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INSTITUTO FEDERAL DO PARANÁ

KEYLA SABRINA MOREIRA

Pela construção de uma criminologia feminista:


Análise da Lei do Feminicídio.

Palmas – Paraná
2017
KEYLA SABRINA MOREIRA

Pela construção de uma criminologia feminista:


Análise da Lei do Feminicídio.

Trabalho de conclusão de curso aprovado


como requisito parcial para obtenção do
grau de Bacharel em Direito pelo Instituto
Federal do Paraná – Câmpus Palmas.

Palmas, 28 de agosto de 2017.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________
Prof. Dra. Laila Maia Galvão
Presidente da Banca

________________________________________
Prof. Ma. Gislaine de Paula

________________________________________
Prof. Dr. Samuel Mânica Radaelli
AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar aos meus pais, que mesmo sem entenderem, talvez
uma linha deste escrito, não diminuíram a importância, e com muito carinho e apoio,
não mediram esforços para que eu pudesse chegar nessa etapa.
Aos meus irmãos e toda minha família, que sempre fielmente confiaram em
minha capacidade e estiveram ao meu lado.
Aos meus amigos que me deram muita motivação e sempre entenderam minha
ausência, em especial Joana, Chico, Eduarda, Cíntia, por todo apoio e amizade.
Á professora Laila, pela orientação, por sua grande disposição em ajudar, e todo
seu incentivo e paciência.
Ao corpo docente do curso de direito do Instituto Federal do Paraná, por todo o
caminho acadêmico proporcionado, em especial ao professor Samuel Mânica
Radaelli, que desde o início da graduação foi o grande propulsor e incentivador para
o caminho da pesquisa.
“Nem sempre houve proletários,
sempre houve mulheres.”
(Simone Beauvoir, 1970).
RESUMO

Este trabalho tem o cunho de oferecer algumas amarras e críticas entre o


feminismo e a criminologia, e talvez dar alguns passos dentro da própria criminologia
feminista. Motivo pelo qual, pretende-se abordar o tema do punitivismo e da
expansão do direito penal, para então, em capítulo próprio elucidar o tema do
feminismo a partir da ótica do gênero, e apresentar o rompimento que esse conceito
proporciona nas ciências, seja na(s) criminologia(s), como no(s) feminismo(s). E por
último, diante do mapa da violência e de todo o enredo da Lei do Feminicídio, tentar
levantar hipóteses teóricas no enfrentamento da violência contra o gênero feminino.
Examina-se a referida lei, e seus aspectos positivos e negativos, bem como, seu
efeito simbólico e o tratamento dado ao conceito de gênero.
ABSTRACT

This research offers some links between feminism and criminology, and
perhaps take some steps within feminist criminology within the feminist criminology.
The reason for this is that the topic of punitivism and the expansion of criminal law
has to be tackled. In a specific chapter elucidate the theme of feminism from the
gender point of view, and will present the rupture that this concept provides in
criminolgy and feminism. And finally, taking into account the map of violence and the
whole plot of the Law of Feminicide, we will try to raise theoretical hypotheses in the
confrontation of violence against the feminine gender. He mentioned law will be
examined, considering its positive and negative aspects, as well as its symbolic
effect and the treatment given to the concept of gender.
SUMÁRIO

Introdução .................................................................................................................. 9

Capítulo 1. CRIMINOLOGIA .................................................................................... 10


1.a) Breve histórico da (s) Criminologia (s) ....................................................................... 10
1.b) Criminologia Feminista .............................................................................................. 13
1.c) Expansão do direito penal ......................................................................................... 20

Capítulo 2. FEMINISMO ........................................................................................... 23


2.a) Feminismo e os estudos de gênero ........................................................................... 27
2.b) Feminismo e o estado ............................................................................................... 30

Capítulo 3. FEMINICÍDIO (Lei 13.104/2015)............................................................ 40


3.a) O que não tem nome não existe................................................................................ 43
3.b) Mapa da violência ..................................................................................................... 45
3.c) Projeto de Lei e a tipificação do feminicídio ............................................................... 46
3.d) Invisibilidade do gênero e o nomen juris.................................................................... 48
3.e) Efeito Simbólico ........................................................................................................ 51
3.f) Divergências teóricas ................................................................................................. 53

Considerações Finais ............................................................................................. 55


8

INTRODUÇÃO

A pesquisa correspondente ao tema deste trabalho, deu-se a partir de alguns


embates que eclodiram em 2015, a respeito do movimento punitivista e a adoção
“pela esquerda” do direito penal como instrumento político, e nestes polos, incluso o
movimento feminista, o qual caiu nas graças do enredo e foi generalizado no
contexto da aprovação da Lei do Feminicídio. A proposição inicial era de que o
movimento feminista simplesmente ignorava os postulados da criminologia crítica e
seguia numa aliança cega com o direito penal, o que ao decorrer do texto, procura
se demonstrar esta afirmação não condiz com a realidade, pois, ainda nos primeiros
capítulos, evidencia-se que a abordagem do tema é incompatível com
generalizações simplistas.
Ao reconhecer a diversidade teórica entre as diferentes vertentes de ambos os
campos de pesquisa, tanto da(s) criminologia(s) quanto do(s) feminismo(s), busca-se
abordar as relações entre o sistema penal e o enfrentamento da violência de gênero.
Em primeiro, realiza-se um breve apanhado da criminologia, quando discorre
em específico, sobre a criminologia feminista e sua relação com a criminologia crítica
e a expansão do direito penal. Posterior, aprofunda-se no feminismo, por meio das
teorias feministas e suas vertentes, bem como, sua relação com o estado e o
punitivismo. Com a contribuição de diferentes correntes doutrinárias, pretende-se
ponderar as apreciações que dividem teorias, e avaliar o uso do sistema penal,
como terreno de disputa e instrumento político.
A partir de uma perspectiva criminológica crítica feminista, e talvez dando
alguns passos da própria criminologia feminista, busca oferecer contribuições no
campo das teorias criminológicas e no debate da lei do feminicídio, formula-se o
presente trabalho a partir das bases teóricas desenvolvidas pelas teorias feministas
que não somente adotam o elemento gênero em discursos pré-estabelecidos, como
promovem uma ruptura de base epistemológica.
Seguindo tais considerações, a presente exposição tem como ênfase à análise
da Lei n.13.104/15 (Lei do Feminicídio), constituidora de uma das demandas do
movimento feminista, que se encontra alinhada às reivindicações dos movimentos
sociais da América Latina, relativas ao combate da violência de gênero. Através de
dados e pesquisas recentes, bem como aportes de teorias da criminologia crítica
feminista, pretende-se demonstrar os aspectos que contornam a referida lei.
9

Capítulo 1. CRIMINOLOGIA

1.a) Breve histórico da (s) criminologia (s)

Em busca do enfrentamento do problema da criminalidade e de uma suposta


resposta penal, ao decorrer dos séculos, sobre amplas perspectivas e diversos focos
de análise, desenvolve-se o que mais tarde conquistaria seu próprio espaço (multi)
disciplinar entre as ciências: a criminologia, que se perfilha como ciência
comprometida com o estudo do crime e todas suas conexões (tipos de delito,
causas, sujeito do crime, etc.), sendo posteriormente, envolvida com o próprio
controle social penal.
Pode-se falar em Criminologia como área autônoma de conhecimento que se
insere nos ramos das ciências, porém, ao adentrar em suas composições e
conexões, bem como no seu próprio histórico de formação, claramente se percebe o
equívoco em tentar estabelecer como ciência una, desconexa de outros ramos de
ciência, ou tentar se utilizar desta como método, pois, corre-se o risco de confundir
“a história da criminologia com a criminologia mesma”1.
Ao tratar de criminologia(s), salutar o cuidado frente a impossibilidade de uma
universalidade criminológica, ou método a ser seguido, pois, quando se utiliza desta
como fundamento, importa destacar que seria mais prudente, encará-la como
“recurso interpretativo dos sintomas contemporâneos e não como método ou técnica
para estudo dos seus objetos referenciais (crime, criminoso, vítima, sistema
criminalizador)”2, visto que possui uma vasta linha de ‘marcos teóricos’, que foram
caracterizando-a(s) ao decorrer dos séculos, bem como, formando diferentes frentes
de interpretação, que partem de bases teóricas e objetos de pesquisa distintos.
Assim, o presente trabalho faz um recorte histórico a partir do que Alessandro
Baratta chama de o batizado da criminologia3, onde num primeiro momento, o objeto
de estudo é o indivíduo e não o crime em si. Nas palavras de Alessandro Baratta, a
criminologia positivista “tem por objeto não propriamente o delito, considerado como
conceito jurídico, mas o homem delinquente, considerado como um indivíduo
diferente e, como tal, clinicamente observável”4. Nisto, cabe destacar o expoente da

1 CARVALHO, Salo de. Antimanual de Criminologia / 5.ed – São Paulo: Saraiva, 2013, p 46.
2 CARVALHO, 2013, p.23 et seq.
3 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. [ed.] Instituto Carioca de

Criminologia. [trad.] Juarez Cirino dos Santos. 6ª. Rio de Janeiro : Revan, 2011.
4 BARATTA, idem, 2002, p.9.
10

criminologia moderna na segunda metade do séc. XIX, o italiano Cesare Lombroso


com sua obra “O homem delinquente” (1876), que deu aportes aos paradigmas
etiológicos. Estes por sua vez, investigam as causas da criminalidade a partir do
estudo individual do delinquente, e assim como outros representantes de escolas
positivistas, entendem o crime como uma propriedade ontológica, em que
basicamente, compreende o papel do direito penal como codificador de uma
realidade pré-existente.

A primeira e célebre resposta sobre as causas do crime foi dada pelo


médico italiano LOMBROSO que sustenta, inicialmente, a tese do criminoso
nato: a causa do crime é identificada no próprio criminoso. Partindo do
determinismo biológico(anatômico-fisiológico) e psíquico do crime e
valendo-se do método de investigação e análise próprio das ciências
naturais (observação e experimentação) procurou comprovar sua hipótese
através da confrontação de grupos não criminosos com criminosos dos
hospitais psiquiátricos e prisões sobretudo do sul da Itália, pesquisa na qual
contou com o auxílio de FERRI, quem sugeriu, inclusive, a denominação
“criminoso nato”. Procurou desta forma individualizar nos criminosos e
doentes apenados anomalias sobretudo anatômicas e fisiológicas vistas
como constantes naturalísticas que denunciavam, a seu ver, o tipo
antropológico delinquente, uma espécie à parte do gênero humano,
predestinada, por seu tipo, a cometer crimes.5

Em linhas gerais, pode-se dizer que para a criminologia positivista, o


delinquente, antes mesmo de ter cometido o crime e receber uma pena pelo fato,
era a materialização da selvageria por conta do seu arruíno resultado hereditário,
prisioneiro de sua própria patologia, por este motivo, possuía uma qualidade sub-
humana, que precisava ser combatida pela sociedade. Em cima de tais
entendimentos, fundam-se as primeiras correntes criminológicas em critérios
etiológicos, biológicos e deterministas.
No século XX com a inauguração da denominada teoria do etiquetamento
(labelling approach ou rotulação social) e a delineação do crimonological turn,
rompe-se o paradigma etiológico, ao mudar o foco de estudo e apresentar a reação
social, tornam-se mais nítidas questões como a seletividade do sistema penal e a
desigualdade no trato dos diferentes crimes.

Como objeto desta abordagem o sistema penal não se reduz ao complexo


estático das normas penais, mas é concebido como um processo articulado
e dinâmico de criminalização ao qual concorrem todas as agências do
controle social formal, desde o Legislador (criminalização primária),
passando pela Polícia e a Justiça (criminalização secundária) até o sistema

5ANDRADE, Vera Regina Pereira. Do paradigma etiológico ao paradigma da reação social:


mudança e permanência de paradigmas criminológicos na ciência e no senso comum. Revista
Sequência, Florianópolis, n. 30, 1995,
11

penitenciário e os mecanismos do controle social informal. Em decorrência,


pois, de sua rejeição ao determinismo e aos modelos estáticos de
comportamento, o labeling conduziu ao reconhecimento de que, do ponto
de vista do processo de criminalização seletiva, a investigação das agências
formais de controle não pode considerá-las como agências isoladas umas
das outras, autossuficientes e autorreguladas mas requer, no mais alto
grau, um approach integrado que permita apreender o funcionamento do
sistema como um todo.6

O ingresso do labeling approach provoca uma virada sem volta na crítica da


criminologia tradicional, pois a partir desta teoria, desvela-se o princípio da
igualdade, ao expor a estruturação social que divide classes e estigmatiza, tornando
notória a dominação através do poder exercida por determinados grupos sociais,
bem como a capacidade destes grupos de determinar condutas a serem
criminalizadas e quais os bens jurídicos dignos de proteção penal 7, entretanto, como
atenta Baratta:

(...) a teoria descreveria os mecanismos de criminalização e de


estigmatização, mas não explicaria a realidade social nem o significado do
desvio, dos comportamentos socialmente negativos e da criminalização –
justificando, portanto, a crítica de parecer à outra cara da ideologia oficial. 8

Numa breve síntese histórica, pode-se dividir estes marcos teóricos


inicialmente com o estudo do delito através de critérios biológicos, sendo mais tarde
superados e alternados para critérios etiológicos, em que autores emblemáticos,
como Durkheim, e Jacques Quetelet, estabelecem bases estruturantes da
sociologia.

A sociologia criminal baseia-se nos estudos do ambiente (miséria, ambiente


moral e material, a educação, a família, etc.), para a caracterização do
criminoso e assim do crime. A partir da concepção de que o ambiente é um
fator determinante da criminalidade, começou a aplicar-se e desenvolverem
os métodos e os instrumentos próprios da sociologia criminal, nomeados
métodos clássicos a recolha e interpretação de dados estatísticos. 9

Em seguida, localiza-se o debate no marco da criminologia crítica com o


labelling approach, de modo que, os referenciais teóricos da sociologia clássica,

6 ANDRADE, 1995, p. 28, apud MENDES, Soraia da Rosa. (Re) pensando a criminologia:
reflexões sobre um novo paradigma desde a epistemologia feminista. Tese Dissertação de
Doutorado - Faculdade de Direito, Universidade de Brasília. Brasília, 2012. p. 59
7 “(...) os critérios desiguais de incidência das agências de controle sobre as populações vulneráveis

(criminalização primária), os critérios desiguais de incidência das agências de controle sobre as


populações vulneráveis (criminalização secundária) e os instrumentos perversos que transformam a
execução de penas em fonte de reproduções de estigmas”. (Campos, et al., 2011 p. 151).
8 BARATTA, 2011, p. 13.
9 OSHIMA, Thais C. S. Evolução histórica das escolas criminológicas, jun. 2013. Disponível em

<http://www.univem.edu.br/jornal/materia.php?id=342> Acesso em 16/08/2017.


12

embora fundamentais para o estudo sobre o crime, não enfrentam questões relativas
ao crime e gênero.

1.b) Criminologia Feminista

Mais do que a definição jurídica de crime estabelecida em norma (conforme o


conceito analítico, ação típica e antijurídica, culpável e punível), os principais
estudos criminológicos da atualidade possuem como propriedade a análise das
diferentes circunstâncias que englobam o crime, tendo como característica principal
a complexidade destas relações, como explica Pimentel, crimes como colarinho
branco, criminalidade doméstica e/ou feminina, “são alguns exemplos desses
recortes, que devem ser estudados à luz de tendências teóricas voltadas tanto para
os aspectos estruturais quanto para as dimensões subjetivas que fazem do crime
um fenômeno plural”10.
Porém, nem sempre se entendeu a dimensão desta complexidade. Para
situar o plano da discussão, os estudos sobre as mulheres dentro da criminologia
ocupavam papel secundário, para não dizer inexistentes, visto que:

(...) apesar de ganhar certa visibilidade através dos escritos lombrosianos


no início do século XX, estudos sobre a presença da mulher no crime, seja
como vítima ou como autora, ficaram fadados ao isolamento no contexto
mais amplo da criminologia, empobrecendo-a, em certa medida11.
Estabeleceu-se, de fato, uma cultura de estudos do crime numa perspectiva
preponderantemente masculina, deixando em segundo plano os aspectos
típicos dos sujeitos femininos, bem como as dimensões relacionais das
questões de gênero.12

Constata-se também que em 1950, Benjamim Mendelsohn e Hans Von,


desenvolveram uma teoria que denominaram Vitimologia, “destacando una tipología
de las víctimas que hablaba de categorías de "víctimas natas y víctimas hechas por
la sociedad" al más puro estilo lombrosiano”13.
Como mencionado, a escola positivista teve grande influência no
desenvolvimento das ciências criminais, de tal modo que refletiu na perpetuação
história de conclusões equivocadas, as quais foram adotadas pela sociedade e

10 PIMENTEL, Elaine. Criminologia e feminismo: um casamento necessário. VI Congresso


Português de Sociologia. Mundos sociais: saberes e práticas. Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas, Universidade Nova de Lisboa, jun. 2008. p. 3
11 HEIDENSOHN, 2002: 493, apud PIMENTEL, 2007, p.7.
12 PIMENTEL, ibidem.
13 GARCÍA, Carmen Antony. Feminismo y Criminologia. Capítulo Criminológico, Vol. 23, No. 2,

1995: 445-456 ISSN: 0798-9598. p. 448.


13

serviram para a manutenção da hierárquica ordem vigente, inclusive na


culpabilização das vítimas, como ilustra García,

La concepción positivista seguía reinando em las aulas académicas y su


influencia en los estereotipos de las víctimas conduce a la conclusión de
que éstas son, de una u otra manera, culpables del delito que se ha
cometido contra ellas. Los ejemplos que ilustran lo anteriormente expuesto
son significativos: los inmigrantes por su condición de ignorância y
credulidad provocan la estafa; los judíos al ostentar sus riquezas provocan
el robo de ellas, y las mujeres, oh ¡las mujeres liberales y provocadoras!
andan provocando a los violadores..14

Dentro destes parâmetros, o androcentrismo teria se infiltrado nas estruturas,


anexados com o discurso biológico cientifico da separação entre os sexos feminino e
masculino, colocando o homem no centro das questões e deixando a mulher numa
posição inferior dentro do estudo da criminalidade. Conforme aponta Heidensohn e
Silvestri, os estudos da criminalidade, em sua grande maioria, realizados
anteriormente aos anos 80, eram crimes dos homens e da delinquência, sendo que
quando as mulheres foram reconhecidas, tornaram-se representadas em termos de
estereótipos com base em suas supostas naturezas biológicas e psicológicas 15.
A respeito da visão androcêntrica e dominação masculina, Bourdieu em sua
obra, tratou de esclarecer:

A força na ordem masculina se evidencia no fato de que ela dispensa


justificação: – muitas vezes já se observou que, tanto na percepção social
quanto na linguagem, o gênero masculino se mostra como algo não
marcado, de certa forma neutro, ao contrário do feminino, que é
explicitamente caracterizado – a visão androcêntrica impõe-se como neutra
e não tem necessidade de se enunciar em discursos que visem a legitimá-
la16.

Nesta direção, a professora Soraia da Rosa Mendes, sintetiza o enredo da


criminologia que se consolidou, até suas recentes possibilidades de abertura com os
estudos de gênero:

(...) a criminologia nasceu como um discurso de homens, para homens,


sobre as mulheres. E, ao longo dos tempos, se transformou em um discurso
de homens, para homens e sobre homens. Pois, já não era mais
necessário, para alguns, “estudar” as mulheres; ou, politicamente relevante,
para outros, considerar as experiências destas enquanto categoria

14 GARCÍA, 1995, idem.


15 No texto original: “The majority of studies of crime and delinquency prior to the 1980s were of men’s
crime and delinquency (Leonard 1982; Scraton 1990). A second theme in the critique is that, even
when women were recognized, they were depicted in terms of stereotypes based on their supposed
biological and psychological natures.” (Heidensohn, 2007, et al.)
16 BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. [trad.] Maria Helena Kuhner. 2ª. Rio de Janeiro :

Bertrand Brasil, 2002, p.9.


14

sociológica e filosófica, como ensina Lourdes Bandeira. De maneira que, no


discurso criminológico competente atual, a mulher surge somente em
alguns momentos. Mas, no máximo, como uma variável, jamais como um
sujeito.17

A partir do diálogo inaugurado pelos movimentos feministas datados na década


de 70, avança-se para a virada de gênero (the gender turn), quando se inicia uma
intensa produção de teorias alinhadas com questões intrínsecas do pensamento
feminista, denunciando a violência nas relações de gênero. Nos estudos, que
começam a crescer teoricamente a partir de 2000, temos pesquisadores que iniciam
a abordagem do tema da criminalidade sob a ótica da criminologia crítica feminista,
onde o foco é a mulher e a violência de gênero, e na sua relação enquanto sujeitos,
e não como produtos/consequências dos estudos da criminologia como um todo.

(...) tem início nos anos sessenta do século XX com um dos produtos da
segunda vaga feminista. É nessa altura que surgem os estudos feministas
que Heidensohn (1997) designa por iniciais ou pioneiros e que consistem
essencialmente na crítica aos objectos e métodos da criminologia tradicional
ou ‘malestream’ e na definição de um programa de trabalhos para os
estudos de género na disciplina. 18

O discurso feminista que surge em meados dos anos 70 denuncia as diferentes


situações/vinculações envolvendo violência de gênero e a dominação masculina,
oferendo contribuições significativas para o desenvolvimento da própria criminologia
crítica, ainda que atualmente sejam diversas as análises e estudos, tanto da
possibilidade de uma criminologia feminista quanto suas tensões com a corrente
crítica19. Sobre este importante passo em termos teóricos e sua repercussão, com a
inclusão do elemento gênero, García assevera que:

Estos datos anotados nos deben llevar a un replanteamiento de la


Criminologia Crítica, en el sentido de adoptar el elemento género en las
discusiones, investigaciones y trabajos. Debemos rechazar toda mención
tan siquiera de estudios sobre desviación femenina y su eventual
tratamiento que giren alrededor de supuestos rasgos patológicos, o bien
como problemas individuales. Hay que reconocer que no sólo existe una
relación reconocida entre delito y clase social, sino también múltiples y
complejas relaciones entre el género, el tipo del delito o el papel de la mujer
en el acto delictivo, tanto de victimaria como de víctima. 20

17 MENDES, 2012, p.187.


18 MATOS, Raquel; MACHADO, Carla. Criminalidade feminina e construção do género:
Emergência e consolidação das perspectivas feministas na Criminologia. 2012, p 35.
19 Cf: Carvalho, Salo. 2012. Sobre a possibilidade de uma criminologia queer; Campos, Carmem

Hein de e Carvalho, Salo de. 2011. Tensões entre Criminologia feminista e Criminologia;
Campos, Carmen Hein. 2013. Teoria crítica feminista e crítica à(s) crimonologia(s):estudo para
uma perspectiva feminista;
20 GARCÍA, Carmen Antony. Op., cit., p. 450.
15

Ou seja, a criminologia crítica ao incrementar o elemento gênero adota um


novo viés em suas teorias, essencialmente se opondo a qualquer estudo sobre
crime que atribua uma incapacidade ou invalidade ou até mesmo imponha causas
patológicas em função do sexo ou gênero dos indivíduos. Neste enlace, Vera Regina
de Andrade ressalta o envolvimento das feministas na evolução dos estudos da
criminologia crítica, principalmente sobre a ampliação para uma análise
macrossociológica, ao expor que:

(...) a partir da década de 1980, o desenvolvimento feminista da


Criminologia crítica marca a passagem para a Criminologia de
correspondente nomenclatura, no âmbito da qual o sistema de justiça
criminal receberá também uma interpretação macrossociológica no marco
das categorias patriarcado e gênero, e a indagação sobre como o sistema
de justiça criminal trata a mulher (a mulher como vítima e uma Vitimologia
crítica) assume aqui um lugar central.21

Para efeitos de comparação e localização das consequências, cita-se como,


exemplo, a Lei Maria da Penha, considerada uma conquista, contudo, primariamente
continha uma expressão carregada de estigma, as quais decorrem da lógica dos
estudos da mulher tão somente enquanto “vítima”:

A mudança operada pela Lei (de vítima de violência para mulheres em


situação de violência) é mais do que um mero recurso linguístico e tem por
objetivo retirar o estigma contido na categoria ‘vítima’. (...) A expressão
‘mulheres vítimas de violência’ foi muito utilizada pelo feminismo na década
de 1980 e, de certo modo, seu uso aconteceu de forma acrítica. O próprio
feminismo revisitou esta questão e percebeu que esta forma de adjetivação
colocaria as mulheres na posição de ‘objeto’ da violência, sem autonomia
(ou com autonomia reduzida) e no lugar de um não-sujeito de direitos.22

Destarte, ao abrir a ferida dentro da criminologia, o feminismo explicitou os


entendimentos rasos, como, por exemplo, a afirmação que por comporem
porcentagem inferior da população penal cometiam menos crimes, ou que não
poderiam ser sujeitos ativos do delito, não sem serem atribuídas causas patológicas,
visto a normalidade de um padrão de comportamento feminino estabelecido, como
exemplifica Zaffaroni:
En este marco, los análisis de la criminalidad de la mujer se limitaban a lo
que podríamos llamar "delitos de género", como el infanticidio, el aborto y
los homicidios pasionales. La mujer criminalizada por otros delitos era

21
ANDRADE, Vera Regina de. A soberania patriarcal: O sistema de justiça criminal no
tratamento da violência sexual contra a mulher. Revista Seqüência, nº 50, jul. 2005, p. 71
22 CAMPOS; CARVALHO, 2011, p.146
16

mostrada como virilizada o demostrativa de una patología degenerativa,


porque la mujer más o menos "normal" no podía cometer delitos violentos. 23

Nisto, com a contribuição das teorias feministas, demonstra-se o próprio


equívoco das ciências criminais que por anos foi “contaminada” pelas lentes do
machismo e bordada com as agulhas sexistas, eternizando afirmativas com base
nos conceitos cristalizados sobre a figura da mulher, entre eles, conforme fora citado
acima, o de que as mulheres não poderiam comer delitos graves, porque seria da
natureza da mulher “normal” somente a figura dócil, destinada as tarefas
secundárias, incapaz de ser, por exemplo, sujeitos na relação com o crime, vista sua
subordinação histórica derivada do patriarcado.

Pode-se entender por patriarcado a manifestação e institucionalização do


domínio masculino sobre as mulheres e crianças da família, e o domínio
que se estende à sociedade em geral. O que implica que os homens
tenham poder nas instituições importantes da sociedade, e que privam as
mulheres do acesso às mesmas. Assim como também, se pode entender
que o patriarcado significa uma tomada de poder histórica pelos homens
sobre as mulheres, cujo agente ocasional foi a ordem biológica, elevada
tanto à categoria política, quanto econômica. 24

Assim, “ao trazer a perspectiva das mulheres para o centro dos estudos
criminológicos, os estudos feministas denunciaram as violências produzidas pela
forma mentis masculina de interpretação e aplicação do direito penal”.25 Ao
possibilitar que o alvo da análise criminológica fosse ampliado para o próprio
sistema de punitividade, várias correntes se desenvolveram no campo político sob o
manto da criminologia crítica, direcionadas a contenção da criminalização e
superação dos moldes carcerários das penas26.
Ao tomar a complexidade como pressuposto, os alvos de análises também
precisam mudar a direção, mais do que da relação entre vítima e agressor, incidindo
sobre toda a complexidade que existe nestas relações de poder que se estruturam
entre homens e mulheres:

Así por ej.: al incorporarse el estudio de la víctima mujer -especialmente de


la víctima del crimen violento- se pudo comprobar que no bastaban las
explicaciones individualizadas del hecho delictivo (ej. el factor de

23 ZAFFARONI, Raul Eugenio. La mujer y el poder punitivo. 1992. Comité Latinoamericano de


Defensa de los derechos de la Mujer. Lima, Perú, 1992, p. 1.
24 MENDES, 2012, p.101-102.
25 CAMPOS, Carmem Hein de; CARVALHO, Salo de. Tensões atuais entre a criminologia

feminista e a criminologia crítica: a experiência brasileira. [ed.] Carmem Hein Campos. LEI
MARIA DA PENHA comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro : Lumen Juris,
2011, p. 152.
26 Ibidem, p. 150.
17

alcoholismo, o de drogadicción en el caso de la violencia doméstica) sino


que hay que estudiar todos los aspectos estructurales de la violencia, desde
el punto de vista de la relación del poder entre hombres y mujeres, y darse
cuenta que el problema del patriarcado no es exclusivo de cierta clase
social, sino que tiene fisonomía propia y autónoma incluyendo a todos los
hombres y todas las mujeres.27

Ao ampliar os campos de estudos, o termo criminologia feminista começa


então a se estruturar na academia, e ser atribuído às teorias feministas
criminológicas, com a devida inclusão do elemento gênero, todavia, quanto à
concretização da teoria feminista criminológica, a pesquisadora Carmem Hein de
Campos alerta que:

Embora a expressão criminologia feminista esteja consolidada,


especialmente porque advinda da Europa e América do Norte,
especificamente sobre a produção na região e no Brasil, pode-se dizer que
há textos com perspectivas feministas em criminologia e perspectivas
críticas sobre o feminismo e a criminologia28.

Entretanto, para a construção da própria “criminologia feminista”, com foco na


realidade brasileira, a autora Soraia da Rosa Mendes, que é uma das pioneiras no
tema, defende a ideia de uma ruptura epistemológica para a construção do saber, de
maneira que:

O paradigma feminista implica uma radicalização completa na medida em


que perspectiva de gênero não é um “aditivo”, como ocorre em análises
criminológicas realizadas sob o paradigma da reação social. Ademais, o
reconhecimento do processo de custódia, construído ao longo de séculos, e
vigente até nossos dias, torna impossível a adoção do sistema de justiça
criminal como o objeto principal (no mais das vezes único) do campo de
conhecimento. 29

Isso implicaria então, no que chamou de giro epistemológico, de modo que,


“exige partir da realidade vivida pelas mulheres (sejam vítimas, rés ou condenadas)
dentro e fora do sistema de justiça criminal”30.
Assim, a chamada criminologia feminista, ainda está se construindo no
espaço das ciências criminais, mas não somente pelas bases epistemológicas
construídas por estas, visto que, ao considerar os postulados citados acima, dentro
desta nova perspectiva do “giro epistemológico” 31, exige-se um certo alinhamento

27
GARCÍA, 1995, idem.
28 CAMPOS, Carmen Hein. Teoria crítica feminista e crítica à(s) crimonologia(s): estudo para
uma perspectiva feminista, Porto Alegre, 2013, p. 14.
29 MENDES, Ibidem, p.188.
30 Idem, op. Cit.
31 Idem, et seq.
18

com outras ciências, como direito, filosofia, sociologia, psicanálise 32, entre outras,
mas principalmente com as teorias feministas, ou seja, uma construção pelo
caminho da interdisciplinaridade, para assim, poder dar conta da complexidade na
investigação dos fenômenos que originariamente são estudados pelas ciências
criminais. Sobre o assunto no plano epistemológico, Campos e Carvalho afirmam
que:
As consequências dos saberes críticos e feministas são para o pensamento
criminológico arrasadoras e irreversíveis. No entanto é possível dizer que no
plano epistemológico são saberes complementares na desconstrução da
racionalidade etiológica que fundamenta a criminologia ortodoxa e na
ampliação dos horizontes de investigação (objeto) e das formas de
abordagem (método).33

Observa-se que apesar de toda esta lógica de dominação que prevalece


sobre os estudos criminológicos, com o avanço das teorias feministas, estes
espaços estão se modificando, como escreveu Elaine Pimentel:

Os silêncios que marcam os estudos criminológicos quanto à figura feminina


tendem a se tornar mais aparentes diante da diminuição das fronteiras entre
o masculino e o feminino nas práticas cotidianas, constatação essa que
perpassa os principais embates teóricos apresentados pelas feministas em
todo o mundo. Assim, uma união entre a criminologia e o feminismo se faz
imperiosa, já que enseja um outro casamento, de igual importância, entre a
criminologia e as ciências sociais. Mais do que uma luta isolada, trata-se de
uma realidade que não pode mais ser ignorada.34

Desta forma, chama a atenção um dos pontos de embate dentro da


criminologia feminista, nos espaços que se abriram até então para enfrentamento da
violência contra mulher, no âmbito político criminal, houveram conflitos com os
princípios da criminologia crítica, no sentido do uso do sistema penal e aumento do
punitivismo, um paradigma que se constrói num campo de disputas, como discorre
Campos e Carvalho:
Os conflitos entre os modelos criminológicos ocorrerão, porém, no plano
político-criminal, com a tensão entre os distintos projetos que orientam as
agendas críticas e feministas. Projetos que podem ser identificados na
constante resistência da criminologia crítica aos processos de
criminalização e ampliação dos níveis de punitividade social (punitivismo) e
na incessante luta da criminologia feminista para redução dos altos índices
de violência contra a mulher.35

32 PIMENTEL, 2008, passim.


33 CAMPOS; CARVALHO, 2011, p. 152.
34 PIMENTEL, 2008, p. 10
35 Idem, 2011, p.153.
19

Então, aqui abre-se um dos tópicos de questionamento que pretende se


abordar neste texto: seria o direito penal, um meio adequado ou mesmo, útil, no
enfrentamento da violência de gênero? Poderia ele, dentro do complexo sistema de
justiça criminal, funcionar de modo a estancar os alarmantes índices de violência
contra mulher?

1.c) Expansão do direito penal

Seguindo os ensinamentos de E. Raúl Zaffaroni, primeiramente, há de se


avaliar, que há uma confusão do termo quando se trata de direito penal. Muito se
utiliza erroneamente, a expressão direito penal, para se referir ao poder punitivo,
exercido pelas agências de execução, ou na aplicação da lei, e até a própria lei
penal. Entretanto, o autor propõe tomar a expressão direito penal, como doutrina
jurídica criminal produzida por penalistas, ipsis litteris:

Para desbrozar el camino, aquí llamaremos derecho penal a la doctrina


jurídico-penal, es decir, en el primero de los señalados sentidos (labor de
los penalistas), que nada tiene que ver con el material de que los proveen
los políticos (legisladores) ni con el ejercicio coactivo (poder punitivo) que
ejercen las policías en sentido amplio.36

De tal modo, considerando haver diferença entre a doutrina jurídica-penal e o


material legislativo produzido pelos políticos, que por si também é diferente do
punitivismo, e considerando que o 'programa técnico' não deixa de ser político, e há
nisto por natureza um duplo caráter: que toda política se projeta e realiza mediante
uma técnica, neste caso, o direito penal como técnica, e que ao mesmo tempo,
inevitavelmente possui sua essência política; pondera-se que:
No contexto político do direito penal, enquanto produtor de material legislativo,
observa-se uma tendência crescente a partir da década de 80, do século XX, no
sentido de enrijecimento inflados pelos discursos punitivistas, em um primeiro
momento midiático, e posteriormente passando habitar nas camadas sociais, por
meio de clamores baseados em um sentimento de impunidade, em que se cria e/ou
enrijece tipos penais, em que mais tardar, seria identificado como sintomas da
chamada “expansão do sistema penal”.

36ZAFFARONI, E.R. Derecho penal humano y poder en el siglo XXI. Conferencias de Guatemala.
Jun, 2016., p.1
20

A existência de uma tendência claramente dominante em legislações no


sentido do acréscimo de novos tipos penais e agravamento das penas, pode se
encaixar como uma “reinterpretação” das garantias clássicas do Direito Penal e
Processo Penal, e abrolha com a criação de “novos bens jurídicos-penais”, na
ampliação dos espaços de risco jurídico-penalmente relevantes, com a flexibilização
das regras de imputação e relativização dos princípios político-criminais de garantia,
os quais não serviriam para serem mais do que aspectos dessa tendência geral, à
qual cabe referir-se como termo “expansão”.
O desejo de punir e a sede pelo sistema penal, na justificativa de dirimir
conflitos, encontram respaldo no ardiloso entendimento do direito penal como
solucionador e interventor das relações sociais. No entanto, o uso do sistema penal
acrítico, que em tese deveria ser ultima ratio, ao ser confrontando com os números
do sistema carcerário se apresenta cada vez mais como prima ratio, e assinala a
distância que cada vez mais aumentamos, ao tentar impedir o ciclo continum de
violência.
Todavia, é sabido que a tendência a criminalização, aumento de penas,
repressão com a esfera penal e agências punitivas, não é exclusivo do feminismo e
nem assunto novo para o direito penal, ou problema que oriunda dos ditos “novos
movimentos sociais”. Como ensina o renomado professor Aury Lopes Jr.:

Brasil lá foi contaminado por esse modelo repressivista há décadas, quando


a famigerada Lei dos Crimes Hediondos (Lei n 8.072/90), seguida de outras
na mesma linha, marcou a entrada do sistema penal brasileiro na era da
escuridão, na ideologia do repressivismo saneador. A ideia de que a
repressão total vai sanar o problema é totalmente ideológica e mistificadora.
Sacrificam-se direitos fundamentais em nome da incompetência estatal em
resolver os problemas que realmente geram a violência.37

Essa trama entre o movimento lei e ordem que fundamenta discursos


eleitoreiros e não toca na raiz dos problemas sociais, conexos ao aumento do
populismo penal, reflete diretamente nos altos índices do sistema carcerário oriundo
do sistema institucional seletivo, produzindo uma relação quase umbilical, como
aclara Lopes Jr:

O discurso da lei e da ordem conduz a que aqueles que não possuem


capacidade para estar no jogo sejam detidos e neutralizados,
preferencialmente com o menor custo possível. Na lógica da eficiência
vence o Estado Penitência, pois é mais barato excluir e encarcerar do que

37LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. Revista e Atualizada – São Paulo: Saraiva,
2012, p.82
21

restabelecer o status de consumidor, através de políticas públicas de


inserção social.38

O Brasil atualmente ocupa uma posição de destaque no cenário mundial, em 4º


lugar com sua população carcerária, segundo dados fornecidos pelo Conselho
Nacional de Justiça, no censo realizado, em junho de 2014, contabilizavam 715.592
os presos com um déficit de 210.436 vagas. Estima-se que a cada 100 mil
habitantes, corresponde um número de 358 presos no Brasil, quando ao comparar
com outros países, como, por exemplo, Argentina que baliza 100 presos, África do
Sul 294, México 212, Alemanha 149, pode-se ter uma dimensão de quão gritante
são tais informações.
Entretanto, quando se visualiza os índices de encarceramento, percebe-se que
a maioria dos delitos se tratam de crimes contra patrimônio, como demonstra o
mapeamento:

Ademais do acréscimo constante das taxas de prisionalização, nota-se que


a maior parte do encarceramento masculino nacional decorre de prática de
delitos patrimoniais, ou seja, refletem o caráter econômico da política de
exclusão social. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional
(DEPEN), 16,8% dos presos no Brasil resultam de imputações de crimes
patrimoniais não-violentos como furto, estelionato e receptação; 24,46%
decorrem de crimes patrimoniais praticados com violência ou grave
ameaça, fundamentalmente roubo; dos quais 12,88% seriam decorrentes de
crimes contra a vida e 3,68% por crimes sexuais. Note-se que 15,73% da
população encarcerada masculina é fruto de envolvimento com tráfico de
drogas39.

Ou seja, apenas a parcela ínfima de 3,68% representa o índice carcerário de


presos por crimes contra a vida, o que significa que: pune-se muito, e quando se
trata de avaliar os bens jurídicos que almejam ser protegidos, pune-se mal.
As mulheres por sua vez, também são atingidas por este aumento punitivista-
carcerário, pois em 2009 somavam 27 mil presas, em junho de 2013, este número já
chegava aos 36.135, como lembra Maria Lucia Karam:

(...) não são apenas as mulheres presas, metade delas acusadas ou


condenadas em razão da ilegítima criminalização do dito ‘tráfico’ das
arbitrariamente selecionadas drogas tornadas ilícitas, que sofrem a
opressão, a violência, os danos e as dores provocados pelo sistema penal.
São também, as mães, companheiras e filhas dos mais de 500 mil homens
brasileiros presos, privadas de sua normal convivência familiar, sacrificadas
nos difíceis deslocamentos e nas longas esperas pela oportunidade de

38 LOPES JR. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade


Constitucional). 4ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.p. 13
39 DEPEN, 2010 apud CAMPOS, CARVALHO, 2011, p. 15.
22

breves visitas, violentadas nas ainda subsistentes revistas vexatórias no


limiar das grades das prisões. 40

Assim, pretende-se antes de atirar a pedra, reconhecer o teto de vidro, e


abordar com a devida cautela o problema da violência contra mulheres e seus meios
para enfrentá-la, bem como, de que forma isso seria “recepcionado” pelo direito
penal. Ao mesmo tempo, aspira observar os postulados que guiam as bases da
criminologia crítica alinhadas ao direito penal garantista, e com a perspectiva do
“giro epistemológico” para o elemento gênero, engatinhar na criminologia feminista41
Motivo pelo qual, faz-se necessário a introdução do tema do feminismo, para então
partir à análise da Lei do Feminicídio.

Capítulo 2. FEMINISMO

De início, destaca-se a condição de não haver um único fato na história que


caracterizaria o que atualmente se entende por “feminismo”, e deste, começar a
narrativa. Afinal, não se pode esquecer a terrível história ocidental, principalmente
na era da inquisição, onde as mulheres se insurgiam contra a igreja católica, e
pagavam com suas próprias vidas. Intenta-se na localização do debate, demonstrar
que há determinados períodos históricos, chamados de “Ondas Feministas”, com
seus momentos de transição, aliados as suas reinvindicações e estágios, que
caracterizariam tais fases, e serviriam para auxiliar de forma didática uma
construção cronológica sobre o(s) feminismo(s).
Cita-se exemplarmente na chamada “primeira onda/geração” o movimento
feminista liberal, nascido no século XIX42, alinhado ao movimento sufragista, que
reivindicava a igualdade dos direitos civis políticos, e nele se encontrariam
importantes referências como Mary Wollstonecraft43, Elizabeth Cady Stanton e
Susan B. Anthony.

As sufragetes, como ficaram conhecidas, promoveram grandes


manifestações em Londres, foram presas várias vezes, fizeram greves de
fome. Em 1913, na famosa corrida de cavalo em Derby, a feminista Emily

40 KARAM, Maria Lucia. Op., cit., p.7


41 MENDES, 2012, Op. Cit.
42 MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e política: Uma introdução. Boitempo Editorial,

2015, p. 18 et seq.
43 Cf.: Mary Wollstonecraft, A vindication of the rights of woman: with strictures on political and moral

subjects (Nova York, The Modern Library, 2001). Edição brasileira: Reivindicação dos direitos da
mulher: um grito feminista do século XVIII, Editora Boitempo. Edição original é de 1792.
23

Davison atirou-se à frente do cavalo do Rei, morrendo. O direito ao voto foi


conquistado no Reino Unido em 191844.

Há quem conceitue o feminismo como forma de ação política; outras buscam


separar o termo entre movimentos: i) enquanto processo de empoderamento da
mulher – feminismo como empoderamento individual, relação primeiramente
enquanto sujeito; ii) luta política organizada, a qual se configura pela coletividade, e
o que se chama de movimento das mulheres.
O movimento feminista, assim como a criminologia e suas ramificações,
também possui várias vertentes, como o feminismo marxista, liberal, radical,
interseccional, black, queer, entre outros, sendo que, o ponto de partida comum
entre as várias vertentes do movimento é a figura da mulher, a qual propõem libertar
da opressão, empoderar e promover sua emancipação, ainda que se admita a
impossibilidade de estabelecer Mulher como uma figura universal, diante da enorme
diversidade entre raça, classe, etnia, gênero, etc.
Apesar de cada linha do feminismo oferecer um modo de interpretar a
realidade, ou focar num critério específico, todas têm este princípio em comum, que
é a demonstração do que significa ser mulher dentro desse grande sistema
discriminatório e de combate ao invólucro do patriarcado, seja qual for seu foco de
análise, sem deixar de considerar que, na sociedade que vivemos, não há uma
forma única e homogênea que aborde todos os modos de opressão e subordinação
em que as mulheres estão sujeitas.

Entende que, se a ficção humanista do ‘homem universal’ criado pela


Ilustração já não se sustenta, tampouco pode se sustentar uma categoria
“mulher”. Assim, não sendo aceitável a existência de ‘uma mulher’ como
objeto de teorização, também não é aceitável que a ‘mulher’ possa ser
sujeito de conhecimento.45

Registra-se também, que tal pensamento, sobre a complexidade e a


impossibilidade de caracterizar todas as mulheres com uma essência única e
comum, resultou no chamado “antiessencialismo”, formulado pelos feministas pós-
anos 90, onde:

As feministas antiessencialistas partem da premissa de que fatores como


raça, classe, etnia, características físicas, e orientações sexuais diferem as
experiências das mulheres entre si. Dada essa complexidade, faz sentido
repartir a estratégia feminista em múltiplas frentes de ação, de forma a

44 PINTO, Célia Regina Jardim. Feminismo, História e Poder. Rev.Sociol. Polít. Curitiba, v.8, n.36,
jun. 2010. p.15-23
45
MENDES, Soraia da Rosa, 2012. p. 96.
24

produzir reformas legais e mobilizar políticas públicas que atendam à


multiplicidade de perspectivas femininas 46.

Como se expressa Carmen Campos, “essas desconstruções trazem


instabilidade teórica, isto é, tornam as categorias feministas instáveis e colocam o
feminismo e a teoria feminista em um terreno movediço e de desconforto”, quando
se trata das desconstruções de discursos das categorias citadas acima (raça, sexo,
gênero, etnia, etc), é próprio destas narrativas que não se encontre a mesma
garantia oferecida pelas “verdades” da modernidade, justamente por este motivo são
reconhecidos como discursos da “pós-modernidade”, mas como a autora justifica:

(...) a desconstrução das categorias não significa a sua morte política, mas
sua reconstrução em outras bases. O sujeito feminista que emerge desse
deslocamento não é mais fixo ou rígido, mas contingente. Esse debate tem
importância central na abordagem esboçada nesta tese para uma
perspectiva feminista em criminologia. Esta possibilidade rejeita a
centralidade de um sujeito vitimizado e fundamentalmente marcado pelo
gênero. Ao contrário, requer uma perspectiva multidimensional. 47

Anota-se também a observação de que há uma característica específica que


faz o movimento feminista se diferenciar dos outros movimentos sociais, pois ele
mesmo constrói sua teoria, reflexão e reformulação sobre si, como indica Célia
Regina Pinto:

O movimento feminista tem uma característica muito particular que deve ser
tomada em consideração pelos interessados em entender sua história e
seus processos: é um movimento que produz sua própria reflexão crítica,
sua própria teoria. (...). Pode se conhecer o movimento feminista a partir de
duas vertentes: da história do feminismo, ou seja, da ação do movimento
feminista, e da produção teórica feminista nas áreas da História, Ciências
Sociais, Crítica Literária e Psicanálise. Por esta sua dupla característica,
tanto o movimento feminista quanto a sua teoria transbordaram seus limites,
provocando um interessante embate e reordenamento de diversas
naturezas na história dos movimentos sociais e nas próprias teorias das
Ciências Humanas em geral.48

No entanto, este trabalho em questão, não possui o escopo de se aprofundar


na parte histórica, nem entrar nas divergências sobre o conceito do termo, mas sim
tentar explanar as diferentes abordagens e suas implicações, e de igual modo, tentar
estabelecer relações com a criminologia feminista e o vínculo com o direito penal, de
maneira a compartilhar do mesmo entendimento de Dahl:

46 BUENO, Mariana Guimarães R. da Cunha. Feminismo e Direito Penal. Tese Dissertação de


Mestrado - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011. p. 44
47 CAMPOS, 2013, p.17.
48 PINTO, 2010, idem.
25

(....) mesmo aceitando que, historicamente, o feminismo assumiu diversas


formas e acolheu filosofias e ideologias diversas, considero correto que este
conceito seja utilizado em sentido lato para designar todos os movimentos e
grupos de mulheres que, por esta ou aquela razão, num sentido ou noutro,
se empenham na luta contra a opressão das mulheres e, de modo geral,
pela melhoria da sua situação.49

Os primeiros levantes do feminismo demonstraram um recuo a partir de 1930,


entre as justificativas levantadas, apontam-se os fatos de que algumas demandas já
haviam sido atendidas, como, o direito ao voto (no Brasil, deu-se em 1932 com a
promulgação do Novo Código Eleitoral brasileiro50), segundo seria à “ascensão do
nazi-facismo, em que reprimia quaisquer outras formas de contestação social”51, e
no Brasil, enfrentava-se um Estado autoritário e repressivo, onde somente mais
tarde apareciam novas ações inerentes ao direito, como, por exemplo, a participação
de mulher no mercado de trabalho.

Este feminismo inicial, tanto na Europa e nos Estados Unidos como no


Brasil, perdeu força a partir da década de 1930 e só aparecerá novamente,
com importância, na década de 1960. No decorrer destes trinta anos um
livro marcará as mulheres e será fundamental para a nova onda do
feminismo: O segundo sexo, de Simone de Beauvoir, publicado pela
primeira vez em 1949. 52

Considerando então o novo cenário na humanidade, quando a Segunda


Guerra mundial teve seu fim e os homens voltaram aos seus postos e redobraram a
força de trabalho, o papel doméstico da mulher acabou se reforçando, e as
diferenças e desigualdades de sexo cada vez mais foram gritantes, de modo que, às
mulheres sobrou as atividades secundárias, destinadas a casa, ao lar e o cuidado
aos filhos, “liberando” o espaço aos homens como mão de obra no mercado de
trabalho53.
Posteriormente, os estudos de Joan Scott viriam também a reescrever a
história oficial, ao revezar os papeis de cada sexo e a estruturação dos poderes
sobre como refletiriam nesta divisão no mercado de trabalho, de maneira que “A
divisão sexual do trabalho é, no seu entender, um efeito do discurso”54, pois:

49 DAHL, Tove Stang. O direito das mulheres: uma introdução à teoria geral do direito feminista.
Tradução de Teres Pizarro Beleza. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. p.14
50 PINTO, 2010, p.16.
51 ALVES, Branca Moreira & Pitanguy, Jacqueline, 2007, apud LUCENA, Mariana Barrêto Nóbrega

de. Os debates do movimento feminista: do movimento sufragista ao feminismo multicultural.


p. 4.
52 PINTO, ibidem.
53 LUCENA, op cit. p. 4.
54 SCOTT, 1990 apud MENDES, 2012, p. 191.
26

Segundo ela, “ao invés de procurar causas técnicas e estruturais


específicas, devemos estudar o discurso a partir do qual as divisões do
trabalho foram estabelecidas segundo o sexo. O que deve produzir uma
análise crítica mais aprofundada das interpretações históricas correntes”.
(...). Para Scott (1990), o discurso masculino, que estabeleceu a
inferioridade física e mental das mulheres, que definiu a partilha “aos
homens, a madeira e mos metais” e “às mulheres, a família e o tecido” é
que provocou uma divisão sexual da mão-de-obra no mercado de trabalho,
reunindo as mulheres em certos empregos, substituindo-as sempre por
baixo de uma hierarquia profissional, e estabelecendo seus salários em
níveis insuficientes para sua subsistência. 55

Joan Scott acaba por aparecer mais tarde, com suas contribuições pioneiras
nos anos 80, ao editar a história das mulheres na perspectiva do gênero, porquanto
no contexto do pós-guerra, surge Simone de Beauvoir, uma das mais importantes
teóricas e feministas do século XX, reconhecida mundialmente pela frase “Uma
mulher não nasce, torna-se (faz-se) ”56, a qual inaugura os chamados “estudos de
gênero”.

2.a) Feminismo e os estudos de gênero

Quando o homem atribuía um sexo a todas as coisas, não via nisso um


jogo, mas acreditava ampliar seu entendimento: - só muito mais tarde
descobriu, e nem mesmo inteiramente ainda hoje, a enormidade desse erro.
De igual modo o homem atribuiu a tudo o que existe uma relação moral,
jogando sobre os ombros do mundo o manto de uma significação ética. Um
dia, tudo isso não terá nem mais nem menos valor do que possui hoje a
crença no sexo masculino ou feminino do Sol. – Friedrich Nietzsche.57

Como balizou Friedrich Nietzsche em seus questionamentos filosóficos, por


meio de atributos morais, o ser humano construiu seus castelos de valores, e
delimitou o mundo em seus sentidos de valoração. Por pontos de partidas
diferentes, vários autores (as), questionaram essa significação e posição de sujeitos
no mundo, e colocaram em dúvidas afirmações até então entendidas como
universais, entre tais, o que nos foi estabelecido como masculino e feminino, ou dito
como sexo biológico.
Nesta linha de valores tidos como sagrados, Simone Beavouir tocou no
intocável e inaugurou a crítica em torno dos papéis sociais e na distinção entre sexo
biológico e construção do gênero, desvelando o caráter social que recobre tais
termos, com foco sobre a construção do que é ser mulher, reconheceu a limitação

55
SCOTT, 1990 apud MENDES, 2012, p. 192.
56 Cf: BEAVOUIR, Simone. O Segundo Sexo (1949).
57 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Aurora / Friedrich Wilhelm Nietzsche; com prólogo de Ciro

Mioranza; tradução de Antonio Carlos Braga. São Paulo: Escala, 2013, p.32.
27

que recobrem os binarismos masculino/feminino e homem/mulher, instigando


estudos para o desvendar da complexidade das diferentes relações de gênero e
sociais que se desenvolvem na sociedade, principalmente nas teias sutis do
patriarcado.
Desde os anos setenta, portanto, o feminismo conhece do conceito de
gênero para fazer referência à construção cultural do feminino e do
masculino através de processos de socialização que formam o sujeito
desde a mais tenra idade. O conceito foi libertador porque permitiu às
mulheres demonstrar que a opressão tinha como raiz uma causa social, e
não biológica ou natural.58

Apesar das indispensáveis contribuições, a palavra gênero (com o significado


mais próximo que temos atualmente) passou a ser usada apenas no final de 1960,
por psicólogos nortes americanos como Money, Ehrhardt e Stoller, como aponta
Marília Pinto de Carvalho, “para combater a força da categoria sexo e suas
implicações nas ciências sociais, buscando enfatizar a dimensão social do gênero”
59, quando então tomou outro significado:

Assim, gender, uma palavra até então usada principalmente para nomear as
formas masculinas e femininas na linguagem, foi apropriada como um termo
contrastante com sexo, designando o que era socialmente codificado como
masculino ou como feminino.60

Diante da demanda de sujeitos que apresentavam características que não


eram oriundas de ‘decorrências naturais’, a qual até então eram somadas ao corpo
como ‘natureza humana’, o termo ‘identidade de gênero61’ começou a entrar em
foco, encarando o conceito de gênero com a complexidade que abarcava diferentes
aspectos socioculturais que haviam sido solidificados ao longo da história,
reposicionando as dicotomias entre masculino e feminino.

Segundo a visão pós-moderna, embora as identidades dos sujeitos sejam


impostas socialmente, estes mesmos sujeitos são capazes de subverte-las.
Como diz Butler (2003), se a identidade não é única, e não está fixada de

58 MENDES, 2012, p.99


59 CARVALHO, Marília P. O conceito de Gênero no dia a dia da sala de aula. R. Educ. Públ.
Relações raciais e educação: dez anos de estudos e pesquisas na UFMT. v. 21. n.46. Cuiabá, 2012,
p. 402
60 CARVALHO, Marília P. loc. cit.
61 Segundo a Cartilha de Promoção dos Direitos Humanos de pessoas LGBT no Mundo do Trabalho,

elaborada pela OIT: “Identidade de gênero é a experiência individual do gênero de cada pessoa, que
pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento. Inclui o sentimento em relação ao seu
corpo, que pode, por livre escolha, envolver a modificação da sua aparência ou função corporal por
meios médicos, cirúrgicos ou outros. Além disso, pode envolver também outras expressões de
gênero, como vestimenta, modo de falar e maneirismos” (2015, p.25).
28

maneira permanente, as pessoas podem escolher também desde que


perspectiva se posicionar.62

Desta forma, destaca-se que atualmente há uma gama de correntes


feministas que discutem sobre o conceito de gênero e suas complexidades, entre
elas Judith Butler, Heleieth Saffioti, Gayle Rubin, Joan Scott, Adriana Piscitelli, entre
outras, pois, “vem da reflexão feminista pós-moderna todo o trabalho intelectual
sobre a (des) construção social e discursiva do gênero ou do sexo” 63. Considerando
as divergências teóricas, longe de chegar numa conclusão, mas levando em conta
uma possível segunda definição, Marília Carvalho nos auxilia nesta tarefa
esclarecendo que:

(...) gênero tem sido cada vez mais usado para referir-se a toda construção
social relacionada à distinção e hierarquia masculino/feminino, incluindo
também aquelas construções que separam os corpos em machos e fêmeas,
mas indo muito além. As diferenças ou semelhanças entre os sexos e as
interações e relações de poder entre homens e mulheres são apenas parte
do que é abrangido pelo conceito de gênero assim definido. E, por outro
lado, elas mesmas não podem ser inteiramente explicadas apenas nesse
âmbito, pois estão sempre articuladas a outras hierarquias e desigualdades
de classe, raça/etnia, idade etc.64

No Brasil, a socióloga Heleieth Saffioti, em sua obra Gênero, patriarcado,


violência, afirmou a distância que estamos de atribuir um conceito neutro de gênero,
dada sua correlação com a ideologia, pois “cobre uma estrutura de poder desigual
entre mulher e homens”65, sendo que a própria existência dos transgêneros para
conceituação da palavra também se confunde, visto que são documentados em
muitas culturas e sociedades desde a antiguidade com seus significados variantes
de uma para outra. Como no caso dos (as) transexuais e transgêneros, não há hoje
explicações significativas que abranjam o assunto com a complexidade devida, o
guia técnico sobre transgêneros afirma que,

A verdade é que ninguém sabe, atualmente, por que alguém é transexual,


apesar das várias teorias. Umas dizem que a causa é biológica, outras que
é social, outras que mistura questões biológicas e sociais. Vale dizer o
mesmo para as pessoas cis gênero66.67

62
MENDES, ibidem, p.96.
63 Ibidem, p.94.
64 CARVALHO, Marília. 2012, p. 403.
65 SAFFIOTI, Heleieth. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004,

p. 136.
66 JESUS, Jaqueline Gomes de. Orientações sobre a população transgênero: conceitos e termos

/ Jaqueline Gomes de Jesus. Brasília: Autor, 2012, p.14.


29

Apresentando a (in) definição sobre o significado de gênero, insta salientar a


questão central que nos remete hoje entre sexo e gênero: nossas concepções
binárias de mundo já não correspondem as diferentes realidades e diversificações
culturais entre seres humanos, pois como baliza Jaqueline Gomes de Jesus, se o
“sexo é biológico e o gênero é social, este segundo vai além do sexo”:

O que importa, na definição do que é ser homem ou mulher, não são os


cromossomos ou a conformação genital, mas a auto percepção e a forma
como a pessoa se expressa socialmente. Se adotamos ou não
determinados modelos e papéis de gênero, isso pode independer de nossos
órgãos genitais, dos cromossomos ou de alguns níveis hormonais. 68

Desta maneira, frente os milhares de ramificações e diversidades de seres


humanos, em suas identificações de gênero, sexo, e a própria sexualidade, bem
como a ascensão de movimentos sociais que lutam pelo reconhecimento de direitos
considerados como fundamentais para a concretude da dignidade da pessoa
humana, neste trabalho em questão, o destaque ao feminismo que luta pela
igualdade, vem à tona o embate entre o direito e os movimentos sociais, o Estado e
as pautas reivindicadas.

2.b) Feminismo e o Estado

No Brasil, conforme afirma Helen Safa69, expressões significativas do


movimento feminista angariaram forças no contexto da ditadura militar, ainda que,
em face do governo fascista à época, não restavam forças ou pautas que
sobrepunham ao interesse de alcançar primeiramente a liberdade de expressão e a
garantia de sobrevivência, de maneira que, mesmo que não se possa nominar como
movimento feminista, ao qual nos referimos hoje – enquanto possuidor de autonomia
e identidade de movimento(s)- esta organização de mulheres surgia como forma de
resistência, e o fato de haver associação política destas, por si só, já era algo

67
Observa-se que o termo “cis” trata-se de um prefixo em latim que significa “deste lado” (e não do
outro), destinado a pessoas “alinhadas” dentro de seu corpo e de seu gênero, que possuem uma
posição de privilégio em relação as pessoas trans. A nomeação tem um caráter político que visibiliza
um status natural, em resposta ao discurso científico que criou identidades trans, mas não criou
identidades naturais. Cf: KAAS, Hailey. O que são pessoas cis e cissexismo? – Blog Ensaios de
Gênero. Disponível em: https://ensaiosdegenero.wordpress.com/2012/09/17/o-que-sao-pessoas-cis-
e-cissexismo/. Acesso em 11/08/2017.
68 JESUS, Ibidem, p. 14.
69 SAFA, Helen. Women’s Social Movements in Latin America. Gender and Society, v. 4, n. 3,

1990, p. 354-369.
30

revolucionário, ao considerar que para elas, somente o papel secundário fora


delegado70.

Neste sentido, o movimento de mulheres no Brasil também evoluiu em suas


formas de organização, e a postura que anteriormente adotava, que condizia com o
período em que começou a se expandir e este se dava no cenário da ditadura
militar, também sofreu alterações. Antes como apontou Silvana Aparecida Mariano,
“em sua origem, o movimento feminista advogava uma noção de autonomia que
representava o ‘de costas’ para o Estado”71, e:

Tal postura se justificava, seja pela necessidade de afirmação da identidade


própria do feminismo, seja pela importância da negação das formas
autoritárias de poder refletidas no Estado. 72 No caso brasileiro e no da
América Latina isso era ainda mais patente em face da conjuntura política
do regime militar.73

Afinal, a própria condição de retração e recolhimento frente ao estado,


justifica-se dado as condições políticas que o país enfrentava, pois:

Foi no ambiente do regime militar e muito limitado pelas condições que o


país vivia na época, que aconteceram as primeiras manifestações
feministas no Brasil na década de 1970. O regime militar via com grande
desconfiança qualquer manifestação de feministas, por entendê-las como
política e moralmente perigosas.74

Somente com o processo de redemocratização que o feminismo começa a


“nascer novamente” com novas bandeiras e modo de ação, com diversos coletivos
em diferentes regiões, “tratando de uma gama muito ampla de temas – violência,
sexualidade, direito ao trabalho, igualdade no casamento, direito à terra, direito à
saúde materno-infantil, luta contra o racismo, opções sexuais”75.

Para Pinto (2003) a criação desses espaços institucionais nunca foi uma
questão consensual no interior do movimento feminista. Houve resistências
à incorporação do tema à pauta oficial dos governos e, mais do que isso, a
própria condição de radicalidade de parte do movimento feminista, que

70 SARTI, Cynthia. O feminismo brasileiro desde os anos 1970: revisitando uma trajetória.
Estudos Feministas, v. 12, n. 2, 2004, p. 35-50.
71 MARIANO, Silvana Aparecia. Feminismo e Estado: Desafiando a democracia liberal. Revista

Mediações, Londrina, v.6, n.2, jul/dez. 2001. p.11


72 PAOLI, 1995, apud MARIANO, ibidem.
73 Idem, ibidem, p. 11.
74
PINTO, 2010, p.16.
75
Idem, 2010, p.17.
31

lutava por transformações nas relações de poder, que não poderiam advir
de uma relação de colaboração entre o movimento e o Estado. 76

Assim, no que tangia ao seu poder de alcance, as bandeiras feministas


precisaram mudar seu modo de organização, entendendo que estas precisavam se
transformar em políticas públicas, e em maior participação na vida política e nas
relações institucionais, quando então se modificaram as formas de abordagem com
relação ao estado, e nesta direção, também se deslocou algum dos pilares do que
se entendia sobre autonomia do movimento/mulher.
Sobre o assunto, Célia Regina Pinto avança com expressões mais claras, ao
explanar que:

(...) os anseios por mais espaços democráticos gestam-se no interior da


sociedade através de movimentos sociais, mas não se esgotam aí. Para
que suas reivindicações e propostas transcendam a discussão interna e
tenham efeitos concretos na vida da sociedade, devem passar em algum
momento pelo campo político como propostas partidárias, políticas públicas,
ajustes institucionais, etc.77

Deste modo, entendendo a importância de alavancar suas propostas, as


mulheres em sua condição de luta, não só entenderam que era preciso “tomar a
frente” e ocupar os espaços nas relações institucionais, como provocaram um
verdadeiro desafio ao Estado em alinhar tais demandas, pois entenderam que:

Os novos movimentos sociais deram visibilidade ao fato de que a ação


política não é restrita à esfera estatal, aos partidos e aos sindicatos. As
feministas foram ainda mais longe advogando a ideia de que "o pessoal
também é político". Com isso, ampliaram a noção de campo político e
questionaram a separação da esfera pública e da privada, pretendendo
assim uma osmose entre elas, e, portanto, entre as esferas masculina e
feminina.78

Neste ponto, a esfera pública se ampliou e, “temáticas antes destinadas à


privacidade tornaram-se alvo de politização na esfera pública, como, por exemplo, a
maternidade, os direitos reprodutivos, e a violência contra a mulher”79.
De um modo geral, aproximadamente entre os anos 60 e 70, ainda em fase
de desenvolvimento das teorias feministas e dados os primeiros passos em políticas

76 MIRANDA, C. M. Os movimentos feministas e a construção de espaços institucionais para a


garantia dos direitos das mulheres no Brasil. NIEM/UFRGS, 2009. Disponível em <
http://www.ufrgs.br/nucleomulher/arquivos/os%20movimentos%20feminismtas_cyntia.pdf> Acesso
em 11/08/2017.
77 PINTO, Célia Regina Jardim. Mulher e política no Brasil: os impasses do feminismo, enquanto

movimento social, face às regras do jogo da democracia representativa. Revista Estudos


Feministas, Rio de Janeiro, número especial, 1994. p.259.
78 BUTTAFUOCO, 1995, apud MARIANO, Silvana Aparecida, 2001, p. 13.
79
Idem, ibidem, p. 5.
32

públicas e reivindicações perante o Estado, o movimento tencionava e direcionava


suas críticas em especial aos tipos penais que envolviam a moral conservadora
estabelecida à época, em crimes como o adultério, sedução, etc., e nesta direção,
alinhava-se às teorias da Criminologia Crítica, ao tentar descriminalizar e diminuir o
alcance do sistema penal, funcionando como uma forma de combate a própria
expansão do direito penal.
Sobre o assunto, Vera Regina de Andrade elucida:

Grosso modo, em torno dos anos 60 o movimento de mulheres concorre


com o movimento da chamada Criminologia crítica para a tendência à
minimização do sistema penal e especialmente para a descriminação das
ofensas contra a moral sexual como o adultério, a sedução, a casa de
prostituição, etc, considerando o sistema penal como expressão da
sociedade de classes existente.80

Ocorre que com o alargamento da esfera pública, o fato do “privado se tornar


público”, casos de violência que até então eram ocultos ou silenciados, começaram
a ser expostos, denunciando as mais diferentes formas de violência de gênero, seja
no âmbito doméstico ou no trabalho, como continua a autora e nos auxilia em sua
exposição:

(...) uma convergência de fatores foi contribuindo, entre os anos de 70 e 80,


para que durante o processo de libertação sexual se demarcasse no interior
do movimento uma nova atitude e direção. Um deles, muito importante, foi a
aparição de instituições feministas de apoio, pois a criação de Centros de
acolhida para mulheres maltratadas (criadas na Holanda em 1974) e de
Delegacias de Mulheres (criadas no Brasil em 1984) para receber queixas
específicas de violência de gênero foi demonstrando que os maus-tratos e a
violência sexual contra as mulheres (assédios, estupros e abusos em geral)
ocorriam muito mais frequentemente do que se pensava”. 81

No Brasil, mesmo frente a todo aparato de violência contra mulher, o judiciário


continuava inerte, quando então coletivos organizados começaram a recorrer à
aparatos internacionais como meio de ajuda para o combate, como ensina Santos:

Face à ineficácia do Poder Judiciário no processamento dos casos de


violência doméstica contra as mulheres, as ONGs feministas passaram a
estudar a possibilidade de recorrer a instâncias internacionais de proteção
de direitos humanos para denunciar a impunidade e a omissão do Estado
brasileiro na prestação da Justiça, bem como para fazer valer os direitos
humanos das mulheres. Na segunda metade da década de 1990, dois
casos foram encaminhados à Comissão Interamericana de Direitos

80 ANDRADE, Vera Regina Pereira. Violência sexual e sistema penal: proteção ou duplicação da
vitimação feminina. Revista Sequência, Florianópolis, nº 33, dez. 1996. p.88
81 ANDRADE, 1996, loc. cit.
33

Humanos: o caso Márcia Leopoldi, em 1996; e o caso Maria da Penha, em


1998.82

Nisto, acrescenta-se o engajamento internacional legislativo, com a realização


e promulgação de convenções, bem como a promulgação da própria Constituição
Federal da República de 1988, e a criação e especificação de normas
infraconstitucionais de combate às diversas formas de discriminação contra mulher,
igualmente à criação de defensorias públicas83, em especial o incremento da rede de
enfrentamento à violência contra as mulheres, em que:

(...) diz respeito à atuação articulada entre as instituições/serviços


governamentais, não-governamentais e a comunidade, visando ao
desenvolvimento de estratégias efetivas de prevenção; e de políticas que
garantam o empoderamento das mulheres e seus direitos humanos, a
responsabilização dos agressores e a assistência qualificada às mulheres
em situação de violência.84

Cita-se também como exemplo a criação do “Ligue 180” em 2005, pela


Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR),
que se tornou a principal referência na rede de enfrentamento de violência, e
também na elaboração de políticas públicas, onde de igual forma, escancarou os
índices alarmantes de violência sofridas pelas mulheres, e posterior, cita-se o marco
legislativo em termos das trajetórias de luta feminista com a consolidação e
publicação da Lei Maria da Penha, em 2006.
A própria Lei Maria da Penha, mesmo com seus pontos positivos e negativos,
em todos estes anos de vigor, demonstrou-se a melhor escritora em reescrever as
linhas da antiga história de “briga de marido e mulher não se mete a colher”, pois
com a visibilidade oferecida em seu ainda precário sistema de proteção, foi e tem
sido a principal responsável na vida de muitas mulheres, em oferecer o único refúgio
em termos de proteção estatal, como expõe Campos e Carvalho:

A Lei Maria da Penha é considerada pelas Nações Unidas um exemplo de


legislação efetiva para o tratamento da violência doméstica contra mulheres.
Dentre inúmeros motivos, o acolhimento no corpo da Lei dos tratados
internacionais de direitos humanos das mulheres, a conceituação da

82 SANTOS, Cecília MacDowell. Direitos humanos das mulheres e violência contra as mulheres:
avanços e limites da Lei “Maria da Penha”. Disponível em:
http://www.londrina.pr.gov.br/dados/images/stories/Storage/sec_mulher/legislacao/texto_direitoshuma
nos_violencia.pdf. Acesso em: 15 ago. 2017.
83
CF: Lei Complementar nº 80, de 12/01/1994
84 Trecho informativo sobre a Secretaria de Políticas para as Mulheres retirado do site

governamental: Portal do Planalto, disponível em:


<http://sistema3.planalto.gov.br//spmu/atendimento/atendimento_mulher.php>. Acesso em
03/08/2017.
34

violência contra mulheres com o uma violência de gênero e a perspectiva de


tratamento integral.85

Destaca-se que em termos de legislação, a Lei Maria da Penha é posterior


a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra
Mulher, de junho de 1994, que ficou conhecida como Convenção de Belém do Pará,
em que determina “violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no
gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher,
tanto na esfera pública como na esfera privada” (artigo 1°), e atribui tal violência
como violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, tendo como
objetivo erradicar, punir e combater a violência contra mulher a nível mundial.
Não é a intenção deste trabalho, diminuir ou desestimar nenhuma das
conquistas do movimento feminista, que muito caro custaram e merecidamente
foram consolidadas, afinal foi o feminismo das últimas décadas o principal propulsor
das lutas e conquistas históricas das mulheres, como expõe Campos e Carvalho:

Nesses quarenta anos de luta, importantes progressos podem ser


percebidos. Dentre os mais significativos, é possível citar (a) a criação de
Delegacias Especializadas no Atendimento a Mulheres (DEAMs) e sua
incorporação como política pública; (b) a reforma da legislação com a
inclusão da violência doméstica como circunstância agravante ou
qualificadora de crimes, sobretudo nos de lesão corporal; e
consequentemente (c) a mudança na interpretação doutrinária e
jurisprudencial dos crimes praticados com violência doméstica; (d) a
alteração na interpretação doutrinária e jurisprudencial da tese da legítima
defesa da honra nos crimes de adultério; (e) a revogação de inúmeros tipos
penais discriminatórios, como os crimes de atentado violento ao pudor, de
atentado violento ao pudor mediante fraude, de sedução, de rapto violento
ou mediante fraude e de rapto consensual, inclusive a revogação do próprio
delito de adultério; (f) a modificação na redação do crime de estupro,
englobando a anterior tipicidade do atentado violento ao pudor; (g) a
revogação do dispositivo que permitia a extinção da punibilidade com o
casamento da vítima com seu ofensor nos crimes sexuais. Por outro lado,
(h) a definição de inúmeras medidas protetivas, como o afastamento do
cônjuge violento do lar, colaborou para fomentar uma nova cultura jurídica
no que diz respeito à violência contra mulheres e meninas no Brasil. 86

Outrossim, nítida sua contribuição no enfrentamento da violência de gênero e


na abertura dos espaços hoje considerados públicos, na visibilidade das absurdas
situações de violência que ocorriam somente nos espaços considerados privados e
que hoje, definitivamente se entende como um problema público que precisa ser
encarado pelo Estado e combatido por todos, de maneira que:

CAMPOS; CARVALHO, 2011, p. 144.


85

CAMPOS; CARVALHO, 2011, p.143.


86
35

O condicionamento histórico foi o processo de desocultação da violência


contra a mulher e de politização do espaço privado (doméstico) levado a
cabo pelas lutas feministas. (...). Foi o feminismo que desvelou múltiplas
formas de violência contra a mulher, captando-a em toda a sua extensão
(sentido amplo): desde a violência simbólica cotidiana, das
microdiscriminações até a macroviolência física, mutiladora, monumental.
Denunciando, trazendo a público e, portanto, publicizando e politizando
lágrimas e sangue que rolavam silenciosos no vasto espaço privado da dor
feminina, mulheres de todas as idades, etnias e status social deflagraram
um processo que está em curso, com consequências ainda inimagináveis. 87

Porém, ao compreender a urgência de mudanças drásticas para o


enfrentamento da violência de gênero, a qual o movimento feminista é a principal
forma de resistência, e apresentando suas condições de combate, o Estado se
tornou o cenário e o direito penal seu palco. Conforme afirma Carmen Hein Campos:

Ao detectar, por um lado, a ausência ou ineficácia do direito penal na


proteção das mulheres ‘vítimas’ e, por outro, as preconceituosas
interpretações doutrinárias e jurisprudenciais, as feministas exigiram
mudanças legais e interpretativas. Desta forma, passaram a trabalhar por
reformulações legislativas visando uma maior proteção penal às mulheres88.

Por conseguinte, o movimento feminista semelhante a uma moeda, adquiriu


duas faces: por um lado, num primeiro momento, a tendência ao minimizar o sistema
penal e descriminalizar condutas tipificadas como crime, e de outro, mostrando seu
lado mais amargo, numa segunda virada do que tem se mostrado sua face mais
expressiva, angaria forças para o fortalecimento do punitivismo, da criminalização, e
da criação de mais tipos penais, de modo que, ao tentar combater a violência
contribui para a continuação de um ciclo de violência estatal, que caracteriza o que
Vera Regina da Andrade chamou de “dupla via” do movimento, segundo a autora:

O feminismo brasileiro se insere num processo de dupla via e, portanto,


ambíguo. Por um lado, demanda a necessidade de uma ampla revisão dos
tipos penais existentes, defendendo a descriminalização de condutas hoje
tipificadas como crime (aborto, posse sexual mediante fraude, sedução,
casa de prostituição e adultério, entre outras), e a redefinição de alguns
crimes, especialmente o estupro, propondo o deslocamento do bem jurídico
protegido (que o estupro seja deslocado de 'crime contra o costume' como o
é hoje para 'crime contra a pessoa') com vistas a excluir seu caráter sexista.
Por outro lado, demanda o agravamento de penas no caso de assassinato
de mulheres e a criminalização de condutas até então não criminalizadas,
particularmente a violência doméstica e o assédio sexual 89.

87 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máximo X cidadania mínima: códigos da
violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.112.
88 CAMPOS, Carmen. Op., cit ., p. 18.
89 ANDRADE, 2003, p.110.
36

Maria Lucia Karam demonstra que esta conjuntura em criminalizar condutas, se


socorrer do direito penal e utilizá-lo como arma política para o enfrentamento de
violências, verifica-se como tendência dos novos movimentos sociais, é um rosto do
que a autora apelidou de “esquerda punitiva”90.

Desejando e aplaudindo prisões e condenações a qualquer preço, estes


setores da esquerda reclamam contra o fato de que réus integrantes das
classes dominantes eventualmente submetidos à intervenção do sistema
penal melhor se utilizam de mecanismos de defesa, frequentemente
propondo como solução a retirada de direitos e garantias penais e
processuais, no mínimo esquecidos de que e a desigualdade inerente à
formação social capitalista que, lógica e naturalmente, proporciona àqueles
réus melhor utilização dos mecanismos de defesa, certamente não se
resolveria com a retirada de direitos e garantias, cuja vulneração repercute
sim — e de maneira multo mais intensa — sobre as classes
subalternizadas, que vivem o dia-a-dia da Justiça-Criminal, constituindo a
clientela para a qual esta prioritariamente se volta.

A própria criminalização da homofobia, que surgiu como projeto de lei em 2006,


de autoria da Deputada Iara Bernardi, serve de exemplo de como os movimentos
tem avançado nesta direção em criminalizar condutas e utilizar o sistema penal para
enfrentar as diferentes formas de violência.
Ainda assim, torna-se perigoso/arriscado em termos teóricos relacionar
diretamente o feminismo com “a esquerda punitiva”, reduzindo um grande
movimento numa só perspectiva atribuída à vertente política de esquerda, pois,
conforme fora citado anteriormente, há diferentes linhas e vertentes, tanto da
criminologia como do feminismo. Se por um lado, há algumas alas que inclinam por
esta perspectiva punitivista, há outras que tencionam para o movimento
abolicionista, garantista, ou do direito penal mínimo, e ignorá-las, ou trata-las como
se fossem uma só, é o mesmo que produzir um reducionismo teórico ou tratar um
tema complexo de forma genérica, a qual não foi originalmente a ideia da renomada
autora, como muitos tem reproduzido sem o devido cuidado.
Porquanto, ainda que por um lado, nos primórdios do feminismo, verificada
uma indispensável contribuição marxista, este primeiro se referência as mulheres
enquanto trabalhadoras em suas organizações dentro dos movimentos dos
trabalhadores e também ativas da revolução socialista, e por outro lado o feminismo
liberal, atribuído ao movimento liberal em alusão ao movimento sufragista, é
marcado por europeias-ocidentais e estadunidenses, onde ambos movimentos são
considerados pioneiros nas lutas das mulheres, e marcados com um viés de classe,

90 KARAM, Maria Lucia. A esquerda punitiva. Discursos Sediciosos, v. 01, 1996.


37

e nisto percebe-se: ao relacionar somente entre estas duas correntes, que ainda
eram as primeiras à época, não seria possível atribuir uma única vertente política,
tão menos, com propriedade tentar encaixa-las no que se entende hoje por
esquerda e direita.
Exemplarmente, talvez por raiz ideológica se atribuiria o feminismo marxista
com os movimentos de esquerda, pois, os movimentos de ruptura, considerados
revolucionários, de qualquer modo, dificilmente seriam atribuídos à direta ou ao
conservadorismo, porém, como demonstrado, o próprio desenvolvimento do
movimento é complexo e se deu abalizado por vertentes distintas, desde termos
históricos, percebe-se esta confusão em tentar diferenciar ou delimitar, visto que o
próprio movimento das sufragistas (ou sufragettes), caracterizava-se por mulheres
brancas e burguesas oriundas de países capitalistas, e por outro lado, o feminismo
marxista era marcado pelo movimento das trabalhadoras e da tradição socialista, em
que possuía como expoentes nomes como o de Rosa Luxemburgo, Clara Zétkin e
Alexandra Kollontai.
Explica-se: o movimento ainda numa primeira guinada, desenvolvia-se em
ambas perspectivas, tanto das sufragistas como na tradição socialista. Na América
Latina, quando ele começa a se desenvolver, no que quase viria a ser chamado de
“Segunda Onda”, ele já chega com esta perspectiva à esquerda, pois, como elucida
Marília Moschkovich:

No caso do Brasil e de outros países da América Latina, o feminismo já


chega pelos grupos de esquerda. A feminista brasileira mais conhecida,
Patrícia Galvão (Pagu), por exemplo, era ligada ao Partido Comunista. O
movimento feminista e os movimentos de mulheres, em geral, no Brasil,
foram fomentados nos espaços da esquerda comunista e socialista ao longo
do século XX, e mantiveram uma relação estreita com a causa operária e
dos trabalhadores. Isso não significa, porém, que todas as feministas sejam
necessariamente de esquerda.91

Assim, ressalta-se a afirmativa da autora: “Isso não significa, porém, que


todas as feministas sejam necessariamente de esquerda”. Porque com o próprio
enriquecimento dos estudos feministas, as diversas vertentes foram oferecendo
abordagens por diferentes alas políticas, e aqui se destaca o fato da dicotomia
esquerda e direita não se encaixar da maneira como se espera ou separar como se

91MOSCHKOVICH, Marília. O feminismo de esquerda e o liberal. São Paulo, 13 de maio de 2014.


Disponível em < https://outraspalavras.net/posts/o-feminismo-de-esquerda-e-o-liberal/>. Acesso em
08/08/2017.
38

antagônicas fossem, diante da impossibilidade de demarcar estas em linhas


perfeitas dentro do complexo e imperfeito movimento feminista.
Se assim fosse, como na lógica anterior “da esquerda punitiva” e continuasse
por uma leitura superficial, talvez atribuiríamos esse cunho punitivista do movimento
feminista aos próprios movimentos da extrema direita, ao relembrar que o caminho
da repressão nasce do chamado movimento lei e ordem, visto que, “o movimento da
lei e ordem (law and order) é a mais clara manifestação penal do modelo neoliberal,
dos movimentos de extrema direita. É “velha megera Direita Penal”, na expressão de
Karam”.92
As pautas se confundem, se misturam, e estas são tendências que se
verificam não só no interior nos movimentos sociais, como aos olhos da camada
mais espessa e visível da própria conjuntura política e econômica brasileira, principal
e atualmente neste cenário “pós-golpe”, onde partidos, que por ideologia deveriam
ser diferentes, afastam-se de suas raízes e se curvam ao modelo neoliberal, de
maneira a sacrificarem os próprios dedos em nome das alianças.
Feita estas observações, volta-se a atenção para o enredo em que os
discursos nos colocam. Se por um lado, há o temor da expansão do direito penal,
por outro, há o alarme dos índices de violência contra mulheres. Basicamente, com
as construções narrativas feitas até aqui, observa-se uma divergência de posições
doutrinárias que giram em torno do paradoxo do enfrentamento da violência de
gênero e o reforço do punitivismo, entre a criação de tipos penais e o aumento de
penas versus a necessidade de mudanças legislativas e posição institucional para
combater a violência de gênero.
Em linhas gerais, diante desta necessidade de mudanças, o movimento
feminista seguiu – ou foi levado? – pelo caminho institucional e avançou numa
aliança com o direito penal exigindo respostas estatais legislativas e mudanças de
ordem institucionais, motivo este que nos leva, com foco no tema abordado, analisar
a lei 13.104/15, conhecida como Lei do Feminicídio, e sua receptividade no
ordenamento.
Esta por sua vez, foi razão de muitas divergências entre juristas, seja entre
conservadores e progressistas, como entre estudiosas (os) da criminologia crítica e
da criminologia feminista. As diferentes vertentes sinalizam uma “rachadura” teórica,

LOPES JR, Aury. Fundamentos do Processo Penal / Introdução Crítica. 2ª Ed. – São Paulo:
92

Saraiva, 2016, p.47.


39

onde ambos discursos por vezes se chocam, e em outros momentos se


complementam, o que justifica a presente exposição e futura análise da lei, para no
meio desse embate, tentar tecer as devidas e possíveis ponderações.

Capítulo 3 – FEMINICÍDIO (Lei 13.104/2015)

Indispensável notar que, o termo violência de gênero, só começa a abarcar a


violência feminicida a partir dos anos 200093:

A violência de gênero é a violência misógina contra as mulheres pelo fato


de serem mulheres, situadas em relações de desigualdade de gênero:
opressão, exclusão, subordinação, discriminação, exploração e
marginalização. As mulheres são vítimas de ameaças, agressões, maus-
tratos, lesões e danos misóginos. As modalidades de violência de gênero
são: familiar, na comunidade, institucional e feminicida. 94

Nítido se faz notar que a Lei Maria da Penha (2006) foi a grande responsável
por trazer ao espaço público o debate e a visibilidade do problema da violência
doméstica e familiar, entretanto, mesmo com o reconhecimento social a nível
internacional do problema:

são poucas as informações que dão conta de descrever como os homicídios


de mulheres ocorrem e, principalmente, como o sistema de justiça criminal
lida com essas mortes. Até mesmo a magnitude desses episódios fica
prejudicada em função da inexistência de uma classificação que permita
distinguir, entre os assassinatos de mulheres, aqueles que ocorrem em
razão do gênero.95

Enquanto para os homens as violências se dão em espaço público, onde


comumente é praticada por outro homem, para as mulheres, as maiores agressões
vêm do âmbito privado, do seio familiar, sendo elas vítimas dos próprios
companheiros, maridos, namorados, não à toa o fato de um terço dos óbitos de
mulheres entre 2003 e 2007 ter ocorrido em domicílios. 96 Para complementar, a
própria Lei Maria da Penha, a partir dos dados coletados, ilustra tais afirmações:

Dos relatos de violência no período apontado (2006-2010), os dados


revelam que os agressores são, na sua maioria, os próprios companheiros,
fato que reforça a tese histórica demonstrada pelo movimento feminista e

93 CAMPOS, 2015, p. 105.


94 LAGARDE, 2007, p. 33, apud Campos, C. H, 2015, p. 105
95 BRASIL, Ministério da Justiça; A violência doméstica fatal: o problema do feminicídio íntimo

no Brasil (Cejus-SRJ-MJ/FGV, 2015). Secretaria da Reforma do Judiciário, Brasília, 2015. p. 12.


96 MENEGHEL, Stela Nazareth; HIRAKATA, Vania Naomi. Femicídios: homicídios femininos no

Brasil. Rev. Saúde Pública, São Paulo , v. 45, n. 3, p. 564-574, Jun. 2011. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
89102011000300015&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 23/08/2017.
40

comprovada pela criminologia feminista de que a violência contra a mulher é


fundamentalmente violência praticada por pessoas próximas e não por
desconhecidos – embora esta seja a imagem deflagrada nas campanhas de
pânico moral, sobretudo em relação aos crimes sexuais (estupro).

Para Soraia da Rosa Mendes,

(...) o feminicídio ou femicídio carrega em si a compreensão de que a morte


de mulheres em dadas circunstâncias é um fenômeno que está
intrinsicamente relacionado aos papéis socioculturais a elas designados ao
longo do tempo, e que pode ocorrer de diversas formas, incluindo
assassinatos perpetrados por parceiros íntimos, com ou sem violência
sexual, crimes em série, violência sexual seguida de morte, ou mesmo o
extermínio.97

Como fora mencionado nos capítulos anteriores, a violência contra mulher


não se limita nas relações privadas, ela se infiltra numa complexa estrutura patriarcal
de desigualdade, envolvendo a esfera institucional – estatal, onde o direito funciona
como um dos principais mecanismos de poder e opressão.
Considerando que o direito é um campo de disputas, ou um instrumento de
dominação e poder (como defende Foucalt), e oferecendo também, uma referência
em termos de teoria jurídica feminista, direciona-se os estudos de Carol Smart, que
a respeito do direito aponta três acondicionamentos: “primeira, segundo a autora, é a
de que o direito é sexista, a segunda, de que o direito é masculino, e a terceira, a de
que o direito é sexuado”98. Nestes moldes, significa dizer que:
Em comparação com o ponto de vista anterior (direito sexista) essa análise
sugere que, quando um homem e uma mulher estão perante o direito, não é
que o direito falhe ao aplicar critérios objetivos quando decida um assunto
feminino, mas que a aplicação da “objetividade” jurídica é masculina. Insistir
na igualdade, na neutralidade e na objetividade é, ironicamente, aceitar que
as mulheres sejam julgadas por valores masculinos.99

Neste trajeto a autora sugere que o direito pode ser um lugar arriscado como
arena de disputas, porém também pode ser “mais que um instrumento, um terreno
de conflito, de modo a ser visto não somente como instância que proíbe e censura,
mas também como um discurso produtor de lugares e posições de gênero”100.
Entretanto, quando se analisa a situação em que se encontra o poder instituído no
direito, considerando ser um sistema fechado que se concretizou pelo

97 MENDES, S. R. Feminicídio não é motivo fútil, tampouco populismo penal. Consulex: Revista
jurídica, Brasília, v. 19, n. 439, maio 2015., p. 26-28.
98 SMART, 1999., apud MENDES, 2012, p.203.
99 Idem, ibidem.
100 MENDES, 2012, p.206.
41

androcentrismo, há de se ter o cuidado ao fazer seu uso, tanto como instrumento,


como objeto de investigação.

Como entende Smart, os objetivos da investigação mudam. Não se trata de


buscar um direito que transcenda o gênero, mas de uma análise de como o
gênero opera no direito e como o direito contribui para produzir o gênero. O
direito não se define como o sistema que pode impor a neutralidade sobre o
gênero, mas como um dos sistemas produtores não somente da diferença
de gênero, mas também da subjetividade e identidade a que o indivíduo
está vinculado e associado.101

No campo das estratégias feministas,

Para Camila de Magalhães Gomes, é possível utilizar o direito penal como


instrumento legítimo, dentro da própria estratégia política do feminismo: “a
ideia é desconstruir o gênero no sentido amplo e no específico, dentro do
direito penal, a partir de uma criminologia feminista”.102 Assim sendo,
criminalizar o feminicídio seria uma tática de uma vertente criminológica
feminista, a partir da qual diversas providências de prevenção e erradicação
da violência contra a mulher devem ser tomadas, sendo a persecução penal
a última delas, caso o crime não seja evitado.103

Deste modo, em convergência com o sentido deste trabalho, aposta-se no


uso do direito como um instrumento de luta, de visibilidade, de tomada de posição,
de mudança, representatividade e local de poder, onde, sendo auxiliado pelas
teorias feministas, pretende-se utilizar do “giro epistemológico’ em prol dos direitos
das mulheres para a promoção da igualdade.
Apesar desta busca pela igualdade, constata-se haver críticas à lei no sentido
de violação da igualdade formal, argumentação repetida usada anteriormente na Lei
Maria da Penha para uma parte de juristas, por entenderem que haveria um trato
desigual. Sobre o assunto, o próprio STF já se pronunciou sobre igualdade formal e
material, e como expôs Salo de Carvalho e Carmen H. Campos sobre a Lei Maria da
Penha, acredito que o mesmo se repete para a lei do feminicídio (com o detalhe que
o crime em questão se trata de um extremo da violência de gênero):
trata-se de tese argumentativamente débil, que tende a ser refutada pelos
Tribunais Superiores, em razão de ser comum na experiência legislativa
nacional pós-Constituição de 1988 a incorporação de instrumentos
normativos que podem ser considerados como de efetivação positiva da
igualdade material, ainda que impliquem, aparentemente em desigualdade
formal (p. ex. Estatuto do Idoso e Estatuto da Criança e do Adolescente, no
que tange ao fator etário, e Lei que define os crimes resultantes de
preconceito de raça ou de cor, no que diz respeito à questão racial e
étnica).104

101 MENDES, 2012, p.205.


102 GOMES, 2003, p.5, apud DE LIMA, 2016, p. 10.
103 Idem, 2016.
104 CAMPOS; CARVALHO, 2011, p.145.
42

3.a) O que não tem nome não existe

No direito elaborado pelas decisões proferidas pelos tribunais, o que ocorre é


quase uma banalização da violência de gênero objeto deste estudo, quando se trata
por exemplo, de crimes envolvendo agressões pelos companheiros, justifica-se com
“impelido por relevante valor social ou moral; sob domínio de violência emoção”,
aplicando-se causas especiais de diminuição de pena, ou de homicídio privilegiado,
há inclusive na doutrina o reconhecimento do “homicídio passional”, isso quando os
magistrados não se dissolvem e/ou se dividem entre motivo fútil ou torpe
Como o próprio nome do subcapítulo anuncia, em alusão ao trabalho
produzido por Luiz Flávio Gomes105, uma das justificativas do projeto de Lei do
Feminicídio, foi o tratamento institucional dado a partir de jurisprudências e
divergências doutrinárias à natureza jurídica do ciúme.

Na jurisprudência se sabe que o ciúme predominantemente não é


considerado motivo torpe (assim, Rogério Greco e Cézar Bitencourt). Num
julgado de 30/7/15 o TJRS decidiu, no entanto, em sentido contrário (é
motivo torpe). No STF (HC 107.090) o ciúme foi tido como motivo fútil
(decisão de 18/6/13) (...). O ciúme implica o sentimento de posse,
submissão e opressão. Logo, é motivo torpe: TJSP, decisão de 19/4/15.
Nesse mesmo sentido: TJRS, decisão de 29/4/15.

(...) Para se ter uma ideia da flexibilidade jurisprudencial, o STJ, em 21/5/14,


decidiu o seguinte: o ciúme pode ser torpe ou fútil, tudo depende de cada
caso concreto. O ciúme pode ser motivo fútil ou torpe e o juiz não pode
excluir essa possibilidade na pronúncia (STJ 2/6/15 e 21/5/13). No mesmo
STJ já se tinha decidido, no entanto, que o ciúme não constitui nem motivo
torpe nem motivo fútil: STJ, 28/8/10. 106

No recorte jurisprudencial feito acima, e seguindo na mesma direção, aponta-


se o que a própria criminologia feminista identificou sobre o sistema penal
androcêntrico em duas diferentes ocasiões, numa chamada “dupla violência contra a
mulher”, em que:

Em um primeiro momento, invisibiliza ou subvaloriza as violências de


gênero, ou seja, as violências decorrentes normalmente das relações
afetivo-familiares e que ocorrem no ambiente doméstico, como são a
grande parte dos casos de homicídios, lesões corporais, ameaças, injúrias,
estupros, sequestros e cárceres privados nos quais as mulheres são
vítimas. No segundo momento, quando a mulher é sujeito ativo do delito, a
criminologia feminista evidenciou o conjunto de metarregras que produzem

105 Cf: GOMES, Luiz F. Feminicídio: O Que Não Tem Nome Nem Identidade Não Existe. Rio de
Janeiro, v. 19, n. 72, p. 191 - 202, jan. -mar. 2016.
106 GOMES, 2016, p. 193.
43

o aumento da punição ou o agravamento das formas de execução das


penas exclusivamente em decorrência da condição de gênero. 107

Basicamente, quando se trata de normas jurídicas, nos casos concretos se


adapta o que melhor entende os magistrados, e nas justificativas da técnica e a
neutralidade, o que se nota é uma vazio jurisprudencial e ausência injustificada de
argumentos que preencham as lacunas abertas pela perspectiva do gênero,
“segundo Mackinnon (Catherine), os conceitos de neutralidade e objetividade
celebrados no direito são valores masculinos, embora sejam adotados como se
fossem valores universais”108.
Assim, “(...) o que acaba de ser retratado constitui violência de gênero, porém,
isso não é reconhecido nem nas sentenças nem nos acórdãos dos tribunais. O que
não tem nome fica invisível e não existe”109. Apesar da afirmação, esta não é uma
novidade nos estudos de gênero, visto que as próprias teorias feministas
denunciaram e ainda denunciam tal situação, tanto da violência de gênero, como as
prerrogativas do direito, enquanto campo da ciência construído na modernidade, e
sua aplicação por meio dos requisitos como ‘racionalidade, neutralidade, e
imparcialidade”, como reforça Campos, “ é importante lembrar que a teoria feminista
forneceu uma das mais relevantes críticas ao estatuto das ciências, demonstrando
que os pressupostos de racionalidade, neutralidade e imparcialidade eram falsos e
quando aplicados ao direito (dogmática penal) (...)”110.
Então com a devida ressalva: o fato de não ter nome não impede uma
existência, mas o que é invisível, não pode ser atingido ou combatido. E o mais
grave de tudo é que, a invisibilidade mata.
Derivada das lutas de movimentos feministas, associadas a mecanismos
internacionais e regionais de proteção à mulher, a partir da década de 90, surge na
América Latina uma preocupação latente ao reconhecimento de um delito específico
que subvertesse a neutralização inerente ao Direito Penal quando observada
violência ocorrida por questão de gênero.

107 CAMPOS, Carmem Hein de; CARVALHO, Salo de. Tensões atuais entre a criminologia
feminista e a criminologia crítica: a experiência brasileira. [ed.] Carmem Hein Campos. LEI
MARIA DA PENHA comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro : Lumen Juris,
2011, p. 152
108 MENDES, 2012, p.204.
109 GOMES, ibidem, p. 193.
110 CAMPOS, 2013, p.17
44

Dezesseis países da América Latina tomaram a decisão política de tipificar


o assassinato de mulheres em determinadas circunstâncias, denominando-
o, alguns, “femicídio”, e outros “feminicídio”: Argentina, Chile, Costa Rica,
Guatemala, Honduras e Nicarágua e Panamá o denominam “femicídio”, ao
passo que Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Honduras, El Salvador,
México, Peru, República Dominicana e Venezuela o chamam “feminicídio”.
A modificação do Código Penal argentino não traz nenhuma das
nomenclaturas.111

O termo feminicídio, concebido hoje no contexto latino-americano, sofreu


alterações desde sua primeira aparição em teorias feministas nos anos 70. Há
referência à Diana Russel, no significante de “a morte de mulheres por homens pelo
fato de serem mulheres como uma alternativa feminista ao termo homicídio que
invisibiliza aquele crime letal”,112 tendo também a alusão, pela mesma autora, de ter
se utilizado o termo pela primeira vez no Tribunal Internacional de Crimes contra
Mulheres, em Bruxelas no ano de 1976113, onde posteriormente, “é redefinido por
Jane Caputti e Diana Russel (1990) como o fim extremo de um continuum de terror
contra as mulheres”114. Há também menção ao trabalho de Marcela Lagarde, “a
partir do termo femicídio (femicide) para revelar as mortes de mulheres ocorridas em
um contexto de impunidade e conivência do estado”
Observadas as diferenças conceituais trazidas por teóricas feministas, utiliza-
se aqui, num primeiro instante, do significante de feminicidio “el asesinato de
mujeres por razones asociadas con su género.”115

3.b) Mapa da violência

Com base no relatório final de 2013 produzido pela CPMI do Senado Federal,
constatou-se que a forma mais grave de violência contra mulheres, até então
alcançado apenas como homicídio, aumentou nos últimos 30 anos, segundo os
dados, “foram assassinadas no país perto de 91 mil mulheres, sendo que 43,5 mil só
na última década. O número de mortes nesses trinta anos passou de 1.353 para
4.297, o que representa um aumento de 217,6%, mais que triplicando”116.

111 MELLO, Adriana Ramos de. Feminicídio: uma análise socio-jurídica do fenômeno no
Brasil. Revista da EMERJ, v. 19, n. 72, p. 140-167, jan./mar. 2016. p. 149.
112 CAMPOS, Carmen Hein de. Feminicídio No Brasil: Uma Análise Crítico-Feminista. Sistema

Penal & Violência 7, no. 1, jan-jun. 2015, p. 105


113 Idem, 2015, et seq.
114 Idem, ibidem.
115 Conceito desenvolvido por Ana Carcedo Cabañas e Monserrat Sagot Rodríguez a partir de

definições sobre o tema encontradas em Diana Russell y Jill Radford em 1992, Cf: Diana Russel in
RADFORD, Joan. RUSSEL, Diana. Femicide: the politics of woman killing. Preface. New York, 1992.
116 BRASIL, 2013, p. 31.
45

Na pesquisa que retratava o cenário mundial em 2012, dos 84 países do


mundo, o Brasil ocupava a 7ª posição com uma taxa de 4,4 homicídios, em 100 mil
mulheres, atrás apenas El Salvador, Trinidad e Tobago, Guatemala, Rússia e
Colômbia117.
O quadro se agrava quando se analisa o número e taxas de homicídio
feminino por Unidade Federativa, em que o Espírito Santo lidera em 1° lugar com a
taxa de 9,8, seguido do estado do Alagoas com 8,3, e do Paraná com 6,8, tendo por
base estimativa a cada 100 mil mulheres.
No mapa de violência de 2015, elaborado pela Faculdade Latino-Americana
de Ciências Sociais (Flacso) se constatou um aumento de 54% em dez anos no
número de assassinatos de mulheres negras, e segundo a Organização Mundial de
Saúde (OMS), entre os 84 países avaliados, o Brasil conseguiu assumir a quinta
colocação com 4,8 mortes a cada 100 mil mulheres118.

3.c) Projeto de Lei e a tipificação do feminicídio

O projeto de Lei nº 13.104/2015 que tipificou o feminicídio foi sancionado pela


presidenta da República (Dilma Rousseff), em 09 de março de 2015, sendo o
resultado da investigação da violência contra mulher no Brasil, um estudo elaborado
pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) no ano de 2013. 119
Inicialmente, como resultado da CPMI, o projeto de 2013 continha expressões como :

“assassinato de mulheres pelo fato de serem mulheres”, ou “assassinato


relacionado a gênero”, que se “refere a um crime de ódio contra as
mulheres, justificado socioculturalmente por uma história de dominação da
mulher pelo homem e estimulada pela impunidade e indiferença da
sociedade e do Estado”.120

No projeto pioneiro inseria como qualificação do homicídio, tipificava o


“feminicídio como à forma extrema de violência de gênero que resulta na morte da
mulher” (parágrafo 7°), de maneira que, poderia se dar nas seguintes circunstâncias:

As três circunstâncias previstas na qualificadora do projeto da CPMI –


violência doméstica e familiar, sexual e mutilação ou desfiguração da vítima

117 BRASIL, 2013, passim.


118Disponível em: <http://www.onumulheres.org.br/noticias/nacoes-unidas-e-governo-brasileiro-
recomendam-diretrizes-nacionais-para-procedimentos-de-investigacao-processo-e-julgamento-de-
crimes-feminicidas/>. Acesso em 23/08/2017.
119 BRASIL. Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. Relatório final. Brasília: Senado Federal,

2013.
120
Brasil, 2013, p. 1003 apud CAMPOS, ibidem.
46

são situações dispostas em diversas legislações da região abarcando a


morte nas relações conjugais, o feminicídio íntimo (Carcedo; Sargot, 2002),
e também a violência sexual, a mutilação e desfiguração da vítima, isto é,
violências que denotariam um ódio ao feminino e desprezo pelo corpo da
mulher.121

Seguindo o trâmite, sintetizado pela douta professora Carmen Hein Campos,


observa-se que, ao chegar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), um projeto
substitutivo foi aprovado, onde “além da nova definição legal (morte por razões de
gênero) houve a inclusão de uma nova circunstância – o emprego da tortura ou de
qualquer outro meio cruel ou degradante”122, posteriormente, a Procuradoria da
Mulher do Senado Federal reduziu para duas circunstâncias, finalmente, quando
chegou na Câmara dos Deputados:

(...) a expressão razões de gênero foi substituída por razões da condição de


sexo feminino e o § 2º foi reescrito para adequar-se à nova redação, sendo
assim aprovado pelo parlamento e sancionado pela Presidenta da
República. Desta forma, a lei 13.104, de 09/03/2015 define como o
feminicídio a morte da mulher por razões da condição do sexo feminino e
estabelece que há razões de condição de sexo feminino quando o crime
envolver violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à
condição de sexo feminino.123

A redação final do texto aprovado na Câmara dos Deputados não somente


modificou o art. 121 do Código Penal ao tipificar feminicídio como qualificadora
(parágrafo 2°), quanto definiu feminicídio como: “contra a mulher por razões da
condição de sexo feminino”; e finalizou com apenas duas circunstâncias que
caracterizam tais razões: i) quando envolver violência doméstica e familiar; ii)
menosprezo ou discriminação à condição de sexo feminino. Sobre o assunto,
Carmen H. Campos analisa que:

Pode-se argumentar que essas circunstâncias não seriam necessárias, pois


hoje já são incluídas no motivo torpe. No entanto, continuariam
invisibilizadas, já que nem toda a motivação torpe tem razões de gênero.
Nesse sentido, trata-se de salientar a existência das razões de gênero
presentes na conduta feminicida.124

Com as alterações, houve também a inclusão do crime no rol dos crimes


hediondos (pena de 12 a 30 anos), e o aumento de 1/3 pena se o crime for praticado
durante a gestação, contra pessoa menor de 16 e maior de 60 anos, e/ou na
presença de descendente ou de ascendente da vítima.

121 CAMPOS, 2015, p.107.


122 Idem, ibidem, p.108.
123 CAMPOS, ibidem, loc. cit.
124
CAMPOS, ib., et seq.
47

Como observa Carmen Campos, “o aumento da pena nessas circunstâncias,


em verdade, expandiu a proposta original da CPMI de dar visibilidade a conduta
feminicida e incrementou o poder punitivo”125, de maneira que, no sentido de dar
mais visibilidade seria mais vantajoso manter as propostas originárias que se
perderam no trâmite do projeto, ponto em que se concorda com a autora quando
afirma que, “desta forma, estaria mais consoante às premissas de um direito penal
mínimo ou de mínima incidência punitiva”126.

3.d) Invisibilidade do gênero e o nomen juris

“No presente a mente, o corpo é diferente/


E o passado é uma roupa
que não nos serve mais”
– Antônio Carlos Belchior127.

Como se percebe na redação da lei, a expressão razões de gênero, por


pressão da bancada evangélica no Congresso, acabou sendo substituída para: “por
razões da condição de sexo feminino”, ou seja, ignorando os estudos de gêneros e
excluindo a aplicação da identidade de gênero, o que representa um retrocesso de
origem teórica que possui efeitos práticos deploráveis.
No caso das mulheres trans, por exemplo, ignora sua principal reivindicação:
o reconhecimento enquanto tal. Detalhe: isso no país que mais mata pessoas trans
e gênero-diversas no mundo, segundo pesquisa realizada pela rede europeia
Transgender Europe (TGEU)128.
É notório que o ordenamento brasileiro abrange as noções de gênero social,
ou seja, construído socialmente e não estabelecido somente pelo sexo biológico, o
reconhecimento da identidade de gênero é um exemplo desta afirmação. Desde
2010, nas esferas do serviço público, onde foram aplicados pioneiramente no estado
de São Paulo129, e posterior, com o decreto federal nº 8.727, quando em 2016 a
legislação se estendeu nas unidades governamentais federais autorizando a

125 Idem, ibidem, p.113.


126 Idem.
127 BELCHIOR, Antônio Carlos. Velha Roupa Colorida. Álbum: Alucinação, 1999.
128 NOGUEIRA, S., ARAUJO, T. CABRAL, E. A. (Orgs.). Dossiê: A Geografia dos Corpos das

Pessoas Trans. RedeTrans Brasil, 2017. p. 42 Disponível em:


<http://redetransbrasil.org/uploads/7/9/8/9/79897862/redetransbrasil_dossier_1.pdf> Acesso em
23/08/2017.
129 Decreto municipal nº 51.180/2010 e decreto estadual nº 55.588/2010.
48

população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) a utilizar do


nome social, caracterizando a abertura legislativa in práxis para a perspectiva de
gênero.

Para Monique Wittig a categoria ‘sexo’ é uma imposição forçada, um nome


que escraviza. O sexo enquanto categoria (de linguagem) “projeta feixes de
realidade sobre o corpo social” que não são facilmente descartáveis,
“carimbando-o, moldando-o violentamente”. Para a autora, o sexo é
discursivamente produzido e difundido por um sistema de significações
opressivo para as mulheres, os gays e as lésbicas, razão pela qual a tarefa
política é derrubar o discurso sobre o sexo, subverter a gramática que
institui o gênero – ‘o sexo fictício’ – como atributo essencial dos seres
humanos e dos objetos.130

Neste seguimento, a Lei Maria da Penha também recebeu interpretação


extensiva para abarcar as mulheres trans, apesar de ainda estar em trâmite na
Câmara dos Deputados o projeto de lei que amplia na Lei Maria da Penha à
proteção para transexuais e transgêneros (PL 8032/2014 – da autoria de Jandira
Feghali), entendimentos jurisprudenciais alcançaram o conceito de gênero, nas
palavras da renomada autora Maria Berenice: “(...) também passou a se reconhecer
na Maria da Penha pessoas travestis e transexuais, já que as que têm identidade de
gênero do sexo feminino estariam ao abrigo da lei”131.
Quando se tratar do feminicídio, tal redação além de produzir uma exclusão
das pessoas transexuais, pode gerar equívocos na aplicação da lei. O crime possui
sujeito passivo – mulher –, no entanto, não estabelece sujeito ativo. No caso da Lei
Maria da Penha, jurisprudencialmente ela também se aplica nas relações
homoafetivas em que sujeitos ativos podem ser também mulheres, e há também
decisão no sentido do sujeito passivo poder ser homem homossexual.
No feminicídio, ao supor que uma pessoa trans, do sexo biológico masculino
e que se apresenta como gênero feminino, tenha sua vida ceifada num contexto de
violência doméstica e familiar, não se aplicaria a qualificadora do feminicídio, por
outro lado, na situação oposta, se uma pessoa trans de sexo biológico feminino e de
gênero masculino for vítima desta violência, aplica-se o feminicídio.
Por estes aspectos, o que evidencia é um atraso legislativo, característico do
Congresso Nacional eleito em 2014, considerado o mais conservador desde 1964132,

130 WITTIG, Monique apud CAMPOS, ibidem, p.110.


131 MUNIZ, Mariana. Lei Maria da Penha protege mulher trans alvo de violência. Jun, 2017.
Disponível em: <https://jota.info/justica/lei-maria-da-penha-protege-mulher-trans-alvo-de-violencia-
06062017> Acesso em 24/08/2017.
132 Segundo levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
49

onde somente à bancada evangélica, a qual influenciou diretamente na alteração do


texto da lei, elegeu 52 parlamentares, contando atualmente com 196 integrantes,
enquanto a bancada dos direitos humanos resiste com 24 deputados133. Esta
situação reflete um aspecto negativo da lei, e sobretudo, um postulado que não
condiz com o direito penal moderno. Basicamente, como dizia na canção popular,
“eles venceram e o sinal está fechado pra nós, que somos jovens”.
Por outro lado, a tipificação deu o nomen juris para uma violência específica,
atribuindo uma qualidade não somente jurídica, como política. Na esteira do
“pessoal é político”134, importante destacar tal caráter trazido ao termo na atribuição
de responsabilidade estatal à segurança da vida das mulheres, visto que, o
feminicídio “remete à forma extrema de violência de gênero contra a mulher, ou seja,
a violência fatal: produto final de uma série de condutas misóginas, como maus-
tratos físicos, psicológicos, sexuais e familiares”135.

Desta forma, os projetos de lei (da CPMI e seus dois substitutivos) e a lei
aprovada objetivaram dar um nome jurídico - feminicídio – a uma conduta
que expressa a morte violenta com características ou contextos especiais,
que em geral, não são observadas em mortes masculinas. Assim sendo,
nominar juridicamente o feminicídio como a morte por razões de gênero foi
uma demanda feminista de reconhecimento da especificidade dessas
mortes. Portanto, o nomen juris através da tipificação penal reflete o
reconhecimento político-jurídico de uma violência específica que é também
uma violação dos direitos humanos das mulheres.136

Percebe-se: não se trata de ocultar as mortes enfrentadas pelos homens, mas


de atribuir visibilidade as mortes sofridas pelas mulheres que, por se inserirem num
complexo sistema que às colocam em situação de inferioridade com relação ao sexo
masculino, encaram situações distintas, violências específicas, pelo simples fato de
serem mulheres (cita-se como exemplo: mutilação genital, heterossexualidade
forçada, “estupro corretivo” sofrido pelas mulheres lésbicas, incesto, abuso sexual,
aborto forçado, etc.), e que, quando chega no crime tipificado como feminicídio, é
porque não há mais violências a serem perpetuadas, pois se atingiu a última etapa
do ciclo de violência.

133 MEDEIROS, Étore; FONSECA, Bruno. As bancadas da Câmara. 18 fev. 2016. Disponível em <
http://apublica.org/2016/02/truco-as-bancadas-da-camara/>. Acesso em 24/08/2017.
134 MILLET, Kate. Política Sexual. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1974., apud MENDES, 2012,

p.202.
135 DE LIMA, Amanda Gabriela Gomes. Uma breve análise do feminicídio como qualificadora

penal sob a perspectiva de uma criminologia feminista. II Encontro de Pesquisas Judiciárias da


Escola Superior da Magistratura do Estado de Alagoas, 2016, p. 57.
136 CAMPOS, 2015, p.110.
50

Neste ponto, o feminicídio não aparece somente como um inverso ao


homicídio, como ele oferece visibilidade ao tema, auxilia no levantamento de
estatísticas oficiais, que por sua vez orientam a elaboração de políticas públicas e
diretrizes para o enfrentamento da violência, de forma ampla, baseada em dados e
informações que identificam especificidades conforme as diferenças, sejam elas
geográficas, econômicas, sociais, etc.
Na perspectiva da criminologia feminista e sua afirmação enquanto área
possuidora de certa autonomia, como defende Soraia da Rosa Mendes, trata-se de
estabelecer um sistema penal mínimo de garantia as mulheres, “é tanto possível,
quanto necessário, que os direitos fundamentais das mulheres sejam os fios
condutores de um programa que se construa nos marcos de um direito penal
mínimo”137
Considerando que com o feminicídio, o bem jurídico protegido é a vida, e por
toda a construção que nos traz até aqui a respeito do tema, entende-se adequado a
tipificação dada ao crime, porém, ressalta-se também, que o direito penal deve ser
sempre um instrumento utilizado em ultima ratio, sendo necessário insistir em outros
meios para contenção da violência, com formas menos “dolorosas” que o direito
penal. Neste aspecto, o que motiva adotar este, ainda como um instrumento, é a
possibilidade, por meio desta positivação e nome jurídico, de ser elaborado outros
mecanismos para enfrentar a violência contra mulheres, com a tipificação poder dar
visibilidade, e ao jogar holofotes para o respectivo crime, auxiliar nas estatísticas e
informações para identificar e analisar melhor o crime, e então desenvolver também
outros mecanismos de proteção e combate.

3.e) Efeito Simbólico

A lei do feminicídio e o nomen juris, bem como, com suas conjunturas citadas
acima, produz uma consequência direta em termos de legislação penal, que é o
efeito simbólico, segundo Carmen Campos:

A utilização simbólica do direito penal tem o condão de estender a


regulação estatal às situações que violam os direitos das mulheres e, com
isso, pretende modificar a percepção social relativa a esses problemas,
ainda que o castigo não seja efetivamente aplicado aos autores dos delitos.
Parte-se da noção de que o direito é capaz de intervir na simbologia social

137 MENDES, 2012, p.284.


51

que reproduz a supremacia masculina, criando novos valores a partir da


tipificação de determinadas condutas.138

No contraponto, sobre os efeitos simbólico da lei penal, Maria Lucia Karam é


uma das autoras que alertam para sua efetividade e consequências, e argumenta no
seguinte sentido:

Ativistas e movimentos feministas, como outros ativistas e movimentos de


direitos humanos, argumentam que as leis penais criminalizadoras têm uma
natureza simbólica e uma função comunicadora de que determinadas
condutas não são socialmente aceitáveis ou são publicamente condenáveis.
Não parecem perceber ou talvez não se importem com o fato de que leis ou
quaisquer outras manifestações simbólicas – como explicita o próprio
adjetivo ‘simbólico’ – não têm efeitos reais. Leis simbólicas não tocam nas
origens, nas estruturas e nos mecanismos produtores de qualquer problema
social. 139

Nesta linha, doutrinadores argumentam que a decorrência do simbólico é


incapaz de alterar estruturas culturais, podendo, a contrário efeito, simplificar
complexidades ao ponto de inviabilizar a visibilidade pretendida inicialmente pelos
movimentos que buscam na criminalização suas legitimações.
Como se nota, a visibilidade é um dos efeitos simbólicos que decorrem da
promulgação da lei. Este discurso sobre os reflexos do simbólico, também permeou
quando na aprovação da Lei Maria da Penha, desde seu trâmite, e quando entrou
em vigor, de modo a questionar sua efetividade. Ainda hoje há quem se propunha a
investigar exclusivamente os efeitos simbólicos desta lei, e neste sentido, entende-
se que tal lei foi um sucesso no quesito visibilidade de violência, pois promoveu um
“estouro” de denúncias na Central de Atendimento à Mulher, como aponta Campos e
Carvalho:

(...) segundo dados da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM),


entre abril de 2006 e dezembro de 2010, a Central de Atendimento à Mulher
prestou 1.658.294 atendimentos. Comparando os números desde a criação
do sistema em 2005 até dezembro de 2009, houve aumento de 1.890% de
denúncias no período. De igual forma, a Ouvidoria da Secretaria de
Políticas para as Mulheres, a partir de 2003, passou a receber denúncias
diretamente, sendo registrados 2.551 casos. (...) Assim, a criação e
ratificação de instrumentos normativos, como a Lei Maria da Penha e o
Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra

138 CAMPOS, Carmen Hein de. O discurso feminista criminalizante no Brasil: limites e
possibilidades. 141 f. (Mestrado em Direito) - Curso de Pós-Graduação em Direito, Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1998.
139 KARAM, Maria Lucia. Os paradoxais desejos punitivistas e movimentos feministas, 2015, p.

5.
52

a Mulher, contribuem muito para ampliar a visibilidade e construção de uma


nova linguagem para o enfrentamento da violência contra mulheres. 140

O efeito simbólico diante da inexistência de leis específicas que apontem a


violência de gênero, também possui efeitos atrozes, como justifica Campos:

Ademais, é cediço que a ausência de legislação penal sobre a violência


generificada tem, também, importantes efeitos simbólicos, porquanto traz a
mensagem sub-reptícia de que o corpo feminino está disponível para as
violações masculinas. Logo, não estabelecer punições aos autores dessas
condutas, ao menos no plano formal, pretere a relevância dessas violências,
legitimando as relações desiguais no âmbito doméstico e relegando a
mulher a uma posição inferiorizada à ocupada pelo patrimônio privado, por
exemplo, extensamente protegido pela legislação penal141

Por este motivo, aposta-se também com a tipificação, um aspecto positivo em


decorrência do efeito simbólico promovido pela lei, pois, através da função simbólica
atribuída ao feminicídio, o movimento feminista encontra a possibilidade de trazer às
discussões sobre a realidade da violência de gênero uma maior visibilidade quando
da prática de um crime de ódio presente em sociedades machistas, misóginas,
sexistas e homofóbicas, em outras palavras “a qualificadora tem por objetivo revelar
que em determinadas situações, a motivação do crime se dá em razão de gênero,
isto é, há condições sociais de desigualdade de gênero que envolvem o
comportamento feminicida.”142.

3.f) Divergências teóricas

Ponderadas as diferentes narrativas que abordam a respeito da violência de


gênero e que se utilizam como fundamento para analise da lei do feminicídio,
algumas com posicionamentos enquanto teoria crítica feminista, outras tecendo a luz
da criminologia feminista, ou defendendo a linha da criminologia crítica, quase
ortodoxa..., o que se constata é uma diversidade de posições doutrinárias, onde por
momentos os discursos se repelem, e em outros se atraem, e que podem ser
sintetizados em seguintes agrupamentos: i) Numa primeira linha nota-se a
tendência em ser contra qualquer criminalização de “novas” condutas, e/ou
enrijecimento de penas, por estarem “reforçando” o poder punitivo e produzirem um
efeito meramente simbólico, e aqui cita-se como referência as autoras: Vera Regina
de Andrade e Maria Lucia Karam, que muito foram utilizadas como base teórica para

140 CAMPOS; CARVALHO, 2011, p.159.


141 CAMPOS, 1998, p.53.
142 CAMPOS, Carmen Hein. Op. cit., p, 114.
53

posicionamentos contrários a lei, pelos motivos supracitados. ii) Há a justificativa


também pelo escopo “punitivista” endossar o sistema penal, a qual a crítica gira em
torno da efetividade do sistema, visto ser um espaço de “dupla violência contra
mulher” (Vera Regina de Andrade), e por ser um espaço desumano e seletivo. iii)
Em uma terceira abertura teórica, têm-se como referência o “giro epistemológico” a
partir do gênero e da construção da criminologia feminista, defendido por Soraia da
Rosa Mendes (2012), a qual sustenta um direito penal mínimo de proteção para as
mulheres, dentro das margens garantistas do direito penal iv) Há um seguimento
que insiste ainda nos postulados da igualdade formal, a qual defende cegamente
que todas as leis com cunho de efetividade de igualdade material estariam violando
o princípio normativo da Constituição, a qual teórica e jurisprudencialmente se
mostra irrelevante.
54

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não me peça que eu lhe faça/ Uma canção como se
deve/ Correta, branca, suave/ Muito limpa, muito leve/
Sons, palavras, são navalhas/ E eu não posso cantar
como convém/ Sem querer ferir ninguém.
- A. C. Belchior143

Anota-se que diferentemente da hipótese levantada no projeto de pesquisa,


os rumos dos trabalhos e dos dados levantados, levaram a outro posicionamento
que o formulado inicial, onde diante da realidade fática apostava-se num equivoco
prático e teórico na utilização do direito penal como braço do movimento feminista,
face ao contexto dos eventos estruturais negativos como: o aumento de danos para
as vítimas da violência estatal, ascensão da cultura punitivista e a ampliação do ciclo
de violência.
Pois, por primeiro, o que se constatou foi a impossibilidade de dar uma
resposta absoluta para um problema de tal complexidade, ou ao menos, um retorno
que corresponda com as verdades estabelecidas pela ciência moderna, ou nos
moldes da criminologia tradicional, visto que, como procurou se demonstrar, o
próprio nascimento da criminologia feminista vem de um terreno de conflitos
teóricos, onde a própria existência, tanto da(s) criminologia(s) quanto do(s)
feminino(s), são marcados por narrativas construídas no que se entende por “pós-
verdade”, .
Uma análise preocupada com a profundidade do tema, não teria como ter
uma resposta simples, “branca, suave, muito limpa, muito leve”. Por este motivo, o
que se evidencia é que a Lei do Feminicídio possui aspectos positivos, quando se
trata de tipificar, dar nome e visibilidade ao problema, e de explorar seu efeito
simbólico. Por outro lado, possui seus pontos negativos, e a lei “peca” ao dar
invisibilidade e diminuir o conceito de gênero, e aderir ao escopo punitivo incluindo
no rol dos crimes hediondos, visto que, o aumento de penas, por si só, não possui
qualquer efeito positivo ou preventivo, só aumenta o continuum de violência.
Nesta direção, pactua-se com a visão de Carmen Campos, que a lei teria sido
mais “benéfica”, ou mais próxima do objetivo do movimento feminista, se tivesse sido

143
BELCHIOR, A. C. Apenas Um Rapaz Latino-americano. Álbum: Alucinação, 1999.
55

mantido a proposta da Comissão Parlamentar do Inquérito, que abrangia a noção de


gênero, não condescendia com o aumento punitivo, e alterava as circunstâncias que
se caracterizaria tal violência.
Assim, perante a respectiva lei e no exame elaborado, o que se encontra é
um meio termo na adoção das correntes teóricas, concorda-se com a tese defendida
por Soraia da Rosa Mendes, no sentido de aplicação um sistema de proteção
mínimo para os direitos fundamentais das mulheres, em específico o bem jurídico
protegido que é a vida, e a necessidade do “giro epistemológico” para elaboração de
teorias e abordagem do tema, mas no outro momento, considerando os aspecto
negativos, adota-se uma visão “parcial” do que defende Vera Regina de Andrade e o
sistema de justiça, no quesito do aumento de penas, que isso somente duplicaria a
violência. Sem deixar de considerar a crítica feminista, na afirmação de que as
próprias bases que fundamentam esta posição de duplicação de violência no
sistema penal são formadas na visão androcêntrica tradicional da criminologia, onde
não se parte da visão das mulheres, e sim se repete a visão dominante formada
pelos homens, o que exige uma cautela ao considerar tais postulados.
Nesta abordagem, considera-se também o que explícita a autora Maria Lucia
Karam, apesar de discordar com a generalidade do termo “esquerda punitiva” e o
modo que se deu abertura para ser interpretado de forma una e unilateral ao
movimento feminista, se reconhece que é necessário buscar outros meios mais
eficazes e menos nocivos que as alianças com o direito penal, mas se tratando da
Lei do Feminicídio, e considerando o bem jurídico protegido, diminuir um problema
complexo simplesmente por “estar aumentar o poder punitivo”, não se mostra como
a resposta mais viável, e no que tange suas observações aos efeitos simbólicos não
tocarem nos problemas reais, “nas raízes”, de fato, não são somente pelos efeitos
simbólicos que se chegam nelas, mas é através deste efeito simbólico, que se
possibilita vislumbrar onde estão as raízes.
Sendo assim, o presente trabalho procurou oferecer diferentes perspectivas e
relações que contornam o tema da violência de gênero, em específico, a relação do
feminismo com o direito penal, a partir da tipificação do crime de feminicídio.
Avaliadas as diferentes posições, adota-se o que escreveu o poeta Carlos
Drummond de Andrade: “As leis não bastam. Os lírios não nascem das leis”. Ou
seja, como no sentido empregado pelo autor, a lei não declara a felicidade, ela não é
suficiente, e neste caso, referenciando a lei que foi objeto de análise, apesar dela
56

própria colocar nome num crime que significa um ponto final num ciclo de violência,
temos de vê-la como um ponto de partida, de vitória, por significar mais uma
conquista dos direitos das mulheres, ainda que tenha seus aspectos negativos, que
por sua vez, também podem ser mutáveis. Pois, diante do cenário exposto, sem
esquecer, que a lei por si só não basta e não acabará com a violência, o que se
apresenta, e se aposta, é num retorno positivo desta, ao se caracterizar como mais
um marco no enfrentamento da violência, que poderá auxiliar na localização do
problema, entendê-lo melhor, e promover mecanismos de combate.
57

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