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Convergência do
sistema
Divergência do Divergência da
lingüístico, do Divergência do
sistema realidade
Estilo e da Estilo
lingüístico extralingüística
Realidade
Extralingüística
Tradução
palavra-por-
palavra
Tradução literal
Transposição
Modulação
Equivalência
Omissão VS
Explicitação
Compensação
Reconstrução
Melhorias
Transferência
Transferência
com explicação
Decalque
Explicação
Adaptação
1.
1. Nova Tabela de Procedimentos Técnicos de Tradução
1. Categorias de procedimentos
1.
1. Estrangeirizadores
2. Domesticadores
1.
1. Procedimentos estrangeirizadores
1. Tradução palavra-por-palavra
2. Manutenção
1. de itens lexicais do texto-fonte (empréstimo)
1. sem aclimatação (empréstimo direto)
2. com aclimatação (aportuguesamento)
3. decalque
4. hibridismo
2. de estruturas sintáticas do texto-fonte
1. manutenção da ordem dos elementos
sintáticos
3. do estilo do texto-fonte
1.
1. manutenção do uso de sinais de
pontuação
2. manutenção do registro
3. manutenção do layout
4. manutenção do uso de voz passiva/voz
ativa
5. manutenção do uso de
coordenação/subordinação
6. manutenção do uso de marcadores do
discurso
7. manutenção do uso de referências
(endóforas/exóforas)
8. manutenção da adjetivação
9. manutenção da complexidade/fluidez
estilística
4. de itens culturais da cultura-fonte
2. Prodedimentos domesticadores
1. Domesticação do sistema linguístico
1. Transposição
2. Modulação
3. Equivalência
1. de expressões idiomáticas, ditados, provérbios
etc.
2. funcional
4. Sinonímia
5. Paráfrase
2. Domesticação do estilo
1. Omissão
2. Explicitação
3. Generalização (uso de hiperônimo)
4. Especificação (uso de hipônimo)
5. Compensação
1. Ibidem
2. Alibi
6. Reconstrução
1. sintática
2. semântica
7. Equivalência estilística (melhoria)
8. Mudança de registro
9. Mudança de complexidade/fluidez estilística
10. Adaptação
3. Domesticação da realidade extra-linguística
1. Transferência
2. Explicação
1. intratextual (entre parênteses, entre vírgulas
etc.)
2. pára-textual (notas do tradutor, prefácio etc.)
3. Ilustração
1.3.1.1 Transposição
Transposição é a mudança da ordem sintática de um ou dois
elementos sintáticos do texto-fonte. Ocorre por razões de obrigatoriedade
sintática ou pragmática da língua de chegada.
1.3.1.2 Modulação
1.3.1.3 Equivalência
Ex. 4: The one who sleeps with dogs wakes up with fleas.
1.3.1.4 Sinonímia
1.3.1.5 Paráfrase
1.3.2.2 Explicitação
Ex.: The IRS may collect over 2 billion dollars in taxes this year.
Ex. 1: When I opened the door, my palmtop was not there anymore.
Ex. 2: The famous Brazilian “farofa” is made with fried flour and
sausages.
1.3.2.4 Compensação
“A 280-Zit.”
1.3.2.5 Reconstrução
Ex. 2: Specialists are convinced that the WTC Twins were demolished
rather than crashed down by the airplanes.
Ex. 4: The father arrived, hugged his daughter and kissed her in the
mouth.
Ex.: The little girl said she was carrying a basket of food to her
grandmother.
Ex.: Hey, asshole, I’m going to bust your head all over this fucking
parking lot!
Ei, seu babaca, eu vou estourar seus miolos por toda essa droga
de estacionamento!
1.3.2.9 Adaptação
1.3.3.1 Transferência
Minha filha vai dar uma grande festa nos seus 15 anos.
No exemplo 2, o tradutor decidiu substituir o referente à festa de debutantes
aos 16 anos nos EUA e Inglaterra pela referência à tradição latina de
celebrar o começo da idade adulta aos 15 anos.
1.3.3.2 Explicação
1.3.2.3 Ilustração
Por fim, é possível dizer que as fronteiras entre os procedimentos não são
estáticas e por vezes podem se apresentar congruentes. Procedimentos de
transposição e reconstrução podem se confundir em determinadas situações,
os limites da adaptação e da mudança de registro podem não se apresentar
claros, os procedimentos de paráfrase e explicitação podem, em
determinados contextos, ser considerados congruentes, dentre muitos
outros problemas de análise detectados. Cabe ao pesquisador e ao crítico de
tradução estabelecer essas fronteiras onde a tabela aqui apresentada possui
hiatos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Edições
o Edição número 7 – 2009
o Sobre a Revista do ISAT
o Contato
Lista de Links
o Biblioteca on-line do ISAT
o ICBEU – Instituto Cultural Brasil Estados Unidos
o ISAT – Instituto Superior Anísio Teixeira
o Plataforma Lattes
© Copyright 2009 Instituto Superior Anísio Teixeira
MÉTODOS EM TRADUÇÃO
TRADUÇÃO COMUNICATIVA
Tem como objectivo tornar a mensagem mais acessível ao destinatário.
A tradução, segundo este método, realiza-se na perspectiva do
destinatário. É, portanto, mais um ofício que uma arte.
- elimina repetições;
TRADUÇÃO SEMÂNTICA
Tem como objectivo recriar o texto respeitando o preciso sentido das
palavras. Este tipo de tradução preserva o estilo do autor.
TRADUÇÃO INTERPRETATIVA
- clareza de ideias;
- correcção ortográfica;
- pontuação;
- correcção gramatical;
- nível de língua.
Principais conceitos:
Propriedades de um texto:
- estilo;
- intenção do texto;
- intenção do tradutor;
- tipo de texto;
- nível de língua;
- função da linguagem;
- pontuação;
- grau de formalidade/generalidade;
- características pragmáticas.
Conclusão:
Contexto
Autor Destinatário situacional:
- Quem fala?
- A quem fala?
- Qual o objectivo?
- Qual o contexto?
TRADUÇÃO - DEFINIÇÕES
«A tradução boa é a que capta fielmente, a La traduction, c'est une succession
cem por cento, tudo exactamente como lá continuelle de prises de décision.
está, sem a preocupação do resultado
estético em Português, que nesses casos - En traduction écrite, 1'emploi du terme
pode não ser equivalente, nem se technique exact est un impératif.
aproximar do resultado estético na língua
original. (... traduzir) é conseguir um texto - La traduction de textes techniques ne se
equivalente; quando nos restringimos ramène pas exclusivement à la recherche
cegamente ao original, obtém-se um texto de correspondances pré-établies de termes
que diz o mesmo, talvez, mas que não está techniques.
dotado dos mesmos encantos orquestrais
que o original tem, portanto, não dá o - II n'y a pas une traduction idéale; il est
mesmo prazer na leitura.» très souvent possible d'exprimer un même
message de différentes façons.
(Expresso, 16-5-87)
- On ne traduit pas une succession de
mots, mais un message, des mots
successifs pris isolément qui le composent.
PROPOSTA DE ACTIVIDADE
3- Apresentar as conclusões.
Tradutor e Intérprete
Natureza do Trabalho
Os intérpretes transpõem um discurso oral emitido numa língua para outra língua e funcionam
como elo de ligação entre pessoas que comunicam verbalmente entre si em idiomas diferentes.
As principais modalidades de interpretação existentes são a interpretação de acompanhamento, a
interpretação judicial e a interpretação de conferência. O intérprete de acompanhamento é o
profissional que, acompanhando determinada pessoa, interpreta em ambos os sentidos os
diálogos que esta estabelece com interlocutores que comunicam numa outra língua. A
interpretação judicial, por seu lado, é a interpretação que é realizada no âmbito de um julgamento
e a interpretação de conferência é a que tem lugar em reuniões multilíngues formais,
designadamente congressos, seminários, conferências, mesas-redondas, encontros ou jornadas.
Os intérpretes, por seu lado, devem ter uma certa espontaneidade de expressão, dado que a
linguagem oral é, normalmente, mais informal que a escrita. Assim, é-lhes necessário conhecer
expressões quotidianas e de gíria existentes nos idiomas que dominam e que grande parte das
pessoas utiliza quando fala. Devem ter, ainda, uma grande capacidade de concentração e de
memória, treino auditivo e rápida compreensão dos discursos orais, de forma a não perderem
nenhuma informação: nas conferências, por exemplo, a maioria das pessoas não se lembra que as
suas intervenções estão a ser interpretadas, falando muito rapidamente (sobretudo se estiverem a
ler). Como agravante, os intérpretes nunca têm a hipótese de voltar a ouvir o que foi dito. É
essencial, por isso, que também tenham excelentes faculdades de análise e de síntese, de forma a
que, preservando a continuidade e o sentido dos discursos orais, consigam manter o ritmo da
intervenção, sem perder informação.
Nos últimos anos, a inovação tecnológica tem trazido algumas modificações ao desempenho
destes profissionais. Os tradutores, por exemplo, viram as suas tarefas facilitadas com a ajuda do
computador: Graças a ele, é-lhes possível trabalhar o texto com mais facilidade e podem instalar
software de apoio à sua actividade, como programas informáticos de tradução, dicionários
electrónicos e bases de dados terminológicas. Este tipo de software é bastante útil nas traduções
de textos que utilizam expressões muito técnicas e cujas terminologias não são muito familiares
ao tradutor. O Serviço de Tradução da Comissão Europeia, por exemplo, é um grande utilizador
de ferramentas informáticas linguísticas para a tradução assistida por computador. As
ferramentas que usa vão desde a tradução automática até aos dicionários terminológicos,
passando pelos sistemas de memórias de tradução, os quais gerem uma base de dados de frases
traduzidas anteriormente. O desenvolvimento informático levou também ao aparecimento de
software específico para a tradução e marcação de legendas, permitindo que estas duas tarefas
possam ser realizadas simultaneamente.
Tradutor e Intérprete
De uma forma geral, os tradutores podem trabalhar para editoras livreiras, centros de
documentação, gabinetes de tradução, empresas ligadas à actividade turística e ao comércio
internacional e organismos estatais. Normalmente, a actividade destes profissionais é exercida
individualmente e em regime liberal (como trabalhadores independentes). Existem, todavia,
tradutores por conta de outrém nas entidades acima referidas e outros que optam por trabalhar
em conjunto e montam empresas ou gabinetes, com vista a prestar serviços às organizações que
necessitam ocasionalmente de trabalhos de tradução. Nos últimos anos, estes gabinetes têm tido
uma procura crescente devido ao aparecimento das televisões privadas que necessitam de
especialistas para a legendagem de filmes, programas e espectáculos estrangeiros. Mais
recentemente, a televisão por cabo - com programas legendados em português - veio também
criar mais hipóteses de trabalho. No mercado de trabalho internacional, os nossos tradutores têm
algumas hipóteses de trabalho (ainda que reduzidas) nas grandes organizações internacionais
multilíngues que utilizam o português como língua de trabalho, entre as quais se destacam as
instituições comunitárias. Estas organizações, além de empregarem tradutores permanentes,
recorrem também a tradutores independentes externos.
Tal como os tradutores, os intérpretes são procurados tanto por organismos nacionais e
organizações internacionais como por outras entidades que necessitam de recorrer
ocasionalmente aos seus serviços. As suas hipóteses de trabalhar como trabalhadores por conta
de outrém no mercado nacional são, no entanto, muito mais difíceis, uma vez que praticamente
não existem entidades empregadoras nacionais que tenham intérpretes a tempo inteiro ao seu
serviço, sendo os intérpretes de conferência particularmente afectados por esta situação. Em
Portugal, os serviços dos intérpretes de conferência que trabalham como profissionais liberais
são procurados por instituições públicas e entidades privadas que organizam conferências
internacionais no país e no estrangeiro (empresas, ministérios, organizações e associações
patronais, sindicais e profissionais, etc.).
No mercado internacional, as oportunidades de trabalho dos intérpretes de conferência resumem-
se às organizações internacionais com sede no estrangeiro onde as suas línguas de trabalho são
necessárias. As organizações internacionais que têm o português como língua de trabalho não
são muitas, mas existem algumas que necessitam de intérpretes com o português como língua
passiva (língua a partir da qual interpretam para outros idiomas). De entre as potenciais entidades
empregadoras de intérpretes de conferência de língua portuguesa, destacam-se as instituições da
União Europeia, o Conselho da Europa e as instituições das Nações Unidas. Tal como acontece
com os tradutores, estas organizações recrutam os intérpretes de conferência mediante concurso.
Como também precisam de recorrer a serviços externos de interpretação, estas organizações
criam, ainda, possibilidades de trabalho aos intérpretes de conferência que trabalham como
independentes, regra geral, submetendo-os a um teste.
No nosso país, o acesso às actividades de tradução e de interpretação não está por enquanto
regulamentado, pelo que nada impede que pessoas sem a qualificação apropriada exerçam estas
actividades. De facto, quem necessita de serviços de tradução e de interpretação opta, por vezes,
por contratar pessoas que, apesar de saberem falar ou escrever correctamente na língua materna e
em línguas estrangeiras, não são competentes para assegurar o elevado nível de qualidade e rigor
destes serviços, pois não detêm as capacidades pessoais nem os conhecimentos técnicos e
linguísticos que são exigidos. Apesar do mercado de trabalho dos tradutores e dos intérpretes
especializados não estar saturado - existe procura de serviços de qualidade -, esta situação traz-
lhes dificuldades, pois têm de enfrentar uma mão-de-obra não qualificada que lhes retira algumas
oportunidades de trabalho.
Em Portugal, a localização geográfica destes profissionais centra-se nos grandes centros urbanos
(com destaque para Lisboa e Porto), pois é aí que existe maior necessidade dos seus serviços. No
plano internacional, a procura de tradutores e intérpretes de língua portuguesa localiza-se
principalmente em Bruxelas, dado que é nesta cidade belga que está situada a maioria das
instituições da União Europeia onde o português é uma das línguas oficiais de trabalho.
Tradutor e Intérprete
CURSOS
Os cursos superiores existentes na área da tradução e da interpretação são, nomeadamente, os
seguintes:
A- Ensino Público:
1- Bacharelato + Licenciatura
- Tradução
. Escola Superior de Educação de Faro da Universidade do Algarve
2- Bacharelato
1- Licenciaturas:
- Tradução
- Tradutores e Intérpretes
2- Bacharelato + Licenciatura
- Tradução e Interpretação
COMPLEMENTO DE FORMAÇÃO
Apesar de incluírem matérias consideradas úteis para o exercício das actividades de
tradução e de interpretação, a opinião das associações profissionais que representam os
tradutores e os intérpretes de conferência é a de que, de uma forma geral, estes cursos precisam
de ser complementados com uma formação prática adequada às necessidades do mercado de
trabalho, aos requisitos impostos pelas organizações internacionais e à complexidade das funções
inerentes a estas profissões. De acordo com estas associações, quem queira ser um profissional
especializado em tradução e/ou interpretação deve complementar o máximo possível a sua
formação, nomeadamente através da frequência de intercâmbios universitários em países
estrangeiros e da realização de cursos de aperfeiçoamento, no país e no estrangeiro.
Em Portugal, e na área da tradução, além dos cursos acima referidos, existem, ainda, cursos em
Línguas e Literaturas Modernas, com opções curriculares em Tradução. Quem pretenda
aprofundar os seus conhecimentos técnicos e linguísticos tem ao seu dispor diversas formações
em Tradução (cursos de especialização, pós-graduações, mestrados, etc.), destinadas a
diplomados na área e/ou a tradutores profissionais. Além da formação académica, os estudantes e
os profissionais desta área devem recorrer também à auto-aprendizagem, procurando obter
conhecimentos por outras vias. Com esse objectivo, devem-se equipar com todos os meios
formativos auxiliares possíveis, designadamente livros e dicionários de consulta e de
investigação, bem como software de apoio a trabalhos de tradução.
A escolha das línguas de trabalho deve ser muito bem pensada e feita de acordo com as
necessidades do mercado de trabalho e com o trajecto profissional que se pretende percorrer. Um
primeiro factor a ter em conta é que as oportunidades de trabalho são tanto maiores quanto maior
o número de línguas com as quais se trabalha: quem domine mais do que uma língua estrangeira
pode, à partida, aceitar mais trabalhos do que aquele que só conhece apenas uma língua
estrangeira. Por outro lado, deve-se procurar obter uma combinação linguística menos vulgar. Na
área da tradução, o mercado de trabalho está sobretudo saturado de profissionais que dominam
somente o inglês e/ou o francês, pelo que é aconselhável saber trabalhar com outras línguas. Na
área da interpretação, e apesar de alguma saturação, esta combinação linguística continua a ser a
mais procurada. Contudo, é conveniente - embora não seja indispensável - poder trabalhar com
duas línguas activas (línguas para as quais se interpreta) e dominar pelo menos mais uma
terceira, passiva.
No mercado de trabalho internacional, e sobretudo para quem deseje vir a ser intérprete de
conferência, a combinação linguística mais procurada nos intérpretes de língua portuguesa é o
inglês, o francês e uma terceira língua estrangeira menos habitual. Atendendo às necessidades
das instituições europeias, esta terceira língua pode ser o alemão, o dinamarquês, o neerlandês
(que compreende o holandês e o flamengo), o sueco, o grego ou o finlandês. No plano
internacional, em geral, existe também uma procura crescente de intérpretes que trabalhem com
as línguas faladas na Europa central e oriental (russo, polaco, checo, húngaro, etc.) e com aquelas
que registam uma crescente projecção internacional, tais como o árabe, o chinês ou o japonês.
Tendo em conta que são chamados a trabalhar sobre os mais diversos temas, é fundamental que
tanto os tradutores como os intérpretes desenvolvam, além das suas competências linguísticas, a
sua cultura geral. Os textos que traduzem ou os discursos que interpretam podem ser dedicados a
áreas tão diversas como economia, agricultura, direito, engenharia, informática ou medicina e é
importante que estes profissionais estejam familiarizados com a terminologia utilizada no âmbito
dessas matérias, de forma a compreenderem com facilidade o que é dito ou escrito e a
preservarem o seu sentido. É essencial, por isso, que tenham curiosidade intelectual, que
investiguem sobre o maior número possível de assuntos e procedam a uma actualização diária de
conhecimentos. As expressões e os termos técnico-científicos devem ser alvo de uma pesquisa
mais atenta, pois são muito específicos e não são utilizados na linguagem comum. Além disso, à
medida que o conhecimento científico vai evoluindo, é habitual surgirem novas palavras. Em
Portugal, as áreas de medicina, engenharia, economia e direito são aquelas em que existe uma
maior quantidade de trabalhos de tradução e de interpretação, pelo que o conhecimento da
linguagem utilizada nestas áreas pode constituir uma importante mais-valia no mercado de
trabalho.
Condições de Trabalho
A actividade de interpretação, por seu lado, encontra-se associada a uma forte componente de
imprevisibilidade, o que obriga o intérprete a preocupar-se sobretudo com a mensagem essencial
do discurso transposto e não tanto com a sua transposição integral. Esse factor leva também a
que esta profissão seja muito exigente do ponto de vista físico e mental, pois o intérprete
necessita de estar altamente concentrado e de acompanhar o ritmo das intervenções, ouvindo e
falando ao mesmo tempo. Por esta razão, a resistência física e uma boa saúde constituem
requisitos importantes para quem pretenda exercer esta profissão. Ser intérprete significa, ainda,
estar disponível para se ausentar de casa, pois é uma profissão com um elevado índice de
mobilidade geográfica. Por outro lado, podem desenvolver a sua actividade nos mais diferentes
ambientes de trabalho: quando fazem interpretação consecutiva podem trabalhar ao ar livre,
enquanto na interpretação simultânea trabalham em cabinas (as quais devem reunir determinadas
condições técnicas e estar preparadas para acolher, pelo menos, duas pessoas).
A flexibilidade de horário dos intérpretes varia muito em função do tipo de serviço que prestam.
Uma equipa de intérpretes de conferência, por exemplo, pode ser chamada para trabalhar numa
conferência de imprensa com uma duração de apenas 45 minutos, no período da manhã, e ser
solicitada para interpretar uma delegação durante uma visita, no período da tarde. Em
conferência, os intérpretes possuem horários mais rígidos, acompanhando os ritmos das sessões
de trabalho (máximo 2 x 3,5 horas/dia), geralmente intervaladas com pausas para refeições e
café.
Tradutor e Intérprete
Remunerações
Os preços cobrados pelos tradutores são determinados em função do idioma (uns são mais bem
cotados que outros, consoante se tratem de línguas vivas ou línguas mortas) e do tipo de
linguagem que se está a traduzir (corrente, literária ou técnica). O pagamento total do serviço é
efectuado com base no número de linhas ou de páginas traduzidas. Os valores normalmente
cobrados por estes profissionais são os seguintes:
Os preços cobrados nas traduções para legendagem variam entre os 2,50 € e os 5 € por cada
minuto de audiovisual televisivo. Caso se trate de legendagem para cinema, o valor pago varia
entre os 20 € e os 30 € por cada dez minutos. As revisões de textos obedecem à tabela de preços
praticada para as traduções. São ainda cobradas importâncias extraordinárias, quando os
trabalhos necessitam de ser executados e entregues num período inferior a 48 horas (+50%) e
quando se realizam traduções a partir de gravações (+30%). As retribuições dos tradutores com
vínculo à função pública (por exemplo, que trabalham em ministérios) são muito variáveis, pois
dependem da carreira e do escalão em que estão integrados. No mercado internacional, e embora
estes valores variem, os tradutores que prestam serviços externos às instituições comunitárias
podem ganhar cerca de 2000/2500 €. Caso sejam funcionários permanentes, o seu vencimento-
base em início de carreira ronda, normalmente, os 3500/4000 € mensais.
Tal como os tradutores, os intérpretes que trabalham nas instituições comunitárias são
normalmente bem remunerados. Os intérpretes de conferência independentes que são recrutados
pelas organizações internacionais para prestação de serviços são pagos segundo uma tabela de
honorários constante de acordos negociados pela Associação Internacional de Intérpretes de
Conferência (AIIC). Segundo essa tabela, recebem uma retribuição líquida na ordem dos
250/300 € por cada dia de trabalho, embora este valor varie ligeiramente consoante a experiência
profissional e a instituição a que se presta serviços. Além disso, recebem ajudas de custo para
fazer face às despesas de alojamento, transporte e alimentação.
No mercado nacional, a quase totalidade dos intérpretes é profissional independente, pelo que os
honorários cobrados variam mais. Os profissionais com maior experiência, porém, tendem a ter
como referência os honorários praticados pelas organizações internacionais, dependendo as
ajudas de custo dos valores negociados com o cliente. Apesar dos serviços prestados pelos
intérpretes poderem ser considerados caros, tal não significa que os seus rendimentos mensais
sejam elevados, pois as suas oportunidades de trabalho não surgem todos os dias - o mesmo
acontece com os tradutores.
Tradutor e Intérprete
Perspectivas
A- CONHECIMENTOS PRÉVIOS
B- RECEPÇÃO DO TEXTO:
D- VERIFICAÇÃO/AVALIAÇÃO DA TRADUÇÃO:
9- Faz uma leitura em voz alta do texto de chegada a alguém que não conheça o texto
de partida (eliminação de interferências, ambiguidades …);
TRADUTORES E INTÉRPRETES
Existem várias entidades que podem fornecer informações adicionais sobre esta profissão,
nomeadamente:
Associação Portuguesa de Tradutores (APT), R. de Ceuta, 4-B, Gar. 5, 2795 Linda-a-Velha, Tlf.
(01) 4198255.
VOLTAR
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1
INTRODUÇÃO
Este trabalho, que tem como tema As identidades e as variantes lingüísticas nas
HQs, consiste na tradução de trechos da história em quadrinhos ―The Challenge of the Gods
Begins‖, cuja protagonista é a super-heroína Mulher-Maravilha. A análise da caracterização
dos personagens considera as variantes lingüísticas e imagéticas que compõem a aludida
aventura quadrinhística e apresenta a justificativa das opções tradutórias.
O referencial teórico utilizado — que abrange estudos de sociolingüística,
estilística, teoria e procedimentos técnicos de tradução, histórias em quadrinhos, gêneros
textuais e língua portuguesa — vem dos trabalhos de Preti (1982), Cortiano (1991), Passarelli
(1995), Bakhtin (1997), Eguti (1999), Sayão (2001), Arrojo (2002), Barbosa (2004),
Cassimiro (2004), Gusman (2005) e outros.
O trabalho está dividido em dois capítulos: o primeiro, dedicado à
contextualização, à fundamentação teórica e à apresentação da tradução sugerida; e o
segundo, a algumas justificativas das decisões tradutórias do autor.
1 - Tem Início o Desafio ao Tradutor
1.1 — As ―encarnações‖ da Mulher-Maravilha
A Detective Comics, mais conhecida como DC Comics, é, de acordo com o site
Wikipedia2, uma editora norte-americana que figura entre as duas maiores do mundo — no
que diz respeito à publicação de histórias em quadrinhos de super-heróis — e detentora dos
direitos autorais de ícones como Super-Homem, Mulher-Maravilha, Batman, Lanterna Verde,
Novos Titãs, Legião de Super-Heróis e muitos outros.3
O Universo DC é um ambiente fictício e compartilhado em que ocorre a
esmagadora maioria das histórias publicadas pela DC Comics e compõe-se de seres cujas
características e superpoderes são os mais diversificados: voam, são capazes de erguer
incontáveis toneladas, suportam muito mais que tiros de canhão ou explosões nucleares,
2Enciclopédia virtual, cujo endereço é www.wikipedia.org. (Acesso em 10/10/05.)
3A única concorrente à sua altura é a editora Marvel Comics, cujos personagens mais famosos são Capitão
América, Thor, X-Men, Hulk, Homem-Aranha, Demolidor, Homem de Ferro e outros.
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2
dentre tantos outros feitos admiráveis. Constam de seus cenários lugares reais como a
Califórnia, Nova Iorque e o Brasil, além de inúmeros outros, fictícios, como o planeta
Krypton, a cidade submersa de Atlântida, a Ilha Paraíso, a cidade de Gotham e até um Monte
Olimpo peculiar. Diversos dos seus eventos históricos correspondem aos ocorridos no mundo
real, mas nem todos.
Essa mistura de superpoderes com mundo real, confirma Gusman (2005, p. 7),
levou a editora a criar, em seus 70 anos, literalmente milhares de personagens que
conquistaram gerações de admiradores em todo o planeta. Pode-se, portanto, incluir entre as
façanhas dos heróis a notável repercussão que têm, já faz muito tempo, em vários outros
meios de comunicação, expressão e entretenimento, ou seja, de manifestação cultural, além
das aventuras impressas4.
É nesse contexto que se destaca a Mulher-Maravilha, que Cassimiro (2004, p. 55)
define como
[uma] super-heroína, originária da Ilha Paraíso, filha da rainha Hipólita — logo,
princesa das amazonas —, agraciada pelos deuses gregos (do Olimpo) com
superpoderes, que veio ao mundo dos homens como embaixadora da mensagem de
paz fundamentada na filosofia olimpiana. Chama-se Diana, também conhecida como
Diana de Themyscira ou Princesa Diana de Themyscira, e é dotada de
incomensurável força sobre-humana, do poder de vôo, de supervelocidade e
invulnerabilidade; exímia guerreira (treinada em todos os antigos métodos gregos de
combate corpo a corpo), capaz de desviar e rechaçar qualquer tipo de projétil ou raio
(inclusive relâmpagos) com seus indestrutíveis braceletes de prata e possuidora do
inquebrável Laço da Verdade (forjado do cinturão da deusa Gaia), o qual compele
todo aquele que por ele é envolvido a dizer a verdade. [A personagem] é sinônimo
de perfeição (também por causa da sua inigualável beleza física), independência e
supremacia feminina. [É a] maior e mais poderosa super-heroína dos quadrinhos (na
mesma categoria do Super-Homem). Essa campeã dos deuses olimpianos é ainda
chamada de a Princesa Amazona.
O autor (op. cit.) explica que, referente à semântica e ao estilo, necessário se faz
este destaque: há, por exemplo, vários níveis de força sobre--humana no Universo DC. Esse é
um dos parâmetros que ajudam a determinar qual personagem é ―páreo‖ para outro. Por isso,
naquele glossário, nas notas enciclopédicas de personagens como Super-Homem e Mulher-
Maravilha, o substantivo força é duplamente adjetivado (incomensurável força sobre-humana
e incomensurável força sobre-humana, respectivamente). Por ser a força deles sobre-humana,
poderia parecer desnecessário ou redundante o uso de mais um adjetivo, mas, diante do
exposto, entendemos que não seja.
4Até Gilberto Gil, que compôs Super-Homem, A Canção, fez, na letra, uma nítida referência a um trecho de
Super-Homem, O Filme (ou Super-Homem I): “Quem sabe o Super-Homem venha nos restituir a glória,
mudando, como um deus, o curso da História, por causa da mulher?”
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Moretti e Barroso (1991, p. 3) acrescentam que a Princesa Amazona foi criada,
em 1941, pelo renomado psicólogo William Moulton Marston (1893–1947) — que usou o
pseudônimo de Charles Moulton — para expressar as suas teorias sobre o relacionamento
entre homem e mulher. Vale ressaltar que foi o idealizador da personagem quem aperfeiçoou
o sistema de testes para o detector de mentiras. O primeiro ilustrador (desenhista) da super-
heroína foi H. G. Peters.
Rimmels (1996, p. 49) afirma que, a respeito da criação da Mulher-Maravilha,
Marston escreveu isto: ―As fortes qualidades do sexo feminino têm sido menosprezadas. A
solução óbvia é criar uma personagem feminina com toda a força de um super-homem, mas
com o fascínio de uma bela mulher.‖
Na década de 1970, fez muito sucesso, em todo o mundo, o seriado live action
―Mulher-Maravilha‖ (Wonder Woman) — desenvolvido exclusivamente para a televisão e
estrelado por Lynda Carter. Num dos seus episódios — pertencente à primeira temporada,
intitulado ―A Última Nota de Dois Dólares‖ —, o major Steve Trevor5 refere-se à
protagonista com estas palavras: ―Ela é um assombro: forte, destemida e cheia de compaixão!
Todas as virtudes da feminilidade, sem nenhum dos vícios.‖
O fato de várias versões da origem da princesa amazona terem sido contadas nas
histórias em quadrinhos, nos desenhos animados e até mesmo nessa série televisiva é
confirmado por Moretti e Barroso (1991, p. 3), que também reconhecem como a versão
―definitiva‖ daquela que é considerada a maior super-heroína de todos os tempos a sua
reformulação — proposta, em 1987, pelo argumentista e desenhista George Pérez. É
exatamente uma história dessa última ―encarnação‖ da Mulher-Maravilha que nos serve de
objeto de estudo neste trabalho.
5Segundo o site Wikipedia, o personagem fictício era um oficial do serviço secreto norte-americano por quem a
versão original da super-heroína nutria uma paixão platônica. No seriado televisivo, foi interpretado por Lyle
Waggoner.
Estátua (esculpida por Tim Bruckner) baseada na ―nova‖ Mulher-Maravilha, de George Pérez
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4
Acima, algumas das várias ―encarnações‖ quadrinhísticas da Mulher-Maravilha
Versão original da Mulher-
-Maravilha, no traço de H.
G. Peters (1941)
Versão da Mulher-Maravilha constante do Guia de Estilo da DC
Comics (de 1982)
A nova Mulher-Maravilha, de
George Pérez: mais poderosa, e
nada de salto alto! (1987)
Versão da Mulher-Maravilha da Era de Bronze dos quadrinhos
(1978)
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5
Acima, as principais ―encarnações‖ televisivas da Mulher-Maravilha
Lynda Carter, no papel da
super-heroína, em cena da
primeira temporada do
seriado Mulher-Maravilha
(1976)
Lynda Carter, no papel da Princesa
Amazona, trajando o uniforme escolhido
para a segunda e a terceira temporadas
do seriado, as quais foram intituladas As
Novas Aventuras da Mulher-Maravilha
(1977-1979)
A Mulher-Maravilha do desenho animado Superamigos
(1973-1984)
A Mulher-Maravilha do
(recente) desenho animado
Liga da Justiça
(2005)
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6
Em entrevista a Mangels (1987, p. 99–101), Pérez referiu-se especificamente a
―The Challenge of the Gods Begins‖, afirmando tratar-se da primeira parte de um arco de
histórias no qual Diana teve de provar por que ela é tão necessária ao mundo dos homens
quanto as amazonas são essenciais à sobrevivência da humanidade. Nessa seqüência de
aventuras, ficou esclarecido aquilo que era imprescindível para a consolidação da origem da
―nova‖ Mulher-Maravilha, de modo que, ao final, definiram-se estes detalhes: quem ela é,
quem era a Diana de quem a jovem amazona herdou esse nome, por que usa um uniforme
inspirado na bandeira norte--americana, o que a torna tão ímpar (e não apenas mais uma
super-heroína) e qual é a sua missão na Terra.
Ainda à luz dessa entrevista concedida pelo aclamado George Pérez, tais histórias
encadeadas chamariam a atenção quanto ao aspecto visual, uma vez que, nelas, a protagonista
se depararia com criaturas da mitologia olimpiana, inclusive, é óbvio, os deuses. O
argumentista (op. cit.) salientou que teve de ler muitos livros e artigos sobre mitologia, dos
quais vários eram relacionados às histórias em quadrinhos. Baseou-se mormente na tese
Wonder Woman from an Amazon Mythology Perspective, de John Palmer, em que este
almejou estabelecer a consonância da Mulher-Maravilha com parte da mitologia grega, a fim
de que os mitos ―funcionassem‖ na revista WONDER WOMAN.
Na aludida matéria, Pérez também admitiu que grande parte desse último
referencial teórico serviu de esteio para a sua recriação da extraordinária super-heroína,
permitindo-lhe não só evitar conflitos com o mito das amazonas consolidado em outras
aventuras quadrinhísticas por autores daquela época, como também não entrar em
contradição com as lendas formadas muitos anos antes de o artista ter de trabalhar com essas
mulheres. A pesquisa ajudou-o a arquitetar um meio perspicaz de manter as suas amazonas
―fiéis‖ às origens mitológicas ao mesmo tempo em que guardavam algumas peculiaridades.
Eram, por conseguinte, as amazonas da DC, com raízes mitológicas baseadas nas histórias
escritas por Hesíodo e outros, porém suficientemente independentes, de forma que ele (op.
cit.) pudesse criar as suas aventuras sem estar irrestritamente condicionado àqueles mitos. Por
fim, quanto aos deuses, Pérez teve de redesenhá-los, pois queria que a revista recebesse um
tratamento visual diferente: decidiu ―construir‖ novos deuses porque queria que fossem os da
Mulher-Maravilha, exclusivamente, ao contrário do que acontecia com os deuses das histórias
dos Novos Titãs. Cassimiro (2004, p. 54) define Novos Titãs como um grupo de jovens heróis
— com base de operações em Nova Iorque — que constitui uma força formidável em prol da
justiça. Os seus membros mais famosos são Asa Noturna, Moça-Maravilha, Estelar, Mutano,
Ravena e Ciborgue, entre outros.
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7
Acima, os deuses olimpianos de George Pérez (no traço de Phil Jimenez):
1) Possêidon; 2) Zeus; 3) Hades; 4) Dionísio; 5) Apolo; 6) Hera; 7) Héstia; 8) Hermes;
9) Afrodite; 10) Ártemis; 11) Atena; 12) Deméter; 13 Héracles.
Ao lado, os ascendentes dos deuses do
Olimpo, os Titãs da mitologia (no
traço de José Luis García-López):
1) Oceano; 2) Cronos; 3) Téia; 4)
Hipérion; 5) Ceo; 6) Febe; 7) Réia; 8)
Crio; 9) Mnemósine; 10) Têmis; 11)
Iápeto; 12) Tétis.
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Entendemos que todas as considerações acima sejam fundamentais para que
possamos dar conta de uma tradução que faça viver os personagens, conservando as suas
marcas identitárias. Passamos, a seguir, à abordagem das principais características das
histórias em quadrinhos, consideradas um gênero textual.
1.2 — As histórias em quadrinhos como gênero textual
Bakhtin (1997, p. 280) define gêneros textuais como tipos relativamente estáveis
de enunciados estruturados a partir de três aspectos gerais de caracterização: o conteúdo (ou a
seleção de temas), o estilo (ou a escolha dos recursos lingüísticos) e a construção
composicional (que compreende as formas de organização do texto). O teórico do dialogismo
(op. cit.) concebe que haja tanto gêneros mais estereotipados quanto mais criativos,
maleáveis, plásticos (p. 301).
Diante do que exporemos a partir do próximo parágrafo, cremos ser lícito afirmar
que as histórias em quadrinhos enquadram-se nessa segunda categoria: a de gêneros textuais
mais criativos.
Guimarães (2003) conceitua história em quadrinho como
a forma de expressão artística que tenta representar um movimento por meio do
registro de imagens estáticas [...], não se [restringindo], nessa caracterização, o tipo
de superfície empregado, o material usado para o registro nem o grau de tecnologia
disponível [...], [englobando] manifestações das áreas de pintura, fotografia
(principalmente a fotonovela), desenho de humor (como a charge, o cartum, a
caricatura e a ideografia).
O estudioso (op. cit.) também delimita os principais elementos desse gênero
textual: o primeiro é o próprio desenho, com sua função narrativa, ou seja, sua tentativa de
representar um movimento, incluindo o cinético (linhas de ação que procuram representar até
mesmo a trajetória de objetos em movimento); o segundo, o encadeamento de diversas
imagens, procurando representar uma ação que se desenrola num período mais longo (isto é,
uma realidade visual cujo espaço tridimensional é representado numa superfície plana e
dinâmica, enquanto se encena o movimento por intermédio de uma seqüência de imagens
estáticas); o terceiro, a utilização de texto escrito, como aspecto de representação da dimensão
sonora (ou de um pensamento), no meio da imagem, próximo ao personagem que o emite (ou
atribuído a um narrador); e o quarto, o uso de onomatopéia, que, para o autor (op. cit.), é a
representação gráfica da adaptação — para os fonemas da língua falada — de sons da
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9
natureza não reproduzidos pelo aparelho vocal humano. Para Guimarães (2003), prevalece nas
histórias em quadrinhos a integração do texto escrito à imagem (pictórica).
Tais noções são corroboradas por Eguti (1999), que recomenda a leitura da
história em quadrinhos como um só visual, percebendo-se que a imagem predomina sobre o
texto, muito embora o conceito de história narrada seja ampliado e desenvolvido pelas
palavras, as quais, tanto por seu significado quanto por seu aspecto gráfico e visual,
complementam a arquitetura da composição de cada quadro.
A importância da imagem, ou melhor, dos desenhos nas histórias em quadrinhos é
tão inegável que muitos aficionados admitem perder o interesse na leitura quando o traço do
desenhista não os atrai. Há, por exemplo, artistas que contrariam acintosamente as premissas
mais elementares de alguns personagens. A Mulher-Maravilha, freqüentemente, é vítima
deles. Ela, que é definida como uma jovem mulher de beleza extraordinária, ímpar, acaba, não
raro, sendo retratada como uma matrona, o que irrita os seus fãs.
Quanto aos recursos lingüísticos, a autora (op. cit.) também reforça que os
grafemas, os sinais diacríticos, os ideogramas e os sinais de pontuação são muito utilizados,
ao lado dos balões, que, por sua vez, além de servirem de contorno aos diálogos, expressam
idéias, emoções, sentimentos por meio dos mais diversos tipos de traçado.
No que concerne aos usos de sinais, gostaríamos de dar destaque a dois: o das
reticências (...), que, conforme pudemos depreender, especialmente da leitura de ―The
Challenge of the Gods Begins‖, são usadas para marcar hesitação (na fala ou no pensamento
de um personagem ou narrador) e o de dois hífens seguidos (--), para denotar quebra ou
interrupção na seqüência linear da fala ou do pensamento (também de um personagem ou
narrador), sem que haja, contudo, hesitação do emissor do enunciado.
Em tempo, não poderíamos deixar de dar destaque à seguinte afirmação da autora
(op. cit.), que se presta a estabelecer ao menos uma das relações existentes entre as variantes
lingüísticas e as identidades nas histórias em quadrinhos: ―O vocabulário utilizado deve ser
adequado às personagens, de forma a conferir-lhes a veracidade e a naturalidade da
conversação.‖
1.3 — A tradução e os seus enquadres
No artigo ―Do you dig comics?‖, Cortiano (1991, p. 39–41) refere-se à tradução
de histórias em quadrinhos, no Brasil, como produto adulterado, mutilado, podre e justifica
tão desastroso resultado alegando que os tradutores brasileiros são pobres, mal pagos,
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desprestigiados, esforçados incompetentes e despreparados (até mesmo os que, à época,
prestavam serviços à Editora Abril). O crítico (op. cit.) ainda apresenta alguns exemplos de
traduções desse gênero textual que implicam redução, corte e simplificação do texto e das
imagens originais, o que considera mutilação. Por fim, discute outras poucas traduções de
histórias em quadrinhos e diz admitir o direito de autoria do bom tradutor (a quem considera
também um artista), contanto que este não ―machuque‖ o original.
A leitura desse artigo, a despeito do tom contundente, serviu-nos de alerta quanto
ao limite entre adaptar e mutilar um texto e, portanto, quanto ao modo pelo qual traduziríamos
―The Challenge of the Gods Begins‖. A verdade é que, mediante a leitura de outros artigos
sobre esse tipo de tradução, já não tínhamos como negar a forte impressão de que o público-
alvo de histórias em quadrinhos permanece na expectativa de ser o destinatário de traduções
fidelíssimas, literais [segundo o conceito de Barbosa (2004, p. 65–66)].
A opinião de Passarelli (1995), no nosso entendimento, não destoa dos pareceres
dos estudiosos até aqui mencionados, já que ele (op. cit.) entende que até mesmo a
modificação de uma cor, na adaptação brasileira de uma história em quadrinhos norte-
americana, por exemplo, pode modificar o sentido da mensagem transmitida. No que se refere
à tradução desse gênero textual, Passarelli (1995) parece filiar-se à corrente doutrinária
defendida por Theodor (1976, p. 120–121), para quem, em obediência aos ditames do público
leitor, ―o tradutor deve possuir [sic!] perceptividade especial, que lhe permita captar as
preferências do ambiente para o qual traduz e constatar quais são as peculiaridades do autor a
ser traduzido que se afinem a esses gostos‖.
Enfim, exigem-se do tradutor superpoderes, porém, apesar de o seu trabalho ser
um desafio, ele não pode depender da ajuda dos deuses.
Discordamos dessa afirmação do autor (op. cit.) porque esse modo de conceber a
tradução remete-nos à missão impossível de Pierre de Menard, um homem de letras —
francês —, da primeira metade do século XX, cujos trabalhos, segundo Arrojo (2002, p.14),
têm muito em comum com as teorias tradicionais de tradução, pois esse personagem borgiano
concebe o texto como um objeto de contornos perfeitamente determináveis, acreditando,
portanto, que seja possível reproduzir totalmente, em outra língua, as idéias, o estilo e a
naturalidade de um texto ―original‖.
Filiamo-nos à teoria de tradução de Arrojo (2002), que rejeita as concepções
tradicionais, logocêntricas do que seja traduzir e propõe o conceito de texto-palimpsesto:
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... o ―palimpsesto‖ passa a ser o texto que se apaga, em cada comunidade cultural e
em cada época, para dar lugar a outra escritura (ou interpretação, ou leitura, ou
tradução) do ―mesmo‖ texto (...), [que] não pode ser um conjunto de significados
estáveis e imóveis, para sempre ―depositados‖ nas palavras (...) O que temos, o que
é possível ter, são suas muitas leituras, suas muitas interpretações – seus muitos
―palimpsestos‖. (p. 23–24)
... o texto/ palimpsesto não é um receptáculo de conteúdos estáveis e mantidos sob
controle, que podem ser repetidos na íntegra. (p. 38)
Consideramos conveniente destacar mais duas afirmações da teórica (op. cit.):
... é impossível resgatar integralmente as intenções e o universo de um autor,
exatamente porque essas intenções e esse universo serão sempre, inevitavelmente,
nossa visão daquilo que possam ter sido. (p. 40)
... como sugeriu o teórico francês Roland Barthes, qualquer texto, por pertencer à
linguagem, pode ser lido sem a ―aprovação‖ de seu autor, que pode apenas ―visitar‖
seu texto, como um ―convidado‖, e não como um pai soberano e controlador dos
destinos de sua criação. (p. 40)
Ao contrário do que se pode alegar, essa corrente privilegia a noção de tradução
ética e não encoraja o tradutor — como leitor e intérprete do texto--palimpsesto — a fazer
deste o que bem entender, pois impõe ao profissional de tradução muita responsabilidade no
que tange à sua formação (isto é, o domínio das línguas com as quais trabalha), ao público-
alvo do produto de seu trabalho e à própria tradução (como intermediadora da produção de
significados).
Arrojo (2002, p. 45) ainda assevera que ―quando um leitor ‗produz‘ um texto, a
sua interpretação não pode ser exclusivamente sua, da mesma forma que o escritor não pode
ser o autor do texto que escreve‖. Nesse sentido, os poderes dos tradutores estarão sempre
sobredeterminados pela sua posição de intermediários no mundo dos homens, no qual:
aceitaremos e celebraremos aquelas traduções que julgamos ―fiéis‖ às nossas
próprias [sic!] concepções textuais e teóricas, e rejeitaremos aquelas de cujos
pressupostos não compartilhamos. (p. 45) (...) As traduções, como nós e tudo o que
nos cerca, não podem deixar de ser mortais. (p. 45)
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2- O Tradutor entre Línguas e Mundos
2.1 – O tratamento dos personagens
De acordo com Crystal (2000, p. 264), variante lingüística é uma expressão usada
―na Sociolingüística e na Estilística para indicar qualquer sistema de expressão lingüística
cujo uso seja dependente de variáveis de situação‖. Contudo, o modo pelo qual são reunidas
essas variantes vai depender do que cada pesquisador entende por dialeto, registro e mesmo
língua. Para alguns sociolingüistas, continua Crystal, ―variante tem definição mais restrita: um
tipo de linguagem distintiva dependente da situação — um tipo de língua especializada dentro
de um dialeto‖. (p. 264)
Apoiando-se na definição de dialeto proposta por Halliday, Preti (1982, p. 25)
acrescenta que, no interior de uma comunidade lingüística, grupos diferentes falam diferentes
dialetos. Nesse caso, um dialeto é uma variedade de uma língua. Portanto, para o erudito (op.
cit.), ―embora não se possa ter a pretensão de que os dialetos sociais sejam claramente
distintos (como são, mais freqüentemente, os dialetos geográficos), ainda assim é possível
estabelecer pelo menos duas variedades.‖
Ao mencionar essas duas variantes lingüísticas de natureza social, Preti (1982, p.
26) introduz os dialetos culto e popular, definindo-os da seguinte forma: o primeiro é aquele
eleito pela comunidade como o que goza de mais prestígio, refletindo um índice de cultura a
que todos pretendem (ou deveriam pretender) chegar. O segundo, menos prestigiado
socialmente, é o mais aberto às transformações da linguagem oral do povo.
O teórico (op. cit.) ainda caracteriza esses dois dialetos sociais do ponto de vista
de suas estruturas morfossintáticas, apontando algumas diferenças mais comumente neles
observadas em português (p. 27–28): o dialeto culto apresenta, por exemplo, indicação precisa
das marcas de gênero, número e pessoa; uso de todas as pessoas gramaticais do verbo, com
exceção, talvez, da 2.ª do plural, relegada, praticamente, à linguagem dos discursos e sermões;
emprego de todos os tempos e modos verbais; correlação verbal entre tempos e modos;
coordenação e subordinação, ou seja, riqueza de construção sintática, etc. O dialeto popular,
por seu turno, caracteriza-se pela economia nas marcas de gênero, número e pessoa; redução
das pessoas gramaticais do verbo, isto é, mistura da 2.ª com a 3.ª pessoa, no singular; redução
dos tempos de conjugação verbal e de certas pessoas (por exemplo, a perda quase total do
futuro do presente e do pretérito-mais-que-perfeito — no indicativo —, do presente do
subjuntivo e do infinitivo pessoal); falta de correlação verbal entre os tempos; redução do
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processo subordinativo em benefício da frase simples e da coordenação; ou seja, uma
simplificação gramatical da frase e o emprego dos pronomes pessoais retos como objetos.
Do ponto de vista lexical, Preti (1982, p. 28) assevera ser muito difícil estabelecer
distinções mais nítidas entre os dialetos culto e popular além destas: naquele, há mais
variedade vocabular, mais precisão no emprego dos termos e mais incidência de vocábulos
técnicos; neste, predomina um vocabulário restrito, de uso muito amplo nos mais diversos
sentidos, muitas vezes abusivo na gíria e nos recursos enfáticos (como os termos obscenos). O
sociolingüista (op. cit.) também afirma que o dialeto social culto, em razão das características
apontadas anteriormente, prende-se mais às regras da gramática normativa, que é deveras
conservadora, de modo que a linguagem culta poderia atingir graus de extrema elaboração
que a tornariam preciosa, fora da realidade falada.
Embora o texto de ―The Challenge of the Gods Begins‖ seja escrito em língua
inglesa, cremos que algumas dessas características referentes às variantes lingüísticas em
língua portuguesa favorecem a nossa conclusão de que não há de se falar que dele constem
variantes lingüísticas, uma vez que a sua linguagem enquadra-se inteiramente no registro
culto (e o tom chega mesmo a ser solene).
É impossível, todavia, deixar de notar uma diferenciação no que se refere ao
tratamento (por meio da utilização dos pronomes ―você‖ e ―tu‖), o que nos permite
estabelecer uma correlação entre a variação no uso da linguagem e as identidades dos
personagens. Quando as amazonas falam entre si, usam sempre ―você‖ (mesmo quando uma
delas se dirige à sua rainha ou à sua princesa). De idêntico modo, os deuses, quando falam
entre si, usam ―você‖ (ainda que uma divindade ―menor‖ dirija-se a Zeus). Para a nossa
surpresa, quando as amazonas dirigem-se aos deuses (inclusive Zeus), também usam o
pronome de tratamento ―você‖. Somente quando as divindades mitológicas se dirigem às
amazonas, nota-se a adoção de ―tu‖.
Sayão (2001, p. 72–75) — hebraísta, responsável pela Bíblia Poliglota (da Editora
Vida Nova) e autor de NVI: a Bíblia do século XXI6 — traz a seguinte contribuição
(concernente ao uso dos pronomes) ao nosso estudo:
Uma das peculiaridades da NVI é o uso que faz dos pronomes.
Algumas pessoas podem ficar confusas ao descobrir que na NVI
6A obra é uma introdução à Nova Versão Internacional (NVI) da Bíblia, na qual o autor afirma que essa
tradução das Sagradas Escrituras norteou-se por uma ―necessidade fundamental de buscar uma tradução que,
além de ser fiel à intenção autoral dos escritores bíblicos, [fosse] também acessível ao leitor contemporâneo‖.
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encontrarão os pronomes tu, você, senhor, vós e vocês. Por que essa
diversidade?
Em primeiro lugar, deve ser dito que a NVI reconhece a diversidade
pronominal do português de hoje. O uso mais comum e crescente é o
do pronome você(s). Por isso, a NVI o utiliza como forma comum
de tratamento entre iguais. Todavia, ninguém fala com Deus
usando a forma você. Por isso, a NVI prefere manter tu nesse caso
e nos outros contextos definidos por deferência. (Grifo nosso)
Naturalmente, o contexto é o que determina o uso dos pronomes.
Vejamos os exemplos:
Mateus 26.63,64
Mas Jesus permaneceu em silêncio.
O sumo sacerdote lhe disse: ―Exijo que você jure pelo Deus vivo: se
você é o Cristo, o Filho de Deus, diga-nos‖.
―Tu mesmo o disseste‖, respondeu Jesus. ―Mas eu digo a todos vós:
Chegará o dia em que vereis o Filho do homem assentado à direita do
Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu.‖
Obs.: Jesus é chamado de você aqui porque está sendo tratado como
criminoso. O contexto é de respeito. Jesus, porém, trata os líderes
religiosos com deferência, expressa por meio de tu e de vós.
Atos 25.26
No entanto, não tenho nada definido a respeito dele para escrever a
Sua Majestade. Por isso, eu o trouxe diante dos senhores, e
especialmente diante de ti, rei Agripa, de forma que, feita esta
investigação, eu tenha algo para escrever.
Obs.: Diante de Agripa, Festo e Berenice, Paulo os trata
respeitosamente por senhores. O rei Agripa é tratado por tu (ti).
João 4.9,10
A mulher samaritana lhe perguntou: ―Como o senhor, sendo judeu,
pede a mim, uma samaritana, água para beber?‖ (Pois os judeus não se
dão bem com os samaritanos.)
Jesus lhe respondeu: ―Se você conhecesse o dom de Deus e quem lhe
está pedindo água, você lhe teria pedido e ele lhe teria dado água
viva‖.
Obs.: A samaritana chama Jesus de senhor, devido à diferença social
entre eles. Jesus a chama de você, por idêntica razão.
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Não temos a intenção de igualar as divindades da mitologia helênica da Mulher-
Maravilha ao Deus bíblico; cumpre-nos, outrossim, admitir que ficamos surpresos com a
constatação de que, em ―The Challenge of the Gods Begins‖, o critério de uso pronominal é
inverso ao da NVI: haja vista que as divindades usam ―tu‖ somente quando se dirigem às
amazonas, e estas, ao se dirigirem àquelas, tratam-nas por ―você(s)‖. Talvez George Pérez
tenha optado por conferir prestígio à identidade superior dos deuses do panteão do Monte
Olimpo, frisando o distanciamento, a hierarquia entre estes e as amazonas por intermédio da
construção do discurso dos olimpianos a partir desta possibilidade da variante social culta: a
de, como bem advertiu Preti (1982, p. 33), atingir graus de extrema elaboração que podem
torná-la preciosa, muito acima da realidade falada. Até porque o inglês usado pelo escritor no
discurso dos deuses é o — assim chamado — Middle English, típico, por exemplo, dos textos
shakespearianos.
É mister consignar que o uso pronominal adotado pelo autor do original foi
respeitado na nossa tradução.
2.2 – A tradução e as identidades em variação: apresentação da história em quadrinhos
(na língua de partida) e da sua tradução em português (a língua de chegada)
―The Challenge of the Gods Begins‖, foi originalmente publicada pela DC Comics
no número 10 da revista WONDER WOMAN, em novembro de 1987. A aventura contida nessa
edição é, por conseguinte, a décima após a reformulação da Mulher-Maravilha, por George
Pérez, em fevereiro daquele ano.
O enredo é este: por ter derrotado Ares, o deus da guerra, a princesa Diana acabou
atraindo para si a atenção dos demais deuses (habitantes do Monte Olimpo), já que tal façanha
não pudera ser cumprida nem mesmo por essas divindades. Zeus não ficou apenas
impressionado com o feito da amazona, mas também a cobiçou e decidiu abordá-la, a fim de
consumar seu intento libidinoso. Sentindo-se aviltado pelo repúdio da jovem, o rei dos
olimpianos sentenciou: ela seria submetida a um desafio que consistia em enfrentar, no
Tártaro7, todos os trabalhos8 que lhe fossem acrescidos por cada um dos deuses daquele
panteão, sob o risco de sobrevirem-lhe conseqüências diametralmente opostas: se Diana se
saísse bem, livraria as suas irmãs amazonas e a sua terra natal, a Ilha Paraíso, da maldição
7 Cassimiro (2004, p. 42) define o termo como o inferno grego.
8 Tais desafios nos remeteram aos lendários doze trabalhos de Hércules (ou Héracles, na terminologia grega).
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milenar de serem as guardiãs do Portal do Destino9 e provaria ser, como se cogitava,
verdadeiramente equiparável aos próprios deuses; caso falhasse, traria sobre todas as
amazonas e a sua amada ilha a condenação ao aniquilamento sumário. Corajosamente, a
super-heroína aceitou o desafio e partiu rumo ao seu destino, deparando-se com Cótus, cuja
vida foi ceifada por ela, e, por fim, com a Hidra de Sete Cabeças, mas o embate com essa
criatura ficou para a edição seguinte.
Ao longo da história, a protagonista interage com as amazonas (incluindo sua
mãe, a rainha Hipólita), os deuses e criaturas da mitologia grega (como Cótus e a Hidra de
Sete Cabeças). Vale lembrar que, a despeito das aparições de seres milenares, o tempo da
narrativa é o presente.
Também vemos pertinência no reforço de que o arco de histórias iniciado na
edição de número 10 de WONDER WOMAN e encerrado na de número 14 (isto é, o conjunto de
trabalhos ou desafios superados pela princesa amazona) serviu ao propósito de seu autor,
George Pérez, de consolidar a posição de preeminência da Mulher-Maravilha não somente em
relação ao Universo DC como também perante todo o cenário das histórias em quadrinhos (de
super-heróis).
Como o nosso objetivo é relacionar as variações lingüísticas às identidades dos
personagens, escolhemos três cenas. A primeira tem início no quinto quadrinho da página 4 e
termina no último da página 5 da edição mencionada. Nela, há apenas a interação entre
amazonas. A segunda, na qual a protagonista interage com as suas irmãs amazonas, inclusive
Hipólita (sua rainha e mãe), corresponde a toda a página 11. A terceira se inicia no primeiro
quadrinho da página 12 e se estende até o último da página 14. Nela, a Mulher--Maravilha
interage com os deuses do Olimpo.
9
Cassimiro (2004, p. 42) define o termo como a entrada para o Tártaro, localizada no subsolo da Ilha Paraíso,
lacrada e vigiada pelas amazonas.
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A ―nova‖ Mulher-Maravilha no traço de José Luis García-López
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Cena n.º 1 (1.ª parte)
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Cena n.º 2
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Cena n.º 3 (1.ª parte)
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Cena n.º 3 (2.ª parte)
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Cena n.º 3 (3.ª parte)
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Resta-nos agora, tão-somente, cumprir o dever de expor a nossa opção tradutória
para as três cenas acima. Antes, porém, julgamos mais oportuno explicitar qual foi o título
português que escolhemos dar à história ―The Challenge of the Gods Begins‖, que é este:
―Tem Início o Desafio Imposto pelos Deuses‖.
No nosso entendimento, traduzir ―challenge of the gods‖ por ―desafio dos deuses‖
não é uma boa opção, apesar da literalidade, pois não esclarece (de maneira inequívoca) se os
deuses são os desafiados ou os desafiadores. Considerando o contexto — ou seja, a íntegra
dessa aventura quadrinhística que nos serviu de texto na língua de partida —, principalmente
a irrefutável ausência de intenção da jovem amazona de desacatar, aviltar ou — por que não
dizer? — desafiar os seus deuses, defendemos a justificativa de que a melhor opção de
tradução para o seu título é a que propusemos no parágrafo anterior.
Abaixo está, enfim, a nossa tradução das cenas supracitadas:
A arte de George Pérez
para a Princesa Amazona
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Cena n.º 1 (1.ª parte)
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Cena n.º 1 (2.ª parte)
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Cena n.º 2
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Cena n.º 3 (2.ª parte)
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Cena n.º 3 (3.ª parte)
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3 - respondendo ao desafio: os (E)Feitos Tradutórios
Por almejarmos o estabelecimento de coerência metodológica, restringimo-nos,
nesta porção do trabalho, aos conceitos propostos por Barbosa (2004, p. 63–77) para a
caracterização dos procedimentos técnicos de pontos — que não são muitos — da nossa
tradução (selecionados para serem justificados).
Conduzimos a nossa prática tradutória procurando dar atenção não somente ao
que se diz, mas também a como se diz nas duas línguas: a de partida e a de chegada.
Esforçamo-nos para que isso se refletisse na nossa reescritura, em português, de ―The
Challenge of the Gods Begins‖, que, como já dissemos, intitulamos ―Tem Início o Desafio
Imposto pelos Deuses‖.
É importante esclarecer que não nos sentimos pressionados a ―enxugar‖ o nosso
texto — pela tão alardeada limitação de espaço para a inserção da tradução — porque, já na
década de 1970, a Editora Ebal resolvia esse ―problema‖ por intermédio da utilização de fonte
menor, o que, a nosso ver, não prejudicava a integridade da obra. Queremos, portanto,
enriquecer este trabalho com um exemplo do que acabamos de afirmar:
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Passarelli (1995) chama a atenção para o fato de não haver um critério coeso e
coerente, ou seja, padronizado no que diz respeito aos nomes dos personagens nas traduções
de histórias em quadrinhos.
Segundo o estudioso (op. cit.), não se convencionou, no Brasil, a manutenção dos
nomes em inglês ou em português. Sendo assim, decidimos aclimatar o nome próprio
―Phillipus‖ para ―Filípus‖, levando em consideração a possibilidade de facilitação — ao leitor
brasileiro — da pronúncia.
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Os substantivos próprios ―Themyscira‖ e ―Acantha‖, entretanto, foram mantidos
exatamente como constavam do texto na língua de partida porque, a nosso ver, por não existir
em português um fonema que corresponda ao ―th‖, esses nomes acabariam, de qualquer
forma, sendo pronunciados com o som de ―t‖ pelo leitor deste país, que já está acostumado a
nomes como Thiago (ou Tiago) e Thales (ou Tales). Esse é um caso de transferência.
No terceiro quadrinho da segunda cena (a qual corresponde à página 12 de
WONDER WOMAN n.º 10), preferimos fazer com que a rainha Hipólita dissesse ―... antes mesmo
de os deuses concederem o sopro de vida àquela argila...‖ em vez de ―... antes de os deuses
soprarem vida naquela argila...‖ simplesmente porque, para nós, a modulação (a primeira
opção) soou mais coerente com o discurso mais elaborado de uma rainha do que a tradução
literal (a segunda opção).
Na mesma cena, no quadrinho seguinte, o oráculo, no original, emprega, de
acordo com Martins (2003, p. 102), uma metonímia: ―... o caldeirão borbulha...‖. Demos
preferência, no nosso texto, por uma questão de estilo, a uma linguagem mais denotativa: ―...
o conteúdo do caldeirão borbulha...‖.
Na terceira cena (isto é, nas páginas 13 e 14 de WONDER WOMAN n.º 10), verifica-
se a utilização, pelos deuses, do termo ―lord‖ em sinal de deferência a Zeus. Embora haja
tradutores brasileiros da ―nona arte‖ que adotem ―lorde‖, isto é, a tradução literal, decidimos
substituí-la ora por ―soberano‖ ora por ―nobre‖. Apesar de ―lorde‖ ser um título de nobreza na
Inglaterra (e significar ―senhor‖), no Brasil, contudo, há um uso informal (um regionalismo)
para o termo, que, nessa acepção, significa ―bacana‖, ―vistoso‖, ―elegante‖. Consideramos,
então, mais sensato escolher termos que, em português, conferissem a Zeus, inequivocamente,
a nobreza salientada pelas demais divindades helênicas.
Não poderíamos deixar de mencionar o nosso uso de mesóclise, a fim de denotar
o discurso incomum, erudito e preciosista dos deuses (especialmente quando se dirigem às
amazonas). Diríamos que essa foi a nossa adaptação de um registro da língua inglesa tido
como arcaico.
Por fim, queremos também realçar a parcimônia com que empregamos os
pronomes pessoais retos, intencionando levar o leitor a deduzir os sujeitos por meio da
desinência verbal. Esse é o tipo de omissão que, entendemos, confere mais valor à linguagem
empregada na reescritura do texto na língua de chegada.
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CONCLUSÃO
A história em quadrinhos é um gênero textual que se caracteriza essencialmente
pela integração de imagem e palavra escrita. Embora o desenho predomine, é o texto o que
amplia o conceito de história narrada e se presta, dentre outras funções, à construção das
identidades dos personagens por meio do dialeto por eles usado.
No processo de tradução de ―The Challenge of the Gods Begins‖, pudemos
constatar que, ao lado dos desenhos (elaborados e detalhistas) de George Pérez — o
responsável pelo argumento e pela arte —, foi o texto o que revelou peculiaridades relativas
às identidades de senhores e servas, por exemplo.
Essa história foi inteiramente escrita no dialeto social culto, num tom que chega a
ser solene. Não há, portanto, por que falar, nesse caso, em oposição entre as variantes
lingüísticas culta e popular. Outrossim, pela forma de tratamento dos personagens, ou melhor,
pelo seu uso pronominal, estabeleceu-se a relação de diferença hierárquica (de dominação e
submissão) entre eles.
Diante do exposto, concluímos que o referencial teórico utilizado — que abrange
estudos de sociolingüística, estilística, teoria e procedimentos técnicos de tradução, histórias
em quadrinhos, gêneros textuais e língua portuguesa — contribuiu tanto para que
alcançássemos os nossos objetivos (de relacionar o uso da linguagem à identidade das
personagens) quanto para que exercêssemos o pensamento crítico.
Muito embora o trabalho do tradutor possa ter sido, neste caso, restrito a manter-
se no portal, ficamos, na verdade, entre dois desafios: o do texto de partida, que pede tradução
e o de chegada, cujo destino depende dos leitores.
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CASSIMIRO, Eduardo de Carvalho. Glossário bilíngüe do Universo DC Comics. 2004. 59 p.
Trabalho não publicado, apresentado como requisito parcial para a aprovação na disciplina
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THEODORE, Erwin. Tradução: ofício e arte. São Paulo: Cultrix, 1976.
<http://www.wikipedia.com> Acesso em 10 out. 2005.
Autor: Eduardo de Carvalho Cassimiro
Orientadora: Professora Doutora Viviane Veras
variedades de empréstimos
USP
RESUMO
ABSTRACT
0. Introdução
1. A conceituação do empréstimo
2. A complexidade do empréstimo
3. Considerações finais
REFERÊNCIAS
E-mail: fhaubert@usp.br
1 Este último caso é ilustrado na linguagem atual da informática, em que
deletar, tido e havido como anglicismo, remonta, na realidade, ao verbo
latino delere. Da mesma origem latina é o termo vernacular delir.
2 Comentários parentéticos deste autor.
3 Sugeri alhures (Aubert, 1998) que o empréstimo não se confunde com
a transcrição, esta sim, uma cópia real, sem interferência do tradutor, e
que ocorre sempre que o original contiver um elemento lingüístico-
conceptual ou cultural comum à LF e à LM (como, p. ex., uma fórmula
química ou algébrica) ou específica de uma terceira língua (como, p. ex.,
um termo em alemão constante de um original francês traduzido para o
português e mantido em sua forma germânica na tradução).
4 Este quadro constitui uma reorganização da Tabela 7 constante de
Aubert (1998).
5 Dados extraídos de Corrêa (1998) e reorganizados de modo a
possibilitar paralelo com o Quadro I.
6 As discrepâncias observadas na distribuição das modalidades em
Teresa Batista entre os Quadros I e II devem-se a procedimentos
operacionais e descritivos não totalmente coincidentes (vide, p. ex., os
respectivos valores encontrados para a omissão). Embora tal não-
coincidência seja, inevitavelmente, impeditiva de um tratamento
quantitativo mais elaborado em base comparativa, a tendência geral
resta confirmada, conforme comentado no corpo deste trabalho.
7 Esta afirmação é reforçada pelo fato de Dona Flor e Seus Dois Maridos
e Tenda dos Milagres terem sido ambos vertidos para o inglês pela
mesma tradutora, B. Shelby. Neste ponto, portanto, o idioleto de
tradutor pesa menos do que a tipologia textual. Vide, no entanto, os
comentários desenvolvidos no parágrafo seguinte.
8 A nota de rodapé, freqüente em Os Sertões, inexiste em Teresa
Batista, o que se explica pelas respectivas tipologias textuais.
9 O emprego do empréstimo paralelamente a outros recursos (em
especial, a explicitação, a adaptação e, ocasionalmente, a tradução
literal) ao longo do texto requer uma abordagem longitudinal que foge
ao escopo do presente trabalho. Para um primeiro estudo com tal
abordagem, vide Corrêa (1998).
10 Considerando a data de publicação de Rebellion in the Backlands
(1944), é muito provável que o tradutor S. Putnam tenha utilizado como
texto fonte uma edição ainda em ortografia tradicional. Nesta hipótese,
as alterações gráficas observadas seriam enganosas, o desvio, se
houver, estando antes nas edições brasileiras pós-reformas ortográficas.
A hipótese é reforçada pelo índice sensivelmente menor de alterações
gráficas observadas em Teresa Batista Home from the Wars. Resta, de
todo modo, a constatação de que a alteração na grafia constitui um dos
subtipos de empréstimo.
DELTA
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Resumo: O trabalho pretende tratar de questões que foram levantadas durante a tradução
do conto Brazil, de Paule Marshall, em especial aquelas que mais diretamente afetariam as
escolhas feitas pelo tradutor na sua prática transcriatória. Pretende-se também refletir
sobre a importância do tradutor na manutenção da vida de um texto literário e na busca de
uma identidade cultural através da tradução durante a sua luta entre a fidelidade e a
traição.
Palavras-chave: tradução, crítica, fidelidade.
Abstract: The paper intends to discuss some of the questions aroused while translating
Paule Marshall’s Brazil, especially those which more directly affected the choices made by
the translator in his transcreative practice. It is also intended to discuss the importance of
the translator in the maintenance of the life of a literary text, and in the quest for a cultural
identity through translation in his fight for fidelity and against betrayal.
Key-words: translation, criticism, fidelity.
1. O Brazil de Paule Marshall
Paule Marshall, juntamente com outras escritoras como Toni Morrison e Gayl Jones, faz
parte de uma geração de escritoras cujo trabalho está marcado por narrativas que retratam
a aflição e amargura lado a lado com a musicalidade e a alegria, que assim denunciam as
emoções conflitantes e a mistura de cores do continente americano. (COSER: 1995, 3)
“Brazil”, última das quatro novelas de Paule Marshall, foi publicada em 1961, no livro
intitulado Soul Clap Hands and Sing, que em suas quatro novelas (“Barbados”, “Brooklyn”,
“British Guiana” e “Brazil”) dramatiza muitos dos temas que estão presentes em toda a obra
de Marshall: a realidade pós-colonial de uma apartheid social acentuada em convívio com a
multiplicidade de cores e raças. (COSER: 1995, 28)
Jogando com o conceito de identidade e integridade em um meio em que a divisão de
classes salta aos olhos juntamente com as diferenças regionais e o hibridismo de cores
(COSER: 1995, 31), “Brazil” conta a história de Caliban, comediante negro e velho, prestes
a se aposentar e que, depois de 35 anos de carreira, parte em busca do seu eu antes de se
tornar Caliban, quando ainda era somente o Heitor Baptista Guimarães que saíra do interior
de Minas Gerais para tentar a vida no Rio de Janeiro. Ao fim de sua busca, descobre que
aquele Heitor não existe mais, foi esquecido, e que a sua realidade agora passa a ser
somente Caliban. Enfurecido por causa do seu apagamento, resolve vingar-se jogando toda
a sua raiva em cima de Miranda, loira alta e exuberante, imigrante como ele, e que também
é sua companheira de palco, por acreditar que ela e seu apartamento reluzente simbolizam
o próprio Rio, em seu eterno contraste entre negro e branco. Sua vingança, contudo, não
trará de volta o Heitor perdido e Caliban estará fadado a aceitar seu novo eu do qual se
esforçou tanto para se livrar. (COSER: 1995, 33)
Não é difícil imaginar a relevância de Caliban para todos os latino-americanos. Roberto
Fernández Retamar, líder cultural cubano, afirma ser Caliban a melhor metáfora possível
para a “nossa América”, considerando-se que nesta figura está inserida tanto a exploração
perpetrada pelos brancos colonizadores como a possibilidade de uma afirmação de um
pluralismo étnico através de uma inversão de poderes que favoreça as classes oprimidas. E
uma forma de dar continuidade a esta luta é através da escrita de mulheres como Marshall
que se fazem da língua do colonizador para rever a história do continente americano,
denunciando as condições criadas e estimuladas pelo colonialismo. (COSER: 1995, 34)
Assim, da mesma forma que a leitura dos textos destas autoras torna-se necessária para
que se mantenha viva essa chama de subversão, também a tradução das mesmas torna-se
necessária, e esta por sua vez certamente contribuirá para a sobrevivência destes textos na
medida em que o tradutor traz para o seu povo algo que vem de fora, mas que, quando
adentra a sua linguagem, deixa de ser algo estrangeiro e passa a fazer parte do corpo
cultural daquele povo.
Como afirma Silviano Santiago: “Falar, escrever, significa: falar contra, escrever
contra”.(SANTIAGO: 2000, 19). Assinalo, agora, que também traduzir o que está escrito
será um ato subversivo, de revolta, de insatisfação, e que precisa ser exercido, pois a
tradução será não uma simples atividade de cópia ou transporte lingüístico, mas uma
operação transformacional, que dará nova vida ao texto literário ao abrir os horizontes do
mesmo para novas possibilidades de leitura e, portanto de novos questionamentos que, por
sua vez, servirão para a consolidação de uma identidade cultural.
[...] não deve ser tentado pela escola que pretende determinar as intenções originais de um autor com base em
um texto fechado sobre si mesmo. O tradutor não pode ser o autor do texto-fonte, mas como autor do texto
traduzido ele tem uma responsabilidade clara para com os leitores de sua tradução. [2] (BASSNET: 2002, 30,
tradução nossa, grifo do autor)
Da mesma forma, Bassnet também afirma o tradutor não pode simplesmente tentar criar
um texto legível na língua-alvo sem levar em consideração a interação que existe entre as
orações e que dará forma ao texto como um todo (BASSNET: 2002, 115). A interpretação
tem que fazer parte da prática do tradutor, e não é possível traduzir uma oração, como
afirma Eugene Nida, sem se interpretar o seu significado dado que não existe
correspondência exata entre os vocábulos das línguas com as quais o tradutor trabalha
(NIDA: 1996, 7). Em se tratando de um texto literário, tal interpretação assumirá o caráter
de uma tomada de posição frente À obra – a qual dificilmente irá coincidir com a suposta
intenção do autor – e que mudará de tradutor para tradutor.
Seguindo os conselhos de Bassnet para se chegar a uma boa tradução, o tradutor
precisa, antes de qualquer coisa, conhecer o objeto com o qual trabalha: o objeto literário.
Jean-Paul Sartre, citado por Compagnon, define este objeto como sendo “[...]um estranho
pião que só existe em movimento[...]” e que “[...]Para fazê-lo surgir é preciso um ato
concreto que se chama leitura e ele só dura enquanto a leitura pode durar[...].”
(COMPAGNON: 2001, 148). Assim, é o tradutor/leitor que dará vida ao texto em seu
processo hermenêutico. E, uma vez que o tradutor é inevitavelmente um leitor, ele leva
consigo o que faz parte de sua identidade: seus valores e preconceitos.
Compagnon afirma que a nossa leitura é sempre impregnada pelas nossas expectativas e
o que acontece durante a nossa leitura nos leva a estar sempre reformulando as nossas
expectativas e reinterpretando o que já lemos no texto sobre o qual nos debruçamos agora
e sobre os quais nos debruçamos anteriormente (COMPAGNON: 2001, 148). A conclusão a
que Compagnon chega parece responder a pergunta sobre se é possível ou não traduzir. Ele
afirma que “O objeto literário autêntico é a própria interação do texto com o leitor”; dessa
afirmação podemos também concluir que a tradução de uma obra literária, uma vez que
seja aceita pelos que a lêem também como uma obra literária, nada deixa a desejar em
relação ao original.
Deixa ainda menos a desejar se entendermos a questão da originalidade conforme
proposta por Edward Said, que nos aconselha a encará-la não como primeiras instâncias de
um fenômeno, mas como duplicação, paralelismo, simetria, paródia, repetição, ecos do
mesmo e que por isso quem escreve pensaria menos em escrever de forma original do que
em reescrever o que já foi escrito (SAID: 1983, 135).
Octavio Paz abre seu livro Traducción: literatura y literalidad com as seguintes
considerações:
Aprender a falar é aprender a traduzir; quando uma criança pergunta À sua mãe o significado desta ou daquela
palavra, o que realmente lhe pede é que traduza para sua linguagem o termo desconhecido [...]. [3] (PAZ: 1990,
9, tradução nossa)
Deduz-se daí que, segundo Paz, a tradução está sempre presente em nossas vidas, e em
especial em momentos tão cruciais quanto o é o da formação do nosso primeiro sistema
lingüístico. Contudo, esta é somente uma das espécies de tradução, definida por Roman
Jakobson como tradução intralingual e que segundo ele “consiste na interpretação dos
signos verbais por meio de outros signos da mesma língua” (JAKOBSON: 1995, 64).
Portanto, se partirmos do pressuposto de que as palavras são fruto do grupo cultural do
qual pertencem uma vez que só tem sentido quando usadas por aquele grupo ao mesmo
tempo em que dão forma Àquele grupo, podemos pensar que a identidade do falante de
uma língua é limitada pela própria língua, com o que Paz concorda ao afirmar que
[...] as línguas que nos servem para comunicarmos também nos prendem em uma rede invisível de sons e
significados, de modo que as nações são prisioneiras das línguas que falam [...].[4] (PAZ: 1990, 12, tradução
nossa)
Retomando o que dissemos acima sobre a subjetividade do tradutor estar presente
durante o processo hermenêutico do texto literário, nos perguntamos se também esta
mesma subjetividade, formada nos moldes de uma determinada cultura, por seguinte de
uma língua, não estará presente também no seu discurso no momento em que estiver
reescrevendo na língua-alvo a obra que traduz.
Quanto a isso, Solange Mittmann responde afirmando que há duas concepções de
tradução que tomarão posições diversas quanto À questão acima. À primeira concepção
chama de tradicional, sob a qual alinha as idéias de três teóricos: Eugene A. Nida, Erwin
Theodor e Paulo Rónai, dentre os quais diz haver uma idealização do original onde o sentido
pretendido pelo autor é transparente e alcançável. Cabe ao tradutor, dentro desta
concepção, simplesmente o transporte deste sentido, não sendo aceitável qualquer tipo de
interferência da subjetividade do mesmo, figurando entre suas obrigações o seu próprio
apagamento em favor da transparência do autor original.[5] À segunda concepção chama
de contestadora, sob a qual coloca Francis H. Aubert, Rosemary Arrojo, Lawrence Venuti e
Theo Hermans, a quem atribui uma visão que expressa que o sentido já não é mais
determinado pelas intenções do autor, sendo antes disso uma imagem criada pelo próprio
tradutor, imagem essa determinada por diversos fatores externos e onde o tradutor tem um
papel ativo sobre o que produz e que justamente por isso a sua presença se faz óbvia por
todo texto (MITTMAN: 2003, 33).[6]
Durante a tradução de Brasil, fiquei um tanto dividido entre as duas concepções
brevemente expostas acima, o que veremos mais detalhadamente na análise que faremos
de alguns trechos da referida tradução logo a seguir.
Proponho, nesta parte do trabalho, tratar das pedras encontradas no caminho percorrido
em busca da recriação do conto de Marshall em nossa língua. Não será possível aqui,
infelizmente, tratar de cada uma delas devido ao espaço limitado que temos para a
apresentação do caminho percorrido. Tomo a liberdade, portanto, de escolher aquelas que
para mim são mais representativas por se tratarem de dúvidas que insistiram em
permanecer comigo por mais tempo.
O primeiro parágrafo, certamente, foi o que mais pareceu resistir À tradução. Era como
se travasse uma luta corporal com o texto e o sentimento que tive durante a tradução do
mesmo era o de que a derrota parecia estar cada vez mais próxima. Traduzi-o por teimosia
e por vários momentos fui obrigado a encará-lo novamente, como se o mesmo pedisse por
uma revanche.
Desta batalha, cito, por exemplo, a primeira linha traduzida inicialmente como “Três
trompetes, dois saxofones, um só trombone; um piano, bateria e um violino grave”. No
texto de Marshall, este violino grave na verdade trata-se de um bass fiddle. Minha primeira
opção de procedimento de tradução para este termo foi o que Heloísa Barbosa chama de
tradução literal, que segundo a autora “corresponde À mais difundida a respeito da
tradução” (BARBOSA: 1990, 65) e que consiste na manutenção da fidelidade semântica
estrita, repeitando-se, contudo, as normas gramaticais da língua da tradução.
Dessa forma, a tradução a que se chegou foi violino grave. Entretanto, o termo não
parecia apropriado, uma vez que não parecia estar em harmonia com os outros
instrumentos de uma banda que se apresentava num local chamado Casa Samba. Depois de
pesquisar em vários dicionários, cheguei ao Random House Unabridged Dictionary, para o
qual bass fiddle é um sinônimo de double bass, que por sua vez é definido como
O maior instrumento da família do violino, que tem três ou, geralmente, quatro cordas, posicionado verticalmente
ao chão quando tocado.
Também chamado bass fiddle, bass viol, contrabass, string bass.[7] (colocar referência, tradução nossa).
Depois, recorri ao Collins English Dictionary que define o mesmo instrumento como
Instrumento de cordas, o maior e mais grave membro da família dos violinos. Alcance: quase três oitavas acima
de mi, no espaço entre a quarta e a quinta linha suplementar abaixo da pauta grave. Na música clássica, é
geralmente tocado com arco, mas é muito comum no jazz e nas orquestras de dança, onde é quase sempre
tocado pizicato. Nome informal: bass fiddle.[8] (colocar referência, tradução nossa).
Após analisar cuidadosamente as entradas acima, decidi ser melhor traduzi-lo por
contrabaixo, por levar em consideração que este termo é um dos possíveis sinônimos para
bass fiddle. Acredito que a autora, ao retratar a Casa Samba, tinha em mente na verdade
uma espécie de Jazz Bar, devido À natureza dos instrumentos que cita, o que é confirmado
pela citação acima que afirma que aquele tipo de instrumento, apesar de ser usado na
música clássica, também é muito comum no jazz. Por mais relutante que eu seja em
relação Às perdas, preciso admitir que se perde, contudo, naquela tradução, a carga de
informalidade do nome bass fiddle ao traduzi-lo por contrabaixo.
Tratemos agora de uma outra pedra que encontrei pelo caminho. No Brazil de Marshall,
onde se lê “He had been Everyman” (MARSHALL:1961, 135), minha primeira opção de
tradução foi “Ele fora João Ninguém”. O Collins English Dictionary define o termo Everyman
como
1. peça medieval inglesa na qual a figura central representa a humanidade, cujo destino terreno é dramatizado
do ponto de vista cristão.
2. (geralmente em letras minúsculas) pessoa inferior; homem comum.[9] (colocar referência, tradução nossa).
Quando ainda estava trabalhando na tradução, apenas conhecia a última parte da
definição acima, o que me induziu ao erro de traduzir Everyman por João Ninguém. Depois
de ter tomado consciência do erro, parti em busca de uma outra solução, que foi encontrada
por acaso. A saída encontrada foi Todo-Mundo, vocábulo presente em Lingüística e
Comunicação de Roman Jakobson, obra traduzida por Izidoro Blikstein e José Paulo Paes
(JAKOBSON: 1995, 64). Contudo, foi preciso adicionar uma nota de rodapé explicando ao
leitor da tradução a alusão que Marshall faz À moralidade alegórica medieval inglesa, já que
não se deseja que este detalhe passe desapercebido.
Outra dúvida presente no meu caminho em busca da tradução foi sobre o que fazer em
relação ao mal uso que Marshall faz da língua portuguese em seu conto. Um desses erros, e
que se repete através do texto, pode ser visto na página 141: “[...] Henriques, who also
served as Caliban’s valet, entered with the cup of café Sinho he always brought him after
the last show”.(MARSHALL: 1988, 141)
Dentre os procedimentos apresentados por Heloísa Barbosa está o que ela chama de
melhorias, que “consistem em não se repetirem na tradução os erros de fato ou outros tipos
de erro cometidos na TLO” (BARBOSA: 1990, 70). Este foi o procedimento adotado para
todas as ocorrências de erros como o acima citado, traduzido como “...Henriques, que
também servia de camareiro de Caliban, entrou com a xícara de café que sempre lhe trazia
após o último show”.
Um outro exemplo está no nome de uma das personagens da novela. Na página 172,
lemos a seguinte fala de Caliban: “Go home, Luiz” (MARSHALL: 1988, 172). Se analisada
fora do contexto em que a fala ocorre, aparentemente não haveria nada de errado com o
nome Luiz. Mas quando tomamos conhecimento de que Luiz é uma garota, empregada de
Miranda, o problema fica evidente, já que este não seria um nome normalmente dado a
uma garota. Uma possível explicação para o erro da autora é o som do nome Luiz, que
quando pronunciado lembra em muito o nome inglês Louise, que é feminino. Decidiu-se,
então, por corrigir o nome para Luiza, e por fazer uma nota de rodapé indicando o que
ocorre no texto em inglês.
Contudo, apesar do português nem sempre estar correto no texto de Marshall, o uso que
ela faz do mesmo dá um ar de estrangeirismo e exoticidade ao seu texto, perdido ao ser
traduzido para o português, ao que o tradutor tem que se contentar com a tentativa de
recriar este efeito indicando ao leitor, em notas de rodapé, os trechos que estavam em
português no original.
Devo ressaltar também que, durante a tradução de “Brazil” a preocupação com a
manutenção da pontuação do texto original. Marshall, ao contrário do que é de costume na
língua inglesa, utiliza períodos longos. Contudo, a reconstrução de períodos, que segundo
Heloísa Barbosa “consiste em redividir ou reagrupar os períodos e orações do original ao
passá-los para a LT” (BARBOSA: 1990, 70), teve que ser adotada no texto traduzido. A
“fluência” do texto, que para Ana Cristina César “é uma necessidade óbvia” (CéSAR: 1988,
96), foi alterada sempre que a manutenção da pontuação acabasse por produzir um efeito
indesejável. Vejamos, por exemplo, a seguinte passagem em que Marshall descreve
Miranda:
[…] She was a startlingly tall, long limbed woman with white skin that appeared luminous in the spotlight and
blond hair piled like whipped cream above a face that was just beginning to slacken with age and was all the
more handsome and arresting because of this […]. (MARSHALL: 1988, 132)
Ela era uma mulher surpreendentemente alta, de membros longos, com uma pele branca que parecia luminosa
ao holofote, com um cabelo loiro amontoado como creme chantilly sobre uma face que estava começando a se
apagar com a idade e que, justamente por isso, era ainda mais bela e cativante.
Apesar de não ter sido necessário dividir o período de Marshall em períodos menores, a
alteração da pontuação durante a tradução adiciona certas pausas que não estavam no
texto original. Ana Cristina César afirma que
[...] em prosa, o ritmo não é mensurável e depende diretamente da sintaxe e do conteúdo; pode, então,
acontecer que a consciência de ritmo que o texto nos transmite se evapore, capitulando perante o interesse pela
trama do livro [...]. (CéSAR: 1988, 97)
Proponho aqui algumas palavras finais sobre o eterno dilema da fidelidade pelo qual todo
tradutor inevitavelmente passa e do qual dificilmente, creio, será capaz de se livrar.
Preocupação constante durante a tradução de Brasil, minha posição frente a esse dilema
sofreu profundas alterações já que na busca pela fidelidade ao texto de Marshall, chegou-se
de fato, o que parece agora ter sido inevitável, a um novo texto, produto de uma luta entre
a fidelidade e a liberdade criativa.
Falar de liberdade criativa, no entanto, quanto se fala de tradução pode parecer absurdo.
Pergunto se é possível, contudo, falar de liberdade criativa no continente latino americano
quando se fala em autoria de obras inéditas. Eduardo Coutinho cita Edward Said, para quem
os escritores estariam ligados À história de suas sociedades, influenciando e sendo
influenciados pela mesma e pela experiência social. (COUTINHO: 2003, 91) Desta forma,
toda originalidade possível estaria de certo modo pré-determinada pelo tempo de sua
criação.
Igualmente, para Friedrich Nietzsche, existem traduções honestas, fiéis digamos, que
resultaram em falsificações, vulgarizações do original, porque não puderam reproduzir seu
tempo ousado e alegre (NIETZSCHE: 2003, 35). Daí conclui-se que para se chegar a uma
boa tradução deve-se pensar menos em honestidade e mais em ousadia, em tomada de
posição consciente.
Esta tomada de posição consciente torna-se ainda mais importante na medida em que,
como afirma John Milton, “a tradução torna-se uma das maneiras principais de introduzir
novos modelos em uma dada literatura” (MILTON: 1998, 35). O diálogo com Walter
Benjamin aqui parece claro, pois para o pensador “[...] A obra de tradução [...] imprime
marcas não menos profundas na história [...].” (BENJAMIN: 2001, 205). Assim, a
responsabilidade do tradutor vai muito além da sua responsabilidade para com o texto À
sua frente. A obra criada pelo tradutor poderá servir para alterar a forma como se escreve
dentro de sua própria cultura, pois ela será um elemento novo servindo de porta-voz de
novas possibilidades poéticas.
Fidelidade absoluta ao texto, portanto, torna-se, além de impossível, indesejável. Da
mesma forma que, segundo Rosemary Arrojo, não é possível fazer a leitura de qualquer
texto sem projetar nesta leitura tudo aquilo que nos constitui como leitores e membros de
uma comunidade (ARROJO: 1993, 19), também não é possível, nem desejável o total
apagamento do tradutor. Não desejável na medida em que, uma vez que a presença do
tradutor, figura responsável pela apropriação não passiva ou obediente, mas antropofágica,
do que vem de fora, torna-se evidente, as chances de que o mesmo ganhe um status
diferente do status marginalizado que ocupa só tendem a aumentar.
Como afirmei anteriormente, durante o processo tradutório de Brasil, estive muito
dividido pela questão da fidelidade, e que o resultado desta luta foi um novo texto. Resalvo,
no entanto, que este novo texto de que falo foi mais um produto de uma posição ainda
bastante conservadora a respeito da tradução, de uma fase ainda embrionária da minha
formação como tradutor, do que a de uma posição mais ousada, a qual afirmo agora ser
necessário assumir. Deste processo ficou a reflexão, cuja formulação espero perdurar
enquanto me for permitido, sobre a tarefa do tradutor.
Para Walter Benjamin, a tarefa do tradutor é a de “[...] liberar a liberar a língua do
cativeiro da obra por meio da recriação [...].” (BENJAMIN: 2001, 211). Ouso afirmar agora,
uma vez percorrido o caminho que trilhei durante a tradução de Brasil, que a tarefa do
tradutor latino-americano, oriundo de uma sociedade injustamente estigmatizada pela falta
de uma tradição autóctone, passa a ser, portanto, a de fazer uso do que Homi Bhabha,
teórico do Pós-Colonialismo citado por Coutinho, chama de mimicry: a apropriação criativa,
“mistura ambivalente de deferência e desobediência” (apud COUTINHO: 2003, 93). Usemos
então a língua colonial contra o colonialismo, sejamos o Caliban shakespeariano que repele
Miranda dizendo: “Ensinaste-me tua língua, e o que ganho com isso é saber praguejar”[10]
(SHAKESPEARE: 1995, 39, tradução nossa).
[1] “ will frequently start to translate a text they have not previously read or that they have
read only once some time earlier” (BASSNET: 2002, 110)
[2] should not be tempted by the school that pretends to determine the original intentions
of an author on the basis of a self-contained text. The translator cannot be the author of the
SL text, but as the author of the TL text has a clear moral responsibility to the TL readers
[3] Aprender a hablar es aprender a traducir; cuando el niño pregunta a su madre por el
significado de esta o aquella palabra, lo que realmente le pide es que traduzca a su leguaje
el término desconocido.
[4] las lenguas que nos sirven para comunicarnos también nos encierran en una malla
invisible de sonidos y significados, de modo que las naciones son prisioneras de las lenguas
que hablan.
[5] Não devemos nos esquecer, porém, que estas idéias foram publicadas há pelo menos
duas décadas atrás (Nida é citado com base em um livro seu publicado em 1964), conforme
consta em bibliografia apresentada pela autora, e que por isso é provável que os mesmos
autores apresentem hoje posições diversas das citadas acima.
[6] Mais uma vez chamo À atenção aqui o fato dos autores que Mittmann alinha sob a
denominação de concepção contestadora tiveram os trabalhos citados publicados durante a
década de 90. Mesmo Eugene Nida, citado como pertencente À uma concepção tradicional
de tradução, adota uma posição divergente da tradicional em um artigo publicado em 1996.
Cf. NIDA, E. Translation: possible and impossible. In: ROSE, Marilyn Gaddis (Ed.).
Translation horizons beyond the boundaries of translation spectrum. Binghamton:
Suny, 1996.
[7] the largest instrument of the violin family, having three or, usually, four strings, rested
vertically on the floor when played. Also called bass fiddle, bass viol, contrabass, string
bass.
[8] A stringed instrument, the largest and lowest member of the violin family. Range:
almost three octaves upwards from E in the space between the fourth and fifth leger lines
below the bass staff. It is normally bowed in classical music, but is very common in jazz or
dance band, where it is practically always played pizzicato. Informal name: bass fiddle.
[9] 1. a medieval English morality play in which the central figure represents mankind,
whose earthly destiny is dramatized from the Christian viewpoint. 2 (often not capital) the
ordinary person; common men.
[10] You taught me language, and my profit on’t is, I know how to curse
Bibliografia
CéSAR, Ana Cristina. Escritos da Inglaterra. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988.
COSER, Stelamaris. Bridging the Américas: the literature of Paule Marshall, Toni
Morrison, and Gayl Jones. Philadelphia: Temple University Press, 1995.
MARSHALL, Paule. Soul clap hands and sing. Washington: Howard University Press,
1988.
MILTON, John. Tradução: teoria e prática. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
NIDA, E. Translation: possible and impossible. In: ROSE, Marilyn Gaddis (Ed.). Translation
horizons beyond the boundaries of translation spectrum. Binghamton: Suny, 1996.
NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal: prelúdio a uma filosofia do futuro. São
Paulo: Companhia das Letras, 2003.
SAID, Edward W. The world, the text, and the critic. Massachusetts: Harvard University
Press, 1983.
SANTIAGO, Silviano. Uma literatura nos trópicos. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
AUTOR. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Século XXI. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira: 1999. colocar página.
DOUBLE bass. In: COLLINS. English dictionary: complete and unabridged. 6 ed.
Glasgow: Collins, 2003. p. 492
EVERYMAN. In: COLLINS. English dictionary: complete and unabridged. 6 ed. Glasgow:
Collins, 2003. p. 568
TRADUTOR. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Século XXI.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira: 1999. colocar página.