Escola de Música e Belas Artes do Paraná – Campus de Curitiba I –
EMBAP/UNESPAR – Universidade Estadual do Paraná
Cássio Manoel Viante.
Análise Comparativa de Missas: Lobo de Mesquita x Mozart
Trabalho apresentado à disciplina de Música
Brasileira, como avaliação do primeiro e segundo bimestre.
Professor: Harry Crowl
Curitiba
2019 1. Introdução
O presente trabalho apresenta análise comparativa de duas missas
compostas no mesmo período, a primeira do brasileiro José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, e a segunda do austríaco Wolfgang Amadeus Mozart, ambas em fá maior. 2. Desenvolvimento
A composição de missas seguindo o rito ordinário da Igreja Católica foi
muito comum no barroco e no classicismo. Isso deixou resquícios até os dias hodiernos, pois é possível observar compositores contemporâneos compondo missas.
José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, mineiro nascido em 1746 em
Serro e falecido em 1805 no Rio de Janeiro, que atuou proeminentemente na região de Diamantina, é considerado um dos maiores compositores brasileiros setecentistas; apesar dos poucos registros de sua vida, sua obra documentada e pesquisada é vasta. A obra usada na análise comparativa é sua Missa em Fá, de 1780, com estética pré-clássica, no estilo comumente chamado galante, composta para quatro solistas (contratenor, barítono, tenor e soprano), coro e orquestra (composta por violinos barrocos, viola barroca, cellos barrocos, contrabaixo, cravo, órgão, oboés barrocos, fagote barroco, trompete natural e trompas naturais).
Wolfgang Amadeus Mozart, austríaco nascido em Salzburgo em 1756 e
falecido em 1791 em Viena, é o compositor mais representativo do classicismo europeu. Criança prodígio, teve vida conturbada e morreu bastante jovem, com extensa obra documentada. A obra analisada é sua Missa Brevis em Fá, composta para quatro solistas (soprano, contralto, tenor e baixo), coro misto e orquestra (órgão, violinos, violoncelos, contrabaixos e, em versões posteriores, trompetes naturais e trombones).
O rito ordinário da missa é composto pelo Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus
e Agnus Dei. As duas missas possuem o Benedictus como peça separada, mas que faz parte do momento do Sanctus. Para fins práticos, a missa de Lobo de Mesquita será representada como Missa 1 e a de Mozart como Missa 2, bem como seus respectivos movimentos.
O Kyrie 1 possui atmosfera levemente esperançosa e brilhante, com
bastante importância para o texto, cantado de forma bem pronunciada. Formalmente, é quase no padrão ABA. O texto kyrie eleison é cantado numa introdução em binário maior pouco introspectivo, em seguida iluminado por um ternário maior até dançante, com forte presença polifônica das cordas e base harmônica das madeiras e metais. O autor cria nova cor para a peça quando inicia o texto christe eleison¸ num quaternário menor mais dolorido, com base no órgão. A finalização da obra se dá com a repetição da introdução. Já o Kyrie 2 tem até teor apoteótico, reforçado pelos metais. O tema sincopado é introduzido em forma de cânone, começando das vozes mais graves até as mais agudas, sempre maior e bastante ornamentado. Há alguns solos e em seguida a resposta do coro.
O Glória 1, em ternário composto, é bastante animado, com caráter
levemente dançante. Harmonicamente mais intrincado, possui belos solos com respostas seguidas do coro, passando por harmonias em tons menores, retornando infalivelmente ao modo maior, exultante. O Glória 2, em ternário simples, igualmente luminoso, possui uma estrutura vocal mais complexa. As primeiras frases do texto são repetidas pelos solistas em figurações rítmicas diferentes, até mesmo eufóricas. Com alguns solos vocais com síncope nas cordas seguidos de tutti enérgicos e outros solos mais livres, com variação de agógica, a música fica bastante variada.
O Credo 1 tem seu texto separado e musicado de acordo com o
conteúdo do mesmo, gerando uma estrutura que pode ser representada como ABCDEF. A primeira parte segue em compasso ternário com caráter luminoso. Em seguida o trecho Et incarnatus est de Spiritu Sancto ex Maria Virgine: et homo factus est (E se encarnou, pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez homem), toma expressão bastante terna, indo para a subdominante num andamento bem mais lento. O andamento lento se mantém e o caráter terno se torna melancólico no trecho Crucifíxus étiam pro nobis: sub Póntio Piláto passus, et sepúltus es (Também por amor de nós foi crucificado, sob Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado), explicitado pelo baixo cromático. O próximo trecho, iniciado por Et resurréxit tértia die, secundum Scriptúras (Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras), é aberto pelas cordas em andamento bastante rápido e jubiloso, fazendo referência ao evento descrito pelo texto. A obra segue com bastante texto, e a penúltima mudança de caráter ocorre no trecho Et exspécto resurrectiónem mortuórum (E espero a ressurreição dos mortos), lembrando levemente o aspecto terno do trecho Et incarnatus, mais lento, que chama a atenção para a importância da crença na ressurreição. Por fim, a obra termina com o Amen proferido várias vezes, com igual júbilo.
O Credo 2 tem uma duração de aproximadamente seis minutos com
muitas variações de humor, seguindo também o texto ritualístico. Possui vários momentos em que microcânones aparecem, no tema do vocábulo Credo em mínimas, por exemplo. Há alguns feitos interessantes, como as oitavas descendentes no meio do vocábulo descendit (desceu) da frase descendit de coelis (desceu dos céus). No momento em que se profere a sentença Et incarnatus est de Spiritu Sancto ex maria virgine: et homo factus est, o clima se torna dramático com a harmonia menor e a dinâmica suave, como antes já ocorreu. Em seguida, no trecho Crucifíxus¸ a dinâmica se torna forte, com presença marcante dos metais como anunciantes da crucificação, bem como mais um cânone da melodia que começa no baixo e chega até a soprano; culminando no trecho et sepultus est (e é sepultado) em dinâmica bastante piano, explodindo novamente no Et ressurexit. Há solos jubilosos da soprano que são completados com o tenor.
O Sanctus 1 possui compasso ternário, com figuras de duas fusas e
colcheia pontuada em terças e sextas nos violinos. Como fortifica a sensação de cada um dos três tempos, parece remeter ao conceito da Santíssima Trindade. Segue-se o Benedictus 1, em compasso quaternário, mais lento, finalizando com referências ao tema já apresentado no Sanctus para o texto Hosánna in excélsis (Hosana nas alturas). A figuração rítmica é bastante sóbria e a ornamentação em detalhes. Já o Santus 2 possui um contratempo mais rico entre as vozes, que começam alternando o texto Sancto, em compasso ternário. Para a entrada do Hosánna in excélsis a fórmula de compasso torna- se quaternária, e surge um cânone jubiloso que começa no soprano e vai compasso a compasso chegando nas vozes mais graves. Segue-se o Benedictus 2, praticamente organizado em cânone, em um ternário mais contido. Em seguida, o tema de Hosánna é retomado com a memsa atmosfera iluminada, composta inclusive pelos metais que anunciam a união dos “anjos e santos para cantar”. O Agnus Dei 1 é composto em um delicado ternário. Sem repetições exageradas do texto, há solos de soprano, alto e baixo para o trecho Agnus Dei, qui tollis peccata mundi (Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo), numa orquestração de puro acompanhamento. O Agnus Dei 2 inicia na tonalidade relativa menor, com três compassos orquestrais e teor mais sombrio, que remete à forma como Jesus remiu os pecados do mundo, crucificado. Tem lampejos da tonalidade maior nos trecho Miserere nobis (Tende piedade de nós), rapidamente retornando à tensão do menor, com forte presença dos metais, como elemento de tensão. A última repetição do Agnus Dei antecipa, em tom maior, a luz do trecho Dona nobis pacem (Dai-nos a paz), este último em ternário composto, jubiloso, reivindicando paz insistentemente, com várias repetições; encerra com maestria a missa, num clima de contentamento. 3. Conclusão
É possível concluir que, apesar de contemporâneas, as duas missas
possuem considerável diferença estilística, sendo a de Lobo de Mesquita num estilo mais próximo do barroco, e a de Mozart num estilo galante ou clássico.
As duas possuem riquezas muito específicas. A Missa 1 tem, na maior
parte do tempo, o texto privilegiado – melodicamente rico, mas sem ornamentações exageradas. Já a Missa 2 possui muito mais ornamentações, síncopes e cânones.
A Missa 1, de modo geral, tem uma orquestra mais contida, ao passo
que a Missa 2, com a presença dos metais, é mais impositiva em determinados momentos. É enriquecedor observar o tratamento do texto e as mudanças de humor que os dois compositores empregam, sugerindo grande sensibilidade, e, até mesmo, sua devoção própria. 4. Referências
- NEVES, José Maria. José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita - o mais
expressivo compositor da música colonial mineira. Disponível em: <http://www.elfikurten.com.br/2011/02/jose-joaquim-emerico-lobo-de-mesquita- o.html>. Acesso em julho de 2017.
- LIMA, Edilson Vicente de. O Barroco Brasileiro. Disponível em:
<http://filarmonica.art.br/blog/barroco-brasileiro/>. Acesso em julho de 2017.
- Acesso ao documento virtual, em julho de 2017, disponível em: