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CAPITULO O principialismo na bioética Em 1974, o Congreso Norte-Americano instituiu uma comis- séo coma finalidade de identificar os principios bésicos que deveriam nortear a experimentago com seres humanos nas ciéncias do com- portamento e na biomedicina (The National Commission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behaviroal Res- earch). A preocupagao parece ter nascido a partir de escandalos como ocaso Tuskegee (pacientes negros nao eam tratados, mas simples- mente observados para verificar como a sifilis se desenvolvia natu- xalmente) e, especialmente, pelos abusos dos experimentos nos cam- pos de concentragao durantea II Guerra Mundial. Quatro anos depois, foi publicado o Belmont Report e trés principios foram apresentados como sendo capazes de justificar as normas necessérias para tais procedimentos. Esses principios so: o respeito pelas pessoas (isto 6, as preferéncias valorativas das pessoas e suas escolhas devem ser consideradas); a beneficéncia (0 bem-estar das pessoas deve ser pro- movido eo dano prevenido) ea justica (as pessoas dever ser tratadas equitativamente). Sob o ponto de vista teérico-conceitual, alguns pontos chamam a atencao. Em primeiro lugar, o Relatério Belmont explicitamente afirma que outros principios podem ser relevantes. Quer dizer, re- conhece-se que tais normas so inadequadas para cobrir situagdes complexas, Em segundo lugar, afirma-se que esses principios ndo podem sempre ser aplicados para resolver todas as disputas de pro- blemas morais particulares. Finalmente, 0 relatério normatiza so- ‘mente experimentos com seres humanos e nio com outros animais, nem faz referéncias ao meio-ambiente. Por isso, 0 relatério pareceu, para alguns, natimorto (Emanuel, 1995). Biodtig Os bioeticistas Beauchamp, seguindo tendéncia, vistas, Childress, um defensor do deontologismo, 1979 o livro Principles of Biomedical Ethics (1, ed) princpios to discutidos de forma mais detalhada nio-maleficéncia foi acrescentado e distinguido dg neficéncia. Uma razio para fazer essa distingao 6 ad Ss éticas Publican ce onde esses te © principio da Principio da be lequea negative danio-maleficencia possuem algumas especies oad ades que parecem torné-los prioritarios em relacao aos deveres de by céncia, Seja como for (discutiremos esse problema mais aden alguns bioeticistas (Costa, Garrafa e Oselka, 1998, p. 15) d ite 7 : lolégicos (beneficéncia eautonomia), O principialismo é, portanto, ‘uma teoria mista, as que 0 esboro bésico do principialismo pode ser ss sdoen Fenn (ouatémesmo em Hume) que sustentava eee oe de dois principios elementares e inde- a madbaetnde Ou utilidade eo da justiga (1963, os la de “deontolégica mista” a — a So vistos como sendo valid —— Tear Frankena claram: Seo da beneficencia (i, ib) me No presente c na medida em ente sustentow io da justica deve sobrepor- sa oes pring Principios serdo apresentados de Eico-Filoséficg apresentada ter problemas (por cn Psat da autonomi parce erdeonng oMtolpies), eg ximos dois capttulos onde teorias ej. STU # Eas tradi et AdUl e nos prd= buscando superar classificago acima * ° Principio do respeito A lo respeito & radas deontolégicas (kantismo) eo RO) OU telecon lente cons retomadas para rediscutr algumas dye 22° (tltarge one * dificuldades qn) 8eF80 * do princpia, _~ a= 0 principialismo na bioética 29 lismo e, posteriormente, buscar a sua reformulagio seja acrescen- tando outros principios, seja remodelando os atuais. A exposicio feita do utilitarismo e da ética de Kant por Beauchamp e Childress (2001, p. 340-355) é, realmente, muito breve e a compara¢io com outras perspectivas éticas deixa a desejar. Como veremos a seguir, hd uma série de principios morais que néo foram suficientemente levados em consideragao pelo principialismo e isto justifica uma re- tomada de autores clssicos tais como Mille Kant além de reavaliar 0s desdobramentos contemporaneos dosenfoques por eles oferecidos. “Apresentaremos, a seguir, os quatro principios discutidos por Beauchamp e Childress, a saber, o respeito dautenomia, anio-male- ficencia, a beneficéncia ea justiga, espectivamente. Antes de execu- tarmos essa tarefa, é necessario fazer uma observacio terminolé- gica: 0 termo “principio” é usado por esses autores como sinénimo deuma sentenga normativa que funciona como um guia genérico para incondicional. oagir. Elenao possui cardter absoluto, isto, valida Desse modo, o principialismo distingue-se tanto da ét ‘ca de Mill onde os principios éticos fundamentais (0 possuem validade quanto da ét Imperativo Categérico e o Principio da Utilidade), a, O principialismo admite uma pluralidade de principios, nsavam que existia apenas co principialismo também absolut enguanto que tanto Kant quanto Mill pe um principio fundamental. Além disso, mio esta fundado em nenhuma metafisica, a0 contrario, por exern- plo, da ética de Kant. Os axiomas do prinipialismo possuem apenas tralidade prima face, isto 6, cada um deles vale enquanto considers" oes morais maiores no estiverem em jogo. Essanocto€tiada de Ross que distinguiu entre deveres prOprios ¢ deveres prima face (41988, p. 19). Um dever préprio €, porexemplo, umn dever defuse tenquanto que ur deverprimafaciseriao de manter as Proms {que pode ser sobreposto por outro deve rie wor pe es i a ildress, todavia, sustentam que todos pe ee para abioética possuer validade prima face. Nem o princfpio dajustigaéum dever préprionosentido rossiano, - Também é importante notar que prinetpios sao dj ras, pois essas especificam quaisatosparticuares dey, 3 ' cados ¢em que citcunstancias. Assim, como salientoy rs ie: lare (1993 p.50), principios sao, além de prescritivos, universais, ou, OU, 20 men 0s, agerais. As egras sto certamente prescritivas, mas sao menos gentes, pois so subsidios para a aplicagao dos principios, _ ee autoresde Principles of Biomedical Ethics, todos juizos prese stat expressam apenas prima facie deveres que podem ser sobre ia por outras consideracbes seo resultado fora maior produgio. ead Enis, todavia, entre os quatro princlpios citados, um aa aituoformando um todo coerente capaz dejustificar todas gras com contetido bioético. 7 O principio do respeito a autonomia . ae de mais nada, é necessario fazer a distingao entre uma 2 — do respeito a autonomia. A palavra “au- Peace aun autorimposigao deles, sto auto cree nes sentido encontrvejéem alguns fiésofo regs ‘apltulo 3, também na ética de Kant. Todavia, Beauchamp e Chil ress utilizar este te tiano (2001, p. 351), Tratasede nee doagente detomardecneg Pm aliberdade e acapacidade 1. a intencionalidade; 2. 0 conhecimento; 3. a ndo-interferéncia (id. p. 59) Pareceevidente, aqui, Anca para delberare decide como apie — com indepen- ‘undamental escolher liveemes a olher! te, Ora, esse€ um atributo da pase eliberar e 28 e muit ite a autonomia est pensada em P termos de capac mente, a Oprincipialismo na bioética principiali bioet 31 viduos humanos sao incapazes de exercer a autonomia (sem falar- mos de animais nao-humanos), Nesse sentido, um serhumano nao rnasce aut6nomo, mas torna-se tala partir de uma série de condigbes iolégicas, psiquicas e socioculturais (por exemplo, a pobreza ex- trema, a falta de educagao e sate etc. dificultam a livre escolha e até mesmo a autodeterminagao). ‘As condigées apresentadas por Beauchamp e Childress para caracterizar uma agio como sendo auténoma realmente superam alguns problemas de outros enfoques, por exernplo, daquele que considera agdo auténoma como um desejo de segunda ordem. Se- gundo essa vist alguém pode ter desejo de furnar, mas também pode querer livrar-se do vicio como forma de garantir uma qualidade de Este tiltimo querer seria um desejo de segunda ordem que vida maior. te, neste caso, regula undo) odesejo de primeira ordem sendo oagen snomo. Essa teoria é, todavia, problemstica, por- teoricamente autor mo um que um desejo de segunda ordem pode ser visto apenas co desejo mais forte e, desse modo, nio existiria uma autonomia ver~ dadeira, Nao hé, certamente, agio auténoma sem que haja intencio- rnalidade e sem que exista conhecimento, por exemplo, das circuns- .ssim, a nogo de autonomia est ligada 4 nogao: de tancias do ato. A jano que acredita sujeito de ago, embora nao de um sujeito cartesi: que os seus desejos, as suas intengdes, os seus interesses etc, sejam transparentes (Carvalho, 2002, p.133)-Por sso, nao pode- para caracterizar uma ago como vaténoma, por exemplo, quea pessoa sejaabsolutamente ndepety dos os seus valores, crengas, planos de ;duos poderiam ser considerados auto- bilidade de um individuo de autodeter- para caracteriaé-l como aut6nomo, sempre mos ter exigencias muito rigidas dente, que seja a fonte de to vida etc. porque poucos indi nomos nessesentido.A possi minar-sea agir éo que importa como pessoa. F importante salientar que a auton artir de qualquer dese} é oportuno lembrar a disting#o omia nio é absoluta, isto é, interesse etc. sem nao significa um agit a P responsabilidade, Nesse sentido,

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