 estão mostrados as séries temporais de força e aceleração, respectivamente para


ensaio de excitação tipo varredura.
Acelerações (m/s2)

Tempo (segundos)
Tempo (segundos)

Figura 7 – (a) Série temporal de acelerações e (b) Série temporal de força

Na figura 8 está mostrada a série temporal de acelerações para o ensaio de excitação do tipo
aleatória.
2
)

Tempo (segundos)

Figura 8 – Série temporal de aceleração para R3Z

5 EXPERIMENTAÇÃO NUMÉRICA

Para a avaliação dos resultados obtidos por meio da investigação experimental física, foram
feitas analises numéricas do piso, baseados no método dos elementos finitos, por meio do
programa SAP-2000.

No modelo numérico foram introduzidos os valores das propriedades dos materiais mostradas
na tabela 1, entretanto, os valores dos modos de deformação dos dois materiais foram
ajustados por meio das freqüências naturais de primeiro modo. A taxa de amortecimento do
sistema que foi 1,95%, foi estimada pela expressão 8 a partir da média dos resultados medidos
pelos acelerômetros R2Z e R3Z que foram de 1,86% e 2,06%, respectivamente.

Com isso, foram realizados uma análise modal teórica do piso e uma análise tipo “time
history”, fazendo-se uma carga de 40 N de amplitude variar senoidalmente de 0,5 a 20 Hz que
corresponde a excitação realizada no ensaio tipo varredura, figura 7-b.

Na discretização do modelo foram empregados elementos finitos de casca para representar a


placa de concreto e também para as vigas, figura 9. Na figura 10 está mostrado a participação
de massa modal do piso.

(a) Modelo do piso (b) 1o modo de vibração: f1 = 16,1 Hz


Figura 9 – Modelo numérico empregado e os três primeiros modos de vibração

50
Participação modal de massa

45
40
35
30
(%)

25
20
15
10
5
0
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80
Frequência natural (Hz)

Direção x Direção y Direção z

Figura 10 – Participação de massa modal

6 ANÁLISE DOS RESULTADOS

A partir das séries temporais de aceleração e força medidos de excitação aleatória foi
construído o diagrama da resposta de freqüência, figura 11.
0.025
Força ( kg- )
1

Ajuste pela módulo da equação 7

0.02 Dados experimentais

0.015

0.01

0.005

0
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20
Freqüência (Hz)

Figura 11 – Função de resposta em freqüência


Para a análise de conforto do piso foram considerados os limites de desconforto normalizados
pela ISO 2631. Esses limites são especificados em função das atividades realizadas ao longo
do dia em lugares característicos representados por curvas de desconforto.

Para os pisos residências, no período diurno e para vibrações contínuas e intermitentes o


limite de desconforto deve estar compreendido entre as curvas 2 e 4 da ISO-2631 com
acelerações máximas da ordem de 0,02 m/s2, FUSCO (1997).

Na figura 12, está mostrado o diagrama da análise de conforto estrutural, para direção vertical
do piso que corresponde a direção longitudinal (pé-cabeça), para a atividade de caminhar.

Figura 12 – Análise do conforto estrutural segundo as recomendações da norma ISO 2631

Verifica-se pela figura 12, que a máxima aceleração medida na direção vertical (R3Z) é da
ordem de 0,029 m/s2 na freqüência de 16 Hz e que o limite de desconforto é dado pela curva
4,8. Para o outro acelerômetro vertical, R2Z, a máxima aceleração medida foi da ordem de
0,006 m/s2 e para os acelerômetros R4X e R5Y, nas direções transversais, os valores máximos
foram da ordem de 0,004 m/s2 na freqüência de 63 Hz e 0,003 m/s2 na freqüência de 31 Hz,
respectivamente.

Embora, este valor supere o limite recomendado pela ISO-2631, atende ao estado limite de
vibração especificado pela NBR-7190, pois segundo esta norma a menor freqüência natural de
vibração dos elementos da estrutura do piso não deve ser inferior a 8 Hz e no caso piso
considerado o valor medido foi de 16 Hz, figura 11.

Na figura 13 está mostrada as séries temporais de aceleração vertical do piso determinadas


numericamente e experimentalmente, para o acelerômetro R3Z.
)
2 Experimentação
física

Experimentação
numérica

Tempo (segundos)

Figura 13 – Série temporal de acelerações - R3Z, exp. física e numérica

7 CONCLUSÕES

As principais conclusões deste trabalho são:

a) Verifica-se pelas figuras 9-b e 11 que o valor da freqüência natural do piso correspondente
ao primeiro modo é da ordem de 16 Hz e que o valor da taxa de amortecimento,
determinado pelo Método “Half-Power”, foi de 1,95%. Este valor mostrou-se coerente,
pois as respostas dinâmicas medidas durante o ensaio foram próximas das respostas
obtidas pela experimentação numérica, figura 13;
b) O piso atende aos critérios da atual NBR-7190/1997 em relação ao estado limite de
vibração;
c) Quanto aos critérios da ISO 2631, o valor determinado 4,8, ultrapassa ligeiramente o valor
limite de desconforto estrutural recomendado por esta norma.

8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (1997). NBR 7190 – Projeto de


Estruturas de Madeira. Rio de Janeiro.
EUROPEAN PRESTANDARD (1995). EUROCODE 5 – Design of Timber Strutures – Part
1-1 General Rules and Rules for Buildings. English version. 110p. Bruxels.
FUSCO, P. B; ALMEIDA P. A. de O. (1997) Efeitos das Vibrações sobre os Seres Humanos.
São Paulo. 14 p. Boletim Técnico – Escola Politécnica, Universidade de São Paulo.
INTERNATIONAL STANDARD (1997). ISO 2631 – Mechanical Vibration and Shock –
Evaluation of Human Exposure to Whole-Body Vibration. Switzerland.
MAIA, SILVA, HE, LIEVEN, LIN, SKINGLE, TO, URGUEIRA (1997). Theoretical and
Experimental Modal Analysis. Research Studies Press. England. 468p.
KOBAYASHI, A. S. (1993). Handbook on Experimental Mechanics – second edition. SEM
– Society of Experimental Mechanics. Massachusetts, U.S.A.. 1074p.

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