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Rede de Atores e Eventos durante o Ciclo de Junho de

2013
Rafael de Souza

29 de Novembro de 2016

1 Introdução
Este texto tem o objetivo de traçar a rede dos grupos políticos engajados durante o ciclo
de protesto de 2013. De modo direto, pode-se dizer que o problema a ser investigado con-
siste na identificação de padrões relacionais entre associações e grupos ativistas presentes nos
episódios de confronto coletivo durante 2013.1 Em suma, quais eram os grupos presentes
nas ruas em 2013? A pergunta acerca de quem estava nas ruas trouxe dificuldades relati-
vas a caracterização dos atores políticos e sua relação com uma teoria de estrutura social.
Resumidamente, grande parte das análises sobre junho tratou os processos políticos como
epifenômenos da estrutura social. Mas que grupos eram esses e como eles apareciam no cená-
rio da rua?Neste texto, trata-se de interrogar os mecanismos de mediação relacional capazes
de conectar diferentes associações de movimentos sociais entre si.
O texto procura investigar dois pressupostos presentes acerca da relação entre protestos
e grupos sociais nas ruas. Em primeiro lugar, as ênfases das análises pregressas tenderam
a demarcar categorias sociográficas como definidoras do fenômeno. Em segundo lugar, essa
ênfase na extração sociográfica dos atores traz consigo a suposição de que o fenômeno "junho
2013"foi efeito de um levante autonomista nos quais esses grupos estariam se organizando
"por fora"do sistema político de representação. Sem questionar a legitimidade dessas estra-
tégias analíticas, é possível afirmar que esse corpo teórico peca por ignorar o processo de
transmutação dos grupos e clivagens sociais em atores organizados dotados de identidades
políticas específicas e com padrões de co-participação em protestos bem definidos.
Argumenta-se que a compreensão dos eventos de protesto de 2013 demanda atenção no
que concerne justamente à dinâmica de formação contenciosa dos grupos, organizações e as-
sociações presentes no protesto. O ativismo e a participação em protestos, mesmo que sejam
1
Trabalho a ser apresentado no Seminário Temático: Sociologia, Política e História, do Laboratório de
Pesquisa Social/USP, em 29 de novembro de 2016. A pesquisa é resultado da pesquisa da tese de doutorado
"Movimentos Sociais e Espacialidade no Ciclo de Junho de 2013.

1
circunstanciais, são ativados conforme a produção de estruturas de mobilização e pela ação
de associações e grupos organizados2 . As identidades políticas não são decorrência natural do
pertencimento à clivagens específicas. Os grupos sociais, estratos, classes e outras categorias
sociográficas são ativadas segundo o pertencimento a redes específicas. Exatamente, aquilo o
que Tilly chamou de catnet(Tilly, 1978). Isto é, associações, organizações e grupos de movi-
mentos sociais constroem um universo de discursos, identidades, táticas, modos de conexão
com o sistema político e cultural através do posicionamento em campos de ação estratégica.
Outro argumento importante diz respeito ao papel do próprio protesto como um cenário
de estruturação de novas organizações e associações de movimentos sociais. Durante ciclos de
protesto, organizações e associações são criadas justamente em função de eventos específicos
dentro do ciclo de protesto ou em virtude do posicionamento de outros atores participantes
do campo organizacional. Esses argumentos serão retomados ao longo do texto nas seções
seguintes.
O texto se organiza levando em consideração esse conjunto de problemas. A primeira seção
expõe brevemente as injunções analíticas em torno da pergunta: quem estava nas ruas? Esta
primeira seção também informa o quadro teórico de referência utilizado no texto. A segunda
seção tem o intuito de retratar os padrões relacionais dos principais grupos e associações
presentes nos protestos de rua nas fases de começo, ascensão, pico e declínio do ciclo de
protesto de 2013. A terceira seção tem o intuito de estabelecer o modo como tais padrões
relacionais implicavam em diferentes noções de autonomia e conexão entre essas associações,
através de uma análise exploratória da centralidade determinados atores no processo. Por fim,
a conclusão recapitula os argumentos principais do texto e aponta para os desenvolvimentos
posteriores no sentido de compreender a relação entre esses atores.

2 O povo na rua ou a elite na rua? : O debate em


torno da participação nos protestos de 2013.
Parte da dificuldade em definir os fenômenos de junho de 2013 pode ser atribuída à rapidez
com que se deu o fenômeno e a diversidade de agendas políticas apresentadas nas ruas.
As linhas de interpretação acerca de quem estava na rua sofrem de um raciocínio circular
de demonstração em função da relação entre agendas políticas e a composição social dos
grupos que enunciam essas agendas nos espaços públicos. Temas como mobilidade, saúde,
educação, saneamento, mas também lazer, cultura e, qualidade de vida apareciam nos slogans
2
Estruturas de mobilização são definidas como qualquer tipo de "resource which allows contentious acts
to be sustained as social movements, and which "bring people together in the field, shape coalitions, con-
front opponents, and assure their own future after the exhilaration of the peak of mobilization has pas-
sed"(Tarrow,1994,p.123) Para uma explicação mais detalhada da ideia de estruturas de mobilização consul-
tar:(McAdam et Al, 1996)

2
e cartazes e apontavam em direções opostas no que concernia aos grupos reclamantes. As
análises passaram a se dividir entre aqueles que acreditavam que quem pedia por transporte
e infraestrutura urbana básica eram justamente trabalhadores jovens oriundos das classes
trabalhadoras e aqueles cujos desejos políticos expressos eram o fim da corrupção ou outras
pautas difusas que representavam frações da classe média e alta. Em suma, a classe operária
ou popular seria responsável pela enunciação de temas e agendas concretos e específicos ao
passo que as classes médias estariam ocupadas apenas com a questão da corrupção e do
anti-petismo em si (Tatagiba,2014).
Para esta primeira linha de análise, os principais responsáveis pela disseminação dos
protestos de junho foram os jovens oriundos de classes populares e operárias. Esses jovens não
se encontravam nas mesmas posições que seus pais, já que desfrutaram de condições melhores
de acesso às políticas públicas, escolaridade e consumo. Essa mobilidade ascendente teria
resultado da expansão das faculdades e universidades públicas e privadas durante os anos
de governo petista. As percepções desse grupo recém escolarizado e com acesso a postos de
trabalho e padrões de consumo diferentes dos pais estavam acostumados eram os responsáveis
pela aglutinação política vista naquele ano.
Deste modo, Antunes(2013) aponta quatro principais fatores como relevantes para a en-
trada dos jovens de classe operária: 1)a exaustão das políticas "neoliberais"em manter os
padrões de consumo e de inclusão mediante a privatização de serviços públicos urbanos, 2)a
presença de megaeventos que, em resumo, trata-se de outra faceta do neoliberalismo e da
privatização do espaço urbano 3) a expansão global de uma agenda de retomada do espaço
urbano diante dos avanços do neoliberalismo, exemplificados pelos levantes da Primavera
Árabe, o Occupy Wall Street e as manifestações da praça Gezi, na Turquia e por fim 4)
as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que expôs as dificuldades do
governo petista de gerir crises na esfera do trabalho e negociar com as populações afetadas
pelas obras.
Segundo Antunes(2013), as manifestações de junho podem ser descritas em fases dife-
rentes marcadas pela variação na composição dos protestos e da vinculação política desses
manifestantes. O primeiro período traz consigo a presença de jovens ligados ao Movimento
Passe Livre -SP (MPL-SP) e trabalhadores da rede e pública de transporte. A segunda fase
se deu pela entrada dos movimentos populares e estudantis, conectados com movimentos
partidários. Por fim, a última fase era composta por jovens trabalhadores que cursavam o
ensino superior em escolas privadas e sem vinculação a movimentos estudantis. Tal como se
evidencia na citação abaixo, a opinião de Antunes é de que a entrada desses últimos fortale-
ceu as mobilizações ao mesmo tempo que a "inexperiência"política permitiu a infiltração de
elementos minoritários violentos e repressivos como "skinheads"e polícias civis disfarçadas.

Portanto, esse movimento explodiu, em seu primeiro momento, com uma juventude

3
mais politizada, com uma bandeira muito vital, que é a do transporte coletivo. Poste-
riormente ele se ampliou, ainda puxado pelo movimento da juventude, com a inclusão
dos trabalhadores que também utilizam desses serviços públicos. E aos poucos essas
movimentações foram se adensando, de 1 mil para 10 mil e depois para mais de 100 mil
pessoas. E na medida em que o movimento se ampliou, ele ampliou também o seu espec-
tro com o ingresso de outros setores, como a juventude estudantil, especialmente aquela
que não tem experiência política, mas que também está descontente com a sua faculdade
privada cara e de péssima qualidade, e que trabalha para pagar o transporte coletivo,
para manter um convênio médico privado ruim. Após o alargamento do movimento
houve um momento importante de mutação, com as grandes passeatas em São Paulo e
Rio de Janeiro, brutalmente reprimidas pela polícia e com agressões sofridas até mesmo
pelos jornalistas na capital paulista. A partir disso cresceu um sentimento de repúdio
generalizado da população em relação a essa violência e daí em diante não apenas os
jovens iam para as passeatas, mas também os seus pais, vizinhos e amigos e de repente
as manifestações tornaram-se de massa. Neste momento elas ganharam também alguns
componentes, como dissemos acima: além da juventude mais politizada no início, parti-
dária ou não, adentraram também massas de estudantes de faculdades privadas, sendo
que a grande maioria destes estudantes são também assalariados urbanos, parte do
novo proletariado de serviços, que estuda-e-trabalha, trabalha-e-estuda (Antunes,2013,
pp.41).

Por outro lado, Braga(2013) também ressalta que o precariado como um todo, isto é, a
massa de trabalhadores sub-remunerados com posições precárias no mercado de trabalho e
com posições altamente rotativas e voláteis nos postos de emprego, não se mobilizou. Setores
mais organizados das classes operárias e mesmo desse precariado foram responsáveis por
um aumento maciço de greves e paralisações que precederam as manifestações de junho de
2013. Grupos sindicais novos e trabalhadores em setores econômicos recentes e ligados a
uma economia de serviços pouco sofisticada e com regimes desgastantes de trabalho seriam
responsáveis pela renovação de pautas e de formas de protestos nas ruas. Para Braga(2013),
os governos Lula e Dilma foram responsáveis pelo aumento em gastos sociais, impulsionados
pelo bom desempenho da economia, mas foi tímido na expansão de direitos sociais. Nas
palavras de Braga:

Independente das eleições de 2014, as Jornadas de Junho não foram um grito por
“mais do mesmo”. Argumentamos acima que a atual onda de mobilizações significou a
retomada da luta do proletariado precarizado brasileiro por seus direitos sociais(...) Eis
o segredo de polichinelo: as massas tomaram as ruas a fim de exigir o cumprimento
daquilo que, em 1988, foi prometido pela Constituição brasileira: o direito à saúde e à
educação públicas, gratuitas e de qualidade; o direito ao lazer, à moradia e à mobilidade;

4
o direito a um salário que garanta condições dignas de vida para todos. O governo federal
sabe bem que o atual modelo não chegou nem perto de entregar o que foi encomendado.
Mas, para manter-se no poder, ele procura capturar a indignação social, atribuindo-lhe
outro sentido.(Braga,2013,pp.59)

De todo modo, os autores acima argumentam é que uma determinada população jovem
com bons padrões de consumo, mas com posições empregatícias pouco sólidas, possuía sérias
reservas em relação às políticas na infraestrutura urbana e de expansão de direitos. A situ-
ação incongruente entre padrão de consumo e a vida nas grandes cidades como São Paulo
seria o estopim de 2013. Os jovens da chamada nova classe média enfrentariam problemas
congênitos da metrópole paulistana tais como privatização do espaço público, a explosão do
automóvel como meio de transporte privilegiado, a expansão dos grandes condomínios pelo
tecido urbano, a exclusão social e a oferta deficiente dos serviços básicos de saúde, educação,
lazer nas cidades, etc. Daí a insistência de alguns autores em caracterizar os grupos e asso-
ciações de junho como expressões de lutas por acesso à cidade. Havia uma volta à noção de
movimentos sociais urbanos(Harvey et al. 2013).
Determinadas interpretações tenderam a enfatizar a presença de uma velha classe média
e não uma nova massa de jovens ingressantes nas universidades. Ainda que minoritária
essa linha de interpretação também apelou para a ideia de que a guinada à direita presente
nos momentos finais das manifestações era resultado direto da presença da classe média
nas manifestações. Segundo Boito(2013), por exemplo, as chamadas jornadas de junho não
foram obras do "povo"e não tinham como referência ideológica o espectro de posições dado
pela "direita"ou "esquerda". Em breve artigo sobre o assunto, Boito enfatizou o desgaste de
setores da classe média em relação ao projeto político encabeçado pelo governo petista nos
anos anteriores às manifestações. Segundo o autor:

As manifestações não foram obra do “povo” ou da “juventude”, e nem esse processo


político pode ser caracterizado com uma referência genérica ao “governo” e à “oposi-
ção”. As manifestações tiveram como base majoritária uma fração da classe média e o
processo político no qual se inseriram encontra-se polarizado entre os programas burguês
neodesenvolvimentista, representado pelo governo, e o neoliberal ortodoxo, representado
pela oposição burguesa aglutinada no declinante PSDB.(Boito,2013,p.12)

O autor salienta que o esgotamento das políticas neodesenvolvimentistas do último decênio


petista facilitou a percepção de que novas políticas de expansão do Estado eram necessárias.
De qualquer modo, a presença de ativistas e participantes de classe média não foi lido como
a principal tônica por parte dos analistas. A ideia principal é a de que a presença de deter-
minados atores e grupos sociais excluídos do "acesso à cidade"estava fortemente conectada
com uma rejeição aos partidos políticos e ao sistema político como um todo. Classe social e
autonomia política eram vistos como dois lados da mesma moeda(Romão,2013).

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Outros analistas preferiram salientar a diversidade de grupos sociais presentes nas ruas
em 2013. Singer(2013) por exemplo, através dos dados coletados pelo Datafolha, demarca a
presença de grupos heterogêneos presentes nos protestos. O autor argumenta que a imensa
quantidade de jovens também não significou a ausência de misturas intergeracionais entre os
participantes.3 . Para Singer(2013,) não somente as “massas excluídas” estiveram nas ruas.
Segundo dados do IBOPE, para oito capitais, comparando os dias 20 e 21, a presença de par-
ticipantes com associações menores do que 2 salários mínimos é de apenas 15%. Os indivíduos
com associações familiar acima de 10 salários mínimos aparecem com 23%. Para Singer, o
sentimento de ambiguidade em relação às pautas e à agenda política é decorrente da mistura
ideológica produzida justamente pela presença de grupos e estratos sociais heterogêneos e
com posições de classe diversas.

Tabela 1: Participação e Renda dia 20 e 21 de Junho de 2013


Renda Participação
1 até 2 salários mínimos 15,00%
2 acima de 2 até 5 salários mínimos 30,00%
3 acima de 5 até 10 salários mínimos 26,00%
4 acima de 10 salários mínimos 23,00%
5 não responderam 6,00%
6 Total 100,00%
Fonte:IBOPE.Elaboração Própria.

Contudo, a insuficiência dessas análises reside fundamentalmente na suposição da exis-


tência de uma relação quase direta entre pertencimento social e organização política. Como
Alonso e Mische 2016 reafirmam, baseadas na teoria do confronto político, junho de 2013
pode ser caracterizado como um ciclo de protesto justamente por conta da difusão de repertó-
rios de confronto coletivo entre diversos grupos e estratos sociais.Principalmente, pelo fato de
que esse processo de difusão entre distintos setores da sociedade tende a ser realizado através
de estruturas de mobilização e grupos já politicamente mobilizados no momento anterior do
ciclo. Isto é, a questão da participação de diversos estratos sociais tem de ser explicada em
vez de assumida como fator causal das agendas políticas e das próprias manifestações em
junho. A presença nas ruas só pode ser entendida através da existência de mecanismos de
difusão, encabeçados por associações, grupos e organizações políticas e os padrões relacionais
que esses grupos mantêm entre si.
Em outros termos, as interpretações sobre o fenômeno têm enfatizado de modo en passant
acerca do protagonismo do Movimento Passe Livre nas chamadas jornadas de junho. Parte
do argumento acerca do papel da questão urbana e das classes operárias e populares nesse
processo é refém da ideia de autonomia desses atores em relação ao sistema político como
3
Fonte:http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2013/06/1297654-largo-da-batata-reuniu-75-
mil-a-maioria-novatos-na-onda-de-protestos.shtml

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um todo. Essas classes e grupos se fariam presentes no fenômeno junho justamente em vir-
tude da ausência de canais diretos de relacionamentos com os partidos políticos e o sistema
de representação. O chamado "levante"de junho era caracterizado como um surto "autono-
mista"frente as pretensões de cooptação dos partidos,seja da esquerda, seja da direita(Harvey
et al.,2013). Mas o que significa de fato autonomia?
De modo geral, as análises pecam pela insuficiência acerca da questão dos grupos e atores
envolvidos nas manifestações de junho. Quem eram os grupos e associações presentes nos
protestos durante o mês de junho? De que modo, esses grupos se organizaram relacionalmente
durante os dias de protesto? O que significava o apelo à autonomia para descrever esses
grupos? Em muitos eventos de protesto em junho de 2013, grande parte dos participantes
saiu às ruas não como membros de classes sociais, pelo menos não somente. Moradores,
profissionais liberais, mulheres, grupos familiares, foram diversas as formas de expressão
de identidades durante os protestos de junho. Contudo tais identidades costumavam ser
processadas e elaboradas segundo o pertencimento a determinadas associações. Por fim, a
autonomia desses grupos é construída não somente como um pertencimento a determinadas
classes sociais ou a grupos com tradições políticas de rejeição à partidos políticos, mas parte
como um efeito dos padrões relacionais de associação. As próximas seções irão enfrentar
essas questões, enfatizando as relações entre diversos grupos participantes das manifestações
de junho e o modo como eles construíram padrões relacionais de maior ou menor autonomia.

3 Dualidade de Associações e Eventos: Redes de Afili-


ação entre Ativistas e Protestos
Preferiu-se traçar o perfil relacional das associações presentes no ciclo de junho em função
das vantagens de uma abordagem que não reivindicasse o protagonismo de um ou de ou-
tro grupo como fatores determinantes para o processo como um todo. A retórica em cima
do Movimento Passe Livre-São Paulo(MPL-SP) como representante do protagonismo dos
jovens trabalhadores deve ser posta em perspectiva em virtude justamente do caráter de di-
fusão e expansão do ciclo de junho através da participação de uma ampla gama de grupos
e associações de movimentos sociais. Deste modo, será efetuada uma análise exploratória e
descritiva dos padrões relacionais entre os grupos na cidade de São Paulo, no período do mês
de junho. A análise de rede tem sido utilizada recentemente como estratégia para recobrir
o universo possível de interações entre associações de movimentos sociais(Diani e McAdam,
2003). Parte-se do princípio que movimentos sociais não são fenômenos de ação derivados
segundo correntes políticas pertencentes a grupos sociográficos, mas sim um conjunto rela-
cional de associações e ativistas engajadas no conflito político ou social(Diani,1992, 2015).
Faz-se uso igualmente da definição adotada por Tilly de que movimentos sociais podem ser

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demarcados como um conjunto de interações sustentadas de protesto nos quais pelo menos
um dos participantes é o Estado, seja como mediador do conflito entre grupos sociais ou alvo
do conflito.
Deste modo tanto organizações de movimentos sociais quanto protestos são encarados
como uma dualidade. Isto é, os grupos ativistas se constituem mutuamente uns em relação
aos outros. Isto ocorre fora e dentro da situação de protesto. As associações de movimentos
sociais e mesmo outros tipos de grupos se organizam para os protestos e se posicionam
diferencialmente durante as manifestações, marchas, atos e outras formas de ação de confronto
com as autoridades. 4
A ferramenta da análise de redes pode ser justamente útil na tentativa de desvencilhar
as estruturas que conectam esses diferentes grupos nas ruas. Para a rede traçada para
junho de 2013, foram selecionados somente os eventos contendo informação sobre os grupos
nomeados, isto é, somente as organizações de movimentos sociais propriamente ditas foram
selecionadas dentro da amostra e os eventos associadas a ela. A rede foi construída através da
captura de laços de co-presença em eventos de protesto. As redes podem ser definidas como
um conjuntos de nós ou entidades e um conjunto de laços e relações que conectam essas
entidades. Raramente, entretanto, essas relações podem ser derivadas diretamente. Em
muitos casos, também não é possível ou mesmo interessante tratar acerca dos laços diretos
entre os participantes.
No caso dos movimentos sociais e grupos correlatos, em muitas situações grupos e or-
ganizações não interagem diretamente, mas através de situações de co-presença em eventos
de protesto. Isto é, para a construção das redes dois conjuntos de tipos diferentes foram
utilizados: eventos de protesto e as próprias organizações nomeadas. Os laços entre os di-
versos grupos foram criados a partir da co-presença nos eventos de protesto. Esse padrão
de rede é denominado de redes de afiliação, já que assume os diversos domínios sociais como
construídos através da intersecção mutuamente constitutiva entre grupos, eventos, ocasiões
e os indivíduos que participantes desses fenômenos(Breiger,1977).
A metodologia utilizada para a construção das redes e dos eventos foi a Análise de Eventos
de Protesto(AEP) – isto é, a coleta de informações acerca de eventos de protesto através
de notícias provenientes das fontes jornalísticas ou outro tipo de fonte - tem se tornado a
metodologia privilegiada nas análise das ações coletivas. Os dados primários utilizados foram
4
A teoria dos movimentos sociais americana elaborou a questão dos grupos participantes dando ênfase
aos grupos presentes como organizações de movimentos sociais[Social movement organizations]. Nas palavras
de Zald e McCarthy: A Social Movement Organization (SMO) is the complex, or formal organization which
identifies its goals with the preferences of a social movement [...] and attempts to implement these goals”
(McCarthy e Zald, 1977, p. 1217). Entretanto, para junho de 2013, a adoção de um definição tão restritiva,
centrada em grupos altamente formalizados e burocratizados, quase como um grupo de lobby, pode esconder
o fenômeno da diversidade de grupos e associações diversas nas mobilizações. Portanto, foi preferido um uso
mais flexível da definição propostas pelos autores, procurando identificar os diversos atores organizados ou
não presentes em junho independentemente do grau de formalização desses grupos

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coletados através de um sistema de busca desenvolvido no CEBRAP no âmbito do projeto
“Performances políticas e Circulação de Repertórios nos Ciclos de Protesto Contemporâneos
no Brasil - Projeto de pesquisa 2015-2017”. A amostragem das notícias selecionadas se deu em
função de palavras-chave e da busca em acervo eletrônico de notícias da Folha De São Paulo.
Para essa etapa de desenvolvimento da tese se priorizou um jornal de grande circulação.
Com cobertura nacional a Folha de S. Paulo permitiu-se a identificação de um espectro
amplo de notícias citando eventos de protesto.Para traçar o perfil dos grupos preferiu-se
selecionar todas as categorias sociais, associações, partidos, organizações, grupos, coletivos,
movimentos sociais, instituições participantes, formais ou não, que aparecem como iniciadoras
ou participantes dos eventos de protesto. Associações, tal como foi utilizado essa noção no
texto, diz respeito a todos os grupos com auto-nomeação participantes dos eventos, sejam ou
não movimentos sociais no sentido que a sociologia política atribuiu nas últimas décadas.
Na construção da rede foram utilizados somente os grupos nomeados e os eventos que
reportavam os nomes dos grupos envolvidos diretamente nos protestos. Não foi efetuada
alguma diferenciação entre grupos organizadores, responsáveis pelos protestos e os grupos
participantes. Isto porque as fontes jornalísticas são elusivas em relação ao papel de cada
organização durante o protesto. Além disso, a interação no protesto de rua nem sempre é
controlada ou gerida pelo grupo responsável pela chamada do protesto. Como contexto inte-
racional indeterminado, as ruas muitas vezes implicam a perda de controle da manifestação
por parte daqueles grupos que chamaram os eventos.
Para o mês de junho, contendo informações referentes aos grupos, associações e organiza-
ções de movimentos sociais, foram contabilizados cerca de 50 eventos na cidade de São Paulo,
sendo que o total de eventos na cidade de São Paulo é de 82 eventos no período recoberto.5
Esses 50 eventos, descritos no gráfico, abaixo, se referem aos protestos noticiados com pelo
menos um ator organizado nomeado.
Os 32 eventos restantes não continham informação alguma cerca dos grupos presentes. As
notícias nesses casos tinham referências genéricas aos participantes dos eventos, utilizando-se
de termos como manifestantes, ativistas, participantes. Para esta etapa da análise também
foram excluídas marcações de caráter agregativo utilizadas pelo jornal mas que reportavam
o pertencimento a algum tipo de estrato social. Quando os atores eram descritos por termos
como adultos, trabalhadores, crianças, profissionais, etc essas entradas eram removidas da
análise, deixando somente as referências diretas aos atores participantes em junho. A justifi-
cativa para tal é que na definição dos padrões relacionais de participação, protagonismo e de
5
A definição de evento foi adaptada de Fillieule e Rootes(2003), já que recobre diversas formas de ação
coletiva de protesto. Deste modo, cada entrada no banco de dados corresponde a um evento codificado
segundo o critério de que a notícia informe acerca de “ação pública tocante as questões em que as preocupações
explícitas sobre o temas diversos são expressas como uma dimensão central, organizada por iniciadores não-
estatais com o propósito explícito de crítica ou discordância juntamente com reivindicações sociais e/ou
políticas.”(Filleule e Rootes, 2003, p.273).

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Figura 1: Eventos de Protesto e Atores Organizados, 2013
4

Fases
Frequência

Ascensão

2 Declinio
Escalada e Pico
Pré−Ciclo

Jun 03 Jun 10 Jun 17 Jun 24 Jul 01


Data

Fonte: CEBRAP. Performances políticas e Circulação de Repertórios nos Ciclos de Protesto


Contemporâneos no Brasil, 2013 .Elaboração Própria.

autonomia dos grupos presentes interessa muito mais o detalhamento dos grupos envolvidos
do que a referência genérica ao pertencimento à classes, grupos etários, profissionais. Em
momento oportuno esses fatores serão detalhados na tese.
No banco de dados construído foram codificados 71 atores organizados nomeados.O nú-
mero é apenas uma aproximação amostral da população organizacional presente no ciclo de
2013. É bastante improvável que os jornais tenham reportado com exatidão todas as or-
ganizações presentes, já que o viés de seleção e de descrição dada na fonte inviabiliza um
retrato fiel do perfil dos movimentos sociais presentes. Entretanto, trata-se talvez da melhor
fonte disponível capaz de recobrir esse tipo de dado em comparação com outros tipos. Visto
que as fontes policias e órgãos de controle técnico como a CET(Companhia de Engenharia
de Tráfego), embora reportem eventos e em alguns casos anotem até mesmo as temáticas
envolvidas, é muito pouco provável que registrem os grupos organizados presentes. Estudos
anteriores valendo-se da mesma metodologia ainda salientam que os jornais possuem "vié-
ses sensacionalistas", preferindo a cobertura de grandes eventos e com riqueza de detalhes
e identificando as associações de protesto enquadrando-os em narrativas morais(Bearman e
Everett,1993). De todo modo, a própria escala do fenômeno de junho de 2013 justifica o tipo
de dado já que a maior parte dos eventos de protesto contavam com um montante signifi-
cativo de grupos nomeados, pelo menos para a cidade de São Paulo. Além disso, todos os
grupos tidos como relevantes para o processo estão representados na amostra coletada, o que
permite a exploração de algumas hipótese de pesquisa.

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Uma das hipóteses sustentadas por determinados pesquisadores é acerca do protagonismo
dado aos grupos em torno da chamada questão urbana. Organizações como o MPL-SP
em torno do transporte coletivo e outros grupos motivados pela oposição a determinadas
políticas de impacto urbano foram tidos como atores centrais na articulação do fenômeno
junho(Harvey et al., 2013). A fim de traçar essas questões os grupos foram estudados segundo
padrão relacional entre si e um esquema de classificação que informasse os as agendas dessas
organizações.
Os grupos foram classificados segundo a sua vinculação social através de um conjunto
que procura descrever aproximadamente a inserção social desses grupos. A tipologia foi
construída por meio do vínculo social das organizações e das temáticas. A tipologia foi
construída procurando identificar as agendas políticas e culturais expressas nos programas
e manifestos colhidos nos materiais escritos públicos. A Tabela 2 traz as frequências dos
grupos segundo a classificação adotada.

Tabela 2: Classificação das Organizações presentes no Ciclo de Junho


Tipo Frequência
1 Sindicato 12
2 Estudantil 11
3 Profissional 9
4 Civil 6
5 Feminista 5
6 Partido 5
7 Urbanos 5
8 Cultural 4
9 Anti-Corrupção 3
10 Religioso 3
11 Anti-Proibicionista 2
12 LGBTT 2
13 Étnico 1
14 Outros 1
15 Transporte 1
16 Vizinhança 1

É possível notar que os chamados grupos urbanos compreendem um universo limitado


de atores organizados e com pouca participação durante o ciclo de junho. Por outro lado,os
sindicatos e grupos estudantis despontaram como atores recorrentes nas manifestações. As
associações profissionais como médicos,comerciantes, etc estiveram presentes de maneira re-
corrente mas apenas nas fases antes do ciclos(06/06/2013) e após o dia 20/06/2013. Em
resumo, grupos estudantis e sindicatos desempenharam um papel ativo durante quase todas
as fases do ciclo.
O único movimento de transporte, o MPL/SP esteve nas ruas também durante quase
todas as fases do ciclo exceto a fase de declínio após o dia 20/06. Outros tipos de grupos

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foram aparecendo em fases distintas do ciclo e portanto podemos levar adiante a hipótese
de que mais do que a preponderância do MPL-SP como ator iniciador de junho, ainda sim,
os grupos foram se combinando de maneiras diferentes segundo as fases do ciclo através de
esquemas de "afinidades"de protesto entre si.
Talvez seja possível apontar a existência de cliques - isto é, relações entre entidades onde
todos se relacionam com todos - nos quais determinadas culturas de protesto estariam pre-
sentes.Esses cliques de protesto dizem podem ser resultado de culturas de co-participação
em protestos. Segundo Diani(2009), os movimentos sociais criam padrões repetidos de co-
participação em atividades políticas. Segundo o autor, a sustentação das campanhas e dos
grupos se dá através da formação das comunidades de protesto que ele define como: "(...), na-
mely, sets of activists sharing a sustained participation in protest activities"(Diani,2009,p.64).
Deste modo, entender o ciclo de junho não passa somente por flagrar o papel que tal ou
qual grupo teve nas manifestações, mais em quais clusters de protesto estiveram presentes
e em que fases. Convém entender portanto a análise dos grupos tal qual se estruturam em
padrões relacionais de co-presença. A Figura 1 abaixo apresenta as redes dos grupos e de
suas relações mediadas através dos eventos de protesto em todo o ciclo de junho. Os números
designam os eventos de protesto e os atores associativos estão representados por siglas.

Figura 2: Rede do Ciclo de Junho de 2013


AçMS
SnPM 3 FrRU
77 CpQ?
SndC AçCS
20
MrcV
MrMM UJB 1
69 MvmM
25 MTST
35 63 APOL
FNdA
LgBL 44 MvPA
mvmn
MrcM 27
SFPP60
LER− MvmL
CDAR CBA
11 34 CFP 14 ADUS
5
17 SS−S 47 SINTUS 19
7
PSOL DCE−US
66 type
PTP 10
FENT UJS MMçJ 65
CnFP
PSTU Anny JUNTMvEP FALSE
61 22 40 21 12
9 FrnA
Sndv CUT 26 CSIO TRUE
29 24 BlcB
SndM AsçP
UNE PCO ABGL 33
AçFC MPL
FçGL
18 CnCJ SMSP
AçCB 30
8 15 23 AfrR
79 55
TrrL 13 DtrA
CCR JV:A SnMM
FMAU
75
2 AçJç
AçPM RdES AssD 80
MrcJ 78 CPAE 76
31
RnsC ADUN 71
SIP 4 6
16 DCE−UN
SINTUN

Fonte: CEBRAP. Performances políticas e Circulação de Repertórios nos Ciclos de Protesto


Contemporâneos no Brasil, 2013 .Elaboração Própria.

Pela Figura 2, é possível notar que a rede de junho é bastante desconectada, tendo dois
tripos principais de aglomeração. Um primeiro grupo é formado por muitos componentes
pequenos, formados por clusters de atores e eventos isolados. São atores que se organizaram

12
em função de agendas específicas ou pautas setoriais respectivas a determinados espaços
sociais ou situações delimitadas. Essas associações se mobilizaram em função de um único
evento. Enquadram-se nesta categorias os grupos organizados em torno de campanhas tais
como de combate à violência, grupos descontentes com a proibição do uso masculino de saias
em colégios,demandas setoriais de grupos profissionais específicos, etc.

Figura 3: Redes do Ciclo de Junho de 2013


Antes CPAE
do Ciclo,201/06 a 05/06 Início,06/06 a 12/06
SS−S
17
7 mvmn
CDAR SIP
SS−S SINTUS MrcM
6 11 16
5 type 19 type
DCE−UN DCE−US
ADUS Anny
ADUN FALSE PSOL 10 FALSE

4 MMçJ
1 TRUE CSIO TRUE
APOL 12 9 CBA
SINTUN 14
AçCS MvEP PCO 18
MPL
8 15
SndC 3 13
AçMS FMAU

Escalada,13/06
DtrA JV:Aa 20/06 Declinio,21/06
UJB 69 MvmM a 30/06), ncol = 2, nrow = 2
FçGL 23 CnCJ PSOL 77
AsçP AfrR LgBLFNdA PSTU SnPM
33 47 CFP MvPA
BlcB 25 LER− 63
AçFC 29 22 MrcV PTP
CpQ?FrRU Sndv SndM MrMM type
71 MTST SMSP55SnMM type
20 FALSE
CPAE FALSE
24 31 76
MTST RdES DCE−US 79
44 35 TRUE 66 AçCB TRUE
MvPA CUT 60 65 FENT
ABGL 26 30 TrrL SFPP JUNT
61
MPL CnFP
27 PSTU 40 UNE AçJç
MvmL 21 UJS AssD
34 PSOL PCO PTP
80 CCR 78 MrcJ
FrnA AçPM 75 RnsC

Fonte: CEBRAP. Performances políticas e Circulação de Repertórios nos Ciclos de Protesto


Contemporâneos no Brasil, 2013 .Elaboração Própria.

Boa parte dos sindicatos também está nessa categoria. Como exemplo desse tipo de
evento, pode-se citar as mobilizações em torno de pautas salariais efetuadas pelo Sindicato
dos Investigadores de Polícia e o Sindicato dos Profissionais de Saúde do Estado de São Paulo
durante a fase de ascensão do ciclo de protesto podem ser indicados. No dia 06/06 de junho,
esses sindicatos se reuniram no vão livre do MASP e efetuaram atos e manifestações nas
mesmas datas, mas sem conexões entre si. A ação sindical tem sido analisada como um fator
fundamental para a evolução do ciclo. Recentemente, tem surgido um corpo de teorias acerca
do papel dos sindicatos no levante do ciclo em 2013. Essas teorias se apoiam no crescimento
do conjunto de greves em 2012 e 2013(Singer, 2016). O que os dados mostram, pelo menos,
é que durante o ciclo essas organizações não estiveram conectadas ao componente principal
com eventos ou mesmo clusters menores de protesto. Trata-se não somente de demonstrar o
aumento da atividade sindical, mas entender o modo como tais grupos se relacionaram com
outros tipos de associação.
Em segundo lugar, podem ser elencados grupos condensados em torno de um ou dois
eventos. Trata-se de associações com demandas um pouco mais amplas e que normalmente

13
fazem campanhas marcadas em períodos específicos ao longo do ano. Encontram-se nessa
categoria sindicatos universitários, os grupos dedicados a legalização do porte de maconha, o
movimento feminista, os ditos movimentos sociais urbanos tais como o Movimento dos Tra-
balhadores Sem Teto(MTST) e o Comitê Popular da Copa - Copa pra Quem? - dentre outros
tipos. Esses grupos apareceram nas ruas logo na fase de ascensão do ciclo e permanecem
parcialmente mobilizados após o pico de mobilização no dia 20 de junho.
Esse grupo é formado por movimentos com afinidades de agenda. Por exemplo, no inicio
daquele ano o MTST fez várias ocupações pela cidade de São Paulo, inclusive ocupando a
sede do Instituto Lula em janeiro de 2013. O MTST tem uma atuação bastante territorial
preferindo a organização de eventos em áreas periféricas ou longe dos centros de atração de
protestos tal qual a Avenida Paulista. Em virtude desse tipo de "prática organizacional de
protesto"enraizada em demandas espaciais, o MTST se conectou fortemente com os grupos
como Rede de Comunidades Extremo Sul, o Comitê Copa Pra Quem? e o Movimento
Periferia Ativa. A ligação desses grupos com os partidos políticos no período pode ter se
tornado tensa e complicada em virtude dos problemas ligados a negociação das pautas desses
movimentos com os governos municipais e federais petistas. Foram movimentos fortemente
ligados à oposição ao governo Dilma, ainda que essas organizações se auto-proclamem dentro
do quadro da esquerda. Conflitos entre o MTST e a gestão petista na cidade de São Paulo
no começo do ano, as dificuldades de estabelecimento de dialogo entre os atingidos pelas
obras da Copa do Mundo e os responsáveis pela administração dos processos de remoção
colaboraram para afastar esses grupos dos partidos políticos, pelo menos no âmbito das
mobilizações e das ruas. Em suma, esses grupos se articularam durante junho de 2013, em
torno do ciclo e campanhas em torno da Copa de 2014. A organização também participou
ativamente das atividades do grupo Copa pra Quem? durante o ano de 2013 e colaboraram
com a elaboração do Manifesto Copa Pra Quem? As remoções forçadas e as negociações
em torno das grandes obras ligadas a Copa do Mundo de 2014 e a entrada de um governo
municipal petista ajudaram a formar coalizões fortes entre esses dois grupos.
O mesmo pode ser dito dos outros tipos de grupos pertencentes a essas categorias. Asso-
ciações com identificações temáticas similares atuaram frequentemente junto em 2013, seja
por terem planejado suas campanhas já para o período de junho, tal como é o caso da Marcha
da Maconha,realizada costumeiramente em meados de junho ou julho. A Marcha das Vadias
que havia se dado já em São Paulo no mês de Maio daquele ano também saíram as ruas em
função de pautas divididas com outros movimentos feministas, em virtude da presença de
Marco Feliciano(PSC) à Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal e a campanha
contra o Estatuto do Nascituro. Todos esses movimentos citados costumam reivindicar para
si o termo autonomistas para indicar a ausência de vinculação com partidos políticos. De
fato esses grupos não tiveram casos de co-participação com partidos políticos e grupos ligados
a partidos. No caso desses grupos, a dificuldade em estabelecer pautas e canais de dialogo

14
com a gestão federal em torno de diversos temas "contraculturais"e de reconhecimento das
diferenças, afastou esses grupos dos atores partidários. 6
Por fim, existe ainda um terceiro grupo de atores conectados entre si por eventos comparti-
lhados com vários outros atores. Esse grupo é composto por grupos partidários, organizações
estudantis e grupos com pautas específicas tais como o próprio Passe Livre. Esses grupos
se reuniram em torno da fase de começo, ascensão e pico do ciclo, mas após o declínio do
ciclo passaram a se manifestar menos nas ruas. O Movimento Passe Livre surgiu durante a
Plenária pelo Passe Livre no V Fórum Social Mundial, em janeiro de 2005. O movimento
remete sua origem às mobilizações da Revolta do Buzu, em Salvador, em agosto e setembro
de 2003. O grupo desde sua fundação tem como programa a agenda do transporte público
gratuito. Na cidade de São Paulo, notabilizou-se nas campanhas pela diminuição do preço
das passagens já nos anos 2010 e 2011 durante a gestão do prefeito Gilberto Kassab(DEM).
Segundo seus participantes, um dos fatores distintos do MPL foi a tentativa de uma ar-
ticulação em território nacional pela adoção do passe livre e a Campanha pelo Passe Livre
em Florianópolis, eventos marcados já naquela época por uma rejeição ao papel dos parti-
dos. Segundo sua carta de princípios, o MPL se organiza como “um movimento horizontal,
autônomo, independente e apartidário, mas não anti-partidário. Segundo os ativistas, a
independência do MPL se faz não somente em relação a partidos, mas também a ONGs, ins-
tituições religiosas, financeiras etc”. Os principios que regem a organização do MPL tal quais
enunciados em sua carta de princípios foram estabelecidos a partir do II Encontro Nacional
do Movimento Passe Livre,em Campinas em 2005. 7
O que o ciclo de 2013 parece demonstrar pelo menos em seus padrões relacionais é uma
ligação complexa entre os partidos políticos da esquerda e o MPL-SP. A relação ainda que
tensa é mais próxima do que a dos grupos anteriormente citados. Há uma frequente rea-
firmação da independência em relação aos partidos políticos. Nas primeiras manifestações
em junho de 2013, o MPL-SP fez questão de se diferenciar de movimentos ligados ao grupo
partidário ou organizações estudantis vinculadas a esses grupos. Isto se expressa claramente
em artigo publicado pelo grupo logo no dia 17/06 pouco antes da fase de eclosão do pico de
protesto.

Mas da direita se sabe o que esperar, é fácil e inútil culpá-la. A culpa é do ho-
rizonte tacanho da nossa esquerda que institucionalizou-se. Que colocou no topo da
6
Consultar: http://blog.marchadamaconha.net/
7
O grupo se estrutura de maneira descentralizada em pelo menos 16 localidades pelo Brasil.A saber: MPL
- ABC (SP), MPL - Distrito Federal (DF), MPL - Florianópolis (SC), MPL - Fortaleza (CE), Movimento
Tarifa Zero - Goiânia (GO), MPL - Grande Vitória (ES), MPL - Guarulhos (SP), MPL - Joinville (SC), MPL
- Natal (RN), MPL - Niterói (RJ), MPL - Ribeirão Preto (SP), MPL - Rio de Janeiro (RJ), Movimento
Tarifa Zero - Salvador (BA), MPL - São José dos Campos (SP), MPL - São Luís (MA), MPL - São Paulo
(SP). Destes grupos, o mais atuante e que conta com o maior período em continuidade é o grupo de São
Paulo.

15
lista de tarefas um desenvolvimento com distribuição de associações, mas ignorou am-
plamente a política para as cidades, a despeito de 85% dos brasileiros viverem nelas.
Que não avançou um palmo em relação à democratização dos meios de comunicação
e segue sendo a principal financiadora dos monopólios. Que enfrenta timidamente os
militares responsáveis pela barbárie da tortura e dos mortos e desaparecidos políticos,
não fechando um necessário ciclo de terror que se expressa na ação PM paulista, filha
pródiga dessa ditadura militar.8

Partidos tradicionalmente vinculados a uma retorica e atuação política auto-proclamadas


de esquerda como PCO, PSTU, PSOL e mesmo PSOL estiveram nas ruas desde os momen-
tos iniciais das manifestações de junho e atuaram junto com organizações estudantis como
estruturas de mobilização para os grandes eventos chamados pelo MPL-SP em 2013. De todo
modo, esse grande componente conectando grandes e massivos eventos de protesto com uma
diversidade de grupos traz novas definições acerca do papel do ativismo partidário, sindi-
cal,estudantil e outros tipos de grupo. Em resumo, retórica da autonomia frente a partidos
políticos pode ser lida na chave desses padrões estruturais. A próxima seção enfrenta essa
questão procurando relacionar a centralidades dos atores dentro da rede de co-presença em
protestos e seus efeitos nas mobilizações.9

4 Centralidade dos Atores e sua relação com a ideia de


autonomia
A noção de centralidade tem sido aplicada frequentemente na sociologia e na análise de redes
como estratégia para revelar os atores mais proeminentes e importantes, tanto quanto para
desvendar a relação entre processos sociais e padrões relacionais. Esta seção tenta avançar
na caracterização das relações entre junho procurando identificar os atores centrais na rede
8
Fonte:http://tarifazero.org/2013/06/17/movimentos-em-disputa/
9
Duas ressalvas devem ser feitas aqui. A primeira delas diz respeito a atuação dos black blocs que aparecem
isolados em um único evento, juntamente com grupos punks. Cabe mencionar que esse viés é resultado das
narrativas dos jornais acerca desses grupos e dessa tática de ação. Muita confusão acerca desses grupos foram
delimitadas na mídia, em relação a independência e coesão desses grupos. Os black blocs agiram como grupo
ou como tática? Tal dúvida influenciou o sub-noticiamento dos black blocs, durante junho, mas precipitou
a escalada no uso do termo a partir dos meses de julho, agosto e setembro daquele ano, quando diversos
episódios violentos de protesto na cidade foram identificados como sendo obras dos black bloc. Outra ressalva
diz respeito ao surgimento de grupos da mídia alternativa e grupos de "suporte técnico"as manifestações.
Grupos da chamada imprensa como Mídia Ninja, Mídia Negra são extremamente sub-noticiados, quase não
sendo mencionados pela imprensa mainstream. Sabe-se através de material produzidos por essa própria
imprensa alternativa que eles começaram a cobrir os protestos a partir do dia 06/06, no inicio de junho. A
fim de manter a isonomia das fontes, esses grupos foram retirados por ora do banco de dados. Por outro
lado, grupos de apoio às manifestações como o GAPP(Grupo de Apoio ao Protesto Popular) e os Advogados
Ativistas, grupos muito associados aos protestos de junho, não foram inseridos pois eles não se encontravam
formalmente definidos durante o período supracitado, não havendo certeza quanto a participação desses
ativistas como grupo organizado

16
de co-presença em protestos. Para a análise a seguir importa definir não somente quais
atores tiveram mais contatos e portanto foram mais acessados pelos outros grupos, mas
também os grupos que indiretamente colaboraram para a disseminação de agendas, pautas
e estratégias de ação através dos mecanismos de brokerage. O mecanismo de brokerage é
entendido por Tilly como um conjunto de atores ou relações que conectam dois domínios
sociais diferentes(Tilly, 2001).10
Nesse texto essas noções de centralidade e de brokerage foram operacionalizadas através
da centralidade de grau e a centralidade de intermediação. Por meio da projeção das redes -
isto é, levando em consideração somente os atores, sem a adição da intermediação dos eventos
- foi possível identificar os atores que mais interagiram entre si, os grupos com maior número
de laços (ainda que laços indiretos construídos pela co-presença em eventos de protesto) e as
organizações com capacidade de intermediação distintas.
A centralidade de grau diz respeito diretamente ao número de laços contados para cada
nó. Trata-se de uma medida aproximada da "visibilidade"de um determinado nó em relação
a rede como um todo.No caso dos grupos dos movimentos sociais, a centralidade de grau
pode ser encarada como uma medida aproximada de liderança ou de prestígio por parte dos
grupos com mais laços. A fórmula da centralidade de grau, no qual v se refere ao número de
laços (vértices) a qual cada laço dispõe. 11
Por outro lado, os brokers são identificados através da medida de centralidade de inter-
mediação. De maneira simplificada, a intermediação diz respeito ao número de ’caminhos’
possíveis de contato entre dois nós aleatórios i e j e que passam um terceiro nó k. A centrali-
dade de intermediação de um nó k é justamente o total de caminhos entre dois nós quaisquer
e que passam pelo nó k. A intermediação ajuda a medir a importância de determinadores
atores como intermediadores de diferentes domínios sociais e conexão entre grupos, já que
ele normalmente está em posição de fechamento ou abertura de canais de comunicação

X σst (v)
CB (v) = ” (2)
s6=v6=t∈V σst
Como controle,também foi utilizada a centralidade eigenvector que considera como os
mais importantes os nós que mantém laços com outros nós igualmente importantes. Esse
tipo de medida colabora para entender o modo como determinados grupos co-participam em
10
Isto não implica em algum tipo de mecanismo ótimo de coordenação entre grupos diferentes. Como
Tilly salienta: "For example, the mechanism of brokerage always connects at least two social sites more
directlythan they were previously connected, but the activation of brokerage does not initself guarantee more
effective coordination of action at the connected sites; that depends on initial conditions and combinations
with other mechanisms"(Tilly,2009,p.25)
11
A equação pode ser descrita com a seguinte fórmula:

CD (v) = deg(v) (1)

17
protestos com outros autores igualmente importantes. Essa medida é normalmente utilizada
para identificar nós com conexões favoráveis e que se associam a atores com maior gama de
recursos e com maior visibilidade. 12 A Tabela 3 apresenta as 14 associações com maior
centralidade de intermediação e de grau em junho. Percebe-se que os grupos variaram enor-
memente em relação a centralidade.Os grupos que obtiveram maior grau de intermediação
foramo PSOL, CUT, Anonymous e PT.

Tabela 3: Atores e Centralidades, junho de 2013


Organizações Intermediação Eigenvector Grau
1 PSOL 70.30 0.95 14.00
2 CUT 64.24 0.57 10.00
3 Annonymous 23.76 0.31 6.00
4 PT 20.98 0.83 11.00
5 Sindiviários 20.00 0.05 3.00
6 UNE 18.18 0.49 8.00
7 PCO 18.11 0.64 8.00
8 PSTU 16.14 0.94 12.00
9 UJS 9.23 0.41 7.00
10 MPL 8.92 1.00 12.00
11 FrnA 3.76 0.31 5.00
12 ABGL 2.57 0.19 3.00
13 DCE-US 2.00 0.00 3.00
14 MTST 2.00 0.00 3.00

Isto se deve talvez pelo fato de que esses grupos são responsáveis pela intermediação entre
uma determinada ala ligada ao MPL-SP e os movimentos estudantis. De certo modo, grupos
como PSOL e mesmo a CUT apareceram em diversas manifestações não necessariamente
conectadas entre si. São grupos políticos que aparecem em diversos protestos de rua com
diversas pautas e agendas políticas. Pode-se aventar a hipótese que esses grupos partidários
e quase-partidários colaboram como estruturas de mobilização através da sobreposição entre
o ativismo partidário e a coparticipação em protestos em torno de agendas diversas.
Por outro lado, os dados obtidos também revelam que há relativa correlação entre as
centralidades de grau e de intermediação. Isto pode indicar que esses grupos de alto grau de
intermediação se encontravam inseridos em clusters com alto grau de contato entre si, mas
também faziam as vezes de conectores entre grupos afastados desses clusters principais.
As medidas de eigenvector sugerem diferenças no que se refere a essa correlação já que,
aparentemente, o Passe Livre aparece com o maior valor entre os grupos. Isto sugere que
12
A fórmula da centralidade de eigenvector pode ser descrita do seguinte modo.
1 X 1X
xv = xt = av,t xt (3)
λ λ
t∈M (v) t∈G

18
durante as manifestações de junho, o MPL-SP se associou a atores igualmente atratores
de manifestantes, ainda que não tenha se relacionado de forma direta com diversos outros
grupos menores. Isto pode apontar para um padrão em que os grupos mais "autônomos"são
justamente os grupos inseridos entre na intersecção entre tipos de grupos diferentes.

Figura 4: Redes do Ciclo de Junho de 2013 - Centralidades


RdES MrMM
CSIO FNdA
MvEP LgBL
MrcV
CBA
AçCB BlcB
CnCJ
SFPP AsçP
JV:A AfrR
FçGL DtrA AçPM
AçJç CCR
MvmL Grau
FENT
(−0.014,2.33]
SndC CpQ?
AçCS CnFP (2.33,4.67]
AçMS SnPM
FrRU MTST (4.67,7]
MvPA
(7,9.33]
AçFC (9.33,11.7]
APOL
TrrL UJB (11.7,14]
Sndv ABGL FMAU
MvmM DCE−UN Intermediação
SINTUN
SndM
PCOMPL [0,1.38]
CUT UNE ADUN
(1.38,16.1]
SS−S
UJS PSTU FrnA SMSP (16.1,70.3]
PTP RnsC
Anny
PSOL AssD
SnMM
LER− MrcJ
CFP MMçJ
mvmn
SIP
MrcM CDAR ADUS

DCE−US SINTUS
JUNT

CPAE

Fonte: CEBRAP. Performances políticas e Circulação de Repertórios nos Ciclos de Protesto


Contemporâneos no Brasil, 2013 .Elaboração Própria.

Na Figura 4 percebe-se que tanto CUT quanto PSOL obtém maiores valores para a cen-
tralidades de intermediação em virtude de sua inserção igualmente no grande componente e
também porque conectam organizações mobilizadas em torno de pautas específicas e o grande
componente. No caso do PSOL, ele realiza a conexão entre grupos estudantis, movimentos
autonomistas como o MPL-SP e os grupos ligados a agenda anti-proibicionista como o Co-
letivo DAR e o Coletivo Marcha da Maconha. O caso da CUT como um broker se dá em
virtude de seu papel como articulador entre o ativismo em torno da questão do transporte. O
protesto em torno da mobilidade não reuniu somente grupos autonomistas como o MPL-SP
e o cicloativismo da Bicicletada e outro tipo de organizações. O ativismo em torno da mobi-
lidade também é marcado por campanhas de mobilização efetuada por setores trabalhistas
ligados ao setor de transporte. Daí o papel da CUT como um ator que atores estudantis
como a UNE e os sindicatos de grupos profissionais ligados ao setor de transportes.
De certo modo, talvez o debate em torno da autonomia dos grupos políticos em 2013
possa ser reformulado levando em consideração o papel de determinados tipos de partidos
políticos que atuam a meio caminho entre a institucionalização e o ativismo da rua. Em ou-
tros termos, paradoxalmente, os autores mais autônomos segundo a lógica da centralidade de

19
intermediação são justamente partidos políticos e alguns atores sindicalizados que atuaram
como intermediadores. Lembrando, é claro, que grande parte dos sindicatos e associações
profissionais tinham tendências a fazer parte de manifestações pontuais e voltadas para se-
tores específicos. Somente as centrais sindicais do como CUT e Conlutas foram capazes de
acumular recursos suficientes para a co-participação em diversas frentes de protesto.
Tais atores frequentam sistematicamente, ou, pelo menos, durante junho, atos, passeatas,
marchas de diversas frentes políticas. Parte da dúvida em relação a participação desses atores
se deveu sobretudo ao caráter de intermediação provido por esses grupos. A mídia salientava
sobretudo a novidade de mobilizações de massa perpetradas pelo MPL-SP e grupos ligados
aos protestos contra a Copa do Mundo.

5 Conclusão
O texto procurou apresentar os padrões relacionais entre as associações durante o ciclo de
protestos em 2013. Na primeira parte do texto foram revisitadas as teorias acerca da partici-
pação em junho de 2013. A maior parte das teorias se concentrou na caracterização societária
dos estratos sociais presentes em junho de 2013. Sem dúvida alguma, entender a extração
social dos ativistas e participantes envolvidos nos episódios de junho de 2013 é fundamental.
Sem desprezar a importância dessas análises, entretanto, o foco desenvolvido no texto foi
o de flagrar a arquitetura associativa presentes nos laços de co-participação nos protestos.
Argumenta-se aqui que durante episódios de protesto, quem saiu a rua não saiu somente
enquanto individuo genérico ou como membro de determinadas classes sociais específicas.
Uma diversidade de identidades coletivas apareceram em junho. Mas o mais importante
é a afirmação de que essas identidades coletivas são traduzidas e organizadas no episódio de
protesto através de formas associativas que nomeiam não somente as identidades coletivas,
mas recriam identidades políticas. Tais identidades políticas se expressam através de afini-
dades e afastamentos entre os diversos grupos políticos. Deu-se ênfase, portanto, no modo
como tais redes associativas de co-participação foram responsáveis pela disseminação dos pro-
testos e pela criação de padrões específicos de interação nos protestos. Os grupos atuantes
em junho foram classificados em três tipos: associações que protestaram somente uma vez e
sem relacionamento com outros atores em junho; associações que mantinham laços contínuos
de relacionamentos com determinados atores em mais de um evento em função de agendas
comuns e campanhas próprias a esses grupos e por fim, grupos fortemente conectados com
uma diversidade de agendas e identidades políticas e que frequentavam recorrentemente epi-
sódios de protesto juntos. Além disso, os grupos mantiveram relacionamentos complicados
com partidos políticos e movimentos estudantis.
Também foi possível entender o modo como tais padrões relacionais deram vazão a formas
diferenciadas de relacionamento entre os aglomerados de associações. Procurou-se também

20
enfrentar a questão da autonomia dos grupos através do apelo a análise exploratória de redes.
Num primeiro momento autonomia dos grupos foi mensurada através da ideia de centralidade
de intermediação. Os grupos com altos valores de centralidade de intermediação foram tidos
como relacionalmente autônomos. As associações que obtiveram maiores valores foram par-
tidos políticos de esquerda e centrais sindicais que foram responsáveis por conectar diferentes
domínios das manifestações em junho de 2013. Evidentemente, que a discussão acerca da
autonomia dos grupos não fica exaurida em função de sua redefinição através da centralidade
de intermediação. Mesmo na teoria de redes, diversas definições podem ser propostas. A au-
tonomia pode ser reconfigurada segundo o âmbito cultural e institucional, o que pode induzir
a descobertas de relações mais complicadas e multidimensionais entre autonomia relacional,
cultural, geográfica e institucional. Grupos poderiam estar posicionados em locais diferen-
tes em cada uma dessas dimensões, acarretando estratégias de atuação e de construção de
identidades políticas particulares. O debate em torno do pertencimento dos grupos e a ideia
de crise de representação fica mal formulado sem o entendimento dessas múltiplas formas
de inserção das associações dentro da sociedade civil e do Estado. As classes sociais não
agem sozinhas, pelo menos, não sem a mediação de estruturas de mobilização. Autonomia e
dependência não são termos absolutos.

21
6 Apêndices

Tabela 4: Eventos e Data

Evento ID Data
1 2013-06-02
2 2013-06-03
3 2013-06-03
4 2013-06-03
5 2013-06-04
6 2013-06-04
7 2013-06-05
8 2013-06-06
9 2013-06-07
10 2013-06-08
11 2013-06-08
12 2013-06-09
13 2013-06-09
14 2013-06-10
15 2013-06-10
16 2013-06-10
17 2013-06-10
18 2013-06-11
19 2013-06-11
21 2013-06-13
22 2013-06-13
23 2013-06-13
20 2013-06-14
24 2013-06-14
25 2013-06-15
26 2013-06-17
27 2013-06-17
29 2013-06-18
30 2013-06-18
31 2013-06-18
33 2013-06-18
34 2013-06-19
35 2013-06-19

22
40 2013-06-20
44 2013-06-20
47 2013-06-21
55 2013-06-21
60 2013-06-22
61 2013-06-22
63 2013-06-25
66 2013-06-26
65 2013-06-26
69 2013-06-26
71 2013-06-26
75 2013-06-28
76 2013-06-28
77 2013-06-28
78 2013-06-29
79 2013-06-29
80 2013-06-30

23
Tabela 5: Lista dos Atores Organizados:
ID,Sigla,Vinculo Societário

Sigla Ator Vinculo


1 Anny Anonymous Anti-Corrupção
2 MMçJ Movimento Mudança Já Anti-Corrupção
3 MvmM Movimento em Marcha Anti-Corrupção
4 CDAR Coletivo DAR Anti-Proibicionista
5 MrcM Marcha da Maconha Anti-Proibicionista
6 MvEP Movimento Eu quero Paz Civil
7 CnCJ Centro da Cultura Judaica Civil
8 DtrA Doutores da Alegria Civil
9 FçGL Fundação Gol de Letra Civil

24
10 JV:A Juntos pela Vida:AcordaBrasil Civil
11 AçJç Associação Justiça É o Que se Busca Civil
12 FMAU Fanfarra do MAU Cultural
13 AfrR AfroReggae Cultural
14 BlcB BlackBloc Cultural
15 AsçP Associações Punks Cultural
16 DCE-UN DCE-UNESP Estudantil
17 CSIO Colégio SION(Alunos) Estudantil
18 CBA Colégio Bandeirantes(Alunos) Estudantil
19 DCE-US DCE-USP Estudantil
20 FrnA Frente Antifa Estudantil
21 TrrL Território Livre Estudantil
22 UNE UNE(UniãoNacionalEstudantil) Estudantil
23 UJS UJS(UniãoJovemSocialista) Estudantil
24 LER- LER-QI Estudantil
25 JUNT JUNTOS Estudantil
26 UJB UJB(UniãodaJuventudeBrasileira) Estudantil
27 AçCB AssociaçãoComunidadeBoliviana Étnico
28 mvmn movimentofeministas Feminista
29 LgBL Liga Brasileira de Lésbicas Feminista
30 MrcV Marcha das Vadias Feminista
31 MrMM Marcha Mundial das Mulheres Feminista
32 FNdA Frente Naciona lcontra a Criminalização de Mulheres pela Legalização do Aborto Feminista
33 APOL APOLGBT LGBTT
34 ABGL ABGLT(AssociaçãoBrasileiradeLésbicas,Gays,Bissexuais,TravestiseTransexuais) LGBTT
35 MvmL Movimento Libertários Outros

25
36 PCO PCO(PartidodaCausaOperária) Partido
37 PSOL PSOL(PartidoSocialismoeLiberdade) Partido
38 ADUS ADUSP Partido
39 PSTU PSTU(PartidoSocialistadosTrabalhadoresUnificados) Partido
40 PTP PT(PartidodosTrabalhadores) Partido
41 CPAE Comissão Permanentedos Ambulantes do Estado de SãoPaulo Profissional
42 AçCS Associação Comercial SantaCecilia Profissional
43 ADUN ADUNESP Profissional
44 CFP CFP(ConselhoFederaldePsicologia) Profissional
45 CnFP Conselho Federal de Psicologia Profissional
46 FENT FENTAS(FórumdasEntidadesNacionaisdosTrabalhadoresdaÁreadaSaúde) Profissional
47 AçPM Associação Profissionais Medicina Profissional
48 CCR Cremerj(ConselhoRegionaldeMedicina) Profissional
49 SnPM Sindicato Professores Municipais Profissional
50 AssD Assembleia de Deus Religioso
51 RnsC Renascerem Cristo Religioso
52 MrcJ Marcha para Jesus Religioso
53 SndC Sindicato dos Comerciarios Sindicato
54 SINTUN SINTUNESP Sindicato
55 SS-S SindSaúde-SP(SindicatodosTrabalhadoresPúblicosnaSaúdedoEstadodeSãoPaulo) Sindicato
56 SIP SIP(SindicatodosInvestigadoresdaPolicia) Sindicato
57 SINTUS SINTUSP Sindicato
58 SndM Sindicatos dos Metroviários Sindicato
59 Sndv Sindiviários Sindicato
60 CUT CUT Sindicato
61 AçFC Associação Funcionários da CET Sindicato

26
62 SnMM Sindicatodos Metalúrgicos de Mogi Sindicato
63 SMSP Sindicatodos Metalúrgicos de São Paulo Sindicato
64 SFPP Sindicatodos Funcionários Públicos Prefeitura Sindicato
65 MPL MPL(MovimentoPasseLivre) Transporte
66 CpQ? Copa pra Quem? Urbanos
67 FrRU Frentede Resistência Urbana Urbanos
68 MTST MTST(MovimentodosTrabalhadoressemTeto) Urbanos
69 RdES Rede Comunidades Extremo Sul Urbanos
70 MvPA Movimento Periferia Ativa Urbanos
71 AçMS Associação Moradores Santa Cecília Vizinhança
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