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Junho de 2019
Resumo: Este artigo busca fomentar uma reflexão social, política e cultural sobre o
impacto que os podcasts literários tem ao propagar narrativas, símbolos e signos
literários por meio da linguagem auditiva. O artigo se desdobrará sobre as seguintes
perguntas: quais as narrativas partilhadas nestes podcasts? Quais reflexões sobre a
linguagem literária estes produtos culturais propõem e quais as barreiras que
derrubam ou levantam? Como os formatos destes podcasts podem impactar na
recepção e assimilação dos símbolos literários partilhados em cada episódio? Para
tal reflexão, utilizaremos da figura de lingagugem metomínia para analisar a parte
pelo todo, analisando episódios específicos para compreender a proposta geral dos
podcasts em questão, focalizando a atenção principalmente para o formato, os
agentes que os produzem e as leituras que fazem das narrativas apresentadas, bem
como a relação interessante e atualizada sobre o consumo de literatura por meio da
internet, privilegiando o formato auditivo no primeiro semestre de 2019.
INTRODUÇÃO
Este artigo busca fomentar uma reflexão social, política e cultural sobre o
impacto que os podcasts literários tem ao propagar narrativas, símbolos e signos
literários por meio da linguagem auditiva. O artigo se desdobrará sobre as seguintes
perguntas: quais as narrativas partilhadas nestes podcasts? Quais reflexões sobre a
linguagem literária estes agentes sociais propõem e quais as barreiras que
derrubam ou levantam por meio do formato podcast? Qual a natureza desses
podcasts, isto é, quem os articula, executa e distribui? Quais os formatos desses
podcasts (roteiro, entrevista, conversa com especialistas, narração) e como esses
formatos podem impactar na recepção e assimilação dos símbolos literários
partilhados em cada episódio? Quais os livros e narrativas abordados?
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Para isso, serão analisados episódios específicos de dois podcasts literários
brasileiros, são eles: “Folha de Rosto”1 e “Rabiscos”2. O desafio se constitui de
partida: é possível tomar a parte pelo todo na análise dos produtos culturais
citados? A complexidade de uma série de episódios, reflexões e personagens pode
caber na análise de um ou dois epsódios específicos? Assumindo as limitações
literárias e científicas do desafio, é necessário então pensar critérios mínimos que
levaram à seleção de tais produtos culturais como objeto de estudo.
A primeira razão é o número crescente de usuários com acesso à internet,
em especial entre o público mais velho, de 60 anos ou mais. Segundo dados do
IBGE 20183, existem 126,3 milhões de brasileiros com acesso à internet e entre
2017 e 2018, o número teve um aumento de 10,2 milhões de usuários. Se
comparada à pesquisa inédita realizada pelo Ibope4 e encomendada pela Revista
Piauí, em maio de 2019, cerca de 40% dos usuários de internet no Brasil já ouviram
algum podcast. O número representa cerca de 50 milhões de brasileiros e é
equiparado, proporcionalmente, ao número de usuários que nunca ouviu um
podcast ou nem sabe o que é ou do que se trata: 32% da população com acesso à
internet. O levantamento indicou que jovens e pessoas das classes A e B são os
mais interessados no formato. O Ibope entrevistou duas mil pessoas entre os dias
15 e 18 de janeiro. A margem de erro é de dois pontos percentuais.
Esse estudo demonstra que o formato segue em ascenção, tendo margem de
crescimento e exploração especialmente entre o público mais jovem, de 16 a 24
anos - e atualmente o mais assíduo, com 47% do público ouvinte que alimenta o
hábito semanalmente, seguido do público de 25 a 34 anos, dos quais 42% já ouviu
algum podcast. Essas faixas são essencialmente importantes, pois tem a
capacidade de gerar hábitos contínuos que atravessam gerações e que podem
impactar nos hábitos de consumo de podcast - e também de literatura - nos
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Acessado em: 30/05/2019 às 10h
https://margens.com.br/2018/10/02/margens-estreia-podcast-literario-rabiscos/
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Acessado em: 30/05/2019 às 9h45
https://open.spotify.com/show/2QCJeusguAf3dV5TEwtbzl?si=NSssqkVXTG-ahqfwzmnmag
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Acessado em: 30/05/2019 às 9h
https://www.valor.com.br/brasil/6033817/ibge-brasil-ganha-10-milhoes-de-internautas-em-apenas-um-
ano
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Acessado em: 30/05/2019 às 9h26
https://piaui.folha.uol.com.br/quatro-em-cada-dez-internautas-ja-ouviram-podcast-no-brasil/
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próximos anos. “O que a pesquisa mostra é o potencial dos podcasts. E, se nos
basearmos na tendência de outros países, é um grande potencial”, segundo Márcia
Cavallari, CEO do Ibope Inteligência, que coordenou o estudo.
Outro critério importante para a escolha do tema e que foi confirmado com a
pequisa do Ibope já citada é a complexidade da cadeia de emissão e distribuição
dos podcasts nas plataformas digitais. No Brasil, atualmente, 42% dos ouvintes de
podcast ouvem os conteúdos utilizando o Youtube, seguidos de 32% que ouvem
podcasts no Spotify. As duas empresas, estadunidenses, juntas, alimentam 74% do
mercado podcaster no Brasil, deixando evidente a concentração de informações na
mesma plataforma. O que suscita questionamentos sobre a indústria cultural da
música e das gravadoras que com o advento da internet e dos canais de streaming,
tem vivido períodos de turbulências intensas com relação aos direitos autorais,
lucratividade e formato, uma vez que historicamente o seu produto cultural - isto é, o
monopólio dos artistas e da reprodução de suas obras - foi abalado pela tecnologia
e pela revolução das redes sociais e digitais. Estamos produzindo conteúdo para
quem e por quê concedemos o direito de reprodução e lucro para uma empresa
multinacional?
Esta questão nos leva ao terceiro e último critério de escolha: o conteúdo. Os
podcasts que aqui chamo de “literários”, isto é, podcasts cujo o tema central são os
livros e a literatura trazem uma particularidade para a podosfera: a possibilidade de
falar sobre um livro ou uma narrativa de diversas formas, podendo desde entrevistar
o autor da obra até reinterpretá-la por meio de uma narração ou interpretação,
fazendo uma leitura específica e única para cada obra abordada nos podcasts. Essa
releitura auditiva das narrativas - biográficas e/ou criativas - pode ou não auxiliar na
disseminação de ideias, conceitos, valores e subjetividades de um dado grupo
social para outro, partilhando assim, um sensível comum aos produtores e ouvintes
de podcast. Neste sentido, a inovação ao abordar a obra literária em formato de
áudio desperta outras narrativas a serem partilhadas, tais como músicas de fundo,
personagens e autores anteriores, contextualização sócio-histórica da obra,
oferecendo entretenimento, informação e cultura de forma didática e acessível.
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Segundo John B. Thompson, em Ideologia e Cultura Moderna, o conceito de
cultura moderna consiste em interpretar a realidade a partir de contextos
socialmente estruturados e no caso da cultura moderna, fruto da lógica capitalista
de fruição de bens simbólicos, buscando a circulação, expansão e reprodução de
símbolos e signos culturais. O autor formula uma “concepção estrutural de cultura”,
e oferece uma
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Acessado em: 30/05/2019 às 10h45
https://open.spotify.com/episode/3pNEcEPQtG66t6SyaCXikC?si=YyIOQixKRNKQk137m-HMXg
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Acessado em: 31/05/19 às 9h53.
http://blogs.opovo.com.br/editoradummar/tag/podcast-folha-de-rosto/
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os especialistas mencionam o caráter nacionalista das obras de Alencar e a sua
preocupação, como autor, de declarar independência simbólica de outros países e
adotar símbolos nacionais próprios, reforçando o mito da criação do estado nação.
Os entrevistadores e especialistas reforçam assim o mito de fundação do Brasil,
validando a obra e a narrativa sem criticá-las abertamente, cumprindo com uma das
funções centrais dos grandes jornais nacionais (ABRAMO, 2009), e com isto,
auxiliando na assimilação de um mito fundador da pátria, fundamentado em uma
narrativa linear, sólida e construída sobre o passado real (HALL, 1992).
O podcast independente “Rabiscos” em seu episódio #237 (publicado em 12
de março de 2019), por sua vez, convida a poeta indígena Márcia Kambeba para
conversar e falar sobre seu primeiro livro de poesias, “Ay Kakyri Tama: Eu moro na
cidade”. A poeta e geógrafa é uma mulher indígena da etnia Omágua Kambeba, do
Amazonas, e seu livro nasce após a conclusão do seu mestrado. Mais uma vez, a
intencionalidade do podcast - analisado aqui como fenômeno cultural - se faz
presente de saída: com o formato de conversa conduzida por perguntas norteadas,
realizada por telefone, os entrevistadores pedem que a poeta leia um poema de sua
obra logo após a sua apresentação. O poema escolhido foi “Índio eu não sou”, no
qual a poeta refuta o nome dado pelos brancos aos povos indígenas no momento
de sua chegada ao território brasileiro e no qual também narra parte do processo de
ocidentalização da cultura brasileira, a fim de com isso, construir um consenso
nacional em torno da ideia de “brasilidade”, uma nacionalidade que exclui a cultura e
os saberes indígenas, segundo a geógrafa.
Ao longo do programa, a poeta questiona as formas simbólicas
convencionais (THOMPSON, 1991) que atrelam a imagem dos indígenas brasileiros
como uma unidade esteriotipada, preguiçosa e “atrasada socialmente”. A poeta não
apenas refuta estas convenções sociais sobre os povos indígenas como oferece
leituras próprias a cerca da identidade cultural de seu povo, os Omágua Kambeba.
Além disso, as perguntas versam sobre a arte como resistência política, o papel da
poesia indígena no atual contexto de retrocessos de direitos territoriais, espirituais e
políticos das populações indígenas e sobre educação e linguagem. Ainda que
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Acesso em: 28/05/2019 às 12h53
https://open.spotify.com/episode/3CopFnONtv6iazy1LEJHds?si=ejIExu-RQNuTfqixfpMT8A
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ambos os podcasts abordem temáticas que se interrelacionam, tais como literatura
brasileira, cultura indígena e esteriótipos culturais, as diferenças entre eles são
estruturais como formas simbólicas, fruto de naturezas distintas para questões
fundamentais para esta análise, tais como: agente produtor do podcast (1),
diferenças entre os formatos escolhidos, isto é, entre conversa conduzida e
entrevista-perfil (2) e intencionalidade (3) do podcast literário como um todo.
Enquanto o podcast “Folha de Rosto” se atém a temas comuns ao meio
literári, tais como diversidade, mercado editorial e polêmicas sociais como prisão,
psicanálise e erotismo, o podcast “Rabiscos” volta o olhar para a literatura
contemporânea, para o reconhecimento de novos talentos e novos formatos
literários. Ambos no entanto, buscam, à sua maneira, desconstruir paradigmas
sociais e culturais que permeiam nossos tempos, tais como a ideia de escravidão,
literatura como expressão de resistência de identidades e política. Para realizar esta
análise é preciso tomar como princípio a ideia de que o podcast é tanto um
fenômeno de nossos tempos e dos atuais modos de consumo capitalista, como um
produto cultural da era do streaming. Ainda segundo Thompson (1991),
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como no caso dos podcasts - que a mimésis, como figura de linguagem, torna-se o
princípio pelo qual se inclui nas narrativas estéticas os sistemas de representação
política, de valores e subjetividades vigentes, a fim de com isso, torná-los visíveis
tanto para quem produz a linguagem artística quanto para quem a consome.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No caso da cultura indígena, abordada de formas tão diferentes em ambos os
podcasts apresentados, tanto a ausência de crítica aos estereótipos formados pela
obra “Iracema”, de José de Alencar quanto a romantização da cultura indígena
como verdadeira cultura subalterna e popular (CANCLINI, 1985) na obra de Márcia
Kambeba são polos perigosos de um mesmo sensível partilhado: a de que os
indígenas não têm espaço no Brasil, nem ontem e nem hoje.
No entanto, com a possibilidade tecnológica da internet, das narrativas
identitárias e da produção de conteúdo descentralizada - ainda que a distribuição
dos podcasts esteja vinculada à poucas empresas multinacionais e participem da
formação de uma cultura transnacional - apenas hoje é possível para as
populações urbanas, afastadas das comunidades indígenas, ouvir a história dessas
populações e aldeias em primeira pessoa, sem floclorização ou desdém.
Como afirma a poeta e geógrafa Márcia Kambeba no episódio #23 do
podcast Rabiscos, a tecnologia chega às aldeias para auxiliar na transmissão de
conhecimentos históricos e ritualísticos dos povos indígenas, não apenas para
subverter o consumo cultural local com informações de cunho eurocêntrico, por
exemplo. Há séculos estes povos transmitem seus sistemas de valores, com o
auxílio de suas próprias ferramentas estéticas, tais como linguagens, cantos,
pinturas e rituais, por exemplo.
Neste sentido, Rancière (2009) ainda sugere que o modo de ser das artes,
isto é, sua origem e seu destino final, definem um regime ético para a linguagem,
trazendo à tona o ethos dos indivíduos e das coletividades. Dessa forma, é preciso
lembrar que a narrativa em primeira pessoa, especialmente no formato de áudio,
aproxima emissor e receptor, encurtando os desvios possíveis da comunicação e
criando no outro, “espaço cognitivo” para o reconhecimento da diversidade e da
diferença. É a partir dessa capacidade de assimilação das diferenças e da
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diversidade que é possível alterar valores, subjetividades e sensos compartilhados
numa determinada esfera política, social e cultural. De acordo com Rancière
(2009),
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS