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Porque os Processos de Melhoria Continua Dificilmente Atingem os

Resultados Esperados?

Gustavo A C Guzman, Ph.D. (UFMG) gguzman@dep.ufmg.br


Luiz Filipe Lanna Trivelato (UFMG) trivelato@dep.ufmg.br

Resumo. Este artigo argumenta que fatores de natureza ‘soft’ (intangíveis) explicam as causas fundamentais
dos principais erros cometidos durante o processo de implementação de um programa de Melhoria Continua.
Também é apontada a falta de um arcabouço teórico adequado para compreender o processo de implementação
de conceitos avançados de produção que tenham um alto grau de abstração, tal como a MC. O estudo foi
desenvolvido numa linha altamente automatizada de uma industria eletro eletrônico em Minas Gerais.
Palavras chave: Melhoria Contínua, Implementação, aspectos ‘soft’.

1. Introdução
O objetivo deste artigo é contribuir para o entendimento das razoes fundamentais que
dificultam a implementação de processos de Melhoria Continua (MC). A análise do processo
de mudança é importante porque tanto na introdução de novas tecnologias como na
implementação de novos conceitos organizacionais, os resultados operacionais atingidos são,
na maioria das vezes, aquém do esperado. Segundo Bailey (1993), entre 50% e 75% dos casos
de implementação não atingem os resultados esperados. Por outro lado, o conceito – de
origem Japonesa - de Melhoria Continua, parece não ser muito bem entendido, já que uma
serie de fatores ‘intangíveis’ que explicam o desenvolvimento e execução de atividades de
melhoria continua são normalmente ignorados em empresas ocidentais (Fruin, 1997). É
sustentado o argumento de que aspectos intangíveis de natureza ‘soft’ constituem as
principais causas dos erros cometidos durante o processo de implementação.
A evidência empírica é baseada em um estudo de caso em uma industria eletrônica localizada
em Contagem (MG). A metodologia adotada no estudo de caso foi a pesquisa-ação. Os
autores participaram como membros da equipe responsável em um programa de MC. A
evidência empírica vem de entrevistas semi-estruturadas (formais e informais), observações
dos participantes, avaliação do sistema de medição de desempenho e observação direta do
processo de manufatura. O trabalho foi desenvolvido ao longo de 18 meses com três visitas
semanais à planta.
Na seção 2, aspectos teóricos sobre o processo de implementação são revisados, e na seção 3
o estudo de caso é apresentado e na seção 4 a discussão e conclusões são apresentadas.

2. Desenvolvimento e Implementação de Processos de Melhoria Contínua


O conceito de processo de implementação pode ser melhor compreendido se desdobrado em
três aspectos (Pettigrew e Whipp, 1992):

• contexto da mudança: (e.g. taxa de desemprego, grau de atividade econômica do setor,


valor real dos salários, leis trabalhistas, entre outros);
• conteúdo da mudança: Refere-se ao equipamento, máquina, conceito ou método a
implementar. Pode ser hard (e.g. equipamento especifico com funções e parâmetros
claramente definidos), ou soft, (e.g. o conceito de estrutura organizacional ‘matricial’);
• processo da mudança: Tipo de liderança utilizado (de ‘participativo’ até ‘autocrático’) e
a velocidade da mudança (de incremental – somente em partes localizadas da empresa –
até radical – por toda a empresa) (Dunphy e Stacey, 1994).

Processos de mudança com conteúdo soft (tal como o conceito de MC) em ambientes
organizacionais dinâmicos são difíceis de serem administrados porque fatores intangíveis –
tais como premissas, valores, visões do mundo e relações de poder - são pouco
compreendidos em situações de alta instabilidade organizacional. Poder, política e mudança
organizacional estão diretamente relacionados. Mudança gera incerteza e ambigüidade.
Pessoas imaginam como seu trabalho vai mudar, como a carga de trabalho vai mudar e se o
relacionamento com colegas vai ser melhorado ou prejudicado. Em condições de alta
incerteza, quando as decisões não são estruturadas ou ‘não-programáveis’, as
escolhas/decisões chaves são resolvidas por meios políticos. Isto porque os argumentos
racionais e a evidência empírica são fracos devido às incertezas que cercam essas decisões, ou
porque ‘razão’ e ‘fatos’ não são coerentes (Buchanan e Badham, 2000).

Processos de mudança hard são mais fáceis de administrar em virtude que, normalmente, o
conteúdo da mudança é claramente definido: os inputs (e.g. matérias primas, informação,
ações humanas), os outputs (e.g. produtos/serviços em processo, informação) e os meios (e.g.
equipamento, sistema informático, pessoas com capacidade e competência bem determinada)
são perfeitamente conhecidos. Isto gera pouca ou mínima mudança nos comportamento das
pessoas, nas relações hierárquicas e de poder, na carga de trabalho e no relacionamento
interpessoal. Então, pouca resistência a mudança acontecerá (McCalmann and Patton, 1992).

Geralmente, empresas de manufatura estão orientadas para aspectos ‘hard’, porém aspectos
‘soft’ são cruciais para explicar variabilidade operacional e sucesso (ou fracasso) na
performance do negócio (Samson e Whybark, 1998; Kaufman, 1992; Guzman, 2003). No
caso de implementação de MC, isto parece ser mais verídico já que MC é um conceito ‘soft’.
Conseqüentemente faz-se necessário uma abordagem da Melhoria Contínua não somente
através de aspectos quantitativos como também qualitativos. Esses aspectos incluem a
estratégia da empresa, aspectos humanos (i.e. comportamento, o porquê as pessoas trabalham
e como são motivadas e comprometidas); aspectos políticos (quem ganha e quem perda e o
que se ganha e o que se perde); aspectos organizacionais (e.g. comunicação inter funcional,
representação, envolvimento); valores e cultura da companhia; mecanismos de coordenação
intra e inter empresas; aspectos cognitivos (e.g. linguagem comum, conhecimento); estrutura
organizacional; e entendimento da importância em fazer os conceitos congruentes com
aspectos operacionais “hard” (Buchanan e Badham, 2000; Samson e Whybark, op.cit.,
Akkermans e Aken, 1991; Beer, 2001). Quanto mais hard o conteúdo da mudança, mais fácil
o processo de implementação e vice-versa (McCalmann and Patton, 1992). Berr e Nohria
(2000) sugerem que, na realidade, os processos de mudança têm muito das duas abordagens.
Então se faz necessário integrar essas abordagens divergentes através de uma análise de trade-
offs e considerando, simultaneamente, o valor e a importância dos fatores políticos que
permeiam os processos de negociação, colaboração e ‘administração’ de conflitos que
acontecem em todo processo de mudança.

Com a finalidade de operacionalizar o presente estudo foi escolhido o arcabouço teórico de


Kotter (1997), porque nele estão sistematizadas uma série de variáveis anteriormente
mencionadas e porque facilita a descrição do processo de implementação pela sua abordagem
em ‘etapas’. Segundo Kotter (op.cit.) o processo de implementação passa necessariamente por
oito etapas:
(1) O estabelecimento de um senso de urgência é crucial para se obter cooperação. Excesso
aparente de recursos, ausência de crise, sistemas de avaliação que focam os índices de
desempenho errados são fatores restritivos para convencer as pessoas que é necessário mudar.
(2) Criação de uma coalizão administrativa. Com a finalidade de ‘fazer acontecer’, é
necessário contar com os recursos chaves que permitam convencer os outros a fazer os
sacrifícios pessoais à implementação da mudança. Posição hierárquica, conhecimento,
informação, credibilidade e liderança são os elementos necessários para realmente ‘fazer
acontecer’. Como estes elementos estão geralmente com diferentes pessoas, é necessário
construir uma coalizão ao redor dessas pessoas (c.f. Kanter, 1995).
(3) Desenvolvimento de uma visão estratégica, com a finalidade de esclarecer a direção
geral da transformação, motivar as pessoas a tomar as medidas certas e, ajudar a coordenar as
ações das diversas pessoas. Esta visão pode ser transformada em estratégia (i.e. lógica sobre
como a visão pode ser alcançada), planos (i.e. etapas específicas e cronogramas para
implementar as estratégias) e, orçamentos (i.e. planos convertidos em projeções e metas
financeiras).
(4) Comunicação da visão da mudança. Segundo Kotter, “o poder real da visão é revelado
apenas quando a maioria dos envolvidos em uma empresa ou atividade tem um entendimento
comum de seus objetivos e direção. Isto pode ajudar a motivar e coordenar os tipos de ações
que provocam as transformações” (pp. 38). Comunicação serve para compartilhar informação
e para ‘formatar’ comportamentos. Repetição, liderança através de exemplos e ‘escutar’ as
pessoas são também aspectos que favorecem a comunicação (Ashenas et.al. 1995).
(5) Remover obstáculos que bloqueiem a nova visão, tais como, estruturas formais que
dificultem a ação (e.g. normas ultrapassadas), chefias não interessadas e, falta de
qualificação/habilidades/experiência das pessoas envolvidas.
(6) Realização de conquistas de curto prazo. A maioria de nós espera ver evidências
convincentes de que todos os esforços são válidos. As conquista de curto prazo são
importante porque fornecem provas que os sacrifícios valem a pena, ajudam a diminuir as
resistências, motiva as pessoas participando das mudanças e evidencias –ante o resto da
organização – o sucesso das mudanças.
(7) Consolidação dos ganhos; através da promoção das pessoas que participaram do
processo de mudança, da manutenção dos níveis de urgência altos, e autonomia a escalões
inferiores para implementar seus próprios projetos de mudança.
(8) Incorporação das mudanças na cultura da empresa. Isto é importante porque cultura
permeia as ações das pessoas e grupos. Então se a mudança não é incorporada no cotidiano da
organização, pode reverter à situação anterior.

Na maioria dos processos os erros acontecem principalmente nas quatro primeiras fases. Isso
porque as pressões por resultados são muito intensas fazendo com que a gerência da mudança
procure executar essas etapas de forma rápida, ou ainda, não considerar alguma dessas etapas.
Sendo assim, as mudanças são realizadas sem os pré-requisitos que irão assegurar a
continuidade do processo diante da diversidade de resistências que são intrínsecas à qualquer
mudança.

3. A Evidência Empírica: Um Estudo de Caso em uma Industria de Eletrônicos


Empresa, seus Produtos e Processos. A empresa pesquisada, de 250 funcionários, trabalha
na manufatura de produtos acabados (impressoras, computadores pessoais, ATMs - automatic
teller machines) e componentes tais quais PCBs (printed circuit boards). Os principais
processos são montagem de PCBs e montagem de PCBs com outros componentes. A
montagem é realizada utilizando equipamento altamente automatizado (tecnologia SMT) e
manualmente. Então, na CM-BR as operações são híbridas, de modo que o desempenho
operacional depende de forma significante de fatores humanos.
Devido ao fracionamento da demanda, os lotes produzidos são pequenos e a variedade de
produtos tem aumentado significativamente. Em 2000, por exemplo, a empresa produziu 7
famílias de produtos com 59 modelos diferentes e os lotes variavam de 40 unidades a 41.000
unidades. Como conseqüência, a complexidade organizacional e tecnológica do sistema
produtivo tem aumentado.
Uma diferença chave da CM-BR para as outras plantas da corporação no mundo, é o modelo
produtivo. A matriz objetiva ter poucos clientes e de atuação global, o que implica em alto
volume de produção e baixo mix. Porém, devido ao alto fracionamento da demanda no Brasil,
a CM-BR tem alto mix e baixo volume, o que implica em uma forma de organização interna
do trabalho e produção diferente do padrão corporativo. O modelo de produção ‘mundial’
com linhas dedicadas por cliente e com baixo número de preparação de máquinas é possível
pelo alto volume e baixo mix, o que não ocorre com a filial brasileira que compartilha os
mesmos equipamentos com todos os clientes, implicando em ineficiência e alto tempo de set
up.

Melhoria Continua na linha SMT. O processo de MC foi realizado na linha SMT (Surface
Mount Technology), o qual é um processo altamente automatizado. Como na época, o tempo
de set up era muito variável e alto, o objetivo especifico da MC foi estabilizar e diminuir o
tempo de set up.
O Projeto de Melhoria Continua. Com a finalidade de realizar o projeto, duas equipes
foram formadas. O grupo de ‘desenvolvimento’ que realizou a proposta dos planos de ação
para melhorar o tempo de set up e o grupo de ‘implementação’, encarregado de implementar
as ações propostas. No primeiro grupo estavam incluídas as equipes da UFMG, que forneceu
a metodologia para guiar a obtenção do plano de ação, e o pessoal operacional da linha SMT:
operadores, supervisores e um engenheiro. O segundo grupo esteve composto pelas mesmas
pessoas excluindo o pessoal da UFMG. Os autores faziam parte do primeiro grupo.
Devido a que a metodologia utilizada seguia uma linha ‘participativa’, uma abordagem ‘de
baixo para acima’ foi utilizada (com a aprovação do gerente da área). A finalidade foi a de
envolver e fazer participar as pessoas que estavam diretamente relacionadas com o set up na
linha. Isto, segundo a teoria, facilitaria e motivaria as pessoas para propor soluções. Deve ser
registrado que, simultaneamente a MC, o programa de ‘Programa de Participação nos
Resultados’ (PPR) foi implementado, sendo que os indicadores de set up da linha SMT
faziam parte das ‘metas’ do PPR.
O Processo de Implementação. Com a finalidade de verificar empiricamente a adequação do
processo de implementação, a seguir as 8 etapas propostas por Kotter são revisadas:
1) Estabelecimento do Senso de Urgência
Duas razões justificam a não existência de um ‘senso de urgência’. Primeiro, as atividades
relacionadas ao projeto de MC ficavam relegadas a um segundo plano. Ou seja, os operadores
e supervisores do grupo tinham como primeira prioridade formal atingir metas de produção
claramente definidas. Eles eram cobrados diretamente resultados operacionais (e.g. numero de
unidades produzidas) diários e semanais. Quanto as atividades relacionadas ao
desenvolvimento e/ou implementação de MC, não faziam parte nem direta nem formalmente
das suas atividades. Evidencia da falta de senso de urgência foi o número de vezes que as
reuniões de MC foram suspensas devido a problemas operacionais do dia a dia. Segundo um
dos engenheiros, a atividade de MC tinha uma baixa prioridade na agenda da maioria dos
participantes e não era discutida nas reuniões entre os funcionários.
Segundo, a MC não fazia parte da cultura da empresa. Isto é justificado pelo fato de ser o
primeiro projeto de MC na linha SMT e primeira experiência deste tipo em toda a empresa.
Enquanto a alta administração da empresa era ciente da importância da MC, não forneceu
condições adequadas para ‘motivar’ ao pessoal a participar no projeto. A única motivação que
existia era a motivação individual por livre e espontânea iniciativa. Não existiu nenhum
esforço para ‘recompensar’ aos funcionários que participaram do projeto de CM nem
materialmente nem simbolicamente.
2) Coalizão Administrativa
Não existiu uma coalizão administrativa que apoiasse as ações do grupo de implementação.
Isto é explicado, em parte, pela abordagem de ‘baixo para cima’ utilizada. Isto aconteceu e
funcionou muito bem na etapa de ‘desenvolvimento’ (proposição) de ações especificas para
solucionar os problemas. Mas, esta abordagem não se mostrou eficaz na etapa de
‘implementação’ das ações propostas. Ou seja, o grupo de MC não tinha liderança, posição
hierárquica nem ‘representatividade’ para, por exemplo, solicitar recursos para sua gerencia
ou alta administração com a finalidade de comprar equipamento.
A única pessoa com posição hierárquica que apoiou a implementação MC foi o gerente de
manufatura, que apesar de ser uma pessoa influente junto ao Diretor de Operações, não
conseguiu justificar a alocação de recursos financeiros para poder comprar equipamento
recomendado pelo grupo de MC. Isto aconteceu somente 6 meses após o término dos
trabalhos. Sendo assim, o ‘mérito’ da compra dos equipamentos não foi atribuída ao grupo de
MC que fez a recomendação. Segundo os membros do grupo de MC, as dificuldades
encontradas para a liberação de recursos para compra de equipamentos foram um problema
significativo. Além disso, por ser vista – pelos outros gerentes da empresa, como ação ‘local’
(apenas na linha SMT), não houve muito interesse no projeto.
4) Comunicação da visão da mudança
Não existiu um plano para comunicar aos diferentes níveis hierárquicos (fora da linha SMT e
fora área de manufatura) os objetivos do projeto MC. Isto, por uma parte, ajuda a explicar a
inexistência da ‘coalizão administrativa’ (ver item anterior). Por outra parte auxilia a explanar
a falta de ‘representatividade’ e falta de ‘motivação’ (refletida a prioridade assinalada ao
projeto MC) durante a etapa de implementação das ações propostas do grupo de MC. A
gerencia, em nenhum momento, deixou claro para os funcionários da seção de montagem que
aquele grupo estava trabalhando em um programa de MC, e que, se seus resultados fossem
favoráveis eles estariam difundindo aquela prática para toda a seção. Segundo os membros da
equipe MC isso é importante para que seus colegas vissem aquele trabalho como algo mais
representativo, que realmente estivesse de acordo com a visão da empresa e que não fosse
encarado como uma atividade que não agregasse valor ao trabalho do dia a dia.
Fora da área de manufatura, o desenvolvimento do projeto de melhoria continua também não
foi devidamente comunicado aos gerentes das outras áreas com a finalidade de mostrar que o
projeto de MC era um projeto institucional que deveria ser aplicado no futuro em outras áreas.
Comunicação formal aconteceu somente entre os grupo de desenvolvimento das propostas de
MC e o Diretor de Operações, mas o intuito dessa comunicação foi a verificação do
andamento do projeto, entender a metodologia e avaliar os primeiros resultados. Não foi
planejada nenhuma forma de comunicação formal informando aos outros gerentes a idéia de
se utilizar MC nos demais setores da empresa.
5) Remover obstáculos que bloqueiem a nova visão
Segundo a equipe de implementação de MC, a não remoção de obstáculos para implementar
as ações foi uma das principais causas da implementação parcial das ações recomendadas. Os
principais obstáculos, segundo a equipe foram três: (1) indisponibilidade de recursos
financeiros para comprar equipamento recomendado; (2) a não ‘liberação’ de tempo de alguns
membros da equipe para implementar os planos de ação; (3) a pouca vontade (ou falta de
tempo?) do gerente de manufatura para interagir com gerentes de outros departamentos para
negociar a solução de problemas nas ‘interfaces’. Como o gerente não se envolveu
plenamente, ou não quis se desgastar diante de outros departamentos, apenas 15% das ações
que envolviam relação com outros departamentos foram implementadas.
Devido a esses fatores, segundo a equipe de implementação de MC, ficou “praticamente
impossível que as ações planejadas fossem implementadas”. Mas, deve ser notado que esses
fatores foram ‘produto’ de outras ações não realizadas e mencionadas previamente: falta de
uma coalizão administrativa; falta de comunicação; falta de senso de urgência, entre outros
fatores.
6) Realização de conquistas de curto prazo
Das 59 ações propostas pelo grupo de desenvolvimento, 45% foram implementadas
rapidamente e 35% foram implementadas em um intervalo de 3 meses e outras 20% nunca
foram implementadas. A maioria das ações que não foram implementadas representa ações
nas quais o gerente da área deveria solicitar a outros departamentos o cumprimento de
algumas tarefas. Ainda sem a completa implementação de todas a ações sugeridas, os
resultados operacionais foram evidentes. O indicador ‘tempo de parada para set up’ teve uma
redução de 30% em 3 meses, após o início da implementação das ações do grupo de MC. Mas
como a melhoria nos indicadores de desempenho da linha SMT não foi creditada a equipe de
MC, e sim ao programa de participação nos resultados (PPR), a equipe de implementação de
MC ficou desmotivada para continuar implementando outras ações.
Ações simples, que não demandavam muito tempo, foram rapidamente implementadas. Mas,
segundo os membros da equipe de implementação, as ações implantadas de imediato não
foram se quer observadas pela gerencia e pelos demais colegas da equipe. O não
reconhecimento do esforço realizado para contribuir na melhoria das operações na linha,
claramente foi outro fator desestimulante para os membros da equipe.
7) Consolidação dos ganhos
A consolidação dos ganhos do projeto MC aconteceu, mas isso somente foi restringido a parte
operacional da linha SMT (das ações implementadas 90% ainda existem hoje na linha SMT).
Por outro lado, outros ganhos não foram consolidados. Primeiro, o grupo de desenvolvimento
ganhou conhecimento de uma metodologia simples e viável de aplicar para auxiliar na
proposição de ações que ajudem a melhorar o desempenho operacional, no entanto esse grupo
foi dissolvido. Apesar da importância e da disponibilidade dos membros da equipe da UFMG,
para treinar outras equipes para replicar o processo de MC em outras áreas, a empresa não
aproveitou essa oportunidade. A falta de uma comunicação formal para outras áreas
anteriormente mencionadas junto com a pouca disponibilidade de tempo dos gerentes explica
a não utilização do conhecimento gerado.
Segundo os membros da equipe de implantação, após a saída dos pesquisadores da UFMG, a
gerencia não deu suporte as ações e o grupo foi desmembrado. Nenhum outro grupo foi
formado nesse sentido.
4. Discussão e Conclusões
Resultados operacionais como conseqüência da implementação de ações propostas e
implementadas pelos grupos de MC aconteceram, mas somente de forma parcial. De 59 ações
propostas, 42 foram implementadas. Alguns indicadores de medição de desempenho da linha
SMT mostraram uma sensível melhora nos seus números. (i) Tempo de parada para set up -
redução de 30%; (ii) Produtividade – aumento de 10%. Os principais motivos, a primeira
vista, parecem ser associados a ‘erros comuns’ no processo de implementação – tal como
antecipado por Kottler (op.cit.). Ou seja, resultados operacionais ‘parciais’ foram obtidos
devido a que a empresa não criou um senso de urgência, coalizão administrativa que suporte a
iniciativa e auxilie a remoção de obstáculos.
Mas, parece ser que o arcabouço teórico proposto por Kotter não consegue explicar toda a
historia, já que a causa dos erros incorridos parecem estar relacionados a fatores ‘soft’ que
dificultaram o entendimento da natureza do conceito de MC e do processo de implementação.
Primeiro MC é um processo que depende das pessoas para acontecer. Já que não é uma
técnica quantitativa que pode ser simplesmente ‘aplicada’. Como depende de pessoas, é
crucial conhecer o que motiva (ou desmotiva) as pessoas a cooperar: nível salarial,
possibilidade de promoções, aquisição de novos conhecimentos, reconhecimento pessoal
antes seus pares, etc. Na CM-BR, parece que se trabalhava com a premissa que as pessoas
eram pagas para realizar seu trabalho, e a MC era parte do serviço. Então, ‘automaticamente’
as pessoas deveriam responder a nova demanda. Isto não é certo. No Brasil os salários são
baixos. Especialmente de operadores e supervisores e engenheiros em inicio de carreira. No
tempo da pesquisa não existia nenhum plano de carreira profissional nem formas de
reconhecimento profissional ‘simbólicos’. A incapacidade para relacionar os resultados
atingidos no projeto de MC com esses fatores é um fator ‘soft’ que explica parte das causas
dos erros cometidos durante o processo de implementação.
Segundo, o processo de implementação foi dividido em ‘desenvolvimento’ e ‘implementação’
dos planos de ação. Enquanto às técnicas utilizadas para desenvolver (proposição) das ações
foram bem sucedidas (ações propostas pelos usuários cobriam as principais causas do set up
longo), a etapa da implementação foi a menos planejada, organizada e suportada. Parece que
neste caso, ambos, a Gerencia da área e a Equipe da UFMG assumiram –incorretamente- que
uma vez que os planos de ação estejam prontos e sejam aceitos pelos participantes, a sua
implementação também seria sem problemas. Isto não aconteceu. Nem a Gerencia nem a
equipe da UFMG perceberam que se tratava de duas etapas bem diferenciadas, que o sucesso
do projeto dependia do correto desempenho nas duas etapas. Então, a etapa da
‘implementação’ não foi devidamente planejada já que não houve uma estratégia de
comunicação, nem foi trabalhada a criação de uma ‘coalizão administrativa’ para apoiar as
ações da equipe, nem tempo foi alocado aos membros da equipe de implementação nem
foram planejadas recompensas (ainda que simbólicas) pelos resultados atingidos. A ‘miopia’
da gerencia e da equipe da UFMG para construir essas condições básicas para apoiar a etapa
de implementação é outro fator ‘soft’ que ajuda a explicar os resultados atingidos. Contudo,
essa ‘miopia’ pode ser creditada ao ‘limites da racionalidade humana’ (March e Simon, 1972).
Terceiro, deve ser notado que um outro aspecto ‘invisível’ que dificultou o escopo de ação da
equipe da UFMG foi a forma como a equipe foi contratada. Apesar da MC ser um conceito
claramente ‘soft’ e com um alto grau de abstração, por exigência da empresa (e isto ‘e comum
em toda empresa de manufatura), a proposta do projeto tinha que conter claramente
especificadas as etapas do projeto assim como a sua duração (explicamos anteriormente que e
muito difícil predizer tempo de duração num projeto ‘soft’). Alem disso, existia uma pressão
latente para que o projeto tivesse a mínima duração possível (dessa forma os custos seriam
minimizados). Todavia, durante a etapa de ‘desenvolvimento’ uma serie de reuniões foram
canceladas pela baixa prioridade assinada tacitamente pelos próprios membros da empresa ao
projeto de MC. O projeto atrasou e isto motivou que a etapa de ‘implementação’ ficasse
prejudicada. O arcabouço de Kotter não menciona nada sobre o tipo de relacionamento entre
empresa e ‘consultores’ e isto – como mostrado acima - parece ser fundamental para permitir
que o grupo consultor ‘adapte’ seus métodos/ferramentas a realidade da empresa. A rigidez
como foi ‘formulado’ o projeto foi então um outro fator em contra.
Em conclusão, pode ser afirmar que fatores ‘soft’ - de natureza intangível e por tanto difíceis
de descrever, expressar e/ou relacionados a valores ou normas não escritas - parecem ser
fundamentais para entender as raízes que propiciaram os erros cometidos durante a etapa de
implementação. Os erros ‘comum’ apontados por Kotter parecem ser a ponta do Iceberg de
problemas mais profundos que tem que ser administrados para que o processo de
implementação tenha êxito. Faz-se necessário considerar aspectos ‘soft’ durante o processo de
implementação da MC. Teoricamente, a construção um arcabouço teórico para auxiliar a
compreender o processo de implementação de conceitos de produção com um alto grau de
abstração (tal como a MC) é necessário. Enquanto este esforço já esta acontecendo em paises
altamente industrializados (c.f. Waggoner et.al., 1999) é vital maiores estudos a este respeito
no Brasil com a finalidade de considerar as nuances dos fatores ‘soft’ com características
culturais e institucionais Brasileiras.

5. Referências Bibliográficas
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